EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR

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EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR Autoria: Rejane Ramos Klein UNIASSELVI-PÓS Indaial - 2019 2ª Edição

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EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR

Autoria: Rejane Ramos Klein

UNIASSELVI-PÓS

Indaial - 2019

2ª Edição

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CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCIRodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito

Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SCFone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano FistarolIlana Gunilda Gerber CavichioliJóice Gadotti ConsattiNorberto SiegelJulia dos SantosAriana Monique DalriMarcelo Bucci

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2019Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

K64e

Klein, Rejane Ramos

Educação especial e inclusão escolar. / Rejane Ramos Klein. – Indaial: UNIASSELVI, 2019.

141 p.; il.

ISBN 978-85-7141-392-4 ISBN Digital 978-85-7141-393-1

1. Educação especial. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 371.9

Impresso por:

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Sumário

APRESENTAÇÃO ..........................................................................05

CAPÍTULO 1Da Educação Especial à Educação Inclusiva ...........................09

CAPÍTULO 2Políticas da Educação Inclusiva e Seus PressupostosTeórico-Metodológicos na Educação ......................................43

CAPÍTULO 3Práticas Pedagógicas Inclusivas e as Especificidadesda Inclusão ...................................................................................91

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APRESENTAÇÃOEste livro aborda questões relacionadas à Educação Especial e a Educação

Inclusiva. Por que passamos a viver num tempo em que a diferença e a diversidade ganharam centralidade na vida em sociedade? Esta pergunta é fundamental que seja feita em todos os âmbitos, seja nas relações familiares, interpessoais, de trabalho e, principalmente, no caso a que se propõe este livro, nas educacionais.

Se há bem pouco tempo víamos ou ouvíamos falar pouco nas pessoas com deficiência, hoje temos um cenário bem diferente. No entanto, isso não significa que todos os problemas que estas pessoas enfrentam estão solucionados. Muitas foram as formas como as nomeamos: como inválidos, defeituosos, incapacitados, defeituosos, deficientes, excepcionais, portadores de deficiências, com necessidades especiais, entre outras conotações pejorativas utilizadas nas relações cotidianas. No decorrer dos capítulos deste livro discutiremos que tais maneiras de nomearmos não são neutras e não existem por acaso. Elas são inventadas em um tempo e em um espaço cultural, social, político, que, ao nomear, também produz determinadas posições para estes sujeitos, permite-os fazer ou não determinadas coisas, ocupar ou não determinados espaços.

Nesse sentido, não podemos fazer apenas uma defesa de uma forma de nomear em detrimento da outra. Exaltar essa época em que muito se fala nas diferenças, na diversidade e nas pessoas com deficiência, considerando seus direitos garantidos na lei, não é garantia de que a inclusão ocorra de fato. Não se trata de reduzirmos essa questão apenas visualizando a legislação como garantia dos direitos das pessoas e como garantia de uma melhor forma, politicamente correta, de chamá-las. O conteúdo deste livro abordará as razões históricas de chamar dessa ou de outra forma. Quais os fundamentos históricos e conceituais que nos levam a pensar e a escolher um melhor nome em detrimento de outro? E, ainda, como esses fundamentos passam a constituir-se como verdades inquestionáveis em nossas relações? Problematizar estas verdades pode nos ajudar a encontrar outras respostas, outras formas de nomear, outras possibilidades de escutas que não aquelas oficialmente vistas como as mais aceitáveis e verdadeiras.

Como estes sujeitos que ocupam esta posição de “pessoas com deficiência” se veem? Quais nomes que eles mesmos se dão que permitem eles se reconhecerem como sujeitos pertencentes a essa sociedade?

Portanto, quando pensamos na Educação Especial precisamos necessariamente mencionar as pessoas com deficiência. Porém, sabemos que para falar delas não basta mencionar sua deficiência como sendo a sua única

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identidade, ou seja, ser deficiente ou ter algum tipo de deficiência não identifica o que essa pessoa é totalmente ou somente. Não resume o que essa pessoa é e nem o que ela é capaz ou não de fazer, pois ela é várias outras coisas, faz ou não muitas outras coisas. Assim, a Educação Inclusiva através do conceito de inclusão tomado de forma mais ampliada, contribui para incluirmos outras categorias que podem identificar estas pessoas, tais como as de gênero, de sexo, de classe social, de raça, de etnia, de geração etc. Precisamos então incluir estas categorias não para discriminar e também encerrar como única forma de nomear, mas como possibilidade de ampliar o nosso olhar sobre as pessoas, sobre o que elas são, sobre o que elas podem vir a ser. Por isso, passamos a falar em diversidade e em diferença.

O fundamento teórico que será utilizado nesse livro, que ancora essas discussões, permitindo problematizar essas nomeações é a perspectiva pós-estruturalista e dos Estudos Culturais. Tal perspectiva ajuda a ampliar o nosso olhar porque tensiona as verdades, permite examinar o status quo para desnaturalizar as formas como tais verdades foram construídas em diferentes tempos históricos. Essa perspectiva explora “[...]modos mais alternativos de pensar, falar e potencialmente fazer determinadas práticas sociais e, concomitantemente, remodelar as metodologias de pesquisa para que elas não se constituam como ferramentas de reprodução social” (GASTALDO, 2012, p. 10). Esse olhar que movimenta as pesquisas em educação pode também movimentar as práticas sociais e escolares, pois a pesquisa não se separa da prática. Uma decorre da outra, havendo uma correlação entre uma e outra, como dois lados da mesma moeda. Citando ainda essa autora que tem contribuído para as pesquisas em saúde na Espanha e na América Latina, discutindo as questões de gênero e migração, Gastaldo (2012) afirma que a produção cientifica em educação precisa produzir conhecimento contextualmente específico, considerando seus aspectos micro e macros, mostrando que as narrativas sobre esses sujeitos não são neutras.

Portanto, este é o convite: inspirado em vários estudos, uns que se alinham a esse modo de pensar outros nem tanto - mas que trazem contribuições importantes para compreendermos de modo mais aprofundado como as coisas se tornaram o que são hoje - que esse livro se constitui em uma contribuição para estudantes interessados em saber mais sobre os sujeitos que são vistos como pertencentes a Educação Especial e a Educação Inclusiva, problematizando esse lugar, situando tais sujeitos a partir do que eles próprios pensam, do que as pesquisas mostram, o que as políticas e programas tem definido para regular e organizar suas vidas. Importa ressaltar ainda que os estudos do Grupo de estudos e pesquisas em inclusão – GEPI (disponível em: http://gepinclusao.blogspot.com/) tem estado na “[...] retaguarda de nossas afirmações, questionamentos, pesquisas e discussões sobre inclusão no que se refere a abordagem foucaultiana que faz sobre o tema” (LOPES; FABRIS, 2013, s.p.). Em alguns momentos estas

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pesquisas serão chamadas para a conversa para nos auxiliarem a tensionar a temática da inclusão, a qual muitas vezes tem sido entendida como um lugar de chegada dos alunos e dos professores, ou outras vezes como oposto de exclusão ou simplesmente como estar todos juntos ocupando o mesmo espaço físico, ou ainda como uma mudança de paradigma, entre outros entendimentos.

No Capítulo 1 será fundamental apresentar alguns marcos históricos para que possamos compreender de que forma o processo de inclusão foi se desenvolvendo, se materializando no que chamamos de Educação Inclusiva e sobre quais condições esse processo foi consolidando essas mudanças entre a Educação Especial e a Educação inclusiva. Além dos marcos históricos, os marcos políticos estão neles imbricados sendo necessários de serem acionados para mostrar que as práticas inclusivas têm como base um contexto histórico e político que permite compreender a inclusão na atualidade e visualizar os sujeitos da educação especial de outras formas. Reconhecer que as políticas atuais visam garantir os direitos de todos, a educação, a uma vida digna, mas que elas não a garantem por si só. É preciso que todos nós estejamos junto numa espécie de luta que não tem fim, que não acaba nunca.

De modo mais contextualizado, no Capítulo 2, analisaremos algumas Políticas da Educação Inclusiva atuais e seus pressupostos teórico-metodológicos na escola. Identificar quais são estas políticas que ancoram o que temos hoje chamado de Educação Inclusiva nos permite visualizar as diferentes lutas políticas travadas para que o direito a uma escola para todos seja garantido. Ainda, será importante apresentar a “inclusão como imperativo” desencadeando um “processo de in/exclusão” como conceitos, como princípios organizadores das práticas educacionais, a fim de que possamos não culpabilizar a escola, ou os professores ou as famílias, pelas práticas que frequentemente não incluem todos os sujeitos. Olhar de modo mais amplo, considerando também a exclusão em determinados momentos na sala de aula, como possibilidade necessária em algumas práticas, pode nos ajudar a organizar de modo mais adequado, negociado, discutido com todos os envolvidos nesse espaço, não sendo apenas uma imposição de fora para dentro.

Já no último capítulo deste livro será abordado, de forma mais específica, sobre as práticas pedagógicas voltadas às pessoas com determinados tipos de deficiência. Alguns pesquisadores da área foram convidados para responderem perguntas que nos ajudam a compreender mais o lugar que estas pessoas consideradas com eficiência ocupam ou o lugar que nós considerados eficientes atribuímos a eles. Com isso, podemos planejar de modo mais adequado no contexto educacional, considerando às necessidades destes sujeitos, as formas como eles se sentem mais contemplados nas práticas educativas. Discutiremos ainda sobre a deficiência intelectual, a deficiência visual, a síndrome do espectro autista, a surdez, retomando o conceito de deficiência, já abordado nos capítulos anteriores.

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Além disso, as consideraremos as dificuldades de aprendizagem que são de diferentes ordens: cognitivas, sociais, psicológicas etc., sem necessariamente ser atribuído à criança um diagnóstico, uma síndrome, uma deficiência, trataremos estas dificuldades como uma invenção da própria instituição escolar e da própria prática dos professores ou mesmo das práticas sociais e familiares vivenciadas pelas crianças. Nesse sentido, retomando o processo de normalização discutido nos capítulos anteriores, situaremos as diretrizes para o trabalho do Atendimento Educacional Especializado – AEE através de uma pesquisadora e professora atuante em sala de Recursos na escola.

No decorrer dos capítulos e ao final deles serão apresentados questionamentos e ou atividades que nos levam a reflexão mais do que a responder de uma única forma. Serão estas reflexões que podem nos levar a organizar os processos de in/exclusão de forma mais justa, igualitária, sem discriminação, considerando todos como sujeitos históricos que vivem a sua experiência de vida com suas diferenças.

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CAPÍTULO 1

DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

Apresentar alguns marcos históricos sobre o processo de inclusão.

Identifi car as condições históricas e políticas que consolidaram a mudança de Educação Especial para a Educação inclusiva.

Reconhecer e refl etir sobre os estudos e pesquisas que evidenciam a escolarização dos sujeitos da Educação Especial e as práticas inclusivas.

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DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1

1 CONTEXTUALIZAÇÃOPara compreendermos a inclusão, o que se tem dito atualmente sobre ela, como

ela deve ser pensada e efetivada na sociedade e, no contexto escolar, de modo mais específi co, torna-se imprescindível uma aproximação com a história da Educação Especial. A ideia de Educação inclusiva na contemporaneidade só faz sentido se pensarmos no quanto a Educação Especial, produziu mudanças até chegar na forma como tem sido reconhecida hoje a partir do conceito de inclusão. A Educação especial hoje é considerada uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2001).

Assim, enquanto modalidade de ensino, a Educação Especial tem uma história, um conjunto de conhecimentos e saberes, os quais podem aparecer de forma não tão relevante nos espaços educacionais, mas com certeza permitiu falar hoje em Educação Inclusiva, instituir políticas e práticas que consideram todos os sujeitos no contexto escolar.

São esses subsídios históricos da Educação Especial que serão resgatados nesse capítulo, a fi m de subsidiar o olhar do professor na escola para a construção de práticas inclusivas. Esse processo é desafi ador quando se considera a sua complexidade histórica. Percebe-se que apenas as mudanças políticas produzidas na legislação não garantem por si só práticas mais includentes. Trata-se de uma luta constante em que todos nós somos convocados a refl etir de forma constante sobre a história da Educação Especial, considerando a emergência da Educação Inclusiva. Isso não signifi ca descartar uma em detrimento da outra, mas antes visualizá-las a partir de uma compreensão para além do campo da educação. Segundo Veiga-Neto e Lopes (2007, p. 948), “a inclusão é um tema que só recentemente entrou na agenda das políticas públicas”, colocando-se em jogo uma série de “[...] variáveis sociais e culturais que vão desde princípios e ideologias até interesses e disputas por signifi cação”. A partir desse olhar, que considera essa complexidade, é importante discutir a inclusão, pois com esses debates, abre-se a oportunidade de problematizar várias questões sociais, culturais, políticas e pedagógicas. No Capítulo 2, você poderá observar tais questões a partir de exemplos de práticas educativas, tornando possível refl etir sobre elas de modo mais centralizado no presente e nos aspectos pedagógicos.

Portanto, o foco principal do estudo nesse capítulo está centrado nos aspectos históricos sobre o tema da inclusão a fi m de possibilitar aos profi ssionais envolvidos com a educação possam compreendê-la tanto no âmbito macro quanto na dimensão micro das práticas desenvolvidas no contexto educacional. Por isso, na primeira parte do capítulo, apresenta-se a história da Educação especial a partir de alguns estudiosos que pesquisam esse campo e tem nos auxiliado a avançar nas políticas

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que são criadas atualmente. Em seguida iremos situar os desafi os implicados para o que temos chamado de Educação Inclusiva na contemporaneidade. E, para fi nalizar, traremos algumas considerações que problematizam o deslocamento conceitual e político entre a Educação Especial e a Educação Inclusiva.

2 FRAGMENTOS DE UMA HISTÓRIA SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL

A opção que se fez aqui foi a de não mostrar uma história linear da Educação Especial. O uso da história que fi zemos aqui busca aproximar-se com os estudos de Foucault. De acordo com Pinto (2011, p. 152), a História não é uma fabricação artesanal de corte e costura dos acontecimentos. Os fatos não são retalhos dispersos esperando para serem ordenados na colcha do tempo que a todos cobre e lhes oferece lugares específi cos e cores previamente acertadas.

Trata-se, portanto, de considerar os fatos narrados a partir de uma rede de relações defi nidas pelos imperativos da modernidade, a qual buscava a ideia de progresso. Segundo esse autor, precisamos tomar a história não para reconstruir o que os homens fi zeram ou pensaram pela simples transcrição documental e arrumação dos fatos cronológicos. A história tomada pela perspectiva Foucaultiana propõe tensionar uma verdade oculta a ser descoberta, pois não há busca “da verdade”. Não há uma verdade a ser ensinada. “Mais do que fatos verídicos o estudo da História deve se concentrar na produção da verdade, na trama das diversas “verdades” que desejam se impor no cotidiano confl itivo e caótico” (PINTO, 2011, p. 153).

Se pensarmos linearmente nos fatos que ocorreram dentro desse campo chamado de Educação especial, todos eles serão importantes porque permitem visualizar avanços e retrocessos para essa área e para a Educação de modo geral. Como não se trata disso, mas antes de mostrar as relações entre os fatos para evidenciar as condições em que permitiu o fato ocorrer desse ou daquele modo. Por isso, iniciar não numa origem, num ponto inicial da Educação Especial, mas sob quais bases era pensada em determinada época torna-se mais produtivo para o que se pretende analisar nesse texto.

A Educação Especial então, será mostrada a partir de uma concepção clínica terapêutica. Conforme os estudos de Mendes (2010, p. 94) na história da educação especial do Brasil podemos visualizar duas vertentes “uma médica-pedagógica e a outra psicopedagógica: a primeira sendo mais subordinada ao médico, não só na determinação do diagnóstico, mas também no âmbito das práticas escolares e a segunda vertente, a que não independe do médico, mas enfatiza os princípios psicológicos”.

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Essa concepção clínica terapêutica da Educação Especial está inscrita como uma reação de inclusão. De acordo com Lopes (2011, p. 7) a inclusão é um conceito amplo que não se restringe ao que chamamos hoje de Educação Inclusiva. A inclusão está implicada com as formas de governar as coisas do Estado, podendo ser “[...] entendida como um conjunto de práticas que subjetivam os indivíduos a olharem para si e para o outro fundada em uma divisão platônica das relações”. Além disso, a autora defende a ideia de que a inclusão está implicada num conjunto de práticas sociais, culturais, educacionais, de saúde entre outras, voltadas para a população que ser disciplinar, acompanhar e regulamentar.

A Educação Especial precisa ser tomada por dentro dessas possibilidades de entendermos a inclusão. Inclusão como uma invenção do nosso tempo, ela é uma das formas de alcançar o coletivo da população e os indivíduos em particular por meio de práticas e políticas que envolvem o Estado enquanto promotor de condições de vida para todos.

Inclusão, nesse sentido macro, precisa ser contextualizada e relacionada às práticas de exclusão e de integração que foram sendo articuladas ao longo da história da humanidade. Pensemos em outras culturas e em outros tempos antes de situarmos a história no Brasil no século XIX e XX: O fi lme “300” mostra que os meninos espartanos desde a infância, são ensinados a serem fortes, corajosos e nunca se renderem. São ensinados a partir de uma cultura que cultua um treinamento pesado, primeiro com o pai e, mais tarde, pela iniciativa do governo. São transformados em grandes soldados para enfrentar os maiores perigos sem qualquer medo. Essa história se passou por volta do ano 1.200 a.C entre os Israelitas e os Midianitas e outros povos do Oriente, ou seja, muito antes da história contada no fi lme de Hollywood sobre os 300 espartanos que lutaram contra o rei persa Xerxes por volta do ano 480 a.C. (RACIOCÍNIO CRISTÃO, 2014).

FIGURA 1 – CAPA DO FILME 300

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/300_(fi lme)>.

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1 Analise a imagem que constitui a capa do fi lme “300” e assista ao fi lme como uma tarefa de estudos complementar. Com base na capa de abertura do fi lme, disserte sobre os elementos da narrativa fílmica, sobre o que há de emblemático e o que podemos relacionar com a história da educação especial.

R.:________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Para aprofundar seus conhecimentos sobre a questão dos “anormais”, recomenda-se a leitura do texto “Aula de 22 de janeiro de 1975”, disponível no livro “Os anormais”. Disponível em: <https://www.academia.edu/37089024/FOUCAULT_Michel._Os_Anormais>.

Nesse texto, “o anormal é um monstro cotidiano, um monstro banalizado”. Foucault aborda o problema desses indivíduos considerados perigosos a partir de 3 fi guras: os monstros, os incorrigíveis e os onanistas. A partir de um estudo arqueológico de modo mais específi co nesta aula o autor mostra como essas três fi guras constituem o domínio desta anomalia embasado em uma noção jurídica de monstro.

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Cada cultura e cada tempo histórico lidou de uma forma com aqueles que são considerados “os anormais”. O que importa aqui é compreendermos que houve sempre um estereótipo negativo, uma forma de intervenção seja da igreja, mais tarde, a do Estado em que instituíam práticas para lidar com essa população. Criava-se uma visão desses indivíduos a partir de estereótipos: aqueles que deveriam ser excluídos, morrer, ser castigados, ser humilhados, ser queimados etc. Mais tarde, passaram a ser aqueles que precisavam de práticas de ajuda, sendo aqueles que deveriam ter a intervenção das instituições, vivendo como tutelados pelo Estado.

A história da Educação Especial, especialmente no Brasil, também apresenta variações quanto ao tipo de intervenção, seja da Igreja, seja do Estado ou, como iremos verifi car mais adiante, da própria sociedade privada, associações e a população de modo geral. Nesse sentido, torna-se produtivo olhar para a Educação Especial a partir das políticas públicas. O atendimento e a escolarização dos sujeitos com defi ciência não foram assumidos diretamente pelo Estado. O processo de escolarização, por exemplo, foi desenvolvido por instituições especializadas e assistenciais, sendo garantido pelo setor privado.

De acordo com Mendes (2010) um marco histórico importante para situar a Educação Especial é no período fi nal do século XIX. Em 1854, com a criação do Instituto dos Meninos Cegos, sob a direção de Benjamim Constant e o Instituto dos Meninos Surdos. Esses institutos exemplifi cam quando a Educação Especial começa a surgir de forma institucionalizada. E, assim, a autora relata outros marcos, tais como em 1874, a criação do Hospital Juliano Moreira, na Bahia dando o início a assistência médica aos indivíduos com defi ciência intelectual. Em 1887, no Rio de Janeiro é criada a “Escola México”, para o atendimento de pessoas com defi ciências físicas e intelectuais. Nos estudos da autora fi ca evidente as vertentes médica-pedagógica e a psicopedagógica, pois foram os médicos os primeiros a estudar os casos de crianças com alguma defi ciência, aquelas sem prejuízos mais graves, crianças que apresentavam alguma situação vista como anormal eram casos psiquiátricos e analisadas através de instituições junto a sanatórios psiquiátricos.

A partir desse período é importante destacar que os Congressos vinculados a área da medicina passaram a dar ênfase a estudos sobre as pessoas com defi ciência. Elas passaram a ter “[...] maior repercussão após a criação dos serviços de higiene mental e saúde pública, que em alguns estados deu origem ao serviço de Inspeção médico-escolar e à preocupação com a identifi cação e educação dos estados anormais de inteligência” (MENDES, 2010, p. 95). A concepção de defi ciência fi cava explicita, aparecia sempre associada às doenças

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e, por isso, casos para a medicina tratar. Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) vários fatores vão produzir mudanças sociais e também no que diz respeito ao atendimento as pessoas com defi ciência.

Com a expansão industrial, o movimento de nacionalização da economia, a exigência de mão de obra especializada, inicia-se o processo de popularização da escola pública. Como a escola no Brasil surge tardiamente, a instrução primária e gratuita a todos já era anunciada na constituição de 1824. Porém, desde então, já se observava a forma como os indivíduos eram diagnosticados: como defi cientes, sendo vistos como incapazes a partir deste tipo de instituição.

Na charge a seguir fi ca explicito essa forma de identifi car aqueles que não se enquadravam no padrão normal de escola. Aqueles que não conseguiam passar por um processo de escolarização através de um currículo que ensinava tanto, um comportamento desejável, quanto determinados conhecimentos escolares, considerados científi cos.

FIGURA 2 – A GRANDE MÁQUINA ESCOLAR

FONTE: Tonucci (1997)

A educação especial precisa ser analisada sempre a partir do surgimento da escola obrigatória. Conforme Varela (2000, p. 78), o processo de socialização dos

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indivíduos a partir da Modernidade se deram a partir de três tipos de pedagogias: “[...] as pedagogias disciplinares que se generalizam a partir do século XVII; as pedagogias corretivas, que surgem em princípios do século XX e, enfi m as pedagogias psicológicas que estão em expansão na atualidade”.

Trata-se, portanto, de três modelos pedagógicos quem implicam, segundo a autora, em diferentes formas de compreender o espaço e o tempo, constituindo os indivíduos de diversas formas. Não são modelos que seguem uma linearidade histórica, mas tiveram ênfase nesses períodos, ora se sobrepondo, ora ocorrendo de forma concomitante, dependendo da situação a qual se pretende analisar. Por Modernidade entende-se aqui a compreensão descrita por Veiga-Neto (2001, p. 112), como o tempo em que a ordem deixou de ser vista como natural e passou a ser entendida como simplesmente ordem “[...]um problema a ser resolvido, uma disposição que, por não estar desde sempre aí, deve ser imposta ao mundo natural e social”.

Nesse sentido, em relação as pedagogias disciplinares, percebe-se a ênfase em práticas disciplinares, tanto no corpo dos indivíduos quanto dos saberes que circulavam na época a fi m de impor a ordem. Pode-se citar aqui a partir do século XVII a divisão dos colegiais no espaço escolar, a organização por fi las, por idades, por êxito ou fracasso nas provas e exames, entre outras. Toda uma organização pautada em uma norma para todos, ou seja, um processo de normalização que se instituía junto com a escolarização dos indivíduos. Tratava-se de “[...] decifrar, medir, comparar, hierarquizar e normalizar os colegiais” (VARELA, 2000, p. 85).

Pode-se observar os diferentes modelos de organização escolar, os quais expressavam a ênfase na disciplina a fi m de ensinar a muitos como se fossem um só.

FIGURA 3 – TRÊS MODELOS DE ORGANIZAÇÃO ESCOLAR

1.Ensino individual. “Le Maître d’école”, 1662, Adriaen Van Ostade.

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2.Ensino múto (Método Lancaster). Sala de aula, 1811.

3. Ensino simultâneo. Classe. Escola Caetano Campos, 1901. Acervo Arquivo

Público de São Paulo.

FONTE: <https://historiadaeducacaobrasileira.wordpress.com/modelos-de-organizacao-escolar/>.

Não se trata de analisar em detalhe cada um desses modelos, o que importa é registrar que esse período entre os séculos XVIII e XIX, a ênfase era a disciplina como dispositivo de organização escolar, as quais centravam-se ora no professor, ora na organização do espaço escolar, ora no aluno individual, ora nos grupos de alunos e no monitor, ora nos conteúdos, enfi m; importa reforçar que a disciplina seja do corpo seja do espaço estava presente como dispositivo de poder que ensinava modos de ser e de viver nessa época, colocando a ordem como princípio organizador em tudo.

Outro tipo de pedagogia que deve ser considerada para representar a maneira como alguns indivíduos que não se encaixavam nesse modelo disciplinar foram se constituindo, são as pedagogias corretivas. Segundo Varela (2000) em princípios do século XX, a escola obrigatória tornava-se um dispositivo fundamental de integração das classes trabalhadoras e, além disso, fazia parte de um programa de regeneração e profi laxia social. A escola precisava civilizar e domesticar especialmente as crianças das classes populares.

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Por que você acha que algumas crianças resistiam a esse modelo de escola disciplinar? O que era possível fazer com essas crianças que não se encaixavam nesse padrão escolar? Considerando tanto um padrão de comportamento quanto um padrão de nível intelectual, ou seja, o que fazer com aquelas crianças que não conseguiam aprender no tempo adequado tal como as demais?

Não há uma resposta única, mas a partir destas perguntas é possível refl etirmos sobre como lidar com as diferenças dos alunos. Precisaríamos olhar para esses alunos que não se encaixam, de outras formas, principalmente, questionando o padrão normalizado que aprendemos a ver todos. Não buscar um padrão intelectual e/ou de comportamento desejável e igual para todos nos ajuda, enquanto professores, a entender que esse aluno é muitas coisas para além do que dizem sobre ele, nunca teremos uma única versão sobre quem é esse aluno, desde que possamos ouvir as diferentes vozes que narram esse aluno. A partir destas diferentes vozes suspeitar delas sempre, jamais considerar apenas uma, como sendo a mais verdadeira.

A partir dessa perspectiva corretiva, surge a necessidade de descobrir as causas desse não acompanhamento das crianças a fi m de tratá-las, ou seja, corrigi-las. As crianças que resistiam eram consideradas como “[...] abúlicos, desconfi ados, frios, desmemoriados, memoriosos, visionários, terroristas, surdos-mudos, cegos, de gostos grosseiros, inexpressivos, imbecis, histéricos, hiperestésicos, passionais e masturbadores” (VARELA, 2000, p. 89). A autora cita os estudos médicos como os do Dr. Binet e do Dr. Simon que se utilizavam de medidas padrões para classifi car essas crianças. As primeiras medições apareceram ligadas a psiquiatria e, mais tarde, vão surgir os primeiros psicólogos interessados na educação das crianças chamadas “inadaptadas”.

Principalmente, dentro do Movimento da Escola Nova é que novos tratamentos, métodos e técnicas foram utilizadas sob o discurso de avançar em relação aos métodos disciplinares e de ensino, aqueles considerados “tradicionais”. A medicina então começa a consolidar-se, conforme havíamos mostrado através do estudo de Mendes (2010). Essa autora cita também os estudos da doutora Helena Antipof (1892-1974), que constitui um Laboratório de Psicologia Aplicada na Escola de Aperfeiçoamento de Professores, em Minas Gerais, em 1929. O trabalho desta profi ssional chegou a ser considerado uma proposta de organização da educação primária na rede comum de ensino baseado

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na composição de classes homogêneas. “Helena Antipoff foi também responsável pela criação de serviços de diagnósticos, classes e escolas especiais. Em 1932 criou a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, que a partir de 1945, iria se expandir no país” (MENDES, 2010, p. 96).

Nesse sentido, pode-se observar a Educação Especial se constituindo a partir das pedagogias corretivas, que “ao colocar em ação as novas técnicas pedagógicas destinadas a condicionar o meio à medida das necessidades e interesses infantis, supõem uma transformação das categorias espaço-temporais nas quais irá se desenvolver a atividade escolar” (VARELA, 2000, p. 94).

Estas necessidades passaram a ser consideradas quando determinados sujeitos passaram a ser identifi cados como defi cientes no Brasil. De acordo com Garcia e Michels (2018), localiza-se registros de um enfoque assistencial, clínico e reabilitatório da Educação Especial. Se por um lado muitas ações contribuíram para se considerar essas pessoas com defi ciência sem bani-las da sociedade, por outro lado, constitui um tipo de educação que segrega e exclui do acesso ao ensino.

A constituição de uma perspectiva de educação especial segregada, que permanece na oferta de educação especial de enfoque educacional, mas não escolar, nas instituições mantidas pela Sociedade Pestallozzi e pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE (GARCIA; MICHELS, 2018, p. 55).

Esse enfoque da Educação Especial que antes víamos um acento no discurso religioso, posteriormente no discurso médico, parece atualizar-se e fundir-se nessa ênfase apontada pelas autoras acima: assistencial, clínica e reabilitatória.

É importante ressaltar que tal enfoque se sustenta nos fundamentos da Escola obrigatória, ou seja, os chamados centro de interesses que pautavam as mudanças na escola tradicional. Tais fundamentos, propõem o ensino relacionado as necessidades fundamentais da vida da criança. Um tipo de ensino que fosse considerado mais atrativo, com a utilização de materiais também mais atraentes, tratando-se, portanto, de um modelo experimentalista, vinculado aos postulados de Rosseau e à educação das crianças anormais.

Assim, passa a se constituir o que Varela (2000, p. 96) mostrou como as Pedagogias psicológicas pautados num sujeito psicológico. Trata-se de um

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DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1

[...] processo de separação do mundo infantil e do mundo adulto [...] no qual a manipulação, a observação e a experimentação passam a um primeiro plano. Pode-se identifi car aqui uma ênfase no saber do campo da psicologia, a qual teve diversas perspectivas ao longo da história da escolarização: “psicologia genética, da aprendizagem, infantil, evolutiva, da instrução, cognitiva, de educação especial etc. E converteu-se no fundamento de toda ação educativa que aspirasse a ser científi ca (VARELA, 2000, p. 97).

Dentro desse parâmetro científi co, a infância anormal passa a ser uma preocupação para o governo da população. Se antes víamos o acento em práticas disciplinares, passaremos a identifi car nas pedagogias corretivas e psicológicas o contrário: um controle frágil, fl exível e adaptável as necessidades de desenvolvimento dos alunos. Esse desenvolvimento visto a partir de uma criança natural e universal, pois as leis e os estágios do desenvolvimento é que terão que substituir as “velhas pedagogias”. O discurso considerado válido nas instituições escolares passou a ser aquele que deveria respeitar o ritmo próprio da criança, pois ela começa a ocupar o centro do processo. Veremos no capítulo seguinte, de modo mais aprofundado como o sistema neoliberal em curso na contemporaneidade se utilizou e continua se utilizando desse discurso da fl exibilização e adaptação conforme as necessidades e interesses das crianças.

Como fi ca a Educação Especial a partir desse modelo atual que tem ênfase nas pedagogias psicológicas? De que forma vai ocorrendo um apagamento dos conhecimentos a serem ensinados na escola?

Essa refl exão é fundamental de ser feita para situarmos o modelo de escola especial que se constituía a partir de 1950. Esse modelo tem efeitos até hoje no que chamamos de Escola Inclusiva. Ficará mais evidente no próximo subtítulo quando abordarmos os desafi os da Escola Inclusiva na contemporaneidade, quando mostraremos a relação desse modelo com o sistema neoliberal. Os mecanismos de controle nessa lógica neoliberal têm estimulado a constituição de um tipo de sujeito adaptável, com capacidade de mover-se, pensar e interagir com o mundo de modo mais fl exível possível. Nesse sentido, os saberes de diferentes campos se sobrepõem no contexto educacional: médicos, psicológicos, neurológicos, psiquiátricos, entre outros, se sobrepondo ao saber pedagógico, o qual deveria ter maior ênfase nos processos educativos. Ensina-se então esse sujeito a se reconhecer como sujeito e a movimentar-se nessa lógica, mais do que pensar sobre tal lógica, problematizar as verdades que a constitui, aprender conhecimentos para que ele possa se ver de outras formas e escapar de tal lógica.

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Educação Especial e Inclusão Escolar

Importante destacar ainda que se a ênfase da educação escolarizada na atualidade tem sido psicológica, as pedagogias corretivas não deixaram de existir, pois ela tem orientado o modelo de Educação Especial que temos hoje. De acordo com Sardanha (2013) podemos ver essa imbricação dos dois modelos de educação especial e o regular. Para a autora, foram dois movimentos que ocorreram paulatinamente: um deles que institucionalizou os sujeitos considerados anormais e o outro que buscou e ainda hoje preconiza, a inclusão de todos na escola regular, hoje chamada de escola inclusiva. As políticas educacionais, as quais serão mais detalhadas no capítulo seguinte, voltam-se para os sujeitos da Educação Especial, principalmente nas décadas de 1950 e 1960, e pautam-se na ideia de correção e de terapêutica desses sujeitos.

