Elementos Da Cultura Popular Brasileira Na Publicidade

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Elementos da cultura popular brasileira na publicidade: um caso da rede McDonald’s Renata Corrêa Coutinho * Índice 1 Inrodução ........................ 2 2 Da comunicação interpessoal à comercial ....... 3 3 AS bases americanas .................. 5 4 McDonald’s ....................... 6 5 Um panorama atual da empresa ............. 8 6 O referencial analisado ................. 9 7 Análise descritiva .................... 11 8 Peças: personagens do folclore ............. 13 9 O uso de figuras folclóricas como recurso publicitário . 16 10 Referências bibliográficas ................ 18 11 Anexos ......................... 20 * Publicitária, Mestre em Comunicação, Professora dos Cursos de Publi- cidade e Propaganda do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium de Araçatuba/SP e da Faculdade do Norte Pioneiro/PR e dos Cursos de Turismo e Hotelaria da Faculdade da Alta Paulista – Tupã/SP. E-mail: [email protected]

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As influências da cultura popular na publicidade, possibilitando adesão de um público maior.

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  • Elementos da cultura popularbrasileira na publicidade: um caso da

    rede McDonalds

    Renata Corra Coutinho

    ndice1 Inroduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Da comunicao interpessoal comercial . . . . . . . 33 AS bases americanas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 McDonalds . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 Um panorama atual da empresa . . . . . . . . . . . . . 86 O referencial analisado . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 Anlise descritiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 Peas: personagens do folclore . . . . . . . . . . . . . 139 O uso de figuras folclricas como recurso publicitrio . 1610 Referncias bibliogrficas . . . . . . . . . . . . . . . . 1811 Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

    Publicitria, Mestre em Comunicao, Professora dos Cursos de Publi-cidade e Propaganda do Centro Universitrio Catlico Salesiano Auxilium deAraatuba/SP e da Faculdade do Norte Pioneiro/PR e dos Cursos de Turismo eHotelaria da Faculdade da Alta Paulista Tup/SP.E-mail: [email protected]

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    ResumoA construo imagtica e textual da mensagem publicitria ocorrea partir da utilizao de elementos capazes de representar o uni-verso de seus possveis receptores, alimentando-se portanto, deum dado contexto, dos valores e das crenas de uma determinadasociedade. Assim, os elementos da cultura popular brasileira tam-bm podem se fazer presentes na publicidade com o objetivo deestreitar a comunicao e de despertar a ateno do pblico re-ceptor.

    Palavras-chave: publicidade; cultura popular brasileira; Mc-Donalds.

    1 InroduoO presente trabalho pretende apresentar uma anlise sobre a utili-zao da chamada cultura popular brasileira como foco comuni-cativo em publicidade, atendo-se a ela como um recurso publici-trio visto que, seu emprego se d com a finalidade de despertarno receptor da mensagem uma predisposio a aquisio do pro-duto em questo, estabelecendo desse modo, similitudes entre osditos populares e a existncia real do produto e o benefcio por eleapresentado.

    Para tanto, ser utilizada a campanha1 veiculada no ano de1998 para a empresa McDonalds, que atualmente encontra-sedisponvel em material videogrfico e impresso, intitulado 24o

    Anurio de Criao (1999) uma reunio dos trabalhos mais cri-ativos da propaganda brasileira, segundo o julgamento de profis-sionais de criao publicitria2 pertencentes ao Clube de Criao

    1 Elaborada pela agncia Taterka, a campanha em questo, compara os no-vos preos do McDonalds com lendas, folclores e histrias sobrenaturais.

    2 O jri formado por 30 profissionais 15 redatores e 15 diretores de arte, responsveis pelo julgamento de todas as peas e de todas as categorias, emvotao secreta, e impedidos de votar em peas de sua prpria agncia ou desua autoria. O julgamento resulta numa premiao simblica Ouro, Prata,

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    de So Paulo3 um material que se constitui em importante docu-mento histrico e fonte de consulta para profissionais e estudantesligados aos setores da comunicao, e para todos aqueles que seinteressem pela cultura geral.

