EM BUSCA DO DESENVOLIMENTO RURAL DO CEAR. busca do desenvolvimento rural do... · Nunca esquecerei...

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EM BUSCA DO DESENVOLVIMENTO RURAL DO CEARÁ COLETÂNEA DE ARTIGOS

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EM BUSCADO DESENVOLVIMENTO

RURAL DO CEARÁCOLETÂNEA DE ARTIGOS

PEDRO SISNANDO LEITE

FORTALEZA – CEARÁ2006

EM BUSCADO DESENVOLVIMENTO

RURAL DO CEARÁCOLETÂNEA DE ARTIGOS

© 2006 copyright by Pedro Sisnando LeiteImpresso no Brasil/Printed in BrazilEfetuado depósito legal na Biblioteca Nacional

PROJETO GRÁFICO E CAPA

Carlos Alberto Alexandre DantasREVISOR

Floriano Lopes de JordãoBIBLIOTECÁRIA

Tereza Cristina Bessa Raupp. CRB 3/839

Leite, Pedro SisnandoEm busca do desenvolvimento rural do Ceará:

coletânea de artigos/Pedro Sisnando Leite. – For-taleza: LCR, 2006.

230p.

1. Desenvolvimento agrícola 2. Economiaagrícola 3. Política agrícola I. Tíulo.

CDDir – 338,1

L387b

Deve haver alguma razão para que aterra tenha recebido a faculdade ma-ravilhosa, abençoada, de dar frutos.Todos os grupos humanos incapazesde fazer com que ela exerça essa fa-culdade estão perdidos.

ALEXANDRE SOLJENISTSIN

Dedico este livro aos agricultores cea-renses, inclusive meus pais, e aosmeus colaboradores, técnicos e fun-cionários da Secretaria de Desenvol-vimento Rural do Ceará.

Nunca esquecerei o apoio incondicio-nal e amizade desse grande homemque é Tasso Jereissati.

OAO LEITOR

caro amigo leitor tem em suas mãos uma coletâneade artigos selecionados sobre a agricultura e a eco-

nomia rural cearense. Foram escritos, na quase totalida-de, nos anos de 1995 a 2002. Este foi o período em queestive como Secretário de Estado do DesenvolvimentoRural, na administração do Governo Tasso Jereissati.

Todos esses artigos foram publicados pelos jor-nais O Povo, Diário do Nordeste e Gazeta Mercantil.Agora estão sendo editados em forma de livro por su-gestão de colegas da academia e do Instituto Geográfi-co, Histórico e Antropológico do Ceará, do qual soumembro efetivo.

Minha primeira impressão sobre este livro, aoorganizá-lo inicialmente, foi de que alguns assuntos tra-tados estavam repetitivos e precisavam ser suprimidos,providência que adotei quanto a alguns deles. Na verda-de, os temas abordados foram sendo relatados enquantoos fenômenos ocorriam e sempre eram novidade naquelemomento, razão por que a imprensa considerou de inte-resse divulgá-los.

A vida no campo é bastante repetitiva, como diz oEclesiastes, na Bíblia: Há tempo para tudo. Tem a épocada preparação da terra, da semeadura, da colheita, dacomercialização, e assim por diante. Cada inverno, secae atividade produtiva, entretanto, têm suas característi-cas, peculiaridades e história própria. Desse modo, re-vendo os referidos acontecimentos nos relatos, pode-senão perceber bem o círculo do processo de evolução, casonão se esteja atento a essas realidades.

Assim, cada artigo deste livro conta um fragmentode um evento original e único, no momento em que eleaconteceu. Têm um conteúdo emocional e político próprio,até se tratando do mesmo problema, em tempo diferente.Parece filosofia, mas é apenas a realidade da vida e do acon-tecer da sociedade rural, em qualquer lugar do mundo.

Tenho a esperança de que as observações, análisese comentários contidos neste livro sejam uma fonte depesquisa, lições e orientações para evitar erros e indicarrumos para um futuro melhor da agricultura e do meiorural do Ceará.

Por fim, chamo a atenção do leitor para o Apêndice,onde se encontram detalhes sobre o Programa SeguroSafra. Trata-se de uma iniciativa concebida no Ceará noano 2001 e posteriormente estendida ao Nordeste por leiaprovada no Congresso Nacional. No governo atual, esseprograma é denominado Garantia Safra, mas preservoutodos os elementos da política anterior.

O AUTOR

EDRO SISNANDO LEITE é economista, formado pelaUniversidade Federal do Ceará, com pós-graduação

em economia rural e planejamento regional em Israel. Foitécnico em desenvolvimento econômico do Banco do Nor-deste do Brasil e, durante muitos anos, chefe da Divisãode Estudos Agrícolas desse Banco. Lecionou, como pro-fessor adjunto e titular de desenvolvimento econômico, noscursos de graduação e de mestrado em Teoria Econômica(CAEN) e de Economia Rural da Universidade Federal doCeará. Na administração universitária foi Pró-Reitor de Pla-nejamento em duas gestões, nos períodos de 1983-87 e1991-95. Dedicou grande parte de sua vida acadêmica eprofissional estudando experiências de desenvolvimentoeconômico em países desenvolvidos e emergentes, visi-tando mais de vinte nações com esse objetivo. Publicouvinte estudos e livros didáticos sobre problemas do de-senvolvimento econômico, planejamento e desenvolvimen-to regional. Tem contribuído com muitos artigos e ensaiospara jornais e revistas. Pertence, como membro efetivo, daAcademia Cearense de Ciências, da Academia de Ciênci-as Sociais do Ceará e do Instituto Histórico, Geográfico eAntropológico do Ceará. Foi vice-presidente da SociedadeBrasileira de Economia e Sociologia Rural e, como membroda Sociedade Internacional de Economia Rural, tem parti-cipado como conferencista convidado de vários encontrosinternacionais. Foi bolsista pesquisador do Conselho Na-cional de Pesquisa (1988-1992). Ocupou a função de Secre-tário de Estado da Secretaria de Desenvolvimento Ruraldo Estado do Ceará, em duas administrações do Governa-dor Tasso Jereissati, em 1995-98 e 1999-2002.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................... 17PERFIL DA AGRICULTURA CEARENSE ....................... 20PROBLEMAS E METAS PRINCIPAIS .............................. 22PRESSUPOSTOS BÁSICOS .............................................. 24AÇÃO PLANEJADA ......................................................... 25DESENVOLVIMENTO RURAL INTEGRADO ................. 27NOVA ESTRATÉGIA RURAL ........................................... 30EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO ................. 34ORGANIZAÇÃO DOS PRODUTORES ............................. 36DESENVOLVIMENTO SEM AGRICULTURA ................. 38A CHAVE DO PROGRESSO RURAL ............................... 41OPÇÕES AO DESENVOLVIMENTO RURAL .................. 43INDUSTRIALIZAÇÃO RURAL ......................................... 47REFLEXÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO RURAL..... 50URBANIZAÇÃO RURAL .................................................. 62O ÊXODO RURAL ............................................................. 64A EVOLUÇÃO DA AGRICULTURA................................. 67O MELHOR REMÉDIO PARA A POBREZA .................... 72ESTRUTURA AGRÁRIA ................................................... 75NOVA POLÍTICA AGRÁRIA ............................................ 78A VEZ DA AGRICULTURA FAMILIAR .......................... 80AGRICULTURA FAMILIAR DO CEARÁ ........................ 82A TÁBUA DE SALVAÇÃO ................................................ 84MODELOS DE REFORMA................................................ 86REFORMA AGRÁRIA ALTERNATIVA ........................... 88JUSTIÇA E PAZ NA TERRA ............................................ 92REFORMA AGRÁRIA SOLIDÁRIA ................................. 96FRUTICULTURA IRRIGADA ............................................ 99O OURO BRANCO CEARENSE ..................................... 102A QUESTÃO RURAL ...................................................... 104

RUMO AO DESENVOLVIMENTO RURAL .................... 106A NOVA AGRICULTURA CEARENSE .......................... 108REFORMA DO ESTADO NA AGRICULTURA .............. 112AGRICULTURA SUSTENTÁVEL ................................... 114DESENVOLVIMENTO RURAL COM MENOS

POBREZA .................................................................... 118PLANO DE SAFRA DO CEARÁ EM 2001..................... 122NÃO BASTA PRODUZIR ................................................ 124BOA SAFRA COM VERANICO...................................... 128ALGODÃO ENFRENTA A SECA ................................... 130OS RESULTADOS DAS SAFRAS 2000/2001.................. 132DA ENXADA À MATRACA ............................................ 135ENFRENTANDO A INCERTEZA ................................... 146O CONVÍVIO COM AS MÁS NOTÍCIAS ....................... 148CRÍTICAS INJUSTAS ...................................................... 150A CONJUNTURA DA SAFRA 2001 ............................... 152PIOR É O CLIENTELISMO ............................................. 154A NOVA EXTENSÃO RURAL DO CEARÁ.................... 157CRESCIMENTO DA AGROPECUÁRIA E O INVERNO..... 160MILHO É SUCESSO NO CEARÁ ................................... 166A AGRICULTURA DEPENDE DAS CIDADES .............. 170CRESCIMENTO DESIGUAL .......................................... 172O PROJETO (SÃO JOSÉ) QUE AJUDA OS POBRES

DO CEARÁ ................................................................. 174A QUESTÃO REGIONAL REVISADA ........................... 176CORRER PARA ULTRAPASSAR O ATRASO ................ 179DIRETRIZES PARA REDUZIR A POBREZA RURAL.... 181A AGRICULTURA DO CEARÁ NA VIRADA

DO SÉCULO ................................................................ 184CAUSAS HUMANAS E POLÍTICAS DO

SUBDESENVOLVIMENTO......................................... 187O CONTROLE NA EXECUÇÃO DOS PROGRAMAS .... 189“WORKSHOP” INTERNACIONAL SOBRE ALGODÃO .... 191

A ARTE DA AGRICULTURA .......................................... 193AVANÇOS DA AGRICULTURA CEARENSE ................ 195GUERRA À POBREZA .................................................... 197A POBREZA É RURAL ................................................... 199PECUÁRIA DE LEITE NO CEARÁ................................ 202AGRICULTORES ALFABETIZADOS ............................. 206A URGÊNCIA DA REFORMA AGRÁRIA ..................... 208TRABALHO NÃO AGRÍCOLA NO MEIO RURAL ....... 211

APÊNDICEFUNDAMENTOS DO PROGRAMA SEGURO SAFRA .... 217

INTRODUÇÃO

s estudos sobre a economia do Ceará sublinham quea agricultura não tem acompanhado o desenvolvi-

mento geral do Estado. As condições de vida do homemdo campo estão muito aquém de uma sobrevivência con-digna, donde ocorre um forte movimento migratório paraas cidades metropolitanas do Estado ou de outras regiões.

Três problemas básicos são apontados para expli-car essa paradoxal situação de atraso rural do Ceará.Baixa produtividade da terra e do trabalho, instabilidadee incerteza no processo produtivo decorrentes de secas efalta de organização dos produtores. São referidas tam-bém, como entrave do sistema da produção, causas es-truturais de propriedade da terra, coadjuvadas pelasdeficientes condições educacionais e de capacitação dosprodutores agrícolas. As conseqüências disso podem serobservadas na falta de competição da agricultura do Ce-ará ante outros estados e o exterior. Produtos como arroz,milho e algodão são deficitários localmente e enfrentamsérias dificuldades concorrenciais.

A estagnação da economia brasileira, nos últimosquinze anos, marcada por sucessivas crises políticas ehiperinflação, influenciaram também os produtores ruraisque não viam estímulos para investir num setor despro-tegido pelo governo federal.

A estratégia para o desenvolvimento rural do Cea-rá, nos próximos anos, deve levar em conta todos os as-pectos da vida rural, mesmo sabendo que os entravesexistentes não serão facilmente removidos. A escassezde recursos financeiros e técnicos, por outro lado, indi-

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cam que as ações para reorientar o processo de desen-volvimento da agricultura precisam ser seletivas e con-centradas inicialmente em áreas geográficas prioritárias.Com base na experiência adquirida e na obtenção denovos recursos, será estendida gradativamente aabrangência dos referidos programas.

A nova política rural precisa contemplar também aorganização dos serviços de apoio aos agricultores, es-pecialmente pesquisa, extensão, crédito e comercia-lização. Finalmente, a organização cooperativa eficazmerece ser estimulada como instrumento para a criaçãode uma força interna da comunidade rural, infundindo nosagricultores a vontade e a confiança para aplicarem no-vos métodos e melhoramentos no processo produtivo daagricultura cearense.

O desenvolvimento rural, como está sendo conside-rado neste livro, é um conceito abrangente. Significa de-senvolvimento agrícola e desenvolvimento social, e não serestringe a atividades produtivas de bens originados da ter-ra. O importante a considerar é o espaço rural, onde ocor-rem variadas atividades de apoio ao processo produtivo.

Nos últimos anos, vários fatores favoreceram a exis-tência de um ambiente mais adequado ao desenvolvimen-to rural do Ceará.

Do ponto de vista institucional, o Sistema Estadualde Agricultura passou por uma profunda reorganizaçãoem 1996-97. Foi executado um amplo programa de treina-mento de qualidade total, abrangendo todos os níveistécnicos e administrativos da Secretaria de Desenvolvi-mento Rural e das instituições vinculadas: a Empresa deAssistência Técnica e Extensão Rural (EMATERCE), oInstituto de Desenvolvimento Agrário (IDACE) e a Cen-tral de Abastecimento (CEASA).

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A partir de 1995, foi realizado o planejamento detodas as atividades e ações da Secretaria de Desenvolvi-mento Rural. A proposta macroeconômica e de estratégiageral foi delineada no Plano Indicativo de Desenvolvimen-to Rural (1995-98), no Rumo ao Desenvolvimento Rural(1995-2002) e detalhadas as ações específicas em minu-ciosos planos operativos. Esses documentos fundamen-taram a ação do Governo do Estado e lançaram as basespara a assinatura de convênios com os bancos oficiais eos órgãos públicos federais. Assim, muitos recursos fi-nanceiros foram mobilizados para investimentos produ-tivos e de custeio, para aquisição de equipamentos deinformática, veículos e melhoria das instalações dos pré-dios do Sistema Estadual de Agricultura.

Vencer o subdesenvolvimento rural é uma meta di-fícil. Assegurar a eqüidade tem sido uma tarefa de gera-ções. Na verdade, são poucas as nações que conseguiramessas duas façanhas. Tais observações servem para ad-vertir-nos da seriedade desse problema. Mesmo assim,tudo indica que a próxima década será dedicada à rever-são da situação de pobreza reconhecida como inaceitá-vel nestes dias de globalização e competitividade.

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PERFIL DA AGRICULTURA CEARENSE

omo é possível mudar o padrão de desenvolvimentorural do Ceará, tornando-o mais produtivo, estável,

empregador de mão-de-obra e rentável? O que fazer parainteriorizar mais o crescimento econômico do Estado, redu-zindo a pobreza e as emigrações para as grandes cidades?Onde obter recursos para um plano com essa finalidade?

Certamente são essas as preocupações que have-rão de desafiar a capacidade criativa dos novos governan-tes do Ceará nos próximos anos. De fato, é urgente fazeralgo para mudar a situação de subdesenvolvimento aindaprevalecente no Estado, especialmente no quadro rural.

Estão radicados na zona rural do Ceará cerca de 2,3milhões de pessoas, correspondentes a 35% da populaçãototal do Estado. Não estão incluídos aqui os residentes nospovoados, cidades pequenas e outros aglomerados tipica-mente rurais, mas não classificados como tais pelo IBGE.

A população economicamente ativa, de 10 anos emais, é de 1.200 mil pessoas, aproximadamente um terçode todos que trabalham no Estado. A taxa de ocupação éde 36%, compatível com a estrutura etária e o nível dedesenvolvimento do Ceará.

O valor bruto da produção agropecuária tem sido,em ano normal, de aproximadamente um milhão de dóla-res, em torno de 8% do Produto Interno do Estado. Em1993, essa proporção foi de apenas 6%, em face da crisepluviométrica desse ano.

Com base nesses dados, é possível estimar umaprodução média da agropecuária de 833 dólares por pes-soa ocupada. Em contrapartida, essa relação é de 4.870

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nas atividades urbanas (indústria e serviços). Portanto,seis vezes mais elevada do que nas atividades agropecuá-rias. É oportuno observar que os países que desejam de-senvolvimento equilibrado entre os setores geralmenteassumem como meta a igualdade de rendimentos entreos dois setores. Há nações, entretanto, onde a renda mé-dia do quadro rural é superior a dos centros urbanos.Nesses casos, tem-se verificado um movimento migrató-rio de retorno às áreas do interior.

Em virtude da localização em áreas especiais dasculturas de maior produtividade e da reconhecida apro-priação de parte da renda agrícola por produtores maisricos, é certo que, em amplas áreas e grupos populacio-nais, prevaleçam níveis de renda muito baixos. É precisoexaminar melhor essa suposição e descobrir alternativaspara a rápida redução da pobreza nessas áreas.

As lavouras temporárias e permanentes contribu-em com cerca da metade da produção do setor. A produ-ção de carne, leite e derivados, e ovos respondem por40%, cabendo o restante às extrativas vegetais.

Quanto aos produtos agrícolas, os mais importan-tes são: feijão, mandioca, milho, banana, arroz e caju.

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PROBLEMAS E METAS PRINCIPAIS

processo produtivo da agricultura, como é conhe-cido, envolve fatores físicos, econômicos, sociais,

motivacionais e de organização. Em área subdesenvolvi-da, cada um desses aspectos pode ser obstáculo à mo-dernização do setor.

Os estudos e dados existentes sobre a agriculturado Ceará revelam que a produção, por área cultivada, dasprincipais lavouras temporárias e permanentes encontra-se muito aquém dos níveis obtidos em outros estados emesmo da média nacional. As situações do milho, feijão,mandioca, abacaxi e castanha são exemplares. Esse qua-dro se agrava ainda mais nos anos de estiagem, quandoa produtividade chega a limites insignificantes.

O aspecto muito preocupante é que não há sinal demelhoria nessa situação. Analisando-se o comportamen-to da produtividade das lavouras num período de vinteanos (1970-1990), verifica-se que, no conjunto do setor,ocorreu uma diminuição dos rendimentos.

A produtividade da mão-de-obra é também deplo-rável, mesmo sabendo-se que a força de trabalho do cam-po conta com a contribuição significativa de pessoas de10 a 15 anos e de mais de 65 anos de idade, em vista doconceito do IBGE sobre o assunto. “Grosso modo”, pode-se dizer que a produtividade de um trabalhador na agri-cultura é apenas 17% do ocupado nos centros urbanosem atividade industrial e/ou serviços. Em outras palavras,quando o trabalhador sai do campo e vai trabalhar na ci-dade, sua produção média torna-se seis vezes maior doque era antes...

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Em conseqüência, são baixas as remunerações dosassalariados e pequenos produtores agrícolas. Nessecaso, será muito difícil melhorar as condições de vida daspessoas dependentes das lides agrícolas do Estado semaumento da produtividade ou obtenção de renda adicio-nal de outras atividades econômicas complementares.

A tábua de salvação desse quadro pouco otimista évisualizada nas atividades animal e derivados, correspon-dentes a cerca de 40-50% do valor da produção agropecuá-ria. De modo geral, a produção desse ramo de atividadetem-se mantido estável e ascendente nos últimos vinteanos, especialmente a avicultura e a produção de leite.Diferentemente das lavouras, essa categoria vem melho-rando a produtividade ao longo dos anos com perspecti-vas promissoras no futuro. Não obstante, é necessáriolembrar que a pecuária extensiva é pouco empregadorade mão-de-obra, mesmo que a avicultura contrabalanceessa característica.

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PRESSUPOSTOS BÁSICOS

estratégia de desenvolvimento rural equilibradodestina-se a buscar resolver o problema do subde-

senvolvimento rural de maneira abrangente. A chavedesse enfoque é aumentar a produtividade agrícola, aotempo em que se fomenta a criação de empregos produ-tivos na própria zona rural. Nesse contexto, as pequenascidades do interior exercem um importante papel comocentros de serviços e apoio à produção.

Os elementos essenciais dessa metodologia de de-senvolvimento harmônico do interior são a mobilização dofator humano e o melhor aproveitamento dos recursos na-turais e da infra-estrutura existente nas áreas geográficasprioritárias. A segunda condição é a integração da agri-cultura, indústria e serviços, no próprio quadro rural, con-templando os aspectos físicos, econômicos, sociais eorganizacionais das localidades abrangidas pelo programa.

É necessário que haja o acesso dos produtores, es-pecialmente dos pequenos e menos privilegiados, aosrecursos produtivos e aos serviços de suporte indispen-sáveis à produção. A melhoria das condições de educa-ção, saúde e outras necessidades básicas são requisitospara o aumento da produtividade e qualidade de vida dapopulação pobre residente na zona rural.

Finalmente, é essencial a motivação e mobilizaçãodas populações em programas de auto-ajuda e de parti-cipação efetiva na determinação das prioridades e noprocesso de execução dos programas de desenvolvimen-to local.

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AÇÃO PLANEJADA

desenvolvimento econômico é um processo extrema-mente complexo do qual compartilham diversas va-

riáveis econômicas, sociais, políticas e institucionais.A agricultura participa com os outros setores no uso

de investimentos e dos demais fatores. Desse modo, osrecursos colocados à disposição de programas de desen-volvimento não podem ser alocados sem levar em consi-deração a dependência existente entre eles. Negligenciara indústria pode resultar em limitações de mercado paraos produtos agrícolas. Por outro lado, promover progra-mas de desenvolvimento industrial sem a devida consi-deração ao setor agrícola pode motivar uma conseqüenteescassez de alimentos, acelerando o processo inflacioná-rio e comprometendo o próprio desenvolvimento.

Portanto, o desenvolvimento conjunto dos setoresé fundamental e deve ocorrer de maneira harmônica,embora se saiba que os setores normalmente crescem ataxas distintas, de modo especial nos estágios iniciais dedesenvolvimento.

O desenvolvimento rural equilibrado não pode serrealizado simultaneamente em todas as partes, pois se-ria difícil obter recursos suficientes para isso. Por sua vez,as atividades agropecuárias geralmente são vocacionadasdiferentemente de acordo com as condições de solo, cli-ma e outros fatores. Desse modo, é essencial que os pro-gramas de desenvolvimento rural sejam planejados eexecutados segundo zoneamento adequado aos objeti-vos delineados para cada sub-região.

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Outra alternativa de organização que deveria serexaminada é a estruturação de “Corporações de Fomen-to”, com maior autonomia administrativa, técnica e finan-ceira. Essa modalidade de entidade segue, naturalmente,um nível mínimo de competência e maturidade institucio-nal. É o caso, por exemplo, de regiões onde os níveis detecnologia agrícola sejam mais elevados e haja um graude industrialização e serviços de apoio mais desenvolvi-do. De qualquer modo, a adoção da referida sistemáticade organização deve ser gradativa e planejada.

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DESENVOLVIMENTO RURAL INTEGRADO

Banco do Nordeste do Brasil e a Universidade Fe-deral do Ceará mantiveram, durante quinze anos,

um programa de cooperação técnica com Israel no cam-po do treinamento e da pesquisa, com excelentes resul-tados para o Nordeste.

O programa de cursos de especialização em planeja-mento e execução do desenvolvimento rural integrado, comduração de seis meses, treinou mais de 500 técnicos detodos os estados do Norte e Nordeste do Brasil. Ao mesmotempo, várias pesquisas foram realizadas no campo da in-dustrialização rural, cooperativismo e irrigação com a par-ticipação de equipes mistas brasileiras e israelenses.

A nova estratégia difundida nesse programa de trei-namento destina-se a solucionar o problema da pobrezanas áreas rurais, através de ação simultânea na agricul-tura, indústria e serviços, em combinação com a interiori-zação dos centros urbanos. Essa concepção, conformerevela a história econômica, foi utilizada nos países hojeindustrializados, especialmente em Israel, que a aplicouplanejadamente com grande êxito.

O renomado professor Raanan Weitz, diretor doCentro de Estudos Regionais de Rehovot, explica que osobjetivos desse programa de cooperação do seu país como Nordeste eram ajudar a produzir melhorias na vida diá-ria da gente comum. Com a experiência de ter sido umdos responsáveis pelo pujante desenvolvimento rural deIsrael, esclarece o Dr. Weitz que a promoção do desenvol-vimento econômico social equilibrado requer capacitaçãotécnica dos planejadores e executores dos referidos pro-

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gramas. Daí a insistência dos israelenses em treinamen-to, tanto em outros países como em Israel. Segundo essafilosofia, não existe país subdesenvolvido, mas recursoshumanos não desenvolvidos. De fato, o desenvolvimentodo capital humano é o elemento propulsor fundamentaldo avanço material, social e cultural do homem.

É oportuno lembrar, segundo alguns autores, queas soluções para o desenvolvimento de Israel não sãoaplicáveis ao Nordeste do Brasil. Outros afirmam aindaque em Israel existe uma mística e vêem nisso um obstá-culo ao aproveitamento das experiências desse país.

Não nos parecem objeções justas. Em primeiro lu-gar, deve-se lembrar que a mística tanto pode ser um pro-duto da fé, como algo que se pode criar. Isto é possível,por exemplo, quando o Estado oferece uma perspectivade ação racional e o trabalho determinado da populaçãopara a obtenção do progresso. Realmente, sem místicanão é possível obter o desenvolvimento, razão por queela é considerada como um requisito desse processo. So-bre o assunto, lembramo-nos do que dizia o eminenteLucas Lopes: “A falta de uma grande bandeira, de umprojeto nacional que inspire confiança e popularize esfor-ços da coletividade pode deixar as elites e o povo comuma sensação enorme de frustração e mediocridade.”

A história econômica nos ensina, entretanto, queas soluções nunca podem ser as mesmas para todas asnações. Cada país tem suas peculiaridades quanto à do-tação de recursos naturais, condições sociais, políticas einstitucionais. Conforme se sabe, Israel conta com umaprofícua experiência que reflete circunstâncias únicas,impossíveis de serem reproduzidas literalmente em ou-tros países. Por isso, a experiência de Israel deve ser adap-tada para fazer frente às necessidades locais, pois ela não

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deve ser transplantada. Não se pode copiar modelos dedesenvolvimento econômico, lembrava o professor DavidBruhis, mas aproveitar experiências.

Israel, portanto, pode ser uma fonte de inspiração ede exemplo orientador para a concretização das nossasaspirações de desenvolvimento econômico regional. Aliexistem vários sistemas econômicos simultâneos, comresultados vitoriosos em cada caso. A organização coo-perativa (moshav), a forma comunitária de exploraçãoagrícola (hibutz), a industrialização rural, a exploraçãodo semi-árido são exemplos com os quais muito se podeaprender para uso no Nordeste do Brasil.

Poder-se-ia dizer, enfim, como o professor MaxRosenfeld: “O enfoque flexível e variado de Israel, com res-peito ao desenvolvimento econômico, constitui um protó-tipo valioso para os países sem desenvolvimento e queenfrentam os mesmos problemas de recursos limitados ede imperante necessidade de mobilizar sua economia.”

Toda essa experiência sobre concepção, estratégiae metodologia de planejamento regional rural integradoindica que o progresso é possível, inclusive quando ascondições não são totalmente favoráveis, desde que seconte com uma política firme do Governo, com o apoiodos agricultores e funcionários e uma certa mística antea tarefa a realizar.

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NOVA ESTRATÉGIA RURAL

agricultura tem ocupado um papel fundamental nodesenvolvimento econômico de todas as nações

hoje desenvolvidas. Esse setor tem contribuído com a pro-dução de alimentos, matérias-primas, mão-de-obra parao setor urbano e a formação de capital.

No caso específico do Ceará, a participação atualda agricultura na formação do Produto Interno Bruto é de8,5 a 9%. Mas na economia do interior, essa proporçãochega aproximadamente a 30%. Cerca de um milhão depessoas trabalham no campo, representando um terço detoda a população economicamente ativa do Ceará.

O vigoroso processo de industrialização do Brasil, apartir da década de 60, foi financiado pela agricultura. Apolítica fiscal, cambial, de investimentos públicos de infra-estrutura e educacional foram também favoráveis ao se-tor urbano-industrial. As conseqüências dessa políticapodem ser observadas no processo de descapitalizaçãoe estagnação da agricultura brasileira na década de 80em diante.

No Ceará, e no Nordeste de modo geral, os efeitosdessas políticas não foram muito diferentes. Os indica-dores sociais e econômicos extremamente negativosregistrados hoje no Estado comprovam as distorções ocor-ridas. No tocante ao Nordeste, o Governo Federal temprocurado neutralizar essas tendências de desenvolvi-mento desequilibrado e concentrador de renda. Para issoforam criados vários programas como o Polonordeste,Sertanejo, Prohidro e outros. Os resultados desses esfor-ços pouco contribuíram para deter os efeitos regressivos

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da favelização do crescimento econômico regional. Devemser registradas algumas poucas iniciativas bem sucedidasno Ceará, mas sem repercussões macroeconômicas demaior significado.

A conclusão prática que se pode tirar da análisedessa situação é que as estratégias adotadas para a agri-cultura estavam equivocadas ou foram mal conduzidas.Outra interpretação é que os esforços do governo foraminsuficientes ou descontinuados para reverter as tendên-cias de aprofundamento da pobreza. Os produtores e aslideranças empresariais e políticas não se motivaram apartilhar do processo de desenvolvimento rural. Diferen-temente ocorreu, por exemplo, com os revolucionáriosfundadores dos Estados Unidos que acreditaram no pro-gresso da agricultura como base de sustentação do notá-vel desenvolvimento econômico desse país. Líderes comoThomas Jefferson, Benjamim Franklin e George Washing-ton estiveram envolvidos pessoalmente na criação, orga-nização e execução de abrangentes projetos de pesquisae instrução agrícola que fizeram dos Estados Unidos amaior potência mundial da agropecuária. No campo dapesquisa e extensão rural são notórias as contribuiçõesdo Land-grant Agricultural Colleges, no início do séculoXIX, naquele país, e a participação da iniciativa privadae de uma população rural ativa e trabalhadora.

No pertinente à economia cearense, é indispensá-vel levar em conta, na análise dos problemas que afeta-ram o desempenho do setor agrícola, as questõesestruturais e o modelo paternalista que caracterizaramquase toda a história econômica do Estado. Na verdade,a agricultura do Ceará seguiu historicamente um modelode equilíbrio da ineficiência, como definiu o prof. TheodoreSchultz, Prêmio Nobel de Economia. A equação consistia

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na produção de grãos para a alimentação e na cultura doalgodão arbóreo para o mercado. Completava o sistemaa criação de gado de leite e corte para subsistência e ageração de renda dos proprietários. O sistema se apoia-va num conjunto de relações sociais cujos atores eram osproprietários de terra e os trabalhadores, parceiros e ar-rendatários que interagiam num processo aparentemen-te simples de sobrevivência econômica e relações deprodução subdesenvolvidas.

Nos últimos vinte anos, esse sistema foi “desman-telado” pelo sistema previdenciário rural que tornou obri-gatório um pesado ônus sobre o proprietário da terra,provocando forte emigração da população do campo. Acrise na cultura do algodão mocó selou, complementar-mente, a falência do referido modelo.

No contexto dos novos conceitos de desenvolvimen-to harmônico é inviável uma reestruturação da agricultu-ra cearense nas mesmas bases anteriores: baixaprodutividade e relações desigualitárias na apropriaçãoda renda gerada pelo sistema produtivo.

O maior desafio do momento para o Governo TassoJereissati é identificar e viabilizar um novo modelo e cri-ar uma nova estratégia capaz de alcançar resultados con-cretos no setor rural do Estado. A Secretaria da Agriculturado Ceará elaborou o “Plano Indicativo de Desenvolvimen-to Rural” com a finalidade de reorientar o crescimento daagropecuária com o aumento da produtividade. O novoenfoque desse plano busca o desenvolvimento agrícolasimultâneo com os demais setores econômicos ou, comovem sendo denominado, através dos agronegócios. A fi-nalidade última dessa abordagem é a criação de empregoe renda numa economia sustentável, onde a valorizaçãodo homem do interior seja o principal alvo.

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A nova estratégia não foi delineada, nem será exe-cutada com base em definições apenas acadêmicas ouorientação unilateral do Governo. Os conhecimentos exis-tentes e a experiência até agora acumulada consubstan-ciaram as propostas formuladas no plano da SEARA.Foram levadas em conta as possibilidades de acesso àpesquisa agrícola e a capacidade de assistência técnicada EMATERCE, as reais possibilidades dos recursos na-turais de solo e os recursos financeiros possíveis de se-rem mobilizados pelos setores público e privado.

A combinação da participação do Governo com ainiciativa privada e a descentralização das ações são achave para a revolução agrícola que o Ceará necessita.Do mesmo modo, será fundamental a reinvenção do sis-tema de assistência técnica e extensão rural.