Nada diferente do movimento mundial, no Brasil, e de modo mais específi co, a mesma autora cita alguns serviços de apoio criados no Estado do RS, por exemplo, foram criados para que os sujeitos tivessem um olhar específi co, tais como o Serviço de Orientação e Educação Especial (SOEE), em 1954, e o Centro de Pesquisas e Orientação Educacionais (CPOE). Nesses períodos, instituem-se, portanto, práticas que vão narrar o sujeito da Educação Especial a partir da ideia de “criança problema”, “desajustada”, “que não aprende”. “É uma prática que avalia, compara e classifi ca, posicionando o indivíduo em relação à norma como o ‘aluno excepcional’, o ‘aluno defi ciente’, a ‘criança retardada’, a ‘criança subdotada’” (SARDAGNA, 2013, p. 50).

Na charge a seguir é possível observar como estes estereótipos sobre os alunos instituíam determinadas posições a eles na escola, seja na regular por meio das avaliações escolares, ou mesmo nas escolas especiais, através das práticas pautadas nos saberes da psicologia comportamental.

FIGURA 4 - AVALIAÇÃO

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FONTE: Tonucci (1997)

Pesquise sobre fatos da história geral buscando por acontecimentos que marcaram o contexto econômico no período da Segunda República no Brasil. Você poderá consultar o texto “Breve histórico da educação especial no Brasil” da autora Mendes (2010), disponível em: <https://aprendeenlinea.udea.edu.co/revistas/index.php/revistaeyp/article/viewFile/9842/9041>.

Alguns dos principais acontecimentos são: a economia que passava a ser afetada pelo capital estrangeiro das multinacionais; o agravamento da pobreza para a população; mudanças no sistema educacional da época, produzindo mudanças em sua forma de organização.

Esse período que Mendes (2010) chama de “Segunda República”, foi marcado por um processo da internacionalização da economia, onde o capital estrangeiro através das multinacionais, implantavam uma visão norte-americana que acabava por agravar ainda mais a pobreza da população. E somente com o fi m do Estado Novo, é que a autora pontua que a obrigatoriedade do ensino primário, era de competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Começa a surgir a partir daí a ideia de educação como direito de todos. A luta pela escola pública ganhava ênfase nesse período, “principalmente em função da elaboração do anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que demorou 13 anos para ser transformado em lei (de 1948 a 1961)” (MENDES, 2010, p. 98).

Nesse período, o Ministério da Educação começou a prestar assistência técnica-fi nanceira às secretarias de educação e instituições especializadas e,

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Educação Especial e Inclusão Escolar

além disso, passou a lançar campanhas nacionais para a educação de pessoas com defi ciências.

Com a Lei 4.024 de Diretrizes e Bases, de em 20 de dezembro de 1961, instituindo Conselho Federal de Educação, a “educação de excepcionais” passa a fi car mais evidente. Tratou-se de um marco inicial de muitas “[...] ações ofi ciais do poder público na área de educação especial, que antes se restringiam a iniciativas regionalizadas e isoladas no contexto da política educacional nacional” (MENDES, 2010, p. 99).

Nesse sentido, o fortalecimento da iniciativa Privada e de natureza fi lantrópica sem fi ns lucrativos, só ganhou espaço no Brasil diante da omissão do setor da educação pública que forçou uma mobilização comunitária para preencher a lacuna do sistema escolar brasileiro. Foi somente com a Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, no Artigo 9°, conforme citado por Mendes (2010) é que se defi niu a clientela de educação especial como: aqueles que apresentassem defi ciências físicas ou mentais, os que se encontrassem em atraso em relação à idade regular de matrícula, além dos considerados superdotados. Pode-se perceber que ao mesmo tempo em que a educação especial passa a ganhar espaço na legislação, por outro lado, passa a ser identifi cada com os problemas do fracasso escolar evidenciados com a expansão da rede pública nos anos sessenta.

Os saberes que constituem o campo da Educação Especial começam a ganhar corpo quando são associados a necessidade de diagnosticar quem é o público da Educação Especial. Em 1977, de acordo com Mendes (2010), foi formalizado diretrizes para a ação no campo do atendimento aos “excepcionais” que dispunha sobre atendimento integrado com ações complementares de assistência médico-psico-social e de educação especial. Reforçava-se, portanto, o caráter assistencial mais do que educacional do atendimento.

Assista ao fi lme “O fi lho eterno”. Você pode assistir primeiramente ao trailer, disponível em <http://globofi lmes.globo.com/noticia/o-fi lho-eterno-trailer/>. Após assistir ao fi lme, responda:

1 Como a notícia que o fi lho teria Síndrome de Down foi dada à família pelo médico após o nascimento da criança?

R.:_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1

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2 Considerando a fala do médico, disserte sobre que ênfase você percebe com relação a essa criança com Síndrome de Down e como ela passaria a ser considerada na sociedade atual.

R.:_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3 Por que a mãe não aceita essa representação médica do fi lho e o que ela faz que evidencia outra forma de visualizar o fi lho e a própria síndrome de down?

R.:____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Portanto, a educação especial se desenvolve com muitas críticas pelo acento na defi ciência, na segregação dos alunos em locais específi cos vistos como “Especiais”. Destaca-se ainda a falta de acessibilidade nessas escolas com forte ênfase na correção e na compensação. De acordo com Lopes e Fabris (2013), o foco na assistência e na tolerância ao público da Educação Especial é que determinava as práticas desenvolvidas nesse contexto.

Com base em apenas alguns fragmentos da legislação, foram discutidos aqui para contextualizar os acontecimentos da época. Na primeira legislação

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Educação Especial e Inclusão Escolar

Educacional em 1941, o termo “Excepcional” marca a forma como esses sujeitos passam a ser vistos na educação. No segundo documento em 1971 esses sujeitos passam a ser agrupados dentro de uma política do especial, visto como defi cientes, mantendo-se nessa época a forma segregada dessa modalidade de ensino.

Pode-se dizer que a partir dos anos 1990 passamos a identifi car as nuances do que temos chamado de Educação Inclusiva no Brasil. É sobre esse período atual e esse modelo de educação que passaremos a seguir a discutir. Serão trazidos alguns elementos que contribuem nesse mapeamento de elementos históricos mais contemporâneos que constituem a educação especial vista a partir de um movimento, ou seja, de uma passagem para a educação inclusiva.

3 EDUCAÇÃO INCLUSIVA E OS DESAFIOS PARA A ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE

Conforme anunciado no início desse capítulo, não podemos defender a Educação Inclusiva exaltando-a como se todos os problemas da Educação Especial estivessem resolvidos. Conforme veremos, na base dessas mudanças está uma promessa de modernidade, de democratização da educação e uma preocupação com a permanência de todos na escola. A partir da Constituição Federal Brasileira de 1988, os princípios de democratização da educação brasileira, pretendia “erradicar o analfabetismo, universalizar o atendimento escolar, melhorar a qualidade do ensino, implementar a formação para o trabalho e a formação humanística, científi ca e tecnológica do país”. Pretendia ainda assegurar “a educação de pessoas com defi ciência deveria ocorrer, preferencialmente na rede regular de ensino e garantiu ainda o direito ao atendimento educacional especializado (MENDES, 2010, p. 101).

No capítulo seguinte, veremos em detalhe de que forma essas políticas foram se consolidando e as promessas que subsidiaram a Educação Inclusiva. Por ora é importante ressaltar que as práticas educacionais e curriculares se pautavam na ideia de infantilização do aluno com defi ciência, orientando os profi ssionais da educação a partir da concepção de que as crianças deveriam aprender habilidades típicas do nível pré-escolar, para adquirir “prontidão” para a alfabetização a fi m de acompanhar as classes regulares. Assim, as Classes e escolas especiais, passam a ser muito criticadas, pois encontravam-se baseadas no princípio da segregação educacional, o qual “permitiram dessa forma transformar o ensino especial num espaço onde era legitimada a exclusão e discriminação social, o

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que transformava a educação especial, em um forte mecanismo de seletividade social na escola pública de primeiro grau” (MENDES, 2010, p. 104).

Nesse sentido é que a ênfase da Educação Especial passa a perseguir os objetivos muito próximos aos da educação comum. Conforme as autoras analisam, o enfoque das políticas passou a ser o de:

[...] proporcionar aos excepcionais condições que favoreçam a sua integração na sociedade, desenvolvendo alternativas de atendimento diferenciado, metodologias especiais, promovendo e utilizando recursos humanos especializados (BRASIL, 1984 apud GARCIA; MICHELS, 2018, p. 56).

Assim, a partir da década de 1990 o Brasil passou a adotar políticas de “educação para todos” e de “educação inclusiva”, conforme veremos mais adiante. Alimentado pelas orientações internacionais em torno do princípio da educação inclusiva, o que se pretendia era modifi car esse quadro descrito pelas autoras como tendo:

[...] o acento na defi ciência, a segregação dos alunos em salas de aula e escolas especiais; a falta de acessibilidade nas próprias escolas, a forte ênfase na correção e na compensação, o foco assistencialista e muitas vezes de tolerância que, muitas vezes, parecia determinar as práticas profi ssionais (LOPES; FABRIS, 2013, p. 96).

A ideia de Educação Inclusiva, nessa perspectiva, nasce com essa promes-sa e, por isso, passa a ser tão exaltada, dando a Educação Especial outro status, tal como aponta o Decreto nº 3.298 de 1999, que regulamenta a Lei nº 7.853/89, ao dispor sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Defi ciência, defi ne a educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino, enfatizando a atuação complementar da ed-ucação especial ao ensino regular. Alguns pesquisadores têm procurado analisar as práticas inclusivas para além da política de educação inclusiva em vigor, bus-cando problematizar determinadas práticas que ganham status de verdade. A fi m de problematizar tal status, alguns estudos produzidos no GEPI, tem procurado compreender a inclusão “[...] como uma invenção que entra no jogo do verdadeiro, necessário e legítimo, e a constituem como um conjunto de práticas que a tornam um objeto passível de ser pensado” (LOPES, 2011, P. 10). Cabe então problema-tizarmos o seu caráter universal.

De acordo com Provin (2011, p. 101), pode-se visualizar essa problema-tização relativa à inclusão. Segundo a autora é preferível pensar a inclusão a partir da ideia de uma atitude de inclusão. Segundo o mesmo autor, “a atitude como

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Educação Especial e Inclusão Escolar

uma escolha, uma tomada de posição a respeito de algo e que refl ete o compro-metimento de alguém consigo mesmo e com o outro. Partindo dessa escola, a maneira de estar no mundo será coerente com ela. É importante frisar que atitude nesse sentido não é algo universal, individualista, mas uma ação que envolve a relação de alguém consigo mesmo e com o outro. Esse êthos, esse modo de ser comprometido consigo e com o outro imprimiria outra dimensão para a experiência de inclusão (PROVIN, 2011, p. 101)

Colocar todos para dentro do mesmo espaço não é garantia de inclusão! Essa ideia de êthos defendida pela autora signifi ca desenvolver certa postura, ati-tude e ação que não apenas insere os sujeitos nas instituições cumprindo a legis-lação. Não basta aceitar a inclusão com o objetivo de apenas tolerar as diferenças das pessoas que antes estavam excluídas. Trata-se de uma luta constante, que problematiza o entendimento binário de inclusão e exclusão, pois conforme os estudos do GEPI, o conceito de “in/exclusão” traduz a impossibilidade de a in-clusão ser vista como um lugar de chegada para todos. O processo de in/exclusão refere-se a um movimento relacional que exige negociação, discussão, disputa, refl exão, enfi m, uma busca constante, uma construção de um olhar que trabalhe com as diferenças e não apenas a tolere.

Aprofundaremos esse conceito no capítulo seguinte, quando situarmos o cenário de Educação Inclusiva a partir de 1994 com a Declaração de Salamanca, onde todos passarão a ser mobilizados pelas políticas de Educação Inclusiva. Perceberemos que se trata então de um movimento de inclusão que envolve lutas diárias, cotidianas que nunca vão estar garantidas para todo e sempre. Mas antes, vão depender de olhares sensíveis de todos, buscando identifi car as potenciali-dades dos sujeitos que não são pautadas em uma norma, num padrão escolar, seja de comportamento, seja de cognição.

Veiga-Neto (2001) em seu texto “Incluir para excluir” mostra as ambigui-dades que as políticas que pretendem fazer a inclusão enfrentam devido à própria construção Moderna de normalidade. O autor inicia suas refl exões a partir do con-ceito de anormal na esteira das contribuição de Michel Foucault, ou seja, o termo “anormal”, conforme citado no subtítulo anterior, é utilizado para nomear determi-nados grupos que a Modernidade vem inventando e multiplicando: os sindrômi-cos, defi cientes, monstros, psicopatas (em todas as suas variadas tipologias), os surdos, os cegos, os aleijados, os rebeldes, os pouco inteligentes, os estranhos, os GLs, os “outros”, os miseráveis, o refugo enfi m (VEIGA-NETO, 2001, p. 105).

A partir dessa ideia de invenção Moderna é possível examinar os signifi ca-dos de anormal a partir dos usos que se faz dessa expressão, ou seja, não se trata de defi nir quem é o anormal, mas antes como ele passa a ser visto como parte dessas categorizações.

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Historicamente essa ideia foi se consolidando, de forma separada, os normais dos anormais, em lugar específi co para os anormais, atributos defi nidos para uns e para outros. Importa agora mapearmos as práticas atuais onde nas classes inclusivas essas categorias são misturadas. E o problema disso não se coloca porque os níveis cognitivos são diferentes, mas sim porque a própria lógica de dividir os estudantes em classes, seja por níveis cognitivos, por aptidões, por gênero, por idades, por classes sociais, conforme vimos antes, é “[...] um arranjo inventado para, justamente, colocar em ação a norma, através de um crescente e persistente movimento de, separando o normal do anormal, marcar a distinção entre normalidade e anormalidade” (VEIGA-NETO, 2001, p. 111)

Esse é um dos grandes desafi os da atualidade: lidar com as diferenças a partir de uma organização pautada nos princípios da Modernidade que é marcada como um tempo de vontade e de busca pela ordem, sendo, portanto, intolerante às diferenças. A inclusão nesse sentido, passou a ser vista como um primeiro passo de ordenamento, de aproximação do outro. Porém, não há simetria nessa proxim-idade. Trata-se de oposições binárias que supõe sempre que o primeiro termo de-fi ne a norma que localiza o segundo, por exemplo: homem/mulher, branco/negro, heterossexual/homossexual, ouvinte/surdo, vidente/cego etc., o desafi o, portanto, para a Educação Inclusiva, conforme esse autor é ético: não pode girar apenas em relação as vantagens e desvantagens das políticas de inclusão, mas antes que tais princípios de inclusão poderiam se tornar um dispositivo de equalização da norma, diferente do que temos hoje (VEIGA, NETO, 2001).

Como poderíamos avançar nessa questão? Atentando para as marcas culturais de cada grupo e não assumir os saberes que explicam essa variedade de tipos que se abrigam nessa denominação genérica dos anormais. Nesse sentido, seria possível situar as práticas educacionais hoje não apenas a partir dos saberes psi, como a grande e única forma de explicação que nos leva a perceber esse movimento de in/exclusão?

Muitos são os desafi os que se colocam para o atendimento dos sujeitos da Educação Especial, nessa lógica da Educação Inclusiva. Muitas foram as formas de organização escolar: classe comum, classe especial, sala de recursos, escola especial, atendimento itinerante. Será a partir dos anos 90 que a preocupação com a ampliação do acesso à educação, particularmente nas redes estaduais de ensino vão intensifi car ainda mais a infl uência da psicologia nos encaminhamen-tos pedagógicos e de adaptação curricular como central para uma abordagem individualizada na classe comum.

Diferentes saberes vão pautando as práticas inclusivas no contexto esco-lar. Conforme a discussão apontada sobre as pedagogias disciplinares, corretivas e psicológicas, torna-se possível perceber a imbricação desses sabres produzindo

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Educação Especial e Inclusão Escolar

efeitos para o campo da inclusão escolar, tanto para as políticas quanto para as práticas escolares. Vamos mostrar no capítulo seguinte que a política nacional da Educação Especial (BRASIL, 1994), e, posteriormente, a política da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008) pautam-se por diferentes saberes – Psicologia, Medicina, Pedagogia – os quais além de descrever os su-jeitos da inclusão, eles instituem e consolidam praticas educacionais, modos de fazer a inclusão na contemporaneidade.

Diferentes discursos – compostos por conhecimentos e saberes de diferentes áreas – que circulam nas escolas contemporâneas, a partir dos quais se descrevem (e, com isso, se produzem) tanto os alunos quanto as práticas pedagógicas desenvolvidas para atendê-los (LOCKMANN; TRAVERSINI, 2011, p. 35).

As autoras analisaram as fi chas de encaminhamentos dos alunos para algum tipo de apoio especializado. Elas identifi caram quatro conjuntos de efeitos que pautavam as intervenções realizadas no contexto escolar em relação aos sujeitos ditos incluídos na escola regular. São eles: 1. Moralização dos infantis: narravam o comportamento dos alunos e ao mesmo tempo, orientavam como estes deveriam ser e se comportar; 2. Fortalecimento dos discursos psi (Psicologia, Psicopedagogia, Psicomotricidade relacional, Dançaterapia, Arteterapia, Equoterapia): utilizam técnicas de expressão para desvendar a subjetividade infantil e produzir a autotransformação de cada um pautado no modelo ideal para todos; 3. Medicalização da conduta: produziam diagnósticos para colocar em funcionamento técnicas de normalização que funcionam pelo uso de medicamentos e de atendimentos para regular a conduta. 4. Pulverização das intervenções educativas: visavam atender as especifi cidades dos sujeitos anormais muitas vezes secundarizando a aprendizagem dos alunos.

Considerando tais efeitos Lockmann e Traversini (2011) mostram uma rede de poderes e saberes que vão agindo sobre os sujeitos ditos de inclusão, os anormais, consolidando práticas que normalizam suas condutas. E, por isso, problematizar determinadas práticas que vem ocorrendo no contexto da escola faz-se necessário para não perdermos de vista o foco que deveria ter as propostas pedagógicas desenvolvidas.

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1 Quais são os saberes que estão defi nindo as práticas pedagógicas no contexto escolar? Qual o lugar que está ocupando o conhecimento escolar nestas práticas?

R.:________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Klein (2015) destaca essa questão é uma preocupação pedagógica, necessária e pertinente, que não pode ser analisada de forma desconectada de outros elementos que estão envolvidos no planejamento docente. Elementos de ordem política e econômica, principalmente, são extremamente importantes porque permitirão ampliarmos nosso olhar e problematizarmos questões, as quais, muitas vezes, não são ditas e que acabam por recair apenas na escola ou nas práticas dos professores.

Decorrentes dessas mudanças, os efeitos irão consolidar-se em termos curriculares, conforme mostrou as autoras Garcia e Michels (2018). Nos anos 1990, as orientações políticas descritas, por exemplo, no documento Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994) indicava o seguinte: “currículos adaptados às necessidades dos alunos”, “implantação de programas diversifi cados” e “enriquecimento e aprofundamento curricular para os alunos com altas habilidades” (BRASIL, 1994). Segundo as autoras, a educação especial mante-se de forma inicialmente como segregada, posteriormente como integrada e, mais recentemente, como inclusiva. A proposta é manter o mesmo currículo, embora os objetivos educacionais recomendados aos estudantes da educação especial na classe comum poderiam ser diferenciados mediante a previsão de eliminação de objetivos e conteúdos básicos. Assim, Garcia e Michels (2018)

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mostram que a ênfase da individualização nos currículos sofre modifi cações, pois passam a se pautar menos nas defi ciências e mais nas diferenças individuais.

Se por um lado as metodologias e recursos diferençados ampliavam as possibilidades de desenvolvimento do currículo escolar, por outro as fl exibilizações e adaptações curriculares que levassem em conta o “signifi cado prático e instrumental dos conteúdos básicos” podem ter norteado o processo ensino e aprendizagem para um empobrecimento curricular e um rebaixamento das exigências escolares em contexto escolar de universalização da Educação Básica (GARCIA; MICHELS, 2018, p. 59).

Essa discussão mais específi ca sobre a forma de organização das práticas e do currículo escolar a partir desse modelo de Educação inclusiva é outro grande desafi o para a educação e para as políticas educacionais. No próximo capítulo, trataremos sobre as políticas atuais e o que temos chamado hoje de Atendimento Educacional Especializado – AEE. Quais as orientações que pautam esse tipo de atendimento é uma pergunta fundamental a ser feita. Assim, cabe também nos questionar sobre como tem sido desenvolvido o trabalho deste profi ssional voltado a esse tipo de atendimento no contexto escolar. Mas antes, vale a pena nos determos na análise das bases que pautam o olhar desses profi ssionais da educação, tanto para planejar as práticas pedagógicas, quanto para avaliá-las.

1 Com base na charge a seguir, descreva o que você vê e, posteriormente analise o que você viu a partir do que vimos sobre o normal e o anormal, sobre a inclusão e a exclusão e sobre os diferentes saberes que podem estar envolvidos nesse processo de avaliação.

FIGURA 5 – AVALIAÇÃO: BOLETIM PARA SUBSTITUIR AS NOTAS

FONTE: Tonucci (1997)

Na frase do número oito, sestá escrito: “esta criança é aplicada e obtém bons resultados tanto na escrita como no oral”.

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R.:______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Que bases deveriam pautar o olhar do profi ssional da sala de aula ou da sala de recursos? Se pautados em uma norma escolar, a qual como explica Ewald (2000, p.111),” [...] torna visível sempre os desvios, diferenças, aquilo pelo qual nos distinguimos dos outros, ou até de nós mesmos”. A norma, portanto, sempre nos permitirá igualizar os indivíduos, nos fornecendo uma medida padrão e, assim, mediremos os desvios. O desempenho escolar e mesmo os comportamentos dos alunos, estão constantemente sendo signifi cados a partir de um processo e normatização que institui uma média, uma medida comum.

O que temos observado e alguns estudos também evidenciam é que as práticas ditas inclusivas na escola regular têm sido entendidas a partir dessa normatização, dessa média escolar. Trata-se de mais um dos desafi os da Educação Inclusiva: os processos inclusivos não podem ser tomados de forma isolada no contexto educacional, seja na sala de aula, seja na sala de recursos, tendo os profi ssionais agindo sozinhos com o aluno isoladamente do trabalho pedagógico realizado com os demais alunos. Além disso, tem sido urgente, questionar sobre a relação que esse tipo de atendimento precisa estabelecer com a sala de aula regular. Torna-se assim, necessária esse tipo de análise das práticas desenvolvidas, tendo em vista a organização do trabalho pedagógico que se pretende desenvolver com o aluno com algum tipo de defi ciência ou difi culdade de aprendizagem.

É importante ainda destacar que precisamos considerar sempre todos no contexto educacional. Quando falamos de inclusão é sobre todos os alunos que precisamos nos referir. Porém, cabe ressaltar quem é considerado o público alvo da Educação Inclusiva, de acordo com a Política de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva:

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Educação Especial e Inclusão Escolar

Consideram-se alunos com defi ciência aqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. Dentre os transtornos funcionais específi cos estão: dislexia, disortografi a, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, entre outros (BRASIL, 2008, p. 15).

Veremos em maior detalhamento no último capítulo deste livro sobre os tipos de defi ciências ou algumas síndromes. No entanto, cabe alertar a questão já abordada anteriormente sobre as identidades dos sujeitos, sempre devem ser vistas no plural. Portanto, todos nós estamos incluídos ou excluídos, dependerá sempre das condições em que se estará sendo analisado e das práticas desenvolvidas. Essas diferentes formas de nomear não podem ser tomadas a priori, de forma isolada, a fi m de pautar o trabalho pedagógico a ser realizado. Esse torna-se mais um dos desafi os para a Educação inclusiva. Cada vez mais esses tipos de defi ciência, esses diagnósticos se intensifi cam na medida em que eles vão ganhando centralidade na contemporaneidade. A exemplo dessa proliferação de formas de nomear os sujeitos podemos visualizar através da reportagem de Brum (2019) que está cada vez mais difícil não se encaixar em uma ou várias doenças do manual DSM-5 (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). A autora afi rma que, se antes, já tínhamos nos deparado com uma pesquisa que mostrava que quase metade dos adultos americanos tiveram pelo menos um transtorno psiquiátrico durante a vida, hoje alguns críticos desta quinta edição do manual DSM-5, afi rmam que o número de pessoas com doenças mentais está sendo multiplicados. E assim, poderemos chegar a um impasse muito interessante em que a autora mostra que “a psiquiatria conseguiria a façanha de transformar a “normalidade” em “anormalidade”. O “normal” seria ser “anormal” (BRUM, 2019, s.p.).

Essa questão nos remete a pensar sobre a necessidade de problematizar antes de buscar por esta ou aquela forma correta de nomear os sujeitos para enquadrá-los como sujeitos da Educação Inclusiva. O que Veiga-Neto (2001) nos ensina é que precisamos de uma hipercrítica que nos desafi a a pensarmos nos

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travestismos discursivos, ou seja, disfarçar com véus democráticos pensamentos naturalizados sobre as diferenças. Trata-se, segundo esse autor, de uma proteção linguística que busca todas as formas de nomear o outro com o objetivo de manter o discurso “politicamente” correto. O autor se refere aqui as mudanças na legislação quanto ao nome que devemos chamar as pessoas com defi ciência: Anormais? Excepcionais? Pessoas defi cientes? Pessoas especiais? Dentre outras maneiras já utilizadas como sendo a mais correta, nunca vamos estar livres de discriminação quando não mudarmos a nossa forma de olhar.

Por fi m, precisamos trilhar por caminhos que vão nos exigir um exercício constante de crítica seja para investigar, analisar, refl etir ou construir nossas práticas pedagógicas em relação a todos os sujeitos da Educação. Não podemos naturalizar nosso olhar sobre aquilo que ouvimos sobre a inclusão, simplesmente para tolerar esses sujeitos que são incluídos na educação regular. O exercício constante de colocarmos sob suspeita o que pensamos sobre a inclusão pode nos ajudar a construirmos outros modos de ver. Isso torna-se mais um dos desafi os a enfrentarmos. Considerar que quando estamos envolvidos nesses processos inclusivos, nunca podemos olhar de forma binária para as situações: um sujeito incluído e outro excluído, um normal e outro anormal e, assim, por diante. Quando falamos em inclusão seria oportuno pensarmos em processos de in/exclusão. Tal processo, de acordo com as autoras Lopes e Fabris (2013) é visualizar a inclusão e a exclusão como duas dimensões que se alimentam e convivem em situações de trocas recíprocas, pois uma depende da outra para existir e para cambiar posições.

[...] estamos incluídos, pelo imperativo legal e moral da inclusão pela ação do Estado governamentalizado, mobilizado pela racionalidade neoliberal, mas que ocupamos diferentes gradientes de inclusão, nas quais é sempre possível experimentar relações de in/exclusão. (LOPES; FABRIS, 2013, p. 105).

Para fi nalizar esse capítulo, cabe retomar alguns pontos que se procurou analisar a partir de alguns marcos históricos para compreender de que forma o processo de inclusão foi se desenvolvendo para chegar no que identifi camos hoje na contemporaneidade: nessa passagem de Educação Especial para a Educação inclusiva. Consideramos as condições políticas, econômicas e culturais para que esse deslocamento histórico ocorresse. Mostramos que ele não é bom nem ruim, pois justamente o que abordamos foi a complexidade das relações de poder e de saber que estiveram envolvidas nesse processo histórico. Além disso, esse capítulo, cumpre um de seus objetivos que foi o de subsidiar a construção de práticas inclusivas tendo como base o contexto histórico e político de compreensão da Educação Inclusiva para visualizar os sujeitos da educação especial de outras formas. Acreditamos que foi possível deixar o leitor/estudante curioso para saber mais sobre como a Educação Inclusiva se organiza atualmente no contexto educacional. Tal organização será mostrada através de marcadores

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políticos internacionais e nacionais bem como alguns conceitos que subsidiam as práticas pedagógicas de forma teórica e metodológica. Nesse sentido, pode-se retomar alguns elementos abordados nesse capítulo a fi m de problematizar as orientações que as práticas pedagógicas têm recebido.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕESRecapitulando o que se pretendeu com esses marcos históricos sobre a

Educação Especial, importa ressaltar novamente que não se pretendeu demonizar ou exaltar a Educação Especial ou a Educação Inclusiva. Mas, apresentar esses elementos da história do que entendemos por Educação Especial, a fi m de evidenciarmos um cenário de lutas políticas, culturais e econômicas que embasam nossas formas de compreender os sujeitos na contemporaneidade. A forma como entendemos esses sujeitos e que tipo de práticas devem ensiná-los estão ligados a esse contexto mais amplo. Exploramos com maior profundidade sobre os aspectos relacionados ao sistema neoliberal, pois ele tem orientado a lógica contemporânea, incluindo os processos educacionais. Quem é normal e anormal e, mais, porque fi zemos historicamente essa divisão em nossa forma de ver, pautada em saberes da Modernidade, são questões de fundo desse capítulo e que seriam interessantes serem retomadas no capítulo seguinte a fi m de fundamentar os estudos sobre as práticas inclusivas que serão apresentadas.

Todos esses subsídios históricos podem contribuir para entendermos de que forma a inclusão não é algo de hoje, não se restringe apenas aos aspectos políticos. Ao mesmo tempo em que vimos que a Educação Especial nem sempre existiu e teve a sua importância antes mesmo do que chamamos hoje de Educação Inclusiva. Podemos identifi car que a escola inclusiva foi sendo desenhada nesse contexto, considerando algumas condições políticas e econômicas para que ocorresse essa passagem da Educação Especial para a Educação inclusiva. Não se tratou, portanto, de uma mudança natural, mas de uma composição de acontecimentos que permitiram pensá-la dessa forma. Tudo isso foi mostrado para que pudéssemos compreender que a Educação Especial e a Inclusiva tiveram uma base histórica, que permitiu compreendê-las e visualizá-las a partir das relações de poder e de saberes envolvidos, constituindo os sujeitos da educação de múltiplas formas.

O capítulo se encerra marcando esses desafi os voltados a forma de organizar os processos educacionais dos sujeitos. Desafi os relacionados ao currículo escolar, a formação de professores, principalmente. Serão eles que serão retomados, enfatizados e aprofundados no próximo capítulo em que seguiremos avançando na análise dos processos Educacionais. Sabendo que

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para aprofundar essas questões não podemos perder de vista o panorama mais amplo que considera aspectos econômicos, políticos e culturais que tem constituído o que chamamos hoje de contemporaneidade. Situaremos de forma mais detalhada e apropriada as políticas de inclusão que podem ser pensadas a partir de conceitos que subsidiam as práticas pedagógicas de forma teórica e metodológica. Conceitos de in/exclusão, docência, prática pedagógica, currículo, diferença, identidade, entre outros, serão abordados para tratar sobre algumas polêmicas que se colocam para a Educação na contemporaneidade. Pensar na aprendizagem dos sujeitos, de todos os sujeitos e na função da escola hoje é fundamental. Como fazer com que a escola não perca de vista a sua função com a construção dos conhecimentos? Como ensinar a todos, considerando as especifi cidades, as diferenças de todos? A docência nesse sentido, ganhará centralidade no próximo capítulo.

Ao longo do capítulo você já foi incentivado a realizar algumas atividades que podem contribuir para materializar os conhecimentos discutidos. Responder perguntas refl exivas, assistir aos fi lmes indicados, realizar pesquisas; estas atividades podem contribuir nesse processo refl exivo e de construção de aprendizagens mais signifi cativas sobre o tema em que estamos tratando e que daremos continuidade nos capítulos que seguem. A seguir, você terá a oportunidade de elaborar mais duas atividades, as quais darão maior subsídios para compreender o capítulo seguinte que tratará sobre as políticas atuais e como elas produzem efeitos para a organização das práticas escolares.

1 Após a leitura do capítulo, retire do texto alguns destaques sobre o período histórico que compreende o período de 1900 a 2018. Ao mapear alguns desses elementos você poderá compreender a relação entre os principais acontecimentos relacionados a Educação Especial que permitiram pensar ela hoje de forma atrelada à Educação Inclusiva.

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2 Faça a leitura do case a seguir, que retrata uma situação de inclusão de um aluno que apresenta questões em relação a aprendizagem e acompanhamento da turma. Disserte sobre como você se posicionaria, considerando os marcos históricos da Educação Especial e o contexto atual da Educação Inclusiva.

Quando Pedro chegou à educação infantil da Escola Municipal de Educação Básica, logo notamos “algo” no garoto, possivelmente algum transtorno. Uma escola grande que atende cerca de 100 alunos, divididos em turmas, sendo atendidos em grupos de até 20 crianças, por uma professora e uma atendente. A educação especial do município foi acionada e deu início a uma série de ações junto aos familiares e à equipe da creche para investigar o quadro. Mas a família do estudante teve certa resistência em aceitar a situação. Eram muitos os relatos de difi culdades em realizar as consultas médicas e as avaliações com profi ssionais de reabilitação indicadas para o aluno. Por isso, não havia um laudo médico defi nido.

Em sala de aula, Pedro não fi cava parado e fazia o que queria. Isso difi cultava nossa ação pedagógica. Na sala de estimulação, onde recebia o atendimento educacional especializado (AEE), sua participação era maior. Mas com o decorrer dos meses, o garoto não atingiu o esperado pela creche e pela família. A escola chegou a solicitar a mudança de escola, mas concordou em mantê-lo no mesmo estágio no próximo ano para que tivesse mais uma oportunidade.

No ano seguinte, contudo, a situação pouco mudou. A família continuava resistindo às nossas solicitações. No ambiente escolar, o aluno apresentava difi culdades para comer, mostrava-se intolerante com portas fechadas e tinha o hábito de tirar as roupas quando era contrariado. Ele ouvia e compreendia bem o que lhe era dito, mas não usava a fala para se comunicar. Interagia com adultos e quase

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nada com os colegas. A equipe da sala de recursos via avanços nas propostas individualizadas feitas ao estudante, mas os resultados positivos não se repetiam na sala regular.

