Efeito de Real e Jornalismo Imagem - Dalmonte

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41 Porto Alegre n o 20 dezembro 2008 Famecos/PUCRS significados do discurso EFEITO DE REAL E JORNALISMO: IMAGEM, TÉCNICA E PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO Edson Fernando Dalmonte* Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Discute o objetivo do jornalismo de apresentar o real. Estabelece um diálogo com as tradições que refletem sobre as estratégias empregadas na cons- trução de textos para que eles possam se aproximar do real, buscando representar/demonstrar o real. Dentre os elementos que dão subsídio ao efeito de real são apontados a fotografia e vídeos que, no caso do Webjornalismo, podem ancorar o fato no real, como no caso dos vídeos enviados pelos internautas, que funcionam como “testemunha ocular”. Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Jornalismo - Teorias da comunicação - Semiótica It discusses the aim of the journalism to present the real. It establishes a dialogue with traditions that reflect about strategies to construct texts to put then near to the real, trying to represent/show the real. Among things that give base to produce the effect of real are presented photography and videos that in Webjournalism can anchor the fact on real, like videos send by Internet users, that works as “eyewitness”. Key Words Key Words Key Words Key Words Key Words A apresentação do real é a condição necessária que justifica a existência do jornalismo. É importante ressaltar que tem havido divergência quanto a essa capacidade, ora vista como absoluta 1 , ora com parcimônia, uma vez que todo relato constitui uma versão dos fatos. O uso da fotografia, por exemplo, despontou como importante ferramenta para a construção de efeitos de sentido de real, o que é conseguido pela plasticidade fotográfica e seu caráter de testemunho imagético. É interessante ressaltar, ainda, que a fotografia pode ser vista como fazendo parte de um duplo movimento: por um lado, entendida como um regime de significação; de outro, a fotografia tal como apropriada pelo discurso jornalístico. Numa perspectiva histórica, a fotografia tem se apresentado como capaz de se aproximar do real, pois concilia natureza e cultura, presença e ausência; é capaz de marcar tanto a continuidade quanto a descontinuidade. A fotografia tem a capacidade de repetir aquilo que jamais irá se reproduzir, fazendo o objeto desaparecer (FLOCH, 1986, p.14). De maneira dicotômica, a fotografia pode ser tanto vista como auxiliar das ciências e das artes como uma arte em si mesma. Essa polarização quanto aos usos da fotografia permite que se pense acerca do hiato entre aquilo que se chama “realidade” e suas representações, ou melhor, as possibilidades de representação do real 2 . Para Floch (1986, p.16), quando a fotografia assume um caráter testemunhal, ela é investida de valores práticos, sendo vista como documento, prova e lembrança; na perspectiva das artes, é investida de valores utópicos 3 , representando a beleza e as buscas a ela associadas. Aqui, na tentativa de lançar vários olhares sobre os processos de construção de efeito de sentido de real e de como ele é agregado ao discurso jornalístico, duas tradições semióticas são apresentadas. De um lado Floch, que toma a vertente do pensamento greimasiano, advindo, por sua vez, das contribuições de Saussure. A ênfase aí está nos processos de significação e de leitura, como proposto por Saussure pela dicotomia entre língua (fato social) e fala (ato individual) (DUBOIS, 1997, p.261). Numa outra corrente estão os estudos a partir da chamada “tríade sígnica” ou os três modos de funcionamento do signo em relação ao objeto ou referente. Estes, nomeados por Peirce Journalism - Communication theory - Semiotic Abstract Abstract Abstract Abstract Abstract

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41Porto Alegre no 20 dezembro 2008 Famecos/PUCRS

significados do discurso

EFEITO DE REAL E JORNALISMO: IMAGEM,TÉCNICA E PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO

Edson Fernando Dalmonte*

R e s u m oR e s u m oR e s u m oR e s u m oR e s u m o

Discute o objetivo do jornalismo de apresentar oreal. Estabelece um diálogo com as tradições querefletem sobre as estratégias empregadas na cons-trução de textos para que eles possam se aproximardo real, buscando representar/demonstrar o real.Dentre os elementos que dão subsídio ao efeito dereal são apontados a fotografia e vídeos que, no casodo Webjornalismo, podem ancorar o fato no real, comono caso dos vídeos enviados pelos internautas, quefuncionam como “testemunha ocular”.