    No se pretende esgotar o assunto ou esmiuar suas poss-veis e diversificadas reverberaes, mas to somente apontar emuma descrio sucinta os pontos relevantes da abordagem reali-zada pela pea comunicativa a partir do uso da cultura4 popularcomo foco para a realizao desse intento.

    2 Da comunicao interpessoal comercialA necessidade de comunicao intrnseca ao prprio homemque desde os primeiros minutos de vida j manifesta por meio dochoro indcios de transmisso e recebimento de mensagens. Cer-tamente, como dizia Aristteles, o homem um animal polticono apenas pela inevitabilidade da convivncia com os outros,mas sobremaneira pela exigncia de praticar atos comunicacio-nais.

    Assim como vrios outros animais o fazem por instinto de so-brevivncia, o homem sempre esteve em busca de estabelecer umacomunicao com seus congneres. Quebrando galhos, lascandotroncos, empilhando pedras ou utilizando instrumentos sonoros.

    Bronze e Anurio conferida a todas as peas selecionadas para compor oAnurio de Criao.

    3 Uma associao cultural, sem fins lucrativos, de profissionais de criaopublicitria que tem como objetivo: prestar servios ao mercado publicitrio;conferir destaque a atividade criativa como ferramenta mais importante do ne-gcio da propaganda; apoiar a cultura brasileira e suas manifestaes criativas;participar da realidade do pas, no nvel da comunicao, promovendo e apoi-ando eventos de interesse social.

    4 Segundo Pinto (apud E.B. TAYLOR, 1995, p.6), numa conceituao maisminuciosa, cultura vem a ser o conjunto complexo que inclui conhecimentos,crenas, arte, moral, leis, costumes e quaisquer capacidades e hbitos adquiri-dos pelo homem como membro da sociedade.

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    Os povos primitivos buscavam uma forma qualquer de indicaraos membros de seus cls caminhos mais seguros para a localiza-o de alimentos, de alert-los quanto a predadores, de pedir-lhessocorro ou convoc-los para festividades grupais. Sculos depois,egpcios, assrios e caldeus comearam a lanar mo de sinais de-senhados, no mais apenas para transmitir mensagens circunstan-ciais, mas para assegurar posteridade informaes de relevnciasocial, cultural, poltica, militar ou histrica (STEPHENS, 1993).

    Existem inmeros relatos sobre o surgimento da propaganda5,um deles diz respeito Antiga Roma, poca em que o foco deateno estava voltado s paredes das casas que ficavam de frentepara as ruas mais movimentadas das cidades. De modo artesa-nal, a propaganda desse perodo j apresentava alguma tcnica:pintava-se a parede de branco e, sobre esse fundo, a mensagempublicitria, preferencialmente em vermelho ou preto, cores quemais se destacavam sobre o branco (SAMPAIO, 2003).

    Embora seja possvel encontrar inmeras tentativas de peri-odizao do nascimento da propaganda, sabe-se que ela umacontecimento recente, fruto de um perodo de grandes mudan-as, muitas das quais, ocasionadas pela descoberta de formas ino-vadoras de produo.

    No sculo XVIII, a mecanizao nos diversos setores da in-dstria sofre impulso notvel com o aparecimento da mquina avapor, aumentando significativamente a produo.

    nesse contexto que o homem descobre uma forma indus-trial de produo, relegando a partir de ento a segundo planoa ultrapassada forma manual: do artesanato passa-se, subita-mente, produo realizada atravs das mquinas; substituioda energia muscular pela energia eltrica e mecnica, j que es-tas permitiam produzir em larga escala com grande economia demo-de-obra.

    5 Considera-se aqui as palavras propaganda e publicidade dentro da mesmaacepo a de divulgar produtos e servios com finalidade comercial ,abandonando-se assim, suas diferenciaes etimolgicas e implicaes hist-ricas.

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    Chega-se ento, em decorrncia da superproduo e da con-seqente falta de absoro desses produtos, a atividade publicit-ria como a conhecemos nos dias atuais; a partir da necessidadede ampliao do mercado consumidor que a publicidade se de-senvolve como uma das solues implementadas para recuperar aeconomia americana a fim de promover uma alterao profundano modo de vida de sua populao, estabelecendo a as bases parao maior mercado consumidor do mundo.

