EFEITOS ESTRUTURAIS DA DETERIORAÇÃO EM ESTRUTURAS DE...

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Encontro Nacional Betão Estrutural 2004 1 EFEITOS ESTRUTURAIS DA DETERIORAÇÃO EM ESTRUTURAS DE BETÃO ARMADO J. APPLETON Prof. Catedrático IST / ICIST Lisboa A. COSTA Prof. Auxiliar IST / ICIST Lisboa P. FRANÇA Assistente IST / ICIST Lisboa SUMÁRIO O presente trabalho analisa os efeitos estruturais da corrosão de armaduras na capacidade de carga e no comportamento das estuturas de betão armado. Tais efeitos envolvem a perda de secção do aço, a delaminação e fendilhação do betão e a redução ou perda de aderência aço- betão. Para as armaduras pré-esforçadas a corrosão pode ainda originar a rotura sob tensão associada a uma pequena perda de secção do aço. 1. INTRODUÇÃO Os efeitos da corrosão das armaduras podem traduzir-se numa redução significativa da capacidade de carga nas estruturas ou mesmo no seu colapso (1). Assim na avaliação do estado de estruturas deterioradas este aspecto tem de ser devidamente considerado. 2. EFEITOS PRIMÁRIOS DA CORROSÃO DAS ARMADURAS A corrosão de armaduras é um processo electroquímico de que resultam óxidos e hidróxidos de ferro os quais, originam um aumento de volume à superfície dos varões o qual, sendo impedido pelo betão envolvente das armaduras, dá origem à ocorrência da forças expansivas muito importantes que geram tracções no betão e podem produzir a sua fendilhação ou delaminação, figura 1. A velocidade de corrosão I corr das armaduras varia ao longo do ano em resultado da variação da temperatura e humidade ao nível das armaduras.

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Encontro Nacional Betão Estrutural 2004 1

EFEITOS ESTRUTURAIS DA DETERIORAÇÃO EM ESTRUTURAS DE BETÃO ARMADO

J. APPLETON Prof. Catedrático IST / ICIST Lisboa

A. COSTA Prof. Auxiliar IST / ICIST Lisboa

P. FRANÇA Assistente IST / ICIST Lisboa

SUMÁRIO O presente trabalho analisa os efeitos estruturais da corrosão de armaduras na capacidade de carga e no comportamento das estuturas de betão armado. Tais efeitos envolvem a perda de secção do aço, a delaminação e fendilhação do betão e a redução ou perda de aderência aço-betão. Para as armaduras pré-esforçadas a corrosão pode ainda originar a rotura sob tensão associada a uma pequena perda de secção do aço. 1. INTRODUÇÃO Os efeitos da corrosão das armaduras podem traduzir-se numa redução significativa da capacidade de carga nas estruturas ou mesmo no seu colapso (1). Assim na avaliação do estado de estruturas deterioradas este aspecto tem de ser devidamente considerado. 2. EFEITOS PRIMÁRIOS DA CORROSÃO DAS ARMADURAS A corrosão de armaduras é um processo electroquímico de que resultam óxidos e hidróxidos de ferro os quais, originam um aumento de volume à superfície dos varões o qual, sendo impedido pelo betão envolvente das armaduras, dá origem à ocorrência da forças expansivas muito importantes que geram tracções no betão e podem produzir a sua fendilhação ou delaminação, figura 1. A velocidade de corrosão Icorr das armaduras varia ao longo do ano em resultado da variação da temperatura e humidade ao nível das armaduras.

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Figura 1: Fendilhação e delaminação em arestas de pilares e de vigas devida a corrosão de armaduras

É possível monitorizar este parâmetro e tendo em conta a sua variação ao longo do tempo (é em geral medida em µA/cm2, e desse valor obtêm-se a perda de secção em µm/ano, sabendo que 1µA/cm2 corresponde a 11.6 µm/ano) é possível estimar a correspondente perda de secção que, em média, pode ser definido por: φ = φ0 – 0.023 Icorr .t (1) Verifica-se que quando o processo de corrosão está associado à despassivação das armaduras pela carbonatação do betão, a velocidade de corrosão é muito inferior à que se verifica quando a despassivação se verificou pela acção dos cloretos. No primeiro caso são referenciadas velocidades de corrosão de 0.1 a 10 µm/ano e no segundo caso valores de 1 a 500 µm/ano, dependendo de numerosos parâmetros. Para a acção dos cloretos observa-se frequentemente a concentração da corrosão (figura 2) enquanto que para a acção da carbonatação a corrosão é em geral mais uniforme. Essa perda de secção associada à produção dos óxidos e hidróxidos de ferro devidos à corrosão do aço origina forças internas importantes. Diversos estudos mostram que uma pequena perda de secção pode originar forças capazes de fendilhar o betão. Perdas de diâmetro de 1% a 10%, dependente do diâmetro, espaçamento das armaduras, recobrimento e porosidade do betão, podem originar a sua fendilhação.