P a l a v r a s - c h a v eP a l a v r a s - c h a v eP a l a v r a s - c h a v eP a l a v r a s - c h a v eP a l a v r a s - c h a v eJornalismo - Teorias da comunicação - Semiótica

It discusses the aim of the journalism to present thereal. It establishes a dialogue with traditions thatreflect about strategies to construct texts to put thennear to the real, trying to represent/show the real.Among things that give base to produce the effect ofreal are presented photography and videos that inWebjournalism can anchor the fact on real, like videossend by Internet users, that works as “eyewitness”.

Key WordsKey WordsKey WordsKey WordsKey Words

A apresentação do real é a condição necessáriaque justifica a existência do jornalismo. Éimportante ressaltar que tem havido divergênciaquanto a essa capacidade, ora vista comoabsoluta1, ora com parcimônia, uma vez que todorelato constitui uma versão dos fatos. O uso dafotografia, por exemplo, despontou comoimportante ferramenta para a construção de efeitosde sentido de real, o que é conseguido pelaplasticidade fotográfica e seu caráter detestemunho imagético. É interessante ressaltar,ainda, que a fotografia pode ser vista como fazendoparte de um duplo movimento: por um lado,entendida como um regime de significação; deoutro, a fotografia tal como apropriada pelodiscurso jornalístico.

Numa perspectiva histórica, a fotografiatem se apresentado como capaz de se aproximardo real, pois concilia natureza e cultura, presençae ausência; é capaz de marcar tanto a continuidadequanto a descontinuidade. A fotografia tem acapacidade de repetir aquilo que jamais irá sereproduzir, fazendo o objeto desaparecer (FLOCH,1986, p.14).

De maneira dicotômica, a fotografia podeser tanto vista como auxiliar das ciências e das

artes como uma arte em si mesma. Essapolarização quanto aos usos da fotografia permiteque se pense acerca do hiato entre aquilo que sechama “realidade” e suas representações, oumelhor, as possibilidades de representação do real2.Para Floch (1986, p.16), quando a fotografiaassume um caráter testemunhal, ela é investida devalores práticos, sendo vista como documento,prova e lembrança; na perspectiva das artes, éinvestida de valores utópicos3, representando abeleza e as buscas a ela associadas.

Aqui, na tentativa de lançar vários olharessobre os processos de construção de efeito desentido de real e de como ele é agregado ao discursojornalístico, duas tradições semióticas sãoapresentadas. De um lado Floch, que toma avertente do pensamento greimasiano, advindo, porsua vez, das contribuições de Saussure. A ênfaseaí está nos processos de significação e de leitura,como proposto por Saussure pela dicotomia entrelíngua (fato social) e fala (ato individual) (DUBOIS,1997, p.261).

Numa outra corrente estão os estudos apartir da chamada “tríade sígnica” ou os trêsmodos de funcionamento do signo em relação aoobjeto ou referente. Estes, nomeados por Peirce

Journalism - Communication theory - Semiotic

A b s t r a c tA b s t r a c tA b s t r a c tA b s t r a c tA b s t r a c t

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como ícone, índice e símbolo colaboramsobremaneira para o entendimento das categoriasde representação do real. O índice diz respeito aum mecanismo de indicação, mantendo com oelemento representado uma relação deproximidade. Dessa forma, fumaça é arepresentação indicial do fogo; não há, portanto,semelhança nem convenção com o representado(DUBOIS, 1997, p.338). O símbolo representauma relação numa determinada cultura, resultandode uma convenção, como a balança que simbolizaa justiça (DUBOIS, 1997, p.549).

Dentre as formas de representação, a quemais parece se aproximar do real é o ícone, poisestabelece uma relação com seu objeto, pautadapela semelhança, ainda que não seja umareprodução ponto por ponto. Já não há limite deseparação entre o signo e seu objeto, visto que,em função da semelhança, os limites são borradose eles se misturam. Como diz Santaella (2000,p.115), “num lapso de tempo, o sentimento ésentido como se fosse o próprio objeto”.

É nesse sentido que a iconicidade é vistacomo o resultado da produção de um efeito desentido do “real”. A iconicidade é a representaçãopretensamente direta do objeto em questão e que,por esta passagem direta, sem uma mediação queafasta o signo de sua representação, pode-se dizerque ela seja a simulação do real. “É no interior deuma cultura, no quadro de uma economia deatitudes em relação a diferentes sistemas deexpressão e de significação, que pode secompreender a iconicidade” (FLOCH, 1986, p.28,trad. nossa).