Foram necessárias muitas conversas com os pais para que os mesmos fossem levados a retirar seu fi lho da escola. A certa altura do ano, a mãe nos contou como até mesmo os outros familiares começaram a olhá-lo de outra maneira. Assim, Pedro sentia-se excluído na turma e na escola. A escola desconhecia a legislação da inclusão (BRASIL, 2008) que orienta a inclusão de todos os alunos na escola regular, independente da defi ciência.

FONTE: <http://diversa.org.br/relatos-de-experiencia/creche-muda-postura-para-incluir-crianca-sem-laudo-medico-defi nido/)>.

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REFERÊNCIASBRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial. Brasília, 1994.

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução n.2 Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, DF: 2001.

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CAPÍTULO 2

POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

Descrever alguns marcos políticos internacionais e nacionais, bem como alguns conceitos que subsidiam as práticas pedagógicas de forma teórica e metodológica.

Problematizar alguns aspectos políticos tendo como base os principais conceitos que orientam as práticas pedagógicas a fi m de organizá-las de forma a que todos possam aprender nos contextos educacionais.

Apresentar as principais políticas que ancoram a educação inclusiva, a partir de 1990.

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POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E SEUS PRESSU-POSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO

Capítulo 2

1 CONTEXTUALIZAÇÃOImporta mostrar nesse capítulo como determinadas políticas foram criadas,

a partir da Constituição de 1988, a fi m de identifi car alguns efeitos que elas produzem nos contextos educacionais. Alguns princípios e conceitos já foram anunciados no capítulo anterior, que subsidiam o planejamento e desenvolvimento de propostas pedagógicas inclusivas em diferentes contextos educacionais. Além disso, o conceito de in/exclusão como princípio organizacional das práticas, permite identifi carmos como a inclusão se tornou um imperativo de Estado e que, a partir das políticas de inclusão e dos organismos nacionais e internacionais, podemos visualizar as possibilidades de construir outras práticas no contexto da educação.

A partir daí, pode-se perceber outros conceitos relacionados à Educação Inclusiva, considerando os já discutidos, tais como integração, inclusão, acessibilidade, defi ciência e o imperativo da inclusão. Assim, temos que buscar de forma constante outras referências para continuarmos pensando sobre as diferenças. Precisamos nos perguntar de forma constante: será que as políticas de inclusão estão atendendo as necessidades dos sujeitos e dos contextos educacionais? Será que esse tipo de inclusão que vem ocorrendo nos contextos educacionais é o que os sujeitos a serem incluídos almejam? Será que os sujeitos estão se sentindo incluídos nos espaços, nas práticas educacionais e nas relações entre os sujeitos? Quem estaria sendo mais benefi ciado com esse tipo de inclusão ocorrendo no contexto educacional? Essas refl exões que consideram as políticas e seus impactos no contexto da Educação e na Escola, pode incentivar a construção de uma atitude investigativa, que problematiza as práticas realizadas com os sujeitos, voltando-se o olhar para todos, incluindo aqueles que vivenciam esse lugar de “incluído” ou de aluno com necessidades educacionais especiais, ou ainda, pessoa com defi ciência (KLEIN, 2015).

O marco histórico ao qual será apresentado as principais políticas que ancoram a educação inclusiva, será a partir de 1990. Primeiramente, é importante destacar o conceito de política que se defenderá nesse capítulo. Não se trata de verifi car se as políticas estão ou não sendo cumpridas, mas antes de pensar em como elas foram criadas e o que elas são capazes de instituir nos contextos aos quais se vinculam. De acordo com Mainardes (2006), apoiado nos estudos de Stephen Ball e Richard Bowe, a abordagem do ciclo de políticas constitui-se num referencial analítico útil para a análise de programas e políticas educacionais porque permite a análise crítica da trajetória de programas e políticas educacionais desde sua formulação inicial até a sua implementação no contexto da prática e seus e efeitos.

A seguir, trataremos sobre esse contexto da prática educacional, ao qual as políticas inclusivas estão vinculadas e que possibilitaram a criação das mesmas no que se refere ao marco principal a partir da constituição de 1988. Por isso,

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a partir daí, aborda-se alguns princípios e conceitos que podem subsidiar o planejamento e desenvolvimento de propostas pedagógicas inclusivas em diferentes contextos educacionais. Assim, importa ressaltar, que as políticas de inclusão são fundamentais para que possamos avançar em termos de direitos à inclusão em nosso país (RECH, 2011; MENDES, 2010). No entanto, precisamos refl etir sobre o que fazemos cotidianamente no contexto educacional, pois não bastam as políticas existirem, elas por si só não garantem a inclusão (PROVIN, 2015). Dessa forma, iremos compreender e, retomando o capítulo anterior desse livro, veremos que a inclusão deve ser tomada a partir dos processos de in/exclusão. Diante dessa premissa, iremos também refl etir sobre a ideia de que a inclusão tornou-se um imperativo de Estado (LOPES; FABRIS, 2013) e que, a partir das políticas de inclusão e dos organismos nacionais e internacionais, é preciso visualizar as possibilidades de construir outras práticas inclusivas no contexto da educação, não apenas copiar modelos prontos de outros países.

Nesse sentido, precisamos ainda explorar de forma mais aprofundada, a respeito do conceito de in/exclusão como princípio organizacional das práticas. Vinculado a esse conceito central - in/exclusão -, visualizaremos outros que igualmente constituíram o que chamamos hoje de Educação Inclusiva, bem como as políticas de inclusão, no campo da Educação (LOPES; FABRIS, 2013). Os conceitos de integração, inclusão, acessibilidade, defi ciência e o imperativo da inclusão, serão explorados aqui a fi m de que possamos observar como as práticas inclusivas são e podem ser organizadas no contexto educacional. Veremos que muitas delas são realizadas para cumprir a legislação, ou seja, como um imperativo de Estado, a inclusão torna-se possível. Assim temos que nos perguntar: será que esse tipo de inclusão é o que almejamos? Será que os sujeitos se sentirão incluídos nos espaços e nas relações que se estabelecem no interior das instituições? Quem estaria sendo benefi ciado com esse tipo de inclusão ocorrendo?

Para fi nalizar, apresentaremos algumas considerações sobre as políticas e seus impactos no contexto da Educação e na Escola. Situar tais impactos não signifi cam imobilizar-se diante das situações de inclusão, acreditando que as políticas por si só garantem tais impactos de forma natural e automática. Não se trata de incitar imobilização em relação as propostas pedagógicas. Ao contrário, o que se pretende é incentivar uma atitude investigativa, que pode problematizar as práticas realizadas com os sujeitos, voltando-se o olhar para todos, incluindo aqueles que vivenciam esse lugar de “incluído” ou de pessoa com defi ciência (KLEIN, 2015). Essa postura investigativa vai exigir “rever, experimentar, avaliar, planejar, investigar, discutir, conversar, compreender, questionar, criticar”, envolvendo a todos os interessados, numa relação de simetria de saberes, não assumindo o lugar de especialista que sabe mais e, por isso, defi ne o que é melhor. Vai, antes, escutar a todos, a partir daí buscar referenciais para analisar e refl etir sobre a situação, estudando e investigando, a partir dela, as possibilidades

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Capítulo 2

ainda não pensadas e das contingências daquela situação, a qual uma nunca será igual a outra situação já ocorrida.

Conforme Lopes (2005), será preciso “desarrumar a casa”. Essa autora afi rma que precisamos sempre considerar o currículo - ou seja, quais são as orientações institucionais, quais conteúdos ensinar, porque ensinar estes e não outros conteúdos - que orienta as práticas, visualizando os sujeitos e suas necessidades, bem como os nossos princípios profi ssionais e éticos.

2 POLÍTICAS QUE ANCORAM A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Antes de trazer algumas políticas para compreender como elas tem ancorado a Educação Inclusiva, iniciamos com o conceito de política a fi m de explicar que elas podem ser entendidas como práticas de um tempo.

“As políticas são práticas que fazem mais do que nomear e regular a população, mas que ao fazer isso, produzem posições, outras práticas até mesmo os sujeitos que vivem sob essas políticas” (LOPES; FABRIS, p. 80).

Isso signifi ca que as políticas não são aleatórias ou nos apresentam textos neutros, criados apenas para “ajudar” ou “contribuir” para resolver determinada situação no contexto da prática. As políticas nunca serão neutras, Sardanha (2006, p. 3) afi rma que elas são um “conjunto de práticas que inventa o que elas defi nem e que, por sua vez, é condição de possibilidade para se estabelecerem verdades específi cas que, ao serem atravessadas pelas tendências globais, constituem os próprios sistemas de ensino”.

São estas verdades específi cas relativas ao campo educacional, que abordaremos a fi m de questioná-las. Não se trata de retirar a importância, a validade de tais políticas, ou mesmo de colocar-se contra a elas; mas antes, de perceber o quanto elas são discursos que expressam verdades, defi nem ações, modos de agir e de pensar. “Os discursos incorporam signifi cados e utilizam de proposições e palavras, onde certas possibilidades de pensamento são construídas” (BALL, 1993 apud MAINARDES, 2006, p. 54). Nesse sentido, a política como discurso estabelece limites sobre o que se pode pensar e tem o efeito, segundo esse autor, de distribuir “vozes”, porque que somente algumas vozes serão ouvidas como legítimas e investidas de autoridade. Podemos

“As políticas são práticas que

fazem mais do que nomear e regular a população, mas que ao fazer isso,

produzem posições, outras práticas até mesmo os sujeitos

que vivem sob essas políticas”

(LOPES; FABRIS, p. 80).

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visualizar esse entendimento a partir de Foucault, o quanto as políticas podem tornar-se “regimes de verdade”.

Esses regimes de verdades, representados pelas políticas, serão tratados como discursos que inventam práticas. Quando falamos em política estaremos sempre nos referindo a preocupação com o governo da população, da vida das pessoas e de uma nação. O termo governo é utilizado como a ação de governar. Com base nos estudos de Veiga-Neto (2005), é preciso fazer essa distinção entre Governo e governo. Nesse caso, a ação de governar a população será mais importante – governo - do que olharmos para a forma de Governo de uma determinada gestão política específi ca, a qual seria tratada como Governo com “G” maiúsculo. Nesse sentido, o autor defende que quando o uso de governo for no sentido de ação que ele possa ser grafado como governamento para tornar: mais rigoroso e mais fácil o duplo entendimento que, na perspectiva foucaultiana, é possível atribuir à palavra governo. Foi por isso, certamente, que o fi lósofo usou duas palavras diferentes – gouverne e gouvernement – em seus escritos de Filosofi a Política (VEIGA-NETO, 2005, p. 81).

Nessa perspectiva, os governos – o Governo da República, o Governo municipal, o Governo do Estado (em geral grafado com G maiúsculo) – refere-se ao Estado que centraliza ação de governar. É justamente o que o autor sugere é o uso do vocábulo governo que seja substituído por governamento nos casos em que estiver sendo tratada a questão da ação ou ato de governar.

Muito se vê expressa essa centralidade na ação de governar por parte do Estado nos textos políticos. A exemplo disso, o documento citado a seguir apresenta as políticas de inclusão em termos de avanços. É citado nesse documento que a partir dos anos 1960, houve uma espécie de “politização do tema da defi ciência, capitaneada por ativistas e organizações de pessoas com defi ciência ao redor do mundo, o que resultou em maior visibilidade e importância da questão para os agentes políticos e para a sociedade em geral” (BRASIL, 2012, p. 16). De acordo com esse documento intitulado “Avanços das políticas públicas para as pessoas com defi ciência: uma análise a partir das conferências nacionais”, vários países foram envolvidos, criando medidas antidiscriminatórias que objetivava garantir direitos iguais para pessoas com defi ciência. A partir desse entendimento, expresso no documento, o conceito de defi ciência vai se modifi cando: era visto como resultado de algum impedimento físico ou mental, devendo ser tratada e corrigida, por algum tipo de intervenção de profi ssionais para “resolver” o “problema”, e assim se adaptar à sociedade.

A visão assistencialista, de caráter paternalista e excludente, era a que permanecia nesse período (BRASIL, 2012). No entanto, o documento aponta então para os avanços, mostrando que o conceito de defi ciência vai sendo

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Capítulo 2

modifi cado e questionado, voltando-se para as formas de exclusão provocada pela organização social contemporânea, com foco não mais na culpa individual daquele que tem a defi ciência, mas sim nas barreiras que impedem o acesso dessas pessoas. O foco então das políticas, segundo o documento, passa a ser a preocupação com o acesso dessas pessoas em que é possível observar já no documento da Constituição Federal de 1988. A constituição, institui um conjunto de outras políticas expandindo-se os direitos em diferentes setores sociais. Cita-se nesse documento: 1) no Capítulo II da Constituição, que trata dos Direitos Sociais, o inciso XXXI do artigo 7º proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com defi ciência. 2) no artigo 23, inciso II, prevê que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios tratarem da saúde e assistência pública, da proteção e da garantia dos direitos das pessoas com defi ciência. 3) no artigo 24, inciso XIV, defi ne que é competência da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a proteção e integração social das pessoas com defi ciência. 4) no artigo 37 trata da reserva de percentual de cargos e empregos públicos para pessoas com defi ciência (BRASIL, 2012).

Assista ao vídeo “Ted Ideas Worth spreading” - “Não sou sua inspiração, obrigada”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8K9Gg164Bsw>.

FIGURA 1 – “NÃO SOU SUA INSPIRAÇÃO, OBRIGADA”

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=8K9Gg164Bsw>.

Ao apresentar a sua história, Stella Yung, nos apresenta questões fundamentais para pensarmos sobre como os sujeitos com defi ciência eram (ou ainda são?) narrados e representados. Ela afi rma que o modelo social da defi ciência como falta, como sinônimo

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de incapacidade, como algo digno de pena, tem incitado a algumas pessoas com defi ciência que não representam esse modelo pautado a partir da necessidade de compartilhar sua vida servindo de inspiração para as demais pessoas consideradas “normais”. Stella diz que sente muito, mas que irá desapontar o público, pois não irá inspirá-lo. Servir de inspiração apenas pelo simples fato de acordar pela manhã e sair para trabalhar, por exemplo, não a faz melhor do que ninguém, e muito menos servir como exemplo a ser seguido. Stella afi rma que a defi ciência torna você excepcional. Essa representação está posta nas políticas que visam garantir diretos a todos, mas que diferenciam para poder classifi car, nomear e instituir práticas que possam benefi ciar essas pessoas. Stella também questiona as políticas no sentido de que todos precisam reconhecer a importância delas para garantir direitos iguais a todos, mas que elas produzem esses efeitos de representação de quem é o outro defi ciente. Ela reconhece que aprende de forma constante com o outro, com as resistências uns dos outros e não contra os seus corpos e diagnósticos, que aprendeu a usar seu corpo ao máximo. Ela sonha com um modelo de sociedade em que a defi ciência não seja mais a exceção, e sim o normal.

Tendo em vista esse cenário mais amplo de garantia de direitos às pessoas com defi ciência na constituição federal de 1988, pode-se afi rmar que em relação a política educacional Brasileira do início da década de noventa, de acordo com Mendes (2010), foi marcada pelo discurso esperançoso dessa ênfase nos direitos sociais conquistados através desse documento. A ênfase na universalização do acesso à educação, também buscava atender as premissas do projeto neoliberal que prometia o ingresso do país na era da modernidade através da reforma do Estado. Então o que se evidenciou foi uma onda de reforma no sistema educacional. A autora destaca que diante dos problemas de desempenho da educação nacional o país vai sendo cada vez mais pressionado por agências multilaterais a adotar políticas de “educação para todos” e de “educação inclusiva”.

Nesse sentido, podemos observar a inclusão a partir da ideia de imperativo. De acordo com Lopes e Fabris (2013) tem sido imprescindível discutir a educação a partir dos processos inclusivos no cenário nacional e internacional, colocando-se de forma favorável, defendendo essa posição de forma constante. Percebe-se uma defesa da inclusão nos debates políticos, associações, sindicatos, escolas, empresas, ONGs, mídias, ou seja, todos os níveis de ensino e espaços da sociedade. A mídia tem sido enfática em seus posicionamentos favoráveis à inclusão, abordando o tema através de propagandas de televisão, fi lmes, telenovelas, desenhos animados etc.

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Capítulo 2

Exemplos de práticas de inclusão na mídia

1 Cite dois exemplos em que a mídia aborda o tema da inclusão.

R.:__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

2 Formule uma questão a respeito dos seus exemplos que expressa uma visão que não apenas concorda com o que foi mostrado, mas busca questionar sobre as verdades que aquela representação sobre a defi ciência quer evidenciar.

R.:___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Importa destacar que esses posicionamentos não garantem processos inclusivos. O que temos visto como necessidade é compartilhar questões a respeito desses discursos pró-inclusão. Lopes e Fabris (2013, p.78) afi rmam que num primeiro momento as políticas de inclusão, ou esses discursos pró-inclusão, aparecem de forma compulsória, como um imperativo, mas num segundo momento “é preciso que cada um se dobre a essas verdades, acredite nelas ou ao menos as aceitem como promessa de mudança de vida”. Trata-se de uma rede em que cada um de nós participa enquanto uma população. Primeiro de forma compulsiva e, posteriormente, cada um deve se curvar a essas verdades, acreditar nelas para transformar suas vidas. De acordo com as autoras citadas, a inclusão como imperativo, pode ser vista como uma lógica orientadora da vida, como condição de participação de todos.

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Nesse contexto, destaca-se a partir da década de 1990, que a ênfase nas políticas educacionais passou a apontar para a necessidade de ofertar educação para todos. Sardanha (2006) apresenta alguns elementos que explicitam tal necessidade. De acordo com os estudos dessa autora, as formas de ingresso, as fl exibilizações curriculares, as novas ofertas de educação à distância, as implementações de propostas de ensino para todas as idades, entre outras, representam esse cenário onde todos devem estar contemplados. Proliferam-se a partir daí, discursos que consolidam “[...] práticas e signifi cados tomados como premissa inquestionável, uma vez que o sentido dado a essas práticas supõe a luta pela humanidade em favor daqueles que estão em condições desfavoráveis” (SARDANHA, 2006, p. 1).

Ao analisar o Movimento de Educação para todos, Sardanha (2006) utiliza-se do Plano Nacional de Educação - PNE (BRASIL, 2001) para mapear as ações de promoção da universalização do ensino, de melhoria da qualidade e promoção do acesso a todos os níveis de ensino. O PNE visa resolver uma série de problemas relacionados a exclusão por meio do processo de escolarização. Pretende-se: a) diminuir as taxas de analfabetismos, b) reduzir o número de crianças fora da escola, c)elevar o nível de escolaridade da população, d) melhorar a qualidade de ensino em todos os níveis, e)reduzir as desigualdades sociais e regionais, e f)democratizar a gestão da Educação pública (BRASIL, 2001). Em relação a matrícula dos alunos com necessidades especiais, pode-se perceber no documento da LDBEN/96, que o termo “preferencialmente” indica que a matrícula pode ocorrer na rede regular de ensino (BRASIL, 1996, p. 6). Posteriormente, consolidando esse movimento de ingresso de todos na escola e, ainda o quanto antes melhor, observa-se também na Lei 11.114/20053, a obrigatoriedade do ingresso de alunos a partir dos seis anos de idade no ensino fundamental, a ampliação da jornada escolar em turno integral, as classes de aceleração, a universalização do ensino e a minimização da repetência. Todas essas ações são indicativas dessa lógica da educação para todos que pautaram e continuam pautando as políticas educacionais em todas as instâncias.

Importante ressaltar que essa lógica pretendeu atingir todos os níveis de ensino, buscando constituir sujeitos cidadãos de um mundo global, uma vez que estamos vivendo num mundo considerado global. Essa orientação passou a pautar a redução das desigualdades sociais e a ampliação das oportunidades de aprendizagem. Pode-se destacar tais ações a partir da Declaração Mundial sobre Educação para Todos” conferência mundial realizada em Jomtien, Tailâdia (1990). Tal Declaração foi convocada pelos seguintes organismos: Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); Organização das Nações Unidas para a Educação, Cultura e Ciência (UNESCO); Banco Mundial (BM). (SARDANHA, 2006). Essa Declaração incita compromissos internacionais, defi nindo que os países envolvidos elaborassem Programas para serem desenvolvidos em dez anos.

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Capítulo 2

Nosso PNE, portanto, é resultado desses movimentos realizados em nível global, e tem como objetivo central a formação de:

Sujeitos com mobilidade para viver num mundo em constantes mudanças, que se possam adequar facilmente aos preceitos globais, uma vez que visam desenvolver as competências exigidas pelas transformações contemporâneas. Nessa lógica, o acesso à escola está vinculado ao exercício da cidadania (SARDANHA, 2006, p. 7).

Importa ainda chamar a atenção que estes preceitos globais engendram práticas cada vez mais voltadas ao apelo às parcerias aliado ao imperativo de educação para todos. As parcerias reafi rmam as responsabilidades da União para outros setores, inclusive, para a iniciativa privada. De acordo com Veiga-Neto (2000, p. 198), essa minimização do Estado traduz a seguinte operação: “[...] o Estado deve se ocupar só com algumas atividades ‘essenciais’, como a Educação e a Saúde; e, assim mesmo, encarregando-se de, no máximo, regulá-las ou provê-las”.

Exemplo de programa de inclusão

1 Cite alguns programas de inclusão voltados a área da educação.

R.:_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

2 Disserte sobre um dos programas, apresentando mais detalhes e destacando os objetivos e os resultados esperados. Consulte a internet para pesquisar sobre o programa escolhido.

R.:________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Diante desse cenário podemos situar as políticas de educação inclusiva a partir da Declaração de Salamanca que resultou da Conferência Mundial de Educação Especial, realizada na Espanha em 1994. Percebeu-se um comprometimento das nações para que a educação das pessoas com necessidades especiais ocorresse e se desenvolvesse nos sistemas de ensino regular. Na LDBEN/96, conforme citado anteriormente, já havia esse propósito, mas o termo “preferencialmente” e a forma de chamar “pessoas com defi ciência”, ainda não expressava os princípios legitimados em Salamanca. O conceito “necessidades educativas especiais”, portanto, mostra-se como uma forma de suavizar os termos anteriormente relacionados às pessoas com defi ciência (RECH, 2010).

Nesse sentido, que a Educação Inclusiva vai ganhando espaço e força nos discursos pró-inclusão, podendo ser vista como um jargão na área educacional para marcar práticas que desejamos mais justas, democráticas e solidárias (KLEIN, 2010). O imperativo da inclusão, o qual iremos abordar com mais detalhes adiante, primeiramente foi centrado no acesso arquitetônico, incentivando e buscando garantir que todos ingressassem no ensino regular, mas atualmente percebe-se uma ênfase na dimensão pedagógica, ou seja, perguntando-se como esses sujeitos ditos incluídos estão aprendendo. Trazer para o debate, a questão curricular nesse caso, é fundamental, pois já sabemos que não se trata mais de apenas colocar os sujeitos para dentro, ou de se colocar contra ou a favor da inclusão, não é uma questão que pode ser analisada de forma binária. De acordo com Klein e Lopes (2008 apud KLEIN, 2010, p. 15) “colocando o foco na escola, quando penso em inclusão, referimo-nos a toda e qualquer posição de aprendizagem e de aluno criada a partir das relações que são estabelecidas naquele espaço”.

A partir dessa premissa é que as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial (2001) vão trazer o conceito de Educação Especial de forma integrada a Educação Inclusiva, abarcando até a Educação Básica. Posteriormente, no documento da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação inclusiva (2008) é que a Educação Inclusiva vai ganhar mais centralidade e a Educação Superior passar a ser abarcada. A defi nição de Educação Especial é nos apresentada neste documento da seguinte forma:

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Capítulo 2

A Educação Especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2007, p. 10).

Como uma modalidade de ensino, conforme já vimos no capítulo anterior, a Educação Especial é atravessada por dois movimentos distintos: o de integração e de inclusão escolar. O primeiro deles, de acordo com Rech (2010) marcou um “movimento de integração” que iniciou muito antes do Governo de Fernando Henrique Cardoso como presidente do Brasil, pois tratava-se de uma necessidade de encontrar um lugar para as crianças que estavam fora da escola, dando-lhes oportunidades de estudar na classe regular e quando possível na escola especial. Muitas campanhas e sensibilizações foram surgindo nesse período do primeiro mandato que transcorreu de janeiro de 1995 à 1999. “Iniciativas como o projeto Nordeste, O Programa Dinheiro na Escola, O Programa Comunidade Solidária, O programa TV Escola e o Programa do livro didático”, são citados pela autora como um fortalecimento, e “uma forma de transformar todos na extensão do Estado, ou seja, todos vão fazer a vigilância de todos. (RECH, 2010, p. 25). O segundo movimento, a partir de 1999, de acordo com a mesma autora, o “movimento de inclusão escolar”, passa a ganhar centralidade. Esse movimento signifi cou uma ênfase em práticas de inclusão fortemente ligada às questões sociais, mas na escola a proposta de integração ainda era visível. Esse movimento, portanto, pretendia uma transformação educacional que visava novos desafi os para incluir a todos, não mais apenas integrando-os no contexto educacional, até porque a legislação vigente passava a exigir.

Diante desse cenário, pode-se analisar o cenário contemporâneo, a partir dos princípios neoliberais em que “[...] o governo repassa à população a tarefa do cuidado de si e do outro, diminuindo as responsabilidades do Estado com relação à vigilância da ordem publica e aumentando, dessa forma, as práticas de governamento” (RECH, 2010, p. 28).

Trata-se, segundo a autora, de uma lógica pautada em dar maior oportunidade a todos onde se estimula ao mesmo tempo valores como autonomia, liberdade, solidariedade e competição (RECH, 2010). A inclusão pode ser caracterizada a partir daí, como um imperativo. Todos precisam estar incluídos para permanecerem e sustentarem essa lógica. Lopes e Fabris (2013) afi rmam que a inclusão como imperativo

A Educação Especial é uma

modalidade de ensino que

perpassa todos os níveis, etapas e

modalidades, realiza o atendimento educacional

especializado, disponibiliza os

recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no

processo de ensino e aprendizagem

nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2007, p.

10).

Diante desse cenário, pode-se analisar o cenário contemporâneo, a partir dos princípios neoliberais em que

“[...] o governo repassa à população a tarefa do cuidado de si e

do outro, diminuindo as responsabilidades

do Estado com relação à vigilância da ordem publica e aumentando, dessa forma, as práticas de governamento”

(RECH, 2010, p. 28).

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precisa necessariamente aceitar essa forma de interpelação do Estado, onde mais do que impor a todos, são necessárias normativas para fazer valer e legislar sobre as práticas. As autoras nos permitem ir além nessa análise sobre a inclusão afi rmando que esse conceito precisa ser tomado a partir de uma radicalização da crítica mais ampla atrelada ao sistema neoliberal. Elas afi rmam que é necessário: “[...] analisar as condições de possibilidade para que os diferentes gradientes de inclusão sejam vividos e que a inclusão não seja entendida como um ponto de chegada, mas como um desafi o permanente” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 110). Para analisarmos nessa perspectiva é preciso optar então por compreender a inclusão a partir do processo de in/exclusão, o qual apresentaremos em maior detalhamento no próximo subtítulo.

Vale situar a legislação vigente, a qual evidencia essas tendências neoliberais também em relação a Educação, pois ao criarem estratégias e técnicas que indicam a inclusão de todos no ensino regular, permitem a regulação de todos aqueles que estavam em escolas especiais ou fora das instituições. Conforme o documento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, os dados do Censo Escolar/2006, na educação especial, registram a evolução de 337.326 matrículas em 1998 para 700.624 em 2006, expressando um crescimento de 107%. No que se refere à inclusão em classes comuns do ensino regular, o crescimento é de 640%, passando de 43.923 alunos incluídos em 1998, para 325.316 alunos incluídos em 2006 (BRASIL, 2008). O Brasil, portanto, sob a ótica do Estado, vem avançando, alcançando números expressivos com relação a essa premissa de todos pela educação e todos na escola regular.

No entanto, não somente os números precisam ser considerados, e sim a lógica orientadora desse projeto neoliberal como já vimos. De acordo com Rech (2010) a ênfase está na inclusão da pessoa, e não mais na sua integração. A inclusão de todos no espaço escolar não exigirá esforços da população, pois as políticas, os programas, as legislações é que precisarão garantir o direito de todos a educação regular. O que vai mudar são as práticas, o que veremos mais adiante com a instituição do Atendimento Educacional Especializado - AEE na escola, visando constituir uma rede de apoio aos alunos considerados “incluídos”. Esses rótulos “aluno incluído” ou “aluno de inclusão” ou “aluno com necessidades educacionais especiais”, precisam ser mantidos como uma condição necessária para que ele possa permanecer no jogo competitivo da escola e do mercado, sendo contabilizado nos censos, nas estatísticas, legitimando a lógica neoliberal (RECH, 2010).

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Capítulo 2

Formas de nomear os alunos na escola

A partir de uma conversa informal com professores que atuam em escolas pergunte como eles tem chamado os alunos que apresentam questões em relação à aprendizagem. Aqueles alunos que frequentemente não acompanham o ritmo da turma e que, por isso, exigem um olhar diferenciado do professor. Caso os professores não apresentem outras formas de nomearem, pergunte a ele se já ouviram outros professores nomeando seus alunos.

Faça o registro dessas formas de nomear, analise e refl ita sobre isso com base nos estudos realizados até aqui.

A ideia é ampliar o repertório sobre as formas como os alunos são chamados para além do politicamente correto. Poderá aparecer formas pejorativas ou estereotipadas, tais como “lento”, “agitado”, “hiperativo”, “quieto”, “tímido”, entre outros, que nos remetem a refl exão sobre como tais nomes podem contribuir com a maneira que esses alunos se identifi cam e constituem suas identidades. Essas formas de nomear não apenas descrevem como os alunos são, mas acabam posicionando-os na escola fazendo com que acreditem nessas descrições e agindo dessa forma sugerida por estas caracterizações.

Com relação à necessidade de modifi car as práticas pedagógicas, tornando-as mais inclusiva, é que o texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva apresenta-nos como objetivo:

[...] assegurar a inclusão escolar de alunos com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profi ssionais da educação para a inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008, p. 14).

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No texto fi ca evidente preocupações do âmbito do acesso, mas também pedagógico visando assegurar o direito de todos os alunos participar e aprender. Conforme as discussões apresentadas sobre o imperativo da inclusão de todos, pode-se afi rmar que ele não está presente somente nas legislações brasileiras, mas nos discursos dos principais organismos internacionais. De acordo com Provin (2015), não se trata de colocar-se contra, pois buscamos uma educação que esteja de fato ao alcance de todos. Contudo, há de se considerar que

[...] os discursos que constituem as políticas educacionais, através dos processos de signifi cação, vão produzindo modos específi cos de ser aluno, sujeito, cidadão, cujos sentidos estão também nos discursos econômicos, sociais, culturais em âmbito nacional e internacional, que tecem as práticas da globalização (PROVIN, 2015, p. 7).

Nessa perspectiva, como a escola tem se organizado, preparado para trabalhar com todos os alunos? Uma das possibilidades que tem exigida pela legislação é a adaptação curricular. Conforme Klein (2010) a adaptação curricular precisa ser muito discutida no âmbito da escola, pois ela é muito perigosa. A adaptação curricular pode ser pensada como um conjunto de estratégias que permitem fl exibilizar os conteúdos do currículo de modo a permitir a todos estabelecer relações com o saber. No entanto, a adaptação curricular pode permitir fazer ajustes em relação ao que se pretende ensinar, mas o conhecimento

não é problematizado e muito menos a própria base epistemológica em que a inclusão é proposta (Klein, 2010). A autora afi rma que:

[...] o currículo não só dispõe, mas constitui os escolares a partir de práticas que visam a sua inclusão. Essa inclusão, não sendo permanente, está constantemente sendo movimentada pelos diagnósticos, estatísticas e avaliações que nós, profi ssionais da educação, ajudamos a constituir. Por isso, deixamos aqui um convite para, quando falarmos de “inclusão”, a relacionarmos com as questões curriculares (KLEIN, 2010, p. 25).

Se o currículo é capaz de construir práticas, identidades, modos de ser e de agir no contexto educacional, precisamos estar atentos as formas como os alunos vem se constituindo. Segundo ainda o texto da Política de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, considera-se alunos com defi ciência:

aqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais

[...] o currículo não só dispõe,

mas constitui os escolares a partir de práticas que visam a sua inclusão. Essa

inclusão, não sendo permanente, está constantemente

sendo movimentada pelos diagnósticos,

estatísticas e avaliações que nós,

profi ssionais da educação, ajudamos

a constituir. Por isso, deixamos aqui

um convite para, quando falarmos de “inclusão”, a relacionarmos

com as questões curriculares (KLEIN,

2010, p. 25).

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Capítulo 2

recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. Dentre os transtornos funcionais específi cos estão: dislexia, disortografi a, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, entre outros (BRASIL, 2008, p. 15).

O que representa mantermos o “especial” em relação as práticas pedagógicas diferenciadas? (LOPES; FABRIS, 2013, p. 113). A marca do especial aquele que não aprende é representada por uma série de justifi cativas, tais como impedimentos, restrição, transtornos, alterações, repetições, elevação, entre outras. Se por um lado, precisamos trabalhar com as diferenças, considerando-as em nosso fazer pedagógico – que discutiremos a seguir – a fi m de ajustar os planejamentos de acordo com as necessidades que se apresentam, por outro corre-se o risco de reforçar esse lugar de aluno incluído, aluno especial, dentre outras formas de nomear, conforme já vimos.