    Nesse processo, a publicidade passou a desempenhar o papelde facilitadora das vendas, uma vez que era preciso levar ao co-nhecimento das pessoas a existncia de produtos que elas nem aomenos conheciam, incentivando assim o consumo propriamentedito.

    3 AS bases americanasO governo dos Estados Unidos entre as dcadas de 20 e 30 apsuma grande recesso econmica , se viu obrigado a encontrarsolues para a recuperao de sua economia. Dentre as quaisse deu a execuo de uma das maiores campanhas publicitriasda histria, que durou anos e, em essncia, propunha que o povoamericano mudasse seu modo de vida. Assim, criou-se o ame-rican way of life ou modo americano de vida. (SAMPAIO, 2003,p.20)

    Como se objetivava a criao de novos mercados, a amplacampanha empreendida no ficou restrita ao territrio ianque, masexpandiu-se para alm mar e, no incio dos anos 40 a chegadaamericana se tornou visvel.

    Proclamava-se naquela poca a idia de uma polticade boa vizinhana entre os Estados Unidos e os demaispases americanos. Essa boa vizinhana significaria umconvvio harmnico e respeitoso entre todos os pases docontinente. Significaria tambm uma poltica de troca ge-neralizada de mercadorias, valores e bens culturais entre

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    Estados Unidos e o restante da Amrica. (...) A boa vi-zinhana apresentava-se como uma avenida larga, de modupla, isto , um intercmbio de valores culturais entre asduas sociedades. Na prtica, a fantstica diferena de re-cursos de difuso cultural dos dois pases produziu uma in-fluncia de direo nica, de l para c (MOURA, 1984,pp.8-9).

    Com objetivos comerciais e polticos, a entrada americana noBrasil se deu por intermdio de um Bir6 designado coordena-o das relaes econmicas e culturais entre Estados Unidos eAmrica Latina. Destarte, o Brasil, pouco a pouco, foi inundadopor produtos, valores e hbitos made in USA.

    (...) os mesmos meios de reproduo, que vieram tra-zer a possibilidade de acesso dos produtos culturais paraum pblico mais amplo, vieram tambm ampliar as pos-sibilidades de inculcao da ideologia dominante e roubaraos oprimidos seu nico territrio relativamente livre. (Oque chamamos folclore so os resqucios dessa cultura po-pular, para a qual no h hoje outro espao scio-culturalseno o de mercadoria extica, encenada para estrangeiros de fora ou de dentro verem) (SANTAELLA, 1995,P.30).

    4 McDonaldsO nascimento da empresa americana descrito como resultado deuma viso empreendedora de Ray Kroc, a partir da deteco deum restaurante j existente. Ao se deparar com os moldes funci-onais do restaurante dos irmos Dick e Maurice McDonald, Krocvislumbrou a possibilidade de fazer deste um modelo a ser levadoa outras regies dos Estados Unidos.

    6 Office for Cordination of Commercial and Cultural Relations between theAmerican Republics: criado em 16 de agosto de 1940 pelo governo Roosevelte chefiado por Nelson Rockefeller; no Brasil era dirigido por Berent Friele.

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    Investindo nesse empreendimento, Kroc inaugurou em abrilde 1954 a primeira franquia em Des Plaines, no Estado de Illinoise decorrido um ano, j era possvel contar 20 restaurantes ao longodo territrio norte-americano.

    A rapidez e a eficincia em servir hambrgueres em um am-biente totalmente limpo com atendimento corts tornaram-se fa-tores destacveis da cadeia de restaurantes americana e em 1967,aps j ter adquirido a parte da empresa pertencente aos irmosMcDonald pela importncia de US$ 2,7 milhes, Ray Kroc gal-gou o mercado internacional ao abrir uma loja no Canad e outraem Porto Rico.

