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Universidade de Aveiro Departamento de Cincias da Educao 2008

ANA MAFALDA SARAIVA SEABRA

EDUCAO: ESTRATGIA PROMOTORA DA QUALIDADE DE VIDA EM CRIANAS HOSPITALIZADAS

Universidade de Aveiro Departamento de Cincias da Educao 2008

ANA MAFALDA SARAIVA SEABRA

EDUCAO: ESTRATGIA PROMOTORA DA QUALIDADE DE VIDA EM CRIANAS HOSPITALIZADAS

Dissertao apresentada Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre em Activao do Desenvolvimento Psicolgico sob a orientao cientfica da Doutora Anabela Maria de Sousa Pereira, Professora auxiliar com agregao do Departamento de Cincias da Educao da Universidade de Aveiro

o jri

Lus de Jesus Ventura de Pinho - professor associado da Universidade de Aveiro [presidente] Anabela Maria Sousa Pereira professora auxiliar c/ agregao da Universidade de Aveiro [orientador] Rosa Maria Lopes Martins - professor coordenador da Escola Superior de Sade de Viseu [arguente]

Agradecimentos

Este trabalho traduz o esforo de um conjunto de pessoas, sem as quais a sua realizao no teria sido possvel. Seria por isso impensvel no lhes prestar aqui a minha homenagem e gratido. Em especial: Senhora Professora Doutora Anabela Pereira, orientadora desta tese de mestrado, pelo seu incentivo e apoio, pela disponibilidade e pelas sempre oportunas opinies! A todos os tcnicos das escolas hospitalares e s crianas que connosco colaboraram, pois sem eles este estudo no teria sido possvel! A todos os familiares e amigos, os quais, mesmo sem se aperceberem, prestaram um valioso e especial contributo na realizao deste trabalho, com o seu carinho, disponibilidade, pacincia e sempre com uma preciosa palavra de incentivo para no desistir e na orientao das emoes! A todos, muito obrigado!

Palavras-chave

Hospitalizao, escola hospitalar, qualidade de vida, pedagogia hospitalar.

Resumo

O presente trabalho pretende estudar os projectos desenvolvidos nas escolas hospitalares como processos de ensino e aprendizagem no formal em contexto de hospitalizao. Sendo objectivo da presente investigao conhecer os espaos, mtodos e interaces pedaggicas que promovem a melhoraria da qualidade de vida da criana hospitalizada e a forma de encarar a doena. Foram realizados dois estudos em contexto hospitalar, de modo a identificar as percepes e prticas dos professores, bem como as percepes das crianas hospitalizadas. O Estudo 1 teve como objectivo conhecer a realidade e as prticas das escolas hospitalares e a amostra constituda por 6 professores responsveis pelas escolas hospitalares e a recolha de dados foi feita atravs do questionrio Percepes e prticas dos professores responsveis e de uma entrevista semi-estrutura, de modo a identificarmos as prticas e funcionamento da escola hospitalar. O Estudo 2 teve como objectivo conhecer as percepes e preferncias das crianas hospitalizadas face escola hospitalizada, sendo a amostra constituda por 66 alunos das escolas hospitalares, tendo a recolha de dados sido efectuada atravs do questionrio Percepes das crianas hospitalizada. Para tratamento estatstico foi utilizado o programa S.P.S.S. Na anlise da entrevista e da questo aberta foi utilizada a tcnica de anlise de contedo. Os resultados salientaram que, na opinio dos professores, as actividades desenvolvidas esto associadas s expresses e s actividades ldicas, com nfase na pedagogia individual e grupal. Os alunos da escola hospitalar gostam das actividades desenvolvidas, preferencialmente das actividades ldicas, do uso das novas tecnologias e das expresses, sentindo que estas os ajudam a esquecer que esto hospitalizados. Como concluso do estudo foi salientado um trabalho pedaggico multidimensional, dependente de algumas variveis, devendo o professor nortear o seu trabalho atravs de actividades que estimulem a expresso das emoes das crianas. Conseguindo, tambm, perceber que as actividades desenvolvidas ajudam a criana a esquecer que esto hospitalizadas e no ressignificar do espao hospitalar. So referidas algumas implicaes do estudo, nomeadamente a criao de directrizes mais especficas para este contexto educativo, bem como incluir nos curricula escolares dos cursos de formao de professores, bem como nas licenciaturas em enfermagem, disciplinas de educao emocional e de educao para a sade, promotoras de sade e bem-estar das crianas.

Keywords

Hospitalisation, hospital school, quality of life, hospital pedagogy

Abstract

This paper aims to study the projects developed in hospital schools as tools for non-formal teaching and learning in hospitalization context. The main objective of this research is to know, in hospital context, the spaces, the teaching methods and the interactions that promote the quality of life of the child in hospital and how to face the disease. There were two exploratory studies in order to identify the perceptions and practices of teachers, as well as the perceptions of the hospitalized children. Study 1 sample was formed by 6 teachers responsible for the hospital schools and the collection of data was made through the questionnaire Perceptions and practices of responsible teachers and a an interview half-structure, in order to identify practices and operation of the hospital school Study 2 sample was formed by 66 students from hospital schools, and the collection of data was conducted by the questionnaire Perceptions of children hospitalized to identify the perceptions and preferences of the students. For statistical treatment was used SPSS. To analyze the interview and the open question was used the technique of content analysis, from which we made the categorization of the content. The results showed that the developed activities are associated with expressions and recreational activities, with emphasis on teaching individual and group. The pupils of the hospital school like those activities mainly the recreational activities, the use of new technologies and expressions, feeling that these help them forget that they are hospitalized. We found that there is no single way to develop pedagogical work in this context, being this dependent on a few variables, the teacher must guide his work through activities that encourage the expression of emotions. We, also, realized that this kind of activities help the child to forget that they are hospitalized. Some implications of the study are mentioned, as if the creation of more specific guidelines for this educational context, as well as including in teacher training courses school curricula, as well as the degrees in nursing, disciplines of emotional education and health education, promoting health and well-being of children.

NDICE Pg INTRODUO ................................................................................................................. 11 I PARTE: REVISO DA LITERATURA ...................................................................... 15 Captulo 1. EDUCAO PARA A SADE E QUALIDADE DE VIDA..................... 15 1.1. 1.2. 1.3. 1.4. 1.5. Conceito de sade e de doena ......................................................................... 15 Qualidade de vida e bem-estar subjectivo....................................................... 19 Sade e qualidade de vida: que relaes? ....................................................... 20 Educao e promoo da sade........................................................................ 23 A escola como cenrio singular de educao para a sade............................ 25

Captulo 2. O SER CRIANA: UMA IDENTIDADE SINGULAR ......................... 29 2.1 O Desenvolvimento cognitivo-afectivo da criana................................................ 29 2.2. Resilincia no desenvolvimento humano .............................................................. 32 2.3. A doena na criana e o contexto hospitalar........................................................ 35 2.4. O brincar em contexto hospitalar ......................................................................... 39

Captulo 3. DO SER CRIANA AO SER PACIENTE: ASPECTOS DA ECOLOGIA HOSPITALAR............................................................................................ 45 3.1. A hospitalizao numa perspectiva ecolgica ...................................................... 45 3.2. Factores psicossociais associados hospitalizao .............................................. 46 3.3. O educador em contexto e aco hospitalar......................................................... 48 3.4. Escola hospitalar: um novo desafio....................................................................... 52 3.5. Pedagogia hospitalar: processo de articulao entre educao formal e no formal.............................................................................................................................. 59

II PARTE: CONTRIBUIO EMPRICA ................................................................... 61 Captulo 4. METODOLOGIA.......................................................................................... 61 4.1. Objectivos e Questes de investigao ............................................................. 61 4.1.1. Estudo 1 ................................................................................................................ 63 4.1.2. Estudo 2 ................................................................................................................ 63 4.2 Populao Alvo e Amostra................................................................................ 63 4.3 Instrumentos de Colheita de dados.................................................................. 64 4.3. Procedimentos.................................................................................................... 66 4.4. Anlise dos dados............................................................................................... 67 Captulo 5. RESULTADOS .............................................................................................. 69 5.1. Estudo 1- Percepes e prticas dos professores responsveis........................... 69 5.1.1. Caractersticas scio-profissionais ............................................................. 69

5.1.3 Percepo dos profissionais face ao desenvolvimento das crianas hospitalizadas ............................................................................................................. 73 5.1.4. Propostas de estratgias a desenvolver pelo hospital para promover e facilitar a adaptao das crianas ao contexto hospitalar ..................................... 75 5.1.5. Perfil da escola hospitalar, do professor e da criana hospitalizada ...... 77 5.2. Estudo 2- Percepes das crianas ................................................................... 81 5.2.1. Caracterizao das crianas internadas ........................................................ 81 5.2.2. Percepes das crianas face s actividades desenvolvidas na escola hospitalar.................................................................................................................... 82 5.2.3. Preferncia das crianas relativamente s actividades desenvolvidas na escola hospitalar......................................................................................................... 84 5.2.4. Diagnstico das crianas internadas .............................................................. 85 Captulo 6. DISCUSSO .................................................................................................. 89 6.1. Percepes e prticas dos professores em contexto hospitalar........................... 89 6.2. Percepes das crianas que frequentam as escolas hospitalares ...................... 93 Sntese crtica ................................................................................................................. 96 Captulo 4. CONCLUSO................................................................................................ 99 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................... 105 ANEXOS ANEXO I Questionrio Percepes e prticas dos professores ANEXO II Roteiro da entrevista ANEXO III Questionrio Percepes das crianas ANEXO IV Carta de pedido de autorizao ANEXO V Entrevista

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Constituio da Amostra do estudo 2 por sexo

Quadro 2 Anlise das frequncias das categorias hospitalares dos responsveis pelas escolas hospitalares

Quadro 3 Anlise descritiva da idade e do tempo de servio dos responsveis pela escolahospitalar

Quadro 4 Perfil das escolas hospitalares

Quadro 5 Pedagogias e actividades

Quadro 6 Pedagogias e actividades que mais estimulam as crianas na ptica dos professoresresponsveis

Quadro 7 Percepo dos profissionais face ao desenvolvimento das crianas hospitalizadas

Quadro 8 Dimenses e categorias das estratgias que o hospital pode desenvolver parapromover a adaptao das crianas

Quadro 9 Estatsticas da idade e do nmero de internamentos

Quadro 10 Constituio da Amostra por sexo

Quadro 11 Nveis de escolaridade das crianas hospitalizadas

Quadro 12 Estatsticas relativas s percepes das crianas face s actividades escolares