Na charge a seguir pode-se analisar o quanto essas diferentes formas de nomear os alunos passam a ser naturalizadas a partir de um determinado padrão normal, o qual serve de referência, como óculos para nos fazer enxergar.

FIGURA 2 - A AVALIAÇÃO

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FONTE: <www.museudainfancia.unesc.net>.

No caso representado na charge, todos os alunos apresentam questões que incomodam a professora, pois somente um aluno pode ser considerado normal. Ou seja, somente o aluno que ela vê como sendo igual a ela. Observe que as caracterizações - “vivo demais”, “desorganizada”, “abúlico” (indiferente, sem vontade), “defi ciente”, “caracterial” (apresenta perturbações de carácter), “tímida demais”, “mal educada”, e somente um deles como sendo “normal” – elas não apenas são utilizadas para descrever determinados comportamentos, mas antes eles defi nem a forma como cada um se vê e passar a assumir para si determinadas características como suas, sendo impossível de serem modifi cadas. De acordo com Ross (2007), o grande desafi o seria suspeitarmos de forma constante do nosso olhar e de nossas atuações. Além disso, a autora diz que é necessário refl etir sobre o lugar de um suposto padrão e as relações que se estabelecem nas instituições.

Segundo Ross (2007) precisamos repensar as maneiras de olhar para as diferenças na escola e experimentar um olhar que procure suspeitar como elas são percebidas e nomeadas por nós, pois elas “são produzidas em nossa cultura escolar, emaranhada em uma ampla rede de relações de poder e de discursos que constituem o modo como olhamos, como dizemos, como descremos, como avaliamos, como agimos” (ROSS, 2007, p. 65).

Essas formas de nomear os alunos, utilizando-se não mais apenas o senso comum, mas os diagnósticos clínicos, ou seja, a visão dos especialistas, médicos, neurologistas, psiquiatras, psicólogos, fonoaudiólogos, entre outros profi ssionais, começa a surgir mais fortemente quando o Atendimento Educacional Especializado – AEE passa a ser legitimado pelas políticas educacionais. Nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial, já se evidenciava a necessidade desse tipo de atendimento específi co para os alunos considerados “com necessidades especiais” dentro da escola regular, conforme pode-se visualizar, no Art 7º e 8º:

Art. 7º O atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ser realizado em classes comuns

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POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E SEUS PRESSU-POSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO

Capítulo 2

do ensino regular, em qualquer etapa ou modalidade da Educação Básica.Art. 8º As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns:I– Professores das classes comuns e da educação especial

capacitados e especializados, respectivamente, para o atendimento às necessidades educacionais dos alunos;

II– Distribuição dos alunos com necessidades educacionais especiais pelas várias classes do ano escolar em que forem classifi cados, de modo que essas classes comuns se benefi ciem das diferenças e ampliem positivamente as experiências de todos os alunos, dentro do princípio de educar para a diversidade;

III– fl exibilizações e adaptações curriculares que considerem o signifi cado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória;

IV– Serviços de apoio pedagógico especializado, realizado, nas classes comuns, mediante:

a) atuação colaborativa de professor especializado em educação especial;

b) atuação de professores-intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis;

c) atuação de professores e outros profi ssionais itinerantes intra e interinstitucionalmente;

d) disponibilização de outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à comunicação.

V– Serviços de apoio pedagógico especializado em salas de recursos, nas quais o professor especializado em educação especial realize a complementação ou suplementação curricular, utilizando procedimentos, equipamentos e materiais específi cos; (BRASIL, 2001, p. 2).

Percebe-se a preocupação com a formação de professores, com a distribuição e classifi cação dos alunos considerados com necessidades especiais, com as fl exibilizações e adaptações no currículo, com o provimento e organização dos serviços de apoio especializado. Ou seja, há uma ênfase na regulamentação desse tipo de atendimento, descrevendo como ele deve ocorrer no contexto escolar regular a fi m de que o aluno, classifi cado como “com necessidades especiais”, possa ser inserido, participar e aprender. Documentos legais posteriores a este vão enfatizar e detalhar ainda mais no sentido de aperfeiçoar o trabalho a ser realizado junto ao AEE, tais como a própria Política da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) já citada e, posteriormente, de modo mais específi co, a nota técnica Nota técnica SEESP/GAB nº 19/2010. Esta nota visou regulamentar as práticas realizadas nesse contexto, pois buscava garantir a

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existência de profi ssionais específi cos para a realização de apoio para atividades de locomoção, higiene e alimentação para os estudantes que não realizam essas atividades com independência. O documento aponta também que não seria atribuição desse profi ssional desenvolver atividades educacionais diferenciadas nem se responsabilizar pelo ensino destes alunos. Ou seja, a preocupação deveria centrar-se em subsidiar o professor em sala de aula a fi m de que ele possa realizar o trabalho pedagógico com o aluno. Mas, posteriormente, para garantir que todos os alunos que apresentassem questões em relação a aprendizagem pudessem participar desse tipo de atendimento, a Nota Técnica n°04/2014 Secadi/MEC, visava regulamentar esse atendimento para todos, afi rmando que não seria mais necessário a apresentação de documentos comprobatórios (laudo médico e/ou diagnóstico clínico) para matrícula no AEE.

Esse profi ssional é contratado para apoiar o trabalho pedagógico no sentido de auxiliar o aluno com necessidades educacionais especiais nas questões de locomoção, higiene e alimentação. No entanto, esta contratação produz muitas discussões no contexto educacional em relação a real função desse profi ssional de apoio. A orientação é a de que ele não deveria se responsabilizar pelo processo de ensino e de aprendizagem, por isso, que ocorre, muitas vezes, uma individualização das práticas desenvolvidas ao aluno atendido. Ou seja, muitas vezes, esse profi ssional de apoio acaba privando este aluno da socialização com os demais colegas da turma e mesmo com o professor.

A fi m de garantir a inclusão de todos, a aprendizagem de todos aqueles que passaram a fazer parte da escola regular com essa marca de “aluno incluído” (não que antes não tivéssemos todos os tipos de alunos dentro da escola, talvez a questão era que eles não conseguiam permanecer na mesma e eram automaticamente evadidos) é que precisamos “[...] considerar os efeitos que têm sido produzidos a partir da implantação dessa política, especialmente aqueles relacionados às práticas desenvolvidas pelo professor que atua no AEE” (SCHERER, 2015, s.p.). O que a autora aponta em seus estudos é que as formas de nomear, classifi car, identifi car e diagnosticar esses alunos, a fi m de que eles possam frequentar o AEE, tem implicações na sua constituição como sujeito/aluno.

As SRM são divididas em dois tipos, de acordo com o material que é enviado pelo Ministério da Educação. A sala tipo 1 conta com: microcomputadores, monitores, fones de ouvido, microfones, scanner, impressora a laser, teclado e colmeia, mouse e acionador de pressão, laptop, materiais e jogos pedagógicos acessíveis, software para comunicação alternativa, lupas manuais e eletrônica, plano inclinado, mesas, cadeiras, armário, quadro melanínico. A sala tipo 2 conta com os mesmos recursos, mais recursos específi cos para o trabalho com alunos cegos (SCHERER, 2015). Seja do tipo 1 ou do tipo 2, o trabalho desenvolvido no AEE, com base na Nota Técnica n°04/2014, deve ser marcadamente um atendimento pedagógico, e não

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Capítulo 2

clínico, tanto que essa nota vai indicar que o laudo clínico sobre o aluno não poderá defi nir se ele tem ou não direito a esse atendimento. O objetivo desta nota também é o de regulamentar o trabalho do professor do AEE no sentido de que ele deve enfatizar o olhar pedagógico sobre a aprendizagem do aluno, buscando o professor em sala de aula para que possam construir possibilidades de trabalho, contribuindo assim para esse processo de inclusão. Segundo a nota técnica:

Para realizar o AEE, cabe ao professor que atua nesta área, elaborar o Plano de Atendimento Educacional Especializado – Plano de AEE, documento comprobatório de que a escola, institucionalmente, reconhece a matrícula do estudante público alvo da educação especial e assegura o atendimento de suas especifi cidades educacionais. Neste liame não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, uma vez que o AEE se caracteriza por atendimento pedagógico e não clínico. Durante o estudo de caso, primeira etapa da elaboração do Plano de AEE, se for necessário, o professor do AEE, poderá articular-se com profi ssionais da área da saúde, tornando-se o laudo médico, neste caso, um documento anexo ao Plano de AEE. Por isso, não se trata de documento obrigatório, mas, complementar, quando a escola julgar necessário. O importante é que o direito das pessoas com defi ciência à educação não poderá ser cerceado pela exigência de laudo médico (BRASIL, 2014, s.p.).

Diante de imobilismos, muitas vezes, por parte dos profi ssionais da educação, os quais afi rmam não saber qual seria a questão que impediria a criança ou o jovem de aprender é que essa nota contribui, enfatizando o olhar pedagógico. Ou seja, enquanto profi ssionais da educação, mais do que saber sobre a síndrome é necessário conhecer as potencialidades desse sujeito para que ele aprenda. Não adianta saber se ele tem Síndrome do Espectro do autismo ou se ele tem Síndrome de Down, se não se sabe o nome da criança, quem é sua família, seu contexto cultural e social onde está inserido. Importa dizer que a defi ciência não é a única identidade deste sujeito. Portanto, caberá ao professor que atua nesse espaço organizar o tipo e o número de atendimentos, bem como elaborar o Plano de AEE de cada aluno. O Plano de AEE deverá resultar das escolhas do professor sobre o aluno e seu histórico escolar, contexto familiar e cultural, entre outras questões, quanto ao uso de recursos, equipamentos e apoios mais adequados para eliminar as barreiras que impedem ou difi cultam o aluno de ter acesso ao que lhe é ensinado na sua turma da escola comum (BRASIL, 2010). Tudo isso sendo considerado a partir de toda a escola e, principalmente com os professores da turma que atuam com esse aluno.

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Bridi (2011 apud Scherer, 2015) realizou um estudo sobre essa questão dos diagnósticos e nos traz algumas questões interessantes para refl etir a respeito do trabalho realizado na escola atualmente: em uma escola por ela pesquisada dos 600 alunos, 25, frequentavam a sala de recursos, sendo que 15 deles apresentavam defi ciência mental e somente dois tinham diagnósticos clínicos da defi ciência. O restante fora encaminhado por identifi cação de seus professores. Mesmo após a nota técnica que permite o atendimento ao aluno é preciso perguntar sobre a forma como os professores estão fazendo a leitura sobre o aluno e suas aprendizagens. Concordo com Scherer (2015) quando esta afi rma que precisamos (re)pensar de que forma a escola como um todo pode envolver-se nesse processo de inclusão, não apenas delegar ao AEE ou a professora da turma ou às famílias. Para que esse trabalho possa ocorrer da forma mais signifi cativa possível, é necessário que todos possam se responsabilizar, principalmente, a equipe de gestão da escola, incluindo aí, a ideia de rede de apoio.

Na reportagem de Eliane Brum (2013) “Acordei doente mental”, citada a seguir, pode-se observar o quanto esses diagnósticos que defi nem as identidades dos sujeitos são passíveis de análise e crítica. A autora menciona a quinta edição do que ela chama de a “Bíblia da Psiquiatria”, o DSM-5, que transformou numa “anormalidade” ser “normal”. De acordo com a autora, estamos cada vez mais nos encaixando em uma ou várias doenças do manual Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Principalmente o número de pessoas com doenças mentais vai ser multiplicado, pois a psiquiatria conseguiria a façanha de transformar a “normalidade” em “anormalidade”. O “normal” seria ser “anormal”.

FIGURA 3 – ACORDEI DOENTE MENTAL

FONTE: Retirada do site: <http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2013/05/acordei-doente-mental.html>.

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POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E SEUS PRESSU-POSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO

Capítulo 2

Vale a pena conferir e refl etir sobre o conteúdo da reportagem, ainda que não trate diretamente da Educação, o quanto os efeitos desses diagnósticos estarão presentes no contexto educacional, produzindo alunos considerados “doentes”. Não se trata de ser contrária ao posicionamento médico, duvidar de seus saberes. Trata-se antes de desconfi ar, problematizar um tipo de visão - clínica e biológica - a respeito dos sujeitos. Veremos no próximo subtítulo sobre essas questões mais específi cas, que competem ao trabalho pedagógico e não clínico, considerando as possibilidades que o profi ssional tem dentro do contexto educacional. Conforme vimos no primeiro capítulo, a ênfase nas pedagogias corretivas e psicológicas proliferam nessa lógica de inclusão de todos na escola. Podemos nos perguntar a partir daí, como a própria pedagogia se constitui historicamente como um saber da educação?

Nesse sentido, analisar as concepções dos professores sobre o diagnóstico relativo aos alunos com necessidades educacionais especiais ou alunos com defi ciência no processo de ensino e aprendizagem, pode contribuir para uma mudança de olhar para esses sujeitos e seus processos educacionais, orientados para a tese das possibilidades, e não dos limites. Monteiro (2014) aponta alguns termos que marcam o discurso dos professores: défi cit; incapacidade; imaturidade; transtornos; anormais; portadores de defi ciência; síndromes; retardos, entre outros, que se alinham a concepções negativas que não contribuem para a representação dos alunos com defi ciência. Esses alunos devem ser vistos a partir de possibilidades ou de suas potencialidades e não desses termos que os enquadram, fi xando-os como não aprendentes. A partir do uso de estereótipos o trabalho pedagógico não tem razão de existir no contexto educacional, cabendo apenas a função de socialização, ou seja, estar junto no mesmo espaço para garantir que esses sujeitos possam aprender muito mais comportamentos sociais do que conhecimentos, o que seria a função primeira da instituição escolar.

A mesma autora trata ainda desses termos como “mitos sobre a defi ciência” que subestimam as capacidades de aprendizagem dos alunos a partir de uma visão médico-psicológica, conforme já vimos no capítulo anterior. Como defeito orgânico e funcional naturalizado, ou seja, esse aluno não tem chance de ser diferente do que representa ser ou do que os outros dizem sobre ele. E ainda esses discursos marcados pela falta (sensorial, motora, verbal, cognitiva), muitas vezes, orienta o olhar e os pareceres descritivos redigidos pelos professores como resultados das avaliações das aprendizagens dos alunos na escola, fi cando marcados pela impossibilidade de aprender.

Diante desse cenário político importa refl etir sobre quais as possibilidades de construirmos atitudes inclusivas no contexto educacional? São muitas as ambiguidades envolvidas nesse processo que visa incluir a todos, mas que pode de dentro, excluir. Se as políticas de educação e de inclusão objetivam garantir

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essa inclusão, a aprendizagem de todos como um direito; existe por outro lado, as relações entre esses sujeitos, as relações de poder e de saber que envolvem os profi ssionais, os especialistas, as premissas do Estado neoliberal que movimenta esse processo de in/exclusão. É sobre ele que nos deteremos a seguir a partir de exemplos, de cases, de materiais diversos que podem contribuir para essa compreensão de como as políticas educacionais e de inclusão não apenas descrevem orientando práticas no contexto educacional, mas constituem ações, alunos, famílias, profi ssionais da educação, entre outros. Veremos a seguir como o conceito de in/exclusão pode contribuir nesse sentido.

3 CONCEITO DE IN/EXCLUSÃO COMO PRINCÍPIO ORGANIZACIONAL DAS PRÁTICAS

A partir desse conceito - in/exclusão grafados juntos - podemos logo remeter a um tipo de entendimento: a algo que não será tomado de forma separada, binária, como sendo duas palavras com signifi cados contrários. Essas palavras serão entendidas como dois lados da mesma moeda, ou seja, nenhum dos dois conceitos são fi xos, eles se movimentam a partir de um processo que envolve múltiplas questões, relações, compreensões, conforme já apontado no subtítulo anterior. Procurou-se descrever a inclusão como um imperativo, “como condição necessária, embora não sufi ciente, para desencadearmos práticas de inclusão que nos mobilizem a realizar mudanças culturais” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 111). Mudanças estas, marcadas por lutas constante entre estar e não estar incluído, não nos lugares, mas nas relações estabelecidas dentro dos espaços criados para conviver, ensinar, trabalhar etc., com o outro.

Nesse sentido, precisamos compreender que com a possibilidade da inclusão sempre há a possibilidade da exclusão, e que esse é o processo necessário para que não deixamos “esmaecer nossas lutas pelos direitos, pelo respeito ao outro e a nós mesmos e pela dignidade humana” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 111).

O que veremos a seguir em relação a algumas práticas educacionais é que essas mudanças não fi cam apenas no âmbito das técnicas e fórmulas prontas de como sermos politicamente corretos para chamarmos e nos relacionarmos com o outro. Trata-se de uma mudança da cultura, uma atitude inclusiva, que venha mobilizada pelo “dar-se conta” de que estar incluído não é um status que uma vez atingido, poderemos viver de modo mais tranquilo.

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POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E SEUS PRESSU-POSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO

Capítulo 2

De acordo com autores, pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas em Inclusão (GEPI/CNPQ), alguns estudos contribuem para problematizar os processos inclusivos que se estabelecem nos ambientes educativos para que possamos compreender os sentidos que a inclusão escolar vem assumindo no cenário educacional e acadêmico contemporâneo, principalmente após a proliferação das políticas de inclusão.

Esses estudos tratam a inclusão e exclusão como invenções do nosso tempo. Isso signifi ca que pensar que elas são completamente dependentes e necessárias uma para a outra porque pautada pela “ideia de ordem social e de posições de sujeitos dentro de tramas sociais defi nidas no tempo e no espaço” (LOPES, 2007, p. 12). A autora afi rma que precisamos visualizar o princípio regulador que orienta os sujeitos para essa ordem social que se dá a partir de fronteiras imaginárias defi nidoras das práticas, autorizando uns a participar de um lado ou de outro. Tais fronteiras não são fi xas, são antes construídas pelas redes de saber e de poder que engendram as práticas, as quais passamos a analisar a seguir para pensar sobre o processo de in/exclusão.

Nesse sentido, será utilizado aqui alguns materiais que dão visibilidade a essa produção do aluno como anormal, a partir dos diagnósticos e possibilidades de encaminhamentos para tratamentos clínicos e psicológicos. De acordo com Hattge e Klaus (2014, p. 327) essa visibilidade contribui para a refl exão sobre as práticas que tem ocorrido nos contextos educacionais, principalmente na escola. As autoras afi rmam que está ocorrendo “um silenciamento da Pedagogia, que se submete ao saber clínico ou da área psi e acaba por não cumprir sua função na produção de práticas pedagógicas que atendam às necessidades específi cas dos sujeitos”. Por isso, o diagnóstico clínico precisa ser problematizado como uma verdade absoluta sobre o sujeito, pois ele acaba determinando qual será o tipo de intervenção que precisa ser assumida pelo professor. Muitas vezes o caminho para essa intervenção restringe-se à medicalização.

A fi m de visualizarmos como esse conceito aparece no contexto educacional apresenta-se a seguir alguns cases expressos em forma de parecer descrito que visa encaminhar os alunos para os Serviços de Apoio, narrando aspectos que atrapalham suas aprendizagens e seus comportamentos. Além disso, em alguns pareceres fi ca expressa a orientação às famílias a respeito do que seria possível fazer para resolver a situação apresentada. Esses cases foram retirados para fi ns de pesquisa do espaço de apoio chamado Programa de Educação e Ação Social, pertencente a Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

De acordo com Klein (2015) o Educas, atende crianças nos anos iniciais ou mesmo em anos fi nais do Ensino Fundamental, buscando estabelecer, há mais de 20 anos, uma relação permanente entre a Universidade e as escolas

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M., 8 anos, estudante do 3º ano da rede pública de São Leopoldo, foi encaminhado pela Escola ao EDUCAS com a seguinte descrição:

Apresenta TEA (Transtorno do Espectro do Autismo), comportamento opositor, difi culdades em estabelecer vínculos (com colegas e professores), em aceitar a rotina da escola e da sala de aula. Além do diagnóstico mencionado, tem comportamento infantilizado não conseguindo brincar com o outro, nem identifi car colegas pelo nome apesar de quase dois períodos letivos de convivência.

OBS.: Seria importante acompanhamento/orientação para a família em paralelo ao atendimento da criança.

Parecer sobre o aluno redigido por sua professora - Material fornecido pelo Programa de Educação e Ação Social – EDUCAS para fi ns de pesquisa.

O aluno do 3º ano encaminhado ao Educas apresenta um diagnóstico clínico como Transtorno do Espectro do Autismo, o qual se supõem que tenha sido apresentado à escola, porque em algumas vezes, como o aluno não apresenta nenhum laudo, a professora deduz um diagnóstico através das características apresentadas pelo aluno. Percebe-se que a professora realiza uma descrição genérica através de aspectos gerais sobre a síndrome e não de seu aluno e sua aprendizagem. Conforme o Manual Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-IV) e pela Classifi cação Internacional de Doenças (CID-10) para ser considerada pessoa com autismo, a criança deve apresentar comprometimento em três áreas principais: alterações qualitativas das interações sociais recíprocas; modalidades de comunicação; interesses e atividades restritos, estereotipados e repetitivos, ou seja, a forma como está escrito o parecer remete a essa conceituação mais geral sobre essas características nas três áreas.

ao possibilitar que estagiários/estudantes dos cursos de Psicologia e Pedagogia (ou outra licenciatura) atendam os alunos encaminhados pelas escolas. Esses atendimentos são realizados de forma interdisciplinar para atender as demandas de aprendizagens dos alunos independentes de eles apresentarem um diagnóstico clínico; a grande maioria não apresenta tal diagnóstico, mas sim, um parecer do/a professor/a, que narra sobre as difi culdades do aluno.

A seguir é apresentando um recorte do parecer da professora da escola que encaminhou o aluno ao Educas: (serão preservadas as identifi cações dos alunos, utilizando-se apenas a letra inicial do seu nome).

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Capítulo 2

No entanto, Santos e Oliveira (2016) ressaltam que é importante considerar que existe uma heterogeneidade de comportamentos e atitudes entre os sujeitos com autismo. Nem todos se comunicam mediante verbalização. Alguns aceitam o toque, enquanto outros rejeitam. Os comportamentos estereotipados podem estar presentes ou ausentes. Essas situações tornam os indivíduos únicos e distantes do olhar congelado sobre o autismo.

A descrição da professora segue com características negativas em relação ao comportamento do aluno, reforçando que o mesmo não segue a rotina da sala de aula, tendo um comportamento infantilizado. A professora ainda reforça ao fi nal de seu parecer que “seria importante acompanhamento/orientação para a família em paralelo ao atendimento da criança”. Precisamos perguntar a partir deste parecer como a professora passou a considerar essa forma de olhar para seu aluno? Não olharemos para a situação no sentido de julgar a professora que o redigiu, mas antes analisar a sobreposição de saberes que constitui o olhar dos professores no contexto educacional.

Hattge e Klaus (2014) nos dão algumas pistas para pensar como essa visão tem sido construída. Segundo as autoras (2014, p. 329), o fato de “a inclusão escolar ser vista como a grande metáfora da solidariedade, da evolução humana, trazendo o discurso da aceitação, da tolerância e da benevolência como central” permite que o aluno com defi ciência ou com necessidades educacionais especiais na sala de aula seja visto a partir da ênfase na socialização, ou seja, o simples fato de o aluno frequentar a escola, tendo a oportunidade de conviver com os demais colegas e professores, justifi caria sua permanência em sala de aula. Negligencia-se a construção do conhecimento em prol da socialização do sujeito.

Com essa ênfase na socialização, o conhecimento, parece não ser o mais importante a ser considerado pela professora. Nesse sentido, ela utiliza-se de expressões voltadas apenas ao comportamento do aluno. Por fi m, a professora ainda faz recomendações para acompanhamentos e orientações a família do aluno, não considerando em suas preocupações a prática pedagógica desenvolvida. Não aparece em nenhum momento como esse aluno aprende, o que mais lhe interessa em aprender, o que ele já conseguiu aprender, entre outros critérios de ordem pedagógicos.

Olhares sobre o aluno: tendo como base o recorte anterior, sobre o parecer da professora da escola que encaminhou o aluno ao Educas, refl ita sobre as seguintes questões:

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1 Quais saberes a professora utilizou para descrever o aluno?2 Quais são os saberes da área médica e quais são os saberes da

área pedagógica?3 De que forma pode-se perceber uma sobreposição de saberes da

área médica em detrimento da pedagógica?4 Colocando-se no lugar da professora e tendo esse aluno em sua

turma, como poderia ser o seu parecer se você utilizasse o campo pedagógico para se posicionar?

A professora utilizou-se de saberes da área médica de modo não aprofundado, de forma genérica sem especifi car de que modo essas características se expressam em sala de aula. Quando a professora menciona o diagnóstico como primeira informação sobre o aluno, é possível associar que a descrição poderia ter sido feita por um médico e não por um professor, pois dizer que ele tem Autismo, transtorno opositor, comportamento infantilizado, remete a uma caracterização genérica que se aplicaria em qualquer contexto onde o aluno estive inserido. Ou seja, um médico é capaz de fazer isso, pois seus saberes o autorizam a diagnosticar com base em exames realizados nos sujeitos. No entanto, o professor não pode realizar dessa forma, pois faltam elementos do seu contexto, o qual remete ou deveria remeter a sala de aula, trazendo detalhes sobre os momentos pedagógicos, as ações realizadas ou não pelo aluno as quais dizem respeito ao processo de ensinar e aprender. Pode-se observar a sobreposição de saberes na medida em que esses elementos do contexto escolar não são abordados de forma aprofundada. Portanto, considerando não só o que o aluno apresenta, ou o que o aluno faz ou não em sala de aula, mas também o que é proposto a ele. Ou seja, considerar a prática docente em relação a turma e ao aluno é fundamental. Como professora desse aluno descreveria primeiro seu contexto familiar, o que ele gosta de fazer, o que consegue realizar e quais são os desafi os para desenvolver seu processo de aprendizagem. A partir daí, descreveria de modo específi co em diferentes atividades propostas como é a sua reação, qual seria a difi culdade apresentada em cada uma delas a fi m de que o serviço de apoio pudesse trabalhar justamente a respeito dessas difi culdades. Tais difi culdades poderiam estar relacionadas ao comportamento do aluno, mas seriam trazidas para descrever sobre de que forma e em que momentos estaria interferindo em seu processo de aprendizagem. A centralidade, portanto, do parecer é nas questões relativas ao processo de ensinar e de aprender que precisam ser constantemente repensadas, replanejadas e discutidas no contexto educacional, seja com a professora da sala de recursos, com a gestão da escola, com a família do aluno.

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Capítulo 2

A dimensão da família precisa ser problematizada a partir desses discursos da inclusão escolar que enfatizam a socialização do aluno e consideram as famílias como responsáveis pelo fracasso/sucesso escolar das crianças. Dal´Igna (2016) em seu estudo analisa os discursos dos professores em relação as famílias. Ela afi rma que a família é colocada como a responsável pelo desenvolvimento integral (e normal) das crianças, cabendo a ela estimular e promover o desenvolvimento físico e emocional das crianças. Além disso, esses discursos também posicionam a família como responsável pelo desempenho escolar de seus/suas fi lhos e fi lhas.

Nesse sentido, quando a professora participante da pesquisa de Dal´Igna (2016) afi rma em seu parecer que seria indicado que a família fosse acompanhada e orientada é com base nesses discursos da família como responsável pelas crianças. Na pesquisa da autora também é problematizado a noção de ‘família desestruturada’, sendo apontada como a causa da não aprendizagem dos fi lhos e fi lhas. Muitas vezes aparece essa noção de desestrutura da família no Projeto Político Pedagógico da escola quando descrevem a comunidade a qual a escola está inserida ou quando reiteram a importância da participação da família (mãe?) no processo de educação de fi lhos e fi lhas. Ao descrever sobre as famílias ou sobre as aprendizagens das crianças e jovens, os professores indicam prescrições que pretendem regular a participação da família junto a escola.

Para maior aprofundamento a respeito dessas questões, recomenda-se o vídeo: “A família no fogo cruzado da educação contemporânea”, onde o autor Julio Groppa Aquino apresenta uma série de elementos muito atuais sobre como a família tem sido tomada, muitas vezes acusada, diante das questões sociais e escolares. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0u48uOxCZyQ>.

FIGURA 4 – A FAMÍLIA NO FOGO CRUZADO DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=0u48uOxCZyQ>.

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Quando falamos em processos de in/exclusão a família precisa ser considerada. No entanto, não se trata de colocar a escola de um lado e a família do outro como dois lados antagônicos diante do aluno ou das questões que interferem em sua aprendizagem. A escola por sua vez precisa assumir a sua função, a qual não se restringe a socialização do aluno, conforme vimos. Segundo Hattge e Klaus (2014, p. 329) a convivência dos alunos na escola é fundamental:

[...] mas, a participação dos alunos em sala de aula deve buscar a aprendizagem, pois a escola tem um compromisso com o desenvolvimento dos sujeitos [...] a construção de materiais e a implementação de metodologias de ensino que venham a produzir uma aprendizagem individualizada, levando em consideração as necessidades específi cas dos sujeitos, suas potencialidades e desafi os.

Nesse sentido, o parecer a seguir sobre a aprendizagem do aluno do 3º ano nos apresenta uma preocupação de ordem pedagógica, pois a professora menciona o que ele consegue em relação ao processo de alfabetização. No entanto, destacamos uma outra dimensão de ordem clínica, médica, em que esta professora vai dando visibilidade em seu parecer. Ela menciona que o aluno apresenta “confusão mental” e “necessita de diagnóstico urgente porque deve ter alguma coisa” como justifi cativa para a não identifi cação dos sons das letras e das sílabas.

J., 8 anos, estudante do 3º ano da rede pública de São Leopoldo, foi encaminhado pela Escola ao EDUCAS com a seguinte descrição:

O aluno não identifi ca sons de letras isoladas e nem sílabas. Observo (professora) que apresenta grande confusão mental.

Não cumpre ordens simples nem realiza atividades simples no caderno. Necessita diagnóstico urgente porque deve ter alguma coisa.

Parecer sobre o aluno redigido por sua professora - Material fornecido pelo Programa de Educação e Ação Social – EDUCAS para fi ns de pesquisa.

No parecer a seguir, igualmente do estudante do 3º ano, a dimensão pedagógica aparece de forma misturada a um olhar clínico: “difi culdade de concentração”, “irritabilidade”, “nervosismo”, atira-se no chão e não demonstra noção de perigo.

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Capítulo 2

B., 10 anos, estudante do 3º ano da rede pública de São Leopoldo, foi encaminhado pela Escola ao EDUCAS com a seguinte descrição:

Aluno com difi culdades de concentração, facilmente manifesta irritabilidade e nervosismo. Não interage com os colegas. Permanece sentado no seu lugar, “no seu mundo”, mexendo e estragando o seu próprio material.

Não demonstra noção de perigo: quer subir no muro, atirar-se no chão da sala. A professora manifesta preocupação para que ele não se machuque.

Parecer sobre o aluno redigido por sua professora - Material fornecido pelo Programa de Educação e Ação Social – EDUCAS para fi ns de pesquisa.

Saber pedagógico X saber médico/clínicoCom base nos dois pareceres anteriores, refl ita sobre as

seguintes questões:

1 Qual a ênfase de saberes expressada pelas professoras nos pareceres?

2 Refl ita sobre a dimensão médica e clínica expressa no parecer, pensando como você escreveria o mesmo parecer valendo-se de uma ênfase no saber pedagógico.

A dimensão pedagógica não é expressa porque em nenhum momento do parecer aparece a relação do aluno com a turma e do aluno com a professora. A professora preocupa-se com o aluno tomando-o de forma individual, acionando discursos do campo médico “concentração”, “irritabilidade e nervosismo”. Além disso, descreve elementos de ordem social para alertar sobre os perigos dele ocupar esse espaço, ou dele estragar seu material, atentar contra os colegas e a si mesmo. A não interação com os colegas e a professora aproxima-se da dimensão pedagógica, pois para aprender o aluno precisa necessariamente interagir seja com o que está aprendendo ou com o outro.

No entanto, o parecer da professora poderia valer-se de elementos mais fortemente marcados pelo campo pedagógico que é a descrição a respeito de como este aluno aprende, em quais momentos ele aprende mais, permanecendo maior tempo concentrado, quando ele demonstra interesse por interagir, mesmo que seja momentos muito curtos, em quais atividades ele demonstra

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maior interesse em realizar, ou se não realiza, pelo menos participa com maior tranquilidade em algumas delas.

Essas perguntas são fundamentais de serem respondidas pelo professor porque vai levá-lo a refl exão sobre sua proposta de ensino. Pode o fazer pensar sobre o quanto ela está ou não atendendo esse aluno em relação a essa turma. Não há como evitar a ambivalência presente nas relações sociais e de aprendizagem que vivenciamos diariamente. O que cabe à Pedagogia, ao saber pedagógico, nesse caso específi co que estamos analisando, é que a professora pode a partir desses processos de in/exclusão criar e organizar estratégias que possam perceber sim essas questões individuais, mas também as questões do grupo, da turma, pois elas permeiam o processo de aprendizagem, e precisam ser utilizadas a seu favor, seja como pistas para estudo e pesquisa, seja como produção de práticas pedagógicas que tensionem permanentemente os processos de ensino e aprendizagem implementados em sala de aula (HATTGE; KLAUS, 2014).