Os feitos do passado e a história de compromissos ededicação das equipes técnicas da EMATERCE não serãosuficientes para a nova etapa do desenvolvimento daagropecuária do Ceará. Agora contam os padrões de eficiên-cia e competitividade a serem obtidos sem paternalismo,tão comum no passado. As prioridades para assistência téc-nica deverão se pautar por critérios que assegurem a ob-tenção de resultados concretos. A ênfase de atuação deveser o de utilização dos recursos públicos na pessoa, no produ-tor. É necessário preparar toda a população rural contempla-da nos programas rurais para que tenha acesso e saibautilizar os recursos e tecnologias para obtenção da competiti-vidade dos produtos agropecuários. Os modelos de gestãodevem ser orientados para a criação de renda e emprego enão para servir as estruturas existentes. Os critérios de aná-lise e decisão das prioridades de ação da assistência técnicadevem ser a visão de cadeias ou complexos agroindustriais

e não produtos e unidades isoladas, como tem sido até agora.

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EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO

s governantes e burocratas dos países pobres ge-ralmente subestimam o valor da educação no pro-

cesso de desenvolvimento. É comum darem ênfase aosganhos decorrentes da aplicação do capital, relegando asegundo plano a importância da educação, da reduçãoda criminalidade, da promoção do auto-respeito, além demuitas outras satisfações culturais e sociais que provêmdo desenvolvimento de talentos surgidos do processoeducacional.

Muitos estudos indicam que o hiato de renda depessoas de uma região diminui quando aumenta o nívelde educação das camadas inferiores. A educação é umimportante estímulo para a modernização, e o progressotecnológico é inútil sem uma população treinada para delefazer uso.

O maior problema que as áreas subdesenvolvidasenfrentam decorre do fato de que a educação e o treina-mento, além de insuficientes, não são compatíveis comas necessidades e as oportunidades oferecidas pelo sis-tema econômico. A menos que seja encontrada uma for-ma para treinar a massa de desempregados ou de baixaprodutividade, poucas são as esperanças de uma vidamelhor para essas pessoas.

Na verdade, um esforço vigoroso deve ser empre-endido para elevar a qualidade do sistema educacionalexistente no Ceará e adaptá-lo às reais necessidades dapopulação pobre rural. A educação realmente deve serestruturada, em todos os níveis, para o atendimento deuma sociedade democrática e em evolução. Deve tam-

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bém acentuar o valor e a dignidade do trabalho e ensinaros que até agora ficaram marginalizados da sociedade aparticiparem do esforço e dos resultados do desenvolvi-mento econômico.

A educação “per se”, contudo, não é suficiente pararesolver o problema da população de baixa renda, poistambém é essencial a mitigação das graves condições desubnutrição, enfermidade e má habitação. O desejo demelhorar essas condições por motivos políticos, econô-micos ou humanitários não deve, entretanto, reduzir apremência para o atendimento das necessidades educa-cionais. Isto por que a educação, embora apresentadamuitas vezes como despesa de caráter apenas social, étão importante para o sistema produtivo como as demaisformas de capital diretamente produtivo.

O verdadeiro desenvolvimento econômico não sig-nifica apenas o aumento da produção e da riqueza mate-rial para poucos, mas, sobretudo, uma verdadeiraigualdade de oportunidades que somente a educaçãoviabiliza. Ela é, em síntese, a chave da mobilidade dasclasses sociais, das transformações econômicas e políti-cas duradouras e construtivas.

Nenhum Estado, enfim, poderá ser consideradodesenvolvido se o problema da alfabetização e da educa-ção das massas não for plenamente solucionado.

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ORGANIZAÇÃO DOS PRODUTORES

organização cooperativa é, geralmente, menciona-da como instrumento apropriado para transformar

a população pobre e analfabeta em colaboradora ativa dapolítica de desenvolvimento rural. Os planejadores e ogoverno esperam que esse sistema seja o veículo capazde preencher a ausência da iniciativa privada e a organi-zação para fornecer os serviços necessários à produção,administração e repasse de crédito, assim como realizara comercialização e distribuir mais eqüitativamente a ren-da. A cooperativa, enfim, é tida como possuidora de vanta-gens de sua dimensão de escala econômica e tecnológica,constituindo instrumento eficaz para as mudanças darealidade do meio rural.

Mesmo diante dessa confiança no papel do coope-rativismo, como fórmula para o atendimento adequadodos pequenos agricultores, a experiência do Nordeste,neste particular, não tem sido positiva como se poderiaesperar. Na verdade, o cooperativismo tem encontradomuitos entraves na Região e poucos são os exemplos depleno sucesso dessas sociedades a despeito do apoio téc-nico e, principalmente, financeiro, que vem sendo pro-porcionado pelos órgãos governamentais e bancosoficiais. Aparentemente, parte das razões deste êxito li-mitado decorre das atitudes, tanto dos responsáveis pelaimplantação dessas associações como dos próprios agri-cultores beneficiados.

Não obstante, a experiência internacional de desen-volvimento rural bem sucedido tem demonstrado que aorganização dos agricultores, especialmente dos peque-

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nos, é uma pré-condição para a transformação do setor.De fato, o pequeno produtor não consegue obter os servi-ços de que necessita para exploração de sua unidade,porque lhe faltam habilidade, meios e poder de enfrentaros prestadores de serviços. A fim de encarar essa situa-ção, os agricultores necessitam unir suas forças e criarsua própria organização de autodefesa e competição. Taisassociações auxiliam também o pequeno agricultor a seadaptar às mudanças no estabelecimento agrícola e nacomunidade rural.

Para definir um sistema cooperativo que realmentefuncione, em bases democráticas, é preciso, como dizNaphtali Gal, encontrar uma forma apropriada de organi-zação associativa que contemple as aspirações, os ideaise as características culturais próprias dos indivíduos queparticipem desse processo.

Em síntese, a organização cooperativa é fundamen-tal para o desenvolvimento rural do Ceará e deveria fun-dar-se em princípios flexíveis, de eqüidade, democraciae propriedade conjuntas, condizentes com a premissa deum crescimento econômico eqüitativo da sociedade rural.

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DESENVOLVIMENTO SEM AGRICULTURA

s problemas básicos que o Nordeste do Brasil de-fronta são semelhantes aos dos demais países atra-

sados economicamente. Necessita elevar o nível de rendatotal e “per capita” num prazo relativamente curto, me-lhorar a distribuição de renda, diminuir as desigualda-des sociais e aumentar as oportunidades de emprego. Emsuma, reduzir a pobreza absoluta de camadas importan-tes da sociedade.

Há necessidade, por isso, de redefinir claramenteos rumos de um novo estilo de desenvolvimento econô-mico mais eqüitativo do que o atualmente em curso noCeará e no Nordeste, de modo geral.

No caso específico das zonas rurais, os problemasendêmicos que carecem de solução urgente para permitiro atingimento dos objetivos antes nominados são comple-xos e variados: baixa produtividade; sistemas adminis-trativos e organizacionais antiquados; mau funcionamentodo sistema de mercado; tecnologia tradicional superada;incentivos inadequados para a modernização; e cresci-mento do desemprego e subemprego.

A maioria dos economistas do desenvolvimentoconcordam que o papel da revolução agrícola é um ele-mento fundamental para a revolução industrial. O desen-volvimento agrícola, contudo, não pode estar isolado emrelação a outras inovações na indústria, no comércio enos serviços, também necessários ao processo de desen-volvimento global.

Uma das lições importantes que se pode tirar dahistória do de-senvolvimento de muitas partes do mundo

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é que a agricultura ocupa um papel estratégico nesseprocesso. É necessário adotar políticas que estimulem osagricultores a utilizarem adequadamente o seu limitadocapital para administrar melhor sua propriedade, apro-veitar eficazmente os recursos de que dispõem para con-servar, armazenar e vender os seus produtos. Toda aassistência ao agricultor não pode ser de naturezapaternalista mas conformar-se com as peculiaridades dosistema econômico e a capacidade do agricultor, levandoem conta suas tradições e crenças.

Nesta ordem de idéias, cabe assinalar que as teori-as tradicionais sobre desenvolvimento agrícola não abran-gem adequadamente todos esses aspectos. Necessitamosde um novo enfoque mais amplo para o desenvolvimentoda agricultura que contemple os múltiplos aspectos davida rural. A redução das desigualdades econômicas e acriação das condições sociais mais adequadas devem serpreocupações centrais do esforço dedicado ao setor ru-ral. Através dessa orientação, fica explicitado que os ob-jetivos do desenvolvimento devem ser econômicos esociais e não haja apenas o propósito de um máximo cres-cimento quantitativo às expensas de um desenvolvimen-to mais equilibrado e duradouro.

Essa nova estratégia de desenvolvimento ruralconverteu-se, nas últimas décadas, numa das grandesesperanças para muitos países subdesenvolvidos. Espe-cialmente aqueles que, como o Nordeste brasileiro, têmna agricultura um dos fatores para o progresso econômi-co da região. De fato, apesar do papel relevante que aindústria vem desempenhando na economia nordestina,há necessidade urgente de que os graves problemas depobreza, subemprego e baixa produtividade agrícola se-jam minimizados como requisito para o próprio desen-

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volvimento industrial e da economia, de modo geral, con-forme tem demonstrado a experiência histórica dos atu-ais países industrializados do mundo ocidental.

Afora as conquistas já obtidas, resta uma urgentetarefa a realizar no Ceará. Necessitamos encontrar solu-ções para obter e compatibilizar a modernização da agri-cultura com crescentes oportunidades de emprego e demelhoria das condições de vida da população rural. Ogrande desafio estratégico para o desenvolvimento regi-onal é integrar a indústria com a agricultura no próprioquadro rural, como elemento de descompressão dos cen-tros urbanos e interiorização do desenvolvimento.

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A CHAVE DO PROGRESSO RURAL

azer a riqueza chegar ao campo representa um ob-jetivo que preocupa internacionalmente muitos eco-

nomistas, investidores e governantes. No Brasil, aspolíticas idealizadas para encorajar o investimento naagricultura têm surtido pouco efeito; especialmente noNordeste. O que tem ocorrido entre nós é apenas o gotejarlento do progresso urbano nas zonas rurais empobrecidas,criando um fosso crescente entre o campo e a cidade.

Anos de estudos e viagens de observação “in loco”a muitos países levaram-me a duas constatações. Primei-ro, não há registro da obtenção de desenvolvimento econô-mico pleno sem o apoio de uma agricultura moderna, fortee produtiva. Segundo, a elevação da renda, do emprego edos padrões de vida da população rural não tem ocorridode modo estável, em nenhum caso, sem que o setor este-ja integrado a outras atividades econômicas. Normalmen-te, essas outras preocupações chegam a gerar mais dametade da renda das famílias dos agricultores, pois a ren-tabilidade apenas das tarefas agrárias jamais poderiacompetir com os demais setores manufatureiro e terciário.

Há de se perguntar, então, como é possível viabilizaro progresso rural com vistas ao desenvolvimento econô-mico geral?

Segundo as lições da experiência e com base namelhor literatura, um programa para o desenvolvimentorural não pode ficar restrito a um setor ou a medidas iso-ladas. Intervenções individuais de reforma agrária, mo-dernização tecnológica ou de industrialização ruralgeralmente surtem efeitos bem abaixo de suas possibili-

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dades se não forem empreendidas conjuntamente. Asações devem ser orientadas segundo uma metodologiaabrangente e concentrada em áreas prioritárias, paraevitar a dispersão de escassos recursos. Além disso, naspalavras do veterano John Friedman: “Todas as ativida-des requerem espaço.”

Essa estratégia se destina a atacar o problema dosubdesenvolvimento rural de modo multisetorial com vis-tas a reduzir as emigrações rurais para as cidades metro-politanas já congestionadas. A chave desse enfoque é criaroportunidades produtivas nas próprias zonas rurais, inclu-sive nas pequenas cidades do interior, que devem funcio-nar como centros de serviços sociais e de apoio à produção.

O desenvolvimento rural deve tomar como base amobilização dos recursos humanos e o melhor aproveita-mento dos recursos naturais existentes na área de atuação.Do mesmo modo, é indispensável a garantia do acesso dospequenos produtores aos recursos produtivos e aos servi-ços de suporte necessários a produção. O setor agrícola,como demonstra em seus estudos o Prêmio Nobel de Econo-mia, Simon Kuznets, é desempregador de mão-de-obra. Daípor que a criação de oportunidades de emprego, com vistasà melhoria da distribuição de renda e do poder de comprada população rural, somente se torna viável com a in-tegração da agricultura, indústria e serviços no quadro rurale nas cidades próximas aos centros de produção agrícola.

No Ceará, existem atualmente condições e fatorestécnico-econômicos que tornam o desenvolvimento des-centralizado bem mais viável do que ocorreu durante arevolução industrial européia. Naturalmente que a execu-ção dessas políticas podem ser consideradas dificultosas.Concordamos. A questão, porém, é “ser ou não ser”, comofilosoficamente propunha Shakespeare.

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OPÇÕES AO DESENVOLVIMENTO RURAL

crescimento da renda do Nordeste nos últimos vin-te ou trinta anos foi excepcional pelos padrões in-

ternacionais. O setor industrial, a geração de divisas eoutros indicadores macroeconômicos seguiram tendên-cias fortemente ascendentes.

Estes resultados quantitativos não foram, todavia,os mesmos no tocante à melhoria da qualidade de vida edas condições sociais da maioria dos milhões de habi-tantes dessa região, especialmente os dependentes dasatividades agrícolas.

Na verdade, o que tem ocorrido no Nordeste é um maldesenvolvimento, subsistindo ainda os principais proble-mas de desigualdade e de pobreza absoluta que marcam aseconomias mais atrasadas do Terceiro Mundo. Nesse senti-do, destacam-se a concentração da terra em mão de pou-cos, baixa produtividade da agricultura, excesso de gentenas pequenas propriedades, desnutrição generalizada, anal-fabetismo elevado e falta de oportunidades de emprego deparcela significativa da mão-de-obra nordestina.

A crise agrária, por sua vez, tem motivado umadisfunção rural-urbana em favor das emigrações ruraisdescontroladas e de alto custo social, tanto para o campoquanto para as congestionadas metrópoles da Região edo Sul do País.

Tais condições, de reflexos políticos e institucionais,impedem a criação de oportunidades econômicas e so-ciais, refreiam os impulsos do crescimento econômico afavor da sociedade e motivam tensões sociais de grandeexpressão coletiva.

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O verdadeiro significado de desenvolvimento nãocorresponde apenas a um aumento quantitativo da pro-dução de bens e serviços, mas o importante é sua melhordistribuição. Trata-se de um conceito ideológico que im-plica a reorientação do poder político e social com vistasa transformações estruturais de ordem econômica, sociale organizacional. Há necessidade, por isso, da redefinçãoclara dos objetivos e dos rumos de um novo estilo de de-senvolvimento econômico mais eqüitativo do que o atu-almente em curso no Nordeste.

Não há dúvida de que o surgimento dos programasespeciais de desenvolvimento rural do Nordeste foraminiciativas oportunas e bem intencionadas. Visavam neu-tralizar as distorções desse processo perverso de cresci-mento econômico, sem desenvolvimento, especialmentedo quadro rural.

De fato, a Exposição de Motivos 015, de 18 de mar-ço de 1981, do Conselho de Desenvolvimento, aprovadopelo Presidente João Batista Figueiredo, declara: “Os pro-gramas especiais objetivam atuar na erradicação da po-breza no meio rural do Nordeste, através do fortalecimentoda capacidade produtiva dos pequenos produtores rurais,intensificando o processo de reestruturação fundiária ecomplementando ações de apoio a produção e a promo-ção social, inclusive em estímulo ao desenvolvimento deformas associativas de produção.”

Do ponto de vista de avaliação geral do impactosocioeconômico desses programas especiais, é difícil for-mular generalizações devido à diversidade de metas, ins-trumentos de ação, áreas de abrangência geográfica eseu público-meta. Os dados e informações analisadoscriteriosamente indicam, porém, que os resultados obti-dos por esses programas num balanço de custos/benefí-cios sociais foram positivos, apesar de muitas dificuldades

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e entraves haverem prejudicado o alcance de um me-lhor desempenho.

Tais empecilhos e bloqueios, todavia, são naturais nosestádios iniciais de transformação de sociedades subdesen-volvidas e tradicionais como no caso do Nordeste rural.

Entre os fatores identificados como limitantes parao pleno êxito desses programas destacam-se: inadequa-do planejamento e acompanhamento dos projetos; desar-ticulação entre as instituições nacional, regional eestadual; distonia dos órgãos executores; descontinui-dade de ações empreendidas; interferência política e bu-rocrática conflitantes das diretrizes traçadas; cortes eatrasos nos recursos inicialmente previstos, tanto a fun-do perdido como para fins de crédito bancário.

Desse modo, seria impossível que os programas ana-lisados apresentassem resultados plenos diante dessesentraves e das sucessivas crises climáticas que, nos últi-mos anos, desorganizaram a produção, distorceram o sis-tema social e desviaram os recursos financeiros e asequipes técnicas dos principais programas especiais paraas frentes de emergência, de caráter assistencial. Isto semfalar nas dificuldades da economia brasileira que se re-fletiram drasticamente nas atividades econômicas e nasociedade nordestina.

Não obstante, valiosas lições podem ser extraídasdessa análise de avaliação para o aperfeiçoamento e for-talecimento desses programas, inclusive quanto a suaefetiva articulação e compatibilização com as demaisações federais ou estaduais, atuantes em sua área deabrangência, como preconizaram os termos de referên-cia que orientaram os estudos.

Um elemento de destaque a registrar foi a identifi-cação da existência, em todos os níveis administrativos e

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técnicos, de uma conscientização acerca dos objetivos eestratégias dos programas especiais, particularmente doPOLONORDESTE e do PROJETO SERTANEJO. Esforçosconsideráveis de entidades regionais e estaduais foramdedicados a essa finalidade de esclarecimento e doutri-nação, através de centenas de cursos, seminários, encon-tros, debates e treinamento em serviço, dos quaisparticiparam quase todos os técnicos envolvidos nestesprojetos. Consequentemente, foi acumulado um vastotesouro de experiências e percepção que pode ser usadopositivamente na direção da correção de falhas e/ou parao aperfeiçoamento dos programas especiais e do desen-volvimento rural da Região.

A nossa conclusão sobre o exame da alternativa deextinção, substituição ou fusão plena dos programas es-peciais, em único projeto unificado, é de que isto nãoparece aconselhável. Não conseguimos evidenciar pro-vas que justificassem que essa mudança “per se” fossecapaz de suprir as deficiências identificadas nos progra-mas especiais em execução.

Na verdade, a opção que recomendamos quanto àcompatibilização dos programas é no sentido de adoçãode um esquema, de uma articulação e agrupamento deações coincidentes em uma mesma área, como no caso deáreas do POLONORDESTE, onde se superpõem a atuaçãodo Projeto Sertanejo e do PROHIDRO. No caso dos progra-mas de irrigação pública, há necessidade da utilização dearranjos novos a serem definidos. O programa de agroin-dústria pode ser absorvido totalmente pelo POLONOR-DESTE, SERTANEJO e programas de irrigação: Osprogramas SERTANEJO e PROHIDRO devem atuar conjun-tamente nas áreas comuns. O PROÁLCOOL é um progra-ma nacional e, por isso, continuará a ter trajetória própria.

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INDUSTRIALIZAÇÃO RURAL

ual é o papel da indústria no desenvolvimento daagricultura? As respostas podem ser várias, mas

num ponto há consenso entre os historiadores dodesenvolvimento econômico. A íntima relação entre aagricultura e a indústria foi um dos fatores notáveis dodesenvolvimento da Inglaterra, do Japão e de muitosoutros países hoje ricos. No período inicial do crescimen-to econômico, a agricultura forneceu quase todos os re-cursos necessários para o governo e para os investimentosna indústria. Ademais, as exportações agrícolas suprirama maior parte das divisas que esses países necessitavampara o seu desenvolvimento, tendo em vista que, nessaépoca, as inversões estrangeiras eram pouco significati-vas. As relações da indústria com a agricultura, por outrolado, não foram menos decisivas.

O ritmo de desenvolvimento agrícola não poderiaser incrementado sem mercado em rápida expansão, comoresultado de expansão das zonas urbanas. O crescimen-to da indústria permitiu absorver o excesso da mão-de-obra que saía da agricultura em conseqüência do aumentoda produtividade no campo. Assim, à medida que a in-dústria se desenvolveu, pôde suprir os fertilizantes,pesticidas, maquinarias e outros instrumentos necessá-rios a uma agricultura avançada, completando o proces-so de integração entre as duas atividades e os demaissetores da economia.

De modo geral, as indústrias que melhor se inte-gram à zona rural são de três categorias: de processa-mento e transformação de produtos agrícolas; indústrias

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que se ajustam às necessidades do setor agrícola em ter-mos de suprimento de insumos; e indústrias neutras quenão têm ligação com a agricultura local, mas são empre-sas na categoria de indústrias leves que podem absorvero excesso de mão-de-obra do quadro rural.

A industrialização rural, como é chamada essa inte-gração, é uma estratégia para contrabalançar desequilí-brios econômicas e sociais do processo de desenvolvi-mento. Esse instrumento tem sido utilizado com grandeeficácia para melhorar as condições de vida das popula-ções interioranas. Especificamente, essa política visa ele-var o nível de renda das populações das pequenas comu-nidades do interior e das áreas rurais e ampliar osmercados para os produtos agrícolas, assim como dosbens industriais. Com isso, é possível reduzir os fluxosmigratórios, especialmente dos mais jovens e das pesso-as treinadas, essenciais à execução das complexas ativi-dades rurais.

A interiorização da indústria deve ser, sempre quepossível, prioritariamente concentrada de modo que se-jam criadas nesses centros, as condições de apoio e asamenidades básicas mínimas que a mão-de-obra qualifi-cada exige. As empresas devem-se localizar em peque-nas comunidades rurais ou no próprio campo, quando asconveniências técnicas e econômicas assim o permitam.Devem ser procuradas tecnologias intensivas e moder-nas de mão-de-obra, para permitirem a competição e aqualidade dos produtos, conforme as exigências dos mer-cados. Segundo estudos realizados pelo Banco do Nor-deste e Universidade Federal do Ceará, as aspirações dapopulação do interior, especialmente próximas aos pro-jetos de irrigação, se inclinam para a industrialização desuas comunidades. Dos produtores pesquisados, 70% al-

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mejam para os seus filhos uma oportunidade de trabalhona indústria. Sem a indústria rural, 67% dos entrevista-dos preferem sair do campo e de pequenas comunidadespara tentar um outro emprego na cidade grande.

A instalação de indústrias rurais tem sido analisa-da também do ponto de vista dos custos e benefícios. Ameta, por exemplo, de aliviar as pressões demográficasdas metrópoles devem entrar nos cálculos dessa opçãode localização da indústria no interior. Qual o custo soci-al para educar, oferecer habitação, transporte e o próprioemprego numa e noutra situação? Do mesmo modo, deve-se levar em conta o valor presente dos futuros impostosque serão gerados e o imposto multiplicador local quetais indústrias irão produzir.

A industrialização rural pode ser, assim, a chavepara a modernização das atividades econômicas do inte-rior do Ceará e a mudança dos rumos do desenvolvimen-to rural do Estado.

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REFLEXÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO RURAL

esenvolvimento rural foi tema tratado em um doscursos da Universidade Aberta do Jornal “O Povo”.

Como professor do Curso de Mestrado em Eco-nomia Rural da UFC e Chefe da Divisão de Estudos Agrí-colas do Departamento de Estudos Econômicos do BNB,integramos o quadro de monitores do referido curso.

Com a publicação de cada fascículo do curso, mui-tos leitores encaminhavam ao jornal perguntas sobre ostemas apresentados. Selecionei alguns questionamentosmais freqüentemente ocorridos para oferecer comentári-os explicativos sobre desenvolvimento rural.

Relendo este material, verifiquei que os problemasabordados no tocante ao assunto de nossa responsabili-dade continuam muito atuais. Neste particular, destacam-se: reforma agrária, cooperativismo, irrigação, modelosde tamanho de propriedades, além de muitos outros.

Todos os textos constantes do presente documentosão os mesmos do referido curso e não foram em nadaalterados. Vale a pena lembrar que o curso contou comum grande número de inscrições e, pelas perguntas for-muladas, vê-se que os participantes dessa iniciativa do“O Povo” revelaram um bom aproveitamento.

Desse modo, espero estender essas reflexões aos in-teressados nos assuntos de desenvolvimento econômico.

Causas do Subdesenvolvimento

Para refletirNa última aula, o senhor se refere às causas “huma-

nas e políticas” do subdesenvolvimento do Nordeste, mas

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diz explicitamente que não trataria delas. Pergunto: issonão empobrece a análise da questão e não pode levar aum diagnóstico e a uma terapêutica errada?

Comentários

Acreditamos que o leitor se refira à frase constanteda nossa última aula, quando tratamos dos inúmeros fa-tores do subdesenvolvimento do Nordeste e afirmamos:“Quanto aos aspectos humanos e políticos, não tem sidopossível, até agora, mensurar convenientemente os seusreais efeitos, mesmo sabendo-se que eles estão influen-ciando o atraso econômico e social da região.”

O leitor tem toda razão, pois o subdesenvolvimentoé um fenômeno morfológico, com vinculações significati-vas entre os elementos econômicos e não econômicos. Oque tentamos explicar na introdução da referida aula, to-davia, é que nenhuma das disciplinas das ciências soci-ais dispõe ainda de instrumento econométrico suficientepara permitir aos estudiosos compreender e medir a com-plexa interação de elementos políticos, sociais, econômi-cos, psicológicos, éticos e culturais do fenômeno dosubdesenvolvimento e do processo de transição para odesenvolvimento econômico. Devido a essa limitação, nãonos foi possível calcular as reais diferenças entre o graude desenvolvimento rural do Nordeste e do Sudeste,exceto quanto aos níveis de renda, utilização dos fatores,força de trabalho e diferenças tecnológicas e regionaisanalisadas no texto.

A nossa análise geral dos problemas do subdesen-volvimento e do desenvolvimento rural, todavia, levou emconta os aspectos políticos e humanos a que o leitor serefere. De fato, a transformação da sociedade tradicional

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em sociedade moderna requer sejam simultaneamentealteradas a estrutura social, as instituições políticas e asatitudes da população agente e beneficiária do processo.

O desenvolvimento exige da classe política realismo,dedicação e uma franqueza inspiradora para transmitirao povo a consciência do preço do desenvolvimento, paraque ele possa desempenhar seu papel que deve ser umesforço verdadeiramente de toda a população, como nosensina o Prof. Louis Walinsky. O desenvolvimento econô-mico depende, também, da coerência dos planos, da efi-ciência com que são mobilizados os recursos, daorganização e eficiência administrativa pública e priva-da. O sucesso depende, ainda, dos engenheiros, técni-cos, economistas, professores, funcionários públicos,empresas, gerentes e operários, encarregados da execu-ção dos programas. Também depende, fundamentalmen-te, dos governantes que tomam as decisões e determinamas políticas, identificando-se com os objetivos que se ajus-tem aos interesses do povo. Enfim, o desenvolvimentoeconômico é um processo de transformação social, cultu-ral e político e das estruturas econômicas em favor damelhoria dos padrões de vida e de respeito humano a todaa população.

O Papel da Educação no Desenvolvimento

Para refletir

Na aula sobre o Nordeste, uma nova estratégia parao desenvolvimento rural, o senhor fala na necessidadede mudança na ênfase dos objetivos dos programas dedesenvolvimento para o Nordeste. Qual o verdadeiro pa-pel que o senhor atribui à educação na nova política?

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Comentários

Os governantes e burocratas dos países pobres ge-ralmente subestimam o valor da educação no processode desenvolvimento. É comum darem ênfase aos ganhosdecorrentes da aplicação do capital, relegando a segun-do plano a importância para a nação de uma educaçãomais esmera, da redução da criminalidade, do auto-res-peito por ser alfabetizado, além de muitas outras satisfa-ções culturais e sociais que provêm do desenvolvimentode talentos surgidos do processo educacional. Muitosestudos indicam que o hiato de renda de pessoas de umaregião diminui quando aumenta o nível de educação dascamadas inferiores. A educação é um importante estímu-lo para a modernização, e o progresso tecnológico é inútilsem uma população treinada para dele fazer uso.

O maior problema que o Nordeste enfrenta, nesseparticular, decorre do fato de que a educação e o treina-mento, além de insuficientes, não são compatíveis comas necessidades e as oportunidades oferecidas pelo sis-tema econômico. A menos que seja encontrada uma for-ma para treinar a massa de desempregados ou de baixaprodutividade, poucas são as esperanças de uma vidamelhor para essas pessoas.

Na verdade, um esforço vigoroso deve ser feito paraelevar a qualidade do sistema educacional e adaptá-lo àsreais necessidades da população pobre. A educação deve-se estruturar, em todos os níveis, para o atendimento deuma sociedade democrática e em evolução. Deve tam-bém acentuar o valor e a dignidade do trabalho e ensinaros que até agora ficaram marginalizados da sociedade aparticiparem do esforço e dos resultados do desenvolvi-mento econômico.

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A educação “per se” não é suficiente para resolveros problemas da população de baixa renda, como asubnutrição, as enfermidades e a má habitação. O desejode melhorar essas condições por motivos políticos, eco-nômicos ou humanitários não deve reduzir a premênciapara o atendimento das necessidades educacionais. Istopor que a educação, embora apresentada muitas vezescomo despesa de caráter apenas social, é tão importantepara o sistema produtivo como as demais formas de ca-pital diretamente produtivo. O verdadeiro desenvolvimen-to econômico, além disso, não significa apenas o aumentoda produção e da riqueza material para poucos, mas, so-bretudo, uma verdadeira igualdade de oportunidades quesomente a educação viabiliza. Ela é, em síntese, a chaveda mobilidade das classes sociais, das transformaçõeseconômicas e políticas duradouras e construtivas. Nenhu-ma nação, enfim, poderá ser considerada desenvolvidase o problema da alfabetização e da educação das mas-sas não for plenamente solucionado.

Grande Propriedade e Produção Familiar

Para refletir

A solução para a agricultura nordestina pode serresumida na equação: grande propriedade moderna/pe-quena produção familiar?

Comentários

De modo geral, as políticas agrárias, segundo o au-torizado especialista Rolan de Gadille, devem ter comoobjetivo principal procurar resolver as dificuldades en-contradas pela comunidade rural no seu esforço de adap-

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tação às suas condições sociodemográficas e econômi-cas. Do ponto de vista da tese defendida em nossas aulasna Universidade Aberta, consideramos como desenvol-vimento rural integrado no processo que abrange umacombinação de atividades para incrementar a produtivi-dade e aliviar a pobreza pelo melhoramento das condi-ções de educação, saúde, habitação, alimentação e doatendimento de outras necessidades básicas econômi-cas e sociais. Para que esse desenvolvimento seja pleno,é essencial também que os membros da sociedade ruralparticipem das decisões sobre a organização e execuçãodas políticas que visem ao atingimento dessas metas.

Por toda a parte do mundo, contudo, as estruturasagrárias – no que tange às dimensões das explorações eà sua forma de organização – refletem as marcas dos re-gimes e das concepções que as inspiram. O modelo paralevar os benefícios do desenvolvimento aos grupospopulacionais pobres do quadro rural tem assumido di-versos tipos nos países capitalistas e socialistas. Os sis-temas fundiários são grandemente diversificados no casodos países ocidentais já desenvolvidos, mas apresentamcomo traço dominante a fazenda familiar, enquanto naRússia e Cuba prevalece a modalidade da grande empre-sa administrada, ao lado de microfúndios particulares. Nospaíses subdesenvolvidos, especialmente da América La-tina, o comum é a coexistência do latifúndio – minifúndioou, por vezes, a prevalência de dualismo entre empresasmodernas – nacionais ou estrangeiras – ao lado de pe-quenas glebas tradicionais e de subsistência.

A experiência histórica desses países revela que aprodução agrícola eficiente tanto pode ser obtida em gran-des empresas como em pequenas propriedades. O essen-cial é que do aumento da produção e da eficiência produtiva

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resultem a realização dos desejos sociais e psicológicosda população trabalhadora da zona rural. Para se chegarao âmago da verdadeira questão da escolha do tipo adequa-do de organização produtora, no setor rural, há necessida-de de considerar os sentimentos de “status” e liberdade,que estão associados à posse da terra. Não se pode divorciareste problema, como diz Raanan Weitz, do “clamor e aspi-rações dos agricultores em explorarem suas próprias ter-ras. A agricultura é um método de vida e não uma ocupação”.

O elemento crucial da política agrária dos paísessubdesenvolvidos é encontrar uma forma de elevar os pa-drões de vida dos pequenos produtores, trabalhadores semterra, desempregados e seus familiares, ao mesmo tempoem que transforma estes cidadãos em homens livres, con-forme os direitos fundamentais do trabalhador. O modelode propriedade familiar tem como aspiração possibilitaressa dupla finalidade. Diferente da indústria que geralmen-te tem vantagens pelo sistema operacional de linha de mon-tagem, a produção agrícola, por sua própria natureza, sebeneficia mais com o cuidado pessoal e tempestivo da famí-lia rural. Contando com um sistema de apoio de cooperati-vas e empresas comerciais, a unidade familiar temcompetido em todos os estágios de desenvolvimento. Se-gundo os técnicos do Banco Mundial, que inclusive fizeramestudos no Nordeste do Brasil sobre o tamanho ótimo dapropriedade agrícola, a produtividade nas pequenas ex-plorações é comumente tão alta como nas grandes e, àsvezes, maior. Numa situação de pressão demográfica comoa do Nordeste, a propriedade familiar tem a virtude socialde possibilitar mais emprego em relação à terra e ao capital.

