Elias Zaca, da Casa Zaca

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Sera que existe alguem em Atibaia que nunca tenha comprado alguma coisa na loja do Sr. Elias Zaca?

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Se como dizem alguns, que vender é uma arte, sem dúvida alguma Elias Zaca é um dos maiores artistas de Atibaia. Afinal de contas ele nasceu praticamente vendendo, ou vendo seu pai Esper Zaca atender fregueses em seu armazém que ficava ali perto da antiga fábrica. A CTB, Companhia Têxtil Brasileira, que todo mundo sabe foi a grande empregadora de Atibaia. Será que tem alguém que não conhece Elias Zaca em Atibaia?

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Sera que existe alguem em Atibaia

que nunca tenha comprado

alguma coisa na loja do

Sr. Elias Zaca?

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Se como dizem alguns, que vender é uma arte, sem dúvida alguma Elias Zaca é um dos maiores artistas de Atibaia. Afinal de contas ele

nasceu praticamente vendendo, ou vendo seu pai Esper Zaca atender fregueses em seu armazém que ficava ali perto da antiga fábrica. A CTB, Companhia Têxtil Brasileira, que todo mundo sabe foi a grande empregadora de Atibaia. Ao seu tempo chegou a abrigar 2.500 operários. Quem não sente saudade dela? A CTB virou bairro, mexeu com a vida das gentes. Deu sustento, abrigo, proporcionou a realização de sonhos. E provocou muito choro quando desapareceu.

O tempo matou, mas a CTB continua na alma de Atibaia. Da mesma forma que continua na alma de Elias Zaca. E tem alguém que não conhece Elias Zaca em Atibaia? Claro que não, ele nasceu aqui, descen-dente de sírios. “Meu pai veio primeiro, depois veio minha mãe. Eles não se conheciam lá na Síria. Se encontraram e casaram aqui. Esper, meu pai e Afif, minha mãe, tinham 25 anos mais ou menos quando vieram para cá. Foi uma tia quem trouxe meu pai e um tio quem trouxe minha mãe. Imigrantes, vieram porque as coisas estavam feias por lá. Aliás, conti-nuam feias por lá. É só guerra, guerra, guerra”, con-ta Elias Zaca, hoje com 82 anos, casado com Neusa Gerage Zaca, pai de Jorge, formado em Radiologia e Simone, dentista. E avô de Flávia, sua única neta.

Elias já esteve na Síria sim. “Fui com meu pai. Eu tinha uns 20, 22 anos. Ficamos uns seis meses por lá visitando os parentes”, lembra. Esper, o pai de Elias

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tinha um armazém bem perto da fábrica. “A CTB era a alma da cidade. O armazém de meu pai vendia se-cos e molhados, como era tradição na época. Foi lá que aprendi tudo”, conta. Deixa claro que naquele tempo as coisas eram muito mais difíceis. “Faltava dinheiro, o povo não tinha condições de comprar. Estávamos mais ou menos na época da grande guer-ra. Havia muita miséria e as coisas chegavam a ser racionadas”, lembra.

“Hoje em dia as pessoas aqui no Brasil nem ima-ginam o que seria um racionamento de comida. As pessoas só podiam comprar uma determinada quan-tia de um determinado produto. O pão, por exemplo. Só se podia comprar dois ou três pães por dia, de-pendendo do tamanho da família. E o racionamento não era só para o pão, era para o açúcar, óleo, tudo. Cada família tinha uma caderneta onde era marca-do o que se havia comprado naquele dia. Eu era mo-leque e acompanhei tudo isso com dor no coração. Imagino meu pai que tinha fugido da guerra par a depois passar ou viver sofrimento quase igual...”

As cadernetas de racionamento deram lugar às tais “cadernetas de compra”. Elias Zaca lembra que as pessoas, especialmente quem vivia e trabalhava no campo, tinham uma caderneta de compras. Ge-ralmente compravam para a semana ou para o mês. Levavam o que compravam e o dono do armazém anotava tudo na caderneta. O pagamento só era fei-to quando as pessoas recebiam seus salários.

Tinha cadernetas semanais, mensais e caderne-tas com prazos maiores, justamente para o pessoal que trabalhava no campo e recebia salário só quan-do seus patrões conseguissem vender sua safra. De café, de arroz, de leite, de feijão ou de qualquer pro-duto da terra.

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“E era sempre uma incrível demonstração de ho-nestidade. Todo mundo honrava seus compromis-sos, ninguém deixava de pagar seus gastos. Eu me lembro que os melhores pagadores ou os melhores clientes ganhavam um garrafão de vinho quando li-quidavam seus débitos”, conta Elias, sorrindo.

Era realmente um outro mundo. Um mundo de palavras. Um mundo mais honesto. Claro está que, quando alguém não honrasse e não pagasse seus compromissos da caderneta imediatamente tinha o crédito cortado. Não só naquele armazém, como em todos os outros armazéns da cidade... As notícias corriam e os comerciantes se precaviam...

“O óleo vinha em tambores. A gente tirava dos tambores e vendia em litros. Querosene também era assim. Quem mais comprava era o pessoal dos sítios que não tinham energia elétrica. Se bem que aqui mesmo na cidade tinha muitos lugares sem luz. Os lampiões eram tudo. Até porque às vezes a luz era muito fraca.”