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Figura 2: Varões com fortes perdas de secção devido à corrosão de aço associada à acção dos

cloretos existentes na água do mar. Na figura 3 apresentam-se resultados de um estudo simplificado em que se simulou o efeito da corrosão das armaduras através de um aumento da temperatura do aço.

Malha de elementos finitos 2T1, h = 150mm, φ12af. 100, c = 10mm

Figura 3: Efeito do aumento de volume das armaduras na fendilhação do betão

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Nesse estudo analizou-se o efeito da distância entre armaduras e do seu recobrimento no padrão de fendilhação do betão. Para além da fendilhação do betão verifica-se uma perda significativa de aderência aço/betão. Frequentemente a corrosão ocorre essencialmente na zona mais exterior da armadura, podendo mesmo a zona interior funcionar como cátodo no processo de corrosão. Na zona onde ocorre a corrosão, os óxidos e hidróxidos de ferro vão, numa situação avançada de corrosão, constituir uma película que tem fraca capacidade de resistência, reduzindo, assim, a aderência aço betão. Ora esta redução de aderência pode em muitos casos ser de primodial importância tanto mais que corresponde a uma perda percentual de resistência muito mais importante (50 a 100%) do que a correspondente perda de secção do aço (10 a 20%). Há ainda a referir que se verificou experimentalmente que a corrosão produz também uma perda de ductilidade no aço (redução da extensão na rotura). 3. EFEITOS ESTRUTURAIS DE DETERIORAÇÃO EM LAJES No que se refere à resistência de flexão a redução da resistência M',Rd (A',s, A',c) está associada à redução da secção do aço quando a corrosão se dá na zona traccionada ou à redução da altura útil quando a corrosão ocorre na zona comprimida conforme ilustrado na figura 4.

As As

ddm mm

Figura 4: Efeitos da corrosão da armadura na redução da resistência à flexão em lajes.

No que se refere ao esforço transverso a redução da resistência pode ser significativa se a corrosão afectar a aderência das armaduras longitudinais na zona de amarração ou reduzir a altura útil nas secções críticas.

v

m

v

m

Figura 5: Efeitos da corrosão de armaduras na resistência ao esforço transverso em lajes

De acordo com a verificação de segurança pelo Eurocódigo, [3], estes efeitos poderão ser directamente considerados na fórmula de cálculo da resistência ao esforço transverso:

( )

min,Rdw2/1

ck

2/3

w3/1

ck1c

Rd

Vdbfd

20010035.0

dbf100d

200118.0v

=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛+≥

×ρ⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛+

γ≥

(2)

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(ρl representa a quantidade de armadura devidamente amarrada para além do ponto onde se realiza a verificação da segurança). Na figura 6 apresentam-se os resultados obtidos com a utilização de um programa não linear de elementos finitos, concebido especialmente para estruturas de betão armado [4], para uma laje, considerando o efeito de uma delaminação total do betão da face inferior, para três situações de pormenorização de armaduras (Asc2 – representa uma pormenorização com a totalidade das armaduras do vão amarradas no apoio, Asc1 representa uma pormenorização com 50% das armaduras do vão amarradas no apoio e Asc0 representa uma pormenorização com emenda total das armaduras junto à laje (figura 6)). Para além deste efeito observa-se ainda um aumento das aberturas de fendas e da deformação das estruturas. Este exemplo para além de mostrar a perda de resistência da laje (por esforço transverso) devida à delaminação do betão da face inferior da laje, mostra ainda a importância que pode ter a pormenorização das armaduras na capacidade de carga das estruturas de betão armado. Na utilização da expressão do EC2 e para simular o dano (delaminação do betão expondo as armaduras) considera-se que a perda de aderência de 50% correspondente à redução da superfície de contacto aço-betão poderia ser simulada pela correspondente redução da área da armadura Asl (ρl). No programa ATENA o dano foi simulado retirando o betão de recobrimento e reduzindo para 50% a área de contacto da armadura. O modelo de aderência adoptado [4] foi o do CEB Model Code 90. De referir que a resistência à flexão conduz a um valor de Mult = 986kNm a que corresponde um valor de Vult = Mult × 4/l = 280kN. O valor de d adoptado foi de 392mm e fck = 25MPa. No quadro seguinte sintetizam-se os resultados obtidos para o valor último do esforço transverso Vult. O efeito do dano é tanto maior quanto menos adequada é a pormenorização (22 a 49%). O efeito do dano e da pormenorização conduz a perdas de resistência importantes que chegam a atingir 25% quando comparado com o modelo de referência M1BM Asc2.