Para Floch (1986, p.31), nos caminhosda semiótica, interessa mais a iconização, emdetrimento da iconicidade. A iconização tem porbase os procedimentos de fazer parecer “real”,tendo na relação enunciativa uma forma particularde contrato fiduciário, fazendo que o enunciatáriojulgue ser a “realidade” o elemento enunciado.

Dessa feita, são vários os efeitos de sentidopossíveis: de realidade, de surrealidade, deirrealidade, de hiper-realidade etc. Ao jornalismo,torna-se basilar a busca de efeito de sentido derealidade.

Num artigo seminal, intitulado “O efeitode real”, Barthes (1984, p.131) discute a inclusãode elementos na narrativa que façam parecer ousimular o real. Para ele, de maneira paradigmática,podem ser observadas duas obras: num texto deFlaubert aparece um barômetro; numa descriçãohistórica de Michelet, aparece uma delicada porta4.Barthes chama a atenção para o fato de que, nalógica de uma análise estrutural, os referidoselementos podem parecer estranhos, visto nãoapresentarem uma relação direta com a seqüênciados acontecimentos, podendo parecer até mesmosupérfluos ou soltos.

Qual seria, então, a função dos elementosapontados pelo autor em cada uma das narrativas?Por meio da inclusão de objetos aparentementeestranhos, dissonantes, visto não serem da ordemdo previsível, confere-se um tom de realismo aostextos, ou maior realidade, no caso do textohistórico. A representação direta do relato, ou oreal tal como acontecido, aparece como umaresistência ao sentido ou à possibilidade de gerarvários sentidos, devendo indicar o vivido. ParaBarthes (1984, p.135), é

como se, por uma exclusão de direito, aquiloque vive não pudesse significar – ereciprocamente. A resistência do “real” [...]à estrutura é muito limitada na narrativafictícia, construída, por definição, de acordocom um modelo que, nas suas grandeslinhas, não conhece outras exigências paraalém das do inteligível; mas esse mesmo“real” torna-se a referência essencial danarrativa histórica, que supostamente relata“aquilo que aconteceu realmente”: que nosimporta então a infuncionalidade de umpormenor, a partir do momento em que eledenote “aquilo que aconteceu”?

Dentre as posições ocupadas pelafotografia, segundo Floch (1986, p.20-24),destacam-se a referencial, a oblíqua, a mítica e asubstancial. Para as reflexões ora propostas,torna-se mais relevante situar a fotografia

referencial, por ser vista como resultado de umatécnica que busca dar fala ao mundo, oferecendoao leitor uma posição testemunhal. A fotografia é

O relato jornalístico, quanto mais

tenta se aproximar do real, simula

este real, na medida em que é capaz

de oferecer as provas do real

retratado.

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entendida como mediadora entre o público e outrasrealidades.

Para Barthes (1984, p.153), dentre oselementos que podem “autenticar” o real de formaobjetiva está a fotografia, pois ela pode apresentarum testemunho “bruto”, da mesma forma, areportagem5, a exposição de objetos antigos etc.O que se afirma, por meio desses exemplos, emúltima instância, é que o real se basta a si mesmo.Os elementos enunciam a sua própria história,sendo suficiente o ter-estado-ali das coisas.

O ter-estado ou a idéia de ter-estadotambém pode ser conseguido pela funçãoreferencial, que se refere à mensagem centradano contexto (DUBOIS, 1997, p.513). A relaçãodireta com o real é construída pela semiose pois,como lembra Compagnon (2001, p.109), oreferente não é um dado preexistente, mas umproduto dos processos de significação/da semiose.

Estamos perante aquilo a que se poderiachamar a ilusão referencial. A verdade destailusão é a seguinte: suprimido da enunciaçãorealista a título de significado de denotação;com efeito, no preciso momento em queestes pormenores parecem notardirectamente o real, eles não fazem mais,sem o dizerem, do que significá-lo; obarômetro de Flaubert, a portinha deMichelet não dizem afinal de conta senãoisto: nós somos o real; é a categoria do real

[...] que é então significada; em outraspalavras, a própria carência do significado,em proveito exclusivo do referente, torna-se o próprio significante do realismo:produz-se um efeito de real, fundamentodesse verossímil inconfessado que forma aestética de todas as obras correntes damodernidade (BARTHES, 1984, p.136,grifo do autor).