Sobre o assunto, João XXIII, na “Mater et Magistra”,adverte: “Não é possível estabelecer, “a priori”, qual aestrutura que mais convém à empresa agrícola, dada avariedade dos meios rurais no interior de cada país e,

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mais ainda, entre os diversos países do mundo. Contudo,quando se tem um conceito humano e cristão do homeme da família, não se pode deixar de considerar como ideala empresa que funciona como comunidade de pessoas(...). De modo particular, deve considerar-se como ideal aempresa de dimensões familiares.”

Podemos concluir dizendo que a agricultura do Nor-deste é de baixa produtividade e com relações de produ-ção desiguais e subdesenvolvidas, carecendo demudanças profundas na estrutura social e institucional,além da organização da fazenda para a adoção de novastecnologias que possibilitem maior e mais eficaz produ-ção. Sem essas modificações, diz P. Todaro “o desenvol-vimento agrícola jamais será iniciado ou, o que é maisprovável, o já amplo hiato de renda entre os poucos e ri-cos grandes senhores de terra e a massa de empobreci-dos arrendatários, pequenos proprietários e trabalhadoressem terra simplesmente aumentará.”

A fazenda familiar, caro aluno, representa a opçãocapaz de oferecer as bases para um desenvolvimento maisharmônico, com maior justiça social e eficiência produti-va. A grande empresa moderna capitalista pode ser tole-rada como um estágio das transformações requeridas,nunca como uma solução definitiva da pobreza rural, quedeve ser o objetivo de uma autêntica política de desen-volvimento econômico equilibrado.

O Cooperativismo no NordestePara refletir

Como o senhor vê o cooperativismo no Nordeste? Temviabilidade econômica? É, realmente, um meio de democra-tizar a terra? Modernizaria a propriedade rural nordestina?

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Comentários

A organização cooperativa é, geralmente, mencio-nada como instrumento apropriado para transformar apopulação pobre e analfabeta em colaboradora ativa dapolítica de desenvolvimento rural. Os planejadores e ogoverno esperam que esse sistema seja o vínculo capazde preencher a ausência da iniciativa privada e a organi-zação para fornecer os serviços necessários à produção,administração e repasse de crédito, assim como realizara comercialização e distribuir mais eqüitativamente a ren-da. A cooperativa, enfim, é tida como possuidora de vanta-gens de sua dimensão de escala econômica e tecnológica,constituindo instrumento eficaz para as mudanças darealidade do meio rural.

Mesmo diante dessa confiança no papel docooperativismo, como fórmula para o atendimento ade-quado dos pequenos agricultores, a experiência do Nor-deste, neste particular, não tem sido positiva como sepoderia esperar. Na verdade, o cooperativismo tem en-contrado muitos entraves na região e poucos são os exem-plos de pleno sucesso dessas sociedades a despeito doapoio técnico e, principalmente, financeiro, que vem sen-do proporcionado pelos órgãos governamentais e bancosoficiais. Aparentemente, parte das razões deste êxito li-mitado decorre das atitudes, tanto dos responsáveis pelaimplantação dessas associações como dos próprios agri-cultores beneficiados. Não obstante, a experiência inter-nacional de desenvolvimento rural bem sucedido temdemonstrado que a organização dos agricultores, especi-almente dos pequenos, é uma pré-condição para a trans-formação do setor. De fato, o pequeno produtor nãoconsegue obter os serviços de que necessita para explo-

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ração de sua unidade, porque lhe faltam habilidade, mei-os e poder de enfrentar os prestadores de serviço. A fimde enfrentar essa situação, os agricultores necessitam unirsuas forças e criar sua própria organização de autodefe-sa e competição. Tais associações auxiliam também opequeno agricultor a se adaptar às mudanças no estabe-lecimento agrícola e na comunidade rural.

Para definir um sistema cooperativo que realmentefuncione em bases democráticas, é preciso, como dizNaphtali Gal, encontrar uma forma apropriada de organi-zação associativa que contemple as aspirações, os ideaise as características culturais próprias dos indivíduos queparticipem desse processo. Em síntese, a organizaçãocooperativa deverá fundar-se em princípios flexíveis, deeqüidade, democracia e propriedade conjuntas, condizen-tes com a premissa de um crescimento econômico-eqüi-tativo da sociedade rural.

A Execução dos Planos

Para refletir

O senhor fala em suas aulas na necessidade de con-trole na execução dos programas de desenvolvimentorural integrado. Em que consiste este processo?

Comentários

Uma parte essencial da estratégia do desenvolvi-mento rural integrado é a preparação formal do plano,com a finalidade de identificar e definir as políticas e osobjetivos a serem perseguidos.

Seguem-se a esta etapa a execução e controle doplano. Esta última fase corresponde à administração das

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metas e tem por finalidade medir e examinar os resulta-dos obtidos para avaliar e adotar as medidas corretivasque sejam necessárias. O controle, naturalmente, é para-lelo à execução.

A necessidade de controlar o plano se deve: a) im-perfeição do mesmo como instrumento de prognóstico edecisão; b) distorções geradas na interpretação dos obje-tivos, metas e mecanismo de execução; c) incertezas de-correntes de fatores externos.

As deficiências na execução do plano advêm, geral-mente, da escassez e ausência de informações no momentoda preparação dos estudos. O plano, na verdade, é um pro-cesso de aproximações sucessivas que depende de dadoseconômicos, sociais, políticos, culturais e psicológicos, nemsempre disponíveis. A sua execução exige a participaçãodo setor público e privado e da coordenação dos diversosorganismos envolvidos nessa tarefa. A administração doplano, portanto, destina-se a vigiar o cumprimento dosobjetivos nele estabelecidos, os meios disponíveis e as in-fluências que atuam durante o processo de execução.

Os objetivos do plano são normalmente de médio elongo prazos, quando não de natureza permanente. Asmudanças nesse tocante são de ordem política e o máxi-mo que o sistema de controle pode fazer é suprir cominformações, para auxiliar o governo na revisão de taisobjetivos. Aqui se faz referência aos objetivos de carátermais geral, tais como: distribuir melhor a renda, aumen-tar as oportunidades de emprego no quadro rural, etc.

As decisões relativas ao controle são mais pertinen-tes às medidas corretivas dos meios de execução, cujos efei-tos são mais de curto prazo. Esta atividade, contudo, é umafonte importante de informação para a revisão eventual oupara a preparação de outros planos nos anos seguintes.

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A organização de um sistema de controle deverábasear-se nos seguintes requisitos: a) estabelecimentode critérios que permitam avaliar os resultados; b) ado-ção de um sistema administrativo que revisará e avaliaráa execução.

Além disso, o plano deve ser suficientemente flexívelde modo a permitir os ajustes requeridos, sem tornar-sesusceptível de mudanças orientadas por outros interesses.

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URBANIZAÇÃO RURAL

tualmente a taxa de urbanização do Ceará é de maisde 65%. Mantido o ritmo de crescimento dos últimos

anos, na próxima década essa proporção terá ultra-passado o nível atual do Brasil, ou seja, 76%. Muitos paísessubdesenvolvidos já ultrapassaram 80% de urbanização.

Grande parte dessa população do Ceará encontra-se na capital (36%) e em poucas cidades de maior porte.Na maioria das cidades de 10 a 20 mil habitantes, temocorrido redução no número absoluto de pessoas.

Duas causas principais são comumente apresenta-das para motivar esse padrão de urbanização. Atraçãodas grandes cidades devido as aparentes oportunidadesde emprego e às reais possibilidades de mais confortooferecidas por esses centros. As forças de expulsão docampo, todavia, explicam em grande parte as tendênciasemigratórias do campo para as metrópoles dos segmen-tos populacionais sem opção de sobrevivência condignano interior.

Esse fenômeno afeta negativamente as zonas ru-rais de diversos modos, empobrece a comunidade rural,drenando a população jovem e deixando no campo osmenos capacitados, velhos e mulheres. De fato, a peque-na cidade que preenche muitas funções administrativas,de comércio de varejo e de apoio à modernização, temperdido muitas dessas funções.

Em conseqüência disso, é indispensável dedicar es-pecial atenção ao problema do fortalecimento das peque-nas cidades num programa de modernização da agriculturae da descentralização do desenvolvimento econômico.

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Segundo o renomado economista Raanan Weitz, aspequenas cidades rurais proporcionam a base para o sis-tema de apoio necessário à transição da economia de sub-sistência para a economia de mercado. Tais cidades podemservir como lugares apropriados para as agroindústrias eatividades manufatureiras, artesanais ou complementaresàs lides rurais de consumo local. Podem levar conhecimen-tos e a cultura urbana para apressar a modernização e asmudanças econômicas e sociais do interior.

Mais uma vez, observa-se que um programa de de-senvolvimento da agricultura e da zona rural do Cearánão pode ser realizado isoladamente. Aumentos de pro-dução ou de produtividade de determinadas culturas po-dem contribuir muito pouco ou até agravarem os jáexistentes problemas de desemprego ou concentração derenda do Estado.

A descentralização urbana, enfim, não só é possí-vel nos estágios iniciais do desenvolvimento, como é es-sencial para o progresso do interior. A base urbana, comos melhoramentos na agricultura e a participação dasempresas agroindustriais fecham o ciclo econômico parao desenvolvimento rural equilibrado.

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O ÊXODO RURAL

erá o êxodo rural um mau, como muitos dizem?A revolução tecnológica posta em marcha no

início do século dezenove provocou o processo de urba-nização. Foi a industrialização que criou os estímulos parasua expansão.

Até 1.800 a população da Europa e América do Nor-te era predominantemente rural. Nos Estados Unidos apopulação das cidades que atingia 5%, passou para 15%cinqüenta anos depois. Em 1940 era de 56% e, atualmen-te, alcança 91%.

A Inglaterra tinha 10% da população nas cidades, noinício do século. Em 1998 essa população compreendia 96%.A Austrália, atualmente, é o país mais urbanizado do mundo.

Todas as nações desenvolvidas tiveram o mesmopadrão de crescimento demográfico.

Pode-se concluir que o êxodo rural é uma fatalidadeou uma decorrência das transformações econômicas esociais do desenvolvimento econômico. A proposta da fi-xação do homem no campo é uma rejeição da históriaeconômica. É remar contra a corrente.

Do mesmo modo ocorre com o emprego. Quando aeconomia é atrasada, há proporcionalmente muito em-prego no campo. Os livros de história mostram que, noséculo vinte, os trabalhadores agrícolas caíram de 70% a60% para 5% ou 3% em todos os países desenvolvidos.

Enquanto isso, nos países subdesenvolvidos a mu-dança estrutural da produção segue o mesmo modelo dospaíses industrializados, mas o emprego na agricultura semantém elevado ou quase constante ao longo dos anos.

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Em outras palavras, isto significa que a produtividade damão-de-obra agrícola tem decrescido, verificando-se,portanto, o contrário do que aconteceu durante o proces-so de desenvolvimento dos países hoje afluentes.

O processo de urbanização nos países hoje desen-volvidos ocorreu através do aumento da produtividadeda agricultura. Assim, uma população cada vez menorsupria as necessidades alimentares dos habitantes nascidades. Atualmente, apenas 3% da população emprega-da na agricultura produz o suficiente para atender o con-sumo interno desses países e, muitas vezes, comexcedentes para exportação.

Nas últimas décadas, semelhante processo de urba-nização passou a verificar-se nos países subdesenvolvi-dos, com duas diferenças fundamentais. Ao tempo em queocorre a saída da população do campo para a cidade, nãotem melhorado a produtividade agrícola. Em muitos ca-sos, tem ocorrido diminuição da produtividade média comelevação das necessidades de importação de alimentos.

O Nordeste e o Ceará encontram-se em tal situa-ção. Neste Estado trabalham hoje na agricultura cerca de38% da população economicamente ativa. São 1,2 milhãode pessoas que produzem apenas 7% do produto internodo Estado. Há excedente de, pelo menos, 600 mil pessoasocupadas na agropecuária.

É um mito, portanto, pensar que a agricultura, iso-ladamente, vai poder criar novos empregos e reduzir apobreza dos que trabalham nesta atividade. Se isto não épossível, qual o conselho ou solução para a redução dapobreza rural e a obtenção do desenvolvimento susten-tável de toda a sociedade rural?

Para o Ceará de hoje, a opção viável é a realizaçãodo desenvolvimento do interior, sem mobilidade demo-

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gráfica. Dizendo de outra forma, deve-se manter a popula-ção nas cidades e povoados do interior, ocupada em outrasatividades econômicas não-agrícolas. São agroindústrias,turismo, produção de insumos e ramos complementares.

As indústrias neutras, que não dependem da pro-dução agrícola, são atualmente muito comuns nas áreasrurais dos países desenvolvidos. Chama-se a isto deagronegócios ou desenvolvimento integrado. A constru-ção de infra-estrutura e urbanização do quadro rural man-têm o modo de vida do sistema social agrícola, com astransformações econômicas e demográficas peculiares aodesenvolvimento econômico.

A conclusão dessa tese é de que o êxodo rural vaiacontecer, seja pela revolução tecnológica ou motivadapela industrialização das cidades. Outra força de expulsãoserá através da elevação da produtividade agrícola ou,como ocorre no Ceará, pela seca. A estrutura agrária de-ficiente e a pouca disponibilidade de terras férteis têmum papel importante nesse tocante.

Se os governos não conseguirem oferecer no cam-po as condições de mais conforto para a população resi-dente e para a criação de emprego, bem menos custososdo que nas grandes cidades, como vão poder fazê-los nascidades? Segundo estudos bem fundamentados, são ne-cessários vinte e duas vezes mais investimentos do go-verno para fazer isto nas cidades do que no interior. Émelhor gastar mais em reforma agrária e educação ruraldo que mesmo em repressão urbana.

Portanto, o desenvolvimento deve ir para o campoe não deixar que a população do campo se dirija para àsgrandes cidades, incapazes de oferecer o essencial paraa melhoria das condições de vida da população.

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A EVOLUÇÃO DA AGRICULTURA

população do Ceará, no corrente ano, é de 7,6 mi-lhões, com 5,3 milhões nas zonas urbanas, ou seja,

28% morando no campo. Em 1930, a população total doEstado atingia 1,7 milhão, da qual 80% viviam no quadrorural. Fato notório a registrar é que entre 1930-2002, a po-pulação do Ceará aumentou quatro vezes, mas a ruralcresceu apenas 64%. Desse modo, a evolução populacionaldo Estado ocorreu ou convergiu para as zonas urbanas,consumidoras de alimentos e matérias-primas agrícolas.

Devido ao lento crescimento da produção agrope-cuária, coube ao comércio de importações de alimentos deoutros estados e do exterior a responsabilidade por gran-de parte do abastecimento de gêneros alimentícios e be-bidas. Carne e leite eram os principais produtos locaissuficientes para as necessidades do Estado. Esse des-compasso entre produção agrícola e necessidades da po-pulação se estende até os dias atuais, para alguns produtos.

Observando-se a situação do início da década de30, pode-se estimar que, no referido ano, estavam ocupa-das no processo produtivo estadual cerca de 525 mil pes-soas. Destas, 80% trabalhavam diretamente na agriculturaou se relacionavam com esse setor. Assim, as pequenascidades, com alguns poucos serviços públicos e ativida-des artesanais, viviam na dependência da agricultura eda pecuária. Fortaleza, Crato, Juazeiro, Sobral, Icó, Iguatue Crateús eram aglomerados urbanos mais representati-vos de verdadeiros núcleos urbanos.

Hoje, a região metropolitana de Fortaleza conta com2,9 milhões, 40% da população total do Estado, seguida

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pelas cidades de Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha,Sobral, Limoeiro do Norte, Missão Velha, Russas e Iguatu,com mais 20%.

O Censo Demográfico de 1960 apontava um empre-go na agricultura de 688 mil pessoas com 10 anos e mais.Nesse ano, a proporção do setor era de 66% do total deemprego no Estado. De 1960 a 1980, o emprego da agri-cultura cresceu 10%, dando um salto de 20% na décadaseguinte. Mesmo com recuos nos anos de seca, quandoas frentes de serviços passam a absorver os deslocadosda atividade agrícola, o emprego na agricultura tem sidocrescente em termos absolutos, mas reduzida, em termosrelativos, como ocorreu com o padrão clássico das mu-danças estruturais do processo produtivo no desenvolvi-mento econômico.

De acordo com dados da SUDENE, a taxa de cresci-mento da agropecuária, silvicultura e pesca, de 1947-1975,foi de 1,7% ao ano, em comparação com 8,7% da econo-mia como um todo. A partir de 1975-80 até os anos 1990-95, passou a apresentar estagnação, segundo cálculos dasmédias móveis qüinqüenais, para eliminar os efeitos dasvariações da produção do setor primário do semi-árido.Nesse último período, as taxas de crescimento do produ-to urbano foram muito elevadas, com patamar acima de10% ao ano.

No período de 1995-2002, a taxa de aumento do se-tor agropecuário tem sido, em média, de 2 a 3%, adotan-do os mesmos critérios das médias móveis. Vale lembrarque nesse interstício ocorreram as secas de 1998 e 2001que afetaram a curva ascendente da produção rural.

Os dados retrospectivos da renda estadual somen-te foram calculados pela Fundação Getúlio Vargas após oano de 1947, mas com muitas limitações em face de os

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dados primários serem deficientes. Antes desse anoinexistem informações pertinentes.

Sabe-se, no entanto, que a produção agropecuáriado Ceará evoluiu, lentamente, no período em análise, ouseja, 1930 a 1947. Nessa etapa, a produção agrícola evo-luiu extensivamente através de mais área cultivada, maisemprego e pouca ou nenhum aumento de produtividade.O desmatamento antecedia à ocupação com a pecuáriaque carecia de pastos naturais.

A renda “per capita” do Ceará, na década de 30,deveria ser por volta de US$ 100 ou menos. Nessa época,nada menos de 70% dessa renda provinha do setor agríco-la. As poucas agroindústrias existentes estavam concen-tradas em algumas cidades próximas às matérias-primasextrativas ou de produção de carnes e padarias.

A estrutura do Produto Interno Bruto era, em 1970,de 19% da agropecuária, 17% da indústria e 64% dos ser-viços. A maior proporção da agricultura era de 43% noMaranhão, enquanto Pernambuco atingia 14%. Em 1980,essa relação no Ceará era de 15%, em 1990 atingia 10% e,atualmente, alcança cerca de 6-8%, conforme o ano denormalidade climática, ou não.

Estima-se, “grosso modo”, que atualmente a renda“per capita” dos habitantes das zonas rurais do Cearáseja de R$ 180,00 e, nos centros urbanos, atingia R$3.000,00. Essa disparidade pode ser observada tambémna distribuição de renda entre os setores econômicos.Enquanto a agropecuária, por exemplo, contribui com 6%na formação da renda total, o emprego desse setor alcan-ça 40% da população ocupada. Esse dualismo econômicomotiva um perfil de riqueza no Estado altamente concen-trado. Assim, calcula-se que mais da metade dos pobresestão no quadro rural e que aproximadamente 60% daspessoas na agricultura estão abaixo da linha da pobreza.

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A agropecuária do Ceará ocupava, em 1999, 1.277mil pessoas, em 1995 esse número era de 1.170 mil e, em1985, exatamente 943 mil. Portanto, ocorreu um aumen-to, nesse período, de 334 mil pessoas, quase igual a queocupa a indústria de transformação. No Nordeste, entre1995 e 1999, deu-se uma redução do emprego regional naagricultura. Segundo as somas de atividades das pessoasocupadas, no Ceará 36% dedicavam-se a lavouras tem-porárias, 22% à pecuária, 12% a lavouras permanentes e26% à produção mista.

Algumas comparações na produção de grãos, no pe-ríodo de 1947-2002, oferecem uma idéia das mudanças naestrutura produtiva do Estado. A área plantada com grãomais do que dobrou no período, enquanto a produção, queera de 354 mil toneladas, passou para cerca de um milhãode toneladas atualmente, correspondendo a um aumentode 182%. A produtividade média que atingia 554 kg/hapassou para 846 kg/ha. Em 1947, o principal produto era omilho, com 47% do total de grãos, seguido do algodão, com23% de caroço. O milho continua na liderança, mas com63% da produção, seguido do feijão e arroz. O algodão e amamona têm, atualmente, modesta participação.

No período analisado, duas mudanças relevantesforam observadas. A área cultivada com algodão, que erade 282 mil ha, chegou a alcançar 1.330 mil no ano de 1972,decrescendo para 20 mil ha atualmente. A mamona, quemantinha uma posição constante de 1947 a 1976, a partirde então perdeu posição continuada até o corrente ano,com apenas 1.861 ha e produção sem expressão.

Todas essas mudanças estão associadas às altera-ções climáticas, nas políticas de preços e comercializaçãoque foram conduzindo os agricultores às atividades maisadequadas as suas realidades e necessidades. Certamen-

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te, a evolução do setor rural do Estado foi moldada em cadamomento, com a influência da administração dos secretá-rios de agricultura que atuaram ao longo desses 73 anos.

A evolução ocorrida na exploração e propriedadedas terras, nos últimos 45 anos, pode oferecer uma idéiada história agrária que o Estado passou desde 1930. Se-gundo o último Censo Agropecuário, existem no Ceará340 mil estabelecimentos agropecuários. Em 1950 estetotal chegava a 86 mil. Em termos de área ocupada poresses estabelecimentos, a situação é peculiar. Ou seja,entre esse ano e o de 1995, ocorreu uma diminuição nasuperfície total de 10 milhões de ha para 8,6 milhões.Durante o período, ocorreu também um grande fracio-namento dos estabelecimentos, com o crescimento dasunidades com menos de 10 ha, passando de 19 mil para246 mil. Quanto à área, o incremento foi de 92 mil ha para633 mil. Em contrapartida, os estabelecimentos com maisde 1.000 ha decresceram de 40%, representando hoje ape-nas 835 declarantes. Esse processo de fragmentação daspropriedades foi de forma natural, pois os programas dereforma agrária governamental somente tiveram inícionos últimos 15 anos, e com pequena expressão.

Na condição de responsável pelas explorações, amaior proporção é dos proprietários. A maior expansão,entretanto, ocorreu nas unidades arrendadas e ocupadasem terras públicas ou privadas. A modalidade mais co-mum de exploração é individual ou familiar.

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O MELHOR REMÉDIO PARA A POBREZA

pobreza e o desemprego estão crescendo na Amé-rica Latina e Caribe, de acordo com o último relató-

rio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).Nas palavras do vice-presidente desse Banco, ShahidJaved Burki, 73% da população dessas regiões residemhoje em áreas urbanas. O número de pessoas que vivemabaixo da linha da pobreza, enfatiza o referido economis-ta, dobrou nos últimos dez anos.

É oportuno lembrar também que em São Paulo, acidade mais industrializada e rica do Brasil, a populaçãofavelada cresce a 15% ao ano, onde já existem duas milfavelas, com 1,9 milhão de pessoas... E no Ceará, como seconfigura o problema da pobreza e do desemprego? Asituação não é muito diferente nesse particular, mesmoreconhecendo-se que o Estado vem passando por fase decrescimento expressivo e de animadoras perspectivas nospróximos anos.

Finalmente, por que têm ocorrido essas distorçõesno crescimento econômico na maioria dos países do Ter-ceiro Mundo e o que pode ser feito para corrigi-las?

De modo geral, esses países seguiram a via da in-dustrialização sofisticada e a qualquer preço, usandomuito capital e pouco emprego de mão-de-obra. Essapolítica resultou na participação declinante das zonasrurais na economia, tanto em termos de renda como deemprego. A longo prazo, esse padrão de crescimento ten-de a esvaziar o campo e congestionar as metrópoles, semcondições de infra-estrutura e de empregos para todosos que buscam tais aglomerados.

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Neste contexto, por mais forte que se apresente umprograma para a agricultura, a população rural tenderá aemigrar para as cidades se não forem criadas oportuni-dades econômicas alternativas e fontes de renda no pró-prio quadro rural. As agroindústrias e outros ramosneutros (sem ligação direta com a agricultura) podem sig-nificar um elemento-chave para introduzir novas ativida-des nas comunidades do interior e ter um efeito indiretono emprego rural para as famílias dos produtores locais.Uma boa articulação do setor agropecuário com o indus-trial é fundamental para que ambos sejam beneficiadospor essa solução.

A escolha das indústrias a serem instaladas develevar em conta o impacto que provocarão na economiada microrregião e na criação de trabalho produtivo paraos desempregados das áreas rurais. Outro objetivo paraa localização das indústrias no interior é criar centrosdispersos de inovação e mudanças econômicas e sociaisnas vilas e pequenas cidades. No caso das agroindústrias,a interdependência com a agricultura deve-se tambémao fato de as matérias-primas agrícolas serem altamenteperecíveis e sofrerem grande perda de peso no processode manufatura. Assim, podem ser transportadas à longadistância, mais adequadamente e a menores custos naforma industrializada.

A relação mútua entre a agricultura e a indústria,enfim, foi um dos fatores notáveis do processo de cresci-mento da economia dos países hoje desenvolvidos.

Os planejadores dos países subdesenvolvidos igno-ram esse fato e, equivocadamente, procuram imitar o pa-drão de industrialização hoje existente nos países ricos, ondeas condições são totalmente diferentes das que prevaleci-am na etapa do arranco inicial do crescimento econômico.

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Especificamente no caso do Ceará, existem condi-ções e fatores técnico-econômicos que permitem o de-senvolvimento industrial descentralizado e bem maisviável do que ocorreu durante a revolução industrial daEuropa. As disponibilidades de energia elétrica, meiosde transporte e comunicação em quase todos os municí-pios do Estado tornam menos imprescindível a necessi-dade de localização das fábricas nas grandes cidades.As experiências já realizadas no Ceará, nesse particular,precisam ser cultivadas e ampliadas urgentemente, poisé aí que se encontra a estratégia comprovada de êxito nocombate à pobreza e na obtenção do desenvolvimentoharmônico autêntico. Como a história econômica compro-va, a única saída para erradicar definitivamente a pobre-za é a oferta de empregos que pode ser viabilizada atravésda interiorização do desenvolvimento econômico e da in-dustrialização rural. Como se vê, o problema é simples etem solução. Basta colocá-la na prática...

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ESTRUTURA AGRÁRIA

s sistemas fundiários são grandemente diversifi-cados no caso dos países ocidentais já desenvolvi-

dos, mas apresentam como traço dominante a fazendafamiliar. Na Rússia e em Cuba prevaleceu a modalidadeda grande empresa administrada, ao lado de microfúndiosparticulares. Nos países subdesenvolvidos, especialmen-te da América Latina, o comum é a coexistência do lati-fúndio-minifúndio ou, por vezes, a prevalência dedualismo entre empresas modernas – nacionais ou es-trangeiras – ao lado de pequenas glebas tradicionais ede subsistência.

A experiência histórica de todos esses países reve-la que a produção agrícola eficiente tanto pode ser obti-da em grande empresas como em pequenas propriedades.O essencial é que do aumento da produção e da eficiên-cia produtiva, resultem a realização dos desejos sociais epsicológicos da população trabalhadora da zona rural.Para se chegar ao âmago da verdadeira questão da esco-lha do tipo adequado de organização produtora, no setorrural, há necessidade de considerar os sentimentos de“status” e liberdade, que estão associados à posse daterra. Não se pode divorciar este problema, como dizRaanan Weitz, do “clamor e aspirações dos agricultoresde explorarem suas próprias terras. A agricultura é ummétodo de vida e não uma ocupação.”

O elemento crucial da política agrária dos paísessubdesenvolvidos é encontrar uma forma de elevar ospadrões de vida dos pequenos produtores, trabalhadoressem terra, desempregados e seus familiares, ao mesmo

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tempo em que transforma estes cidadãos em homens li-vres, conforme os direitos fundamentais do trabalhador.O modelo de propriedade familiar tem como aspiraçãopossibilitar essa dupla finalidade.

Diferentemente da indústria que geralmente temvantagens pelo sistema operacional de linha de monta-gem, a produção agrícola, por sua própria natureza, sebeneficia mais com o cuidado pessoal e tempestivo dafamília rural. Contando com um sistema de apoio de coo-perativas e empresas comerciais, a unidade familiar temcompetido em todos os estágios de desenvolvimento.Segundo os técnicos do Banco Mundial que fizeram estu-dos no Nordeste do Brasil sobre o tamanho ótimo dapropriedade agrícola, a produtividade nas pequenas ex-plorações é comumente tão alta como nas grandes e, àsvezes, maior. Numa situação de pressão demográficacomo a do Ceará, a propriedade familiar tem a virtudesocial de possibilitar mais emprego em relação à terra eao capital.

Sobre o assunto, João XXIII, na “Mater et Magistra”,adverte: “Não é possível estabelecer, “a priori”, qual aestrutura que mais convém a empresa agrícola, dada avariedade dos meios rurais no interior de cada país e,mais ainda, entre os diversos países do mundo. Contudo,quando se tem um conceito humano e cristão do homeme da família, não se pode deixar de considerar como ideala empresa que funciona como comunidade de pessoas(...) De modo particular, deve considerar-se como ideal aempresa de dimensões familiares.”

Podemos concluir dizendo que a agricultura do Ce-ará é de baixa produtividade e com relações de produçãodesiguais e subdesenvolvidas, carecendo de mudançasprofundas na estrutura social e institu- cional, além da

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organização da fazenda para a adoção de novas tecno-logias que possibilitem maior e eficaz produção. Sem es-sas modificações, diz P. Todaro “o desenvolvimentoagrícola jamais será iniciado ou, o que é mais provável, ojá amplo hiato de renda entre os poucos e ricos grandessenhores de terra e a massa de empobrecidos arrendatá-rios, pequenos proprietários e trabalhadores sem terrasimplesmente aumentará.”

A fazenda familiar, portanto, representa a opçãocapaz de oferecer as bases para um desenvolvimento maisharmônico, com maior justiça social e eficiência produti-va. A grande empresa moderna, capitalista, pode ser umestágio das transformações requeridas, nunca como umasolução definitiva da pobreza rural, que deve ser o objeti-vo de uma autêntica política de desenvolvimento econô-mico equilibrado.

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NOVA POLÍTICA AGRÁRIA

ma nova política de reforma agrária para o Brasilfoi apresentada pelo signatário e aprovada pelo

Fórum Nacional de Secretários de Agricultura, reunidosrecentemente em Brasília. O novo modelo proposto deveter como princípios básicos o primado da descentrali-zação, observando-se as especificidades regionais e aintegração, entendida como a ação conjunta com osdemais elementos para viabilizar o processo produtivoda terra. Em substituição ao atual modelo excludente, pro-põe-se a participação da sociedade no processo da refor-ma agrária, não só como meio de legitimação, mas comoprocesso educativo de cidadania e de prática democrática.

A administração do novo sistema de reforma agrá-ria deve ser estruturada de modo a envolver a União, es-tados, municípios, a iniciativa privada e as entidades dasociedade civil, ligadas aos trabalhadores e proprietáriosda terra. Para viabilizar institucionalmente essa parce-ria, cria-se o Conselho Nacional de Reforma Agrária, comrepresentantes das instituições mencionadas, sob a pre-sidência do ministro extraordinário da política fundiária.As políticas, diretrizes e metas da reforma agrária cons-tarão de um plano plurianual elaborado em conjunto comas entidades componentes do sistema.

Nos mesmos moldes do nível federal serão criadosos conselhos estaduais e municipais com a missão decontribuírem para a formação das políticas e programasestaduais, compatibilizando-as com o plano nacional, res-peitando a hierarquia dos interesses federativos. A exe-cução do Programa de Reforma Agrária, ao nível estadual,

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será de responsabilidade de um comitê técnico constitu-ído pelo INCRA e do Órgão de Terra do Estado.

Deverão ser criados o Fundo Nacional para a Refor-ma Agrária e fundos estaduais. Caberá aos estados a res-ponsabilidade direta da coordenação e execução dosprogramas de reforma agrária, em consonância com asdeterminações do programa nacional e sob a supervisãoda União.

Ações emergenciais para a descentralização da re-forma agrária foram também sugeridas na proposta apro-vada pelos secretários, como um cadastro unificado emrede nacional das famílias assentadas, das que saíramdos assentamentos e das famílias interessadas em parti-cipar do programa. Foi defendida a agricultura familiarem substituição às formas predominantes de exploraçãocoletiva, comprovadamente ineficientes e fracassadas,onde foram até agora praticadas.

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A VEZ DA AGRICULTURA FAMILIAR

agricultura familiar é a forma de organização da pro-dução rural mais usada em todo o mundo desen-

volvido. Os objetivos e as idéias da democracia socialtambém talharam o sistema de organização agrária fami-liar como a base dos direitos de eqüidade da propriedadee de liberdade econômica.

No caso do Ceará, a agricultura familiar dispõe deum potencial produtivo inexplorado, especialmente domaior de seus tesouros que é a mão-de-obra, inclusive dasmulheres e dos jovens. A agricultura familiar, entretanto,não tem tradição histórica no Nordeste, como nas regiõesde imigração italiana, alemã e japonesa no Sul do País.