Asc2 Asc1 Asc0 sem dano

x com dano

sem dano com dano

sem dano com dano

M1BM Asc2

M2Asc2 M1BMAsc1 M2Asc1 M1BM Asc0

M2 Asc0

Vult 301 235 243 160 147 75 % rel.x - 22 19 47 51 75 Modelo

analítico % 22 34 49

Vult/ VRd

429 286

362 241

362 241

290 193

154(1) -

EC2 Asl cm2 69.92 34.96 34.96 34.96/2 0 -

(1) valor obtido para VRd,min, independente de ρl

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0.0

20.0

40.0

60.0

80.0

100.0

120.0

140.0

160.0

180.0

200.0

220.0

240.0

260.0

280.0

300.0

320.0

0.0 50.0 100.0 150.0 200.0 250.0

d (mm)

R (k

N)

M1BMM1BMAs_c1M1BMAs_c2M2M2As_c1M2As_c2

M1BM: R = 146,8 kN => Deformação: d = 86,4 mm e Fendilhação: wmáx = 1,58 mm

M1BM: R = 146,8 kN => Tensão na armadura (σmáx = 184,1 MPa)

Figura 6: Análise não linear da laje de betão armado

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4. EFEITOS ESTRUTURAIS DA DETERIORAÇÃO EM VIGAS No que se refere à resistência à flexão a abordagem é exactamente igual à feita para as lajes. Para o esforço transverso a redução de resistência é em geral significativa porque os estribos das vigas são frequentemente as armaduras mais afectadas pela corrosão ocorrendo muitas vezes a perda total da secção do aço em fases avançadas de deterioração das estruturas (o reduzido diâmetro dos estribos torna esta armadura mais vulnerável a perdas percentuais de secções). Para além da perda da secção do aço, a delaminação do betão traduz-se também numa redução de largura útil da alma (b',w) conforme ilustrado na figura 7.

Asw w(As )b w

b w Figura 7: Efeito da corrosão de armaduras na resistência ao esforço transverso em vigas

Estes efeitos devem ser analisados não só de uma forma local mas de uma forma global através da análise não linear da estrutura como ilustrado no capítulo 3 ou através de modelos de escoras e tirantes como se ilustra na figura 8.

Sem dano

Com dano Figura 8: Efeitos da corrosão de armaduras no modelo do comportamento de uma viga sujeita à

flexão ao esforço transverso

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5. EFEITOS ESTRUTURAIS DA DETERIORAÇÃO EM PILARES A corrosão de armaduras pode produzir em pilares uma perda significativa da secção das cintas Asw, uma perda da secção de betão (A',c) devida à delaminação do betão e ainda uma perda de secção das armaduras longitudinais (figura 9)

Ac

Asl

AslAc

As w

wAs

Figura 9: Efeitos estruturais da corrosão em pilares

A redução da secção das cintas tem reflexo na capacidade resistente ao esforço transverso dos pilares mas, sobretudo, pode ter uma forte influencia na redução do efeito de cintagem do betão e travamento das armaduras. A redução da secção de betão e das armaduras longitudinais têm um reflexo directo na perda de resistencia à flexão composta de pilares [2]. 6. REFERÊNCIAS [1] Appleton, J. – “Avaliação da Segurança Estrutural no Processo de Reparação”, Seminário

Inspecção e Reparação de Estruturas de Betão Armado com Corrosão, LNEC, 20 Julho 1998

[2] Rodriguez, J.; Ortega, L.M., Casal, J. and Diez, J.M. – “Assessing Structural Conditions of Concrete Structures with Corroded Reinforcement”, Concrete Repair, Rehabilitation and Protection, (eds. R.K. Dhir and M.R. Jones), E&FN Spon, London, 65-78, 1996

[3] CEN EN1992.1.1 – Design of Concrete Structures – General Rules and Rules for Buildings, April 2003

[4] ATENA – Computer Program for Non Linear Finite Element Analysis of Reinforced Concrete Structures – Cervenka Consulting, 2001