Sobre esta relação, diz Compagnon(2001, p.118):

A ilusão referencial, dissimulando aconvenção e o arbitrário, é a ainda umcaso de naturalização do signo. Pois oreferente não tem realidade, ele éproduzido pela linguagem e não dadoantes da linguagem etc. [...] O signo seapaga diante (ou atrás) do referente paracriar o efeito de real: a ilusão da presençado objeto.

A ilusão referencial, ou a simulação deancoragem no real, possibilita envolver o fatonarrado numa aura de realidade, assegurada peloselementos que indicam a ligação entre aquilo queé relatado e sua configuração, na forma denarrativa. Como resultado, tem-se a ilusão de estardiante do real ou a ilusão da presença do objeto/questão reportada.

No caminho das simulações, o efeito dereal também pode ser estimulado pela iconização,visto ser esta a capacidade de representação diretado signo. À narrativa jornalística compete a buscade uma representação clara daquilo que éreportado, permitindo que o fato apresentadoesteja o mais próximo possível do real. Por vezes,a noção de realidade está intrinsecamente associadaao universo midiático, em que, numescalonamento da mídia quanto à apresentação doreal, a televisão tem supremacia, por exemplo,sobre o impresso, pela exibição de imagens. Apartir do senso comum, é freqüente se ouvir: “sim,é verdade, eu vi na TV”.

O relato jornalístico, quanto mais tenta seaproximar do real, simula este real, na medida emque é capaz de oferecer as provas do real retratado.Além do testemunho de quem relata, a fotografiapermitiu avanços nesta seara. Da mesma forma, atelevisão, pela oferta de imagens, mostra o realcom maior detalhamento. Numa perspectiva deconvergência midiática, tanto a ilusão referencialquanto a inconização despontam comocaracterísticas determinantes de novas narrativas.

SIMULAÇÃO DE CONTATO – SIMULAÇÃO DO ATUAL

Sobre o discurso jornalístico, quanto a suaorganização no intuito de promover um efeito dereal, é importante notar os vários estratagemas,

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para que ele não apenas represente o real, masesteja ancorado de fato no real. Como exemplo, orecurso das aspas, chamado citação direta, queconfere ao texto o sentido de discurso direto,recurso usado para provocar efeito de sentido dereal, de reprodução da fala tal como se deu “noreal”. Se a referida fonte disse exatamente aquilo,naquela ordem e naquele contexto, já não interessa,“nada mais importa, pois a ilusão da realidade foiconseguida” (BARROS, 1990, p.59-60).

Outro recurso importante apontado pelasemiótica de extração greimasiana é a ancoragem.“Trata-se de atar o discurso a pessoas, espaços edatas que o receptor reconhece como ‘reais’ ou‘existentes’, pelo procedimento semântico deconcretizar cada vez mais os atores, os espaços eo tempo do discurso, preenchendo-os com traçossensoriais que os ‘iconizam’, os fazem ‘cópias darealidade’”6 (BARROS, 1990, p.60). Por meiodesse recurso, o discurso não apresenta apenasuma narrativa, mas oferece ao leitor elementosessenciais para situar o lugar onde se desenvolvea história, a temporalidade e marcações queasseveram a existência dos partícipes. O discursotem uma procedência comprovada e esseselementos passam a compor o cenário do discurso.

Com o advento do Webjornalismo surgeo desafio de se pensar quais são os novos critériosde noticiabilidade que, por um lado, passam amarcar o modus operandi dessa esfera; por outro,reconfiguram as concepções acerca do efeito desentido propostas pelas especificidades dessanarrativa jornalística. Tanto os dispositivos deenunciação como os constrangimentos discursivosoperacionalizam uma nova discursividade, tendopor referência as expectativas quanto àspotencialidades da narrativa via Web. Dentre taisdesdobramentos, um novo valor-notícia estáassociado ao tempo, mais precisamente à noçãode tempo real.

Para Franciscato (2004, p.27), com baseem Meditsch (2001), pode-se falar em duas noçõesde tempo real. Num primeiro momento, restrito àmodalidade de produção e veiculação de programasque, por vezes, simulam a idéia de transmissão aovivo.