Não se trata de negar, silenciar, apagar as diferenças que esses alunos vêm apresentando para deixá-los nessa condição de não aprendente. Importa mencionar que a preocupação é justamente fazer com que eles aprendam. As professoras certamente desejam também isso ao redigir esse encaminhamento do aluno ao serviço de apoio. No entanto, o que se faz necessário é pensar sobre o porquê esse saber pedagógico não é presente em relação às práticas docentes. Hattge e Klaus (2014) afi rmam que o diagnóstico virou uma verdade absoluta sobre o sujeito, modifi cando as práticas, muitas vezes, restringindo as mesmas à medicalização. “Psicologia, Neurologia, Psiquiatria e Fonoaudiologia, dentre outras áreas de conhecimento, são acionadas no sentido de “falarem sobre o sujeito” e “darem conta da sua situação” – medicalização da anormalidade” (HATTGE; KLAUS, 2014, p. 332).

Para reforçar a crítica a essa prática da medicalização que explicita uma ação constante de usos de medicamentos para tratar, corrigir, ordenar os sujeitos, seus comportamentos, pode-se indicar a entrevista a seguir da autora Maria Aparecida Moisés, médica/pediatra, que nos apresenta uma crítica a esse movimento de medicalização, falando de dentro do próprio saber médico para refl etir sobre o uso desenfreado da medicação chamada de Ritalina. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=MTFOb2bLjLA&t=11s>.

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Capítulo 2

FIGURA 5 – MEDICALIZAÇÃO: MARIA APARECIDA MÓISES

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=MTFOb2bLjLA&t=11s>.

Quando a repórter pergunta à pediatra se ela utilizaria ritalina para seu fi lho se ele viesse a apresentar essa necessidade, Maria Aparecida responde: “eu não daria ritalina, eu daria Rita Lee”. Isso signifi ca, que muitas vezes a criança não precisa de medicação. Ao contrário, a criança precisa de atenção! Escutar mais as crianças, conhecer mais sobre seus cotidianos, suas necessidades, enfi m, ao invés de partir para o que se diz sobre elas, pautados em saberes verdadeiros e padronizados sobre o que devem ou não fazer, como devem se comportar, o que e quando devem falar, quando podem ou não brincar, quando podem ou não correr etc. Essa refl exão apresentada pela pediatra serve tanto para as famílias quanto para os contextos educacionais.

Costa (2005) contribui com essa discussão em relação ao campo da educação ao dizer que a identidade dos sujeitos vem sendo modifi cada e que precisamos não mais ver os alunos, por exemplo, da mesma forma em que víamos no século passado.

De uma concepção una, centrada, equilibrada, coerente e estável de identidade, passa-se a fragmentação, efemeridade, mobilidade, superfi cialidade, fl utuação. Podemos ser um e muitos, ao mesmo tempo e em diferentes tempos. A identidade parece que está à deriva no tempo e no espaço, o que a torna permanentemente capturável, ancorável, mas, paradoxalmente, ao mesmo tempo escorregadia uma celebração móvel (COSTA, 2005, s.p.).

Diante dessa mudança em relação ao sujeito e ao tempo e espaço, parece que insistimos na organização da instituição escolar

De uma concepção una, centrada,

equilibrada, coerente e estável

de identidade, passa-se a

fragmentação, efemeridade, mobilidade,

superfi cialidade, fl utuação. Podemos ser um e muitos, ao mesmo tempo e em diferentes tempos.

A identidade parece que está à deriva no tempo e no espaço,

o que a torna permanentemente

capturável, ancorável, mas, paradoxalmente, ao mesmo tempo escorregadia uma celebração móvel

(COSTA, 2005, s.p.).

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enquanto uma escola da modernidade, utilizando-se dos mesmos rituais disciplinares: manter todos sentados, fazendo as mesmas atividades, no mesmo tempo e espaço de forma homogênea. A autora nos alerta para outras formas de ver, considerando e problematizando uma das faces das identidades de crianças e jovens escolares, “aquela que é fabricada pela interpelação midiática associada ao consumo (de bens, mercadorias, imagens) (COSTA, 2005, s.p.).

Nesta perspectiva, o estudo dessa autora contribui para pensarmos o currículo escolar bem como esse aluno no contexto da escola e, mais ainda, esse aluno que vem sendo considerado “de inclusão”. Segundo a autora, os sujeitos escolares são subjetivados simultaneamente por múltiplos discursos. Portanto, crianças e jovens quando chegam à escola passam a assumir diferentes “posições de sujeito”, entre eles, aqueles que os constituem como consumidores, como clientes. A ideia de utilizar o conceito de “posição de sujeito” nos permite compreender que não é ele que tem a culpa, ou seja, como a professora diz em seu parecer: que o aluno apresenta “difi culdades de concentração”, “manifesta irritabilidade e nervosismo”, “não interage com os colegas”, “permanece sentado no seu lugar”, “no seu mundo”, “mexendo e estragando o seu próprio material”, “não demonstra noção de perigo”. A professora está não apenas descrevendo, mas constituindo e posicionando esse aluno considerado “aluno problema” em sala de aula. A professora coloca no aluno características negativas como se elas fossem dele, provocadas apenas por um modo dele ser, como se ele pudesse ocupar apenas esta identidade: de “aluno problema” ou de “aluno de inclusão” ou tantas outras formas de chamar aquele que não se enquadra no modelo ideal de escola.

Quando Costa (2005) pergunta: “Quem são? Que querem? Que fazer com eles?” ela quer nos mostrar justamente que na contemporaneidade vivemos sob a condição de provisoriedade, a qual precisa considerar o caráter construído das identidades. A proliferação discursiva sobre os infantis, segundo a autora, acaba por produzir múltiplas narrativas sobre a infância e estas interpelam, convocam e subjetivam as crianças. Portanto, “[...]os ditos sobre as crianças inventam infâncias ao mesmo tempo em que subjetivam os infantis, instalam e legitimam formas de lidar com eles. O mesmo raciocínio se aplica a jovens, negros, índios e tantas outras identidades” (COSTA, 2005, s.p.).

É fato que o uso dessa medicação tem proliferado cada vez mais diante desse contexto descrito acima, pois a medicação contribui para mantermos esses sujeitos concentrados e obedientes, calmos e ordenados conforme as premissas da modernidade, enquanto um projeto social de modernidade. Para maiores aprofundamentos sobre esse cenário contemporâneo marcado pelos princípios de um projeto de modernidade, pode-se estudar a obra de Zygmunt Bauman (1925-2017), um sociólogo polonês, que escreveu muitos livros sobre a ideia de modernidade como sendo líquida, como um conceito que pode ser defi nido como

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Capítulo 2

o conjunto de relações que se impõem e que dão base para a contemporaneidade. Os conceitos trabalhados pelo autor, tais como “liquidez”, de “volatilidade”, de “incerteza” e “insegurança”, expressam a contemporaneidade enquanto o tempo em que vivemos hoje manifestando-se em nosso cotidiano em diversos contextos, como por exemplo, nas relações de trabalho, nos relacionamentos afetivos, na maneira como as identidades se constroem etc. Nesse sentido, compreender esses contextos de outros modos contribuem para construirmos outras práticas que venham atender de forma mais adequada a esse tipo de sociedade em que vivemos e não mais aquela que foi pensada enquanto sociedade moderna a partir do século XVIII.

Alguns livros da obra de Zygmunt Bauman podem ser encontrados no endereço a seguir: <https://farofafi losofi ca.com/2017/02/24/zygmunt-bauman-em-pdf-31-livros-para-download/>.

Alienígenas em nossas salas de aula?

Assista à animação Ex-Et apresentada a seguir, a qual representa muito bem uma ordem social que se impõe como a única forma de vida mais aceitável de viver. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Tkli780dX6U>.

FIGURA 6 – ANIMAÇÃO EX-ET

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=Tkli780dX6U>.

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Na animação Ex-Et todos precisam necessariamente aderir a um determinado comportamento ordenado. Essa ordem não se impõe de modo imposto, mas cada um dos integrantes é vigilante do seu próprio comportamento. No entanto, um deles destoa desta organização e quebra essa ordem social, atrapalhando a rotina das atividades ali realizadas. Esta criança não se enquadra nessa ordem, pois apresenta nitidamente outros interesses que não aqueles colocados para todos. A partir desse comportamento destoante da maioria, esta criança passa a ser vista como alguém que atrapalha a ordem e que precisa ser avaliada no sentido de diagnosticar o porquê ele apresenta esse tipo de comportamento. Ao ser avaliado por especialistas, o menino passa a ser medicado e todos os problemas, aparentemente, estão resolvidos. A ordem volta ao lugar com todos fazendo a sua parte para a harmonia e tranquilidade. Mas como ele se recusa a usar a medicação, acaba por ser excluído do espaço de modo defi nitivo a fi m de que não atrapalhe mais a todos. Considerando o que foi estudado é possível afi rmar que essa solução tomada de modo isolado das questões que envolvem o seu entorno, não deveria ocorrer. Se concordamos que o problema não está apenas nele que não obedece às regras é preciso mudar também as práticas que ocorrem naquele contexto a fi m de que ele possa participar de outras formas. A medicação não pode ser utilizada como a única alternativa de resolução para os problemas, pois ela aparentemente traz a solução imediata, no entanto, cria outras questões que precisam ser consideradas como a dependência do uso de uma “droga” medicamentosa.

A crônica “O nariz”, de Luís Fernando Veríssimo, fala de um dentista respeitadíssimo que num determinado dia resolve utilizar um óculos com nariz postiço. Em pouco tempo toda sua vida, família e emprego desmoronam, já que todos passam a tratar ele como louco. O autor nos apresenta essa refl exão: Como alguém considerado normal, passa de um momento para outro a ser considerado louco? Por que em nossa sociedade qualquer um que tente ser diferente do “padrão” passa a ser satirizado e julgado pelas pessoas? O simples fato de usar um nariz postiço foi motivo para causar uma desordem total em toda a vida do dentista. O que é evidenciado de modo explícito é uma crítica ao modelo imposto pela sociedade, modelo este pautado em padrões desejados de comportamentos. Na verdade, a crônica “o nariz” de Luís Fernando Veríssimo pode ser entendida como uma metáfora referente à hipocrisia da sociedade, a não aceitação das diferenças.

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Capítulo 2

Como forma de dar visibilidade a esse contexto que não pode ser mais visto como fi xo e imutável, a Crônica de Luís Fernando Veríssimo “O nariz” expressa essa necessidade de compreensão das relações entre as pessoas e a sociedade, de modo mais específi co, com aquilo que a sociedade espera que sejamos.

O nariz

Era um dentista respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma fi lha quase na faculdade. Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes, mas de uma sólida reputação como profi ssional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço. Passado o susto, a mulher e a fi lha sorriram com fi ngida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos, sobrancelhas e bigodes que fazem a pessoa fi car parecida com o Groucho Marx. Mas o nosso dentista não estava imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa de almoço – sempre almoçava em casa – com a retidão costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.

– O que é isso? – perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.

– Isto o quê?– Esse nariz.– Ah, vi numa vitrina, entrei e comprei.– Logo você, papai…Depois do almoço ele foi recostar-se no sofá da sala como fazia

todos os dias. A mulher impacientou-se.– Tire esse negócio.– Por quê?– Brincadeira tem hora.– Mas isto não é brincadeira.Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia

hora, levantou-se e dirigiu-se para a porta. A mulher o interpelou:– Aonde é que você vai?– Como, aonde é que eu vou? Vou voltar para o consultório.– Mas com esse nariz?– Eu não compreendo você – disse ele, olhando-a com censura

através dos aros sem lentes. – Se fosse uma gravata nova, você não diria nada. Só porque é um nariz…

– Pense nos vizinhos. Pense nos clientes.

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Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risadas (“Logo o senhor, doutor…”), fi zeram perguntas, mas terminaram a consulta intrigados e saíram do consultório com dúvidas.

– Ele enlouqueceu?– Não sei – respondia a recepcionista, que trabalhava com ele

há 15 anos. – Nunca vi “ele” assim.Naquela noite, ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre

antes de dormir. Depois, vestiu o pijama e o nariz postiço e foi se deitar.

– Você vai usar esse nariz na cama? – perguntou a mulher.Vou. Aliás, não vou mais tirar este nariz.– Mas, por quê?– Porque não!Dormiu logo. A mulher passou metade da noite olhando para o

nariz de borracha. De madrugada começou a chorar baixinho. Ele enlouquecera. Era isto. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por um nariz postiço.

– Papai…– Sim, minha fi lha.– Podemos conversar?– Claro que podemos.– É sobre esse seu nariz…– O meu nariz, outra vez? Mas vocês só pensam nisso?– Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para

outra, um homem como você resolve andar de nariz postiço e não quer que ninguém note?

– O nariz é meu e vou continuar a usar.– Mas por que, papai? Você não se dá conta de que se

transformou no palhaço do prédio? Eu não posso mais encarar os vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem mais vida social.

– Não tem porque não quer…– Como é que ela vai à rua com um homem de nariz postiço?– Mas não sou “um homem”. Sou eu. O marido dela. O seu pai.

Continuo o mesmo homem. Um nariz de borracha não faz nenhuma diferença. Se não faz nenhuma diferença, por que não usar?

– Mas, mas…– Minha fi lha.– Chega! Não quero mais conversar. Você não é mais meu pai!A mulher e a fi lha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes.

A recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos, pediu demissão. Não sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço.

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Capítulo 2

Evitava aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio. Os amigos mais chegados, numa última tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra.

– Você vai concordar – disse o psiquiatra depois de concluir que não havia nada de errado com ele – que seu comportamento é um pouco estranho…

– Estranho é o comportamento dos outros! – disse ele. – Eu continuo o mesmo. Noventa e dois por cento do meu corpo continua o que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem de me comportar. Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido, bom pai, contribuinte, sócio do fl uminense, tudo como antes. Mas as pessoas repudiam todo o resto por causa deste nariz. Um simples nariz de borracha. Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz?

– É… – disse o psiquiatra. – Talvez você tenha razão…O que é que você acha, leitor? Ele tem razão? Seja como for,

não se entregou. Continua a usar o nariz postiço. Porque agora não é mais uma questão de nariz. Agora é uma questão de princípios.

FONTE: Veríssimo, Luís Fernando. O nariz e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1994.p.73-74. Coleção para gostar de ler. Disponível em: <http://

contobrasileiro.com.br/?p=2029>. Acesso em: 20 ago. 2015.

Com relação ao contexto educacional não é diferente. A escola moderna desde a sua invenção no século XVII, como já vimos no capítulo anterior, preconiza um sujeito centrado, estável e emanador do sentido identitário. Na lógica atual da Educação Inclusiva, esse sujeito quando não se enquadra nos padrões esperados, ele precisa de um atendimento em espaços de apoio pedagógico. Conforme podemos evidenciar no parecer a seguir:

C., 15 anos, estudante do 5º ano da rede pública de São Leopoldo, foi encaminhado pela Escola ao EDUCAS com a seguinte descrição:

O aluno não apresenta comprometimento em relação à disciplina, é carinhoso e aparentemente tranquilo, porém não consegue concentração para desenvolver as atividades em sala de aula, necessitando de ajuda para responder as provas, pois distrai-se facilmente.

Parecer sobre o aluno redigido por sua professora - Material fornecido pelo Programa de Educação e Ação Social – EDUCAS para fi ns de pesquisa.

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Com base no parecer anterior, refl ita e analise o parecer sobre o aluno.

O olhar do professor sobre o aluno é o mesmo que os demais pareceres citados, pois a norma está pautando essa visão. O aluno mesmo sendo carinhoso e tranquilo não está apresentando um comportamento desejado em relação a sua concentração, necessitando de ajuda para realizar as provas porque ele se distrai facilmente. Podemos nos perguntar quem de nós não se distrai facilmente com tantas informações que esse contexto atual tem produzido, principalmente em relação aos meios midiáticos? Como não precisar de “ajuda”, acompanhamento, apoio no contexto da sala de aula para a realização de atividades? Temos que nos perguntar sobre a real necessidade desse encaminhamento, o qual muitas vezes, podemos pensar que seria a própria escola, no caso, seus professores, que teriam que ser encaminhados, e não os alunos.

O Programa Educas trabalha nesta perspectiva de repensar os processos de encaminhamento dos alunos ao Serviço. Exige que a família se dirija ao espaço do Educas para que o fi lho possa ingressar, mesmo que a escola tenha realizado esse encaminhamento. A família é ouvida, assim como a escola e também o aluno. A partir da ida da família ao Educas inicia-se o processo de ingresso do aluno sempre avaliando sobre a real necessidade desse ingresso. Além disso, procura-se incluir a família como alguém que um dos responsáveis pelo aluno no sentido de também oportunizar um repensar sobre a educação dos fi lhos a partir de seus próprios comportamentos e valores. A escola também é ouvida para além deste parecer enviado pela professora a fi m de compreender a situação do aluno e, em certa medida, procurar contemplar também a sua prática como aquela que está envolvida na situação do aluno. Todo um trabalho realizado nesse programa, envolve não apenas a culpabilização de um dos lados, mas considera todos, para a partir daí criar estratégias do âmbito pedagógico, considerando o contexto cultural, social ao qual o sujeito encaminhado está inserido.

Desde a inscrição da criança nesse Programa até o seu desligamento, há uma série de ações que não serão aprofundadas aqui, mas que importam para a possibilidade de construção de um projeto de intervenção/investigação elaborado junto ao grupo de crianças atendidas nesse Programa. De acordo com Klein (2015) a ideia é que não é possível apenas agir sobre os sujeitos, intervindo sobre seus entendimentos, atitudes e comportamentos diante da narrativa única da não

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Capítulo 2

aprendizagem trazida pela escola e/ou pela família.

Acredita-se que, para intervir de forma qualifi cada e refl etida, é necessário investigar as narrativas trazidas pelos sujeitos. A investigação está presente no momento de acolhimento inicial às famílias e, posteriormente, quando a criança é inserida em um grupo de atendimento. O trabalho pedagógico é construído a partir da visão de que os temas culturais aos quais serão defi nidos de modo conjunto no grupo, vão ser os disparadores de envolvimento e de aprendizagens de todos. Nesse sentido, concordando com os estudos de Hattge e Klaus (2014), nas práticas pedagógicas seja nos serviços de apoio ou seja nas salas de aulas ou mesmo em outros contextos educacionais, precisa residir uma preocupação com a construção de materiais e a implementação de metodologias de ensino que venham a produzir não apenas uma aprendizagem individualizada, mas que considere as necessidades específi cas dos sujeitos, suas potencialidades e desafi os, sem esquecer da turma, do coletivo.

Não se trata de centrar o olhar apenas ao como e quais recursos utilizar, focado apenas em metodologias de ensino. Considera-se também as relações estabelecidas nesse espaço que produzem processos de in/exclusão. Conforme já vimos, a inclusão quando tomada como algo natural, como se ela estivesse, desde sempre, aí no mundo é algo que precisa ser desconstruído.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕESAlgumas considerações sobre as políticas e seus impactos no contexto

Educacional são importantes de serem trazidas, tanto para pensarmos o âmbito das políticas quanto das práticas. Se acreditamos que as políticas constituem as práticas e vice-versa, precisamos nos colocar “dentro” para pensarmos alternativas, possibilidades, outras formas de pensar a Educação Inclusiva.

É importante lembrar que jamais as práticas podem ser vistas como receitas prontas a serem seguidas na sala de aula. Se partimos do pressuposto que os sujeitos são diferentes, nenhum deles, por mais que apresente o mesmo diagnóstico, pode ser tomado como sendo igual. Este sujeito precisa ser considerado a partir do contexto, das suas experiências, enfi m, de sua cultura. Portanto, nenhuma prática será igual a outra e, por isso, uma prática pode dar certo com um e pode não dar certo com outro.

O processo de in/exclusão tomado como princípio organizador das práticas pedagógicas foi considerado necessário e foi mostrado através de estudos, pesquisas e exemplos. Foi possível evidenciar que a inclusão propriamente dita

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não existe. Que tal afi rmação não é dita para negá-la, mas antes para pensá-la de outras formas. Uma das formas discutidas aqui foi a partir dos processos de in/exclusão.

Considerando sempre os sujeitos envolvidos em tal processo como alguém que também sabe e pode dizer de si, sua família da mesma forma, não apenas as “verdades” dos profi ssionais que o encaminham ou que realizam o atendimento. Devemos considerar ainda o fato de que “a instituição escolar foi pensada e constituída como um espaço de práticas homogeneizantes – espaço em que a diferença incomoda, atrapalha, desestabiliza” (HATTGE; KLAUS, 2014, p. 329). Portanto, conforme mostramos, os diagnósticos precisam ser tensionados nos diferentes contextos educacionais, para que não sejam a única fonte de informação sobre os sujeitos, defi nindo suas potencialidades e difi culdades, explicando as causas da não aprendizagem.

Com o imperativo da inclusão, conforme vimos, alguns alunos não podem mais ser encaminhados para a Educação Especial e precisam permanecer na Escola Regular. Entretanto, passam a ser encaminhados para serviços de apoio, que podem ser potentes e importantes no processo de inclusão escolar, contanto que ocorra uma articulação entre esses serviços e a sala de aula a partir de um acompanhamento/olhar pedagógico e não clínico. Para tanto, se faz necessário repensar os processos educativos a partir do conjunto de saberes que constituem o olhar pedagógico. O diagnóstico pode ser tomado como o ponto de partida no processo de desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos, e não o contrário – um limitador do sujeito, apontando suas impossibilidades (HATTGE; KLAUS, 2014). Este é o grande desafi o para a Educação, para as políticas educacionais e inclusivas e, ainda para as práticas escolares!

Considerando o que foi abordado nesse capítulo sobre as políticas que ancoram a educação inclusiva, destacou-se alguns efeitos produzidos nos diferentes contextos educacionais. Por mais que foi mencionado o espaço da escola para desencadear a análise das práticas de inclusão, elas não se restringem apenas a esse espaço educacional. Precisamos considerar os projetos de turno inverso, os serviços de apoio pedagógico, as associações como APAEs, as organizações não governamentais que lidam com atividades complementares à escola, enfi m, diferentes instituições que atendem os alunos e que apresentam uma proposta de educação a elas.

Tudo que foi discutido não teve a intenção de colocar-se contra, mas de compreender como passaram a ocorrer de determinada forma e que forças/poder/saber estiveram envolvidas nesse processo. Nesse sentido, aspectos relacionados a lógica neoliberal, enquanto forma de governar a população foi tomada como pano de fundo para pensarmos as questões relacionadas a Educação Inclusiva.

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Capítulo 2

Foi fundamental o conceito de política para demonstrar que ela é mais do que um texto orientador de práticas. Elas são discursos que constituem práticas, que ao regular e controlar a população, produzem posições, outras práticas e os próprios sujeitos que vivem sob a égide dessas políticas.

Para concluir defende-se aqui atitude inclusiva como alternativa possível de enfrentarmos esse cenário atual, o qual não precisa de negação e muito menos de exaltação das diferenças. De acordo com Provin (2011, p. 101), “[...] é possível entender atitude como algo intrínseco a alguém e que se traduz em sua forma de agir, embora tais ações sejam sempre uma abertura para o outro. Tal atitude olha para si e para o outro”. Nessa perspectiva, pode-se dizer que tal postura pode ser desenvolvida quando parte da compreensão das possibilidades dos sujeitos e das instituições, sendo assumida não apenas por exigências legais, mas evidenciando o comprometimento com o outro, enquanto sujeito da diferença que também necessita tomar essa mesma atitude na sua relação com os demais na vida profi ssional.

No próximo capítulo, dando continuidade à análise desse cenário inclusivo, será tratado de modo mais específi co a respeito do trabalho pedagógico voltado às necessidades educacionais dos sujeitos. A partir de entrevistas com profi ssionais/pesquisadores sobre temas específi cos da inclusão, você será convidado a retomar conceitos já abordados nos capítulos anteriores, para compreender esses sujeitos, suas formas de aprender, podendo assim, refl etir sobre as possibilidades pedagógicas que poderão ser construídas a partir daí.

1 Com base nos estudos realizados ao longo deste capítulo, responda:

a) Descreva o conceito de política.

R.:___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

b) Defi na o que é Imperativo da Inclusão.

R.:____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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________________________________________________________________________________________________________

c) Descreva como podemos compreender o processo de in/exclusão.

R.:__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

d) O que é o Atendimento Educacional Especializado - AEE e para que ele serve dentro do contexto escolar?

R.:__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

2 O conceito de inclusão, o sujeito com defi ciência e as diferenças de modo geral, podem ser compreendidos na prática do professor, tanto na sala de aula, quanto no AEE. Com base no exposto, classifi que V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) É preciso haver um olhar atento de toda a escola para acompanhar e apoiar o professor diante das necessidades cognitivas, psicológicas, sociais e culturais apresentadas pelo aluno com defi ciência.

( ) O professor de AEE deve subestimar as capacidades de aprendizagem do aluno, buscando compreender a sua defi ciência e, por isso, solicitar somente ao profi ssional de apoio para fazer a intervenção pedagógica.

( ) Os professores devem atuar a partir da visão médico-psicológica

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Capítulo 2

para aguardar a professora do AEE trazer o diagnóstico clínico do aluno para aí sim planejar atividades adequadas à sua defi ciência.

( ) O profi ssional da educação deve agir de modo próximo da criança e da sua família, buscando compreender as experiências de vida desses sujeitos e identifi cando de que forma se pode aprender com eles.

( ) As práticas no contexto educacional devem ser desenvolvidas através de uma ênfase pedagógica, envolvendo família, a comunidade como fonte de investigação sobre a criança a fi m de explorar as formas como ela aprende, seus interesses e possibilidades.

( ) Os profi ssionais da educação precisam compreender a defi ciência como uma doença, um defeito orgânico que pode ser tratado e corrigido para que ele possa ensinar e o sujeito aprender.

( ) Os alunos com defi ciência são vistos a partir da impossibilidade de aprender os conteúdos, sendo a eles propostos atividades mais fáceis que envolvem: pinturas, desenhos, completar palavras com as letras, etc.

( ) As crianças com defi ciência são envolvidas nas atividades para a turma, sendo que para elas é realizado ajustes e adaptações, considerando suas condições, seu nível, seu tempo de aprendizagem, tendo ou não o apoio de outro profi ssional.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) F - F - V - F - F - V - V - F.b) ( ) V - F - V - V - F - F - V - V.c) ( ) V - F - F - V - V - F - F - V.d) ( ) F - V - V - V - V - F - V - V.

REFERÊNCIASACORSI, Roberta. Tenho 25 alunos e 5 inclusões. IN. LOPES, M. C. & HATTGE, M. (orgs.). Inclusão escolar: conjunto de práticas que governam. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2009. p. 169-184.

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Educação Especial e Inclusão Escolar

SANTOS, Emilene Coco dos; OLIVEIRA, Ivone Martins de. Trabalho pedagógico e autismo: desafi os e possibilidades. Disponível em: http://facevv.cnec.br/wp-content/uploads/sites/52/2015/10/TRABALHO-PEDAG%C3%93GICO-E-AUTISMO-DESAFIOS-E-POSSIBILIDADES.pdf. Acesso em: 9 ago. 2016.

SARDANHA, Helena Venites. Educação para todos: uma política do mundo global. Revista Liberato. Novo Hamburgo, 2006. Disponível em: http://www.liberato.com.br/sites/default/fi les/arquivos/Revista_SIER/v.%207%2C%20n.%208%20%282006%29/1.%20EDUCA%C7%C3O%20PARA%20TODOS%20UMA%20POL%CDTICA%20DO%20MUNDO%20GLOBAL.pdf. Acesso em: 12 mar. 2019.

SCHERER, Renata Porcher. O atendimento educacional especializado e suas articulações com o processo de Inclusão escolar. In.: PROVIN, Priscila; KLEIN, Rejane Ramos (orgs.). Cap. 2. Inclusão e educação: construindo práticas pedagógicas inclusivas. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2015.

TONUCCI, Francesco. Com olhos de criança. Porto Alegre: Artmed, 1997.

VEIGA-NETO, Alfredo. Educação e governamentalidade neoliberal: novosdispositivos, novas subjetividades. In: CASTELO BRANCO, Guilherme;PORTOCARRERO, Vera (orgs.). Retratos de Foucault. Rio de Janeiro: Nau, 2000. p.179-217.

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CAPÍTULO 3

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICIDADES DA INCLUSÃO

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

Conhecer os tipos de defi ciência a partir de profi ssionais/pesquisadores que atuam e pesquisam na área da Educação Especial e da inclusão.

Identifi car e refl etir sobre os desafi os implicados na organização de práticas dos profi ssionais e das instituições envolvidas nas questões da inclusão.

Retomar aspectos discutidos nos capítulos anteriores a fi m de visualizar possibilidades para o planejamento do trabalho com as diferenças.

Identifi car possibilidades de construção de práticas pedagógicas articuladas ao trabalho do Atendimento Educacional Especializado - AEE.

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Capítulo 3

1 CONTEXTUALIZAÇÃOChegamos ao último capítulo deste livro. É chegado o momento de discutirmos

questões relacionadas as especifi cidades da inclusão. Após olharmos para a história da Educação Especial e acompanharmos essas mudanças histórico-políticas até chegarmos atualmente com a Educação Inclusiva, passamos a seguir, a apresentar algumas relações com o que foi discutido anteriormente como possibilidade de compreensão das características específi cas dos sujeitos com necessidades educacionais especiais. Aproximar-se dessa caracterização geral a respeito de alguns tipos de defi ciência, síndrome ou transtorno de aprendizagem é fundamental para que possamos planejar ações adequadas que possam atender essas especifi cidades em relação a aprendizagem de todos envolvidos nos contextos educacionais.

No entanto, um alerta importante, seria não buscarmos um enquadramento do sujeito com esse tipo de defi ciência descrita. Casa sujeito é um, ainda que apresentando o mesmo diagnóstico, conforme já discutimos nos capítulos anteriores. Considera-se as experiências de cada sujeito, bem como seu contexto familiar, social, enfi m, que produz modos de ser e de viver próprio de cada um.

Tais caracterizações serão realizadas a partir de profi ssionais/pesquisadores da área da educação e da área específi ca a qual será discutido o tipo de defi ciência, síndrome ou transtorno. Trata-se de apresentar possibilidades pedagógicas, trazendo a visão de quem compreende e trabalha com esses sujeitos em seu cotidiano e, além disso, realiza pesquisa sobre essas especifi cidades a fi m de contribuir para promover o conhecimento sobre a inclusão destes sujeitos na escola.

Nesse sentido, além das especifi cidades da defi ciência, transtornos ou síndromes, será abordado questões relativas as difi culdades de aprendizagem que estão frequentemente presentes nos sujeitos nos contextos educacionais, sem que necessariamente eles apresentem um laudo clínico, diagnóstico para caracterizar essa difi culdade. Por isso, é fundamental que o olhar do profi ssional da educação seja sensível a outros atravessamentos que implicam em tais difi culdades, ou mesmo, na ideia de que a difi culdade pode ser entendida como uma invenção da normalização escolar, conforme também já foi discutido nos capítulos anteriores.

Outra questão que merece ser explorada no contexto deste capítulo é a relação do trabalho realizado no AEE – Atendimento Educacional Especializado, também conhecido como a sala de recursos, com a prática desenvolvida com todos os alunos na turma ou no grupo a qual esse aluno está inserido. Essa

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relação implicará na possibilidade da construção de um trabalho em rede que envolve tanto o contexto educacional, os profi ssionais que atendem dentro e fora desse contexto, bem como a família do aluno. Essa possibilidade deve ser algo a ser constantemente construído nesse contexto de forma a que a gestão, os profi ssionais, estejam mobilizados e dispostos a efetivar essa rede.

Nesse sentido, apresenta-se nesse capítulo as temáticas específi cas que serão abordadas, bem como os profi ssionais/pesquisadores convidados que farão parte dessa discussão. Discutiremos sobre a defi ciência intelectual, a defi ciência visual, a síndrome do espectro autista, a surdez, de modo conectado ao conceito de defi ciência, diferença já abordado nos capítulos anteriores.

Além disso, consideraremos as difi culdades de aprendizagem dos sujeitos, os quais não são diagnosticados e, por isso, muitas vezes, não são vistos no contexto de aprendizagem. As difi culdades podem ser de diferentes ordens: cognitivas, sociais, psicológicas etc., sem necessariamente ser atribuído à criança um diagnóstico, uma síndrome, uma defi ciência, e por isso, é que trataremos estas difi culdades como uma invenção da própria instituição escolar, a partir de práticas de normalização, e da própria prática dos professores ou mesmo das práticas sociais e familiares vivenciadas pelas crianças.

Retomando o processo de normalização discutido nos capítulos anteriores, situaremos as diretrizes para o trabalho do Atendimento Educacional Especializado – AEE através de uma pesquisadora e professora atuante em sala de Recursos na escola. Esses profi ssionais/pesquisadores foram convidados a participarem por meio de uma entrevista enviada a cada um por e-mail, a fi m de que pudessem contribuir para uma compreensão mais ampla e mais coerente com o que foi discutido até agora. Não se trata, portanto, de esgotar sobre o tipo de defi ciência, mas de mapear as implicações pedagógicas referentes a esses sujeitos que apresentam algum tipo de defi ciência.

O capítulo foi organizado em quatro partes a fi m de evidenciar de forma mais didática as contribuições destes profi ssionais/pesquisadores, bem como as implicações pedagógicas decorrentes de seus posicionamentos e das discussões dos capítulos anteriores. Na primeira parte do texto apresentou-se a contextualização do capítulo de forma mais geral, situando genericamente como ele foi pensado no contexto do livro. Na segunda parte faz-se uma apresentação geral dos entrevistados oportunizando ao leitor a leitura das entrevistas na íntegra, a fi m de perceber o posicionamento de cada participante e já identifi cando pontos que se assemelham ou se diferenciam entre eles. As questões foram as mesmas a fi m de facilitar essa análise. Na terceira parte, busca-se realizar uma análise sobre essas semelhanças e diferenças na forma de abordagem dos tipos de

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Capítulo 3

defi ciência e do trabalho pedagógico sugerido pelos profi ssionais/pesquisadores participantes. Essa análise terá como base o que já foi apresentado e discutido nos capítulos anteriores.