A agricultura familiar é aquela praticada e admi-nistrada pelas pessoas de uma mesma família, com usoeventual de mão-de-obra contratada temporariamente.É praticada por proprietários, arrendatários, meeiros queresidam na unidade de produção ou em núcleos rurais ouurbanos próximos do campo e tenham a maior parte darenda proveniente da agricultura. Atualmente essa cate-goria de produção representa a grande maioria dos esta-belecimentos agrícolas do Brasil, sendo responsável porquatro de cada cinco empregados no quadro rural e porelevada proporção da produção de alimentos.

O desenvolvimento agrícola e rural através da agri-cultura familiar só vai ocorrer vitoriosamente na medidaem que os produtores e cooperativas assumirem parceriacom o governo para realizarem, em conjunto, o planeja-mento das prioridades das comunidades beneficiárias. Aspreocupações devem ser locais e não estatais. Trata-se

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de uma mudança de cultura do desenvolvimento agrícolaainda comprometida com o paternalismo e o clientelismopolítico. A agricultura familiar, no Ceará, precisa adotarnovos métodos e estratégias e não ser apenas motivo parasimples distribuição de subsídios improdutivos com re-cursos públicos. Ela tem de ser organizada em formaempresarial para produzir e vender competitivamente osetor público. Naturalmente, deve criar condições paraque os próprios produtores possam desenvolver suas co-munidades. Este é o objetivo do Programa de Fortaleci-mento da Agricultura Familiar, lançado recentemente pelosenhor governador Tasso Jereissati.

As ações do programa destinam-se a motivar a es-tabilização da agricultura familiar com crédito de investi-mento e custeio, em condições especiais de remuneraçãobancária. A melhoria da infra-estrutura rural de habitaçãorural, saúde, saneamento, transporte e armazenamentopoderão ser parcialmente a fundo perdido. Finalmente,outra atuação do programa será a descentralização deserviços de apoio ao desenvolvimento rural, tais comoeducação rural, capacitação e profissionalização dos pro-dutores, pesquisa e reforma agrária.

As metas estabelecidas pelo programa no Estadodo Ceará, para o período de 1996-99, correspondem aduzentos e vinte milhões de reais, beneficiando aproxi-madamente quarenta e quatro mil estabelecimentos, cri-ando cento e dez mil empregos diretos e indiretos ebeneficiando quinhentos e cinqüenta mil pessoas.

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AGRICULTURA FAMILIAR DO CEARÁ

erca de 90% dos estabelecimentos agrícolas doCeará foram classificados como de agricultura fa-

miliar em 1995. São 306 mil unidades, com 52% da área eidêntico valor da produção agropecuária.

Vale assinalar que 127 mil ou 52% dos estabeleci-mentos estão na categoria de unidades quase sem ren-da, com 10% da produção total. Dos estabelecimentosfamiliares, 75% são de agricultura diversificada, com 65%da produção do total de agricultura familiar; 84% utilizamsó mão-de-obra familiar, com 67% da produção, e 168 milestabelecimentos são operados pelos próprios proprietá-rios, portanto 55%.

A grande integração da atividade é muito baixa: 64%dos estabelecimentos e 50% da produção não praticam talprocesso. A receita média da exploração familiar atinge, emmédia, R$ 976, enquanto é de R$ 18 mil a da categoria pa-tronal. O grupo familiar mais pobre produz apenas R$ 270;62% da receita agropecuária refere-se à agricultura familiarapenas com uso de mão-de-obra da família. Quando há mão-de-obra familiar, empregado e máquina, a receita aumentapara R$ 1.917, ou mais do dobro da média geral.

A mais elevada renda ocorre quando o estabeleci-mento adota o processo muito integrado de produção, comreceita de R$ 3.046 e despesa de R$ 925. Entretanto, 51%da renda total da agricultura familiar é pouco integradano mercado, isto é, com renda média de R$ 930. Quando émuito integrada, sobe para R$ 2.106.

Quanto ao uso de tecnologia, vale salientar que 68%dos estabelecimentos familiares usam apenas a força

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humana. A força animal ou mecânica é praticada em 31%das unidades produtivas. Adubos e corretivos são utili-zados apenas em 0,43% dos estabelecimentos e a assis-tência técnica e extensão rural pública e privada alcançamcerca de 3% dos produtores familiares. A energia elétricarural, em 1996, cobria 26% dos estabelecimentos.

A agricultura patronal tem 6% dos estabelecimen-tos e 45% da área e da produção total do Estado do Ceará.

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A TÁBUA DE SALVAÇÃO

agricultura ocupa um papel vital na vida diária damaioria da população do interior cearense. A agri-

cultura provê também os elementos essenciais aos con-sumidores urbanos. Por que, então, esse setor não évalorizado como devia? Por que a prosperidade não atin-giu para as pessoas que vivem da produção agrícola?

A agricultura, na verdade, tem sido para as pesso-as dedicadas a essa atividade, no Ceará, mais um modode vida ou ocupação subalterna do que uma atividadeeconômica reprodutiva ou empresarial. Alheia às neces-sidades e desafios do mundo globalizado atual, mantém-se num modelo de produção de subsistência, e, de modogeral, com bases tradicionais de baixa produtividade.

No entanto, onde quer que a agricultura científicatenha sido introduzida, foi possível fazer uma revoluçãoagrícola com benefícios efetivos para o produtor. O queera apenas um fardo monótono, passou a constituir-seuma atividade rentável. Nestas circunstâncias, duas con-dições básicas são indispensáveis à adoção de tecnologiamoderna na agricultura. Primeiro, o governo deve apoiarfortemente tal programa. Segundo, os agricultores têmde estar preparados para as mudanças pretendidas. Épreciso também um conjunto mínimo de competênciaadministrativa e organizacional para atender às comple-xas necessidades dos programas modernizadores.

As mudanças rurais não podem ser ordenadas decima para baixo. Elas precisam ser compreendidas e de-sejadas pela população beneficiada. Não será possíveltambém realizar o progresso rural sem um esforço con-

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junto do setor público e dos produtores. A agricultura é omais privado dos setores econômicos da economia e ogoverno, isoladamente, não tem autoridade nem capaci-dade para realizar as tarefas dos produtores rurais. Osgovernos, como diz o Prêmio Nobel de Economia,Theodore Schultz, não têm se mostrado capazes de assu-mir esse papel de modernizar a agricultura. Este argu-mento não pretende excluir o papel fundamental do setorpúblico no desenvolvimento rural. Cabe ao governo a res-ponsabilidade indeclinável em proporcionar orientações,estímulos, garantia dos serviços básicos de pesquisa,extensão e comercialização, sem paternalismo.

O desafio que o Ceará terá de enfrentar doravante étornar realidade uma revolução agrícola. O resultado seráum desenvolvimento mais equilibrado entre o campo e acidade. Sem esse equilíbrio, qualquer que seja a renda“per capita” média do Estado, a população continuaráemigrando para as cidades. Como está ocorrendo aindahoje nos estados desenvolvidos do Sul e Sudeste do Bra-sil e de outros países da América Latina.

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MODELOS DE REFORMA

uitas teorias e argumentos têm sido apresentadosno Brasil para justificar a importância da reforma

agrária no desenvolvimento agrícola. Para alguns, tra-ta-se de um problema charmoso e barulhento. Paraoutros, o assunto ainda apresenta discrepância entre rea-lidade e retórica.

Para melhor entender essa problemática, é possí-vel distinguir as propostas de reforma agrária em quatrogrupos alternativos.

O chamado Modelo Conservador objetiva reduzir asdesigualdades no uso da terra como elemento essencialpara um governo mais democrático. Nesse caso, a“performance” da agricultura seria determinada pelosincentivos do mercado, com o suporte do governo na infra-estrutura física e em serviços de apoio ao produtor. A re-forma seria uma concessão por estabilização política,redução de invasões de terra ou para amenizar as amea-ças revolucionárias excessivas.

O Modelo Liberal pretende a criação de uma classede fazendeiros, ao invés da elite de proprietários de terravoltados para a exportação. Também nessa opção, a fina-lidade seria reduzir as desigualdades entre o campo e acidade e criar as condições para um governo democrático.

“Terra para o camponês” é a proposta do ModeloPopulista. Essa posição tem como maiores defensores ostecnocratas. Eles destacam a eficiência superior da pro-priedade familiar, adotada na reforma agrária, e a solu-ção para o emprego do excesso de mão-de-obra. Adistribuição da terra supõe que a produção total aumenta

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com base na maior eficiência da propriedade familiar,acompanhada por mais eqüidade.

Finalmente, o Modelo Radical pretende alcançaruma mudança social mais substantiva. A tese é de que oproblema da agricultura é essencialmente não agrário,pois reflete as contradições do modelo global de desen-volvimento, orientado pela dependência externa. A re-forma agrária é reconhecida como um importanteinstrumento para as mudanças sociais e um fermento paraa emergência de novas idéias.

Na prática, a reforma agrária pode eliminar os pioresaspectos de um sistema agrícola subdesenvolvido e serum passo para elevar as condições de vida dos produto-res agrícolas hoje sem terra. A reforma agrária não é, con-tudo, panacéia, e precisa ser executada planejadamentee sem paternalismo, como tem sido até agora. No caso doBrasil, o professor Francisco Graziano, ex-superintendentedo INCRA, apresenta também como fatores para o poucoêxito dessa política o excesso de concentração das deci-sões sobre o assunto e a influência das ideologias. Fala-se também no corporativismo do INCRA.

As teorias e os programas de reforma agrária referi-dos, entretanto, são todas de caráter compulsório. Umaoutra alternativa, inovadora para a reforma agrária, seráa redistribuição voluntária da terra induzida através deum plano de financiamento por adesão comunitária. Nes-se caso, poderia ser denominada de modelo de ReformaAgrária Orientada pelo Mercado.

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REFORMA AGRÁRIA ALTERNATIVA

tema sobre reforma agrária tem ocupado a atençãode políticos, economistas e sociólogos nos últimos

quarenta anos na América Latina. No Brasil, esse assun-to tem sido tratado por um grupo de intelectuais que pro-cura atribuir à questão agrária um caráter científico e novavalorização social ao homem do campo.

A opção política para os governos corrigirem estru-turas agrárias defeituosas adotadas no México, Bolívia,Cuba, Haiti e Guatemala deixaram a impressão de quesão necessárias revoluções camponesas para viabilizar areorganização fundiária. As políticas agrárias, entretan-to, segundo Rolande Gardille, trazem as marcas dos regi-mes que as inspiram. Assim, temos experiências do tipoliberal dos Estados Unidos, as reformas agrárias da Amé-rica Latina, com seus regimes militares e ditatoriais, daevolução da velha Europa Ocidental ou do Japão e Su-deste Asiático com suas peculiaridades históricas. Emoutras palavras, reformas com violência nos regimes deditaduras ou pela negociação e paz nas democracias,como aconteceu nos países cujas terras são alugadas peloEstado a agricultores selecionados em função de sua com-petência, com arrendamento de longo prazo por produto-res rurais.

Os objetivos das reformas agrárias empreendidasem todo o mundo são múltiplos e visam a transformaçãoda vida e das atividades rurais em todos os seus aspec-tos econômicos, sociais, ambientais e humanos. Na ver-dade, a reforma agrária é parte do desenvolvimento ruralque busca a erradicação da pobreza, conseqüentemente

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a melhoria da nutrição, saúde, educação e crescimentocom equidade.

Em vista disso, cada governante deve programarestratégias de reforma agrária com base em suas metassociopolíticas e de suas possibilidades e limitações. Nocaso do Brasil, a Constituição estabelece que ao GovernoFederal cabe essa atribuição, ficando aos estados a açãomeramente subsidiária de assentamentos de dimensãoabaixo de 15 módulos rurais ou à regularização de terrasdevolutas. Neste contexto, o Estado do Ceará resolveuempreender um projeto-piloto de reorganização agráriadenominado de Reforma Agrária Solidária. Este progra-ma está sendo executado com a participação do BancoMundial como parte do Projeto São José.

O Programa Reforma Agrária Solidária apresentacomo característica principal ser de natureza integral,combinando as atividades produtivas com os serviços deapoio de infra-estrutura complementar. O princípio deadesão desse Programa é plenamente democrático eparticipativo, com sistemática descentralizada. As pró-prias comunidades decidem sobre a propriedade a sernegociada, desde que os preços acordados estejam ade-quados aos níveis do mercado local. A Comissão Comu-nitária do Projeto São José, do município da comunidadeinteressada, aprova a proposta de aquisição de terra an-tes de o projeto ser encaminhado ao Instituto de Terra doCeará, que procede à análise de viabilidade econômica.

Tudo isso desfaz as duas principais críticas formula-das por alguns poucos opositores do Programa ReformaAgrária Solidária. A primeira fonte de erro é sugerir que opreço da terra adquirida pelas associações esteja muitoacima dos preços de mercado. Neste caso, os críticos su-põem erradamente que a compra de terra é feita pelo go-

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verno o qual poderia ter interesse em beneficiar o proprie-tário. Embora o IDACE ofereça informações gerais sobreos preços de mercado prevalecentes na localidade, é a co-munidade, geralmente assistida pelos sindicatos dos tra-balhadores, que toma a decisão sobre a conveniência eadequabilidade dos preços de compra da terra. Sobre oassunto, o Sr. Ministro Extraordinário da Política Fundiária,Raul Jungmann, após analisar os preços de treze projetosjá aprovados pelo Programa, afirmou recentemente emFortaleza que os valores de aquisição das terras produti-vas pelo Programa cearense eram bem inferiores aos pa-gos pelo INCRA nos seus programas de desapropriaçãopor interesse social. Esta análise dos preços da terra é re-alizada tanto pela Comissão Especial do Conselho de De-senvolvimento Municipal, como pelo Conselho Consultivodo Programa, que tem como Presidente o Secretário deAgricultura do Estado e é formado por representantes daSecretaria de Planejamento, IDACE, CNBB, FETRAECE,Federação da Agricultura e Banco do Nordeste.

Outra descabida crítica ao Programa da ReformaAgrária Solidária é quando dizem que ele é igual ao antigoProterra Fundiário. Segundo o Decreto-Lei 1.173, de 6 dejunho de 1991, o Programa de Distribuição de Terras eEstímulo às Agroindústrias do Norte e Nor-deste (PRO-TERRA) destinava-se à compra ou desapropriação porinteresse social de parcela dos estabelecimentos ruraispara posterior venda a pequenos e médios produtoresindividuais. Neste caso, as terras eram oferecidas pelosproprietários ao INCRA. Além disso, as áreas remanes-centes deveriam ser transformadas de latifúndio paraempresa rural, no prazo de quatro anos. Na prática, esteprograma não funcionou porque as terras oferecidas eramde inferior qualidade e os preços considerados excessi-

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vamente altos. Finalmente, pode-se as-segurar que o Pro-grama de Reforma Agrária Solidária tem tudo para darcerto, especialmente considerando que o Governo doEstado atribui grande prioridade a essa iniciativa e contacom a adesão espontânea de um número significativo deinteressados que estão apresentando suas candidaturasa esse novo programa de desenvolvimento rural no Ceará.

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JUSTIÇA E PAZ NA TERRA

ma proporção considerável das terras dos paísessubdesenvolvidos encontra-se nas mãos de relati-vamente poucos proprietários. Esses grandes fa-

zendeiros contam também com uma parcela importantedo poder e influência política, condições de saúde, rendae possibilidades de boa educação. Enquanto isso, os pos-seiros e assalariados não contam com outros meios paraa sua sobrevivência. Têm de aceitar condições desvanta-josas de trabalho oferecidas pelos proprietários de terra.

Esta dependência é agravada pela insegurança dascondições climáticas, das pragas e deficiente sistema deseguridade social. Estão associados a esse fenômeno aestagnação da agricultura, o aumento dos conflitos sociaise um processo emigratório negativamente seletivo degrandes repercussões num processo desequilibrado dedesenvolvimento econômico.

Enquanto isso, grande parte da população dos paí-ses subdesenvolvidos ainda depende da agricultura parasegurança social, “status” e a própria vida.

Segundo dados do Banco Mundial, existem atual-mente 100 milhões de famílias ou 500 milhões de pessoassem terra. A maioria vive como arrendatários ou traba-lhadores agrícolas. Além desses, mais 150 milhões de fa-mílias passam no momento um certo desespero peloprocesso de descolonização na China socialista.

Existem 5 milhões de famílias na Rússia em proces-sos de reorganização do uso da terra. É a passagem dasgrandes propriedades administradas pelo Estado para osistema de propriedade familiar capitalista, adotado nospaíses ocidentais desenvolvidos.

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No caso específico do Nordeste, as causas históricasprincipais que motivam a crise no campo são decorrentesdo aumento da população, com rigidez da estrutura agrá-ria; do surgimento de novas modalidades de trabalho combaixa remuneração e instáveis, tais como bóias- frias etrabalhadores temporários; do aumento do número e dadiminuição dos tamanhos médios dos minifúndios, quese tornam insuficientes para manter a família e depen-dentes das lides agrícolas; das dificuldades dos pequenosprodutores em obterem crédito agrícola, especialmentepela falta de garantia para esses financiamentos, pelasadversas condições na comercialização da produção eaquisição de insumos, pela não-organização dos produto-res e deficiência dos serviços sociais de apoio à produção.

Nesse contexto, a reforma agrária integral é umaimportante estratégia para melhorar as condições de pro-dução no campo e para o desenvolvimento agrícola.

A reforma agrária aumenta a produtividade, devidoao fato de que os trabalhadores se tornam proprietáriosda terra e adotam o sistema de organização familiar. Étambém um fator de estabilidade política, em vista dereduzir a tensão social e os conflitos ideológicos. Melho-ra a preservação do meio ambiente, pelo maior cuidadocom os recursos materiais dos novos proprietários assen-tados. Cria emprego e aumenta a renda das pessoas antesdesempregadas ou de baixa produtividade. Finalmente,diminui a emigração e aumenta as oportunidades de umavida melhor e bem-estar social para os produtores bene-ficiados com o uso da terra.

Para realizar uma reforma agrária integral, entre-tanto, é neces-sário não só vontade, mas apoio políticocontinuado para permitir aperfeiçoar o que vai sendo fei-to. A distribuição da terra deve estar associada a um con-

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junto de políticas econômicas, educacionais e sociais,inseparáveis de uma ação de reforma agrária.

Neste particular, tem sido amplamente demonstra-do que o Estado do Ceará realiza uma abrangente e efi-caz política agrária.

O Programa de Reforma Agrária Solidária, por exem-plo, está sendo considerado internacionalmente uma re-volução em termos de metas cumpridas e eficientes nocombate à pobreza rural. Inicialmente atuando como umprojeto-piloto, com recursos do Governo do Estado e doBanco Mundial, beneficiou no ano de 1997 cerca de 700famílias, com terras e benfeitorias.

Por força disso, novos recursos estão sendo dispo-nibilizados pelo Governo Federal para dar continuidadea essa iniciativa patrocinada no Ceará pelo GovernadorTasso Jereissati. São R$ 30 milhões para o corrente ano,além de R$ 10 milhões utilizados no Programa em 1997.

Vale mencionar que, até o final do ano passado, ogovernador fez entrega de quase 17 mil títulos de terrade áreas de propriedade do Estado, no mais arrojadoempreendimento de ajuda a agricultores até então ocu-pantes de propriedades públicas, sem qualquer proteçãoou segurança para suas famílias.

O reassentamento das populações dos projetos deconstrução da maior obra de acumulação de água do Es-tado – Barragem do Castanhão – e da construção do Por-to do Pecém, são outras iniciativas de abrangência esentido social jamais realizadas em qualquer outro estadodo País.

O Instituto de Desenvolvimento Agrário (IDACE),do Sistema Estadual de Agricultura, é o órgão que temexecutado grande parte dessas realizações, junto com oProjeto São José.

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Quanto aos outros 30 projetos de assentamento tra-dicional existentes no Ceará, o Governo do Estado estáprocurando oferecer melhores condições de infra-estru-tura e apoio às atividades produtivas, também com re-cursos do Projeto São José. Isto sem falar no apoiofinanceiro que a Secretaria de Desenvolvimento Rural,através também do Projeto São José, está proporcionan-do a vários assentamentos do INCRA em mais de 150comunidades reformadas.

Não é exagero, portanto, afirmar que o maior e maisabrangente programa de reforma agrária do Nordeste eum dos mais amplos do Brasil se encontra no Ceará.

É a justiça e a paz na terra.

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REFORMA AGRÁRIA SOLIDÁRIA

Programa de Reforma Agrária Solidária institui umnovo modelo de reestruturação agrária no Ceará.

Por este sistema, os trabalhadores sem terra e minifun-diários, reorganizados em associações, negociam direta-mente a compra da terra com recursos proporcionadospelo Fundo Rotativo de Terras. O débito contraído peloassociado terá um período de amortização de 15 anos equatro de carência.

Diferentemente dos programas tradicionais de re-forma agrária, as áreas denominadas de produtivas eabaixo de quinze módulos, vetadas pelo INCRA para de-sapropriação, poderão ser contempladas com a ReformaAgrária Solidária.

Em 1997, os recursos oriundos do Tesouro do Esta-do atingiram quatro milhões, destinados à compra de ter-ra, e seis milhões oriundos do Banco Mundial paraimplantação de infra-estrutura produtiva ou social dosbeneficiários através do Projeto São José. O modelo deReforma Agrária Solidária será estendido, a partir de 1998,aos estados do Maranhão, Pernambuco, Bahia e MinasGerais. O Ceará será contemplado com R$ 30 milhões,dos R$ 150 milhões recentemente contratados pelo Go-verno Federal e Banco Mundial com essa finalidade.

Um aspecto verdadeiramente inovador nessa mo-dalidade de reforma agrária é a sistemática operacionaldemocrática e descentralizada.

As propostas para aquisição dos imóveis elegíveispara compra, por exemplo, aos preços praticados no mer-cado de terras, são examinadas pela Comissão Comunitá-

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ria do Projeto São José, no município onde estiver localiza-da a propriedade. Mesmo assim, o Instituto de Terra doEstado analisa e avalia as propriedades em negociaçãoquanto aos preços da terra e potencialidades de explora-ção sustentável de seus recursos naturais, além de infra-estrutura produtiva suficiente para garantir as condiçõesde produção e bem-estar das famílias a serem beneficia-das. Para garantir a lisura em tudo que é feito para ajudaras comunidades a tomarem a melhor decisão, os contra-tos são firmados pela Associação e, solidariamente, portodos os produtores que se responsabilizarão pelo paga-mento de suas respectivas quotas-partes. Em outras pa-lavras, os novos assentamentos já nascem emancipados.

Para melhor compreensão, é oportuno explicar queexiste ainda uma Comissão Consultiva que define os pro-gramas e opina sobre todos os aspectos do projeto. Sãomembros desse órgão o Secretário de DesenvolvimentoRural, o Secretário de Planejamento do Estado e represen-tantes da Federação dos Trabalhadores da Agricultura doCeará (FETRAECE) e do Conselho Nacional dos Bispos.

O Programa de Reforma Agrária Solidária do Cearátem sido um sucesso pelo número de associações já ins-critas e pela satisfação demonstrada pelas comunidadesbeneficiadas. O Governador Tasso Jereissati é um dosentusiastas do Programa e autorizou, de janeiro a julho, oatendimento a 35 comunidades com 548 famílias atendi-das. São 18 mil hectares de terra no valor de quase R$ 3milhões. O valor por família é de menos de R$ 6 mil e ocusto por hectare atinge R$ 163,00, considerando o valorda terra nua e das benfeitorias.

Em resumo, pode-se concluir que o modelo de Re-forma Agrária Solidária, nos moldes que está sendo con-duzido no Ceará pela Secretaria de Desenvolvimento

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Rural, através do Instituto de Desenvolvimento Agráriodo Estado do Ceará (IDACE), é efetivamente revolucio-nária. Trata-se de uma reforma planejada, evitando o pro-cesso de invasão e conflitos; integrada, coordenando asatividades produtivas com os serviços e setores comple-mentares; democrática, através da organização de con-selhos deliberativos e consecutivas nos vários níveisinstitucionais; e descentralizada e participativa, as co-munidades estão organizadas segundo um modelo degestão autodeterminado em forma de exploração comu-nitária ou de propriedade familiar.

O Governo do Estado do Ceará sabe que reformaagrária não constitui solução para todos os problemas daagricultura, mas cria uma nova ordem social e de maiorindependência política, elevando a condição humana decontingente importante da população rural, até agora mar-ginalizada no processo de desenvolvimento econômico.

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FRUTICULTURA IRRIGADA

Estado do Ceará, localizado estrategicamente naregião Nor- deste do Brasil, encontra-se mais pró-

ximo dos mercados da América do Norte e Europa. Comdiversas áreas propícias à produção de frutas e com alocalização privilegiada em relação aos outros estados doBrasil, o Ceará torna-se um pólo natural de atratividadede investimentos nesta área.

Tradicional produtor de grande variedade de frutastropicais (caju, coco, banana, laranja, graviola, maracujáe, mais recentemente, acerola), possui, também, tradiçãono cultivo de flores para o mercado interno e áreas dispo-níveis para sua expansão, o Ceará apresenta boas condi-ções de solo, clima (com alta insolação – 3.000 horas desol por ano – e baixa umidade), infra-estrutura elétrica,hidráulica e grande disponibilidade de mão-de-obra, pos-sibilitando a produção de ampla diversidade de frutas eflores durante o ano inteiro.

Os solos, profundos e bem drenados, aliam-se àscondições do clima seco e estável, que propicia a produ-ção de frutas e flores com custos mínimos no controle depragas e doenças.

O potencial irrigável chega a 300 mil hectares, sen-do 150 mil/ha somente no Pólo Agroindustrial do Baixo-Médio Jaguaribe.

No que se refere à infra-estrutura básica, o Estadopossui excelentes condições tanto para a instalação dasatividades produtivas como para o escoamento da pro-dução de frutas e flores.

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O Porto do Mucuripe em Fortaleza (capital do Esta-do) trabalha com seis das maiores empresas nacionaisde navegação e seis estrangeiras que operam em rotasinternacionais. Além disso, encontra-se em fase de im-plantação, com conclusão prevista para dez/98, um mo-derno complexo siderúrgico portuário, de característicasinternacionais e de grande capacidade de atracagem.

No que se refere ao transporte aéreo, o AeroportoInternacional Pinto Martins está sendo ampliado com aconstrução de um novo terminal de passageiros para 2,5milhões/ano. Próximo às áreas irrigadas do Baixo-Jagua-ribe existe um aeroporto com capacidade para receberaeronaves de grande porte. Fica localizado no perímetroirrigado do Jaguaribe-Apodi, distando 200km de Fortaleza.

As diversas áreas irrigadas e produtoras de frutase flores estão interligadas por rodovias federais e esta-duais asfaltadas, podendo-se destacar as rodovias BR-116 e BR-222.

Com o abastecimento energético garantido, o Esta-do é suprido pelas cinco hidrelétricas da região que abran-gem todos os municípios cearenses. Recentemente foiinaugurada uma nova linha de transmissão que acres-centou mais 230 GW.

Os municípios cearenses estão ligados ao Brasil eao exterior por telefone, telex, fax, além de telefonia celu-lar, em fase de rápida expansão.

A atual infra-estrutura hidrográfica está em proces-so de expansão com a construção de 40 novos açudes demédio/grande porte e do açude Castanhão com capaci-dade de 6,2 bilhões de metros cúbicos. Todas as baciashidráulicas do Estado estarão interligadas e perenizadasdentro do projeto de transferência de bacias e captaçãode água do rio São Francisco.

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A grande disponibilidade de mão-de-obra e suahabilidade em absorver novas tecnologias tornam o cus-to de produção por hectare bem abaixo dos Estados Uni-dos, Europa e Sul do Brasil.

É meta do Governo expandir, nos próximos 4 anos,a atual área irrigada de 50 mil hectares para 101,2 milhectares. Estas áreas são vocacionadas para a produçãode frutas e flores e distam, no máximo, 300km do porto eaeroporto de Fortaleza.

Alguns incentivos especiais são ofertados pelo Es-tado do Ceará na instalação de unidades produtivas, des-tacando-se o FDI, o FNE, o FINOR, o PROCAF, entre outros.

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O OURO BRANCO CEARENSE

ompreender a problemática da crise na produçãode algodão no Ceará e no Nordeste, de modo geral,

está longe de ser simples. Ao longo dos últimos anos, fo-ram-se acumulando concepções errôneas, dando origema uma visão deturpada das reais possibilidades dessacultura no nosso Estado. O quadro pessimista sobre oassunto, entretanto, decorre da história da evolução dacultura nos últimos vinte e cinco anos. Senão, vejamos.

O algodão já constituiu a principal fonte de rendada agricultura cearense, com 24% do produto agrícola. OCeará produzia toda a pluma para sua indústria têxtil eexportava o excedente para outros estados do Sul ou parao exterior. Ademais, o caroço de algodão era a principalmatéria-prima para a indústria de óleos vegetais e as tor-tas se destinavam à pecuária leiteira. Existia também umamultiplicidade de usinas de descaroçamento do produtoque, em conjunto com a indústria têxtil e uma rede deatividades comerciais e de transporte, constituíam a baseda economia cearense. Em resumo, a cultura do algodão,que ocupava uma área plantada de 1,3 milhão de hecta-res e produzia 100 mil toneladas de algodão em plumaem 1980, caiu para 14 mil toneladas em 1995. Atualmen-te, cerca de 90% do consumo do moderno parque têxtil doCeará, o segundo mais importante do Brasil, são impor-tados do exterior, com divisas que poderiam estar irri-gando a economia rural do Ceará.

São conhecidas as causas da crise na produção doalgodão do Nordeste, tais como o surgimento do destru-tivo “bicudo”, crises climáticas e falta de competitividade

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do algodão mocó, devido a sua baixa produtividade. Ha-veria possibilidade da revitalização da cultura algodoei-ra em nosso Estado? Segundo os mais criteriosos estudossobre o assunto, a resposta é positiva. Mas não será viá-vel ou economicamente justificada a reintrodução damesma variedade cultivada no passado e a utilização dasmesmas áreas ocupadas com o algodão mocó.

As reais possibilidades da cultura do algodão en-contram-se asseguradas no novo Programa de Desenvolvi-mento da Cotonicultura Cearense, lançado recentementepelo Senhor Governador Tasso Jereissati, através da Se-cretaria da Agricultura. O referido programa tem baseinterinstitucional e objetiva o desenvolvimento sustentá-vel da cultura do algodão. São previstas ações interliga-das de sementes de novas variedades de algodãoherbáceo anual de alta produtividade, desenvolvidas peloCentro Nacional de Algodão de Campina Grande (PB),com assistência técnica, acoplada ao financiamento agrí-cola especial do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). Oobjetivo-síntese desse moderno programa é obter índi-ces mais elevados de produção e produtividade, em nívelde competitividade internacional, com a melhoria do pa-drão de vida do produtor rural. Em outras palavras, tor-nar o Ceará auto-suficiente na produção de algodão,visando suprir a demanda e o fortalecimento do parquetêxtil do Estado.

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A QUESTÃO RURAL

XIX Conferência Internacional de Economia Agrí-cola ocorreu em Málaga, Espanha. O tema central

dessa conferência foi “A Agricultura Numa EconomiaMundial Turbulenta”. A primeira parte foi dedicada aodebate entre 1.500 especialistas de todo o mundo sobreas mais importantes forças que iriam moldar a agricultu-ra, assim como as incertezas no sistema de produção edistribuição de alimentos.

Atendendo convite do Prof. URF Remborg, presiden-te da Organização Internacional, tivemos a honra de ser oexpositor da primeira sessão plenária desse evento. O Prof.Remborg dizia em sua convocação: “Espero que você leveum trabalho sobre o Nordeste do Brasil como pano de fun-do sobre o qual dirá o que pensa serem as forças mais im-portantes que darão forma à agricultura do futuro.”

Achamos oportuno comentar as principais idéiasapresentadas naquela ocasião. Os objetivos para supe-ração do subdesenvolvimento rural do Nordeste, segun-do a tese comentada, depende do redirecionamento daeconomia regional. Deve ser realizada uma melhor disse-minação do desenvolvimento no território, com ênfase naszonas rurais onde se encontram os maiores focos de atra-so e pobreza. A modernização e o aumento da produtivi-dade devem dar prioridade ao uso da terra, com controleda mecanização para evitar a destruição dos solos tropi-cais. As tecnologias a serem adotadas precisam ser maisapoiadas em conhecimentos locais e mais empregadorasde mão-de-obra, que é o fator mais abundante na Região.Outra preocupação a seguir na agricultura consiste na

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participação econômica, social e política efetiva dos diver-sos segmentos sociais no processo de desenvolvimentoeconômico. O setor rural também carece da mudança dosestilos tradicionais como forma de criar valores própriosde uma so-ciedade em desenvolvimento. Por outro lado,recomenda-se a reorientação do processo de industriali-zação para utilizar mais os recursos regionais, especial-mente agrícolas, e o aproveitamento dos mercados locais.

Em resumo, as medidas propostas objetivavam ge-rar um progresso econômico segundo um clima de inte-resse comum de toda a sociedade, com a interveniênciado Estado. Ou seja, conforme políticas e estratégias decaráter integral, abrangendo aspectos institucionais, es-truturais e sociais. A grande preocupação que marcará onovo século é como criar empregos não agrícolas no pró-prio quadro rural para aumentar a renda da agriculturafamiliar, diminuindo os graves desequilíbrios existentesentre as zonas urbanas-metropolitanas e a sociedadesubdesenvolvida do interior.