    Presente no mercado brasileiro desde 1979 hoje situado en-tre os oito maiores para a corporao , o McDonalds sagrou-secomo a maior rede de servio rpido do Brasil e lder desse seg-mento em nmero de clientes atendidos, volume de vendas, quan-tidade de restaurantes e nmero de cidades em que est presente.

    Segundo o site oficial da marca:

    foram atendidos mais de 4,5 bilhes de clientes. Emoutras palavras, como se a populao do Brasil inteirotivesse ido aos restaurantes da rede 25 vezes. Nesse pe-rodo, os brasileiros comeram mais de 600 milhes de BigMacTMe mais de 2 bilhes deMcFritasTM. (...)Atualmente,o McDonalds Brasil conta com 36 mil funcionrios e maisde 1.200 pontos-de-venda, entre restaurantes, quiosques eMcCafs, distribudos em todas as regies brasileiras. Em2003 foram atendidos, em mdia, 1,5 milho de clientes acada dia. De 2000 para 2002 o faturamento passou de R$1,46 bilho para R$ 1,70 bilho.

    O padro inalterado dos produtos e das lojas da rede so man-tidos como um diferencial mercadolgico e assentados nos con-ceitos estabelecidos pelo Sistema McDonalds7 , fator este que fa-

    7 O Sistema McDonalds se baseia em quatro princpios: 1) concentraode esforos em uma nica atividade; 2) nfase na gesto de pessoas; 3) admi-nistrao descentralizada e 4) fornecedores trabalhando em parceria.

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    cilita tambm a poltica de franquias adotada aproximadamente80% dos restaurantes da rede so conduzidos por franqueados in-dependentes.

    5 Um panorama atual da empresacone da economia capitalista, McDonalds sinnimo do estilode vida americano hegemonicamente exportado aos quatro cantosdo mundo; um estilo fortemente marcado pela padronizao deprodutos, ambientes asspticos e destacvel agilidade no atendi-mento.

    Atualmente criticada pela deseducao alimentar que, de al-gum modo, fomenta na populao especialmente a americana ,a rede foi alvo da investida do produtor e diretor de cinema Mor-gan Spurlock que realizou o documentrio "Super Size Me"("Euem super tamanho", em traduo livre) que revela os verdadeirosdanos causados por uma alimentao diria desequilibrada atravsde sua experincia pessoal: o documentrio mostra a sua prpriaperda de sade depois de um ms comendo apenas no McDo-nalds.

    As aes comunicativas da empresa s fazem reforar desteento, a composio dos alimentos, sugestes de consumo, tabelade valores nutricionais e o veemente apelo a uma alimentaomais saudvel; ao cardpio das diversas lojas da rede somou-seuma variedade de sucos a base de frutas naturais e saladas.

    Mesmo sendo alvo de crticas quanto ao fato de pouco con-tribuir para a alimentao saudvel, a rede McDonalds umafranquia presente em 119 pases , revela um gerenciamento demarketing eficiente pois consegue acompanhar com agilidade osvalores presentes na sociedade na qual est inserida; uma empresacom uma diversificao administrativa capaz de conseguir trans-formar o que seria uma crise definitiva em uma possibilidade deexpandir sua linha de produtos, agregando alimentos mais saud-veis de acordo com as exigncias do mercado.

    Outro demonstrativo da eficcia empresarial do McDonalds

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    pode ser conferido nas comunicaes comerciais intentadas. Ne-las percebe-se o acurado senso de proporo realidade na me-dida em que se observa fatos corriqueiros conectados ao ato ali-mentar ou valores e experincias que fazem parte da vida do bra-sileiro mdio.

    A presente anlise reporta-se a um contexto mais distante, oBrasil de 1998 e a leitura de algumas peas produzidas para oMcDonalds nesse contexto; no refere-se porm a atuao daempresa naquele perodo.

    6 O referencial analisado8

    A pea inicial Painel Lenda introduz a idia que vai ser reafir-mada nas demais que comporo a seqncia, buscando situar oreceptor ao contexto a que se refere: ano de 1998, perodo de ins-tabilidade econmica e nova mudana de moeda aps sucessivastentativas cambiais.