A outra noção de tempo real se situa nadinâmica de produção de conteúdos emfluxo contínuo, particularmente nomovimento de alimentação constante denotícias e sua fragmentação pelaprogramação diária (às vezes nas 24 horas

do dia), seja em rádio, televisão ou Internet.Esta segunda perspectiva induz o leitor apensar que, se a disponibilização é contínua,a produção contínua também, o quesignificaria mais pessoas produzindo maisconteúdos decorrentes de um envolvimentodireto com mais situações, eventos ou temas– seqüência indutiva que tende a não secomprovada na averiguação de experiênciaspráticas (FRANCISCATO, 2004, p.27-28).

O mais relevante, na perspectiva dosefeitos de sentido, é a expectativa quanto aoselementos que podem ser empregados para conferira noção de realidade. O que importa, na verdade,é a criação de uma ilusão do real, ou o efeito desentido produzido. Como lembra Franciscato(2004, p.30), “na verdade, o ‘ao vivo’ não é apenasuma tecnologia de transmissão, mas igualmenteuma nova estratégia de sentido ou modo deinteração, em que evento, jornalista e público agemem simultaneidade”. Vale ressaltar, contudo, queos interlocutores continuam em posiçõesassimétricas, mas a idéia de partilha das estratégiascontribui para o estabelecimento de um outro efeitode sentido, no qual a realidade é “montada” emparceria entre jornalista e público.

Essa nova forma de usar o tempo presente,o atual, a atualidade, a atualização, reflete oemprego das tecnologias para a reorganização deum discurso. Técnica similar pode ser observadana organização discursiva do jornalismo impresso,como no caso dos títulos, que usam os verbos notempo presente, mesmo em se tratando deassuntos que ocorreram numa outratemporalidade.

A noção de presente proposta pelojornalismo passa a ser operacionalizada pelosentido de instantaneidade, o que reflete o desejode ausência de um lapso de tempo entre aocorrência de um fato, sua coleta, transmissão erecepção. Tem-se, daí, que a velocidade e aaceleração apresentam-se como variáveistemporais decorrentes de novas concepçõestécnicas, especialmente no jornalismo(FRANCISCATO, 2005, p.114).

Pensar a organização das novas mídiaspode resultar num exercício de constanteadequação conceitual, para tentar abarcar umasituação que não é estanque, e que, ao movimentar-se, requer ajustes para ser plenamentecompreendida. Na tentativa de definir o que é umanova mídia, podemos optar pelo entendimento de

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uma mídia como artefato cultural, surgindo comopossibilidade imaginativa e de operacionalidadetecnológica (MANOVICH, 2005).

Seguindo essa perspectiva, uma novamídia é aquela que abre novos caminhos estéticose permite criar estratégias de produção, circulaçãoe recepção de sentido, mas que também podedialogar com as que a precederam. Essapossibilidade de conjugação midiática é o que temsido experimentado pela prática de jornalismo naInternet que, pelo processo de digitalização dainformação, vem se descolando de práticas maiscompartimentalizadas, como a do impresso, dorádio e da televisão, para ambientes em que há odiálogo entre essas práticas.

A mídia se coloca numa posição de relatarfatos e, por meio de artifícios, cria, junto ao leitor,o sentimento de proximidade com a instância deprodução, por meio daquilo que é relatado e pelaforma como se estabelece o relato. As dimensõestempo e espaço (CHARAUDEAU, 1994, p.11)colaboram decisivamente para lastrear o leitor e ofato narrado, ancorado num quadro depertencimento ao real.

O processo de enunciação não é estáticona estrutura midiática, mas é potencializado pelasinovações tecnológicas, que disponibilizam outraspossibilidades a esse fazer. Numa ação em que seobserva a convergência colaborativa entreinstâncias midiáticas, como é o caso do jornalimpresso que remete ao portal7, o leitor podeencontrar elementos paratextuais8 quecomplementam a notícia. Dessa forma, sãodisponibilizados ao leitor o fato jornalístico e oprocesso de feitura da notícia.