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RUMO AO DESENVOLVIMENTO RURAL

mais grave problema que o Ceará enfrenta na lutapelo desenvolvimento econômico é a pobreza no

quadro rural. De modo geral, deve-se isso a causas histó-ricas, estruturais e sociológicas. No Ceará, são muitas asrazões apontadas para explicar o atraso da agriculturano passado e as dificuldades ainda existentes. Limitadasdisponibilidades de terras férteis associadas a uma gran-de concentração da sua posse e uso, irregularidades cli-máticas, escassas tecnologias rentáveis para o semi-áridoe base educacional deficiente são fatores que, historica-mente, vêem influenciando negativamente a nossa baseagrária, transportando-a para essa condição subdesen-volvida de difícil saída. Sem falar na arraigada mentali-dade dos empreendedores cearenses de investirem emoutras atividades e não na agricultura, como fizeram osingleses e americanos no processo de desenvolvimentode seus países.

O governo do Ceará tem consciência dessa proble-mática e segue políticas agrícolas e agrárias com basecientífica para eliminar as causas do atraso da agricultu-ra do Estado. O atual Plano de Desenvolvimento Rural1998-2002 propõe-se elevar a taxa de crescimento da pro-dução agropecuária do Estado, com vistas a transformaro setor num acelerador e não num freio do desenvolvi-mento, como ocorreu durante duas décadas. Outra dire-triz é melhorar a relação Homem-Terra, através da adoçãode políticas fundiárias que permitam o de-senvolvimentosustentável das comunidades rurais, melhorando subs-tancialmente a produtividade da terra e do trabalho como

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fator de crescimento econômico e de melhoria das condi-ções de vida do quadro rural. A terceira frente de ação éintegrar a produção agrícola e agroindustrial com visãode agronegócio. Tudo isso de acordo com tecnologiasagrícolas que permitam alcançar a sustentabilidade daagricultura sem destruir o meio ambiente.

Os programas em execução tomam por base o prin-cípio de que a agropecuária faz parte do desenvolvimen-to mais abrangente em todo o espaço rural, o qual estáinterligado a todo o processo de desenvolvimento econô-mico. Nessa perspectiva, estão as iniciativas governamen-tais de erradicar o analfabetismo, melhorar os níveis desaúde, universalizar a eletrificação rural, suprir de águatoda a população do semi-árido ainda dependente do car-ro-pipa.

Para aliviar as causas de maior pobreza, existe oProjeto São José, que beneficia comunidades carentes cominvestimentos em infra-estrutura, serviços sociais e ati-vidades produtivas, sem reembolso. Entre 1995-2000, fo-ram beneficiadas mais de 5.107 comunidades com 296 milfamílias, representando 61% da população rural. Foramaplicados R$ 190 milhões com essa finalidade. Nos próxi-mos três anos mais US$ 100 milhões serão destinados aocombate à pobreza por essa via. O Programa Hora de Plan-tar assiste a 100 mil agricultores com sementes, assis-tência técnica e apoio creditício do PRONAF.

Estes e outros programas viabilizaram o crescimentoda produção agrícola do Estado, nos últimos anos. Exem-plo disso ocorreu no período de 1992 a 1999 quando oCeará obteve o melhor desempenho do setor no Nordes-te, segundo Boletim da SUDENE, de agosto de 2000.

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A NOVA AGRICULTURA CEARENSE

agricultura contribuiu de modo significativo para ocrescimento econômico global do Ceará em 1999.

Com 56% de incremento da renda entre 1998-99, o setorrural obteve o melhor desempenho nesse período em com-paração com a indústria e os serviços. Pelas estimativasdo Instituto de Pesquisas e Informação do Ceará, aagropecuária é a grande responsável pelo incremento de2,8% da economia cearense no ano passado.

Os excelentes resultados obtidos pelo setor ruralexplicam-se pela produção de 793 mil toneladas de grãos,representando um salto de 200% em relação ao ano de1998. O setor animal e derivados, que representa 40% darenda total da agricultura, cresceu 6%. Outro destaque foia produção de castanha de caju com aumento de 460% euma provável exportação do produto beneficiado de 150milhões de dólares, superando todas as vendas da fruti-cultura brasileira para o exterior.

Na estratégia de produção de cereais, coordenadapela Secretaria de Desenvolvimento Rural, com o apoiodo Banco do Nordeste e Banco do Brasil, a safra de milhofoi surpreendente. Nada menos de 443 mil toneladas, oua segunda maior produção de todos os tempos, depoisdos anos excepcionais de 1995-96. Além disso, foram no-táveis os incrementos de produtividade a partir da intro-dução do milho híbrido e de novas tecnologias. Segundolevantamentos do IBGE, os agricultores, animados poresse resultado, esperam produzir mais de 600 mil tonela-das no ano 2000.

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O renascimento da cultura do algodão, com baseem novas variedades e tecnologias, abriu perspectivasde amplos avanços nos próximos anos. Foram 65 mil hec-tares plantados em 1999, classificando o Ceará em quar-to lugar no País e ultrapassando a soma das superfíciescultivadas em todo o Nordeste, com exceção da Bahia quecultivou 44 mil hectares. Para a safra do corrente ano, ameta é semear 100 mil hectares com apoio do ProgramaHora do Algodão, do Governo do Estado.

O Banco do Nordeste garante o custeio da safra 2000,conforme convênio firmado entre o Governador TassoJereissati e o Presidente do BNB, na última terça-feira.São R$ 50 milhões com essa finalidade.

Quanto à comercialização, a conjuntura foi muitofavorável. Mesmo com produção significativa, os preçosdos produtos agrícolas estiveram satisfatórios aos pro-dutores. Todos os produtos atingiram valores superioresaos preços mínimos, com situações em que as cotaçõesno mercado ultrapassaram de muito os padrões governa-mentais. Neste particular, o Banco do Brasil teve um pa-pel importante, disponibilizando crédito para a aquisiçãode algodão, milho e caju. A quebra de safra dos estadosvizinhos contribuiu para os bons preços vigentes.

A agricultura também foi o setor que mais empre-gou mão-de-obra no Estado. Estimativas preliminaresindicam mais de um milhão de trabalhadores, ou cercade 40% de todos que estiveram ocupados durante o anode 1999. Para uma melhor idéia sobre o assunto, pode-semencionar que a agricultura do Ceará emprega mais doque a do Chile e 10 vezes mais do que a de Israel. Mesmoo Reino Unido fica distante do Ceará no montante deemprego agrícola. Somente equipara-se com o nosso Es-tado a França, que é o maior produtor agrícola da Europa.

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O Ceará tem mais que o dobro das pessoas ocupadas naagricultura da Austrália!

Em termos de renda, a agropecuária cearense ge-rou, em 1999, cerca de R$ 1,3 bilhão, em grande partedistribuídos entre os médios e pequenos produtores daagricultura familiar. Como já foi mencionado, este valorsupera em 50% o obtido em 1998.

A política agrícola do governo do Estado foi vitorio-sa em 1999, à exceção de um aspecto: os pequenos agri-cultores residentes em 17 municípios perderam mais de60% de sua safra de feijão e milho, em conseqüência deirregularidades climáticas e longos veranicos.

Por outro lado, outros projetos estratégicos do Go-verno do Estado apresentaram notórios avanços duranteo ano de 1999. Os esforços para combater a pobreza ruralcontaram com os projetos São José e Reforma AgráriaSolidária, além de várias iniciativas de caráter social.

No primeiro caso, foram liberados R$ 28 milhões paraatender a segunda parcela de projetos contratados em1998 e mais 320 novas comunidades beneficiadas somenteem 1999. Com esses resultados, o Projeto São José bate orecorde de atendimento de 5.000 comunidades de 1995 a1999, com alcance de mais de 300 mil famílias e liberaçãode R$ 151 milhões.

Quanto ao atendimento dos agricultores sem terra,o Ministério de Desenvolvimento Agrário, com apoio doBanco Mundial e do Governo do Estado do Ceará, tam-bém obtiveram resultados marcantes. De 1997-99 o Pro-grama de Reforma Agrária Solidária favoreceu 149comunidades e 2.568 famílias. Foram aplicados R$ 28,3milhões, dos quais 50% não reembolsáveis. Para o ano2000, está previsto o atendimento a mais 1.300 famílias,em 81 comunidades.

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Verifica-se pelos sintéticos dados aqui apresentadosque a agricultura do Ceará não é a mesma de anos atrás.A partir de 1995, com o segundo Governo Tasso Jereissati,uma nova agricultura começou a surgir. Com base em re-sultados de programas iniciados anteriormente em polí-ticas, estratégias e novos projetos, o setor rural passou aocupar uma posição nova na equação do desenvolvimen-to econômico do Estado do Ceará.

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REFORMA DO ESTADO NA AGRICULTURA

s princípios fundamentais da reforma do Sistemade Agricultura do Ceará, atualmente em curso, são

modernizar o setor rural, interiorizar o desenvolvimentoe valorizar o trabalhador do campo com mais renda e maisemprego. A Secretaria de Desenvolvimento Rural tambémmuda seu enfoque de ação. O modelo de administraçãoagora é por objetivos. As preocupações principais serãocom o planejamento indicativo, a coordenação e o con-trole das atividades a serem exercidas pelos órgãos vin-culados, também reorganizados. Dois conceitos serãoincorporados: o espaço rural e a abrangência, ou integra-ção das ações produtivas. Muda o enfoque do setorial parao agronegócio no quadro rural.

Para o Sistema de Agricultura, a nova ordem baseia-se na estratégia recomendada pelo mestre da adminis-tração eficaz, ou seja: “A questão agora não é como fazeras coisas de modo certo, mas como encontrar as coisascertas que devem ser feitas e nelas concentrar os recur-sos e esforços.” A doutrina do papel do Estado na agri-cultura, por outro lado, se fundamenta no projeto dogoverno Tasso Jereissati, que propõe o caminho das re-formas econômicas e sociais, dentro do contexto da justi-ça e do bem comum. Essa concepção tem fundamentaçãomoral que pretende motivar a solidariedade entre as pes-soas e melhorar a distribuição do progresso e da riqueza.“Um Estado capaz de mobilizar o potencial produtivo dasociedade sem a ele substituir.”

O Sistema Estadual de Agricultura foi reestruturadopara trabalhar no futuro, conforme busca o Plano de De-

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senvolvimento Sustentável, cujos objetivos, quanto aopapel do Estado, são: aumentar a eficácia do governo,orientando-o para alcançar resultados com justiça social,fazendo mais com menos; aproveitar as forças de merca-do, por meio de regulamentação e estímulos, identifican-do claramente a missão do governo ao nível de cadasecretaria, de cada órgão, de cada servidor, para uma açãoparticipativa, antecipando-se aos problemas e motivan-do a competição no serviço público.

No caso da Empresa de Assistência Técnica e Ex-tensão Rural (EMATERCE), serão realizadas mudançasno perfil administrativo e na infra-estrutura física de aten-dimento. A prioridade doravante incindirá sobre o cliente,com definição da ação por produto e da descentralização.Os planos municipais de desenvolvimento rural compo-rão a base da estratégia de atuação da EMATERCE. Oalvo principal será a comunidade de produtores.

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AGRICULTURA SUSTENTÁVEL

grande desafio político e social do Brasil atual épromover um crescimento econômico mais rápido,

sem inflação e com equidade.Não pode haver dúvidas também de que carecemos

urgentemente, no Nordeste, de um novo caminho paraoferecer um nível de dignidade e decência humana su-portável para milhões de habitantes do quadro rural. Sãonove milhões de trabalhadores nordestinos, dos quaismais de 60% estão abaixo da linha da pobreza.

A estratégia de desenvolvimento regional adotadadurante décadas deu ênfase principal à expansão da pro-dução agrícola para exportação. Ficou de lado, sem a de-vida assistência, a grande massa de pequenos produtoresdedicados ao abastecimento do consumo interno.

Embora os problemas das disparidades de rendaregional e social fossem reconhecidos como merecedoresde atenção, as políticas adotadas para aliviar a pobrezaforam principalmente de incentivos a empreendimentosvoltados para criar empregos urbanos, principalmente noscentros metropolitanos. Estas políticas revelaram-se, como tempo, de reduzido impacto na agricultura, gerandodistorções e um tipo de crescimento com pobreza e ten-sões sociais. Segundo os estudiosos, temos hoje, no Nor-deste, um subdesenvolvimento industrializado.

Tudo isso parece bastante óbvio. Mas os fatores quedificultaram o progresso da agricultura nordestina conti-nuam praticamente sem solução. A baixa taxa de investi-mento humano nas áreas rurais motivou um alto nível deanalfabetismo e falta de profissionalismo dos agricultores.

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A deficiência da produção de conhecimentos tecnológicos,adaptados às condições locais, limitaram o trabalho dosextensionistas e tornaram os produtores receosos de in-vestirem seus parcos recursos no setor primário. A fracaintegração do ensino universitário com a pesquisa agro-nômica subutilizou os melhores cientistas das universida-des da região, onde os livros-textos adotados refletemoutras realidades geográficas e ecológicas. Deficiências napolítica de crédito rural do passado são de fácil observa-ção na falta de modernização da agricultura regional. Acres-cente-se a tais condições, a ausência de integração daagricultura com os demais setores econômicos e a poucaorganização do mercado de insumos e produção final.

Outros problemas poderiam ser enumerados parajustificar a falta de desenvolvimento da agricultura doNordeste: escassez de terras boas, problemas climáticos,estruturas agrárias deficientes. Mas seria uma lista lon-ga e desencorajadora, que poderia levar à conclusão deque é inviável a meta de elevação da produção agrícola edas condições de vida do homem do campo nordestino.

O fato de os investimentos públicos para fomentoagrícola terem decepcionado, não se deve à própria agri-cultura, mas à inadequada interpretação quanto à natu-reza e ao sentido a ser dado ao processo de modernizaçãoagrícola e ao desenvolvimento regional.

A grande verdade é que as estratégias que visamao desenvolvimento agrícola regional têm sido inadequa-das. E, por serem confusas, não funcionaram. Tornam-senecessárias mudanças profundas na economia agrícolado Nordeste com vistas à nova realidade política,tecnológica e de globalização da economia. A tarefa ago-ra é expurgar o obsoletismo, absorver as experiênciasnegativas do passado e realizar projeções para um novo

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futuro de prosperidade e maior justiça social. Não haverámelhorias se não ocorrerem mudanças, renovação dasestratégias, do estilo e dos métodos de trabalho.

Para que isto se concretize e as novas metas sejamalcançadas é necessário criatividade, espírito inovador,capacidade para ir além do tradicional, e compromissocom a causa de um verdadeiro desenvolvimento econô-mico e social do Brasil.

O que é necessário para isto?Antes de mais nada, mudar a política dos indicadores

de quantidade para os de equidade do desenvolvimento.Para isso, a força motriz, a alma da produção, deve ser ohomem. O profissionalismo do produtor do campo deve cons-tituir o alvo principal da nova política. É indispensável parao êxito de um programa destinado à agricultura do Nordes-te o melhoramento na infra-estrutura institucional eorganizacional dos órgãos estaduais de apoio à agricultura:Um novo papel do Estado na agricultura.

A reforma agrária democrática, eficaz e de baixo cus-to precisa ser empreendida urgentemente com o Banco daTerra e a Reforma Solidária. É necessário mobilizar os maisimportantes fatores do de-senvolvimento regional que é ohomem e a terra, ambos subutilizados atualmente.

É preciso melhorar os serviços de apoio à agricultu-ra regional, isto é, a extensão e assistência técnica, a pes-quisa aplicada, o crédito oportuno, a comercialização. Aeducação rural é vital para as transformações pretendi-das. Para comprovar isto, basta olhar a experiência dospaíses hoje desenvolvidos.

O mais fundamental dos requisitos para o progressoda agricultura sustentável no futuro é a mudança das ati-tudes dos governantes e instituições sobre o verdadeiropapel da agricultura no desenvolvimento econômico.

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A meta do novo modelo de desenvolvimento deveser ajudar o agricultor a adaptar-se às mudanças tecno-lógicas para obter a neces-sária competitividade dos no-vos mercados e apoiar, por todos os meios, as unidadesde produção do tipo familiar com meios para torná-lasmais produtivas.

No setor empresarial, deve-se prosseguir no aper-feiçoamento das políticas de proteção da concorrênciaexterna e adotar uma política de taxas de juros mais ade-quadas e suportáveis aos níveis do sistema de preços daâncora verde.

Como se observa, vencer o subdesenvolvimento daagricultura representa uma tarefa de vulto. Assegurarequidade e oportunidade social à massa da populaçãorural é uma meta para gerações. Ao Governo Federal cabeuma parcela importante desse desafio. Aos estados com-pete complementar essas ações com o apoio dos municí-pios. Na esfera nacional, são significativos os esforços deregionalização dos Planos de Safra, como um embrião paraa definição de políticas agrícolas diferenciadas destina-das às regiões do País.

No Ceará, o Governo Tasso Jereissati encontra-seempenhado em avançar no crescimento econômico segun-do essa filosofia de fortalecer o meio rural e capacitar apopulação. O objetivo principal da política de mudançasdo nosso Estado é melhorar a qualidade de vida de toda asociedade. A principal luta é contra a pobreza e a exclusãosocial da população do processo de desenvolvimento.

No caso do Nordeste, temos certeza de que, juntos,o Governo Federal, os estados e o setor empresarial, po-derão viabilizar o alcance de um desenvolvimento econô-mico com equidade social, dando prioridade, no novoséculo, a uma agricultura sustentável e progressista.

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DESENVOLVIMENTO RURAL COM MENOS POBREZA

agricultura tem ocupado um papel fundamental noprocesso de desenvolvimento econômico. Ocorreu

assim no passado com os atuais países opulentos. E, atu-almente, com os países em desenvolvimento, especial-mente aqueles onde é alta a proporção de emprego e depobreza no meio rural.

Há mais de 10 anos, o Ceará tem procurado formu-lar uma estratégia para o desenvolvimento rural e com-bate à pobreza. Mas não tem sido uma coisa simples. OCeará enfrenta muitos problemas motivados pelas con-dições específicas do semi-árido e pelas secas. É elevadoo grau de analfabetismo e subsistem problemas estrutu-rais da terra e da água.

O predomínio da agricultura tradicional, com bai-xos índices de produtividade, obriga o Estado a dar pas-sos largos e adotar novos métodos de transformação dosetor rural. Há necessidade, sobretudo, de uma estraté-gia de desenvolvimento que funcione e onde a educaçãotenha um papel central, juntamente com a política deáguas e o fortalecimento das pequenas e médias cida-des. Que se criem condições para que as pessoas tomemas suas decisões, façam suas escolhas e não dependamdo paternalismo do Estado. Que o acesso à terra seja umcomponente importante, mas não o único.

Nos últimos anos, o Governo do Estado tem conse-guido, com o apoio do Banco Mundial e do Governo Fede-ral, alguns avanços importantes no combate à pobreza,na questão da água (Progerih) e na educação (98% dascrianças de 7 a 14 anos na escola). Dessas iniciativas

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merecem destaque os projetos São José e Reforma Agrá-ria Solidária – Cédula da Terra.

O Projeto São José, antigo PAPP, tem contribuídopara a redução da pobreza rural no Estado fornecendoinfra-estrutura socioeconômica básica e oportunidadepara a geração de emprego e renda. As ações desenvol-vidas no Ceará, entre 1995-99, beneficiaram mais de 5.000comunidades com 300 mil famílias, representando cercade 75% de toda a população rural do Estado. Foram R$120 milhões aplicados em 176 municípios.

Dentre os resultados qualitativos observados peloProjeto São José podem ser mencionados: melhores con-dições de moradia, saúde, educação e condições de lazer;acesso mais fácil ao crédito rural, maiores oportunidadesde emprego e renda; surgimento de novas habilidadesprofissionalizantes (artesanato, tratorista), aumento daárea cultivada, etc. Hoje as instalações de energia elétri-ca estão em 88% dos domicílios das comunidades assisti-das e o abastecimento dágua potável está chegando emgrande parte das comunidades rurais. O impacto dos pro-jetos de eletrificação rural de 1996-99, segundo estudosrealizados por consultores do IICA, dão conta de que os1.430 projetos atendidos pelo Projeto São José beneficia-ram 67 mil famílias, 29 mil ruas foram iluminadas, criaram-se 374 turmas noturnas nas escolas, 248 comunidadesreceberam energia elétrica e tiveram condições de irri-gar e de utilizá-la em atividades comerciais.

A Reforma Agrária Solidária tem a finalidade deviabilizar o acesso à terra para os trabalhadores ruraissem ou com pouca terra, associando outros investimen-tos necessários que lhes assegurem de-senvolvimentoeconômico e social sustentável. O projeto-piloto do Cearáteve início em 1997 com o apoio do Banco Mundial – Pro-

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jeto São José – seguindo-se, em 1998-99, com recursos doGoverno Federal – Ministério do Desenvolvimento Agrário.

O citado programa no Estado do Ceará conta, atu-almente, 193 projetos, sendo 44 do projeto-piloto, comrecursos do Estado, e 149 da Cédula da Terra, com o apoiofinanceiro do Ministério do Desenvolvimento Agrário,beneficiando 3.202 famílias.

Muitos estudos de consultores independentes têmdemonstrado as vantagens e contribuições dessa inicia-tiva para melhorar as condições de vida das pessoasabrangidas. Todos os estudos apontam que o novo mo-delo de reforma agrária é muito democrático, eficaz, rápi-do e menos oneroso do que a sistemática de reformaagrária clássica de desapropriação de terras por interes-se social. Pesquisas realizadas pelo Prof. Ahmad SaadKhan, do Programa de Pós-Graduação da UniversidadeFederal do Ceará, em sete municípios, com Projetos deReforma Agrária Solidária apontam resultados surpreen-dentes no índice de qualidade de vida das famílias bene-ficiadas por esse programa. Em pouco mais de um ano, oreferido IQV melhorou em 70%. Saúde e habitação ultra-passaram 100%.

Outras investigações de consultores do IICA de-monstram que a vida dos assentados do Programa deReforma Agrária Solidária tem melhorado em relação àvida anterior. Primeiro, porque deixaram de ser meeiros erendeiros, fato que, por isso, já aumenta a renda por nãoterem de dividir o resultado do seu trabalho com os pro-prietários da terra. Segundo, porque têm agora acessofacilitado ao crédito de custeio agrícola, vez que são legí-timos detentores da posse da terra. Cada novo assenta-mento passou a ser uma unidade demonstrativa de umnovo paradigma de produção agrícola e desenvolvimen-

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to rural no Ceará, estimulando a formação de novos grupose associações interessados em participar do programa.

A parceria, portanto, do Estado com o Governo Fe-deral, o Banco Mundial e associações de produtores estãocoligados no combate à pobreza e pelo desenvolvimentoeconômico e social do Ceará.

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PLANO DE SAFRA DO CEARÁ EM 2001

os 14 milhões de hectares que perfazem o territó-rio cearense, existem no Ceará 5,5 milhões de ha

(37%) de solos de boa qualidade. Além desses, o IBGEaponta mais 1,7 milhão de ha de solos bruno-não-cálcicosque, embora rasos, são apropriados para a produção dealgodão e outras culturas. No Cariri estão 80.000 ha deterras roxas, excelentes, e, em Ararendá e suas proximi-dades, mais 200 mil de terras semelhantes. O objetivodo Governo do Estado é viabilizar a produção de ummilhão e cento e vinte mil toneladas de grãos no ano de2001. Em confronto com a produção de 2000, significaráum aumento de 7%.

Os princípios e estratégias para a safra do ano 2001são utilizar sementes de alta qualidade, plantar na épocacerta, concentrar os plantios nos melhores solos e ondeocorrem mais chuvas, adotar adensamentos apropriadose não pela tradição, fazer tratos culturais e combate àspragas com as melhores tecnologias.

Será dada grande prioridade à modernização daagricultura de subsistência através da adoção de semen-tes mais produtivas. A propriedade familiar terá todo oapoio, mesmo que a produção empresarial também te-nha seu papel a cumprir. De fato, o que será buscado,além do crescimento da lucratividade da fazenda, serãobaixos riscos para o produtor.

Com base nos excelentes resultados obtidos em2000, terá continuidade o programa de difusão do uso dematracas ou plantadeiras “tico-tico”, para os beneficiáriosdo Hora de Plantar e do Programa de Sementes em Co-

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munidades Rurais. Este último programa é uma iniciati-va do Ministério da Agricultura, através da EMBRAPA,em parceria com o Governo do Estado.

Para melhorar a lucratividade dos produtores de al-godão, serão instaladas 10 mini-usinas de beneficiamentode algodão em comunidades a serem selecionadas peloProjeto São José. Trata-se de projeto- piloto de moderni-zação e melhoria de competitividade dos pequenos pro-dutores de algodão.

O Governo do Estado, através da Secretaria de De-senvolvimento Rural e de suas vinculadas, atuará em vá-rias frentes para garantir a obtenção das metas. Entreelas, destaca-se o Programa Hora de Plantar, o Programade Milho Híbrido e o Programa Hora do Algodão. Em par-ceria e com o apoio financeiro do Banco do Nordeste e oMinistério de Política Fundiária, atuará através do Pro-grama de Fortalecimento da Agricultura Familiar(PRONAF) e apoio do Banco do Brasil.

A EMATERCE é a executora desse programa emnível de campo. A ela cabe a distribuição de sementes,elaboração dos projetos de crédito rural, assistência téc-nica, acompanhamento da produção e apoio na fase decomercialização. O grande responsável, contudo, pelosresultados que se pretendem alcançar na safra do ano2001 chama-se produtor rural, que participa diretamentecomo beneficiário e agente.

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NÃO BASTA PRODUZIR

safra agrícola do ano 2000 vai ser recorde, segundoestimativas do IBGE referentes ao mês de março.

Serão 1.162 mil toneladas de grãos, com 41% de aumentoem relação a 1999. O Ceará tornou-se, nos últimos doisanos, o segundo estado do Brasil em área cultivada dealgodão. Depois da Bahia, é o maior produtor de milho doNordeste.

Para chegar a esse resultado, muitas condições eprovidências foram necessárias, desde o clima favorável,com chuvas normais e bem distribuídas, até às ações deapoio do Governo do Estado em proporcionar sementes eassistência técnica. O crédito oportuno do Banco do Nor-deste e do Banco do Brasil foi essencial.

No momento, a preocupação principal é com acomercialização da safra. No caso do milho, as necessi-dades do mercado desse cereal, tanto no Ceará como emPernambuco, são indicativos de segurança da compra ede bons preços. Na verdade, este ano há uma manifestaescassez do produto no mercado nacional, em face daquebra de safra no Sudeste e Sul, que são os grandes pro-dutores nacionais. Estima-se que o Brasil terá de impor-tar do exterior de dois a três milhões de toneladas.Pernambuco importará mais de 300 mil toneladas, poisas 123 mil toneladas deste ano mal atenderão ao consu-mo das próprias fazendas. Os avicultores do Ceará te-mem que as 662 mil toneladas que serão produzidas noEstado não sejam suficientes para atender à demandado próprio Estado. Somente a avicultura local absorvecerca de 250 mil toneladas/ano. A suinocultura, a pecuá-

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ria de leite e o consumo humano são também setores ca-rentes desse cereal.

Não há, portanto, nenhum problema para acomercialização do milho. Este poderá ser vendido a pre-ço bem superior ao máximo de R$ 7,10 a saca de sessentaquilos, que é o valor prefixado para o preço mínimo. Nomomento, a cotação do produto no Ceará está em R$ 15,00a saca.

O algodão encontra-se também em situação excep-cional de mercado. Seu preço está garantido em R$ 10,00a arroba do produto em rama e em R$ 32,00 a arroba depluma. A safra do produto em caroço no Ceará será de100 mil toneladas, com 35 mil toneladas de pluma. A in-dústria têxtil local carece de 130 mil toneladas de pluma.Como a qualidade da pluma cearense é uma das melho-res do mundo, conforme atestado do Centro Nacional dePesquisa de Algodão da EMBRAPA, o produtor dessa fi-bra vai ganhar dinheiro este ano. A comercialização des-se produto somente ocorrerá nos meses de junho e julho.É sem procedência, portanto, notícias prematuras de queo algodão está tendo problema de mercado. O mesmoocorre com o milho, quanto à época de comercialização.Para que o produto esteja sem umidade, somente deveráser colhido a partir de maio, no Cariri, e junho/julho nasdemais regiões. O que está sendo comercializado no mo-mento é o produto verde para consumo humano.

A produção de arroz de sequeiro é relativamentepequena e não atende às necessidades do mercado in-terno. A maior produção é ir-rigada, no segundo semes-tre, sem problema de mercado.

Resta ver a situação do feijão-de-corda, que, noCeará, é um produto da agricultura de subsistência, paraconsumo dos agricultores. O plantio cedo desse cereal

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na região do Cariri resulta na coincidência da entrada nomercado do produto baiano, originário de regiões agríco-las excepcionais. O agricultor cearense vê-se com issoem dupla desvantagem. Planta em momento inoportuno,considerando as necessidades do mercado, e usa grãosde péssima qualidade, pois não aguarda o momento doPrograma Hora de Plantar que leva em conta tanto o clima,como a umidade do solo e o calendário de comercializaçãodo produto. Além disso, nessa região, a colheita está sen-do feita ainda com chuvas, resultando num produto comelevada umidade, desqualificado para a aquisição porparte do Governo Federal.

O produtor de feijão também não levou em conta asinformações da Secretaria de Desenvolvimento Rural deque os elevados preços da entressafra não se sustentari-am no ano agrícola 2000. Em 1999, praticamente em to-dos os estados produtores de feijão-de-corda ocorreu crisede produção por falta de chuvas. Este ano, com a norma-lidade climática no Nordeste, está sendo prevista umagrande safra, inclusive na Bahia, que, em 1999, enfrentousérios problemas climáticos.

O nível de preço que o governo poderá oferecer aoproduto de qualidade e sem umidade é de R$ 18,60 porsaca de 60 quilos, portanto abaixo do que certamente oagricultor poderá vender no mo- mento oportuno no mer-cado livre. Convém lembrar que a produção de feijão, pre-vista para o ano corrente, é de 248 mil toneladas, suficientepara as necessidades do próprio Estado e um pequenoexcedente. A partir do mês de julho, o produto estará compreços ascendentes. Quem vendê-lo agora, terá decomprá-lo mais caro para consumo no restante do ano.

Com a situação vivenciada, tem-se mais uma lição.A agricultura é uma atividade complexa que necessita

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de conhecimentos tecnológicos e de mercado. Por isso,os agricultores precisam confiar mais nas recomendaçõescientíficas e arquivarem as tradições contrárias à moder-nização do setor agrícola. É necessário também saber queo Governo pode ajudar e orientar a produção, mas so-mente os produtores terão capacidade de fazer da agri-cultura um setor produtivo e rentável.

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BOA SAFRA COM VERANICO

preciso compreender que um ano de normalidadeclimática no Ceará significa precipitações pluviais

abaixo de ano chuvoso e com irregularidades e veranicos.Mesmo com a ocorrência dessa situação neste ano,

pode-se dizer que a produção de grãos será boa. E, aindamais, deu-se continuidade à elevação da produtividadeagrícola, representando a grande meta da estratégia dedesenvolvimento rural do Estado.

Estima-se uma renda agrícola de R$ 1,5 bilhão; 60%desse valor são apropriados pela agricultura familiar.Neste valor está incluída tanto a produção do setor ani-mal e derivados como as lavouras e a extrativa vegetal.No caso apenas da produção de grãos (milho, feijão, ar-roz e caroço de algodão), a produção prevista é de 958 miltoneladas, oriunda de uma área plantada de 1,2 milhãode hectares. Essa produção será inferior a 7,8% do nívelobtido em 2000, que, no entanto, teve uma safra excepci-onal. É verdade que ocorrerão quebras de produção maissignificativas em mencionadas regiões do Cariri, onde aschuvas do final de estação se apresentam muito escas-sas. Convém registrar, no entanto, que a produção degrãos do ano 2001, segundo o último levantamento doIBGE, supera a produção obtida em 1999. Em 1997, com achamada seca verde, a produção de grãos foi de 606 miltoneladas e, em 1998, atingiu 263 mil toneladas.

Fato relevante a mencionar, quanto à safra de 2001,são os avanços na produtividade média da produção degrãos. Mesmo com a redução de 25% da produção totalde grãos entre as primeiras estimativas do início do ano.

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Os dados observados mostram uma produtividade mé-dia de 827 kg por hectare. Isto significa o mais elevadorendimento de todos os tempos no Estado. Mesmo comas quedas nos percentuais de produção, os agricultoresterão resultados mais positivos que os do passado, quan-do eram vítimas das deficiências de chuvas.

Estes resultados não são obras do acaso, mas pro-duto de um grande esforço da Secretaria de Desenvolvi-mento Rural junto com a EMATERCE no sentido de dotaros agricultores de melhor tecnologia e condições paraenfrentar o semi-árido.

É bom esclarecer que os comentários feitos são per-tinentes apenas à produção de grãos. No caso do caju, oaumento de produção será de mais de 100% entre o anode 2000 e 2001. A pecuária também apresentou um bomdesenvolvimento.