    Segundo os dados divulgados pelo site da ABERJ Associa-o de Bancos no Estado do Rio de Janeiro , o panorama brasi-leiro estava configurado da seguinte forma:

    (...) A partir de 1994, o governo brasileiro promoveu aestabilizao da moeda e direcionou os primeiros esforospara o ajuste das contas pblicas. (...) Apesar das signifi-cativas melhorias nos indicadores e avanos institucionaisocorridos a partir de 1994, questes vinculadas consoli-dao da estabilidade ainda apresentavam importantes vul-nerabilidades, como as associadas ao perfil da dvida p-blica e s necessidades de financiamento externo. Entre1994 e 1998, verificaram-se a perda de competitividadecomercial, a persistncia do desequilbrio fiscal nominal,de carter estrutural, e o avano moderado da agenda de

    8 As peas analisadas receberam a premiao Anurio conforme os critriosestabelecidos pelo Clube da Criao de So Paulo para a realizao do Anuriode Criao.

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    reformas. (...) A balana comercial, que registrara supe-rvit de US$ 10,5 bilhes em 1994, apresentou dficits deUS$ 3,5 bilhes em 1995, US$ 5,6 bilhes em 1996, US$6,8 bilhes em 1997 e US$ 6,6 bilhes em 1998. O saldoem transaes correntes, que registrara equilbrio em 1994,iniciou tendncia de dficits crescentes, atingindo 4,3% doPIB em 1998. O resultado primrio do setor pblico osci-lou em torno do equilbrio entre 1994 e 1998, implicandonveis elevados de dficit nominal, que atingiu 7,9% doPIB em 1998.

    Para que a propaganda possa criar, ampliar, consolidar e for-tificar imagens, conceitos e reputaes levando uma empresa oumarca de um total desconhecimento por parte do mercado parauma posio viva e presente na cabea dos consumidores (SAM-PAIO, 2003), indispensvel o uso de informaes que faamparte do repertrio particular do receptor da mensagem.

    A campanha McDonalds 1998, buscou a utilizao de ele-mentos de conhecimento popular pertencentes ao imaginrio deuma sociedade em especfico, a brasileira consideravelmente ir-restritos a qualquer faixa etria e sociocultural com a finalidadede divulgar de forma bem humorada a acessibilidade de seus pro-dutos em meio a um perodo de notvel instabilidade poltico-econmica.

    Os elementos folclricos nacionais saci-perer, mula semcabea, curupira e ET de Varginha alm do mito lobisomem,de conhecimento universal, so empregados como indicadores deuma dada realidade quem viu acha que verdade, quem noviu acha impossvel que por sua vez est diretamente ligadaaos novos valores dos lanches da rede.

    As peas so constitudas, em maioria, por protagonistas e si-tuaes tipicamente interioranas velhinhos de chapu, pessoasem uma barbearia, pessoas mais comuns nas ruas da cidade etc. pois segundo Ayala (1995, p.14):

    (...) a cultura popular mais presente no meio rurale em cidades do interior. Esta questo est associada

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    noo de que a cultura popular rude, rstica, ingnua,enfim, algo que se ope quilo que est relacionado com oprogresso: a civilizao.

    H, porm, no conjunto de peas produzidas sob a mesma te-mtica uma ruptura se considerarmos a natureza original da em-presa McDonalds; ou, uma questo dialgica entre temas dia-metralmente distintos, se considerarmos como vlida a viso deEunice Durham (apud Ayala, 1995, p. 59) sobre a importnciada dinmica cultural da sociedade moderna e da indstria culturalao reordenar elementos retirados da cultura popular e da culturaerudita, para a composio de novos conjuntos, os quais assumemuma representatividade mercadolgica significativa: a acessibili-dade do produto/marca para outros pblicos, o que em marketingsignifica uma ampliao do mercado-alvo.

    7 Anlise descritivaA primeira pea Painel Lenda (vide anexos) tem por objetivointroduzir o foco principal a relao do acreditar ou no na exis-tncia das figuras folclricas e da reduo de preos sofrida peloslanches McDonalds , explicitando o aprendizado com o Brasilatravs da sobrevivncia, em meio as turbulncias econmicas vi-vidas, e pela aquisio de um smbolo cultural popular: a cantigaBoi da cara preta, conforme demonstrado na sinopse abaixo:

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    Tela branca e caracteres em cinza:McDonalds. 19 anos no Brasil.