Quadro 13 Comparao de mdias de acordo com o nmero de internamentos

Quadro 14 Teste T para diferenciao de mdias de acordo com nmero de internamentos

Quadro 15 Preferncias das crianas relativamente s actividades desenvolvidas na escola hospitalar

Quadro 16 Frequncia dos diagnsticos das crianas internadas

INTRODUO O presente trabalho tem como objectivo conhecer, no contexto hospitalar, os espaos, mtodos e interaces pedaggicas que promovem a melhoraria da qualidade de vida da criana hospitalizada e a forma de encarar a doena. Est dividido em duas partes: na primeira parte propomo-nos a fazer uma reviso conceptual sobre o tema a estudar, constituda por quatro captulos, relacionados com as questes em estudo e apresentados de forma a possibilitar uma melhor compreenso da temtica, tratando-se, assim, de um suporte para a interpretao e discusso dos resultados obtidos. A segunda parte, designada de contribuio emprica, constituda por quatro captulos onde descrevemos a metodologia adoptada, bem como os resultados e as concluses retiradas. Assim, no primeiro captulo apresentamos a reviso da literatura relacionada com os conceitos de Sade, Doena e Qualidade de Vida, tentando encontrar uma ligao entre os mesmos, enfatizando a importncia de uma educao para a sade. No segundo captulo desenvolvemos uma reviso da literatura sobre a identidade e o desenvolvimento cognitivo-afectivo da criana, tentando enquadrar a doena e a hospitalizao neste processo de desenvolvimento, realando a importncia do brincar neste processo. O terceiro captulo dedicado ao estudo da ecologia hospitalar, onde inclumos aspectos relacionados com a perspectiva ecolgica da hospitalizao, os factores psicossociais associados hospitalizao, o educador em contexto e aco hospitalar, o desafio da escola hospitalar e a pedagogia hospitalar enquanto processo de articulao entre a educao formal e no formal. No que diz respeito segunda parte deste trabalho, constituda pelo estudo emprico, sendo o quarto captulo a descrio da metodologia utilizada: objectivos e questes de investigao que nortearam o estudo, enquadramento da investigao, procedimentos da recolha dos dados e no tratamento dos mesmos, bem como a caracterizao da amostra. No quinto captulo esto apresentados os dados e a anlise dos mesmos. No sexto captulo apresentamos a discusso dos resultados obtidos, relativamente s questes de investigao que colocmos. Para finalizar, no stimo captulo apresentamos as principais concluses do estudo e algumas sugestes. 11

Contextualizao A escola hospitalar deve ser encarada como um espao de educao no formal onde o professor deve trabalhar o currculo de forma flexvel e aberta, de modo a responder s necessidades e diversidades de alunos e situaes. Assim, as escolas nos hospitais so espaos que devem reinventar a educao. Chiatonne (1984) alerta-nos para uma perspectiva de medicina rotulada por prticas tecnicistas, onde impera a viso desfragmentada do homem, onde o sofrimento fsico est desvinculado do bem-estar emocional. Nesta perspectiva, urgente reforar o direito a ser pessoa e a humanizao dos servios de atendimento. Esta humanizao passa pela implementao de espaos pedaggicos com o objectivo de dar continuidade ao processo de aprendizagem da criana. Assim, a funo do professor no apenas de manter as crianas ocupadas, mas deve ser capaz de as motivar, promovendo o seu desenvolvimento e proporcionando condies de aprendizagem. Nestas idades, as crianas so naturalmente curiosas em relao ao que as rodeia, sendo portanto lamentvel que essa curiosidade se extinga por no ter sido encorajada, ou pelo facto de se encontrarem hospitalizadas. Assim, se a situao de hospitalizao encarado como um stresse, ao qual a criana pode responder de inmeras formas cabe escola hospitalar proporcionar s crianas estratgias de envolvimento significativas, tendo em conta os objectivos da educao em contexto hospitalar.

Justificao e pertinncia do tema As preocupaes que esto na origem deste trabalho partem do reconhecimento formal de que as crianas hospitalizadas, independentemente do perodo de permanncia na instituio hospitalar, tm necessidades educativas e sociais, necessitando de estratgias que lhes proporcionem o desenvolvimento do bem-estar emocional e da sua qualidade de vida. O processo de hospitalizao pode ser considerado como uma crise no desenvolvimento da criana, uma vez que h um conjunto de aspectos e situaes que se alteram na sua vida, podendo provocar dfices irreversveis no seu processo de desenvolvimento. Relativamente a este contexto de hospitalizao, Mendz, Ortigosa e Pedroche (1996) classificam-no a partir dos seguintes aspectos: ambiente fsico

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incomum, rotinas hospitalares (onde se podem incluir tratamentos invasivos), ruptura com as rotinas quotidianas, ausncia dos familiares e amigos, entre outros. Tais aspectos podem provocar situaes indutoras de stresse que exigem da criana reaces, que podem ser diversificadas: desde apatia, ao choro Assim, a identidade de ser criana , muitas vezes, esquecida no contexto de hospitalizao, onde a criana confrontada com uma realidade diferente das suas rotinas dirias. A criana passa a ser confrontada com as rotinas e prticas hospitalares onde passa a ser entendida como um paciente que inspira e necessita de cuidados mdicos. A pertinncia deste projecto de investigao passa, assim pela anlise da educao em contexto hospitalar como fonte de minimizao dos sintomas de ansiedade, angstia e stresse, decorrentes da hospitalizao, promovendo a qualidade de vida da criana hospitalizada. No podemos ignorar que desde a segunda metade do sc. XX que se observou uma preocupao crescente, em pases como a Inglaterra e os Estados Unidos, em implementar experincias educativas com crianas e jovens em ambiente de internamento. Pases como a Espanha e o Brasil so, nos dias de hoje, impulsionadores desta pedagogia hospitalar e, analisando estes contextos torna-se urgente uma anlise e reflexo sobre esta problemtica no nosso pas. Torna-se, portanto, fundamental compreender qual o papel da educao no desenvolvimento integral da criana hospitalizada, constituindo, nos dias de hoje, um desafio que requer princpios especficos por parte dos educadores.

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I PARTE: REVISO DA LITERATURA

Captulo 1. EDUCAO PARA A SADE E QUALIDADE DE VIDA

1.1.

Conceito de sade e de doena Os conceitos de sade e de doena evoluram com a histria do homem, podendo

evidenciar-se perodos distintos para essa evoluo. Actualmente o conceito de sade implica a capacidade dos indivduos para que se possam desenvolver e actuar activamente no meio envolvente, de forma positiva, atravs de uma adaptao contnua s exigncias do meio, tomando decises saudveis. Sendo, neste sentido, importante apostar na promoo da sade atravs da educao, como uma estratgia promotora de mudana de atitudes e comportamentos determinantes da sade.

Conceito de Sade

Etimologicamente, o grego antigo tem duas palavras que significam sade: Higeya e Evexia. Higeya, origem da palavra higiene, Evexia significa bons hbitos do corpo. Ambos os termos so dinmicos, demonstrando actividade, enquanto o termo doena sugere algo esttico. A grande evoluo do conceito de sade ocorre na dcada de 70 do sculo XX, onde emergiu a ideia de que as principais causas de mortalidade e doena decorrem do comportamento humano. Neste sentido, o termo sade passou a estar associado ao conjunto de aces que se podem desenvolver com as pessoas que esto saudveis, com objectivo de reduzir a probabilidade de virem a adoecer. Esta foi a segunda revoluo que ocorreu na rea da sade, rompendo com uma concepo de sade centrada na preveno de doenas (1 revoluo da sade). Com esta evoluo emerge um novo paradigma, o da salutognese, o qual se centra na descoberta dos factores que mantm a pessoa com melhor sade (OPSS, 2003).

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A objectivao do conceito de sade emerge, assim, em 1986 pela Organizao Mundial da Sade, ou seja, a sade passou a ser entendida como um recurso e uma dimenso da Qualidade de Vida. Nesta ptica, a noo de sade deixa de ser restritamente biolgica, passando a incluir dimenses psicossociais. Devendo, na perspectiva de Ewles e Simnett (2003), tambm integrar uma dimenso ambiental, o sentido de que cada pessoa deve estar dotada de uma capacidade de adaptao s constantes alteraes do meio. Sendo que, segundo Costa & Lpez (1998) o novo conceito de sade deve capacitar o indivduo de forma a que este se desenvolva e possa intervir de forma positiva no meio envolvente, tomando decises de forma consciente e crtica, respondendo s exigncias do meio. Nesta perspectiva, a sade torna-se num factor de responsabilidade social, envolvendo activamente as pessoas na melhoria da sua qualidade de vida. Ou seja, torna-se conjuntamente uma responsabilidade individual e social, o que significa que existe uma interaco intrnseca entre os aspectos pessoais e os aspectos ambientais. A evoluo do conceito de sade transcende de uma realidade objectiva, traduzida pelo bom funcionamento do corpo, para uma realidade subjectiva, associada capacidade de repensar os nossos comportamentos face ao nosso status de sade. Uma vez que sade e ausncia de doena no so sinnimos, sendo em certos casos difcil encontrar compatibilidade entre estas duas definies. No podemos, no entanto, ignorar, que o conceito de sade varivel, uma vez que, como defende Giordan (2000), em cada momento da vida a pessoa estrutura a sua prpria noo de sade, a qual se vai ajustando de acordo com as suas concepes e projectos de vida, sendo que cada um, mediante as suas necessidades, cria estratgias para as satisfazer. Assim, a Carta Otava (1996) define sade como o processo de capacitar as pessoas para aumentarem o controlo sobre a sua sade, e para a aumentar. No podemos ignorar que a necessidade da promoo da sade surge por um conjunto de vantagens directas (ao nvel econmico, implicando menos gastos com a doena) e indirectas (ao nvel laboral, garantindo mais dias de trabalho, mais energia) Falar em promoo da sade deve implicar a indicao de caminhos para uma melhor qualidade de vida. Spink (2003) ressalta a relao que emerge entre a psicologia social e sade, destacando que a construo desta rea do saber tem evoludo a partir de uma perspectiva 16

intra-individual, incorporando, posteriormente, de forma mecnica, o social na tentativa de explicar o processo sade/doena, assumindo, mais recentemente, sob a ptica da psicologia scio-histrica, uma postura mais dinmica face ao social. Para Spink (2003, 47) tal postura implica dois saltos qualitativos: ... Primeiramente porque aborda a doena no apenas como uma experincia individual mas tambm como fenmeno colectivo sujeito s foras ideolgicas da sociedade. Em segundo lugar, por inverter a perspectiva deixando de privilegiar a ptica mdica como nico padro de comparao legtimo e passando a legitimar tambm a ptica do paciente. Esta vertente, portanto, possibilita o confronto entre o significado (social) da experincia e o sentido (pessoal) que lhe dado pelo indivduo. Nesta mesma perspectiva Kahhale (2003, 167) coloca em destaque a dialctica sade/doena e a multiplicidade de factores implicados, o que na sua concepo permite romper com uma viso ideolgica de sade e doena, onde elas aparecem como responsabilidade nica e exclusiva do indivduo. Este distanciamento implica, portanto, uma concepo de sade enquanto projecto social cujas aces se definem em termos de promoo de sade, numa ptica colectiva de aco, onde todos os agentes devem criar bases de uma educao para a sade. Logo, o atendimento pedaggico em ambiente hospitalar insere-se nesta perspectiva de promoo de sade, contextualizada sob a ptica da promoo da qualidade de vida da criana, propondo uma nova possibilidade de interveno, ao conceber a educao no apenas como um direito, mas como parte integrante do processo de tratamento. Assim sendo, importante que se proporcione um ambiente que permita a continuidade do desenvolvimento infantil, ainda que num contexto restritivo, como o ambiente hospitalar. No na perspectiva de distrair as crianas, mas de as capacitar de forma a serem parte activa no seu processo de desenvolvimento e no prprio processo de tratamento. Assim, a sade passa a ser entendida como um recurso quotidiano, implicando um estado completo de bem-estar e no apenas a ausncia de enfermidade.