Com isso, pretendemos sugerir possibilidades de planejamento de modo mais adequado no contexto educacional, considerando as formas como estes sujeitos aprendem a partir de suas necessidades. Por último, nas considerações fi nais, fi naliza-se o texto, mas não se conclui, pois acredita-se que essa temática da inclusão e essa forma de abordagem remete a uma necessidade de estarmos constantemente revendo, ressignifi cando, refl etindo, enfi m sobre os aspectos abordados. Com isso, estaremos cientes de nossas limitações, pois atuarmos na área da educação independente de quem são os sujeitos será sempre um constante desafi o!

2 ENTREVISTAS COM PROFISSIONAIS/PESQUISADORES SOBRE AS ESPECIFICIDADES DA INCLUSÃO

A seguir será apresentado o conjunto de entrevistas realizadas com os profi ssionais/pesquisadores de algumas áreas da Educação Especial e da Inclusão. Fez-se o convite a cada um individualmente por e-mail e, posteriormente ao aceite, foram enviadas as questões. Tais questões foram elaboradas no sentido de evidenciar os desafi os mais frequentes no âmbito educacional, são elas: 1. A partir de sua experiência e estudos, descreva como você entende a Defi ciência Intelectual no contexto da Educação Especial e Inclusiva; 2. Quais são as principais políticas que amparam a inclusão de alunos com esse tipo de defi ciência na escola? 3. Descreva alguns pressupostos teórico-metodológico que contribuem para organização das práticas pedagógicas na sala de aula, considerando o ensino regular, a turma e o aluno com esse tipo de defi ciência? 4. Na sua visão, qual seria o papel dos serviços de apoio, da escola, do professor em sala de aula, do professor do AEE e da família para enfrentarmos os desafi os voltados à inclusão dos alunos ditos incluídos na escola regular? Almeja-se a partir de tais respostas indicar pistas para se pensar as práticas voltadas aos alunos com defi ciência e com questões relacionadas a aprendizagem.

Conforme já mencionado, além de serem profi ssionais atuantes nessa área, eles também pesquisam e estudam sobre essas temáticas. Nesse sentido, considera-se fundamental abordar seus olhares e posicionamentos a fi m de

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trazer um diferencial na forma como se tem pensado esta temática relacionada aos tipos de defi ciência e as implicações pedagógicas, ou seja, não se pretende discutir apenas a partir de um viés teórico, nem muito menos prático. Pretende-se tematizar essas questões relacionadas aos tipos de defi ciência e a dimensão pedagógica a partir de determinados entendimentos que estão pautados em pressupostos teóricos, os quais permitem o constante ressignifi car das práticas realizadas nos contextos educacionais e escolares com os sujeitos considerados de inclusão.

Foi perguntado quatro questões para cada um dos profi ssionais/pesquisadores. A primeira pergunta diz respeito ao entendimento sobre a defi ciência, as síndromes, as difi culdades e o trabalho realizado no Atendimento Educacional Especializado-AEE. A segunda pergunta solicitou destaque sobre as principais políticas que amparam a inclusão de alunos com o tipo de defi ciência, síndrome e/ou difi culdade, ao qual cada um deles tem aproximação. A terceira questão solicitou a descrição de alguns pressupostos teórico-metodológicos que visam contribuir para organização das práticas pedagógicas. E, por fi m, a última pergunta, questionava sobre a articulação entre os serviços de apoio, a escola, o professor em sala de aula, o professor do AEE e a família a fi m de identifi carmos alguns desafi os voltados à inclusão dos alunos no contexto regular de ensino.

Foi realizado destaques em algumas passagens das respostas dos participantes a fi m de marcar excertos que merecem ser discutidos, considerados e fortalecidos no contexto educacional, na organização das práticas e relacionado ao que já foi discutido neste capítulo no sentido conceitual. As referências citadas pelos entrevistados foram mantidas ao fi nal de cada de cada entrevista, daqueles que fi zeram o seu uso na elaboração de suas respostas. De modo estratégico, as duas últimas entrevistas que falam sobre as difi culdades de aprendizagem e a entrevista relativa ao AEE foram trazidas ao fi nal tendo em vista as implicações decorrentes das entrevistas citadas anteriormente. As duas últimas, apontam e reforçam alguns aspectos que são válidos para todos os alunos, independentemente de suas defi ciências, mas não deixando de considerar os aspectos específi cos de cada uma delas na construção de práticas pedagógicas. Além disso, sabe-se que existem outros tipos de defi ciências, síndromes, transtornos, trazidas pelos sujeitos no cotidiano educacional, mas os pressupostos abordados sobre elas contribuem como pistas e podem ser constantemente ressignifi cados partir das situações apresentadas.

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Capítulo 3

2.1 ENTREVISTA 1 - DEFICIENCIA INTELECTUAL

FIGURA 1 – ELIANA MENEZES

FONTE: <http://lattes.cnpq.br/5996369654576945>.

Eliana Menezes possui graduação em Educação Especial (2001); mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria/UFSM (2005) e Doutorado em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS (2011), linha de pesquisa Currículo, Cultura e Sociedade. Atualmente é professora adjunta do Departamento de Educação Especial/EDE da Universidade Federal de Santa Maria/UFSM, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Gestão Educacional da UFSM - Curso de Especialização em Gestão Educacional - e professora efetiva do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM. Participa como pesquisadora do GEPI - Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão/UNISINOS, e como pesquisadora e vice-líder do DEC - Diferença, Educação e Cultura/UFSM. Atuou na rede pública de ensino do município de Santa Maria/RS e em instituições específi cas de educação especial. Ocupa no momento o cargo de Editora Científi ca Assistente da Revista de Educação Especial da UFSM. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Especial, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, políticas de inclusão escolar, educação especial, práticas de in/exclusão. Endereço para acessar este CV: <http://lattes.cnpq.br/5996369654576945>.

1 A partir de sua experiência e estudos, descreva como você entende a Defi ciência Intelectual no contexto da Educação Especial e Inclusiva?

Entendo o aluno com DI (Defi ciência Intelectual) como aquele que tem apresentado com recorrência duas formas de interpretação e produção pela escola. Se de um lado ele pode ser compreendido como aquele que mais

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desafi a as práticas pedagógicas, dado que suas difi culdades se apresentam nas suas capacidades cognitivas e resultam em uma progressiva difi culdade em se apropriar dos conteúdos escolares na medida em que eles vão se tornando mais complexos, o que mobiliza os professores a um maior estímulo e investimento pedagógico sobre esse aluno; por outro ele pode ser compreendido como aquele aluno em processo de inclusão com quem é fácil conviver, pois dada sua suposta incapacidade de aprendizagem, não lhe restam muitas possibilidades na escola a não ser se socializar. Sob essa última ótica esse é um aluno que vive cotidianamente processos de in/exclusão no espaço escolar, desenvolvendo uma forma de presença ausente. Mesmo estando ali, ali ele não parece estar.

O olhar destinado para o aluno com DI que parte de uma compreensão incapacitante de defi ciência resulta dos processos históricos de avaliação, diagnóstico e produção desse sujeito pelo saber clínico. Compreendido a partir do momento em que se passa a produzir a criança anormal, o sujeito com DI (já nomeado como idiota, débil mental, defi ciente mental, mongoloide...) tem sido pensado a partir de padrões de QI que indicam previamente quais serão suas conquistas. Isso ocorre tão previamente que o indivíduo não precisa nem ter nascido para que os manuais clínicos já consigam prever quais serão suas possibilidades de desenvolvimento ao longo de sua vida, atrelando potencialidades e incapacidades ao grau de QI (Coefi ciente intelectual).

Como professora e formadora de professores que irão atuar na área da educação especial tenho provocado meus alunos a tensionarem esse olhar clínico, que responsabiliza unicamente o sujeito e suas condições orgânicas pelas conquistas e limitações que apresentam ao longo do seu desenvolvimento, convidando-os a compreenderem esse sujeito como alguém que é fruto das relações sociais que estabelece ao longo de sua vida, cujas limitações e potencialidades são determinadas não somente pelas suas condições orgânicas, mas especialmente pelas suas condições sociais. Sob essa ótica, o aluno com DI na escola regular é aquele que é produto das trocas que estabelece com a família, com os colegas, os professores, os demais sujeitos da escola e que precisa ser submetido a outras relações caso se avalie que as relações existentes não estão conseguindo estimulá-lo e desafi á-lo em suas capacidades.

2 Quais são as principais políticas que amparam a inclusão de alunos com esse tipo de defi ciência na escola?

A inclusão do aluno com DI se inscreve nas políticas mais amplas, como LDB/1996 (Lei de Diretrizes e Bases), LBI/2015 (Lei Brasileira de Inclusão), PNE/2014 (Plano Nacional de Educação), não havendo necessidade (até o momento) de produção de normatizações específi cas. De maneira mais pontual, considerando as difi culdades que as redes públicas de serviço à saúde enfrentam,

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Capítulo 3

o que produz uma signifi cativa demora na produção das avaliações clínicas dos alunos com vistas a emissão de laudos diagnósticos, entendo ser importante destacar as orientações presentes na Nota Técnica Nº 04 / 2014 / MEC / SECADI / DPEE, que orienta sobre a necessidade de documentos comprobatórios de alunos com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Censo Escolar. Ao fl exibilizar a necessidade de comprovação via laudo médico do aluno para matrícula e frequência nas turmas de AEE, esse documento possibilita que um maior número de alunos, com hipótese de DI, sejam acompanhados e tenham suas aprendizagens mediadas na escola. Cabe ressaltar que a depender do uso que seja feito da referida orientação, ela pode se constituir como ferramenta de produção da defi ciência em alunos que apresentam difi culdades em seus processos de aprendizagem em decorrência de fatores sociais, mas não em função de aspectos orgânicos. Nesse sentido, parece-me que os sujeitos que interagem com os alunos com suspeita de DI precisam estar cientes das suas responsabilidades ao atestarem diagnósticos equivocados, uma vez que os efeitos da produção de classifi cações sobre os alunos podem provocar práticas de exclusão e limitação nos seus processos de desenvolvimento.

3 Descreva alguns pressupostos teórico-metodológico que contribuem para organização das práticas pedagógicas na sala de aula, considerando o ensino regular, a turma e o aluno com esse tipo de defi ciência? Na sua visão, qual seria o papel dos serviços de apoio, da escola, do professor em sala de aula, do professor do AEE e da família para enfrentarmos os desafi os voltados à inclusão dos alunos ditos incluídos na escola regular?

Compreendo o aluno com DI partindo da compreensão de que somos, todos os sujeitos, produtos das práticas sociais que estabelecemos ao longo de nossas vidas. Quanto mais estímulos tais práticas me apresentarem, mais desenvolvimento apresentarei. Tal forma de compreensão do sujeito resulta das teorizações produzidas por Lev Vygotsky, teórico que ousou tensionar o pressuposto da supremacia do sujeito sobre seu processo de desenvolvimento, produzindo o meio social como determinante nesse processo. Quando analisamos práticas escolares desenvolvidas com esses alunos, torna-se “fácil” avaliarmos se o olhar que lhe destinam está pautado em uma perspectiva clínica ou social.

Quando o foco das práticas está centralizado no AEE e na sala de recursos multifuncional, entendo que se está partindo da compreensão que é o aluno que precisa ser modifi cado pois ele carrega em si as causas das suas difi culdades e limitações. Quando o foco é mais amplo e centra-se nas práticas escolares de

importante destacar as orientações presentes na

Nota Técnica Nº 04 / 2014 / MEC / SECADI / DPEE, que orienta sobre

a necessidade de documentos comprobatórios de alunos com

defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Censo Escolar.

Quando analisamos práticas escolares desenvolvidas com esses alunos, torna-se “fácil” avaliarmos

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maneira geral e de forma mais específi ca nas práticas da sala de aula comum, então parece-me que há a compreensão sobre a importância do meio social e sobre a incapacidade de se provocar mudanças no aluno caso as trocas sociais permaneçam inalteradas.

Considerando tais questões, entendo que o foco da atuação do professor de educação especial na escola comum deva estar centrado em um processo colaborativo com o professor da sala de aula comum. A partir de momentos de troca e planejamento colaborativo, professor da sala de aula e professor da Educação Especial poderão juntos analisar os alunos e avaliar quais as possibilidades de organização da prática pedagógica podem possibilitar maiores trocas entre os alunos na sala de aula, estimulando-os mais ou menos em suas aprendizagens.

Ensino colaborativo e um olhar destinado ao sujeito que não parta de representações clínicas de defi ciência me parecem hoje importantes premissas para que se possa desenvolver uma prática escolar dita inclusiva. São questões que andam em articulação porque como professora eu apenas entenderei a necessidade de um trabalho articulado quando conseguir olhar para o aluno em processo de inclusão escolar como um sujeito de aprendizagem, cujas limitações não são passíveis de anuncio antecipado e cujas capacidades e potencialidades precisam ser descobertas na relação diária que eu possa estabelecer com ele.

Nesse sentido entendo que a importância do diagnóstico reside nos encaminhamentos clínicos que ele possibilita, mas os aspectos pedagógicos organizados e oferecidos a esse aluno não podem ser limitados a ele. O diagnóstico não me diz quem é o meu aluno. As classifi cações de defi ciência (DI, DV, DF...) não me dizem quem é o meu aluno. Há sempre uma história de vida que justifi ca comportamentos, que determina modos de ser, que produz o sujeito subjetividades. É preciso uma forma de estar na escola que nos mantenha atentos ao singular, aquilo que ocorre entre o que é planejado, aquilo que não pode ser antecipado. Uma forma de estar na escola atenta ao outro, naquilo que ele me mostra que consegue fazer, naquilo que ele me mostra que ainda não faz sozinho, mas faz com a minha mediação.

Relações sociais que respeitem as diferentes formas de ser que os sujeitos apresentam e que tomam tais diferenças não como algo a corrigir, mas como elemento de enriquecimento dessas relações, são para mim determinantes na constituição de uma escola inclusiva. Como olho para meu aluno, meu fi lho, meu colega? Como o posiciono em termos de aprendizagem? Precisamos pensar mais sobre isso.

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Capítulo 3

2.2 ENTREVISTA 2 - DEFICIENCIA VISUAL

FIGURA 2 – FELIPE MIANES

FONTE: <http://lattes.cnpq.br/0723803904645575>.

Felipe Mianes é graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2003). Tem experiência na área de Teorias da História e História Cultural. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Linha de Pesquisa Estudos Culturais em Educação. Doutor em Educação pela UFRGS, orientado pela professora Dra. Lodenir Becker Karnopp. Doutorado Sanduíche na Universitat Autonoma de Barcelona. Pós-Doutorado em Educação pela ULBRA. Realiza pesquisas com ênfase nos campos de Estudos Culturais, Didática, Acessibilidade, narrativas de pessoas cegas ou com baixa visão, Audiodescrição e Estudos sobre Defi ciência. Endereço para acessar este CV: <http://lattes.cnpq.br/0723803904645575>.

1 A partir de sua experiência e estudos, descreva como você entende a Defi ciência Visual no contexto da Educação Especial e Inclusiva?

Ainda que a cegueira e a baixa visão sejam as defi ciências mais comuns no Brasil, existe uma quantidade proporcionalmente menor de pesquisas sobre a defi ciência visual, e talvez por isso quase não haja disciplinas sobre essa defi ciência nos cursos de graduação, poucos artigos publicados em revistas cientifi cas e até raros projetos de extensão. Por conta disso, há certa defasagem de conhecimentos, competências e habilidades dos profi ssionais da educação especial

há certa defasagem de conhecimentos,

competências e habilidades dos profi ssionais da

educação especial em lidar com os alunos cegos ou com baixa visão. Afi nal, ainda

existe a ideia de que basta fornecer material

em braille ou em letras ampliadas para resolver o problema de um aluno com

defi ciência visual, e as adaptações vão muito

além de questões materiais, é preciso saber como usar os recursos, identifi car as necessidades de cada aluno, já que a baixa visão, por exemplo, tem

uma variação muito grande para cada

pessoa o que difi culta a aprendizagem e o ensino caso seja seguido sempre o mesmo padrão.

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em lidar com os alunos cegos ou com baixa visão. Afi nal, ainda existe a ideia de que basta fornecer material em braille ou em letras ampliadas para resolver o problema de um aluno com defi ciência visual, e as adaptações vão muito além de questões materiais, é preciso saber como usar os recursos, identifi car as necessidades de cada aluno, já que a baixa visão, por exemplo, tem uma variação muito grande para cada pessoa o que difi culta a aprendizagem e o ensino caso seja seguido sempre o mesmo padrão.

O que posso dizer sobre a defi ciência visual no contexto da educação especial e inclusiva é que ainda existe muito a ser feito e a ser estudado, sobretudo porque o ingresso de alunos cegos e com baixa visão no sistema escolar é cada vez maior e as instituições precisam estar preparadas para lidar com esses alunos. É necessário que escolas e professores sejam continuamente capacitados para compreender e auxiliar esses alunos, na medida em que os recursos de acessibilidade se ampliam e as suas possibilidades de aquisição de conhecimento aumentam, por exemplo, os livros digitais solucionam problemas tanto de espaço quanto de confecção dos materiais em braille, pois hoje um aluno com defi ciência visual pode ter acesso a uma infi ndável quantidade de livros.

Todavia, é preciso que esses livros sejam disponibilizados em formatos acessíveis de modo que os softwares leitores de tela possam “fazer o seu trabalho”, sendo que para que isso ocorra as instituições precisam ter profi ssionais capacitados para prospectar e/ou adaptar os livros necessários para aquele aluno. Esse é apenas um dos exemplos que mostra a quantidade cada vez maior de oportunidades e recursos para os alunos cegos ou com baixa visão, e que devem trazer consigo a preparação adequada dos educadores, sejam elas estruturais ou atitudinais de modo a melhor utilizar as ferramentas disponíveis, o que vem sendo bastante difícil atualmente.

2 Quais são as principais políticas que amparam a inclusão de alunos com essa especifi cidade na escola?

No caso das políticas públicas para a defi ciência visual, todas elas estão contempladas naquelas que também amparam as demais defi ciências, já que não há regramentos especifi camente para os estudantes cegos ou com baixa visão. Na Lei 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas Com Defi ciência) alguns artigos mencionam diretamente ao falar de recursos como audiodescrição, braille, livros didáticos adaptados e outros. Da mesma maneira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Lei 5.296/2004 (Lei de Acessibilidade) e outras portarias do Ministério da Educação e das Comunicações, por exemplo. Muitas dessas políticas públicas preocupam-se somente com os aspectos estruturais, arquitetônicos e materiais, mas deveriam versam também sobre questões atitudinais, sociais e educacionais. Isso faria com que as legislações existentes

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Capítulo 3

pudessem ser cumpridas com maior efetividade, do mesmo modo como deveria acontecer com as demais defi ciências.

3 Descreva alguns pressupostos teórico-metodológico que contribuem para organização das práticas pedagógicas na sala de aula, considerando o ensino regular, a turma e o aluno com Defi ciência Visual?

Do meu ponto de vista, ainda há um predomínio teórico dos preceitos terapêuticos e clínicos no processo de inclusão escolar. Isso quer dizer que as formas de se pensar os processos de educação para os alunos com defi ciência estão baseados em suas limitações corporais, naquilo que elas não conseguem fazer, nos diagnósticos e laudos que limitam suas possibilidades. Tal esteira teórica faz com que um professor pense em como minimizar ou apagar a defi ciência do aluno, um exemplo disso, é quando muitas vezes ouvimos um professor ou um gestor escolar dizer: “esse aluno nem parece ter defi ciência, pois ele é muito bom e não me dá problema”. Tal declaração traz embutida a ideia de que se espera que sua defi ciência gere difi culdades e problemas, e que quando se torna um “bom aluno” é porque ele “superou” sua defi ciência, conseguiu vencer e até apagar suas limitações. Há aqui uma difi culdade bastante grave, pois ao fazer isso os professores estão apagando uma parte integrante que constitui aquele sujeito, que é sua defi ciência. Ou então, busca torná-lo “normal” como os demais alunos, algo que ele defi nitivamente não é, já que tem peculiaridades, diferenças e possibilidades de aprendizado não semelhante aos demais alunos, e fazer com que ele seja igual, é impedir sua diferença de fl orescer.

Quero dizer com isso, que tratar um aluno com defi ciência igual aos demais é um erro, pois ele não é e não há mal nenhum nisso, muito pelo contrário. Ao passo que os parâmetros terapêuticos e clínicos objetivam apagar as diferenças fazendo com que todos os alunos sejam os mais “normais” possíveis, há outras formas de se perceber esse aluno com defi ciência, modos de pensar e agir que levem em conta a peculiaridade de cada um, a difi culdade de cada um e a harmonia entre todos.

Existe uma corrente de estudos ainda incipiente no Brasil chamada de Estudos Sobre Defi ciência e Educação, derivada da que chamamos de Estudos Sobre Defi ciência. Essa perspectiva adota como uma de suas bases de estudo o chamado “Modelo Social de Defi ciência”, a partir do qual não se nega a diferença e a limitação corporal de um aluno com alguma defi ciência, mas se entende que os conceitos ligados a defi ciência foram inventados, que fazem parte de um discurso em determinado tempo e espaço. Isso quer dizer que a defi ciência é mais do que a limitação biológica, ela está no caráter discursivo, ou seja, é uma construção social. Para exemplifi car, eu diria que em uma escola onde houvesse todos os recursos de acessibilidade disponíveis para um aluno cego, esse

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estudante seguiria sendo diferente dos outros, mas suas oportunidades estariam equiparadas, as exigências sobre suas competências e habilidades poderiam ser equiparadas a daqueles que enxergam.

Portanto, os professores precisam ter em conta que ao se depararem com um aluno cego ou com baixa visão em sala de aula, deve pensar naquilo que o estudante tem de potencialidades e não de limitações. Ao invés de pensar que ele terá difi culdades com materiais visuais, pensar em como potencializar seu aprendizado pelos estímulos auditivos, ou seja, antes de pensar naquilo que ele não irá conseguir, agir para estimular as formas de aprendizagem que esse aluno possa ter facilidade, como o meio auditivo, do tato e do olfato, por exemplo. E, se talvez o leitor acredite que minha resposta foi um tanto teórica demais ou que não tem muita conexão com a prática, esse modelo social tem como um resumo bastante interessante a ideia da empatia, ou seja, se você fosse um aluno com defi ciência visual, gostaria que seu professor escrevesse no quadro e mandasse você copiar o material do colega ou que alguém ditasse a matéria? Ou, você preferiria um docente que verbalizasse aquilo que está ensinando para que você próprio pudesse anotar? Eis aqui um exercício prático fundamental, o da empatia, que talvez seja tão ou mais importante do que os pressupostos teóricos sobre defi ciência.

4 Na sua visão, qual seria o papel dos serviços de apoio, da escola, do professor em sala de aula, do professor do AEE e da família para enfrentarmos os desafi os voltados à inclusão dos alunos ditos incluídos na escola regular?

De maneira mais geral, creio que toda a comunidade escolar precisa estar preparada para lidar com os alunos com defi ciência, percebê-los como parte do processo e não como algo “externo a escola, como muitas vezes vemos membros das escolas dizerem: “na turma x temos 20 alunos e 2 de inclusão”, quando todos devem ser incluídos. É preciso entender que é o trabalho em conjunto, cada qual com sua função que tornará a escola um espaço inclusivo para todas as pessoas, sendo fundamental a empatia, o conhecimento sobre as diferenças e peculiaridades dos alunos com defi ciência, bem como de estrutura física e instrumental adequada para um trabalho exitoso. No que diz respeito aos gestores e equipes de apoio da escola (tais como psicólogas/os, psicopedagogas/os, terapeutas ocupacionais e outros), suas atividades devem ser dar o suporte necessário tanto para os alunos quanto para os professores que estão nesse processo. Cabe a gestão escolar obter os recursos materiais e pessoais necessários para o melhor desenvolvimento e suporte ao trabalho docente em sala de aula, como por exemplo, impressoras em braile, lupas ampliadas,

É preciso entender que é o trabalho

em conjunto, cada qual com sua

função que tornará a escola um espaço

inclusivo para todas as pessoas, sendo fundamental

a empatia, o conhecimento

sobre as diferenças e peculiaridades dos alunos com defi ciência, bem

como de estrutura física e instrumental adequada para um trabalho exitoso.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

profi ssionais que saibam operar esses equipamentos e a articulação entre os pais e a instituição. Já, os profi ssionais dos serviços de apoio, em conjunto com os gestores tem como papel fundamental conscientizar as famílias sobre a necessidades de trabalhos diferenciados, de formas específi cas de lidar com o aluno cego ou com baixa visão na escola. Isso porque, muitas vezes as famílias tentam esconder ou minimizar as defi ciências dos alunos, da mesma maneira que são resistentes há algumas mudanças e procedimentos necessários nesse processo.

São essenciais alguns procedimentos como encaminhar os fi lhos para as aulas de orientação e mobilidade no caso de ser uma criança ou adolescente que fi cou cego recentemente, ou para equipes especializadas caso seja preciso aprender braile, usar alguma lente para leitura e etc. ou seja, esses profi ssionais devem estar preparados para dar suporte estrutural e sobretudo emocional aos alunos e/ou familiares. Quanto as famílias, além do papel já comentado até aqui, suas atribuições devem ser a de dar o apoio e a confi ança necessária aos procedimentos efetuados para o melhor aprendizado do aluno cego ou com baixa visão. Devem entender sua defi ciência, aceitá-la como parte da vida daquele sujeito, reivindicar seus direitos quando necessário, questionar e contrapor a escola e seus profi ssionais caso esses não estejam fazendo adequadamente seu trabalho ou quando acharem necessária alguma modifi cação no processo. Isso não quer dizer que as famílias tenham primazia sobre as decisões, mas sim que sejam comunicadas e ouvidas durante todo o processo, e caso estas se recusem a fazer isso, existem medidas legais cabíveis para que aconteça nos casos mais graves. Sem a presença e participação familiar nenhum processo educacional dará certo plenamente, ainda mais aqueles que chamamos de inclusivos de alunos com alguma defi ciência. No que tange aos professores, cabe a construção dos processos de ensino e aprendizagem levando em conta as condições e possibilidades de cada um de seus alunos, de não desistir de nenhum deles seja por qual motivo for.

Deve saber os recursos mais adequados a serem utilizados em cada momento no processo de aprendizagem dos alunos, conversar com o estudante cego ou com baixa visão para entender suas necessidades específi cas. O professor deve refl etir sobre sua prática e de que modo pode atingir a todos os alunos. Se quiser escrever no quadro, faça isso, mas se tiver um aluno cego, deve-se oralizar o que está escrevendo. Se for passar algum material audiovisual que o faça, desde que descreva as imagens e as legendas para o aluno que não consegue enxergar, ou seja, que inclua o aluno em todas as atividades para que seu aprendizado seja o mais pleno possível, e sempre

Além das atribuições de

desenvolvimento do processo de ensino

e aprendizagem dos conhecimentos das maneiras mais acessíveis possível.

Cabe ao docente o papel de incluir e integrar o aluno com defi ciência à turma, diminuindo o distanciamento,

estranhamento e até algum preconceito que possa existir. E isso pode ser

realizado de diversas maneiras, desde atividades

que façam com que os demais alunos não usem a visão e sim os demais

sentidos para entender a situação

do colega até o estímulo ao direito

de cada um ser diferente.

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Educação Especial e Inclusão Escolar

levando em conta aquilo que ele tem de potencial e não de limitações. Além das atribuições de desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem dos conhecimentos das maneiras mais acessíveis possível. Cabe ao docente o papel de incluir e integrar o aluno com defi ciência à turma, diminuindo o distanciamento, estranhamento e até algum preconceito que possa existir. E isso pode ser realizado de diversas maneiras, desde atividades que façam com que os demais alunos não usem a visão e sim os demais sentidos para entender a situação do colega até o estímulo ao direito de cada um ser diferente.

Um exemplo disso, quando um aluno com baixa visão não enxerga o que está escrito no quadro ou quando for um aluno cego, não há necessidade dele se sentar nas carteiras bem à frente do professor – salvo que tenha alguma outra necessidade específi ca -, pode sim ter seu lugar em meio aos demais colegas, no meio da sala, no fundo, na ponta, seja como for o aluno estará integrado com os demais. Isso porque, é uma espécie de “quebrar uma barreira invisível” entre os alunos com e sem defi ciência, onde o primeiro deve estar sempre isolado dos demais, quando na verdade é exatamente o contrário, ele precisa estar junto e integrado com todos, em meio a todos, ser diferente mas partilhar do convívio de todos os colegas. Por fi m, os profi ssionais do AEE são aqueles que tem formação específi ca para lidar com algumas defi ciências e para dar suporte ao professor no processo de ensino e aprendizagem. Como por exemplo, são aqueles que ensinam braille aos alunos que precisam aprender, são os que confeccionam os materiais nesse código de escrita para os cegos. São eles que adaptam os livros para que possam ser lidos pelos softwares leitores de tela, ou então que adaptam os materiais para os alunos com baixa visão conforma suas necessidades, ou que descrevem imagens ou materiais audiovisuais. Isso quer dizer, que seu nível de especialidade em uma determinada defi ciência é maior que a do professor regente da turma, e que por isso mesmo é sua responsabilidade dar o suporte ao aluno e trabalhar em conjunto com o professor para que esse tome as decisões e utilize os materiais adequados para cada aluno cego ou com baixa visão.

Sendo assim, cada ente participe do processo educacional de um aluno cego ou com baixa visão deve usar os conhecimentos e atribuições que possui para que tudo ocorra da melhor maneira possível, levando em conta que o objetivo fi nal e principal é sempre o aluno, que ele tenha o melhor desenvolvimento possível, que esteja integrado ao ambiente escolar, que tenham autonomia e oportunidades iguais aos demais alunos.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

2.3 ENTREVISTA 3 – SÍNDROME DO ESPECTRO DO AUTISMO

FIGURA 3 - ROSANA MIRANDA CABRAL

FONTE: <http://lattes.cnpq.br/9326148803626176>.

Rosana Miranda Cabral é mestre em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Especialista em Educação Especial e Atendimento Educacional Especializado - AEE pela Faculdade de Ensino Superior Dom Bosco, Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade Facvest, Especialista em Orientação Educacional pela Faculdade Facvest e Especialista em Educação Física Escolar pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Graduanda em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Graduada em Pedagogia - Educação Infantil e Ensino Médio pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Experiência em Psicopedagogia Clínica e Institucional, salas de inclusão, salas de recursos, acompanhamento, orientação e coordenação de grupos familiares. Docente dos cursos de extensão, Graduação e Pós-Graduação em Pedagogia, Pós em Educação Inclusiva e Neuropsicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar. Interesse nas seguintes áreas: Inclusão, Famílias, Infâncias e Educação à Distância.

1 A partir de sua experiência e estudos, descreva como você entende a Síndrome do Espectro Autista no contexto da Educação Especial e Inclusiva?

Enquanto professora sempre afi rmo que cada criança é única e, apresenta suas especifi cidades. No autismo não é diferente. Cada sujeito deve ser pensado, estudado conforme a sua complexidade sejam elas de cunho comportamental ou de desenvolvimento. O Transtorno do Espectro Autista é classifi cado no Diagnóstico de Doenças Mentais (DSM-5) como Transtorno do Neurodesenvolvimento, apresentando défi cit nas dimensões sócio comunicativos e comportamentais,

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Educação Especial e Inclusão Escolar

classifi cados de leve a severo. Dependendo do caso, pode apresentar comportamento estereotipado, repetitivo e fi xado, comunicação verbal, ecolálico, ou não verbal e ausência de relacionamento social. A esse respeito, olhar para o espectro no contexto de uma educação especial e inclusiva é olhar para cada sujeito em sua individualidade, com múltiplas possibilidades de intervenção a fi m de oferecer o melhor desenvolvimento de suas potencialidades e aprendizagens de cada criança. A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva reafi rma o direito de todos os alunos frequentarem o ensino regular.

No entanto, enquanto coordenadora pedagógica em uma escola de Ensino Fundamental percebo a fragilidade do corpo docente nos processos de inclusão, principalmente de alunos com autismo. A adaptação, por exemplo, era um momento de muita expectativa para o docente. A política de inclusão visa garantir o direito de todos os alunos com todas as especifi cidades a frequentarem o ensino regular. Mas, como esse direito é garantido? De que forma podemos pensar em um atendimento de qualidade, atendendo as particularidades de cada sujeito? São alguns questionamentos e provocações que merecem ser abordados e que precisam de um olhar mais aprofundado. A educação para ser realmente inclusiva, deve reconhecer as diferenças, buscar práticas comuns, conviver com a diversidade. É importante que a escola disponha de ferramentas para auxiliar a todos, potencializando as aprendizagens, destacando as conquistas e não somente as limitações. Acredito em uma educação inclusiva que valorize a diversidade como condição humana trazendo para educação o desafi o de superar as limitações existentes, sejam elas de conhecimento, formação ou políticas públicas.

2 Quais são as principais políticas que amparam a inclusão de alunos com essa especifi cidade na escola?

Muitas são as lutas, desafi os e conquistas para pensarmos hoje na inclusão de forma mais humanizada, no sentido de que os direitos dos autistas sejam garantidos. Ainda seguimos buscando articular saberes e competências para o atendimento de alunos nas escolas regulares, por exemplo. Nesta breve refl exão não vou buscar realizar uma contextualização histórica das leis e dos avanços por elas proporcionados, mas sim citar algumas leis e políticas que amparam a inclusão de alunos com defi ciência, especifi camente do TEA. Descrevo a seguir em tópicos:

– A Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

Olhar para o espectro no contexto de uma educação especial e inclusiva é olhar

para cada sujeito em sua individualidade,

com múltiplas possibilidades de

intervenção a fi m de oferecer o melhor

desenvolvimento de suas potencialidades e aprendizagens de

cada criança.