    Loc/off: McDonalds. 19 anos deBrasil.

    A tela da TV vai sendo preenchidacom os funcionrios uniformizadosda rede, como se estes ocupassemos lugares de uma arquibancada.

    Loc/off: Investir, crescer. Abaixaros preos para mais gente poder irao McDonalds.

    A tela vai se compondo; pessoasvo chegando e tomando seus as-sentos.

    Loc/off: O brasil ensinou o McDo-nalds a no ter medo de assombra-o.Inflao a mil. 6 planos econmi-cos. 16 ministros da fazenda. Cru-zeiro, cruzado, cruzado novo, cru-zeiro de novo.

    A tela totalmente preenchida comos funcionrios; a platia levanta-se fazendo o sinal de ol.

    Loc/off: A inflao sobe...

    E a platia senta-se... Loc/off: e abaixam os preos doMcDonalds.

    Em coro todos cantam, gesticulame sinalizam, ao fim da cantiga, comcaretas.

    Boi, boi, boi. Boi da cara pretaAbaixamos os nossos preosNo temos medo de careta.

    A movimentao na platia... Loc/off: O cruzeiro vira cruzeiroreal que passa pelas URV, pra en-trar no real.E o McDonalds abaixa os preosde novo.

    Em coro todos cantam, gesticulame sinalizam, ao fim da cantiga, comcaretas.

    Boi, boi, boi. Boi da cara pretaAbaixamos os nossos preosNo temos medo de careta.

    A platia comea a desocupar oslugares, deixando visvel a telabranca sob o texto: McDonalds.ABAIXAMOS OS PREOS.Caracteres nos Quadrantes inferio-res da tela: Novos preos. Vlidosa partir de 13 de abril de 1998.

    Loc/off: McDonalds. gostoso.E mais barato muito mais gos-toso.

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    8 Peas: personagens do folclore9

    Estruturadas semelhantemente (vide anexos) iniciadas com ottulo (personagem a ser enfocado), a imagem de uma lua cheiasobre fundo negro e a logomarca McDonalds em destaque aspeas intercalam narrao (locutor/off) e depoimentos que voda credulidade incredulidade a respeito das personagens-tema,conforme demonstra o esquema a seguir:

    Lobisomem10:

    Fundo negro sob lua cheia e logo-marca da empresa. Ttulo: lobiso-mem.

    Loc/off: Lobisomem. Homem quevira lobo nas noites de lua cheia

    Depoimentos sobre a lenda (velhi-nhos de chapu).Fundo negro sob letreiro (embranco) McDONALDS ABAI-XOU OS PREOS. Valores de al-gumas das promoes; logomarcaMcDonalds.

    Loc/off: Lobisomem como os no-vos preos do McDonalds. Quemviu jura que verdade.Isto no lenda: o McDonaldsabaixou os preos.

    Depoimentos...Assinatura: McDonalds. Loc/off: McDonalds abaixou os

    preos.

    Mula sem cabea11:

    9 Folclore: [Do ingl. folklore, do ingl. folk, povo, e do ingl. lore, sa-ber.]. Conjunto das tradies, conhecimentos ou crenas populares expressasem provrbios, contos ou canes.

    10 Lobisomem: (alterao do latim lupus homo, homem lobo); homemque, segundo a crendice vulgar, se transforma em lobo e vagueia nas noites desexta-feira pelas estradas, assustando as pessoas, at encontrar quem, ferindo-o, o desencante.

    11 Mula sem cabea: conforme a crendice popular, concubina de padre, que,metamorfoseada em mula, sai, certas noites, cumprindo o seu fadrio, a correrdesabaladamente, ao fnebre tilintar de cadeias que arrasta, amedrontando ossupersticiosos.

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    Fundo negro sob lua cheia e logo-marca da empresa. Ttulo: mulasem cabea.

    Loc/off: Mula sem cabea. Perso-nagem do folclore brasileiro.