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ALGODÃO ENFRENTA A SECA

s agricultores cearenses acreditaram nas vantagensde plantar algodão e aderiram ao Programa Horado Algodão da Secretaria de Desenvolvimento Ru-

ral. São 30.000 hectares plantados no primeiro semestredo corrente ano e mais 15.000 hectares irrigados no pró-ximo período de verão. O Governo do Estado estáapoiando essa iniciativa com sementes subsidiadas,acompanhadas de assistência técnica e treinamento dosprodutores no manejo das novas variedades de alta pro-dutividade. São sementes básicas produzidas no CentroNacional de Algodão da EMBRAPA, em Campina Grande(PB), e sementes fiscalizadas produzidas no Ceará.

O programa prevê o plantio de 187 mil hectares atéo ano 2000, com produção a ser colhida semelhante aoque já aconteceu com variedades de baixa produtividade(mocó) e que careciam de 1,3 milhão de hectares paraobter o mesmo resultado. Visando garantir o êxito desseempreendimento, tudo foi previsto com muito cuidado,desde o crédito para plantio até a colheita. Para completaro leque de providências faltava o elo da comercializaçãofinal da pluma, em face dos entraves representados pe-las facilidades de importação do exterior.

Medidas adotadas agora pelo Governo Federal, en-tretanto, neutralizam os efeitos da abertura do comérciointernacional do algodão em pluma. Neste particular,destaca-se a linha especial de crédito do BNDES para aindústria têxtil adquirir o produto brasileiro, em condi-ções similares às praticadas no mercado internacional. Ogoverno do Estado assinou protocolo com a indústria quegarante a compra de todo o algodão produzido no Ceará.

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Para a comercialização do algodão em caroço forammelhoradas as condições do Empréstimo do Governo Fe-deral sem Opção de Venda (EGF), com prazos agora de240 dias e taxas de juros de 9,5% ao ano. O EGF estende-se também à indústria consumidora para compras dobeneficiador que comprovar pagamento do preço míni-mo. Neste particular, o preço mínimo de algodão em ca-roço passa para R$ 7,00 a arroba, contra R$ 5,52 na safrade 1995, com um aumento portanto, de 26% no período.

O Ceará é um dos poucos estados do Nordeste queaumentou a produção dessa importante fibra, com o apoiodo Banco do Nordeste e do Banco do Brasil. São 45% amais em 1998, mesmo com a seca, em comparação com oano anterior, sem contar a produção irrigada do segundosemestre. Neste caso, poderá chegar a 50.000 toneladasde algodão em caroço em 1998. Uma vitória contra a seca.

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OS RESULTADOS DAS SAFRAS 2000/2001

renda agrícola do ano 2001 foi estimada em R$ 1,2bilhão, dos quais cerca de 50% são originários da

produção das lavouras, 48% da produção de animais e de-rivados e o restante da extrativa vegetal com 2%. A que-da da renda total em relação a 2000 deverá ser de 21% emtermos reais, bem inferior aos 61% das perdas quantitati-vas de grãos motivadas pela severa estiagem que ocor-reu em 137 municípios do semi-árido e do litoral cearense.

Segundo os últimos levantamentos do IBGE, a pro-dução de grãos do Ceará, em 2001, foi de 403 mil tonela-das. Mesmo assim, isso significou a maior produção degrãos de todas as secas anteriores. Com esse resultado,fica demonstrado que as políticas adotadas nos últimosanos criou maior sustentabilidade agrícola.

A grande meta perseguida pela Secretaria de De-senvolvimento Rural, desde 1995, tem sido também amelhoria da produtividade da terra para aumentar a ren-da média do trabalhador, sem provocar a emigração ruralpelo desemprego tecnológico. Neste particular, os resul-tados são bem animadores. Basta assinalar que, no anode 2000, quando a quadra invernosa foi de normalidadepluviométrica, a produtividade média de grãos atingiu 764kg/ha, mais de 25% em relação a 1999 e a maior de todosos tempos no Ceará. Mesmo em relação à produtividademédia da safra recorde de 1996, o ano de 2000 foi superi-or em 11% ao obtido naquele ano.

O maior destaque da safra de grãos em 2000 foi aprodução excepcional de milho. Foram 635 mil toneladas,com o aumento de 43% em confronto com 1999. A intro-

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dução generalizada do milho híbrido no Cariri e a adoçãode novas tecnologias nas melhores áreas de cultivo doproduto responderam por esses resultados. O acréscimode produtividade média do Estado foi de 37%, mas, isola-damente no Cariri, esses níveis alcançaram mais de 50%.A Revolução Verde de Milho no México necessitou de dezanos para conseguir essa “performance”.

Nos municípios de Porteiras, Brejo Santo e MissãoVelha houve registro de muitos agricultores com produti-vidades mais elevadas do que a média dos maiores pro-dutores do Brasil e mesmo de outros países, como aArgentina e o Paraguai. Vale destacar, aliás, que a produ-ção de milho do Ceará, no ano 2000, foi maior do que asoma registrada no Paraguai e Uruguai. No Nordeste, oCeará foi o segundo maior produtor, superado apenaspelas duas safras da Bahia, mas superior ao Piauí e aoMaranhão, reconhecidamente com áreas vocacionadaspara a produção de grãos da região Nordeste.

No tocante ao algodão, o Ceará tem motivos paracomemorar: o plantio de mais de 100 mil ha no ano 2000,com a produção de 74 mil toneladas de algodão em caro-ço. Em comparação com o ano anterior, representou umaumento de 85% na produção. Poderia ter sido maior senão fosse o ataque do bicudo, que está sendo combatidocom todas as tecnologias conhecidas.

Mesmo assim, a produtividade de 2000 avançou 11%em relação ao ano anterior e 126% comparada a 1995. Osmelhores resultados foram obtidos com a introdução de no-vas variedades de CNPA-7MH do Centro Nacional de Algo-dão de Campina Grande. No do algodão semiperene (emsubstituição ao arbóreo do tipo mocó), o acréscimo foi de233% na produtividade. Convém registrar, entretanto, queaté 2000 foram plantados dessa variedade apenas 7 mil ha.

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Quanto às outras culturas, a produção de arroz teveum aumento de 14,5%, com a produção de 148,4 mil tone-ladas, destacando-se o produto de sequeiro com incre-mento de 40%. A produção de feijão alcançou 197 miltoneladas, com um aumento de 3,7%. Ainda na categoriade grãos, mesmo se tratando de produtos de pequenaexpressão, as maiores elevações de produção foram desorgo granífero, com 591,7%, e de mamona, com 460%.

A apresentação dos dados de produção do ano 2000serve para demonstrar a capacidade instalada para pro-duzir grãos no Ceará. O que se está pretendendo para oano 2002 é buscar repetir os feitos dos produtorescearenses e que, com boas sementes, assistência técni-ca e crédito, são capazes de feitos históricos de produçãode grãos.

É oportuno também registrar que as metas estipu-ladas para 2002 estão baseadas na demanda potencialde grãos do Estado, considerando consumo nas fazen-das, mercado interno e possível exportação de milho paraos estados vizinhos.

Para o ano 2002, o programa da Secretaria de De-senvolvimento Rural do Estado do Ceará distribuirá se-mentes para 100 mil agricultores do Programa Hora dePlantar. São 2.336.000 quilos de milho híbrido, milho vari-edade, feijão, algodão e arroz. No caso do algodão, serádado apoio e proteção contra o bicudo e a semente serádeslintada. A produção de grãos do Ceará, no correnteano, poderá ultrapassar um milhão de toneladas, comoocorreu no ano 2000.

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DA ENXADA À MATRACA *

Estado quer elevar o crescimento da agriculturacearense, que, nas últimas duas décadas, foi de

apenas 1% ao ano.O Secretário de Desenvolvimento Rural, Pedro

Sisnando, quer retirar a enxada da vida do produtor ruralcearense. A partir do próximo ano, a SDR vai financiar acompra de matracas, um equipamento manual que per-mite que o agricultor escave o terreno e, ao mesmo tem-po, coloque a semente com um mínimo de agressão aosolo. Com o uso da matraca e de outros programas esta-duais, ele pretende fazer com que a agricultura cresça auma taxa anual de 5%. Nos últimos 25 anos, o setor avan-çou apenas 1% ao ano. Nas próximas semanas, Sisnandovai entregar ao governador Tasso Jereissati o projeto“Rumo ao Desenvolvimento Rural do Ceará”, com diretri-zes para a agropecuária estadual até o ano 2002. A se-guir, os principais trechos da entrevista que ele concedeuà Gazeta Mercantil Ceará.

Gazeta Mercantil – O senhor está com o governadorTasso Jereissati desde 1995. Como foi liderar a Secretariade Desenvolvimento Rural (SDR) neste período de estiagemque começou em 1997 e se estendeu até o ano passado?

Pedro Sisnando – Durante o período entre 1995 e1998 tivemos dois anos de normalidade climática (1995-1996) e dois anos de anormalidade e dificuldades para a

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* Entrevista concedida pelo Secretário de Desenvolvimento Rural doCeará, Pedro Sisnando Leite, ao jornalista Janary Júnior., da GazetaMercantil-Ceará, em 29/março/1999.

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agricultura (1997-1998). Em 1995, quando estávamos ini-ciando o governo, identificamos a necessidade de come-çar a trabalhar em duas frentes. A primeira era planejarmelhor as metas e intenções do governo. Muitos progra-mas importantes e interessantes estavam sendo realiza-dos, mas eram carentes de um melhor detalhamento ecoerência. A segunda frente foi a identificação de umainiciativa para institucionalização do aparelho do Esta-do, permitindo o desenvolvimento da agricultura. Ideali-zamos programas, projetos, metas, mobilizamos recursos,mas percebemos que a estrutura organizacional do go-verno para a agricultura estava defasada. Ela não tinhasido modernizada e aparelhada para atender os objeti-vos que estávamos querendo alcançar. O fato é que nãotínhamos uma instituição de extensão rural adequadapara modernizar e dar um novo papel à agricultura. AEMATERCE estava em um processo de exaustão, commuitos problemas trabalhistas acumulados ao longo dosanos, problemas de desestímulo do grupo, falta dereciclagem, etc.

Dessa forma, propusemos a mudança total daEMATERCE. Extinguimos todos os escritórios municipaise criamos centros regionais para atender os escritórios,os chamados Centros de Atendimento ao Cliente (CEAC).Transferimos pessoas para o interior e equipamos osCEACs com veículos. Hoje contamos, aproximadamente,com 150 carros novos nesses centros. Outro ponto ondeavançamos muito foi quanto à comercialização. A nossacentral de abastecimento estava bastante depauperada,sem condições de desempenhar um bom papel no novoprograma de desenvolvimento agrícola do Ceará. Muda-mos toda a administração da empresa, fizemos um traba-lho agressivo e ela transformou-se rapidamente. Ainda

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este mês vamos inaugurar um novo pavilhão de três milmetros quadrados destinado à fruticultura.

Gazeta Mercantil – A seca deve ter sido um testeduríssimo para a SDR. Como o senhor avalia o comporta-mento desta estrutura montada a partir de 1995 dianteda estiagem? O que poderia ter sido melhor?

Pedro Sisnando – Cada seca tem as suas caracterís-ticas próprias. A estiagem do ano passado revelou que oEstado não tinha ainda estruturado uma estratégia de con-vivência continuada com as irregularidades climáticas. Ogovernador Tasso Jereissati compreendeu muito bem issoe, por volta de setembro de 1997, quando já tínhamos osprimeiros indicativos de que poderia ser mais um ano deanormalidades climáticas, começou a nos cobrar as inicia-tivas e programas que nos preparassem para essa realida-de. Em outubro de 1997, aproximadamente, nos reunimospara idealizar um plano alternativo. Dentro deste plano,visualizamos que atividades agrícolas poderiam ser me-nos suscetíveis à questão da seca como a ovinocaprino-cultura, o plantio de algodão e feijão precoce. Arquitetamostoda uma nova estratégia deste programa. A nossa idéiaera enfatizar os projetos relacionados com a resolução dosproblemas de água, como poços profundos, adutoras epequenos açudes para acumular água. Enfatizamos tam-bém a eletrificação. Muitas comunidades possuíam atécursos de água próximos, mas não podiam desenvolvernenhuma outra atividade, senão a agrícola, porque não ti-nham como bombear ou industrializar a água. Rapidamentechegamos talvez a 600 ou 700 comunidades com energiaelétrica e em três ou quatro meses conseguimos inaugurarenergia elétrica em 1,4 mil comunidades durante 1998.

Gazeta Mercantil – Antigamente falava-se muitoem combate à seca. Hoje a palavra é convivência. O quemudou ao longo do tempo?

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Pedro Sisnando Leite

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Pedro Sisnando – Por volta de outubro de 1997, ogovernador nos mandou para a Austrália, onde melhor secriou uma metodologia e uma política de convivência coma seca. Eles têm secas generalizadas. Em cada dez anos,são sete anos de estiagem, mas a produção agrícola au-menta continuadamente há 30 anos. Uma equipe formadapor mim, técnicos da Fundação Cearense de Meteorologia(FUNCEME) e EMATERCE foi à Austrália e participou deuma reunião internacional com os 30 maiores cientistas domundo nessa área de convivência. O governo criou umgrupo especial para desenvolver novas estratégias de comoenfrentar a seca permanentemente. Ainda este mês (mar-ço), tive uma reunião com esse grupo que vai apresentarao governador os estudos decorrentes dos entendimentose visitas feitas à Austrália. Já enviamos equipes de voltaàquele país; os australianos também estiveram aqui. Oprojeto considera todas as alternativas de aproveitamentodos recursos naturais que podem ser economicamenteviabilizados quanto a irregularidades climáticas, do pontode vista do desenvolvimento de agriculturas resistentes,do treinamento dos agricultores para administrar adequa-damente os seus recursos e do desenvolvimento de técni-cas que possibilitem manter ao máximo a umidade do solo.O primeiro passo para a modernização é substituir a enxa-da pela matraca, equipamento mais apropriado ao plantioporque não fragiliza o solo e controla a quantidade de se-mentes e fertilizantes. No próximo ano, vamos colocá-lacomo parte do programa “Hora de Plantar”. O agricultorsó recebe a semente se tiver também a matraca.

Gazeta Mercantil – A Secretaria vai distribuir osequipamentos? Quanto custa cada unidade?

Pedro Sisnando – A partir do próximo ano, preten-demos elaborar um programa de venda e financiamento

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Pedro Sisnando Leite

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dessas matracas. Uma matraca moderna, que controla ograu de sementes e fertilizantes, custa cerca de R$ 22,00.O equipamento simples, que é a que mais prevalece nointerior, custa somente R$ 12,00.

Gazeta Mercantil – A ênfase dada às culturas doalgodão e do milho faz parte da estratégia de aproveitaressas culturas mais resistentes à estiagem?

Pedro Sisnando – São componentes. Estamos tra-balhando de acordo com a situação. Convivência com aseca é isso. Em ano de seca adota-se uma estratégia deinverno e em ano de inverno utiliza-se uma estratégia deseca. Foi o que os australianos nos ensinaram. Aprovei-tar ao máximo os anos de chuva para conviver bem com operíodo de estiagem. Estamos enfatizando muito o apro-veitamento de todo o potencial agrícola que um ano denormalidade climática oferece. Um deles é plantar milhohíbrido em todo o Ceará. Ele nunca tinha sido cultivadono Estado. Nos Estados Unidos já é produzido há 75 anos.

Gazeta Mercantil – Qual a previsão da safra de mi-lho para este ano?

Pedro Sisnando – As previsões ainda não espelhamo que vai acontecer com a produção de milho. Contudo,estamos plantando essas variedades de alta produtivi-dade. A nossa estimativa é que, seguramente, vamos ul-trapassar as 500 mil toneladas. Em fevereiro de 1999 jáestá prevista uma produção de 532 mil toneladas numaárea de 575 mil hectares.

Gazeta Mercantil – Isso é mais do que a aviculturaconsome. O que vai acontecer com o excedente?

Pedro Sisnando – O excedente vai atender o consu-mo interno de milho da suinocultura e de outros animaisem geral. A idéia é que teremos milho para exportação. Osetor avícola estima que, para que ele possa se abaste-

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Pedro Sisnando Leite

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cer adequadamente, é preciso produzir mais do que asnecessidades.

Gazeta Mercantil – E o algodão?Pedro Sisnando – A cultura do algodão é mais com-

plexa porque exige cuidados especiais do ponto de vistado plantio e do combate às pragas. Hora do Algodão é oprograma e por finalidade introduzir uma nova variedadee proporcionar treinamento para os agricultores. O agri-cultor que planta milho tem uma assistência técnica rá-pida e mais experiência. Não estamos recuperando acultura do algodão mas de-senvolvendo uma nova cultu-ra. Todos os jovens agricultores estão sendo treinadospara plantar as novas variedades. O Programa envolvevários estágios, oferece assistência técnica, crédito nobanco através do PRONAF e comercialização. Há um acor-do com as indústrias têxteis do Estado do Ceará para aaquisição do algodão na época da safra.

Gazeta Mercantil – Já foi definido um preço míni-mo para os maquinistas e para as indústrias?

Pedro Sisnando – Reunimo-nos para tratar desteassunto e, dentro de alguns dias, estabeleceremos o pre-ço. A idéia, em princípio, é ter preço e qualidade interna-cionais para que o nosso algodão possa ser competitivo.Existiam muitas dificuldades devido às facilidades de fi-nanciamento e prazo para as importações brasileiras. Asindústrias locais preferiam importar o produto estrangei-ro com qualidade inferior mas com preço melhor. Essasituação já começou a mudar. A Secretaria de PolíticaAgrícola do Ministério da Agricultura estabeleceu umanova sistemática de ajuda à indústria para aquisição doalgodão com prazos e taxas de juros competitivas. Noentanto, a quantidade de algodão que estamos plantan-do ainda é pequena porque há limitações por natureza

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para a cultura do algodão. O problema é convencer o agri-cultor de que o algodão é cultura rentável, com seguran-ça para a comercialização e tecnologia para o combatedas pragas.

Gazeta Mercantil – O Brasil já foi um dos maioresprodutores de algodão e, hoje, é o segundo maior importa-dor, só perdendo para a China. No Ceará, o programa deestímulo ao algodão vai ter continuidade mesmo na seca?

Pedro Sisnando – Vamos continuar pois é um pro-grama que está dentro de nova estrutura e de nova polí-tica. Os governos anteriores se equivocaram na políticade produção do algodão. Estabeleceram a diretriz de com-preensão do preço do produto ao mesmo tempo que favo-receram a importação internacional. Todo o sistema decrédito também foi desfavorável ao algodão. A prova dis-so é que a diminuição da produção do algodão não ocorreusó por causa da seca e do bicudo. Isso aconteceu em todoo País. Sabemos que, para combater o bicudo, temos degastar pelos menos uns 100 quilos de algodão com caroço.Como a produtividade é de 200 quilos por hectare, o agri-cultor não pode retirar 100 quilos para combater o bicudo.Os governos anteriores, até mesmo o primeiro governodo Tasso Jereissati e do Ciro Gomes, tinham uma SDRdirigida para a recuperação da cultura do algodão, prin-cipalmente o mocó, sem muita perspectiva econômica.

Gazeta Mercantil – O senhor disse que este é umbom ano para a agricultura devido à volta das chuvas e àdesvalorização do real. No entanto, essa mesma desvalo-rização aumentou o preço dos insumos como os defensi-vos. Como isso pode atrapalhar os planos da SDR deproduzir um milhão de toneladas de grãos?

Pedro Sisnando – A agricultura está vivendo ummomento muito apropriado devido ao aumento dos pre-

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ços agrícolas e à restrição das importações, acarretandodificuldades de competitividade do produto de fora. Osinsumos não são, neste momento, significativos, porquetivemos aumento dos preços agrícolas antes da elevaçãodos insumos. Essa elevação só deve repercutir na safrade 2000 e até lá teremos nos organizado. Além disso, aagricultura do Ceará não utiliza muitos insumos importa-dos, pois existe aqui uma tecnologia mais simples de con-vivência com as pragas.

Gazeta Mercantil – E quanto ao crédito federal doPRONAF?

Pedro Sisnando – O PRONAF está, atualmente, fun-cionando a partir do Banco do Nordeste. Para a safra de1999, houve um acordo entre o governo do Estado e o BNno sentido de que teríamos recursos garantidos para oprograma de R$ 50 milhões a fim de atender o pequenoagricultor. Há um mês, o Banco liberou cerca de R$ 20milhões. O Banco do Brasil, o mais importante agente fi-nanceiro do crédito rural do País, tem-se revelado, nosúltimos meses, muito cauteloso quanto à concessão decrédito para a agricultura de sequeiro, estando mais aber-to para financiamento da agricultura irrigada. Isso é umequívoco estratégico, pois no momento em que o BB es-tabelece critérios mais rigorosos de avaliação de rentabi-lidade, o risco, passa a ser descartado como elemento donegócio agrícola.

Gazeta Mercantil – Estamos assistindo a uma dis-puta dos Estados Unidos e da União Européia em relaçãoà banana. Pode-se fazer agricultura sem subsídio?

Pedro Sisnando – Alguns estudiosos vêm analisan-do os países subdesenvolvidos e proponho maisprofissionalismo e menos subsídios. Na verdade, temosde analisar qual o significado de subsídio, que não é um

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atributo só da União Européia. Não há programa maissubsidiado no mundo do que a agricultura irrigada queexiste no Nordeste. O governo constrói grandes barra-gens e reservatórios, estabelece os projetos de irrigação,os canais, desapropria as terras, constrói residências ecentros comunitários, fornece assistência técnica, orga-niza cooperativas, ajuda na comercialização e combateas pragas. O agricultor entra somente com a cara e a co-ragem. As pessoas muitas vezes se acostumam com opaternalismo, a proteção e fazem distorção do que real-mente significa subsídio. Tem de haver uma parceria, umcompartilhamento das responsabilidades dos que fazemagricultura e dos que apóiam as iniciativas. A agriculturaé o setor mais privado de todo o sistema econômico por-que o governo não tem nenhuma prioridade, não produznada. Ela precisa de ajuda, de interferência e apoio doEstado. É bom, contudo, que não fiquemos subjugadoscom expectativas de uma manutenção acima dos limitesda capacidade do governo.

Gazeta Mercantil – Há quanto tempo não se regis-tra um caso de febre aftosa no Ceará?

Pedro Sisnando – Estamos com um programa junta-mente com o Governo Federal, através da Secretaria deDefesa Agropecuária. O governo tem-nos ajudado a mon-tar cinco barreiras fitossanitárias e as Unidades Locais deSanidade Animal e Vegetal. São ao todo 18 unidades mon-tadas estrategicamente com veterinários, agrônomos, com-putadores e carros oriundos da Secretaria da Fazenda paraacompanhar a saúde preventiva dos rebanhos. Nas bar-reiras, controlamos o fluxo de animais doentes. AEMATERCE está vacinando em vários municípios com aparticipação dos pecuaristas. Decorridos 18 meses, nãotemos um só caso de aftosa, um registro ou identificação

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de um foco da doença. Quando entramos, existiam, pelomenos, uns 25 focos e cerca de 300 animais estavam doen-tes. Estamos com problemas porque os recursos do orça-mento da União de 1999 para defesa agropecuária foramdeslocados para outros destinos. Permanecemos, contu-do, lutando junto ao Governo Federal. O Ceará tem recur-sos do seu orçamento, cerca de R$ 1,5 milhão para a defesa.

Gazeta Mercantil – De vez em quando surgem al-gumas críticas afirmando que o Governo do Estado es-queceu a agricultura em prol da industrialização. Como osenhor avalia essa afirmação?

Pedro Sisnando – É uma questão de políticas dedesenvolvimento econômico. Nos últimos 50 anos, os pa-íses identificaram que a industrialização poderia ser umsetor de dinamismo, transformação e aceleração do cres-cimento econômico. A modernização das economias, pelodesenvolvimento industrial, serviria como meio de pro-pagação do desenvolvimento nas atividades setoriaismenos modernas. Essa foi uma doutrina muito divulgadano Brasil. A agricultura não tem capacidade de crescerrapidamente. Segundo estudos que realizei na Universi-dade, a agricultura, no longo prazo, nunca cresceu, emnenhum país do mundo, mais de 3,4% nos últimos 200anos. No longo prazo, nos últimos 25 anos, a agriculturacearense não cresceu mais do que 1%, apesar de todos osesforços. Então, a industrialização foi a lógica do desen-volvimento econômico. Chegou o momento de priorizar aagricultura para fazer com que ela acompanhe os passosdo desenvolvimento econômico, seja uma força motriz enão um freio. Estou trabalhando a todo vapor num proje-to chamado “Rumo ao Desenvolvimento Rural do Ceará”,que vai ser levado ao governador para ser implementadono período de 1999-2002. Um dos objetivos que pretende-

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mos alcançar é fazer com que a agricultura passe a cres-cer 5% a longo prazo, continuamente. O foco da SDR saiuda produção agrícola e do homem para o espaço ruralcomo um todo. Os estudos mais recentes indicam que,nos Estados Unidos, por exemplo, a renda não-agrícolado agricultor está crescendo rapidamente, sendo que 43%da renda dos agricultores familiares não provêm de ativi-dades agrícolas. Depreende-se daí que o agricultor nãopode ter uma renda muito elevada somente com o apoioda agricultura.

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ENFRENTANDO A INCERTEZA

enhuma atividade econômica pode suportarflutuações anuais nos níveis de produção como

ocorre na agricultura cearense. À existência de exceden-tes, com queda nos preços, segue-se a escassez que nãoatende sequer à sobrevivência dos produtores, numa sagade euforia e sofrimento.

A agricultura de sequeiro geralmente é pouco está-vel em decorrência de vários fatores que o agricultor tra-dicional não tem como controlar. No caso do Ceará,temporariamente afetado por irregularidades climáticas,esse fenômeno assume características dramáticas doponto de vista econômico e humanitário.

A despeito de sua complexidade, esse problema nãoé inevitável. Em praticamente todos os países hoje de-senvolvidos, ele foi superado ou reduzido a limitesadministráveis. A solução veio da decisão política de quetal situação era incompatível com o desenvolvimento geralda sociedade e em face dos meios técnicos disponíveispara superar esse obstáculo ao progresso socioeconômicoda população afetada.

Dentre os instrumentos para obter estabilização daprodução das lavouras podem ser citados: irrigação, cul-turas mais resistentes à escassez de água e de ciclo curto,manejo dos cultivos, zoneamento agrícola e tantas outrassoluções já praticadas por alguns produtores inovadores.

Os estudos e alternativas que estão sendo realiza-dos pelo Projeto Áridas certamente oferecerão a base paraa formulação de uma política consistente sobre esse gran-de desafio para o novo governo do Ceará: mais estabili-

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dade da produção agrícola para reduzir a pobreza rural ecriar estímulos ao investimento do setor privado.

A problemática dos recursos hídricos do Ceará já ébem conhecida em vista dos estudos realizados peloDNOCS, Secretaria de Recursos Hídricos e por inumerá-veis pesquisadores regionais.

Na opinião de muitos, o Ceará poderá ser um celei-ro do Brasil e fonte significativa de divisas para o país seo problema de suprimento de água para a agricultura forplenamente solucionado. Em contrapartida, a fome, aestagnação do desenvolvimento industrial e a dramáticaescassez de água para consumo humano e animal serãoinevitáveis se não forem realizadas grandes obras de cons-trução de represas, estruturas de desvio de correntes,sistemas de canais e desenvolvimento de novastecnologias para a extração de água subterrânea do cris-talino. A recuperação de solos salinos ou prejudicadospelo sódio no processo de irrigação e práticas corretas deirrigação são tantas outras preocupações que precisamde ação conjunta de todos os órgãos do Estado e do Go-verno Federal. Este é um problema de interesse nacionalque precisa ser conduzido com muita ponderação e influ-ência política. É imprescindível a participação da comu-nidade, ao lado do Estado, pois é ela a verdadeirabeneficiária desse projeto.

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O CONVÍVIO COM AS MÁS NOTÍCIAS

s pessoas usam a água de diferentes maneiras. Emconseqüência disso, não há um acordo universal

sobre a definição de seca. Para o meteorologista, a seca éum período de pouca chuva. Para o fazendeiro, é um perí-odo sem chuvas suficientes para suportar o desenvolvi-mento das culturas ou para o gado. Para o hidrologista,são os efeitos da falta de chuvas para os rios, barragens esubsolo. Do mesmo modo, para o economista, o sociólogoe outras pessoas. As definições podem ser diferentes tam-bém em outras circunstâncias. Por exemplo: anos suces-sivos de seca ou uma série de anos normais com umintercalado de seca.

No caso do Ceará, seca é sobretudo a redução daquantidade de chuvas, com distribuição desigual no tem-po e no espaço, acarretando uma redução generalizadada produção agrícola.

Assim, quem está nas cidades não sofre porque osalimentos vêm de outros estados, bem como os agricul-tores que praticam agricultura diversificada ou com ou-tras rendas não-agrícolas.

No Ceará, cerca de 50% da renda total desse setorprovêm do item animais e derivados; outra importanteparcela decorre da fruticultura, tubérculos (mandioca),cana-de-açúcar e tantas outras atividades irrigadas. Con-siderando os projetos públicos e a pequena irrigação, cer-ca de 100.000 hectares de terras ajudam a enfrentar a seca.

Os dados elaborados pelo IBGE, com base no mêsde março, indicam que o Ceará terá um aumento de 10%na produção de grãos, em comparação com os resultados

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reais do ano 2000. Serão 1.139.798 toneladas produzidasno corrente ano, contra 1.039.190 toneladas em 2000. Emtermos de renda, o valor atingirá 1,66 bilhões, dos quais60% serão apropriados pela agricultura familiar.

Desse modo, caso se concretizem os dados forneci-dos pelo IBGE, o Ceará terá uma das maiores safras degrãos de todos os tempos e uma produção do setor ani-mal favorecida pela pastagem que cobre atualmente oEstado.

O último Boletim de Análise Climático da FUNCEME,de 2 do corrente mês (março de 2001), informa que os prog-nósticos de clima indicam que, em abril e maio, continua-rão ocorrendo chuvas, mesmo com veranicos de menorduração. Além disso, as chuvas não serão interrompidas“bruscamente” no mês de maio. Em síntese: conjunturaclimática normal, desempenho na produção de grãos su-perior ao do ano passado, aumento de 16% na produtivida-de com a utilização de melhores tecnologias.

A quebra mais acentuada da produção de grãos serestringe a alguns distritos de poucos municípios.

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CRÍTICAS INJUSTAS

m dos valores fundamentais do regime democráti-co é a liberdade de crítica. Desde que sejam justas

e comprovadas!No Ceará tornou-se moda criticar a agricultura di-

zendo-se que o setor está estagnado e sem política porparte do governo do Estado. A mais recente dessas opi-niões afirma: “A produção agrícola do Ceará decresceuem 6,55% de 1992 a 1999, decréscimo só superado, noNordeste, pelo Rio Grande do Norte e Paraíba.”

Por se tratar de uma comparação entre dois pontosextremos, não é boa técnica de análise. Para mostrar oequívoco do articulista sobre o assunto, é oportuno men-cionar que, na verdade, a agricultura do Ceará foi umarecordista de crescimento, nesse período, em todo o Nor-deste. Em outras palavras, a variação do valor bruto daprodução agropecuária foi de 19,4% positivo, entre 1992 e1999. No mesmo período, Piauí, Pernambuco, Rio Grandedo Norte e Paraíba tiveram resultados negativos de até43,6%. A média do Nordeste foi de menos 3,9%. Analisan-do melhor estes dados, observa-se que a produção degrãos, isoladamente aumentou de 93% no Ceará entre 1992e 1999. A produção do principal produto, o milho, elevou-se em 168%.

Vale salientar que as condições climáticas de 1999não foram tão boas, mesmo sabendo-se que em 1992 tam-bém ocorreram problemas. O importante a esclarecer éque, devido a ações estratégicas de modernizaçãoadotadas pela Secretaria de Desenvolvimento Rural, noano de 1999, foi possível aumentar a produtividade do

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setor de grãos. Assim, enquanto a produção média porhectare de grãos atingiu 317 kg/ha, em 1992, esse quan-titativo elevou-se, no período, para 614 kg/ha, ou seja,uma melhoria de 92% nos índices de eficiência no uso daterra do Ceará.

Ao contrário do que foi propagado na imprensa lo-cal, podemos dizer que a agricultura do Ceará teve umexcelente desempenho entre 1992 e 1999 e não um fra-casso, como apresentado no comentário mencionado.

É oportuno esclarecer que o governo do Ceará temum projeto abrangente para a agricultura. A publicação“Rumo ao Desenvolvimento Rural do Ceará” apresentatodos os programas em execução no Estado: combate àpobreza, modernização da agricultura e serviços de apoioao setor. Este plano foi elaborado com a participação depraticamente todos os setores políticos, empresariais ecientíficos do Estado. Milhares de exemplares desse pla-no foram distribuídos com parlamentares, lideranças doEstado, sindicatos e empresários.

Assim, não se pode dizer que o Estado do Cearánão tenha um plano para a agricultura. Pode-se não con-cordar com as políticas propostas, mas é falta de justiçanegar sua existência.