A política de inclusão visa garantir o

direito de todos os alunos com todas as especifi cidades a frequentarem o

ensino regular. Mas, como esse direito é garantido? De que

forma podemos pensar em um atendimento de qualidade, atendendo

as particularidades de cada sujeito?

São alguns questionamentos e provocações

que merecem ser abordados e que

precisam de um olhar mais aprofundado.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

Esta lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução.

– A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, reafi rma o direito de todos os alunos frequentarem o ensino regular, incluindo todas as especifi cidades.

– Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi ciência (2006) - Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, este por sua vez orienta os sistemas de ensino com relação a inclusão de alunos com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

– LDB LDBEN (lei nº 9.394 de 20/12/96) – a educação especial constitui uma modalidade de educação escolar;

– Decreto Legislativo n° 186/2008 e pelo Decreto Executivo n° 6.949/2009 - referenciais nacionais para a construção de sistemas educacionais e a organização de escolas inclusivas, defi ne o público-alvo da Educação Especial – alunos com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

– Lei Brasileira de Inclusão (LBI) - lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. A educação constitui direito da pessoa com defi ciência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

– NOTA TÉCNICA Nº 24 / 2013 / MEC / SECADI - Orientações para o atendimento das crianças com o Transtorno do Espectro Autista nas escolas regulares.

3 Descreva alguns pressupostos teórico-metodológico que contribuem para organização das práticas pedagógicas na sala de aula, considerando o ensino regular, a turma e o aluno com esse tipo de defi ciência?

Pensar na inclusão do aluno com o Transtorno do Espectro Autista é pensar em estratégias para o seu atendimento, adaptação e melhor funcionamento de suas habilidades. A inclusão do autismo no ensino regular está para além do cumprimento da lei. É o encontro com outras crianças, nas trocas, brincadeiras e, com isso múltiplas aprendizagens. Penso que para que o processo de inclusão de alunos com autismo aconteça é importante atender algumas condições básicas, destaco abaixo algumas orientações:

– conhecer e estudar as características comuns às pessoas com autismo. Para isso, o profi ssional precisa buscar constantemente formação para atender a especifi cidade;

– defi nir a forma de atendimento educacional a ser ofertado, simultaneamente com a turma comum;

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110

Educação Especial e Inclusão Escolar

– estabelecer estratégias pedagógicas para incluir no planejamento – um exemplo, pode ser adaptações do Método Teacch, onde é possível estruturar e organizar a rotina deste sujeito;

– considerar a palavra “adaptar o método”, pois ao pensarmos em propostas de inclusão a turma inteira pode ser benefi ciada com essa organização de rotina que o método propõe; – desenvolver estratégias adequadas de atuação pedagógica em sala de aula, respondendo às necessidades educacionais especiais de alunos com autismo, as quais devem ser avaliadas sistematicamente; – realizar a combinação entre refl exão, fl exibilidade e criatividade, pois penso que estas são premissas importantes para uma inclusão de sucesso, na qual todos são envolvidos no processo;– avaliar constantemente as práticas realizadas;– articular as atividades com a família e compreender o contexto que esta criança está inserida;

4 Na sua visão, qual seria o papel dos serviços de apoio, da escola, do professor em sala de aula, do professor do AEE e da família para enfrentarmos os desafi os voltados à inclusão dos alunos ditos incluídos na escola regular?

Penso que o melhor recurso é a informação/orientação. Todos os profi ssionais devem compreender o Autismo. É necessária uma rede de atendimento sólida e efi caz para a inclusão. A escola é um espaço de diversidades e, todos os agentes da educação devem estar preparados para receber casos de inclusão, principalmente de alunos autistas. A criança de inclusão circula em todos os espaços da instituição e, é importante também que nesses outros contextos possa ser compreendida e respeitada dentro de suas limitações. Muitas são as possibilidades para pensarmos em uma inclusão de forma mais ativa.

É preciso romper com algumas barreiras e superar os desafi os, dentre estes adaptação, comunicação e planejamento. Construí tais percepções com base em minhas experiências de inclusão e adequação de propostas enquanto professora do AEE – Atendimento Educacional Especializado. Para pensar em uma inclusão de maneira efi ciente o professor da sala de aula que irá receber este aluno deve buscar intensifi car seus estudos a respeito do autismo. É importante buscar conhecer esta criança através da família, seus gostos, preferências e difi culdades. Conhecendo essa criança o professor terá mais condições de pensar estratégias pedagógicas para estimular seu desenvolvimento, sejam elas adaptações curriculares, avaliação

A escola é um espaço de diversidades e,

todos os agentes da educação devem estar preparados

para receber casos de inclusão, principalmente de alunos autistas. A

criança de inclusão circula em todos os espaços da instituição e, é

importante também que nesses outros contextos possa

ser compreendida e respeitada dentro de

suas limitações.

É importante buscar conhecer esta criança através da família, seus

gostos, preferências e difi culdades.

Conhecendo essa criança o professor terá mais condições

de pensar estratégias pedagógicas para

estimular seu desenvolvimento,

sejam elas adaptações

curriculares, avaliação diferenciada ou metodologias

que atendam a necessidade do

sujeito. Por isso, a articulação entre

escola e família são fundamentais.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

diferenciada ou metodologias que atendam a necessidade do sujeito. Por isso, a articulação entre escola e família são fundamentais.

Outro setor importante é o Atendimento Educacional Especializado. Neste espaço, por exemplo, a criança é atendida no turno inverso de sua aula. O AEE tem por função: organizar, identifi car e elaborar recursos pedagógicos e de acessibilidade que minimizem os entraves para uma integral participação dos alunos, considerando suas características, limitações e potencialidades. Articular todos os setores conhecer o espectro, estar em constante articulação com a família para se manter informado a respeito do aluno é fundamental para termos um processo funcional de inclusão na escola regular. Vale destacar que são diferentes saberes que circulam a respeito dos alunos com TEA no ambiente escolar. Por isso, para que a inclusão possa acontecer efetivamente, reforço a importância de investimento em formação para todos.

2. 4 ENTREVISTA 4 – SURDEZ

FIGURA 4 - GRACIELE KRAEMER

FONTE: <http://lattes.cnpq.br/5002662037058558>.

Graciele Kraemer tem graduação em Educação Especial em Defi cientes da Audiocomunicação, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, 2007). Mestre em Educação (2011) e Doutora em Educação (UFRGS/ 2013-2017). Em Estágio de Pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação Unisinos (2017-2018). Atuou como professora nas séries iniciais da Escola Especial para Surdos Frei Pacífi co no período de 2007-2009; professora de Libras na Faculdade Porto-Alegrense (FAPA, 2010-2012); professora do Instituto Superior de Educação de Ivoti (ISEI, 2011-2013). Participa de dois grupos de pesquisa: GEPI/Unisinos (Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão) e SINAIS/UFRGS (Surdez, Inclusão,

Page 112: EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR

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Educação Especial e Inclusão Escolar

Narrativas, Identidades e Subjetividades). Parecerista da Revista Educação Especial (UFSM). Trabalha com os seguintes temas: Inclusão Escolar; Políticas Educacionais Inclusivas; Políticas e Práticas na Educação de Surdos. CV: <http://lattes.cnpq.br/5002662037058558>.

1 A partir de sua experiência e estudos, descreva como você entende a Surdez no contexto da Educação Especial e Inclusiva?

Pensar a surdez e a educação de surdos a partir dos movimentos históricos que passam a reverberar, em nosso presente, na política de inclusão escolar, implica ter claro alguns aspectos que destaco centrais. Em primeiro lugar, é crucial compreender a distinção entre surdez e educação de surdos. A partir do olhar construído pelo sujeito ouvinte sobre aquele que não ouve, a surdez passa a ser compreendida como uma invenção (Lopes, 2007). As narrativas produzidas em distintos campos discursivos (educação, medicina, psicologia, entre outros) condicionam possibilidades de interpretações culturais acerca dos sujeitos surdos.

No campo educacional, a surdez vem sendo signifi cada a partir da compreensão cultural da defi ciência. Assim, diferentemente de uma compreensão de aprendizagem dos sujeitos surdos pensada pela perspectiva dos ouvintes, constituindo um processo educacional pautado por uma pedagogia corretiva, na perspectiva cultural, essa educação passa a ser pensada e produzida pela necessidade de ambientes linguísticos favoráveis.

Historicamente, a educação de surdos é marcada por distintas tendências. No fi nal do século XIX ela é organizada pela ênfase na fala e na possibilidade de resgate da audição. Nesse contexto, a surdez passa a ser compreendida como uma anomalia que requer investimentos, principalmente da ordem da reabilitação, para que o sujeito possa desenvolver a capacidade de interlocução com todos e conviver socialmente. Assim, os investimentos educacionais objetivam constituir sujeitos que se enquadrem aos padrões de normalidade estimados socialmente. Em seus estudos Skliar (2004), destaca que na perspectiva oralista, a ênfase está na potencialização da expressão oral em vista da proibição do alfabeto manual e da língua de sinais. Entendia-se que o sujeito surdo ao desenvolver a fala poderia ter melhores possibilidades de inserção social e no mercado de trabalho. A perspectiva oralista contribuiu para que as desigualdades entre surdos e ouvintes passassem a ser acentuadas. Efetivamente são produzidos maiores processos de exclusão dos sujeitos surdos.

No campo educacional, a

surdez vem sendo signifi cada a partir da compreensão

cultural da defi ciência. Assim, diferentemente de uma compreensão de aprendizagem

dos sujeitos surdos pensada pela perspectiva

dos ouvintes, constituindo um processo

educacional pautado por uma pedagogia

corretiva, na perspectiva cultural,

essa educação passa a ser pensada

e produzida pela necessidade de ambientes linguísticos favoráveis.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

Ao fi nal do século XX, pela década de 1970, a partir das pesquisas desenvolvidas por Stokoe (1960), Klima e Bellugi (1968), a inefi cácia do modelo oralista é signifi cativamente tensionada. Com isso, debates políticos e educacionais passam a propor uma nova perspectiva educacional – a comunicação total. Nessa proposta, todos os meios e possibilidades de comunicação são requeridos em vista de facilitar um processo de trocas comunicativas entre surdos e ouvintes. Na década de 1990, a educação de surdos passa a ser signifi cada a partir de uma perspectiva bilíngue. Contudo, mesmo que esta perspectiva esteja direcionada ao desenvolvimento de práticas pedagógicas a partir da língua de sinais e da língua portuguesa escrita, ela não pode ser compreendida como uma metodologia de ensino para os sujeitos surdos. Em vista das condições históricas que mobilizam forma de compreender a surdez, procuro olhar para ela pela lente da diferença cultural, não deixando com isso, de negar a ausência de audição. Contudo pela lente da diferença cultural, a surdez se constitui em um marcador cultural. Assim, constitui-se um processo de mobilização daqueles que lutam por causas comuns. Em um campo de luta – dos Estudos Surdos – a surdez passa a ser signifi cada culturalmente.

Contudo, mesmo passadas algumas décadas da inserção de uma perspectiva educacional bilíngue, lacunas ainda sinalizam a necessidade de pesquisas que analisem e problematizem as condições de acesso e de desenvolvimento dos sujeitos surdos no espaço escolar.

Dentre uma variedade de questões, destaca-se a necessidade de se pensar ambientes educacionais que sejam linguisticamente favoráveis ao desenvolvimento do aluno surdo. Esse me parece um dos mais importantes desafi os de nosso presente, ainda mais, quando pensamos a educação de surdos a partir de uma política educacional inclusiva.

2 Quais são as principais políticas que amparam a inclusão de alunos surdos na escola?

A política de inclusão escolar adentra na agenda educacional brasileira a partir da primeira década do século XXI. Contudo, na década de 1990, a legislação nacional apresenta importante aceno para a inclusão escolar. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Lei nº 9.394/1996, fi ca estabelecido que o atendimento educacional especializado aos educandos com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou Superdotação, seja ofertado, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1996, Art. 4º, Inciso III). No artigo que trata da Educação Especial, é destacado que esta compreende “a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na

Contudo, mesmo passadas algumas

décadas da inserção de uma perspectiva

educacional bilíngue, lacunas ainda sinalizam a necessidade de pesquisas

que analisem e problematizem as condições

de acesso e de desenvolvimento

dos sujeitos surdos no espaço escolar.

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Educação Especial e Inclusão Escolar

rede regular de ensino, para educandos com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou Superdotação” (BRASIL, 1996, Art. 58). Fica prevista a promoção de uma educação que se efetive na rede regular de ensino, construindo-se assim, uma política educacional inclusiva. A Resolução CNE/CEB nº 2 de 11 de setembro de 2001, destaca em seu texto que nosso país “fez opção pela construção de um sistema educacional inclusivo, ao concordar com a Declaração Mundial de Educação para Todos, fi rmada em Jomtiem, na Tailândia em 1990” (BRASIL, 2001, p. 14) e ao concordar com o princípio de educação inclusiva previsto na declaração de Salamanca (Espanha). Assim, segundo

previsto pelo documento de 2001, “a inclusão escolar constitui uma proposta que representa valores simbólicos importantes, condizentes com a igualdade de direitos e de oportunidades educacionais para todos” (BRASIL, 2001, p. 26). Assim, a inclusão escolar assume caráter relevante na política educacional brasileira, pois infere a possibilidade de compreender que “o convívio escolar permite a efetivação das relações de respeito, identidade e dignidade” (BRASIL, 2001, p. 26).

Após importantes movimentos e lutas políticas travadas pela comunidade surda, dentre eles, a elaboração do documento “A educação que nós surdos queremos” durante o V Congresso Latino-Americano de Educação Bilíngue para Surdos, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é instituída a Lei nº 10.436 de 24 de abril 2002 que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão em nosso país. Segundo estabelecido por esta Lei:

O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs. (BRASIL, 2002, Art. 4º).

Para tal, o decreto federal nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei nº 10.436, estabelece que a Libras passa a ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores, a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, como segunda língua de instrução e a ampliação do uso e da difusão da Libras em ambientes públicos e privados. Entendo que estes dois documentos, refl etem as lutas políticas travadas pela comunidade surda em prol das questões linguísticas. Pelo reconhecimento da Libras e pelos investimentos operados pelo Estado brasileiro para a difusão dessa língua nos cursos de formação de professores, institui-se um movimento propício à inclusão escolar de alunos surdos. Contudo, não negando a necessidade de uma política

Após importantes movimentos e lutas políticas travadas pela comunidade

surda, dentre eles, a elaboração

do documento “A educação

que nós surdos queremos” durante

o V Congresso Latino-Americano

de Educação Bilíngue para

Surdos, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é instituída

a Lei nº 10.436 de 24 de abril 2002 que reconhece a Língua Brasileira de Sinais

como meio legal de comunicação e

expressão em nosso país.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

educacional para todos, entendo ser necessário problematizar e tensionar a forma pela qual vem sendo pensada a inclusão escolar de alunos surdos.

Em nosso país, a maioria dos estados oferta um processo educacional de inclusão, onde os alunos surdos têm suas demandas atendidas pela presença de profi ssionais intérpretes e pela oferta de Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Em 2008 com a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, o país passa a assumir na documentação educacional uma política de viés inclusivo. A política de 2008, objetiva efetivar ações para “o acesso, a participação e a aprendizagem dos estudantes com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais” (BRASIL, 2008, p. 10). Para que a inclusão escolar seja efetivada, ações direcionadas às demandas dos sujeitos previstos pela Política são estabelecidas, dentre elas:

transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior; atendimento educacional especializado; continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profi ssionais da educação para a inclusão escolar; participação da família e da comunidade; acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e a articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2010, p. 10).

Nas diretrizes da Política, é estabelecido que, em vista do ingresso dos estudantes surdos nas escolas comuns, “a educação bilíngue – Língua Portuguesa/Libras desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita para estudantes surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais estudantes da escola” (BRASIL, 2008, p. 12). Para isso, entende-se que o atendimento educacional especializado para esses estudantes deva ser “ofertado tanto na modalidade oral e escrita quanto na língua de sinais” (BRASIL, 2008, p. 12). E assim, a Política ao considerar a diferença linguística dos sujeitos surdos, orienta que “o aluno surdo esteja com outros surdos em turmas comuns na escola regular” (BRASIL, 2008, p. 12). Vale ainda destacar que pelo previsto na Política, o atendimento educacional especializado deve ser efetivado a partir da atuação de profi ssionais com conhecimentos específi cos no ensino da Língua Brasileira de Sinais e da Língua Portuguesa na modalidade

Em nosso país, a maioria dos estados oferta um processo

educacional de inclusão, onde os alunos surdos têm suas demandas atendidas pela presença de profi ssionais intérpretes e

pela oferta de Atendimento Educacional

Especializado (AEE).

Page 116: EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR

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Educação Especial e Inclusão Escolar

escrita como segunda língua. Portanto, a partir da Política de Educação Especial de 2008, para que a educação das pessoas público-alvo da educação especial seja efetivada, em 17 de novembro de 2011, foi instituído o decreto nº 6.711, que dispõe sobre a educação especial e o atendimento educacional especializado. Em vista das questões previstas pela política de inclusão escolar, o Estado brasileiro passa a assumir a educação das pessoas público-alvo da educação, a partir de algumas diretrizes específi cas, dentre elas, “garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades; aprendizado ao longo de toda a vida; não exclusão do sistema educacional geral sob alegação de defi ciência e adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social” (BRASIL, 2011, Art. 1º). Neste documento, destaca-se que nas questões e demandas dos alunos surdos, passarão a ser observadas as diretrizes e princípios dispostos no Decreto nº 5.626, de 2005. Ainda segundo previsto no decreto, a União prestará apoio técnico e fi nanceiro em vista da ampliação da oferta de atendimento educacional especializado. Este apoio técnico e fi nanceiro objetiva a “formação continuada de professores, inclusive para o desenvolvimento da educação bilíngue para estudantes surdos ou com defi ciência auditiva” (BRASIL, 2001, Art. 5º, § 1o, Inciso III). Em 06 de julho de 2015, é sancionada a Lei nº 13.146 que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defi ciência – Estatuto da Pessoa com Defi ciência. Segundo previsto no capítulo IV, que trata do direito à

educação, a educação:

constitui direito da pessoa com defi ciência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem (BRASIL, 2015, Art. 27).

Assim, diante do direito de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, é estabelecido ao poder público a tarefa de assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar “a oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas” (BRASIL, Art. 28, Inciso IV). Os documentos legais apresentados não compreendem um resgate sistemático da legislação educacional brasileira, mas trazem em sua materialidade, importantes infl exões produzidas na história recente da educação de surdos em nosso país. Mesmo trazendo importantes conquistas para a comunidade surda, estes documentos não abrangem a totalidade das questões que demarcam a educação de surdos no presente. Muitas ainda são as lutas a serem produzidas na educação de surdos.

Os documentos legais apresentados não compreendem um

resgate sistemático da legislação educacional brasileira, mas trazem em sua materialidade, importantes infl exões produzidas na história recente da educação

de surdos em nosso país. Mesmo

trazendo importantes conquistas para a

comunidade surda, estes documentos

não abrangem a totalidade das questões que demarcam a

educação de surdos no presente. Muitas ainda são as lutas a serem produzidas na educação de surdos.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

3 Descreva alguns pressupostos teórico-metodológico que contribuem para organização das práticas pedagógicas na sala de aula, considerando o ensino regular, a turma e o aluno surdo?

Pensar a Educação de surdos em espaços escolares específi cos para surdos e em escolas comuns, implica compreender a especifi cidade linguística dos sujeitos surdos. A partir disso, um dos pressupostos teórico-metodológicos para a educação de qualidade, requer organizar ambientes linguísticos favoráveis e prever materiais pedagógicos a partir de uma perspectiva visual. O que compreende um ambiente linguístico favorável? Um ambiente linguístico favorável requer profi ssionais profi cientes na Língua de Sinais, materiais pedagógicos que articulem a Língua de Sinais com a Língua Portuguesa na modalidade escrita e um processo de fl exibilização curricular. Flexibilização curricular não pode ser compreendido como sinônimo de menosprezar aspectos essenciais à formação do aluno surdo. Flexibilizar implica percorrer umas trilhas curriculares dinâmicas, que rompam com um processo de padronização e de rigidez acadêmica. Com isso, defendo uma postura metodológica ativa, que compreende a especifi cidade linguística dos surdos conectando-os com as demandas de nosso tempo. É preciso pensar um currículo que possibilite um processo de engajamento político dos alunos e professores. O que isso quer dizer? Que um currículo pensado para os alunos surdos deve ter clara a possibilidade de promover atitudes participativas nos sujeitos em busca de fi liação às demandas da formação de cada sujeito. Assim, a educação de surdos implica um olhar voltado à singularidade do sujeito: sua fl uência linguística, se desenvolve uma leitura compreensiva e analítica de materiais disponibilizados em Língua Portuguesa escrita e se consegue fazer uma leitura de mundo das questões curriculares desenvolvidas no espaço escolar. Com isso, penso que não há a possibilidade de desenvolvimento de pressupostos teórico-metodológicos específi cos, mas requer considerar a inicialmente a singularidade linguística desses sujeitos, para, a partir disso, construir trilhas pedagógicas de desenvolvimento do conhecimento.

4 Na sua visão, qual seria o papel dos serviços de apoio, da escola regular, da escola de Surdos, do professor em sala de aula, do professor do AEE e da família para enfrentarmos os desafi os voltados à inclusão dos alunos ditos incluídos na escola regular?

Essa pergunta é bastante ampla e possibilita diferentes interpretações. Se militamos por espaços linguisticamente favoráveis ao desenvolvimento cognitivo dos alunos surdos, possivelmente teremos mais resistência na defesa de serviços de apoio e da escola regular. Contudo, esta é uma questão complexa quando defendemos uma escola que se comprometa com a educação de qualidade a todos. Objetivando pensar em um processo educacional inclusivo, a leitura possível e produtiva, indica um processo de articulação de conhecimentos e práticas. Como

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Educação Especial e Inclusão Escolar

fazer isso? O profi ssional que atua no serviço de apoio, ou seja, o profi ssional de Atendimento Educacional Especializado (AEE) tem, geralmente, formação específi ca no campo da Educação Especial, este profi ssional pode constituir-se na base articuladora da inclusão escolar de alunos surdos. Este profi ssional torna-se responsável por promover um processo de associação entre os docentes da escola comum, profi ssionais de escolas bilíngues para surdos e outros profi ssionais, dentre eles, psicólogos, fonoaudiólogos. Quando esse papel de apoio é pensado a partir da possibilidade de promoção de condições de aprendizagem do aluno surdo, a articulação entre professores da escola comum e professores da educação especial é uma das possibilidades para pensar e promover a inclusão escolar. Neste contexto, a família se torna a aliada do processo educacional do aluno surdo, sendo a responsável pela promoção de condições substanciais ao desenvolvimento cognitivo do sujeito. Assim, me parece que pensar a educação de surdos em nosso presente, a partir da política de inclusão escolar, requer que uma rede seja orquestrada, nesta rede, diferentes profi ssionais, espaços, saberes e sujeitos encontram-se conectados em prol de uma educação de qualidade, que propicie o desenvolvimento aos atores envolvidos.

2.5 ENTREVISTA 5 - DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

FIGURA 5 - DEISE A. ENZWEILER

FONTE: <http://lattes.cnpq.br/2708237054125840>.

Deise A. Enzweiler é mestre (Bolsista CNPq) e Doutoranda (Bolsista PROEX/CAPES) em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Graduada em Pedagogia

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Especialista em Educação Inclusiva pela Universidade do Vale do Rio Sinos (UNISINOS). Tem experiência profi ssional docente com jovens e crianças, especialmente na área de alfabetização e educação inclusiva. Foi bolsista de graduação do Programa Erasmus Mundus Brasil na Universidade Técnica de Dresden (Alemanha), cursando disciplinas das Ciências da Educação. Atualmente, tem desenvolvido estudos e pesquisas sobre práticas pedagógicas, aprendizagem, ensino e inclusão. Integra o Grupo de Estudos e Pesquisa em Inclusão (GEPI/UNISINOS/CNPq). CV: <http://lattes.cnpq.br/2708237054125840>.

1 A partir de sua experiência e estudos, descreva como você entende a difi culdade de aprendizagem no contexto da Educação Especial e Inclusiva?

As questões relativas às difi culdades de aprendizagem sempre estão presentes no contexto escolar. De forma sintética, pode-se dizer que compõem esse público os sujeitos que apresentam baixo rendimento, com difi culdade para acompanhar seu ano/série em relação aos conteúdos propostos. O que os diferencia do público da Educação Especial mais específi co é que são sujeitos que muitas vezes também necessitam de apoios variados para acompanhar as propostas em sala de aula, porém são alunos que não possuem diagnósticos médicos/psiquiátricos/psicológicos que possam justifi car suas difi culdades. Esse fator certamente torna o trabalho pedagógico com esses sujeitos mais complexo, pois a falta de diagnósticos mais precisos também pode tornar o trabalho pedagógico mais complexo, pois se torna difícil saber a partir do que é possível intervir.

Como não há elementos diagnósticos que unam esse grupo em certa homogeneidade, às vezes até as próprias intervenções no espaço escolar se tornam complexas. Por se tratar de especifi cidades muito pessoais e/ou individuais, também é comum que o fracasso escolar desses sujeitos seja narrado ou compreendido em uma perspectiva quase biológica de que essa difi culdade “faz parte” dele ou que é aquilo que o constitui exclusivamente. Portanto, é necessário que no espaço escolar e na organização do trabalho pedagógico tais sujeitos sejam compreendidos para além das suas difi culdades, mas também pelas suas potencialidades.

2 Quais são as principais políticas que amparam a inclusão de alunos com difi culdade de aprendizagem na escola?

As políticas do campo da Educação Especial e Inclusiva se voltam a públicos alvos bem específi cos: surdez, defi ciência visual, defi ciência intelectual ou

O que os diferencia do público da

Educação Especial mais específi co é que são sujeitos que muitas vezes

também necessitam de apoios variados para acompanhar as propostas em

sala de aula, porém são alunos que não

possuem diagnósticos médicos/psiquiátricos/

psicológicos que possam justifi car suas

difi culdades. Esse fator certamente torna o trabalho pedagógico

com esses sujeitos mais complexo, pois

a falta de diagnósticos mais precisos

também pode tornar o trabalho pedagógico mais complexo, pois se torna difícil saber

a partir do que é possível intervir.

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Educação Especial e Inclusão Escolar

transtornos globais do desenvolvimento, por exemplo. Difi cilmente tais políticas abordam o grupo de sujeitos que poderíamos, de forma ampla, considerar aqueles que têm difi culdades de aprendizagem, porém não possuem diagnóstico clínico como os grupos anteriormente citados.

Entretanto, apesar desse grupo não estar especifi cado em algumas políticas que destacarei na sequência, percebe-se que nas mais recentes publicações sobre essa temática, verifi ca-se uma constante preocupação com a forma como cada sujeito aprende e a necessidade de que as instituições escolares reconheçam e trabalhem pedagogicamente a partir disso.

Um exemplo sobre essa distinção encontra-se na Lei nº 13.146 de 2016 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defi ciência (Estatuto da Pessoa com Defi ciência): em sua redação, a preocupação central está nos grupos diagnosticados, como destaquei anteriormente. Entretanto, como é possível de se verifi car no Artigo nº27 da referida Lei, também há uma noção específi ca de aprendizagem que necessariamente não serviria somente aos grupos com diagnósticos, mas a todos os sujeitos escolares: “A educação constitui direito da pessoa com defi ciência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem” (BRASIL, 2016).

Por outro lado, a Lei nº 9394 de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, prevê no item V de seu Artigo nº 24, a “obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos”. Portanto, ao contrário do Atendimento Educacional Especializado, voltado de forma específi ca ao grupo de sujeitos com diagnósticos clínicos e no contra turno escolar, a recuperação e/ou reforço escolar para o grupo de sujeitos que apresentam baixo rendimento também está previsto, porém não se realiza no contra turno, optando-se que seja preferencialmente realizado na própria rotina escolar da turma/série. Dentre as diferentes publicações a respeito feitas pelo Ministério da Educação, destacaria a Nota Técnica 11º, de 2010, em que são especifi cadas as funções das Salas de Recursos Multifuncionais e o respectivo Atendimento Educacional Especializado (AEE), destacando a ênfase no atendimento aos sujeitos com defi ciências diagnosticadas.

Entretanto, apesar desse

grupo não estar especifi cado em algumas políticas

que destacarei na sequência,

percebe-se que nas mais recentes publicações sobre

essa temática, verifi ca-se

uma constante preocupação com

a forma como cada sujeito aprende e a necessidade de que as instituições

escolares reconheçam e trabalhem

pedagogicamente a partir disso.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

3 Descreva alguns pressupostos teórico-metodológico que contribuem para organização das práticas pedagógicas na sala de aula, considerando o ensino regular, a turma e o aluno com essas difi culdades na escola?

Como professora, um pressuposto central para lidar com alunos com difi culdades de aprendizagem é olhar para tais sujeitos buscando elementos que extrapolem as suas difi culdades. O objetivo, com tal posicionamento, sempre foi de enxergar potencialidades naquele sujeito, bem como tentar enxergá-lo para além das suas referidas difi culdades. Nesse sentido, um pressuposto central seria a ideia de posição de não aprendizagem (LOPES, 2007). A partir do olhar conceitual, é possível ver o sujeito para além de sua marca escolar de fracasso. Ao ampliar a possibilidade de olhar para os alunos, acredito que também consigamos perceber potências e trabalhar a partir delas, extrapolando esse lugar de fracasso e/ou insucesso. Esse pressuposto, a meu ver, também possibilita que se crie, se invente e se pense em possibilidades de intervenção pedagógica que deem conta dessa multiplicidade de sujeitos.

Pensando especifi camente as práticas pedagógicas na sala de aula e o contexto da turma e do seu aluno, também acredito que possam ser criadas estratégias variadas para que eles possam trabalhar de forma conjunta com a turma. Umas dessas estratégias seria a possibilidade da criação de espaços, momentos e atividades que variassem na sua organização: intervenções orais e/ou escritas; intervenções coletivas, individuais, em grupo e/ou em duplas, por exemplo. A variação de estratégias pedagógicas em sala de aula é uma possibilidade para que tais alunos não estejam sempre “segregados” ou fazendo tarefas bem diferentes ou isolados dos demais alunos.

4 Na sua visão, qual seria o papel dos serviços de apoio, da escola, do professor em sala de aula, do professor do AEE e da família para enfrentarmos os desafi os voltados à inclusão dos alunos ditos incluídos na escola regular?

Acredito que o caminho para se atingir êxito nas práticas pedagógicas inclusivas está no trabalho colaborativo entre as diferentes frentes citadas na questão. Mesmo que o grupo de alunos ditos “não-aprendentes” sejam contemplados na grande maioria das políticas públicas do campo da Educação Especial e Inclusiva, é necessário que esse grupo também seja olhado com cuidado por todos os envolvidos nos processos educativos. A família, ao trabalhar em parceria com a escola, estabelece vínculos que favorecem a comunicação e própria cobrança mútua entre todos. O que me parece evidente e do que não se pode escapar é que os alunos marcados pela não-aprendizagem dentro do espaço escolar terão tarefas e desafi os mais severos do que alunos que não ocupam tal posição.

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Educação Especial e Inclusão Escolar

Nesse sentido, os Laboratórios de Aprendizagem também se tornaram importantes instrumentos dentro das escolas, pois conseguem atender as demandas específi cas desse grupo de sujeitos. O trabalho desses espaços, especialmente nas escolas públicas em que atuei profi ssionalmente, se diferenciava dos atendimentos do AEE por não focar em adaptações curriculares ou atividades adaptadas somente, mas, sim, pelo foco do trabalho pedagógico em atividades bem conectadas à sala de aula, como tarefas cotidianas de matemática e português, por exemplo. Nesse sentido, a possibilidade de trabalhar em pequenos grupos com um profi ssional específi co para essa tarefa pode auxiliar muito o desenvolvimento do sujeito e também do professor em sala de aula.

Portanto, se há um caminho possível para a efetivação da inclusão no espaço da escola regular, certamente vejo como essas redes de trabalho coletivo e colaborativo entre famílias e escola, professores e equipes multiprofi ssionais.

2.6 ENTREVISTA 6 - ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

FIGURA 6 - RENATA SCHERER

Portanto, se há um caminho possível

para a efetivação da inclusão no espaço da escola regular, certamente vejo

como essas redes de trabalho coletivo

e colaborativo entre famílias e

escola, professores e equipes

multiprofi ssionais.

FONTE: <http://lattes.cnpq.br/5492100363304134>.

Renata Scherer é doutora e mestra em Educação, especialista em Educação Especial e graduada em Educação Física pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Desenvolve investigações nas temáticas de trabalho docente, educação inclusiva e práticas pedagógicas na Educação Básica. Tem experiência na Educação Básica, sendo professora na rede municipal de Portão, RS/Brasil,

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

desde o ano de 2006. Participa de atividades formativas em cursos de graduação e de especialização atuando especialmente nos cursos de Pedagogia e Educação Física. Integra o Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Docências, Pedagogias e Diferenças (GIPEDI/CNPq). CV: <http://lattes.cnpq.br/5492100363304134>.

1 A partir de sua experiência e estudos, descreva como você entende o Atendimento Educacional Especializado no contexto da Educação Especial e Inclusiva?