    Depoimentos sobre a lenda (numabarbearia).Fundo negro sob letreiro (embranco) McDONALDS ABAI-XOU OS PREOS. Valores de al-gumas das promoes; logomarcaMcDonalds.

    Loc/off: Mula sem cabea comoos novos preos do McDonalds.Quem viu jura que verdade.Isto no lenda: o McDonaldsabaixou os preos.

    Depoimentos...Assinatura: McDonalds abaixouos preos.

    Loc/off: McDonalds abaixou ospreos.

    c) ET de Varginha12 :

    Fundo negro sob lua cheia e logo-marca da empresa. Ttulo: ET deVarginha.

    Loc/off: ET de Varginha. O maisnovo personagem do folclore bra-sileiro.

    Depoimentos sobre o caso.Fundo negro sob letreiro (embranco) McDONALDS ABAI-XOU OS PREOS. Valores de al-gumas das promoes; logomarcaMcDonalds.

    Loc/off: ET de Varginha comoos novos preos do McDonalds.Quem viu jura que verdade.Isto no fico: o McDonaldsabaixou os preos.

    Depoimentos...Assinatura: McDonalds abaixouos preos.

    Loc/off: McDonalds abaixou ospreos.

    12Oportunamente explorado como novo personagem do folclore brasileiro,numa referncia aos relatos existentes de trs garotas que teriam visto em 20de janeiro de 1996, na cidade de Varginha em Minas Gerais, uma criaturaestranha, com trs protuberncias na cabea e pele viscosa, segundo constana matria publicada pela revista Isto sobre o caso do ET de Varginha em22/05/1996.

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    d) Curupira13:

    Fundo negro sob lua cheia e logo-marca da empresa. Ttulo: curupira.

    Loc/off: Curupira. Protetor das flo-restas e dos animais

    Depoimentos sobre esse persona-gem do folclore brasileiro.Fundo negro sob letreiro (embranco) McDONALDS ABAI-XOU OS PREOS. Valores dealgumas das promoes; logomarcaMcDonalds.

    Loc/off: Curupira como os novospreos do McDonalds. Quem viujura que verdade.Isto no folclore: o McDonaldsabaixou os preos.

    Depoimentos...Assinatura: McDonalds abaixou ospreos.

    Loc/off: McDonalds abaixou ospreos.

    e) Saci14:

    Fundo negro sob lua cheia e logo-marca da empresa. Ttulo: saci-perer.

    Loc/off: Saci-perer. Personagemdo folclore brasileiro.

    Depoimentos (numa barbearia)Imagens dos lanches e preos. Loc/off: Saci-perer como os no-

    vos preos do McDonalds. Quemviu jura que verdade.

    Mc abaixou os preos Loc/off: Isto no folclore. O Mc-Donalds abaixou os preos.

    DepoimentosAssinatura: McDonalds. Loc/off: McDonalds abaixou os

    preos.

    13 Curupira: (do tupi); ente fantstico que, segundo a crendice popular, ha-bita as matas e um ndio cujos ps apresentam o calcanhar para diante e osdedos para trs.

    14 Saci: (do tupi); uma das mais populares entidades fantsticas do Brasil,negrinho de uma s perna, de cachimbo e com barrete vermelho (fonte, esteltimo, de seus poderes mgicos), e que, consoante a crena popular, perse-gue os viajantes ou lhes arma ciladas pelo caminho; saci-cerer, saci-perer,matimperer, martim-perer, matintapereira, matintaperera e matitaper.

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    9 O uso de figuras folclricas como recursopublicitrio

    Encontra-se na ampla bibliografia a respeito da publicidade, defi-nies que a enquadram como uma justaposio da arte, da tc-nica e da prtica. Para Sampaio (2003) ela no apenas umaforma de arte, mais que uma simples tcnica, mas tambm nochega a ser uma cincia; a publicidade, ele afirma, uma misturadessas trs coisas.

    possvel corroborar com tal pensamento se considerado ofato de que para a gerao da publicidade, faz-se necessrio o usode diversos ramos do conhecimento humano, tais como: a socio-logia, a antropologia, a psicologia, a administrao, a lingstica,a estatstica, as artes plsticas, a msica etc. constituindo-se aofinal, um mosaico de informaes.