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A CONJUNTURA DA SAFRA 2001

produção de grãos é um dos parâmetros utilizadostradicionalmente no Brasil para medir o desempe-

nho do setor agrícola. É o que mais diz respeito à garan-tia alimentar da população pobre. Do mesmo modo é abase da sustentabilidade do emprego e da manutençãodas populações dependentes da agricultura de subsis-tência no Estado.

O segmento mais importante da economia rural é apecuária. Esta representa, em média, 50% de toda a ren-da gerada no Ceará. As lavouras permanentes tambémocupam uma posição relevante, especialmente a fruticul-tura e a cana-de-açúcar.

O Plano de Safra de Grãos do ano 2001, da Secreta-ria de De-senvolvimento Rural, tem como objetivo orien-tar o setor produtivo empresarial e da agricultura familiarna obtenção de resultados positivos para aumentar a pro-dução, a produtividade e o emprego na agricultura. Ogoverno do Estado atua em várias frentes, das quais sedestacam o Programa Hora de Plantar, Milho Híbrido e oPrograma do Algodão.

Todas as iniciativas de apoio ao produtor cearensecontam com a parceria do Banco do Nordeste, Banco doBrasil e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, como Programa de Apoio à Agricultura Familiar. A EMATERCEé a executora, em grande parte, dessas ações.

A principal estratégia da Secretaria de Desenvolvi-mento Rural nessa safra é produzir o máximo nas terrasaptas e estimular práticas conservacionistas. Foi adota-do o zoneamento agrícola para o plantio de milho híbrido

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nas melhores terras e de maiores precipitações. Outrarealização da EMATERCE tem sido a modernização daagricultura de subsistência com sementes mais produti-vas para a produção de grãos de qualidade e competiti-vos. Deu-se continuidade à difusão de plantadeirasmanuais (matracas), com mais 20.000 unidades este ano.

Atendendo às solicitações dos sindicatos rurais edas associações de produtores do Estado foi iniciada,antecipadamente, a distribuição de sementes. O períodode fornecimento de sementes foi alongado do final dedezembro no Cariri, Baturité e Ibiapaba até março últi-mo, e de fevereiro a março na zona Jaguaribana, SertãoCentral e Inhamuns. Até a semana passada, com a reto-mada das chuvas nessas áreas, os agricultores estavamconfiantemente fazendo seus plantios.

A meta era distribuir 3.170.000 quilos de sementesde milho, feijão, arroz e algodão, com o investimento deR$ 5 milhões. Com exceção de algodão, toda a sementefoi plantada até a semana passada. A falta de chuvasadequadas de pré-estação na região do Cariri causouperdas aos agricultores que, desafiando a sorte, planta-ram grãos nas primeiras chuvas.

O resultado é que, mesmo com veranicos em algunsmunicípios, a produção de grãos do Ceará, em 2001, seráde 1.139 mil toneladas. Com estes dados do IBGE, a pro-dução estimada com base no mês de março será 10% su-perior ao ano 2000. Em comparação com as primeirasexpectativas de fevereiro, há uma redução em relação aomês de março. Mesmo assim, a produção de grãos para2001, no Ceará, será recorde, de acordo com dados esta-tísticos oficiais.

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PIOR É O CLIENTELISMO

uitos historiadores e romancistas registraram asconseqüências das secas no Ceará e no Nordeste.

São leituras obrigatórias sobre o assunto: José do Patro-cínio, nos “Retirantes”. “A seca é o inverno para muitagente”, segundo ele. José Américo de Oliveira, em “ABagaceira”, concorda com esse pensamento, afirmandoque “a seca do pobre é o inverno dos ricos”. Já Rachel deQueiroz, no seu romance “O Quinze”, forja a expressão“indústria da seca”, referindo-se ao uso clientelista dosrecursos destinados pelo governo federal às frentes deserviços e aos programas de emergência na época deseca. Graciliano Ramos traça imagens dramáticas em“Vidas Secas”, assim como Gileno de Carli no seu livrode análise dos efeitos sociais da seca em “A Maior Secado Século”. Deve ser citado também Joaquim Alves em,“Histórias das Secas”. Para não referenciar todas as obras,vale destacar Rodolfo Teófilo, em “A Fome”, onde, ao ob-servar tão grave problema, conclui que “a emigração é aúnica saída”.

Praticamente todos os escritores são de opinião queo governo deve apoiar os produtores durante esses even-tos de seca. Isso deve ter em vista uma gradativa mu-dança nas tecnologias e práticas agrícolas adaptadas aofenômeno climático. Aponta-se também a necessidadeda adoção de sistemas de administração da produção eestocagem de alimentos, inclusive para os animais.

Acham os analistas do fenômeno que a pobreza naRegião não resulta das secas, mas revela apenas uma si-tuação de pobreza preexistente e de caráter estrutural. A

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pobreza, segundo os historiadores, ocorre por falta deacesso aos meios de produção; a estrutura agrária é de-feituosa, falta saúde e, principalmente, educação.

Outra constatação revelada é que grupos diversosda população são afetados diferentemente. A categoriamais prejudicada é a dos produtores de grãos de sub-sistência, com pequena área cultivada. Há também osque ganham, inclusive os governos dos estados ou dosmunicípios. Estes recebem recursos do governo federale os aplicam em obras públicas que não seriam realiza-das sem essas transferências financeiras. Enquanto, noNordeste, a seca é uma ameaça à sobrevivência daspopulações afetadas, no Sul do País, na Austrália e nosEstados Unidos é um prejuízo econômico que pode atéser compensado pela melhoria dos preços dos produtosem escassez.

Em outras áreas do mundo de clima desértico, ári-do ou semi-árido em zonas temperadas, a ocupação dasterras, para fins produtivos e moradia, foi sendo reali-zada de conformidade com a capacidade de irrigaçãoou adaptação de sistemas agrícolas que permitissem ageração de emprego e renda. Exemplo disso é o queocorre em Israel, na região do Neguev, no Arizona,Texas e Nebraska, nos Estados Unidos, na Austrália ena Espanha.

No Ceará, a alternância de anos bons de inverno comanos de seca ou precipitações suficientes para manter al-guma atividade produtiva levou a população a instalar-seno coração do semi-árido, sobre a plataforma cristalina comágua subterrânea salobra, sem condições de uso.

Outro fator de atratividade do processo de ocupa-ção do território foi a existência de vales úmidos, aluvi-ões com água no subsolo, serras férteis e várzeas, com

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potencial de aproveitamento agrícola e exploração ani-mal. Na verdade, a colonização cearense se fez, em gran-de medida, no rastro do boi, que se adaptou às pastagensnativas e à criação extensiva no Sertão e Inhamuns paraa produção de carne destinada aos engenhos dePernambuco e do próprio Ceará.

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A NOVA EXTENSÃO RURAL DO CEARÁ

grande maioria da população rural do Ceará trabalhapara manter-se a um nível de subsistência. Esta situa-

ção decorre de muitos fatores estruturais e circunstanciais.Não há dúvida de que uma das causas disso é a

falta de orientação técnica eficaz sobre como superar es-ses obstáculos. Seria injusto não reconhecer que muitosesforços foram despendidos para mudar tal situação. Asações empreendidas até agora, entretanto, pouco altera-ram as condições de vida da população rural cearense.

O grande problema a resolver é como chegar aosagricultores e mostrar-lhes como ajudar-se a si mesmos.Isto por que o elemento mais importante para as mudan-ças requeridas é o próprio agricultor. Os modos de gestãodevem ser orientados para a criação de renda e emprego enão para servir as estruturas existentes da fazenda.

Os serviços de extensão existentes no Nordeste ti-veram suas primeiras sementes importadas do modeloutilizado, na época, nos Estados Unidos. Estas experiên-cias de extensão rural, contudo, não poderão ser plena-mente transplantadas como prevaleciam na origem. Daíporque, desde o início, a metodologia de assistência téc-nica adotado no Brasil apresentava deficiências de ade-quação às realidades locais.

O objetivo metodológico de transferir uma tecnolo-gia moderna de ponta existente naquela época contras-tava com as necessidades dos pequenos produtores queviviam numa agricultura tradicional e simples.

Os resultados obtidos dessa experiência não foramplenamente satisfatórios.

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Nos últimos anos tem havido um renovado interesseno sentido de reorganizar o sistema de extensão rural tor-nando-o mais eficaz e orientado para a solução dos pro-blemas que realmente entravam a modernização do setortradicional e de subsistência. O novo enfoque adotado naatual reorganização da extensão rural do Ceará busca en-sinar o agricultor a ajudar-se a si mesmo. O cliente, e nãoos problemas corporativos, passam a ser o centro da açãodo sistema. Para uma maior eficiência, cada Centro de Aten-dimento aos Clientes (CEACs) define claramente o planode ação para a sua área de atuação, coordenando os ór-gãos envolvidos e o público-meta. Assim, respeitando asprioridades do Plano Estadual de Desenvolvimento Rural,são concentrados os esforços por áreas, produtos específi-cos e por grupos determinados de agricultor.

A estratégia de mudanças se apóia nos programasde capacitação que abrangem todos os níveis do quadrotécnico e administrativo do sistema e dos agricultorescontemplados no âmbito de atuação da extensão rural.A finalidade desse programa é dar a conhecer a todasas partes interessadas os problemas existentes e as so-luções possíveis para cada caso. Os resultados finaisterão como base a avaliação das atividades do sistema.Em outras palavras, a preocupação deve ser executar oprogramado, o qual é tarefa do extensionista e do agricul-tor, com o contínuo apoio dos organismos governamen-tais pertinentes.

As metas, naturalmente, devem ser estabelecidascom base no que é efetivamente possível de executar emface dos recursos e capacidade do pessoal técnico.

Os CEACs deverão instalar unidades de demons-tração e promover viagens de estudos a fazendas-mode-los próximas para melhorar a instrução do agricultor.

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Certamente, para a execução desse tipo de progra-ma é necessário que a equipe do sistema de extensãoesteja dotada de uma nova visão e muita dedicação a suamissão de agente da transformação rural. Todos os esfor-ços dos extensionistas deverão ser orientados para o agri-cultor. É ele que vai ganhar ou perder a batalha e é porisso que se deve dar-lhe todo o apoio e ajuda necessário.Este é o objetivo da Nova EMATERCE.

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CRESCIMENTO DA AGROPECUÁRIA E O INVERNO

O bom inverno fez com que a produção daagropecuária cearense apresentasse um cres-cimento de 23% em 2002.

O POVO – 24/4

agropecuária cearense vem evoluindo e melhoran-do a sua produtividade nos últimos anos, superan-

do um longo período de estagnação iniciado na décadade 70. O ano de 2002 foi mais um ano de produção recor-de de grãos. O crescimento do produto agropecuário em2002, de 23%, em termos reais, é um exemplo dessa ten-dência. Apesar da baixa participação do setor na estru-tura de renda do Estado, quase 50% da taxa global de1,91% do Produto Interno Bruto do Estado, em 2002, origi-naram-se da agricultura.

Desempenho das Lavouras em 2002

A produção de grãos superior a de 900 mil tonela-das representou um acréscimo de 130% da produção doano anterior. Isso corresponde a uma das maiores safrasde grãos dos últimos 30 anos, juntamente com os anos de2000 e 1994. Com o bom desempenho da pecuária e dasculturas permanentes, os agricultores cearenses geraramuma renda, a preços correntes, de R$ 1,5 bilhão, com 50%desse valor apropriado pela pequena agricultura famili-ar. Como foi pequeno o aumento na área cultivada, os in-crementos de produção estão associados ao crescimentoda produtividade, decorrente da adoção de melhortecnologia e organização da produção no Estado.

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No caso do milho, que é uma cultura fundamentalpara a alimentação humana e para a pecuária, espe-cialmente a avicultura, o Ceará tornou-se, nos últimosanos, uma referência nacional. Em relação a 1987, aprodução de 2002 desse cereal dobrou, tornando-seno Nordeste o maior produtor depois da Bahia. Isola-damente, o Ceará produziu, em 2002, mais de duasvezes a produção do Maranhão e superou a produçãoconjunta do Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Per-nambuco, Sergipe e Alagoas. Em relação ao início doprograma de modernização da agricultura, em 1995, aprodutividade total do Estado aumentou 30%, mas, noCariri, esse ganho foi de 200%. Em municípios comoPorteiras, Missão Velha e Brejo Santo, a produtividadechegou a 4.000 quilos por hectare, em média, contra800 quilos no passado.

Fato notório a observar é que a produção de 2002,mesmo com muitas chuvas nos primeiros meses da qua-dra de inverno, foi muito irregular em todo o Nordeste.A maioria dos estados declarou situação de calamida-de pública. Maranhão, Bahia e Alagoas tiveram que-bra de produção de grãos. No Piauí, as perdas foramsuperiores a 60%. No Ceará, a situação também foi deanormalidade na distribuição das precipitações emmuitos municípios. Basta registrar que 14 municípiostiveram perdas de safra superiores a 60% e, por isso,foram declarados em estado de calamidade pública. OMinistério da Integração Nacional chegou a distribuirquase 100 mil bolsas-alimentação somente no Ceará.Outros 40 municípios tiveram perdas entre 40 a 60% etambém receberam ajuda para abastecimento dáguacom carros-pipas.

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Contribuição da Produção de Animais e Derivados

É oportuno lembrar que a estrutura da renda dosetor agropecuário do Ceará é constituído de, aproxima-damente, 50% da pecuária, 40% de lavouras e o restantede extrativa vegetal. O segmento de grãos mais afetadopelas irregularidades das chuvas corresponde apenas auma parte da lavoura, pois a outra se refere a produtospermanentes (frutas e leguminosas). Exemplo disso acon-teceu no ano de seca de 2001, quando a queda na produ-ção de grãos atingiu 60%, mas o decréscimo na produçãoagropecuária foi de apenas 16%.

A pecuária, que está mais adaptada ao semi-árido,apresentou, na verdade, um crescimento de 6%. É preci-so considerar que, enquanto o cultivo de áreas com grãosocupa, mais ou menos, um milhão de hectares, as pasta-gens naturais se estendem por 2,4 milhões de hectares.As precipitações de 600 ou 700 mm de chuvas, que ocor-rem em ano de anormalidade climática, são suficientespara manter a pastagem para o gado, mesmo que a pro-dução de cereais seja afetada, como ocorreu em 2001 e2002. Convém lembrar também que esse segmento foimuito beneficiado pelos programas de construção de açu-des e interligação de bacias, aumentando a oferta de águapara consumo animal. Além disso, com a perenização dequase 2.000 km de rios do semi-árido cearense foi possí-vel aumentar a instalação de capineiras e a produção deforragens verdes. Nos últimos anos, não ocorreu a trans-ferência de gado foi transferido para os estados doMaranhão ou do Piauí, como acontecia no passado, comgrande perda de peso e produção de leite. A pequenairrigação de apoio à produção de alimentos para a pecu-ária também é outro fator de estabilização no desempe-

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nho do setor. Com essa finalidade, existem hoje cerca de50.000 hectares. Outra iniciativa para dar maior estabili-dade ao crescimento do setor tem sido o programa deformação de silagem da EMATERCE, para alimentaçãodo gado na entressafra.

O Ceará tornou-se o segundo maior produtor de leitedo Nor-deste, em média 360 milhões de litros/ano, apesarde a produtividade por vaca em lactação ser baixa. Quan-to ao rebanho bovino, caprino e ovino, o Ceará encontra-seem segundo ou terceiro lugar, perdendo apenas para aBahia e o Maranhão. Outro aspecto importante a lembrar éque o parque avícola cearense é o segundo do Nordeste erepresenta 25% da renda pecuária. Como se sabe, a produ-ção dessa atividade não depende do inverno. Assim, emano de seca ou inverno, o ritmo de produção da aviculturadepende do mercado e não das chuvas.

Em resumo, o que estamos tentando explicar é que,no Ceará, os efeitos das variações de renda do setoragropecuário estão associados a vários fatores e não àschuvas unicamente, como alguns críticos do governo fa-zem crer.

Monitoramento das Chuvas e da Umidade do Solo

A FUNCEME e a Secretaria de Desenvolvimento Ru-ral estão realizando, desde 1998, um acompanhamento sis-temático das chuvas e da umidade dos solos empraticamente todos os municípios do Ceará. Durante operíodo de plantio e desenvolvimento das culturas, diaria-mente é elaborado um quadro e um mapa da situaçãoagroclimática do Estado. O programa de sementes da SDR,por exemplo, segue rigorosamente um calendário de modoque os agricultores são orientados a plantar no momento

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mais adequado. Daí por que o programa é denominado deHora de Plantar. Os técnicos da EMATERCE são treinadospara, em linguagem apropriada, transmitirem as informa-ções climáticas aos agricultores. Todos esses dados sãorepassados em tempo real pela melhor rede de microcom-putadores do sistema de assistência técnica do Nordeste.

Planejamento das Atividade do Setor Agropecuário

Os resultados, como os de 2002, foram obtidos commuitos esforços, estratégias deliberadas e planejamento.Com esse objetivo, foi executada, em 1995, uma reestrutu-ração organizacional e criado o Sistema Estadual da Agri-cultura, vinculado à Secretaria do Desenvolvimento Rural,trabalhando de acordo com um único plano de ação.

A EMATERCE, que mantinha até então 40% de seupessoal em Fortaleza, foi totalmente interiorizada, com acriação de 80 centros regionais de atendimento aos cli-entes. A cobertura de assistência, que era de 2% dos agri-cultores, segundo o Censo Agropecuário de 1995, passou,em 2002, para 30%, correspondendo a uma das maioresproporções de todo o País. Anteriormente a assistênciatécnica era proporcionada, no passado, individualmente,com baixo nível de adoção tecnológica. Com a novametodologia grupal ou comunitária e por programas, ograu de efetividade melhorou de maneira considerável.São cerca de 500 pessoas treinadas e capacitadas paraensinar o agricultor a produzir melhor. Atualmente, aempresa possui uma frota de 150 carros novos e um am-plo parque de microcomputadores distribuídos no interiore interligados à SDR pela internet ou fibra ótica.

Um detalhado plano de ação foi preparado pela Se-cretaria de Desenvolvimento Rural, onde a EMATERCE

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fundamentou seu plano de atividades. No caso da produ-ção de grãos, por exemplo, as diretrizes são de produzir omáximo nas terras de sequeiro mais aptas e realizar amodernização da agricultura de subsistência por semen-tes mais produtivas. Somente esse programa atende maisde 100 mil agricultores anualmente. A CEASA, empresade apoio à comercialização vinculada à SDR, foi moderni-zada e duplicada a sua área de pavilhões para a vendadireta dos produtores, com a eliminação dos perversosesquemas de intermediação que desestimulavam os pe-quenos produtores. Em 2002, foram comercializadas, nes-sa Central, 350 mil toneladas de produtos hortigranjeiros.

Como apoio ao agricultor sem terra, foram adotadasvárias iniciativas: a modernização do Instituto de Desen-volvimento Agrário e a criação de novos programas dereforma agrária solidária, em complemento ao programaclássico de responsabilidade do INCRA. O Governo doEstado liberou verba de US$ 10 milhões para essa finali-dade, com o apoio posterior do Governo Federal e do Ban-co Mundial para um amplo programa que se estendeu aoutros estados do Nordeste. Os beneficiários desse pro-grama receberam todas as condições para conviveremcom o semi-árido e não dependerem das condições cli-máticas adversas.

Finalmente, não se pode ignorar a produção agríco-la do Estado oriunda das áreas irrigadas e que, em 2002,estavam sob a orientação da Secretaria de AgriculturaIrrigada. São 60.000 hectares dos setores público e priva-do que produzem até duas safras por ano, aumentando,assim, a estabilidade do processo produtivo agropecuáriodo Ceará.

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MILHO É SUCESSO NO CEARÁ

produção de milho no Ceará alcançará 942 mil to-neladas em 2003, segundo cálculos do IBGE. Nos

últimos anos, o Ceará tornou-se destacado produtor des-se grão, essencial à pecuária, especialmente à aviculturaque muito depende dessa ração. Em 2003, o Ceará bateunovo recorde de produção, apenas superado em 27%, noNordeste, pela Bahia, que conta com duas safras anuaise cultivo irrigado no cerrado.

Para formar uma idéia melhor da importância atualdo Ceará como produtor de milho, basta mencionar que asafra de 2003 será duas vezes e meia superior a doMaranhão, considerado o Estado de maior potencial paraessa cultura no Nordeste. Mas o grande feito do Ceará éproduzir mais do que o conjunto dos estados do Piauí,Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas eSergipe, que esperam colher 781 mil toneladas. Outracomparação digna de registro é que a produção de milhona região do semi-árido cearense, em 2003, é superior àprodução de toda a região Norte do país (Rondônia, Acre,Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins).

Outro dado importante é que a produção do corren-te ano (2003) será a maior de toda a história da agricultu-ra do Ceará. Em comparação com o ano anterior, serásuperior em 49%, quando já aconteceu uma grande safra.

A produção média do período 1990-1994 foi de 236mil toneladas, subindo nos anos de 1995-99 para 332, como novo programa de milho como carro-chefe da produçãode grãos do Estado. Em 2000-2002, mesmo com a secaem 2001, esse volume alcançou 612 mil toneladas. Ou seja,

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o incremento entre a fase anterior e a do corrente anoatingiu 300%!

Com esses resultados, o Estado passou a ser auto-suficiente e gerou um saldo para exportar de 252 mil to-neladas. A estimativa das necessidades internas doEstado são de 450 mil toneladas para ração, 130 mil paraconsumo animal nas fazendas, 90 para consumo humanoe 20 para sementes e desperdícios.

Outro aspecto importante a assinalar quanto aomilho são os avanços na melhoria da produtividade depequenos estabelecimentos, com elevada percentagemde plantios consorciados com feijão ou outras culturas.Atualmente, a produtividade do milho no Ceará ultrapas-sa a de todos os estados do Nordeste, com exceção daBahia, pelos motivos já comentados. Estima o IBGE quea produção média do Ceará, por hectare, será de 1.324quilos em 2003, com elevação de 47% em relação ao anoanterior. A produtividade média de 1980-1994 atingiu maisou menos 400kg por hectare, passando para 630 no perí-odo de 1995-99, com o início da modernização da cultura.Nos anos de 2000-2002, mesmo com a seca de 2001, ele-vou-se para 772. Assim, ocorreu um salto de produtivida-de de três vezes ao obtido antes do referido programa.

Os dados comentados são, em média, para todo oEstado. Mas nas áreas de maior vocação para a cultura,como o Cariri, os resultados são impressionantes. A mé-dia atual dos principais municípios produtores como Por-teiras, Barbalha, Missão Velha, Brejo Santo, Nova Olinda,a produtividade média é de 3.000 a 4.000 mil quilos porhectare. Mesmo com uma grande seca e perda de 50%, oagricultor ainda colherá cinco vezes mais do que obtinhaem ano de precipitações normais. Isso poderá significar,em relação ao passado, uma estratégia de risco calcula-do no convívio com o semi-árido no Ceará.

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Outra iniciativa importante foi a adoção do zoneamentoagroclimático do milho e sorgo, definido pela EMBRAPA.

O zoneamento agroclimático dessa lavoura no tró-pico semi-árido é fundamental para evitar perdas dosagricultores. A determinação das áreas geográficas apro-priadas para o cultivo do milho leva em conta a adaptabi-lidade climática e os fatores solo, declividade e uso atualda terra. O milho nos trópicos semi-áridos de clima úmi-do-seco produz o máximo dentro de uma faixa de 600 a800mm de pluviosidade, durante o seu ciclo vital de apro-ximadamente 120 dias.

Um esquema de zoneamento geral dessa cultura foielaborada pela EMBRAPA de Sete Lagoas (MG) em aten-dimento ao Convênio de Cooperação Técnica celebradocom a Secretaria de Desenvolvimento Rural do Ceará. Oobjetivo desse estudo é reduzir os riscos climáticos dasdiferentes regiões do Estado do Ceará e definir as melho-res épocas de plantio de milho. Com essa finalidade, aEMBRAPA fez uma análise da distribuição frequencial daprecipitação e o balanço hídrico para períodos de 5 dias.

Nesses modelos utilizaram-se os dados de precipi-tação diária de 15 anos em 257 estações e evapotranspi-ração de referência pelo método Pennam Monteith. Oscoeficientes culturais foram determinados a partir dedados médios de um ciclo de 90 dias. As disponibilida-des de água nos solos foram agrupadas em níveis dearmazenamento de 20, 40, 60mm, de acordo com a textu-ra e classe do solo. As simulações das épocas de plantiopor regiões foram feitas a cada 10 dias entre 1º de de-zembro e 31 de maio, que são os períodos extremos desemeadura de milho no Ceará.

Com esse zoneamento torna-se possível, pela pri-meira vez no Ceará, conhecer previamente as condições

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de semeadura do milho levando em conta se as condi-ções são favoráveis, intermediárias ou desfavoráveis.

No tocante ao apoio direto do governo do Estado,foram distribuídas com os produtores de milho mais de1.000 toneladas de sementes de hídridos e 600 toneladasde variedades de alta produtividade, além da venda demuita semente pelas empresas do ramo. O Ceará, aliás, épioneiro na produção de sementes de excelente qualida-de de híbridos adaptados às condições locais e aprova-dos pela EMBRAPA.

Além disso, foram difundidos novos tratos culturaispara a cultura, com definição de espaçamentos mais densos,com o uso da matraca e treinamento dos produtores nasnovas tecnologias do milho. O Programa Hora de Plantardistribuiu, nos últimos anos, 60 mil plantadeiras manuais(matracas) que ajudaram no aumento da produtividade damão-de-obra e no melhor aproveitamento das sementes.

No ano de 2003, foi também muito importante aadoção do Seguro Safra pelos 183 mil produtores. Estesse sentiram mais confiantes em plantar sem receio de umaseca, pois seriam indenizados pelas eventuais perdas.

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A AGRICULTURA DEPENDE DAS CIDADES

padrão de desenvolvimento econômico do mundoocidental foi caracterizado por uma constante trans-

ferência de população do quadro rural para os centrosurbanos. Países como Estados Unidos e Reino Unido têmatualmente apenas 2% do emprego rural, sendo que, mes-mo assim, estes trabalhadores recebem apenas 60% derenda da agricultura. O restante da renda provém de ativi-dades não agrícolas. Este fenômeno esteve associado aoprogresso tecnológico da agricultura, que reduziu as ne-cessidades de mão-de-obra. Por sua vez, a indústria quese localizou nas cidades oferecia novas oportunidades deemprego às populações provenientes da área rural. Oequilíbrio desses dois fatores permitiu a existência de umfluxo migratório do campo para as zonas urbanas, commelhoria das condições de vida para toda a população.

Nos países atualmente em desenvolvimento, a his-tória do êxodo rural e da urbanização está sendo dife-rente do passado. O esforço de desenvolvimentoindustrial urbano não tem sido suficiente para absorvera mão-de-obra que vem do campo para as cidades. En-quanto isso, as emigrações rurais se fizeram à custa daestagnação da agricultura. É paradoxal, mas estudos doProf. M. Dotaro sobre o assunto mostram que a criaçãode mais empregos urbanos leva a níveis mais altos dedesemprego urbano. Ou seja, para cada emprego cria-do, poderão se deslocar para a cidade dois ou trêsmigrantes que estavam em áreas rurais. O êxodo, noentanto, é determinado por motivos econômicos, finan-ceiros e psicológicos.

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Os problemas fundamentais da pobreza e da cres-cente desigualdade, desse modo, têm origem na estag-nação da vida econômica nas áreas rurais. Com o rápidoprogresso tecnológico no setor de manufatura e nos ser-viços, poderá ocorrer também redução das necessidadesde mão-de-obra nessas atividades.

A despeito dos problemas e desafios, as cidades con-tinuarão crescendo, razão por que fracassaram todos osesforços históricos para impedir que isto aconteça ao re-dor de todo o mundo. Agora, é generalizadamente aceitoque a urbanização não só é inevitável, mas é um fenômenopositivo. As cidades existem porque oferecem oportuni-dades e promessas de uma vida melhor para seus habitan-tes. Nelas é possível integrar, com o máximo de resultado,os recursos humanos, econômicos e tecnológicos.

As cidades, funcionando bem, são uma pré-condi-ção para o de-senvolvimento rural. Daí por que osdemógrafos e planejadores do mundo menos desenvolvi-do estão convictos de que é uma urgente necessidade aadoção de um novo modelo de urbanização rural. Serialevar os povoados e as cidades para o campo, a fim deevitar o êxodo para as grandes metrópoles.

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CRESCIMENTO DESIGUAL

crescimento da renda do Nordeste do Brasil, em ter-mos total e “per capita”, tem sido exemplar pelos

padrões internacionais.O desempenho do setor industrial, o aumento da ge-

ração de divisas e outros indicadores macroeconômicos se-guiram idênticas tendências. Os resultados obtidos nesseprocesso de crescimento econômico não foram, entretanto,os mesmos no tocante à melhoria dos indicadores sociais,especialmente os dependentes das atividades agrícolas.

Na verdade, o que tem acontecido no Nordeste éum mal desenvolvimento, subsistindo os principais pro-blemas de desigualdade e de pobreza absoluta. Dentreas características desse subdesenvolvimento industria-lizado, destacam-se a excessiva concentração da terra emmãos de poucos, baixa produtividade agrícola, excessode gente nas micros propriedades, desnutrição e analfa-betismo elevados. A falta de oportunidades de empregono campo e nas cidades é outra disfunção da grave situ-ação da economia nordestina. A crise agrária, além disso,tem motivado um processo de emigração descontroladoda população do campo para as cidades, com prejuízoseconômicos e sociais para ambos.

Há necessidade, por isso, de reorientação do poderpolítico e social com vistas a transformações estruturaisde ordem econômica, social e institucional para a adoçãode um novo estilo de desenvolvimento mais harmônico emais eqüitativo do que atualmente em curso no Nordeste.

As diretrizes e princípios que devem orientar o de-senvolvimento econômico precisam tomar por base a

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melhoria individual e social do padrão de vida de toda apopulação, especialmente dos pobres e da zona rural, ouseja: conseguir a redução da mortalidade infantil, reduziro analfabetismo, melhorar os padrões alimentares e ascondições habitacionais, incrementar a produção e a pro-dutividade do setor agrícola, melhorar os serviços de apoioà produção e modernizar toda a sociedade.

As medidas sugeridas objetivam gerar um proces-so econômico segundo um clima de interesses comunsde toda a população e uma melhor disseminação do de-senvolvimento no território, com ênfase nas zonas rurais.Neste contexto, será necessária também uma reorientaçãodo processo de industrialização para utilizar os recursosregionais e o aproveitamento dos mercados locais.

Finalmente, torna-se indispensável a reforma do Es-tado e a participação econômica, social e política do setorprivado e dos diversos segmentos da sociedade no proces-so de desenvolvimento econômico em benefício de todos.

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O PROJETO (SÃO JOSÉ)QUE AJUDA OS POBRES DO CEARÁ

screvo este artigo estimulado pela recente publica-ção do estudo do Banco Mundial sobre “Estratégias

de Redução da Pobreza no Ceará” e os dados da PesquisaNacional de Amostra por Domicílios do IBGE (PNAD). Combase nesses documentos, tornou-se possível comprovar que,na década de 1992-2002, ocorreram no Ceará avanços si-multâneos de desconcentração da renda e melhorias no Ín-dice de Desenvolvimento Humano. Ou seja, crescimento darenda mais acelerado do que o Nordeste e o Brasil, maiseducação dos analfabetos, melhor saúde e aumento na ex-pectativa de vida devido à queda nas taxas de mortalidade.Esses resultados são animadores, pois as políticas com es-ses objetivos têm sido decepcionantes nas últimas déca-das, tanto no Brasil como nos países subdesenvolvidos.

Mesmo assim, o Ceará continua entre os estados maispobres do País, pois ao lado das conquistas comentadassubsistem regiões e setores da sociedade que ainda nãoforam contemplados pela rede de investimentos em infra-estrutura e serviços sociais. A pobreza rural, por exemplo,tem sido o maior desafio, pois cerca de 70% dos seus habi-tantes ainda estavam abaixo da linha da pobreza. As açõesestratégicas para o alívio da pobreza rural na última décadaforam centradas na questão do capital humano (saúde eeducação), no aumento da produção e da produtividade ena redução da vulnerabilidade às secas, através dos recur-sos hídricos, irrigação e Seguro Safra. Segundo os estudosdo Banco Mundial, citados antes, o projeto de maior suces-so nesse particular, contudo, foi o Projeto de Combate à Po-

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breza, criado em 1995 com o nome de Projeto São José, poisdesde 1987 já vinha funcionando com outra denominação,apoiado pela referida instituição financeira internacional.

Na verdade, esse Projeto tem sido notável e eficaz,segundo todas as avaliações técnicas externas; 90% daopinião pública cearense foi pesquisada! Vale registrar que,no período de 1995 a 2002, foram aplicados recursos de R$235 milhões. Isto permitiu acesso dos pobres do quadrorural à infra-estrutura básica, atividades produtivas e so-ciais. Foram atendidas mais de 6.000 comunidades rigoro-samente selecionadas, com 358 mil famílias. Isso significa68% de toda a população residente no campo e em vilasaté 1.500 famílias de 177 municípios do Estado.