Iluminação na rua era só em um ou outro lugar, e mais no centro, recorda-se Zaca. “O resto era aquela escuridão mesmo. Dava medo de andar na rua à noi-te. Mas não medo de ladrões ou assaltos, era medo mesmo de assombração. Verdade! Acho que os ban-didos de hoje roubaram até as assombrações...”, Elias sorri. “Mas tinha sim muita gente com medo de assombrações naquele tempo. Os maiores assus-tavam as crianças dizendo que em tal ou tal casa ti-nha assombração. A criançada nem passava por lá...”

A saudade está escrita no rosto de Elias. “Naquele tempo as coisas eram muito tranquilas, hoje em dia é essa correria. Que não leva a nada...” Estudando à noite, Elias se formou em Contabilidade. “Um dia meu pai resolveu se aposentar e acabou com o ar-

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mazém. E a gente teve que encontrar outro rumo. Ele e minha mãe tiveram oito filhos, todos eles con-tinuam por aqui, em Atibaia.

“Quando meu pai se aposentou eu entrei para o comércio. Aluguei um salão de uma casa antiga e abri uma loja nesta mesma rua, José Alvim, a rua do calçadão. Era uma loja de tecidos, armarinhos, confecções. Essas lojas eram tradicionais naquele tempo. Hoje em dia a gente já não vê mais lojas as-sim, que tenham essa variedade de produtos. Quem vende tecidos, vende só tecidos. Quem vende arma-rinhos, vende só armarinhos. Não existe mais uma loja como esta onde se vende de tudo para confec-ções”, frisa.

“Lamentavelmente já não temos mais alfaiates. No ano passado morreram os dois últimos alfaiates da cidade. Temos muitas costureiras ainda”, conta.

Ele está na mesma loja, no mesmo lugar há 57 anos. Aliás, foi ele mesmo quem construiu o prédio da loja. “Eu tinha conseguido comprar dois terre-nos numa rua lá em cima quando um amigo decidiu construir um prédio e precisava dos meus terrenos. Ele perguntou se eu queria vender. Eu disse que só venderia se ele vendesse este terreno na José Alvim. Ele topou e nós fizemos o negócio. Construí e estou aqui durante todo esse tempo.”

Atibaia mudou completamente, na visão de Elias. “Quando eu era menino, só existiam dois carros. A gente jogava futebol e jogava até fubeca (bola de gude) na rua. Jogava peteca e ninguém se incomo-dada, não passava ninguém para perturbar a crian-çada. Claro que não tinha televisão, não tinha nada. Depois das seis horas da noite a cidade fechava. Era difícil até de sintonizar alguma emissora de rádio. A gente ouvia a rádio Nacional do Rio de Janeiro, que

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era a rádio do governo. Depois que a guerra acabou surgiram novas emissoras. Tupi de São Paulo, Tupi do Rio, Record.”

No entender de Elias Zaca Atibaia só evoluiu nos últimos trinta anos. “Quando o trem parou começou a melhorar. Lembro que ia de trem para São Paulo. Era um sacrifício. A gente demorava meio dia para chegar lá. Parava, fazia baldeação, tocava, parava. Eu fazia compras na Rua 25 de março. Naquele tempo o comércio de lá só tinha sírios e libaneses”, lembra. Elias saia de São Paulo às cinco, seis horas. Chegava aqui por volta das oito da noite. Trazia a mercadoria que podia trazer na mão e despachava o resto.

“Difícil, naquele tempo era fazer um telefonema interurbano para São Paulo, por exemplo. Demo-rava duas ou três horas. E eu ainda era privilegiado pois tinha telefone em casa ou na loja... A gente pe-dia para a telefonista ligar. Às vezes nem conseguia falar...”

Elias fica triste ao constatar que a tecnologia cres-ceu, mas o ser humano não melhorou. “Antigamen-te as pessoas tinham mais afeto. Se comunicavam com as outras com mais educação, mais gentileza. Quando precisavam de alguma coisa diziam: “Será que o senhor poderia fazer o grande favor de me di-zer as horas?” e coisas desse tipo. Até para trocar di-nheiro, por exemplo, havia mais respeito: “Será que o senhor faria o favor de trocar esta nota de cem por duas notas de cinquenta, ou mais trocado ainda?” Hoje não, hoje as pessoas dizem: “troca pra mim”. E pronto. Esqueceram o “Faça o favor”, o “muito obri-gado”. Só a tecnologia evoluiu, o ser humano se ape-quenou. Isso para não se falar na violência. Antes tudo era mais tranquilo, não se ouvia falar em rou-bo, assassinato. As pessoas eram honestas. Quando

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uma professora passava na rua todo mundo olhava com respeito. Quando ela entrava na classe todos os alunos ficavam em pé, respeitosamente. Mudou tudo. E para pior.”

Elias não conheceu o Major Alvim. “Conheci o fi-lho dele, o Zezico Alvim. Ele era vereador na cidade. Morava logo ali adiante, nesta rua. A esposa dele vi-nha sempre fazer compras.”

Calmo, sereno, tranquilo, Elias vai vivendo a Ati-baia que tanto adora. Envergonhado em saber que um montão de alunos foi reprovado com nota zero em Português no Enem. Leitor assíduo de livros e tudo o que lhe caia em mãos não deixa de ler pelo menos dois jornais por dia. Ele espera que um dia o país volte a levar as coisas mais a sério.

Mantendo as amizades de sempre, chorando al-guns grandes amigos que já se foram, vivendo o pre-sente com suas lembranças, Elias continua vivendo a sua vida e sua loja, sempre cheia de clientes. Ele agradece, abandona a entrevista e vai vender. Afi-nal, é isso o que ele faz isso desde criança. Vender é a grande arte do artista Elias. ■