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Conceito de doena o adoecer

Ao contrrio da definio portuguesa, a lngua inglesa utiliza trs termos distintos (disease, illness, sickness) para definir diferentes situaes de doena que, na nossa lngua, poderamos expressar como ter uma doena ou sentir-se doente. Ou seja, dentro da definio de doena podemos identificar vrios quadros que a nossa lngua no diferencia. Num primeiro sentido doena disease pode ser entendida como um acontecimento biolgico, caracterizado por um conjunto de manifestaes anatmicas, fisiolgicas e bioqumicas. Trata-se de uma alterao na estruturao de um sistema ou de uma parte do corpo. Isto significa que o indivduo tem uma doena. Doena, num segundo sentido, pode significar sentir-se doente illness o que significa que no ocorre nenhum fenmeno biolgico, mas sim um acontecimento humano. Ou seja, manifesta-se uma desorganizao psicossocial que consiste numa sensao de desconforto, resultante das interaces do sujeito com o meio ambiente. Podemos ainda definir doena como sickness, ou seja, ter comportamentos como um doente. Esta definio resulta da rotulao das pessoas como no saudveis. Assim sendo, podemos concluir que possvel sentir-se doente sem estar doente, do mesmo modo que pode existir doena sem que o indivduo se sinta doente. Apesar de contraditrio possvel uma pessoa ter um bom ndice de sade e estar gravemente doente (disease). Assim, a fronteira entre sade e doena no se torna evidente. Podemos agrupar um conjunto de situaes que esto na raiz da variao do status de sade: - Scio-econmicos e polticos; - Ambientais; - Culturais, familiares e comportamentais; - Funcionamento dos servios de sade; - Biolgicos.

Contudo, no possvel definir a importncia de cada um destes factores para a variao do status de sade, doena e qualidade de vida.

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O adoecer afecta as actividades psicomotoras, bem como as funes afectivas e cognitivas ficam debilitadas e a referncia corporal torna-se ineficaz para responder s necessidades do eu infantil. Esta situao, mesmo quando transitria, pode ser interpretada como uma experincia de fracasso, uma vez que se torna num bloqueio autonomia, impondo limites realizao das suas tarefas bsicas, onde podemos destacar as actividades escolares. Segundo Moraes (1971) a criana expressa o seu sofrimento perante as suas dificuldades de compreender o que se passa e de se adaptar nova situao atravs de comportamentos agressivos, agitao psicomotora, recusa ao tratamento e manifestaes depressivas. O acto de adoecer uma experincia de privaes sensrio-motoras, afectivas, cognitivas e sociais.

1.2.

Qualidade de vida e bem-estar subjectivo A sade constitui uma dimenso chave da qualidade de vida e do bem-estar

individual. A experincia de hospitalizao susceptvel de contribuir para a agudizao dos sintomas fsicos e psicolgicos. Confinado a uma cama, limitado na sua autonomia e sem referncias existenciais, a criana susceptvel de experimentar a triologia bsica, ansiedade, depresso e baixa de Auto-Estima, ou genericamente, sentimentos de perda de controlo e desespero. universalmente aceite a importncia da relao entre factores psicolgicos e a hospitalizao. As caractersticas individuais parecem condicionar a atribuio de significados aos acontecimentos de vida e as estratgias que mobiliza para reagir ao adoecer, favorecendo ou no o bem-estar. Para Diener (1984), o bem-estar um construto tripartido: subjectivo, variando de acordo com a experincia individual; pressupe estratgias positivas e no apenas a ausncia de factores negativos; inclui, ainda, a avaliao global de todos os aspectos das vivncias pessoais. O bem-estar subjectivo refere-se s avaliaes afectivas e cognitivas que as pessoas fazem das suas experincias; compreende a felicidade, infelicidade, assim

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como a satisfao com a sade... Diener e Fujita (1997) consideram que as pessoas de elevado bem-estar subjectivo apresentam uma tendncia para enfrentar as diferentes situaes de forma positiva. As emoes de tonalidade negativa favorecem o desenvolvimento de crenas negativas sobre o self e o mundo, estabelecendo-se espirais desadaptadas. As pessoas que tendem a expressar emoes de tonalidade positiva, so mais sensveis aos sinais compensatrios e tendem a centrar-se nos objectivos a prosseguir conforme refere Lightsey (1996). O optimismo provoca uma maior vontade de viver, melhor sade e maior estabilidade emocional. O optimismo no mais do que uma forma de encarar a vida, dependendo dos significados que damos s diferentes situaes e experincias. Se olharmos cada situao pelo lado mais positivo, passamos a encarar cada situao como fonte de mudana, como um desafio para mudar. Assim, podemos concluir que todo o optimismo depende das nossas cognies, ou seja, dos significados que atribumos a cada experincia. A mente a base do optimismo e, consequentemente do bem-estar e satisfao. Como proclamava Confncio no ano 500 a.C., a nossa maior glria no est em nunca cairmos, mas sim em nos levantarmos de cada vez que camos. O que significa que o optimismo pressupe persistncia e estratgias de resilincia em relao adversidade. Devemos reconhecer as nossas cognies pessimistas e recodificar os significados das mesmas. uma capacidade que podemos denominar de uma gesto do auto-reforo positivo. No nos podemos, nem devemos esquecer que o optimismo previne a depresso e a ansiedade. Logo, urgente criar um ambiente optimista em ambiente hospitalar, atravs do reforo positivo.

1.3. Sade e qualidade de vida: que relaes? O conceito de Qualidade de vida pode revelar-se ambguo. A evoluo deste conceito est associada a alguns referenciais tericos como: satisfao com a vida, felicidade e bem-estar subjective, utilizados indiscriminadamente como sinnimos (Frisch, 2000), o que tem dificultado a delimitao cientfica do mesmo, uma vez que, ainda que relacionados, estes conceitos so estruturalmente diferentes.

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A noo de sade pode ser entendida como uma dimenso independente da doena, a partir da qual se desenvolveram alguns conceitos que esto implicados, tais como a noo de Qualidade de Vida. Dubos (1976) refere que a qualidade de vida implica a existncia de alegria de viver, ou seja, uma profunda satisfao pessoal. Por outro lado, Meares considera que a qualidade de vida deve ser entendida como um conjunto de avaliaes sobre factores ambientais e socioculturais que se conjugam para a realizao pessoal. O que significa que esta perspectiva contm uma dimenso mais grupal do que pessoal. Os defensores de uma medicina sistmica comungam da ideia de que a qualidade de vida tem impacto sobre a sade, sendo, por isso, importante analisar os estudos realizados sobre o papel da educao no hospital, como factor promotor da qualidade de vida. Existem, no entanto, dificuldades no mbito da definio e conceptualizao de qualidade de vida em crianas e jovens hospitalizados. O interesse deste conceito de Qualidade de Vida na rea da sade advm da definio da O.M.S. (1948) em que esta entendida como estado complete de bem-estar fsico, mental e social, no sendo apenas a ausncia de doena. Esta definio implica que as iniciativas de promoo da sade no se limitem ao controlo dos sintomas ou diminuio da mortalidade, mas valorizando, de igual modo, aspectos associados ao bem-estar e qualidade de vida. Nos primeiros documentos do WHOQOL Group, Qualidade de vida surge definida como a percepo do indivduo sobre a sua posio de vida, dentro do contexto de sistemas em que est inserido e em relao aos seus objectives, expectativas e preocupaes (1994, 28). Esta definio define que Qualidade de Vida influenciada de forma complexa pela sade fsica e psicolgica e pelas relaes interpessoais estabelecidas com o meio envolvente em que o indivduo est inserido. Contudo, nos dias de hoje , universalmente, aceite que um constructo multidimensional (ainda que existam discrepncias na identificao de domnios especficos), e que incorpora componentes objectivos e subjectivos. Realando-se, ainda, a necessidade de se considerar a perspectiva de desenvolvimento.

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Existem trs domnios que parecem consensuais: a dimenso fsica, a psicolgica e a social (Bullinger, Schmidt & Petersen, 2002). A qualidade de vida associada sade inclui, para alm do bem-estar psicolgico e social, dimenses associadas aos sintomas associados com a doena, ao tratamento, e s percepes de sade (Spieth & Harris, 1996). Wallander considera que a Qualidade de Vida em crianas e adolescentes pode ser definida como a combinao do bem-estar subjectivo e objectivo, em mltiplos domnios da vida como o seu contexto cultural, a dimenso intra e inter-pessoal, bem como as percepes de cada indivduo face ao processo de hospitalizao. No contexto dos cuidados de sade importante distinguir a noo qualidade de vida global da qualidade de vida relacionada com a sade, conceito que, segundo Spieth e Harris (1996), se refere ao impacto objectivo e subjectivo da doena e do tratamento na criana. A qualidade de vida , portanto, entendida como a percepo do indivduo da sua posio na vida, no contexto da cultura e os seus objectivos, expectativas (WHOQOL Group, 1994). A noo de qualidade de vida assenta num construto subjectivo, multidimensional, composto por dimenses positivas e negativas. A qualidade de vida associada sade pressupe conceitos ligados ao impacto do estado de sade sobre a capacidade do indivduo viver plenamente (Health-Related Quality of Life). Bullinger (1993) acrescenta que qualidade de vida no se limita s condies de sade, incluindo um conjunto de condies que podem afectar o indivduo. No mbito das intervenes dirigidas para a promoo da Qualidade de Vida, em crianas e jovens hospitalizados, destacam-se as que focam o incremento da Qualidade de Vida atravs da melhoria do estado de sade e da diminuio do peso que o tratamento tem para a criana/o jovem, sendo, provavelmente, as intervenes educacionais as mais frequentemente utilizadas. Estas intervenes visam promover uma melhoria do conhecimento e gesto da doena, ajudando as crianas e jovens a encarar a doena e o hospital de outra forma.