Para responder essa pergunta primeiro retomarei um pouco da minha trajetória acadêmica e profi ssional, pois é desse lugar de fala que posso responder essa questão. Trabalho na Educação Básica desde o ano de 2006. Nesse período sempre atuei em turmas com alunos ditos de inclusão. Nesse sentido, busquei estudar e me qualifi car para atuar com esses alunos. Assim, no ano de 2011 ingressei na especialização em Educação Especial na Unisinos. Após a conclusão do curso passei a atuar em Salas de Recursos nos munícipios onde trabalhava. Junto com minha entrada no Atendimento Educacional especializado (AEE) cursei o Mestrado e o Doutorado em Educação. Dentro desse contexto compreendo que o AEE se constitui como um importante política que busca oferecer de forma complementar e suplementar apoio para os alunos público alvo da Educação Especial1

(PAEE). Para tanto o AEE precisa se organizar no intuito de oferecer um conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos para auxiliar o aluno no seu processo de escolarização.

Antes de encerrar essa resposta destacaria ainda duas questões que considero importantes sobre o AEE. A primeira consiste no Atendimento Individualizado. Em uma pesquisa que realizei no ano de 2012 em que entrevistei professoras que atuam na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) em um munícipio do Rio Grande do Sul (SCHERER, 2012), identifi quei que a maioria dos atendimentos ocorria de forma individualizada.

De acordo com a resolução número 4 de outubro de 2009 cabe ao professor do AEE “elaborar e executar plano de Atendimento Educacional Especializado, avaliando funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade”, também é função do professor que atua no AEE “organizar o tipo e o número de atendimentos

1 De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva o PAEE constitui-se em alunos com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação. Com relação aos transtornos funcionais específi cos a política explica que “a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para às necessidades educacionais especifi cas desses alunos” (BRASIL, 2008, p. 15).

De acordo com a resolução número 4 de outubro de 2009 cabe ao professor do AEE “elaborar e executar plano de Atendimento

Educacional Especializado,

avaliando funcionalidade e a aplicabilidade dos

recursos pedagógicos e de acessibilidade”, também é função do professor que atua no AEE “organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos na

sala de recursos multifuncionais” (BRASIL, 2009, p. 3). Com base

na legislação e na minha experiência de trabalho no AEE a organização de

duplas e pequenos grupos favorece a troca entre os

pares e auxilia na aprendizagem dos

alunos atendidos no AEE.

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Educação Especial e Inclusão Escolar

aos alunos na sala de recursos multifuncionais” (BRASIL, 2009, p. 3). Com base na legislação e na minha experiência de trabalho no AEE a organização de duplas e pequenos grupos favorece a troca entre os pares e auxilia na aprendizagem dos alunos atendidos no AEE.

O segundo aspecto refere-se ao trabalho realizado junto com os professores regulares. De acordo com a mesma política citada anteriormente, o professor que atua no AEE precisa “estabelecer articulação com os professores da sala de aula comum, vidando à disponibilização dos serviços, dos recursos pedagógicos e de acessibilidade e das estratégias que promovem a participação dos alunos nas atividades escolares” (BRASIL, 2009, p. 3). Na minha experiência o trabalho desenvolvido no AEE tem muito mais signifi cado e produz resultados mais positivos a partir do momento em que conseguimos estabelecer um trabalho em parceria que busque de forma conjunta auxiliar o aluno na construção de aprendizagens.

2 Quais são as principais políticas que amparam esse tipo de atendimento na escola?

Muitas são as políticas que amparam e estabelecem diretrizes para organizar o AEE nas escolas. Cito a seguir os principais documentos legais e sua contribuição para a área da Educação Especial.

– Política de Educação especial na Perspectiva da Educação Inclusiva: Prevê que o AEE será disponibilizado em SRMs da própria escola, em turno inverso da escolarização ou em centros de atendimento educacional especializado da rede pública. Defi ne o PAEE e a forma de organização da oferta do AEE (BRASIL, 2008).

– Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado: As diretrizes além de reiterar o PAEE, defi ne a dupla matrícula dos

alunos matriculados em classe comum de ensino regular público que tiverem matrícula concomitante no AEE. Apresenta a necessidade de os projetos políticos pedagógicos das escolas institucionalizarem a oferta do AEE. E ainda defi ne a formação do profi ssional para atuar no AEE, que deve ter formação inicial que o habilite para o exercício da docência e formação específi ca para a Educação Especial, e as atribuições desse profi ssional. (BRASIL, 2009).

– Nota Técnica n. 19/ 2010: Estabelece orientações acerca dos profi ssionais de apoio para atender os alunos PAEE. De acordo com a nota técnica “a demanda dos profi ssionais de apoio se justifi ca quando a necessidade específi ca do estudante PAEE não for atendida no contexto

Destaca-se que o AEE “não substitui

as atividades curriculares próprias

da EI, devendo proporcionar a

plena participação da criança com defi ciência, em

todos os espaço e tempos desta etapa na educação básica” (BRASIL, 2015, p. 5).

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

geral dos cuidados disponibilizados aos demais estudantes” (BRASIL, 2010, p. 2). Destaca-se ainda que não é atribuição desse profi ssional “desenvolver atividades educacionais especializadas” (p. 2) e nem “responsabilizar-se pelo ensino deste aluno’ (p.2). Sua função estaria destinada ao apoio de atividades relacionadas a locomoção, higiene e alimentação. (BRASIL, 2010).

– Nota Técnica n.4/2014: Estabelece orientações quanto aos documentos comprobatórios dos alunos PAEE para inclusão no Censo Escolar e para frequentar o AEE. De acordo com essa nota “não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno [...], uma vez que o AEE se caracteriza por atendimento pedagógico e não clínico” (BRASIL, 2014, p. 3). O laudo médico pode ser incluído como documento anexo ao plano de AEE, quando for necessário. A nota destaca a importância da realização do estudo de caso, com cunho estritamente pedagógico, “a fi m de que as estratégias pedagógicas e de acessibilidade possam ser adotadas pela escola, favorecendo as condições de participação e de aprendizagem” (p. 4).

– Nota Técnica n. 2/2015: Estabelece orientações para organização e oferta do AEE na Educação Infantil (EI). De acordo com essa nota o atendimento das crianças com defi ciência deverá ocorrer no contexto da instituição. Assim a atuação do professor de AEE na EI ocorrerá nos diferentes espaços na escola como berçário, solário, pracinha, refeitório etc. Destaca-se que o AEE “não substitui as atividades curriculares próprias da EI, devendo proporcionar a plena participação da criança com defi ciência, em todos os espaço e tempos desta etapa na educação básica” (BRASIL, 2015, p. 5).

3 Descreva alguns pressupostos teórico-metodológico que contribuem para organização das práticas pedagógicas na sala de aula, considerando o ensino regular, a turma e os alunos com alguma defi ciência incluídos na escola?

O trabalho de inclusão escolar precisa envolver alguns pressupostos teóricos e metodológicos para que as práticas pedagógicas desenvolvidas possam considerar tanto as necessidades do aluno (individualização) tanto seu envolvimento nas atividades coletivas desenvolvidas pelo grupo. Para responder a essa questão destaco três pressupostos que considero importantes nesse trabalho. Todavia, cabe destacar que cada escola com seu grupo de professores e as especifi cidades do aluno, deve através de estudo e trabalho coletivo desenvolver os seus pressupostos acerca do processo de inclusão e torná-los efetivamente parte da escola através do registo em seu Projeto Político Pedagógico.

Page 126: EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR

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Educação Especial e Inclusão Escolar

Primeiro pressuposto: superar o modelo médico no encaminhamento e nas atividades propostas para os alunos PAEE. Em pesquisa recente, realizada no Estado do RJ, foi identifi cado que tanto os processos de avaliação como os de encaminhamento de alunos com defi ciência intelectual seguem pautados por modelos médicos com uso de laudo, em detrimento do modelo social e de direitos. As pesquisadoras Plesch e Paiva (2018) indicam que “o uso do laudo faz parte da cultura escolar funcionando como um balizador das práticas pedagógicas” (p.1046). O problema identifi cado pelas autoras consiste no fato de muitas vezes o laudo ser utilizado como uma sentença de “impossibilidade de aprendizagem dos alunos com DI” (p. 1046).

Segundo pressuposto: compreender a inclusão para além de adaptações metodológicas - A partir de uma discussão teórica sobre as (im)possibilidades do trabalho inclusivo a pesquisadora Lopes (2007) afi rma que uma das questões mais difíceis de serem modifi cadas no trabalho docente consiste nas verdades que os professores possuem sobre a escola, a realidade e os alunos. Para Lopes, precisamos avançar na compreensão de que incluir requer apenas adaptações metodológicas. Nas palavras da pesquisadora inclusão signifi ca “uma virada radical nas formas de ver, entender e posicionar os alunos” (LOPES, 2007, p. 15).

Terceiro pressuposto: repensar a questão da diferença - A proliferação das políticas de inclusão tem apresentado centralidade ao conceito de diferença. Todavia, precisamos refl etir sobre como estamos compreendendo o conceito de diferença em nossas práticas pedagógicas. De acordo com as pesquisadoras Lopes e Fabris (2013, p.17) “quanto mais festejamos a diferença no Brasil – tomada como sinônimo de diversidade e identidade – mais trilhamos o caminho inverso àquilo que seria estar simplesmente aberto e disponível ao outro”.

Com tal pressuposto reafi rmo que escolas e professores devem pensar como o conceito de diferença está sendo compreendido e traduzido em nossos documentos escolares. Precisamos tentar fugir de uma compreensão que apenas festeja a diferença, principalmente em datas festivas, transformando essa diferença em um “enfeite” para o currículo, mas não permitindo que o próprio currículo escolar seja questionado a partir da entrada da diferença nas escolas.

4 Na sua visão, qual seria o papel dos serviços de apoio, da escola, do professor em sala de aula, do professor do AEE e da

Primeiro pressuposto:

superar o modelo médico no

encaminhamento e nas atividades

propostas para os alunos PAEE.

Segundo pressuposto: compreender a

inclusão para além de adaptações

metodológicas - A partir de uma

discussão teórica sobre as (im)

possibilidades do trabalho inclusivo a pesquisadora Lopes (2007) afi rma que uma das questões

mais difíceis de serem modifi cadas no trabalho docente

consiste nas verdades que os professores possuem sobre a

escola, a realidade e os alunos.

Terceiro pressuposto:

repensar a questão da diferença - A proliferação das

políticas de inclusão tem apresentado

centralidade ao conceito de

diferença. Todavia, precisamos refl etir

sobre como estamos compreendendo

o conceito de diferença em

nossas práticas pedagógicas.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS E AS ESPECIFICI-DADES DA INCLUSÃO

Capítulo 3

família para enfrentarmos os desafi os voltados à inclusão dos alunos ditos incluídos na escola regular?

Para responder a essa questão irei retomar minha experiência como professora no AEE. Uma questão importante é que não exista um jogo de responsabilizações onde fi camos buscando culpados e esquecemos de juntos buscar respostas. Em muitas situações fi ca evidente essa responsabilização quando um professor ao se referir a um aluno de inclusão, diz: “Joãozinho o aluno da professora Maria”. O aluno de inclusão, não pode ser marcado como o aluno do AEE ou de determinada professora. A escola como um todo precisa repensar suas práticas, estabelecer pressupostos de trabalho e agir de forma colaborativa para que possamos construir práticas mais inclusivas.

3 POSSIBILIDADES PARA O TRABALHO PEDAGÓGICO

Considerando a riquíssima contribuição destes profi ssionais/pesquisadores destaca-se três dimensões relativas ao processo de in/exclusão que deve ser considerado ao construir uma proposta inclusiva nos contextos educacionais. São elas: 1. Presença ou ausência dos sujeitos; 2. Olhar Pedagógico ou Clínico/terapêutico; 3. Proposta em rede/coletiva ou individual.

Essa proposta inclusiva construída a partir dessas dimensões que será defendida aqui não é aquela que exalta a inclusão, a defi ciência e a diferença como algo a ser festejado a fi m de que todos nós possamos aprender e a conviver com elas. Ao contrário disso, conforme foi reafi rmado nos capítulos desse livro, essa proposta considera os processos de in/exclusão, tal como descrito pelas autoras a seguir:

[...] os processos de in/exclusão fazem parte da vida social e do sistema educativo. Não há como evitar a ambivalência presente nas relações sociais e de aprendizagem que vivenciamos diariamente. O que cabe a Pedagogia, nesse caso, é a partir desses processos de in/exclusão para criar e organizar estratégias que percebam as questões individuais e de grupo, que permeiam o processo de aprendizagem, e utilizá-las a seu favor, seja como pistas para estudo e pesquisa, seja como produção de práticas pedagógicas que tensionem permanentemente os processos de ensino e de aprendizagem implementados em sala de aula (HATTGE, KLAUS, 2014, p. 330).

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Educação Especial e Inclusão Escolar

Nessa perspectiva conceitual da inclusão como processo de in/exclusão, cabe não só a Pedagogia, mas as demais áreas de conhecimento voltadas ao campo da Educação, compreender esse processo de forma a pensá-lo sob outros registros, buscando posicionar-se fora da lógica que visa a normalização dos sujeitos. Tal como apontaram as autoras, trata-se de criar e organizar estratégias que possibilitem a aprendizagem de todos a partir do próprio tensionamento das práticas pedagógicas que estão envolvidas nesse processo, as quais posicionam os estudantes no contexto educacional e social.

3.1 PRESENÇA OU AUSÊNCIA DOS SUJEITOS

Se as políticas de inclusão hoje existentes visam regulamentar os processos e as práticas inclusivas, elas não garantem que isso ocorra. Conforme defendido pela entrevistada, precisamos provocar a todos nesse sentido:

[...] tenho provocado meus alunos a tensionarem esse olhar clínico, que responsabiliza unicamente o sujeito e suas condições orgânicas pelas conquistas e limitações que apresentam ao longo do seu desenvolvimento, convidando-os a compreenderem esse sujeito como alguém que é fruto das relações sociais que estabelece ao longo de sua vida, cujas limitações e potencialidades são determinadas não somente pelas suas condições orgânicas, mas especialmente pelas suas condições sociais (MENEZES, 2019, s.p.).

Como fruto das relações sociais esse sujeito estará sempre ocupando diferentes lugares, posições, ainda que os marcadores da defi ciência (orgânicos) os constituem, precisamos considerar as possibilidades (sociais/culturais) envolvidas nesse processo.

Conforme a Nota Técnica n.4/2014 que estabelece orientações quanto aos documentos comprobatórios dos alunos PAEE para inclusão no Censo Escolar e para frequentar o AEE, conforme vimos na entrevista, o diagnóstico não pode mais ser a única fonte de informação a respeito deste sujeito, pois:

De acordo com essa nota “não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno [...], uma vez que o AEE se caracteriza por atendimento pedagógico e não clínico” (BRASIL, 2014, p. 3). O laudo médico pode ser incluído como documento anexo ao plano de AEE, quando for necessário. A nota destaca a importância da realização do estudo de caso, com cunho estritamente

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Capítulo 3

pedagógico, “a fi m de que as estratégias pedagógicas e de acessibilidade possam ser adotadas pela escola, favorecendo as condições de participação e de aprendizagem” (SCHERER, 2019, s.p.).

Nesse sentido, para que os sujeitos estejam presentes no contexto educacional é necessário que sejam (re)pensadas as estratégias pedagógicas a partir dos sujeitos envolvidos, considerando que:

olhar para o espectro no contexto de uma educação especial e inclusiva é olhar para cada sujeito em sua individualidade, com múltiplas possibilidades de intervenção a fi m de oferecer o melhor desenvolvimento de suas potencialidades e aprendizagens de cada criança (CABRAL, 2019, s.p.).

Olhar para as individualidades não signifi ca individualizar o processo de ensino e de aprendizagem. Não se trata de trabalhar com cada sujeito de uma forma diferente, pois dessa forma, não estaríamos falando de contexto educacional que exige práticas coletivas a fi m de ensinar a todos. A seguir o entrevistado nos dá algumas pistas para considerar essas individualidades ao referir-se à defi ciência visual:

[...] tratar um aluno com defi ciência igual aos demais é um erro, pois ele não é e não há mal nenhum nisso, muito pelo contrário. Essa perspectiva adota como uma de suas bases de estudo o chamado “Modelo Social de Defi ciência”, a partir do qual não se nega a diferença e a limitação corporal de um aluno com alguma defi ciência, mas se entende que os conceitos ligados a defi ciência foram inventados, que fazem parte de um discurso em determinado tempo e espaço (MIANES, 2019, s.p.).

Se esses conceitos que posicionam os alunos foram inventados, eles podem ser (re)construídos ou ressignifi cados a fi m de visualizar as potencialidades destes alunos. Nesse sentido, é que a ideia de posição de não aprendizagem (LOPES, 2007) torna-se muito potente.

A partir do olhar conceitual, é possível ver o sujeito para além de sua marca escolar de fracasso. Ao ampliar a possibilidade de olhar para os alunos, acredito que também consigamos perceber potências e trabalhar a partir delas, extrapolando esse lugar de fracasso e/ou insucesso. Esse pressuposto, a meu ver, também possibilita que se crie, se invente e se pense em possibilidades de intervenção pedagógica que deem conta dessa multiplicidade de sujeitos (ENZWEILER, 2019, s.p.).

Nessa perspectiva, não há uma única posição para esse sujeito. Sua presença ou ausência no contexto educacional vai se dar de acordo com as relações

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estabelecidas, negociadas, discutidas, reforçadas naquele espaço. Para tanto, o conceito de diferença, tomado a partir dessa compreensão de potencialidade dela, nos ajuda a construir estratégias pedagógicas que a contemple.

Precisamos tentar fugir de uma compreensão que apenas festeja a diferença, principalmente em datas festivas, transformando essa diferença em um “enfeite” para o currículo, mas não permitindo que o próprio currículo escolar seja questionado a partir da entrada da diferença nas escolas (SCHERER, 2019, s.p.).

Ao festejar essa diferença, encerramos o sujeito nessa condição de modo a não permitir que ele possa ser outra coisa, se ver de outros modos através do que ensinamos, dos conhecimentos que disponibilizamos e os instigamos a aprender. Reforçar a diferença ou a defi ciência como incapacidade remete a aceitar a condição de que o estudante não irá aprender e, portanto, não precisamos ensinar. Essa forma de olhar é constantemente legitimada no contexto educacional pelos discursos clínicos e terapêuticos em detrimento dos pedagógicos.

3.2 OLHAR PEDAGÓGICO OU CLÍNICO/TERAPÊUTICO

Discutir sobre a necessidade de haver nos contextos educacionais uma maior ênfase na visão pedagógica não signifi ca descartar ou desconsiderar a importância de outros saberes/olhares, principalmente, do campo da saúde. A questão é a força e signifi cado que se atribui a eles, muitas vezes, desvalorizando o saber pedagógico e evidenciando o clínico e terapêutico. Percebe-se no contexto educacional, segundo a entrevistada:

Quando analisamos práticas escolares desenvolvidas com esses alunos, torna-se “fácil” avaliarmos se o olhar que lhe destinam está pautado em uma perspectiva clínica ou social. Nesse sentido entendo que a importância do diagnóstico reside nos encaminhamentos clínicos que ele possibilita, mas os aspectos pedagógicos organizados e oferecidos a esse aluno não podem ser limitados a ele. O diagnóstico não me diz quem é o meu aluno. As classifi cações de defi ciência (DI, DV, DF...) não me dizem quem é o meu aluno. Há sempre uma história de vida que justifi ca comportamentos, que determina modos de ser, que produz o sujeito subjetividades (MENEZES, 2019, s.p.).

Se o diagnóstico não pode dizer quem é o aluno, tão pouco as classifi cações da defi ciência, como podemos nos posicionar nesse contexto enquanto profi ssional

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comprometido com o saber pedagógico? De acordo com o entrevistado a seguir, o problema está em justamente desconsiderar a história do sujeito e agir a partir dos padrões e dos enquadramentos aprendidos socialmente, sem que se busque outras maneiras de compreender esse sujeito e sua forma de aprender, de signifi car o mundo.

Do meu ponto de vista, ainda há um predomínio teórico dos preceitos terapêuticos e clínicos no processo de inclusão escolar. Há certa defasagem de conhecimentos, competências e habilidades dos profi ssionais da educação especial em lidar com os alunos cegos ou com baixa visão. Afi nal, ainda existe a ideia de que basta fornecer material em braille ou em letras ampliadas para resolver o problema de um aluno com defi ciência visual, e as adaptações vão muito além de questões materiais, é preciso saber como usar os recursos, identifi car as necessidades de cada aluno, já que a baixa visão, por exemplo, tem uma variação muito grande para cada pessoa o que difi culta a aprendizagem e o ensino caso seja seguido sempre o mesmo padrão (MIANES, 2019, s.p.).

Restringe-se, muitas vezes, na busca pelos signifi cados da defi ciência em si mesma, nas atividades possíveis a serem desenvolvidas com esse sujeito da defi ciência, mas se esquece de conhecer esse aluno, como ele se relaciona e conhece o mundo, o que gosta, o que é preciso aprender, entre outras.

Da mesma forma em relação a surdez, a entrevistada Graciele, se posiciona e reforça a necessidade de compreendermos as defi ciências por outras perspectivas mais culturais, que não aquelas determinadas pelo diagnóstico, num viés clínico e patológico.

No campo educacional, a surdez vem sendo signifi cada a partir da compreensão cultural da defi ciência. Assim, diferentemente de uma compreensão de aprendizagem dos sujeitos surdos pensada pela perspectiva dos ouvintes, constituindo um processo educacional pautado por uma pedagogia corretiva, na perspectiva cultural, essa educação passa a ser pensada e produzida pela necessidade de ambientes linguísticos favoráveis. [...] requer organizar ambientes linguísticos favoráveis e prever materiais pedagógicos a partir de uma perspectiva visual. O que compreende um ambiente linguístico favorável? Um ambiente linguístico favorável requer profi ssionais profi cientes na Língua de Sinais, materiais pedagógicos que articulem a Língua de Sinais com a Língua Portuguesa na modalidade escrita e um processo de fl exibilização curricular. Flexibilização curricular não pode ser compreendido como sinônimo de menosprezar aspectos essenciais à formação do aluno surdo. Flexibilizar implica percorrer umas trilhas curriculares dinâmicas, que rompam

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com um processo de padronização e de rigidez acadêmica (KRAEMER, 2019, s.p.).

Nessa perspectiva, a defi ciência intelectual, a surdez, a defi ciência visual, ou qualquer outra defi ciência, transtorno ou síndrome pode ser referida a partir da necessidade de colocar-se no lugar do outro, destituídos de padronizações de comportamentos e atitudes a fi m de planejar e organizar ambientes de aprendizagens adequados para todos, guardados as suas especifi cidades. No entanto, tais especifi cidades não se trata de defi ciência, transtorno ou síndrome. Partimos do entendimento de que todos necessitam ser vistos nesse contexto da educação. É o que reforça Deise Enzweiler quando se refere aos sujeitos não diagnosticados:

O que os diferencia do público da Educação Especial mais específi co é que são sujeitos que muitas vezes também necessitam de apoios variados para acompanhar as propostas em sala de aula, porém são alunos que não possuem diagnósticos médicos/psiquiátricos/psicológicos que possam justifi car suas difi culdades. Esse fator certamente torna o trabalho pedagógico com esses sujeitos mais complexo, pois a falta de diagnósticos mais precisos também pode tornar o trabalho pedagógico mais complexo, pois se torna difícil saber a partir do que é possível intervir (ENZWEILER, 2019, s.p.)

Se não temos nesse caso um receituário a ser seguido para planejar as práticas com esses sujeitos, tal como muitas vezes é entendido com os sujeitos com algum tipo de defi ciência, é possível visualizar a complexidade do trabalho pedagógico seja ele em qualquer nível ou etapa de ensino. Tal complexidade está posta para desacomodar as práticas, não para paralisar, mas antes para fazer todos pensarem outras formas que não mais responsabilize alguns pela não aprendizagem do sujeito envolvido.

3.3 PROPOSTA EM REDE/COLETIVA OU INDIVIDUAL

Fica visível na argumentação de todos os entrevistados essa preocupação com a construção de uma proposta pedagógica que envolva a todos, que seja construída coletivamente, considerando as especifi cidades e necessidades dos envolvidos. O trabalho em rede requer mais do que apenas reunir as pessoas e pedir que opinem, de forma democrática, solicitando o seu posicionamento. Muitas vezes esse processo não garante a participação efetiva dos sujeitos. Um trabalho em rede se dá através da necessidade de constituição de uma tessitura,

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onde cada um dos envolvidos precisa estar mobilizado a se movimentar nela. Trata-se de uma postura que não aguarda as orientações, as atividades que devem ser realizadas. Ao contrário, ele é chamado a pensar sobre a atividade, antes de somente executá-la. Nesse sentido, o saber pedagógico nessa rede não se sobrepõe a nenhum outro, considera e respeita os demais saberes, mas com clareza, argumenta a favor da ressignifi cação constante das práticas pedagógicas a partir desses múltiplos saberes envolvidos. Por isso, a rede é tecida na medida em que cada campo de saber, cada sujeito envolvido, torna-se fundamental para constituí-la.

O entrevistado Felipe Mianes menciona a empatia, o conhecimento, a estrutura como aspectos fundamentais na consolidação de um processo de in/exclusão.

É preciso entender que é o trabalho em conjunto, cada qual com sua função que tornará a escola um espaço inclusivo para todas as pessoas, sendo fundamental a empatia, o conhecimento sobre as diferenças e peculiaridades dos alunos com defi ciência, bem como de estrutura física e instrumental adequada para um trabalho exitoso (MIANES, 2019, s.p.).

Ainda que considerado esses aspectos não podemos falar que teremos uma inclusão total, um lugar de inclusão que alcançaremos. Enfatiza-se ainda o processo de in/exclusão porque trata-se de um movimento de luta constante. Tal luta envolve, segundo Eliana Meneses,

[...] momentos de troca e planejamento colaborativo, professor da sala de aula e professor da Educação Especial poderão juntos analisar os alunos e avaliar quais as possibilidades de organização da prática pedagógica podem possibilitar maiores trocas entre os alunos na sala de aula, estimulando-os mais ou menos em suas aprendizagens (MENEZES, 2019, s.p.).

Essa visão considera a sala de aula, os contextos micros onde as práticas são desenvolvidas. Mas além disso, é necessário extrapolar tal contexto e ampliar a forma como visualizamos os sujeitos. Segundo Rosana Cabral, referindo-se ao sujeito com autismo, diz que ele circula por diferentes ambientes além da escola e que ele se constitui de variadas formas.

É necessária uma rede de atendimento sólida e efi caz para a inclusão. A escola é um espaço de diversidades e, todos os agentes da educação devem estar preparados para receber casos de inclusão, principalmente de alunos autistas. A criança de inclusão circula em todos os espaços da instituição e, é importante também que nesses outros contextos possa ser compreendida e respeitada dentro de suas limitações (CABRAL, 2019, s.p.).

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Essa troca de saberes sobre o sujeito e seus diferentes contexto contribuiria muito para esse processo de ressignifi cação e organização de práticas pedagógicas mais adequadas e coerentes com todos os envolvidos. Quem tem sido delegado essa função é a profi ssional do AEE. De acordo com Graciele,

O profi ssional que atua no serviço de apoio, ou seja, o profi ssional de Atendimento Educacional Especializado (AEE) tem, geralmente, formação específi ca no campo da Educação Especial, este profi ssional pode constituir-se na base articuladora da inclusão escolar de alunos surdos. Este profi ssional torna-se responsável por promover um processo de associação entre os docentes da escola comum, profi ssionais de escolas bilíngues para surdos e outros profi ssionais, dentre eles, psicólogos, fonoaudiólogos.... requer que uma rede seja orquestrada, nesta rede, diferentes profi ssionais, espaços, saberes e sujeitos encontram-se conectados em prol de uma educação de qualidade, que propicie o desenvolvimento aos atores envolvidos (KRAEMER, 2019, s.p.).

Não cabe apenas a esse profi ssional fazer isso, mas talvez ele tenha mais condições para efetivar essas articulações que os demais profi ssionais envolvidos. Afi na, o trabalho mais complexo não seria atender o aluno propriamente dito, mas antes pensá-lo a partir dessa rede que o constitui.

Nessa mesma direção, além do AEE os Laboratórios de Aprendizagem, ou seja, os espaços criados para atender os alunos que não necessariamente apresentam diagnosticados alguma defi ciência, mas exigem um olhar diferenciado, uma proposta adequada as necessidades de aprendizagem em determinada área específi ca. De acordo com Deise,

[...] os Laboratórios de Aprendizagem também se tornaram importantes instrumentos dentro das escolas, pois conseguem atender as demandas específi cas desse grupo de sujeitos. O trabalho desses espaços, especialmente nas escolas públicas em que atuei profi ssionalmente, se diferenciava dos atendimentos do AEE por não focar em adaptações curriculares ou atividades adaptadas somente, mas, sim, pelo foco do trabalho pedagógico em atividades bem conectadas à sala de aula, como tarefas cotidianas de matemática e português, por exemplo (ENSZWEILER, 2019, s.p.).

Essa argumentação a respeito do foco do trabalho pedagógico, das intencionalidades dele, requer uma análise sobre os objetivos envolvidos. O que queremos desenvolver? O que esses sujeitos precisam aprender? Renata afi rma que a inclusão ou o processo de in/exclusão como estamos argumentando, está para além das adaptações metodológicas. Ela menciona, citando Lopes (2007)

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que uma das questões mais difíceis de serem modifi cadas no trabalho docente consiste nas verdades que os professores possuem sobre a escola, a realidade e os alunos.

Despir-se de tais verdades torna-se uma tarefa constante nesse movimento que exigirá uma abertura ao outro, aos saberes de outros campos e, principalmente, uma postura investigativa sobre os processos de in/exclusão que nunca se repetirão da mesma forma.

[...] que não exista um jogo de responsabilizações onde fi camos buscando culpados e esquecemos de juntos buscar respostas. Em muitas situações fi ca evidente essa responsabilização quando um professor ao se referir a um aluno de inclusão, diz: “Joãozinho o aluno da professora Maria”. O aluno de inclusão, não pode ser marcado como o aluno do AEE ou de determinada professora. A escola como um todo precisa repensar suas práticas, estabelecer pressupostos de trabalho e agir de forma colaborativa para que possamos construir práticas mais inclusivas (SCHERER, 2019, s.p.).

A partir dessas três dimensões que não encerram as discussões em torno do processo de in/exclusão, mas certamente evidenciam sua complexidade, conclui-se esse capítulo destacando que a presença ou a ausência dos sujeitos no contexto educacional dependerá dos entendimentos que os profi ssionais envolvidos têm e querem buscar (re)construí-los. Dependerá também do olhar desse profi ssional para o sujeito e seus processos de aprendizagem a partir da dimensão pedagógico, a qual considera as demais para ampliar a sua visão, não destituindo-se da sua. E, por fi m, a proposta em rede não menos importante a dimensão planejada e construída em rede, de forma coletiva e compartilhada, considerando as individualidades, mas perder de vista a função atribuída aos contextos educacionais.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕESEncerra-se o texto, mas não é possível concluir as ideias. Quando pensamos

na inclusão, dessa forma em que foi abordada nesse capítulo, e em todo o livro, considera-se o processo de in/exclusão. Compreender como processo exigirá esse movimento constante de perguntar, questionar, investigar, desconfi ar, problematizar as instituições, as práticas e os sujeitos envolvidos.

Dessa forma, a organização, o planejamento, a avaliação dessas práticas nunca estarão prontos e acabados, serão constantemente ressignifi cadas. Esse é o convite que pode ser realizado ao fi nal desse livro: Que todos que

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estão envolvidos com práticas de in/exclusão, possam sentir-se desafi ados a pensar desse modo. Com certeza, os profi ssionais/pesquisadores participantes desse capítulo, se sentirão felizes em ter contribuído na construção desse livro, especialmente nesse capítulo.

A Eliana Menezes, Felipe Mianes, Rosana Cabral, Deise Enzweiler, Renata Scherer, nosso agradecimento especial. Com certeza, cada um de vocês, a seu modo, mencionou algo importante a ser considerado no trabalho realizado com os sujeitos com defi ciência ou com questões que os colocam na condição de “alunos de inclusão” nos contextos educacionais. Falam de lugares distintos, mas que se aproximam em termos de perspectiva, na forma de compreensão convergente a considerar as dimensões sociais e culturais, para além das biológicas, internas psíquicas dos sujeitos. Não se posicionam apenas pela militância em cada uma dessas áreas, ainda que fundamentalmente importante. Argumentam a partir de seus estudos e pesquisas que os levam a esse constante repensar suas práticas e também os seus próprios argumentos.

Encerra-se, portanto, esse livro, agradecendo também ao leitor pela leitura atenta e criteriosa que busca dialogar com a autora. Que possamos continuar essa conversa em outros espaços e que continuemos pensando sobre esse processo de in/exclusão.

1 Disserte sobre como identifi car determinado tipo de defi ciência ou síndrome no sujeito que se encontra “incluído” no contexto educacional, mas não apresenta um diagnóstico?

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Capítulo 3

2 O que é preciso para construir uma prática pedagógica com alunos com defi ciência, síndrome ou difi culdade de aprendizagem?

R.:__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3 Por que a nota técnica relativizou a exigência do laudo dos alunos com defi ciência não mais considerando necessário apresentar para que o sujeito seja atendido no AEE?

R.:__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4 Destaque o que você aprendeu de modo mais signifi cativo com esse conjunto de entrevistas.

R.:____________________________________________________

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5 Qual a importância do profi ssional do AEE no contexto educacional?

R.:__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

6 Descreva como você abordaria o conceito de inclusão, quando solicitado a realizar algum tipo de formação continuada com professores numa escola a respeito de possibilidade de construir uma proposta pedagógica inclusiva.

R.:______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Capítulo 3

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Capítulo 3

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