    Apelando a figuras tipicamente folclricas, as publicidadesem questo visam o estabelecimento de uma correlao entre oacreditar ou no nessas representaes mticas, buscando ressal-tar os mesmos sentimentos crena e descrena em relao aospreos praticados pela referida rede de alimentos.

    Desse modo, a incluso de elementos genuinamente popularesno contexto de uma publicidade remete a uma questo dialgica15

    pois estabelece assim, um dilogo entre o produto/empresa emquesto e os cones folclricos utilizados ao mesmo tempo que,conduz ao fato da apropriao de bens culturais para o empreen-dimento de uma comunicao eficaz para com um determinadopblico-alvo a noo do emprego das representaes do povocomo recurso comunicativo.

    Partindo da premissa colocada por Pinto (1995, p.5) de quea comunicao uma atividade humana integrada aos processosculturais, coerente a proposta de anlise da comunicao publi-citria como fator componente da cultura na qual est inserida,

    15 A arte produzida pelo povo dialogando com a arte elitista, ou seja, a apro-priao de uma pela outra com fins comerciais.

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  • Elementos da cultura popular brasileira na publicidade 17

    uma cultura no homognea, resultado de mltiplas interaes eoposies no tempo e no espao (BOSI, 1992).

    A marca McDonalds16 produto fundamentalmente ameri-cano, entretanto o uso de figuras folclricas e de protagonistascom trejeitos caractersticos de habitantes de cidades de pequenoe mdio porte, vem desmistificar essa possvel imagem de extra-nacional, propondo uma identificao imediata de complementa-ridade entre pessoas brasileiras mais simples eMcDonalds; emer-ge da uma interseco com a cultura brasileira.

    Com campanhas cada vez mais voltadas ao pblico do pasem que est inserido, o McDonalds mostra a acuidade profissio-nal ao propor relaes de semelhana entre seus produtos e figurastipicamente folclricas preferencialmente por serem elas de do-mnio pblico, j que a proposta justamente a de oferecer osprodutos a um maior nmero de pessoas , buscando o estabele-cimento da popularizao da marca.

    Utilizando de humor, as peas da campanhaMcDonalds 1998traam analogias que causam simpatia no receptor da mensagemuma vez que este j possui o repertrio necessrio para a interpre-tao das propostas, ou seja, nas palavras de Ayala (1995, p.12)a procura do tpico um dos meios de afirmao da identidadenacional e nesse caso, propositadamente empregado a fim de re-velar a familiaridade da marca americana McDonalds com o ter-ritrio e a populao brasileira.

    16 Um dos alvos mais propcios pela presena macia em diversos pases a sofrer boicotes em perodos marcados pelo antiamericanismo, como o vividorecentemente, segundo consta em matria publicada no FOLHA ON LINE de05/07/2004: reao que o governo do presidente George W. Bush teve aoataque terrorista de 11 de Setembro, explicitada na chamada Doutrina Bush,que defende ataques preventivos contra pases potencialmente ameaadores aosEUA ou que apiem grupos terroristas e que resultou na Guerra do Afeganistoe na invaso do Iraque.

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  • 18 Renata Corra Coutinho

    10 Referncias bibliogrficasABERJ: Associao de Bancos no Estado do Rio de Janeiro. O

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  • 20 Renata Corra Coutinho

    11 Anexos1) Painel lenda

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    2) Personagens do folclore: Lobisomem

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  • 22 Renata Corra Coutinho

    3) Mula sem cabea

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    4) ET de Varginha

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  • 24 Renata Corra Coutinho

    5) Curupira

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  • Elementos da cultura popular brasileira na publicidade 25

    6) Saci

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    InroduoDa comunicao interpessoal comercialAS bases americanasMcDonald'sUm panorama atual da empresaO referencial analisadoAnlise descritivaPeas: personagens do folcloreO uso de figuras folclricas como recurso publicitrioReferncias bibliogrficasAnexos