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1.4. Educao e promoo da sade

A educao para a sade, historicamente, consistia numa instruo sanitria, atravs de uma abordagem informativa. Os educadores transmitiam conselhos, regras de higiene e de conduta. Nos dias de hoje, com a evoluo do conceito de sade, a educao para a sade assenta num processo educativo com uma dimenso participativa das crianas. Na carta Ottawa (WHO, 1996a) salienta-se que a sade no se desenvolve ou melhora atravs dos servios de sade, mas resultado da capacidade de actuar no meio envolvente, tomando decises conscientes e saudveis. O meio envolvente e as instituies que nele se dinamizam desempenham um papel precioso na integrao de novos conhecimentos. Silva (2002) refere que a educao para a sade deve mais do que encarar as exigncias da actualidade, preciso repensar as atitudes e comportamentos numa perspectiva futura. Sendo, neste sentido, que se fala de uma promoo da sade como uma atitude global, promovendo condies de desenvolvimento que visem um percurso saudvel das pessoas. A educao para a sade uma das estratgias integradoras da promoo da sade. Sendo que, a promoo da sade integra um conjunto amplo e complexo de estratgias. A educao para a sade define-se como o conjunto de processos educativos desenvolvidos, com objectivo de influenciar positivamente a sade. Existem, no entanto, diversos modelos de educao para a sade, desde os modelos comportamentais, que visam a mudana de comportamentos pessoais de modo a diminuir a possibilidade de doena, atravs de aces de informao; modelos scio-ecolgicos, que integram os comportamentos intra-pessoais e as influncias endgenas. Neste contexto, o modelo scio-ecolgico integra as caractersticas pessoais e as influncias scio-polticas que determinam os comportamentos. Sendo, portanto, um modelo mais amplo, onde o sujeito tem um papel activo e no de mero espectador. Segundo W.H.O. (1998a) a educao para a sade no deve estar, restritamente relacionada com a transmisso de informao, mas associada tambm ao desenvolvimento da auto-estima, da motivao e da capacidade de confiana para agir na melhoria da sua prpria sade.

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Torna-se bastante claro que os programas de educao para a sade no podem limitar-se a um processo informativo populao sobre problemas isolados. importante observar o sujeito como um todo, integrando os processos intelectuais, afectivos e culturais. S atravs deste processo de integrao dos valores/dimenses intra e interpessoais ser possvel atingir uma efectiva mudana de atitudes e hbitos. O que significa que a educao para a sade deve integrar valores e modelos sociais que levem a formas especficas de mudana de prticas (Gazzinelli et al, 2005). A sade torna-se, assim, num recurso que deve estar ao alcance de todos, atravs do empowernement individual e colectivo, no esquecendo a importncia da legislao e regulamentao poltica, bem como do reforo da aco comunitria. Nesta perspectiva, a promoo da sade est direccionada para a influncia sobre os factores determinantes da sade. Assim, a educao para a sade tem como objecto de estudo os comportamentos e os estilos de vida, tentando diminuir os factores de risco e capacitando os indivduos com factores protectores. Podemos, assim, destacar trs tipos de prevenes: a preveno primria, com a diminuio dos factores de risco e desenvolvimento dos factores protectores; a preveno secundria, que consiste na alterao de comportamentos que permitem o tratamento de doenas precocemente detectadas; a preveno terciria, associada recuperao da sade, evitando recadas. A educao para a sade passa por um conjunto de aces desenvolvidas no sentido de capacitar o indivduo na compreenso das exigncias do meio envolvente, na promoo de comportamentos saudveis, atravs da tomada de decises conscientes. Nesta perspectiva, a educao para a sade pretende a alterao de comportamentos, atravs de um incremento de atitudes relacionais. Esta dimenso relacional ganha ainda maior relevo em contexto hospitalar. A sade deve ser, portanto, entendida num sentido amplo de bem-estar individual e no s em relao ausncia de doena, sendo considerada um direito humano fundamental. Deve ser, por isso, um objectivo da prpria sociedade. A sade apresenta, nesta perspectiva, uma dimenso didctica, sendo o papel da escola fomentar atitudes e criar hbitos, sempre numa perspectiva preventiva. Sendo,

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portanto, importante que a escola possibilite vivncias salutares, apelando ao incremento da qualidade de vida. Esta dimenso pedaggica da sade pretende a formao e encorajamento de atitudes, comportamentos e estilos de vida saudveis e conscientes.

1.5. A escola como cenrio singular de educao para a sade Cenrios de educao para a sade

Assumindo a multiplicidade de factores implicados no conceito de sade, bem como os valores de ordem intelectual, afectivos e culturais adjacentes ao mesmo, importante que os projectos de educao para a sade consigam integrar essa mescla de valores e modelos sociais que influenciam os comportamentos e prticas. Assim, a educao para a sade pode assumir diversos contextos de aco. neste sentido que Ewles e Simnett (2003) referem um conjunto de agentes que podem ser envolvidos neste projecto de promoo da sade, realando a sua importncia. Neste processo, incluem as organizaes internacionais, Governos, Sistema Nacional de Sade, Organizaes No Governamentais, Servios Privados de Sade, poder local, instituies de ensino, os Mass Media, entre outros. Podemos, no entanto, referir outras fontes de educao para a sade, onde podemos incluir os pares e a comunidade envolvente, uma vez que estes podem proporcionar criana ou jovem um ambiente indutor de desenvolvimento, bem como podem ter uma influncia contrria, originando situaes prejudiciais sade e ao desenvolvimento (WHO, 2001). O grupo de pares influencia os comportamentos e atitudes de sade atravs da forma como afecta as normas, valores e comportamentos, de modo a estabelecer uma identidade social e cultura. Numa perspectiva de sade, como salientam Settertobulte e Matos (2004), esta influncia torna-se complexa, uma vez que pode desencadear quer comportamentos de protectores, quer comportamentos de risco. No podemos ignorar que, nos ltimos tempos, a escola se tem destacado como um dos principais contextos de Educao para a sade, num esforo para melhorar os comportamentos e prticas determinantes ao nvel da sade, sendo essencial integrar a

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educao para a sade numa perspectiva de CTS (Cincia, Tecnologia e Sociedade), onde o desenvolvimento dos nveis de literacia cientfica se assumem como essenciais

A escola como cenrio privilegiado de educao para a sade A Sade e a Educao apresentam-se como dois dos principais pilares do desenvolvimento humano, condicionando o futuro e do progresso de cada um, onde a qualidade de vida, individual e colectiva, depende dos nveis de educao e de sade. Em contexto escolar, educar para a sade consiste em capacitar as crianas de conhecimentos, atitudes, valores que as ajudem na tomada de decises adequadas sade. Pela sua dinmica de aprendizagem e sociabilidade, bem como pelo espao saudvel, consegue promover atravs da participao activa e criativa dos alunos, nas relaes que estabelecem em sala de aula, o entendimento sobre a importncia da autoestima e da autonomia enquanto factores essenciais na promoo da sade. Sendo importante no esquecer que, o desenvolvimento de algumas caractersticas da personalidade, bem como de algumas atitudes face sade e os comportamentos de riscos, se desenvolvem durante os anos escolares. Sendo essencial estar atento e poder ajudar neste processo de construo de valores e comportamentos, que mais tarde podero ser determinantes do estado de sade. Segundo Maes & Lievens (2003) nesta perspectiva que a escola ocupa uma posio singular na promoo da melhoria do estado de sade dos jovens, uma vez que tem uma ampla magnitude na vida das crianas e jovens, em termos temporais, visto que o ser humano passa uma longa etapa da sua vida na escola. A promoo da sade no mbito escolar, no passa apenas pela sua incluso nos currculos escolares, mas envolvendo tambm o ambiente fsico e social, bem como as influncias da comunidade, em especial dos pais. Ou seja, deve existir uma integrao das experincias das crianas neste processo de promoo da sade, para que este seja efectivo. Segundo Pereira (2001: 3) espera-se que cada aluno, enquanto indivduo, possa participar e construir o seu projecto de vida pessoal, tendo em vista o seu bem-estar, bem como enquanto agente promotor esse bem-estar em contexto escolar. Sendo, para esse efeito, importante implicar as crianas na identificao dos aspectos que podem ser

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melhorados ou desenvolvidos em contexto escolar, com o objectivo de promover aces de educao para a sade. A educao para a sade em mbito escolar foi sofrendo alteraes de acordo com as exigncias do meio, sofrendo, por isso, alteraes considerveis nas ltimas dcadas. As preocupaes com o uso de drogas conduziram a aces em que se advertiam as crianas e os jovens para os ricos e perigos da sua utilizao. A educao para a sade de forma objectiva e sistemtica surge na escola a partir deste momento e tendo como base as dvidas sobre a eficincia desse tipo de intervenes. nesta fase que a educao para a sade escolar se aproxima da noo de sade positiva, abrangendo temas como a preveno, primeiros socorros, segurana, entre outros. Com o evoluir da noo de sade houve, tambm, um alargamento dos tpicos a desenvolver como a educao alimentar e sexual, a higiene corporal e oral. Pretende-se, assim, que a educao para a sade seja cada vez mais uma caracterstica intrnseca da prpria escola, indo para alm da integrao nos currculos das diferentes reas e disciplinas pretende instalar-se nas relaes e interaces que se estabelecem dentro e fora da escola (Pereira, 2001: 33). A importncia da educao para a sade parece clara, uma vez que estudos comprovam que pessoas com baixos nveis de escolaridade tm maior probabilidade de ter uma sade pobre em adultos, o que significa que a promoo de educao para todos tenta combater uma das causas de desigualdades em sade (Departement of Health, 1999). A ausncia de informao dificulta a tomada de decises. Da, a importncia da abordagem da Educao para a Sade em meio escolar.