Cada inovaçãotecnológica traz um discursosegundo o qual é possívelrepresentar a realidade de ummodo inovador9. “Argumenta-se,tradicionalmente, que as novasrepresentações são radicalmentediferentes daquelas possibilitadaspelas antigas tecnologias; que asatuais são superiores; que elaspermitem um acesso direto àrealidade” (MANOVICH, 2004,trad. nossa). Dessa forma, todainovação tecnológica na área dacomunicação faz surgir umdiscurso sobre a representaçãosocial da realidade. Os pontosprincipais dizem respeito à

capacidade de inovar quanto a essa representação.Uma nova tecnologia é um avanço a partir

do momento que se afasta de sua precedente noquesito possibilidade de acesso a uma realidade,como é o caso da fotografia, que inova, desdesuas origens aos dias atuais10, indo darepresentação estática da realidade, segundo aetimologia (escrita por meio da luz), a uma realidadeque pode ser esquadrinhada com um detalhamentocada vez maior. A fotografia digital pode nos levara pensar numa representação que conduz a umembate entre o realismo e o pós-realismo, vistoque a digitalização permite o tratamento da imagem(ajustando cores, contrastes, ângulos etc.), o queoscila entre o aprofundamento em uma realidade,permitido pelo aprimoramento tecnológico, e asuperação ou descolamento entre a realidade e suarepresentação.

Em vez de conceber as modernastecnologias sob o ponto de vista de representaçãoda realidade, numa evolução linear, Manovich(2004) assegura que é preferível pensar nasdistintas possibilidades estéticas de representaçãodo real. As inovações tecnológicas não apenasconduzem a inovações quanto a essas formas derepresentação, mas também ativam determinadosimpulsos estéticos presentes já num passadotecnológico e que eram limitados pela capacidadetécnica.

Para ilustrar as novas possibilidades derepresentação do real, o autor compara dois modosde produção cinematográfica que se constituemem dois tipos de representação estética: umcentrado no filme como seqüência de efeitosespeciais, pressupondo um estágio de pós-

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produção; outro, centrado na autenticidade eimediaticidade, em detrimento do uso de efeitosespeciais, o que é possibilitado, por exemplo, pelouso de equipamentos DV (Vídeo Digital)11.

A arte e a mídia modernas operamrepresentando amostras da realidade, ou seja,fragmentos da experiência humana. Sob aperspectiva digital de registro e arquivo, acapacidade de representação pode ser expandida,em detrimento da mera reprodução dessesfragmentos. Para Manovich (2004, trad. nossa),“isso se refere à granularidade do tempo,granularidade da experiência humana, e tambémàquilo que pode ser chamado ‘granularidade social’(isto é, o indivíduo representado em sua relaçãocom os outros)”.

Nesse sentido, o Webjornalismo, pelo usodos recursos da Web, permite um discurso quese aproxima mais do real, visto que pode mostrarpedaços de realidade, sem um corte temporal tãogrande entre o acontecimento e sua divulgação,bem como o uso de imagens, áudio, vídeo de quemtestemunhou o ocorrido. Da mesma forma, oponto de vista, ou o depoimento de quempresenciou o ocorrido, ou mesmo de quem queropinar, pode ser agregado àquele discurso,conferindo um maior sentido de realidade ao fato.

Se a novidade e o atual estão no cernedos critérios de noticiabilidade, no Webjornalismoesses são os valores fundamentais, no que dizrespeito aos desejos operacionalizados pelasinovações tecnológicas. A idéia de notícia em fluxocontínuo é portadora de expectativas basilares paraa consolidação do efeito de sentido específicodessa modalidade discursiva na Web. O efeito desentido de real despertado pelo Webjornalismo,por sua vez, atua decisivamente para que o leitorentre no processo comunicacional, pois a mídia évista como sendo capaz de colocá-lo em contato

com os fatos; mais do que um mero espectador,ele acredita poder interagir com a realidade. Amudança é causada por essa noção detemporalidade simultânea, criadora da expectativade situar o leitor no desenvolvimento de fato.

A questão daí decorrente é que a relaçãodo indivíduo com a informação midiática,disponibilizada num ambiente interativo como aInternet, pode tomar um outro rumo. Ao acessara notícia, a idéia de estar diante do real pode serfortalecida, visto que há possibilidades não apenasde ver e ler, mas de participar do desdobramentoe da apresentação dos fatos. Embora o destinatárionem sempre esteja sobre a cena onde se desenrolamos fatos, há vários recursos que podem produzirum simulacro de contato, assegurando o sentidode real, fator decisivo para a adesão do indivíduoao processo comunicacional. Como sugereBarthes (2004, p.23), a literatura é realista à medidaque ela assume o real como objeto de desejo. Damesma forma, o discurso jornalístico assume taldesejo e, no interior desse campo, as mudançassão observadas apenas na maneira de representar/demonstrar o real, em decorrência daspossibilidades tecnológicas.