Os servios de sade

Os servios de sade, no mbito da educao para a sade, ganham maior importncia, dada a vulnerabilidade das crianas que a elas recorrem e pelo impacto que a hospitalizao tem futuro desenvolvimento saudvel (Costa & Lpez, 1998). A escola em contexto hospitalar configura-se, assim como um espao para o desenvolvimento de programas de educao para a sade, junto s crianas e acompanhantes, tendo em vista que a referncia imediata doena se pode tornar num

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elemento motivador para a adopo de comportamentos e atitudes que promotores da sade e consequente qualidade de vida. Neste sentido, cabe escola hospitalar promover a sade global das crianas e adolescentes, favorecendo o processo de aprendizagem atravs da potenciao de condies favorveis socializao, ao seu desenvolvimento bio-psicosocial, bem como ao seu bem-estar.

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Captulo 2. O SER CRIANA: UMA IDENTIDADE SINGULAR

2.1 O Desenvolvimento cognitivo-afectivo da criana O desenvolvimento humano um projecto, que apresenta uma forma espiral, uma vez que em cada momento da nossa vida retomamos tudo o que temos para projectarmos no futuro. O desenvolvimento humano pressupe uma estrutura humana, a personalidade, que se desenvolve no tempo, de forma progressiva, diferencial e globalizante. O que possibilita e legitima a diviso do desenvolvimento em estdios ou fases mais ou menos estruturadas. Todo este processo assenta na interaco da hereditariedade e do meio. Existem, portanto, diferentes modelos de anlise e de interpretao do desenvolvimento humano. Wallon (1941) admite que o organismo a primeira condio do pensamento, uma vez que toda a funo psquica exige um equipamento orgnico. Porm, ressalta que o objecto do pensamento resulta do meio ambiente em que se insere a criana. Surge, assim, a concepo Walloniana de homem entendido como intelignciaemoo-movimento. Assim, o desenvolvimento assemelha-se a uma construo progressiva, com a sucesso de fases distintas, onde predomina, alternadamente, uma vertente afectiva e cognitiva. Nesta perspectiva de Wallon (1942) a emoo o vnculo social da criana, estando na base da inteligncia. A actividade emocional simultaneamente biolgica e social, sendo por meio desta interaco scio-culural que se realiza a transio do biolgico ao cognitivo. Wallon analisa de uma forma dialctica a gnese e as transformaes que ocorrem na criana, de modo a proporcionar-lhe uma educao mais objectiva e adequada ao seu desenvolvimento. Para construir o seu modelo de anlise baseou-se na emoo, definida como um realidade mista, lugar de convergncia entre o biolgico e o psquico. Explica o desenvolvimento atravs da dialctica fundamental da interaco entre hereditariedade e o meio, o inato e o adquirido, a natureza e o cultural, o individual e o social, colocando em relevo aspectos de natureza afectiva e relacional. Este aspecto da emoo da teoria Walloniana ganha ainda maior relevo junto a

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crianas hospitalizadas, onde o termmetro emocional se torna mais intenso, o que, a priori, poder influenciar a sua nova compreenso da realidade. A maior contribuio de Vygotsky no ramo da educao, surge do esforo de tentar compreender a relao entre a aprendizagem e o desenvolvimento Tanto para Wallon, como para Vygotsky a construo da identidade resulta do processo de socializao, seja afectiva ou lingustica. A identidade resulta de um conhecimento inter-subjectivo, efectivado pelo afecto. A criana hospitalizada, ao ser privada da interaco com o seu grupo social, cria uma barreira construo do conhecimento e da sua prpria subjectividade, gerando conflitos intra-pessoais. A compreenso da origem e resoluo de conflitos esteve sempre associada compreenso do desenvolvimento humano, bem como estruturao da personalidade. Autores como Freud (1920, 1929), Erikson (1959/1978), Piaget (1975), Kohlberg (1969) e Vygotsky (1994), ainda que sob diferentes pticas, viram no conflito, e principalmente nos conflitos infantis, o impulsionador do desenvolvimento humano. Freud (1920, 1929) deteve-se no estudo do conflito gerado pela dinmica da energia libidinal. Para Erikson (1959), o desenvolvimento humano marcado por um conjunto de crises psicossociais esperadas para cada estgio da vida, sendo estas essenciais para a continuidade e sequncia do desenvolvimento. Ou seja, esta crise inerente ao desenvolvimento o momento decisivo em que se opta por um ou outro rumo, mobilizando os recursos de crescimento, recuperao e nova diferenciao (Monteiro & Santos, 1998). Para as teorias cognitivas como as de Piaget (1975) e Kohlberg (1969), as noes sociais da criana desenvolvem-se em funo da sua maturao biolgica e em interaco com o meio envolvente. Vygotsky (1994) foi um dos principais articuladores entre psiqu e actividade. Ou seja, o mecanismo de mudana individual ao longo do desenvolvimento baseado na sociedade, na cultura e nos sistemas de signos utilizados para solucionar as situaes. A partir deste breve enfoque, pode-se observar que existe uma certa tradio em estudar os conflitos infantis associados ao desenvolvimento. Para alguns estudiosos contemporneos (Dias, Vikan & Gravas, 2000), a forma como as crianas ultrapassam um conflito est directamente relacionada com a forma como as crianas regulam as suas

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emoes, utilizando estratgias especficas, prprias de cada estgio de desenvolvimento. Ao ser confrontada com a situao de hospitalizao, a criana sente-se assustada, principalmente pelo ambiente hostil da instituio hospitalar, gerando-se uma situao de conflito scio-emocional. Este ambiente torna-se assustador, uma vez no existe nenhum elemento atravs do qual a criana se possa identificar com suas experincias anteriores, ao mesmo tempo que a debilitao fsica e emocional agravam a situao. Chiattone (1988) aponta para vrios distrbios resultantes do processo de hospitalizao, que muitas vezes esto associados impossibilidade da criana em lidar com os acontecimentos. Entre esses distrbios, pode-se salientar culpa e depresso, angstia, personalidade instvel, falta de iniciativa, diminuio na vocalizao, atraso no desenvolvimento cognitivo e emocional, agressividade e manifestaes psicossomticas. Muitos autores alertam para os aspectos psicolgicos que podem influenciar a evoluo do quadro clnico da criana, agravando-o, pelo aumento do nvel de stresse. As teorias destes autores ajudam-nos a perceber a importncia da educao em contexto hospitalar, com objectivo de estimular o bem-estar subjectivo da criana institucionalizada. De acordo com Barbosa (1991, 36) a doena e a hospitalizao constituem portanto, uma crise na vida da criana. A hospitalizao uma experincia estresseante e traumtica. Em alguns casos, as reaces hospitalizao podem agravar ou se confundir com os sintomas da prpria doena dificultando o diagnstico e tratamento. O reconhecimento de que existem outras necessidades na vida de uma criana hospitalizada, no apenas clnicas, significa reconhecer que outros fenmenos possuem igual relevncia no agravamento ou restabelecimento do seu quadro clnico. Sabe-se que durante a hospitalizao a criana sofre um distanciamento ecolgico que afecta o seu suporte social, esboando-se um novo cenrio o hospital e os

procedimentos clnicos. O trabalho em contexto hospitalar deve ser elaborado e organizado por uma equipe multidisciplinar, com objectivo de prestar um servio possibilitador, no

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apenas da recomposio do organismo doente, mas tambm capaz de atender os aspectos cognitivos, psicolgicos e socioculturais. Pensar sob esta perspectiva aponta para caminhos que se propem a buscar novos significados para o atendimento criana, vista como ser total, possuidora de uma subjetividade, com histrias de vida diferentes. Destaca-se a a educao, como instrumento de promoo da pessoa humana. Sob o ponto de vista do desenvolvimento cognitivo-afectivo da criana hospitalizada, enfatiza-se um trabalho educativo a partir da perspectiva da ampliao das possibilidades que permitam criana compreender melhor sua situao, sob uma concepo da construo activa do conhecimento, que podemos ver focalizado atravs da teoria cognitiva de Piaget. Recorre-se ainda aos estgios do desenvolvimento cognitivo como suporte terico para elaborao e aplicao das atividades pedaggicas (desenvolvidas em contexto hospitalar) adequadas ao desenvolvimento das estruturas cognitivas da criana, a fim de privilegiar o seu envolvimento, estando atentos ao desequilbrio entre as solicitaes do meio clnico e os esquemas presentes em suas estruturas. necessrio desafiar a criana, no sentido de repensar os seus conflitos cognitivos (Coutinho, 1999).

2.2. Resilincia no desenvolvimento humano

Vivemos num mundo repleto de situaes adversas, potenciadoras de risco para o desenvolvimento humano. Contudo, esta vulnerabilidade no se apresenta como um padro contextual para o sujeito, uma vez que cada situao adquire significados pessoais diferenciados. Considera-se que estamos perante uma situao de vulnerabilidade quando um indivduo no tem capacidade para mobilizar estratgias de coping que lhe permitam ultrapassar positivamente a situao. O termo coping para White (1985) indica uma necessidade de adaptao em situaes difceis, sendo, no entanto, um conceito multidimensional. O processo de internamento de uma criana torna-se um factor de risco, aumentando a probabilidade de um desenvolvimento desadequado, uma vez que as

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exigncias da mudana podem ultrapassar a capacidade adaptativa da criana. Ou seja, a doena e consequente internamento tornam-se num perodo de crise na vida da criana. O nvel de desenvolvimento da criana, perante o internamento, um dos aspectos que influencia a forma como a situao vivenciada, uma vez que existem diferentes vulnerabilidades e vrios factores protectores mediante o nvel de desenvolvimento. Garmezy (1994) categoriza os factores de risco em individuais, interpessoais e contextuais. Esta natureza multicausal tem repercusso ao nvel biolgico, psicolgico e social, devendo ser entendidos como o resultado da interaco entre o indivduo e o ambiente. Segundo Schroder (1992) o desenvolvimento humano efectua-se atravs de um (re)equilbrio constante entre estabilidade e mudana. No podemos esquecer que este processo se complexifica de acordo com o carcter qualitativo atribudo a cada situao. Os novos quadros conceptuais enquadram a noo de resilincia nesta problemtica do desenvolvimento humano, atribuindo-lhe um carcter diferencial, sem ignorar a evidncia do seu carcter evolutivo. A resilincia um processo que se vai desenvolvendo ao longo da vida, sendo adquirida atravs da educao e pela experincia. Neste sentido, no podemos ignorar que a resilincia se desenvolve a partir das relaes que a criana estabelece com o meio. A componente diferencial explica a razo porque os indivduos reagem e lidam com as situaes adversas de forma diferente. Podendo, no entanto ser activada, mediante intervenes apropriadas, nomeadamente em contextos educativos (Ralha- Simes, 2001). Citando Tavares (1997), esta capacidade de resilincia no dever estar associada ao aumento de carapaas de mecanismos de defesa que a tornem insensvel, passiva, conformada, mas sim no sentido de a dotar de uma capacidade interventiva, mais equilibrada. A resilincia pode ser definida como uma caracterstica estrutural que se distingue no decurso do processo de desenvolvimento, sendo susceptvel de ser activada em idades precoces, recorrendo ao reforo de determinadas caractersticas pessoais e apoio externo. No fundo, o factor responsvel pela preservao da estabilidade da estrutura psicolgica, no decurso de situaes de mudana ou de complexificao.

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Segundo Rutter (1979, In: Bernard, 2001), esta uma capacidade com alguma mstica e paradoxal para enfrentar circunstncias adversas, podendo ser prejudiciais ao bem-estar do sujeito. Neste contexto de elevado nvel de desestruturao e de stresse essencial (re)assumir o interesse por este conceito de uma realidade antiga (Tavares, 2001: 43), mas tantas vezes negligenciado. Torna-se numa capacidade desconhecida ou inesperada a situaes ou momentos adversos, que se manifesta contra o que seria previsvel. De salientar a importncia das relaes interpessoais, como um rea privilegiada para identificar os factores que determinam essa capacidade. Assim, a activao desta capacidade de resilincia passa pelo proporcionar ao indivduo certas condies, de acordo com os contextos de aco, estando atentos escolha das estratgias a implementar. Segundo Carolina Sousa (2006), resilincia traduz-se pela capacidade de dar resposta s dificuldades com que o sujeito se depara, mediante a diversidade de contextos. Grotberg (1995) define caractersticas pessoais e interpessoais do sujeito, tais como o comportamento social, o temperamento, o carcter e a inteligncia, como factores associados resilincia Entendendo o acto de educar como uma actividade cognitiva, afectiva e, simultaneamente, social, dependente de uma capacidade de interpretao/reflexo e resoluo de problemas constantes, devemos aceitar que a resilincia vai sendo progressivamente construda pelo sujeito, sendo importante planear estratgias de interveno, fomentadoras de uma identidade positiva e confiante. Sendo, nesta perspectiva, importante a promoo da capacidade de resilincia pessoal em contextos escolares (Pereira, 2001), sendo que os espaos educativos devero apostar no desenvolvimento pessoal, nos aspectos emocionais e na promoo de relaes interpessoais. Podemos referir que a noo de resilincia pretende consubstanciar

conceptualmente uma especificidade estrutural do desenvolvimento psicolgico (Pereira, 2001: 95).

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2.3. A doena na criana e o contexto hospitalar Segundo Anna Freud (1978), nalguns casos de hospitalizao o desenvolvimento da personalidade da criana pode ser perturbado pela doena. A forma como a doena pode afectar a criana depende da fase de desenvolvimento, bem como do processo de construo da sua personalidade. Neste sentido, necessrio que o hospital crie estratgias que ajudem a criana a desenvolver meios de controlo e defesa perante situaes adversas. Durante os ltimos anos vrios autores tm tentado avaliar os efeitos da hospitalizao nas crianas. Em muitos destes estudos a hospitalizao tem servido como um prottipo duma primeira separao do seu microsistema. Estas investigaes sobre o processo de hospitalizao tm servido como uma demonstrao da ansiedade da separao, bem como as suas consequncias, contudo, no acrescentam conhecimentos adicionais sobre quais as estratgias que hospital pode criar para diminuir essa ansiedade, na qual a educao, como um espao institucionalizado no hospital, deve ser encarada. A doena na infncia representa um momento de crise para o alcance progressivo das etapas de desenvolvimento da criana, uma vez que com a hospitalizao, a criana se depara com a inibio das suas habilidades motoras e sociais em virtude das condies do local, das limitaes da sua patologia e pelo desconhecimento dos profissionais com relao a seu desenvolvimento neuropsicomotor. A infncia um perodo de grande importncia, onde o potencial de desenvolvimento da criana se enfatiza, tanto nos aspectos biolgicos, como psicossociais e cognitivos A hospitalizao pode ter efeitos negativos sobre o desenvolvimento e comportamento infantil, uma vez que o adoecimento favorece alteraes na sua vida, como um todo, podendo, muitas vezes, desequilibrar o seu organismo interna e externamente, o qual poder gerar um bloqueio no seu processo de desenvolvimento e comportamento saudvel.

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O desenvolvimento infantil um processo complexo, que envolve as diferenas individuais e especficas de cada perodo, como mudanas nas caractersticas, nos comportamentos, nas possibilidades e limitaes de cada fase da vida, indistintamente. Por isso, a singularidade das crianas conferida por influncia de seu ritmo prprio de desenvolvimento e por caractersticas pessoais que as diferenciam das demais. O desenvolvimento de uma criana compreende aspectos referentes a factores emocionais, sociais e intelectuais, que influenciaro a sua qualidade de vida. Ao adoecer a criana assume um novo papel, modificando a sua posio e relao com os seus contextos. Ou seja, passa de uma condio de saudvel em casa, para uma situao de doente, em contexto hospitalar. A criana perante este novo contexto, no desejado, pode assumir diferentes comportamentos, reaces. Todos estes factores, bem como as novas actividades e relaes que estabelecem vo influenciar o seu desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1980, In: Portugal, 1992). A criana quando hospitalizada vive experincias novas, onde predominam situaes invasivas, nem sempre agradveis ou tolerveis. Sente que perde o controlo sobre as habilidades que dominava, que no pode exercer livremente as suas actividades motoras a hospitalizao torna-se num processo de descontinuidade no seu processo de desenvolvimento. O processo de hospitalizao coloca a criana em confronto com um mundo desconhecido, onde no encontra nenhuma referncia, o qual se torna um lugar de inseguranas. A criana comea a tomar conscincia de que no capaz de resolver os seus conflitos, sentindo a perda do suporte conhecido, predominando o medo de ter perdido a sua realidade prxima. Soares (2001) relata que um dos problemas existentes na hospitalizao infantil deriva do descuido de aspectos psicolgicos, pedaggicos e sociolgicos envolvidos nesta situao. Na criana, os efeitos da hospitalizao podem variar em funo de sua idade, das experincias prvias de hospitalizao, de determinadas variveis individuais e,

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especialmente, do conjunto de estratgias que utilizao para enfrentar cada situao. A hospitalizao leva a criana a confrontar-se com um estado de desamparo, ao perceber a sua fragilidade, resultante do adoecimento, bem como do afastamento das suas rotinas. As reaces das crianas perante o evento de hospitalizao e doena merecem citao: angstia, ansiedade, choro, perda ou excesso de sono, falta ou diminuio de comunicao, apego desesperado aos pais, depresso, medo e sensao de autodestruio. Todas estas atitudes so o reflexo, em comportamentos, do stressee que vivenciam (Ribeiro, 1991). Este sentimento de depresso funciona como um sinal de perda do controle sobre determinada situao. A capacidade de tolerncia de cada criana ser fundamental para o processo de adaptao s diferentes situaes que surgirem. A idade da criana hospitalizada ir influenciar as estratgias de resposta face dor fsica e mental. A hospitalizao torna-se numa ameaa ao corpo da criana, uma vez que os procedimentos so invasivos, invadindo a o seu corpo sem a sua permisso. A capacidade individual de enfrentar estas situaes reconhecida como uma capacidade de resilincia, sendo construda a partir das experincias de cada um. Quanto aos mecanismos de defesa, o mais comum e mais facilmente observvel a regresso da criana a estgios anteriores ao do seu desenvolvimento. A educao entendida, neste contexto, como uma tentativa de transformar o ambiente das enfermarias, proporcionando condies psicolgicas melhores para as crianas e adolescentes internados (Junqueira, 1999, 2002).

brincando que a criana expressa as suas necessidades e desenvolve potencialidades (Cunha, 2000). O desenvolvimento infantil est particularmente vinculado ao brincar. O brincar apresenta-se como fundamental tanto ao nvel do desenvolvimento cognitivo e motor da criana quanto sua socializao, sendo um importante instrumento de interveno em sade durante a infncia (Junqueira, 1999). A recreao no ambiente hospitalar constitui-se num elemento privilegiado para a elaborao de ansiedades decorrentes da situao de desconforto e estranheza decorrentes da hospitalizao (Carvalho & Ceccim, 1997).

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O mesmo autor cita Biermann (1980) quando alega que a hospitalizao, em determinadas situaes, constitui um risco igual ou maior que aqueles da prpria doena que a originou. Diversos autores relatam os efeitos negativos decorrentes da hospitalizao de crianas. O processo de doena, de tratamento, as privaes a que esto sujeitos so factores considerveis de desajuste, uma vez que podem gerar ou agravar desequilbrios na criana. Ao ser hospitalizada, a criana passa a viver num ambiente desconhecido, com pessoas estranhas, podendo sentir-se ameaada. Surgem medos e fantasias a respeito da sua doena, pode ser a sua realizao da fantasia de abandono, de perda de afecto, ou at de castigo pelo incumprimento de regras. Estas fantasias so universais e dificultam o processo de recuperao ou de relao da criana com a equipe mdica. A criana, ao contrrio do adulto, dispe de recursos internos caractersticos de sua fase de desenvolvimento a serem mobilizados em situaes de stresse. Ela pode apresentar dificuldades em compreender, aceitar e suportar o sofrimento fsico, a limitao de actividades, as dietas alimentares e os procedimentos clnicos, muitas vezes dolorosos e traumatizantes, e por depender emocionalmente do adulto, necessita do apoio de pessoas em quem confie, de explicaes simples e concretas sobre o que est acontecendo, de espao para desenvolver actividades exploradoras e expressar suas dvidas e sentimentos. A nica caracterstica comum a todas as crianas hospitalizadas que deve ser sempre conservado o facto de ser criana. Toda criana, mesmo doente, tem dentro de si um potencial ldico que precisa ser explorado: ela pode escrever, desenhar, pintar e brincar. Essas aces possibilitam o auto-conhecimento, a explorao do meio, a compreenso de situaes e a consolidao de relaes. Atravs das actividades ldicopedaggicas, a criana pode vir a readquirir a autoconfiana perdida, sendo essencial estimular a criana a persistir e a tentar vencer os obstculos.