* Doutor em comunicação e cultura – Facom/UFBA; Co-ordenador do curso de Jornalismo da Faculdade Social,professor de Teorias da Comunicação. Pesquisador doCepad – Centro de Estudos e Pesquisa em Análise do Dis-curso, Facom/UFBA. [email protected]

1 Embora não se possa falar de maneira simplória destanecessidade que o jornalismo tem de falar a partir do real,algumas concepções reducionistas tentaram limitar a práxisjornalística ao que Traquina (2004, p.146-149) chama de“Teoria do espelho”, numa alusão ao desejo de que o jorna-lismo apresente, por meio de seus relatos, apenas aquiloque é observado, sem a menor interferência do repórter,que deve anular totalmente a sua subjetividade, atingindo atotal imparcialidade.

2 Para Barthes (2004, p. 22), considerando-se a literatura, oreal não pode ser representável; ele é apenas demonstrável.

3 Para Floch (1986, p.16), o espaço no qual o herói realizasua performance é nomeado pelos semioticistas como utó-pico.

4 “Quando Flaubert, ao descrever a sala onde se encontravaa Sr.a Aubain, a patroa de Felicite, nos diz que ‘um velhopiano suportava, sob um barômetro, um monte piramidalde madeira e de cartão’, quando Michelet, ao contar a mor-te de Charlotte Corday, e relatando que na prisão, antes dachegada do carrasco, ela recebeu a visita de um pintor quefez o seu retrato, precisa que ‘ao fim de hora e meia, bate-

Ao acessar a notícia, a idéia de estar

diante do real pode ser fortalecida,

visto que há possibilidades não

apenas de ver e ler, mas de participar

do desdobramento e da apresentação

dos fatos. NOTAS

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ram delicadamente a uma pequena porta por detrás dela“(BARTHES, 1984, p.131).

5 Que num sentido etimológico significa aquilo que foi re-portado, transportado, de um lugar a outro. Ou seja, umareportagem é uma história que foi transferida de um lugar aoutro. Podem ser observadas, na língua francesa, as pala-vras reportage (reportagem) e reporter (reportar) (LEROBERT, 1993, p.1106-1107).

6 De maneira contrária, o mesmo ocorre com o discursofantástico ou com os contos de fada, que por meio derecursos como “era uma vez”, ativam no destinatário aidéia de que aquela é uma narrativa na qual tudo é possível,fantasiosa (ECO, 1994, p.15). O leitor em questão podeser tanto uma criança quanto um adulto que se deixe condu-zir por uma história certamente fantasiosa. Ao sinalizarque uma história fantasiosa está prestes a começar, o autorseleciona seu público, que estará apto a caminhar peloscaminhos propostos. Daí que ninguém questiona o nívelimaginativo e fantasioso que certamente se fará presenteem um enredo que se inicia referindo-se a um passado vagoe impreciso – Era uma vez...

8 O conceito de paratexto (GENETTE,1987) engloba umasérie de indicadores que colaboram para a aceitação de umaobra. Esses elementos são os comentários de outros auto-res, registro, editora etc.

9 O que Manovich (2005, p.37) define como “troposideológicos”.

10 Santaella e Nöth (1999, p.157-186) apontam trêsparadigmas que marcam o processo evolutivo da produçãode imagens: o paradigma pré-fotográfico, representado pe-las imagens elaboradas artesanalmente, como a pintura; oparadigma fotográfico, que é a captação de elementos domundo visível e o paradigma pós-fotográfico, caracteriza-do por imagens sintéticas ou infográficas.

11 “Tanto na década de 1960, quanto na de 1990, os cientis-tas usaram tecnologias recém-disponibilidadas (novasfilmadoras portáteis, mais leves na década de 1960, e câmerasDV [Vídeo Digital], na década de 1990) para promover umestilo cinemático mais ‘imediato’ e ‘direto’. Na década de1960, esse movimento foi chamado cinéma vérité; na déca-da de 1990 foi primeiramente associado aos filmes do Dogma95 [...]. Na época, como agora, a retórica dos cineastas erade uma revolta contra as convenções do cinema tradicional,consideradas muito artificiais. Em contraste, esses cineas-tas defendiam suas novas capacidades de ‘capturar a reali-dade enquanto ela se revela’ e ‘entrar’ nas ações“ (

MANOVICH, 2005, p.38).

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REFERÊNCIAS