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2.4. O brincar em contexto hospitalar A humanizao dos espaos hospitalares possibilitou a incluso de outros profissionais em contexto hospitalar. Emergindo, assim, um contexto afectivo, onde se reala a importncia da emoo no funcionamento do cognitivo. O brincar fundamental para o desenvolvimento da sade fsica, emocional e intelectual do ser humano. atravs do brincar que a criana reconstri as suas emoes e pode reinventar a realidade. Esta temtica tem vindo a ganhar importante relevo nos estudos realizados acerca da hospitalizao infantil. Nestes diversos estudos, diversas so as dimenses do brincar. , portanto, importante tentar perceber os limites e possibilidades do brincar em contexto hospitalar, enquanto recurso teraputico e de relacionamento com a criana hospitalizada. Diversos autores apontam para a necessidade da presena de actividades ldicas e do brincar durante o perodo de internamento. Freud (1980) ressalta a ideia de que brincar permite criana, atravs do plano simblico, repensar experincias traumticas, libertando a sua imaginao. O que significa que atravs do brincar a criana esquece o ambiente onde est inserida, libertando-se dos seus medos e ultrapassando possveis traumas causados pela hospitalizao. O brincar deve ser entendido pelos educadores das escolas hospitalares como um recurso para melhor compreender a criana. Como refere Alves (1999) o mundo das crianas tambm assombrado por medos, emoes confusas, sendo essencial, atravs do ldico, transformar esses sentimentos. Pierri & Kudo (2001) referem que atravs do acto de brincar a criana estabelece contacto com o meio, recria situaes e desenvolve um modo de vida que a ajuda a desenvolver-se. A brincadeira est associada criana, no sendo possvel imagin-la sem esta actividade que acompanha todo o perodo de infncia, ajudando na formao da personalidade e das habilidades intelectuais. Ou seja, a actividade ldica na criana surge como sendo algo integrante do ser criana, mas tambm no sentido social, de uma interaco grupal. O que significa que o brincar confere singularidade e especificidade criana. Sendo uma marca identitria do seu desenvolvimento. 39

Neste sentido, a hospitalizao dever ser repensada em funo da identidade subjectiva do sujeito. Com a hospitalizao a criana passa a ser um paciente com necessidade de cuidados mdicos. As actividades ldicas destacam-se, assim, como um recurso que possibilita o reencontro da criana com a sua prpria identidade. No campo de sade, no que diz respeito s crianas hospitalizadas, tanto em termos de polticas, quer em relao aos procedimentos para pr em prtica essas polticas necessrio tentar compreender as necessidades das crianas, interpretando scioculturalmente as caractersticas do ser criana. Nesta perspectiva, o brincar torna-se numa ferramenta significativa em contexto hospitalar, facilitando a comunicao, a adeso ao tratamento e a (re)significao da doena e da hospitalizao por parte das crianas. Foster e Anderson (1978) relembram-nos que, sem a integrao de actividades ldico-pedaggicas em ambiente hospitalar, a criana passa a ser observada de forma padronizada, distanciada dos seus papis sociais, tornando-se em mais um caso clnico. Cabe aos profissionais de sade promover o brincar nas suas rotinas, de modo a facilitar a comunicao com a criana e uma maior facilidade de adeso aos tratamentos. No basta, portanto, existir um espao onde as crianas possam brincar, importante que as actividades ldicas sejam planeadas, num esforo crescente de um trabalho em equipa, integrando, para o efeito, profissionais do ramo da educao. Assim, a promoo do brincar torna-se numa excelente estratgia para conseguir resgatar a condio de criana, apesar do ambiente hospitalar. Segundo Strauss e al (1963) importante flexibilizar as regras deste quotidiano hierarquizado, apesar desta discusso de basear nos fundamentos do trabalho hospitalar, importante esta negociao das regras, de modo a preencher lacunas que possam existir ao nvel social e emocional. A permanncia da criana em contexto hospitalar gera uma rotina diferente, com regras e tratamentos por vezes agressivos. Sendo, por isso, que o brincar ajuda a desenvolver a auto-estima, a motivao, permitindo novas oportunidades de

desenvolvimento. Este recurso pode ser usado para gerir as abordagens, de modo a ampliar o modelo de assistncia criana.

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O brincar funciona, em contexto hospitalar, como um veculo de socializao e interaco com as outras crianas, permitindo a possibilidade da criana sair do isolamento, muitas vezes causado pela hospitalizao. Assim, o ldico muitas vezes entendido como uma possibilidade de construir algo positivo, num momento repleto de sentimentos de perda, uma vez que ao brincar a criana reage, no parecendo to doente. O brincar passa a ser entendido como um recurso inter-disciplinar e multiprofissional, no sendo exclusivo da escola hospitalar, mas como veculo de comunicao com a equipa de sade. No s no sentido de facilitar essa comunicao, mas tambm para mostrar os procedimentos e permitir a experimentao por parte da criana. O brincar, em contexto hospitalar, nesta perspectiva, pode-se configurar como terapia, uma vez que possibilita a elaborao de experincias relativas hospitalizao, permitindo tranquilizar as crianas, fazendo com que estas percam o medo. No podemos deixar de salientar a complexa associao que existe entre a promoo do brincar e o crescimento. Quer no sentido de estimulao do desenvolvimento e da aprendizagem, quer no sentido de possibilidade de experimentar. O brincar deve ser entendido como um facilitador da normalidade social da criana, facilitando uma dinmica interactiva. Durante a hospitalizao o trabalho ldico permite criana a expresso de sentimentos de medo e de fantasias decorrentes do adoecer e da ruptura com o seu quotidiano. Winnicott (1975) considera o brincar como uma teraputica, podendo ser considerado como um sinal de sade. No fundo, a forma que a criana encontra para gerir criativamente a adaptao a esta nova realidade. Segundo Winnicott (1975) esta nova realidade torna-se num espao potencial, uma vez que d criana a possibilidade de lidar com a realidade concreta e criativa, permitindo uma inter-relao com o mundo exterior. A escola hospitalar deve facilitar o brincar e as actividades ldicas, possibilitando a emergncia de contedos emocionais. Sendo fundamental, neste contexto, criar mecanismos que promovam um ambiente que facilite o enfrentamento das dificuldades advindas da situao de hospitalizao e doena.

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Lindquist (1993) apresenta o brinquedo como um recurso associado a actividades estimulantes, que ao mesmo tempo geram segurana na criana, uma vez que se apresentam como uma ponte com as suas rotinas dirias fora do hospital. Existe ainda a perspectiva do brincar com funo de alegrar o ambiente, amenizando os sentimentos negativos. Esta dimenso , muitas vezes, associada presena do palhao no hospital, tornando-o num espao mais alegre e descontrado. Assim, o brincar no se pode limitar ocupao do tempo ocioso das crianas, mas deve ser encarado como um instrumento teraputico ao dispor da equipa de sade. A actividade ldica deve ser assim encarada como uma estratgia cognitivacomportamental, atravs da qual, a criana hospitalizada ganha um controlo sobre a situao a enfrentar. Diversos relatos de experincias com crianas hospitalizadas tm demonstrado que a dinamizao de actividades ldicas tem efeitos positivos sobre a criana hospitalizada. Para alguns autores, como Bruner e Vygotsky, o brinquedo um veculo que estabelece relaes entre a criana e o mundo que a rodeia, influenciando a sua forma de agir. Para Bruner (1978) as actividades ldicas so promotoras da aprendizagem de regras, permitindo criana vivenciar comportamentos que no seriam tentados em contexto de aco social normal. Vygotsky (1994) salienta que o uso de brinquedo ou o recurso a actividades ldicas no pode ser restringido ao prazer. Acima de tudo, refere que as maiores aquisies de uma criana so conseguidas atravs do brinquedo. Atravs do brinquedo, a partir de sistemas simblicos, a criana recria a realidade. Nesta perspectiva podemos afirmar que o brinquedo possibilita o desenvolvimento da zona de desenvolvimento proximal. A noo de zona de desenvolvimento proximal permite ao professor estimular o desenvolvimento das crianas, a partir das reais necessidades e capacidades das mesmas. As actividades ldicas, luz das teorias de Vygotsky e compreendidas na ptica de brinquedo e criatividade, devem ser concebidas como educao, no sentido de potenciarem o desenvolvimento da criana.

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O brincar torna-se, assim, no s numa necessidade bsica da criana, como se constitui como um direito de todos. O brincar uma experincia, rica e complexa, atravs do qual a criana se desenvolve e estimulada. Brincar uma actividade especfica da infncia, sendo atravs do brinquedo que a criana aprende a agir sobre o meio. Nesta perspectiva, na escola hospitalar, as actividades ldicas devem ser planificadas, no sentido de que o brincar se torna num instrumento para a aquisio e domnio de habilidades e para o desenvolvimento de competncias que contribuem para o processo de aprendizagens.

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Captulo 3. DO SER CRIANA AO SER PACIENTE: ASPECTOS DA ECOLOGIA HOSPITALAR

3.1. A hospitalizao numa perspectiva ecolgica Bronfenbrenner (1986, 1996), como estudioso do desenvolvimento humano, analisa o sujeito como um ser active e dinmico, em constante interaco com os seus contextos, tambm eles dinmicos e interactivos. No podemos ignorar que nas actividades que o indivduo realiza, este desempenha papis, estabelecendo, simultaneamente, relaes interpessoais. Sendo estes trs factores essenciais no seu desenvolvimento Afirma, ainda, que o lar familiar no o nico ambiente de desenvolvimento da criana, sendo as instituies infantis outros locais de desenvolvimento humano. O autor refere a importncia do contexto, uma vez que o ambiente em que cada pessoa est inserida interfere no seu processo de desenvolvimento. O autor supracitado define o ambiente ecolgico atravs de uma srie de sistemas, que se encaixam uns nos outros. Uns mais prximos do sujeito, onde este interage directamente, outros mais afastados, onde h uma interaco indirecta, mas que no deixa de influenciar as condies de desenvolvimento do indivduo: micro-sistema, mesosistema, exo-sistema e macro-sistema, sendo que cada um est contido no seguinte. O micro-sistema um contexto mais imediato, isto , o local onde as pessoas experienciam actividades e papis numa relao directa. O meso-sistema o vnculo entre os contextos em que a pessoa vive, ou seja, para criana as relaes entre famlia e escola, escola e grupo de amigos. Os contextos onde a criana no participa activamente, mas que a afectam ou so afectados por ela referem-se ao exo-sistema. O macro-sistema engloba todos os sistemas anteriores e contm os valores, a cultura e as subculturas vigentes, que subjazem s estruturas que ocorrem nos vrios contextos de aco. Os sistemas ecolgicos alteram-se ao longo da vida, o que significa que no so estanques, comunicando entre si, estando os aspectos ambientais associados ao significado que a pessoa lhes atribui em determinadas situaes. A insero do sujeito em diferentes contextos gera o desempenho de novas actividades, de novos papis e a (re)estruturao das relaes interpessoais. Estas situaes 45

possibilitam transies ecolgicas, que se tornam, assim, promotoras do processo de desenvolvimento. Portugal (1992, 40) afirma que a transio ecolgica acontece sempre que a posio do indivduo se altera em virtude de uma modificao do meio ou nos papis e actividades desenvolvidas pelo sujeito. Nesta perspectiva, Novaes e Portugal (2004) fizeram uma releitura da obra de Bronfenbrener e salientam que o hospital, bem como os profissionais que trabalham neste contexto e que mantm contacto directo com a criana hospitalizada, podem passar a constituir o micro-sistema desta criana e de sua famlia. Estas autoras consideram que o adoecimento na infncia e consequente hospitalizao constitui uma transio ecolgica. Argumentam que a criana passa a assumir um novo papel, modificando sua posio em relao aos seus contextos, suas interrelaes e tambm aos outros que com ela interagiro (Novaes e Portugal, 2004, 223). Desta forma, se antes do adoecimento o hospital e a rede de sade pertenciam ao exo-sistema, este pode tornar-se no seu micro-sistema. A configurao do micro-sistema anterior sofre alteraes a partir desta nova realidade do adoecimento e tratamento da criana. Neste modelo ecolgico considera-se o hospital como parte integrante do contexto social da criana enferma, na medida em que este acaba interferindo na sua trajectria de desenvolvimento e, em particular, nas suas relaes psicossociais com o meio (Linhares, 2000, 113). Bronfenbrenner (1986) salienta que o cuidado hospitalar pode ser de grande importncia na vida e no desenvolvimento da criana. Neste sentido, torna-se importante perceber como funciona o servio educativo em contexto hospitalar, uma vez que este fundamental para auxiliar o desenvolvimento infantil.

3.2. Factores psicossociais associados hospitalizao

De acordo com Novaes (2000) o processo de hospitalizao reflecte na criana uma sensao de abandono, de perda de afecto ou at de punio, reaces que podem afectar todo o processo. Na criana hospitalizada, a dor gera ansiedade e medo, que se pode traduzir em alteraes de comportamento

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Oremland (1988) defende que tais perturbaes podem determinar mudanas marcantes no comportamento psicossocial da criana. O adoecer uma situao indutora de stresse, quando associada hospitalizao, podendo, segundo Novaes (2000) provocar um trauma no desenvolvimento da criana. Assim, o processo de hospitalizao pode ser devastador para o seu processo de desenvolvimento, tanto fsico como psquico. Tanto a hospitalizao como a doena podem provocar stresse na criana. A criana ao ser hospitalizada sofre devido ao afastamento das suas rotinas, aos sintomas da doena e aos procedimentos mdicos. Uma vez que, segundo, Bronfenbrenner, ocorre uma transio do micro-sistema (famlia) para um exo-sistema (hospital), onde os processos inter-relacionais atravessam as barreiras destes sistemas, podendo ocorrer falhas irreversveis no processo de comunicao relacional. Anna Freud (1978), em seu estudo sobre as crianas hospitalizadas nas enfermarias de Hampstead, refere algumas manifestaes clnicas que detectou nas suas observaes, tais como a diminuio das actividades motoras, alteraes na manifestao dos afectos. Estas alteraes mostram como o processo de hospitalizao se pode configurar como um dfice no desenvolvimento da criana. Diversos so os estudos que nos mostram as reaces das crianas perante o processo de hospitalizao. clssico o estudo de Sptiz (1946), onde so descritos os sintomas decorrentes da ansiedade da separao, tais como o atraso motor, perda de peso, tendncia para adoecer pelo enfraquecimento da resistncia imunolgica. Pode-se, no entanto, afirmar que as reaces das crianas perante o processo de hospitalizao variam directamente da idade, da capacidade de entendimento da situao, do tempo de internamento, bem como da qualidade das interaces com o sistema. A criana hospitalizada vive uma experincia de privao no s da sade, bem como da sua liberdade, que resulta num desequilbrio ao nvel scio-afectivo, podendo, assim, dificultar o tratamento a que sujeita. O hospital considerado como um local de proibies, assim, este novo contexto tem, priori, um significado assustador, pois no h nada nele que possa identificar com as suas experincias anteriores, somado ao facto da criana se encontrar frgil fsica e emocionalmente.

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A hospitalizao pode tornar-se, assim, numa experincia aterrorizante para a criana devido constante explorao do seu corpo, realizao de inmeros procedimentos clnicos, bem como s restries inerentes situao. Logo, a pedagogia hospitalar torna-se um direito da criana hospitalizada.

3.3. O educador em contexto e aco hospitalar

De acordo com o Estatuto da Criana e do Adolescente, o direito educao um dever no s da escola, mas tambm da sociedade. Assim, destaca-se um novo contexto de aco para os professores: o hospital. Este novo contexto educativo passa a ser uma relao de suporte para o desenvolvimento da criana., sendo portanto importante a existncia de profissionais preparados para trabalhar neste contexto diferenciado de educao, quaisquer que sejam os recursos disponveis. No podemos ignorar que as condies de desenvolvimento e aprendizagem da criana hospitalizada so diferentes das crianas que se encontram no seu micro-sistema, por isso a prtica do educador em contexto hospitalar deve ultrapassar as barreiras do ensino tradicional e criar uma ligao saudvel entre educao e sade. O processo de adaptao da criana a esta nova realidade exige a presena de uma funo pedaggica afectiva, que ocorre no espao da escola hospitalar. Esta adaptao fundamental para a estabilidade bio-psico-social da criana, na promoo do seu bem-estar e qualidade de vida. Os profissionais em ambiente hospitalar devem estar conscientes das diversidades de contexto, bem como da singularidade das necessidades de cada criana. A escola hospitalar torna-se, assim, num espao de resposta tanto ao nvel educativo, como ao nvel afectivo e teraputico. Podemos identificar duas vertentes essenciais no exerccio da funo docente em mbito hospitalar: uma vertente educativa, onde necessrio dar continuidade s actividades que esta realizava no contexto educativo regular, sendo um espao onde se criam oportunidades de interaco com outras crianas; e uma vertente teraputica, onde o profissional deve ser capaz de proporcionar criana momentos onde esta consiga

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exprimir os seus receios e angstias, sendo para isso necessrio diversificar os meios de expresso e comunicao. Todas estas oportunidades de interaco devem ser encaradas como propulsores do desenvolvimento das crianas, neste sentido, no podemos ignorar a importncia da funo afectiva. O profissional, em contexto hospitalar deve assumir uma postura constante de disponibilidade, abertura, observao e reflexo. Segundo Carvalho (2005), um educador, num servio de pediatria de um hospital, dever ter determinadas competncias, quer pessoais, quer profissionais. Do ponto de vista pessoal, dever ser capaz de estabelecer um bom ambiente relacional, esprito de iniciativa e de comunicao, bem como ser capaz de criar um espao de dilogo e expresso, com base na improvisao. Ao nvel profissional deve ser capaz de planificar actividades e recursos, tendo sempre presente a imprevisibilidade dos contextos, avaliando e reconstruindo a sua actuao. Podemos salientar que ao professor cabem diversas funes, mas ao analisar todos os aspectos da ecologia hospitalar, ganham maior relevo a disponibilidade, a escuta e o dilogo. No podemos ignorar o impacto das emoes nas nossas aces, no podemos continuar com o velho clich cogito ergo sum. Conhecer a relevncia das emoes nos processos de raciocnio no significa que a razo seja menos importante que as emoes. Pelo contrrio, ao verificarmos a funo alargada das emoes, possvel realar os seus efeitos positivos e reduzir o seu potencial negativo (Damsio, 1995). Assim, podemos afirmar que os sentimentos influenciam a razo na tomada de decises. Segundo Goleman, a resoluo de situaes de crise passa por sentimentos e valores como a intuio, a compreenso, o optimismo. Logo, o espao da escola hospitalar deve ser entendido como uma oportunidade para as crianas de (re)construrem, atravs das relaes que nela se estabelecem, sendo importante diferenciar, adequar, e flexibilizar. Assim, o professor deve transformar a escola hospitalar numa rede de comunicao, um lugar de afectos, onde cada um, na sua especificidade, tenha o seu papel na construo do conhecimento.

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Podemos definir o acto de ensinar como uma actividade interpessoal, assim, a relao educativa , tambm ela, uma relao entre pessoas. Que na sua diversidade so a fonte para a construo partilhada. Esta relao no pode ser reduzida ao simples acto de transmitir saberes, mas essencialmente capacidade de motivar os alunos, atravs de um potencial relacional e de disponibilidade afectiva. O profissional da escola hospitalar deve estabelecer com as crianas um relacionamento aberto, flexvel e humano, entendo cada um como uma pessoa distinta. Podemos, ento, definir o espao da escola hospitalar como relao. Ou seja, estar com o Outro para melhor o conhecer. , portanto, urgente humanizar o espao hospitalar, tornando a sala de actividades num espao mgico de encontros humanos e no qual se cumpre o jogo subtil das sedues afectivas ou endoutrinadoras (Morais, 1986). Segundo Sco (1997), a afectividade constitui-se como um impulso motor da vida, estando, inconscientemente subjacente a toda a actividade humana. As manifestaes dos afectos so antes de mais lingusticas e mmicas (), mas envolvem corporificao como o aperto de mo, o beijo, o abrao, a palmada no ombro () e toda uma gestualidade () que tem de ser mobilizada e gerida adequadamente conforme os educandos e as situaes que lhes diro, muito mais do que quaisquer palavras que estamos com eles, que gostamos deles e que podem contar connosco (Valente, 1990). Ao professor exige-se que v ao encontro de cada aluno com grandes expectativas. Os olhos de cada criana reflectem o brilho de quem implora para no desistirmos, muitas vezes camuflado em atitudes de raiva e agressividade. O professor nesta relao afectiva e efectiva no desiste de ningum, adequando estratgias para ir de encontro s necessidades e respostas de cada criana. Aqui nasce a essncia da relao afectiva em ambiente hospitalar, onde o professor desempenha um papel importante: no acompanhar as dificuldades de cada criana, na capacidade de escuta, acolhimento, ateno e implicao efectiva no processo de desenvolvimento pessoal e afectivo das crianas. No nos podemos esquecer que no corao aprendemos a desenhar teias de mgoas e de alegrias, mesmo antes de pegarmos num lpis para fazer os primeiros rabiscos.

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O trabalho pedaggico no hospital exige, portanto uma reflexo sobre o papel dos professores em ambiente hospitalar. Regina Taam (199