Aspectos relevantes das avaliações levadas a efeitoao longo dos anos são de que os investimentos realizadospelo Projeto São José são eficientes e bem direcionados.Por essa razão, os serviços são executados a um custobem mais baixo do que outros procedimentos tradicio-nais. O Projeto São José, de fato, adota um mecanismo deimplementação ágil que leva rapidamente recursos paraaos beneficiários. Um dos papéis importantes desse Pro-jeto tem sido o estímulo à criação de associações e à ge-ração de capital social, ou seja, melhoria na governançalocal. O referido Projeto adota um modelo de ação públicasem dependência e muito democrático. Ele possibilita avoz local, afirmam as lideranças comunitárias.

O Projeto São José, como se pode ver na prática,combate o clientelismo e o paternalismo sem reciproci-dade. Para mim, trata-se de um embrião de uma novaestratégia de combate à pobreza e de desenvolvimentorural, com cidadania. Deveria ser estendido a todo o País,como foram os programas de Agricultura Familiar, Refor-ma Agrária Solidária e Seguro Safra, os quais tiveram oCeará como berço.

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A QUESTÃO REGIONAL REVISADA

adoção de políticas de desenvolvimento regionalnos países subdesenvolvidos e desenvolvidos ob-

teve importância na década de sessenta. Dentre a nume-rosa lista mais conhecida de programas com essafinalidade, destacam-se os planos de desenvolvimentopara o Vale do Cauca, na Colômbia; vários projetos situa-dos no Vale do Domar, na Índia; em Puebla, no México; noMezzorggiorno, na Itália; em Badajoz, na Espanha, e emLarisch, em Israel.

O debate técnico e o interesse político sobre desen-volvimento regional, no entanto, tem arrefecido nos últi-mos anos no Brasil, especialmente no âmbito acadêmicodas universidades. Estão novamente em moda as idéiasdo professor Albert Hischman de que “a desigualdadede crescimento é uma condição inevitável e concomitanteao próprio crescimento”. Roberto de Oliveira Campos eDelfim Netto retomam, por sua vez, o argumento de quese deve concentrar o maior volume possível de investi-mentos nas áreas mais adiantadas a fim de que esses“recursos se multipliquem rapidamente para permitir dis-tribuição mais abundante no futuro”. O professor J.G.Willianson, em seu trabalho “Desigualdade Regional e De-senvolvimento Nacional” também ajuda a reforçar essaopinião. Acha ele, que em lugar de divergências nos ní-veis inter-regionais de desenvolvimento, a convergênciatorna-se a regra, com as regiões atrasadas fechando abrecha de desenvolvimento que há entre elas e as regiõesjá industrializadas.

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Este argumento, entretanto, não tem respaldo con-sistente na experiência histórica do processo de desen-volvimento econômico mundial.

Em muitos países atualmente industrializados, porexemplo, ainda são registradas acentuadas disparidadesentre áreas menos favorecidas e o resto da economia,especialmente quanto ao padrão de vida e às perspecti-vas de progresso tecnológico.

Segundo o Prêmio Nobel de Economia, GunnarMyrdal, mesmo em países como os Estados Unidos daAmérica e Suécia, onde diversas condições vantajosaspara o crescimento econômico estiveram presentes, odesenvolvimento econômico não ocorreu de modo gerale simultâneo em todas as regiões. Na verdade, muitosestudos acadêmicos demonstram a subsistência de gran-des problemas regionais durante o processo de cresci-mento econômico desses países. Nos Estados Unidos, porexemplo, a região Sul esteve atrasada em relação a ou-tras regiões até recentemente. O mesmo ocorreu comextensas áreas na Nova Inglaterra que, até o presente,não conseguiram emergir com a mesma plenitude de ou-tras regiões do Norte.

Segundo estudos da Organização de Cooperação eDesenvolvimento Econômico (OCDE), todos os paísesdessa comunidade européia possuem regiões que não têmparticipado integralmente do de-senvolvimento nacional,subutilizando recursos, especialmente mão-de-obra.

Em vista disso, os países da OCDE, nas últimasdécadas, passaram a reconsiderar o desenvolvimento re-gional como um dos elementos indispensáveis nas suaspolíticas de desenvolvimento econômico. A renovadaatenção nesse problema objetiva neutralizar as forçascentrípetas inerentes ao desenvolvimento econômico e

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tecnológico que tendem a alargar as diferenças entrepartes de um mesmo país. Entre cidades e o campo, en-tre as próprias cidades, criando tensões e distorções noprocesso de crescimento harmônico.

Muitos fatores negativos têm contribuído para queocorra esse fenômeno de desenvolvimento desigual, va-lendo destacar a escassez de recursos naturais, climasdesfavoráveis e outros elementos geográficos e históri-cos. Esses fatores adversos levam ao surgimento de ou-tras condições negativas tais como a inadequação dosserviços sociais e de infra-estrutura.

As políticas setoriais no Brasil, afirma o Prof.Thompson Almeida, do Centro de Desenvolvimento e Pla-nejamento Regional, da Universidade Federal de MinasGerais, “tem sido um impacto diferencial nas taxas decrescimento econômico das regiões”, um efeito acumula-tivo no Sudeste e Sul e empobrecimento relativo do Nortee Nordeste.

Em suma, este debate sugere que os políticos,governantes e planejadores do Brasil precisam estar cons-cientes de que as disparidades regionais poderão aumen-tar se não forem adotadas políticas diferenciadas paraneutralizarem tais tendências. Não se trata de conside-rar o Nordeste isoladamente do seu contexto nacional,mas da adoção de estratégia de ação regional para fazerfrente aos problemas das áreas subdesenvolvidas.

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CORRER PARA ULTRAPASSAR O ATRASO

s propostas de criação de um melhor estado livrede toda tensão social e inquietude, idealizadas por

alguns economistas e filósofos, têm sido consideradascomo obras de exóticos intelectuais. São os chamados“utópicos”, ou seja, “irreais”.

As utopias, entretanto, como afirma FrançoisPerroux, têm sua função referencial e social. De fato, des-cobrir o que desejamos ser e como alcançar esse objetivodeveria se constituir na principal preocupação de nossoscientistas, políticos e intelectuais. Já no século XVII eramgrandes as especulações sobre desarmonias sociais e asinovações tecnológicas. A questão do “para onde?” dodesenvolvimento social dessa época segue-se nos sécu-los XVIII e XIX, quando a discussão passou a ser comorealizar o progresso tecnológico e econômico. Esses doisperíodos foram bastante semelhantes no tocante às lutasideológicas.

Agora, no final do século XX e início do novo milê-nio, renova-se o desafio de busca de um novo estilo deprogresso para a sociedade. Enquanto, no passado, pen-sava-se na introdução da máquina como força invisíveldo desenvolvimento, temos, agora, como alavanca o“chips” da eletrônica computacional.

No Brasil, com o novo governo, abre-se uma excelen-te oportunidade para a concretização de uma “utopia”almejada não por intelectuais, mas pelas massas popu-lacionais marginalizadas: participação nos resultados daaplicação dos conhecimentos científicos e das conquistastecnológicas da informática. Em outras palavras, a quebra

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dos grilhões do desemprego e da pobreza abjeta a que fo-ram levados pelo atual modelo de desenvolvimentodesigualitário brasileiro. É o momento da opção, comomuito bem diz o senador Sérgio Machado, entre o “atrasoou a ousadia de um novo projeto”. Espero também o im-possível, comenta o jornalista Marcelo Pontes: “queFernando Henrique promova revoluções por toda parte”.

“É a sua vez Brasil”, profetiza o futurólogo JohnNaisbitt. No seminário “O Futuro Chegou”, replica PeterDrucker, gênio da administração estratégica, o Brasil pre-cisa trabalhar rápido para recuperar o atraso e alcançar osoutros países já desenvolvidos. E o Ceará? Nem se fale...

Nosso Estado, onde já floresce um exemplo de de-senvolvimento único num País em crise, vai certamenteentrar na história como detentor de um novo modelo dedesenvolvimento equilibrado. Comprometido com a realmelhoria das condições de vida da população até agoraexcluída dos benefícios do progresso de uma sociedademundial em transformação. Qual a garantia? Esperem...Confiem e participem dessa revolução que não é apenasdo novo governo, mas nossa!

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DIRETRIZES PARA REDUZIR A POBREZA RURAL

experiência de crescimento econômico com eleva-do custo social do Nordeste indica que há necessi-

dade da adoção de um novo estilo de desenvolvimentomais equilibrado. No caso específico do Nordeste, o pro-blema da produção agrícola e da terra se agravaram detal modo que se constitui hoje o mais sério obstáculo aodesenvolvimento econômico regional, juntamente com aeducação básica, que precisa ser priorizada.

A reforma agrária parece ser a opção para prover abase das transformações econômicas e sociais reprimi-das pelo modelo de subdesenvolvimento econômicoconcentrador. Mas uma reforma agrária integral, desti-nada à efetiva modificação das estruturas e dos injustossistemas de posse e uso da terra, complementadas pelosserviços de apoio fundamentais, de modo que a terra seconstitua, para o trabalhador rural, a fonte de sua estabi-lidade econômica, bem-estar e garantia de sua liberdadee dignidade. O minifúndio precisa ser contemplado nes-sa política.

Outra diretriz fundamental é a organização comu-nitária como instrumento apropriado para transformar apopulação pobre e analfabeta em colaboradora ativa dapolítica de desenvolvimento do campo. Do mesmo modo,a industrialização rural é uma estratégia vital para aten-der o problema crítico da urbanização metropolitana econtrabalançar desequilíbrios sociais e econômicos ge-rados pelo processo de crescimento desequilibrado. Ofortalecimento das cidades pequenas pode estimular tam-bém um desenvolvimento mais balanceado e também

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para proporcionar às zonas rurais os mercados e serviçosnecessários, instalações de educação e atenção de saúde.

A construção de um novo modelo econômico maiseqüitativo e de satisfação das necessidades essenciaisda população rural depende do progresso tecnológico parao aumento da produtividade dos lavradores pobres e tra-dicionais. O alcance desse objetivo não é fácil, nem rápi-do, conforme a própria experiência do Nordeste temdemonstrado. Em vista do crescimento da população e agrande margem de subemprego e desemprego, a solu-ção compatível é a produção de tecnologia intermediáriapara a microindústria e a pequena produção agrícola, coma finalidade de criar emprego e utilizar melhor os recur-sos naturais locais. Neste contexto, a agricultura familiar,representa a opção capaz de oferecer um desenvolvimentorural com maior justiça social e eficiência produtiva. Agrande propriedade tem um importante papel a cumprirno crescimento econômico, mas não tem solucionado asdificuldades da população rural pobre.

A diretriz básica do modelo de desenvolvimentorural, aqui sugerida, visa transformar a agricultura e re-solver problemas econômico-sociais da comunidade dointerior, segundo padrões de justiça social o mais eqüita-tivo possível. Este enfoque, como explica Raanan Weitz,fundamenta-se em três pressupostos: 1) crescimento agrí-cola como chave do desenvolvimento rural; 2) desenvol-vimento da agricultura simultâneo com os setoresindustrial e dos serviços; 3) ênfase nas forças sociais comoelemento do processo de desenvolvimento rural.

A chave desse enfoque é criar oportunidades pro-dutivas nas próprias zonas rurais, inclusive nas peque-nas cidades do interior, que devem funcionar como centrosde serviços e de apoio à produção. Na prática, é oportuno

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relembrar: a agricultura é parte do desenvolvimento maisabrangente de todo o espaço rural, o qual, por sua vez, seliga ao processo global de desenvolvimento econômico.

A presente estratégia de desenvolvimento rural des-tina-se a atacar o problema do subdesenvolvimento ruralde modo multissetorial. A meta deve ser reduzir as emi-grações rurais para as cidades metropolitanas através damelhoria e ampliação dos serviços que atendam às neces-sidades locais. Enfim, mobilizar os recursos humanos eaproveitar os recursos naturais e de infra-estrutura exis-tentes, para viabilizar o desenvolvimento sustentável.

Pode-se resumir dizendo que a agricultura do Cea-rá, de baixa produtividade, carece de mudanças na es-trutura social e na organização da exploração agrícola.Conforme M.Todaro: “O desenvolvimento agrícola jamaisserá iniciado ou, o que é mais possível, o já amplo hiatode renda entre os poucos e ricos grandes senhores deterra e a massa de empobrecidos arrendatários, peque-nos proprietários e trabalhadores sem terra simplesmen-te aumentará.”

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A AGRICULTURA DO CEARÁ NA VIRADA DO SÉCULO

desenvolvimento rural depende de muitos fatores.Alguns elementos são estruturais. Bons solos, edu-

cação e tecnologia, energia elétrica e chuvas regularesou outras fontes de água para irrigação. Quando há usoinadequado das terras, torna-se necessária a realizaçãode reforma agrária.

No caso do Ceará, praticamente todas essas cau-sas da pobreza rural estão determinando ações coorde-nadas por parte de várias secretarias. A questão climáticaestá sendo enfrentada com mais estudos e políticas deconvivência com as periódicas secas que desorganizama produção e expõem problemas sociais seculares.

Um requisito essencial em qualquer programa dedesenvolvimento rural é que haja crescimento agrícola.A produção precisa aumentar, preferencialmente com aelevação da produtividade e da competitividade. Com oaumento da renda tem início um processo de acumula-ção que leva a novos investimentos e melhoria das con-dições de vida das pessoas envolvidas. Na verdade, comoexplica o economista inglês Brian Gardner, ao falar darevolução agrícola do seu país “A fazenda agrícola so-mente pode ser rentável, como qualquer outro negócio,se a produção por trabalhador for maximizada.”

Não há dúvida de que a agricultura do Ceará, navirada do século, está passando por significativas mu-danças, tanto do ponto de vista técnico como político. Adecisão do governo em atacar as causas da pobreza ruralé a mais animadora dessa nova atitude pública. O pro-grama do Governo Federal e do Estado a favor dos traba-

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lhadores no campo não tem precedentes. Em três ou qua-tro anos serão eletrificados todos os estabelecimentosagrícolas, com prioridade para as regiões de vocação pro-dutiva ou de maior densidade demográfica. A contribui-ção do Projeto São José, nesse sentido, já se faz sentir:passam de 20 para 65% os domicílios rurais eletrificados.

A universalização da educação é outra força semparalelo para o desenvolvimento econômico. Em primei-ra etapa, levou 97% das crianças de 7 a 14 anos para aescola, eliminando, portanto, o analfabetismo da próxi-ma geração. Quanto aos adultos sem escolaridade, espe-cialmente as pessoas de 15 a 39 anos, a Secretaria deEducação trabalha com um programa de maciça alfabeti-zação, apoiada pela Secretaria de Desenvolvimento Ru-ral e do Programa Educação Solidária. Serão cerca de 150mil beneficiados este ano, principalmente no quadro ru-ral, onde se encontra a maioria da população que nuncateve acesso à escola.

A questão da água para abastecimento humano,animal e a produção irrigada é outro condicionante a qual-quer iniciativa para melhorar a vida da população no semi-árido. Com o programa Caminhos das Águas, o Governodo Estado pretende equacionar esse problema. A cons-trução do grande reservatório do Castanhão e outros qua-renta açudes de médio porte aliviarão muitas das atuaisdificuldades hídricas. A interligação das bacias aprovei-tando os leitos naturais dos rios secos e canais de trans-posição mudam as restrições essenciais do fator de riscodas irregularidades pluviométricas.

A supersafra de cereais do Ceará, no ano 2000, foiindicativo das novas políticas agrícolas para o Estado. Asnovas variedades de milho híbrido e algodão CNPA-7H doCentro de Pesquisa do Algodão da EMBRAPA são exem-

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plos do sucesso da ação governamental nesse particular.Enquanto programas como o da “Revolução Verde”, lan-çado na década de 60, necessitou de 10 ou 15 anos paraaumentar 50% na produtividade do milho, esta foi ultra-passada em apenas dois anos na região do Cariri cearense.

Quanto à reforma agrária, os avanços foram extra-ordinários com os novos programas iniciados em 1997 e oapoio do Projeto São José na denominada Reforma Agrá-ria Solidária. Com base nessa experiência do Estado doCeará, o Governo Federal criou os programas Cédula daTerra e Banco da Terra, com recursos de quase R$ 2 bi-lhões de reais.

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CAUSAS HUMANAS E POLÍTICAS DOSUBDESENVOLVIMENTO

creditamos que não tenha sido possível mensurarconvenientemente os aspectos humanos e políti-

cos do subdesenvolvimento do Nordeste e os seus reaisefeitos, mesmo sabendo-se que eles estão influenciandoo atraso econômico e social da Região.

O subdesenvolvimento é um fenômeno morfológicocom vinculações significativas entre os elementos eco-nômicos e não-econômicos. O que tentamos explicar naintrodução da referida aula, todavia, é que nenhuma dasdisciplinas das Ciências Sociais dispõe ainda de instru-mento econométrico suficiente para permitir aos estudi-osos compreender e medir a complexa interação deelementos políticos, sociais e econômicos, psicológicos,éticos e culturais do fenômeno do subdesenvolvimento edo processo de transição para o de-senvolvimento eco-nômico. Devido a essa limitação, não foi possível calcularas reais diferenças entre o grau de desenvolvimento ru-ral do Nordeste e do Sudeste, a não ser quanto aos níveisde renda, utilização dos fatores, força de trabalho e dife-renças tecnológicas e regionais, analisadas no texto.

A nossa análise geral dos problemas do subdesen-volvimento e do desenvolvimento rural, todavia, levou emconta os aspectos políticos e humanos a que o leitor serefere. De fato, a transformação da sociedade tradicionalem sociedade moderna requer sejam simultaneamentealteradas a estrutura social, as instituições políticas e asatitudes da população agente e beneficiária do processo.

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O desenvolvimento exige da classe política realismo,dedicação e uma franqueza inspiradora para transmitir aopovo a consciência do preço do desenvolvimento, para queele possa desempenhar seu papel no que deve ser um es-forço verdadeiramente de toda a população, como nos ensi-na o Prof. Louis Walinsky. O desenvolvimento econômicodepende, também, da coerência dos planos, da eficiênciacom que são mobilizados os recursos, da organização e efi-ciência administrativa pública e privada. O sucesso depen-de, ainda, dos engenheiros, técnicos, economistas,professores, funcionários públicos, gerentes e operários,encarregados da execução dos programas e empresas. Tam-bém depende, fundamentalmente, dos governantes quetomam as decisões e determinam as políticas, identifican-do-se com os objetivos que se ajustem aos interesses dopovo. Enfim, o desenvolvimento econômico é um processode transformação social, cultural e político e das estruturaseconômicas em favor da melhoria dos padrões de vida e derespeito humano a toda a população.

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O CONTROLE NA EXECUÇÃO DOS PROGRAMAS

ma parte essencial da estratégia do desenvolvimen-to rural integrado é a preparação formal do plano,

com a finalidade de identificar e definir as políticas e osobjetivos a serem perseguidos.

Seguem-se a esta etapa a execução e o controle doplano. Esta última fase corresponde à administração dasmetas e tem por finalidade medir e examinar os resultadosobtidos para avaliar e adotar as medidas corretivas neces-sárias. O controle, naturalmente, é paralelo à execução.

A necessidade de controlar o plano se deve: a) im-perfeição do mesmo como instrumento de prognóstico edecisão; b) distorções geradas na interpretação dos obje-tivos, metas e mecanismo de execução; c) incertezas de-correntes de fatores externos.

As deficiências na execução do plano decorrem,geralmente, da escassez e ausência de informações nomomento da preparação dos estudos. O plano, na verda-de, é um processo de aproximações sucessivas que de-pende de dados econômicos, sociais, políticos, culturaise psicológicos, nem sempre disponíveis. A sua execuçãoexige a participação do setor público e privado e da coor-denação dos diversos organismos envolvidos nessa tare-fa. A administração do plano, portanto, destina-se a vigiaro cumprimento dos objetivos nele estabelecidos, os mei-os disponíveis e as influências que atuam durante o pro-cesso de execução.

Os objetivos do plano são normalmente de médio elongo prazos, quando não de natureza permanente. Asmudanças nesse tocante são de ordem política e o máxi-

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mo que o sistema de controle pode fazer é suprir cominformações, para auxiliar o governo na revisão de taisobjetivos. Aqui se faz referência aos objetivos de carátermais geral, tais como: distribuir melhor a renda, aumen-tar as oportunidades de emprego no quadro rural, etc.

As decisões relativas ao controle são mais pertinen-tes às medidas corretivas dos meios de execução, cujos efei-tos são mais de curto prazo. Esta atividade, contudo, é umafonte importante de informação para a revisão eventual oupara a preparação de outros planos nos anos seguintes.

A organização de um sistema de controle deverábasear-se nos seguintes requisitos: a) estabelecimentode critérios que permitam avaliar os resultados; b) ado-ção de um sistema administrativo que revisará e avaliaráa execução.

Além disso, o plano deve ser suficientemente flexívelde modo a permitir os ajustes requeridos, sem tornar-sesusceptível de mudanças orientadas por outros interesses.

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“WORSHOP” INTERNACIONAL SOBRE ALGODÃO

Programa de Cotonicultura do Governo do Cearátem sido pioneiro entre os estados do Nordeste no

aumento da produtividade do algodão de sequeiro pelaintrodução de novas variedades. Participa dessa iniciati-va toda a cadeia produtiva, através de convênios com oBanco do Nordeste e Banco do Brasil, EMBRAPA Algo-dão, Sindicato da Indústria Têxtil e dos Beneficiadores,Federação da Agricultura, cooperativas e diversos outrossegmentos. O programa tem como um dos objetivos su-prir gradativamente a indústria têxtil do Estado, que é asegunda mais moderna e importante do país, e gerar ren-da e emprego no semi-árido cearense.

O programa trabalha em várias frentes que seinteragem dentro do agronegócio algodão: 1) melhoria datecnologia com aumento da produtividade e da qualida-de do produto; 2) garantia da justa remuneração aocotonicultor através da assinatura de protocolos de in-tenção entre beneficiadores, indústrias e governo; 3) apoioà pesquisa através da EMBRAPA; 4) incentivo às prefei-turas de municípios que tenham potencial para aumen-tar a área plantada; 5) realização de seminários nos pólosalgodoeiros; 6) difusão de tecnologia através da instala-ção de campos de demonstração; 7) promoção de treina-mentos sobre controle de qualidade na colheita e manejointegrado de pragas (bicudo e mosca branca); 8) distri-buição de tubos mata-bicudo, visando a redução da po-pulação de bicudos na entressafra e 9) distribuição desementes de cultivares geneticamente adequados às nos-sas condições edafoclimáticas.

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Nos últimos dois anos, a Secretaria de Desenvolvi-mento Rural distribuiu mais de 1.600 toneladas de semen-tes selecionadas de algodão CNPA 7H, a maior parteproduzida no próprio Estado. A área plantada emsequeiro, no ano 2000, foi de 100 mil hectares, represen-tando um acréscimo de 84% em relação à 1998. A ameaçado bicudo, em 1999, provocou um recuo no plantio de al-godão no ano 2001, mesmo que a produtividade tenhaavançado nesse período.

Para tratar do manejo integrado do bicudo, será rea-lizado, em Fortaleza, um “workshop” sobre o Algodão noCone Sul, de 26 a 28 deste mês. Mais de 300 técnicos doBrasil e do exterior estarão tratando das pesquisas reali-zadas nos últimos cinco anos para combater essa praga.Os resultados desse encontro serão muito úteis ao Ceará.

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A ARTE DA AGRICULTURA

ão há dúvida de que a agricultura é um problema de“sistemas”. Cada país apresenta condições diferen-

ciadas de recursos naturais que precisam de soluções es-pecíficas. O problema rural, enfim, como analisa Max F.Millikan, diz respeito a técnicos de várias especialidades.

Embora muito conhecidas as razões por que o desen-volvimento agrícola depende tanto da contribuição de políti-cos, economistas, nutricionistas, entomologistas, é justodestacar, nesse particular, o papel especial desempenhadopelos engenheiros-agrônomos. Este argumento do progressoda agricultura, com base essencialmente nas ciências agrá-rias, é confirmado pela história dos países desenvolvidos.Do mesmo modo, na maior parte das nações, o problemaagrícola tem sido o do aumento da produtividade da terra.

Na verdade, o primeiro ímpeto dado à revolução agríco-la partiu da invenção de melhores ferramentas. Foi a per-muta da força humana pela força animal na agricultura.

Foi, no entanto, do espírito de mudança difundidopelos agrônomos, extensionistas e pela experimentaçãoconduzida por esses especialistas que resultou o espeta-cular progresso alcançado pela agricultura nos últimos cemanos, em todo o mundo. Algum dos nomes mais famososda história do desenvolvimento econômico da agriculturaestão ligados a esforços no sentido de aperfeiçoar os mé-todos agrícolas.

A importância relevante do estudo das novas idéiasna agricultura começou a se estender verdadeiramente apartir da criação dos colégios agrícolas dos Estados Uni-dos e das Faculdades de Ciências Agrárias, espalhadas

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em todo o mundo. Os profissionais formados nesses cen-tros universitários passaram a ser os maiores responsá-veis pela execução dos programas de desenvolvimentoda agricultura. Outros especialistas, naturalmente, em-prestam uma contribuição também com esse propósito,numa ação interdisciplinar.

O ponto importante a considerar é que a agricultu-ra necessita tornar-se significamente mais produtiva paraque não haja uma paralisação do desenvolvimento dosetor e da economia em geral. O fato é que os países pre-cisam melhorar os padrões alimentares, produzir matéri-as-primas para a indústria e produtos para exportação,além da geração de renda e emprego para a família rural.

A respeito de sua diversidade, enfim, os profissio-nais das ciências agrárias têm de trabalhar com umamultiplicidade de fatores responsáveis pela produção eprodutividade agrícola. Constitui área de trabalho paraos profissionais das ciências agronômicas tanto a utiliza-ção dos insumos físicos, não-humanos, como fatores eco-nômicos, organizacionais e de alimentação, como fatoresculturais e motivacionais.

No caso específico do Ceará, os engenheiros-agrô-nomos estão diante do desafio de realizar uma verdadei-ra revolução agrícola. É preciso acelerar a taxa decrescimento do setor agropecuário, melhorar a produtivi-dade do setor e realizar um desenvolvimento integradocom a agroindústria. Enfim, realizar um desenvolvimentorural sustentável, valorizando o trabalhador agrícola e me-lhorando os padrões de vida de toda a população.

Por todos esses motivos e no dia do agrônomo, éjusto e oportuno formular votos de apreço e reconheci-mento a todos esses profissionais de nosso Estado quetrabalham em prol do nosso desenvolvimento econômicorural. Parabéns !

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AVANÇOS DA AGRICULTURA CEARENSE

principal problema econômico das áreas em desen-volvimento é o atraso da agricultura. Especialmen-

te as regiões que são pobres em recursos naturais estãoenfrentando dificuldades incomuns para a realização dodesenvolvimento equilibrado e sem pobreza. O desenvol-vimento da agricultura necessita de tecnologia e conhe-cimento, terras boas, água, apoio do crédito e extensãorural. Não podemos esquecer também que a agriculturaprecisa da indústria. Este setor gera a modernização, ace-lera o crescimento e transforma a economia. A agriculturaé a base, os alicerces do crescimento econômico. Sem umaagricultura forte não é possível eliminar a pobreza e asdesigualdades, que são os mais graves e complexos pro-blemas do final desse século.

Uma nova história da agricultura está sendo, entre-tanto, desenhada no desenvolvimento econômico do Ce-ará. Os elementos estratégicos do novo modelo, já emexecução, interiorizam o desenvolvimento e buscam in-dustrializar o campo, assim como universalizam a educa-ção e o treinamento dos agricultores rurais.

Os resultados alcançados em 1999 são um exemplodo produto dos esforços do governo do Estado em melho-rar as condições do setor rural. É R$ 1,2 bilhão de rendado setor agropecuário, com aumento de 48% em relaçãoao ano de 1998.

Embora ainda exista desequilíbrio entre o cresci-mento da agricultura e dos demais setores da economiacearense, substancial progresso tem sido obtido em re-duzir a pobreza nos últimos anos, especialmente a partir

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de 1995, período inclusive não considerado nos estudosdo Banco Mundial, que vão apenas até esse ano.

O Projeto São José, que se destina a ajudar as co-munidades na solução dos problemas de auto-desenvol-vimento, é outro exemplo de ação eficaz do Estado doCeará na redução das disparidades de renda entre asgrandes cidades e o campo. Apoiado pelo Banco Mundi-al, mas de inteira responsabilidade do Estado, esse pro-grama favoreceu a 5.000 comunidades em 176 municípios,no período de 1995-1999. Foram cerca de 300 mil famílias,ou a metade das pessoas que vivem no campo e vilarejos.Os recursos contratados atingem mais de 122 milhões dedólares. Os resultados se mostraram excelentes, confor-me as avaliações de consultores independentes e mis-sões de acompanhamento do Banco Mundial.

O Programa de Reforma Agrária Solidária é outra ini-ciativa pioneira e inovadora de combate à pobreza ruraldo Ceará. São cerca de R$ 50 milhões aplicados desde 1997até o corrente ano, também com o apoio do Banco Mundiale do Governo Federal, através do Ministério de PolíticaFundiária. Mais de três mil famílias sem terra se tornaramagricultores produtivos, livres e autônomos nas suas deci-sões de auto-suficiência econômica e progresso social. Osucesso desse programa tem-se revelado significativo quejá foi estendido a outros quatro estados do Nordeste. Nomomento, torna-se espelho para o Banco da Terra que, apartir do próximo ano, passa a abranger todo o País. Sãoprevistos 2 bilhões de dólares para um programa de cincoanos, com a participação do Banco Mundial.

As visitas e missões de estudo de todo o mundo aoCeará, nos últimos anos, são unânimes em confirmar tra-tar-se de estratégia consistente e válida para o Estado epara outros países.

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GUERRA À POBREZA

té recentemente, a grande meta dos países atrasa-dos era obter aceleradas taxas de crescimento da

renda total. Essa mentalidade também prevalecia no Bra-sil. No entanto, tudo isso mudou quando a brecha entreriqueza e pobreza nas regiões e classes sociais passou ase tornar um fosso e um problema de indignação huma-nitária e social.

Agora a pobreza é o maior problema das naçõessubdesenvolvidas e o único remédio consiste na elimina-ção de suas causas. Com isso, além de se obter a vanta-gem do desenvolvimento equilibrado e justo, um amplocampo de novas oportunidades se abrirá.

As principais dificuldades para enfrentar a pobrezaderivam de deficiências dos recursos naturais, baixos ní-veis educacionais, tradições paternalistas e falta de par-ceria da iniciativa privada com o governo para juntosatuarem, de modo organizado, com esse propósito. É ne-cessária uma reviravolta para poder criar um novo modeloem que a qualidade e a eqüidade substituam as dispari-dades na distribuição dos benefícios do desenvolvimento.

Nenhum problema é mais grave, inclusive no Cea-rá, do que a pobreza, especialmente no quadro rural. Adiferença entre a cidade e o campo é enorme, e as desi-gualdades, dentro da própria zona rural, são considerá-veis. Sem solucionar essa questão, que tem desafiado osúltimos governos do nosso Estado, não se poderá falarem desenvolvimento econômico real.

O meio mais eficaz para minimizar a pobreza secu-lar consiste na mobilização e na ação concentrada a fim

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de aliviar suas causas fundamentais (doenças, falta deinstrução e moradia), com o envolvimento de todos osrecursos financeiros e técnicos.

Vários programas estão sendo executados peloGoverno Tasso Jereissati com a finalidade de promoveruma guerra à pobreza no quadro rural do Ceará. Destaca-se, nesse particular, o Projeto São José, destinado a as-sistir as comunidades rurais em múltiplos aspectos dasnecessidades comunitárias. O Programa Hora de Plantar,outra iniciativa de ampla abrangência, atende cerca de120 mil pequenos agricultores, muitos deles sem terra.

O Projeto de Reforma Agrária Solidária é outra ini-ciativa desenvolvida pelo Governo do Estado do Ceará eo Ministério do Desenvolvimento Agrário com esse pro-pósito. Do mesmo modo, terá grande impacto na melhoriadas condições econômicas e sociais do homem do campoo Programa Luz no Campo, em execução com o patrocí-nio do Governo Federal.

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A POBREZA É RURAL

pobreza continua sendo um problema sério no mun-do desenvolvido. Mesmo que a miséria absolutamais grave tenha sido reduzida ao mínimo, subsis-

tem ainda, em todas as partes, a pobreza relativa. Embo-ra cada país tenha suas peculiaridades, as causasmotivadoras dessa situação são muito similares.

Nos países subdesenvolvidos, os problemas funda-mentais da pobreza, desigualdade e desemprego têm ori-gem na vida econômica das áreas rurais. No caso do Ceará,cerca de 70% das populações mais pobres estão no quadrorural ou em pequenos povoados. Essas pessoas sãodedicadas, principalmente, às atividades agropecuárias desubsistência, quer de sequeiro ou de pequena irrigação.

A característica da pobreza rural é que a maioriadas pessoas residentes no campo está concentrada emterras de baixo potencial, dependendo para viver de ter-ras marginais de microfúndios. Os pobres das zonas ru-rais não têm outra chance a não ser superexplorar osrecursos disponíveis. Assim, a produção de alimentos temprioridade sobre a conservação do meio ambiente des-sas terras vulneráveis. Outro motivo da pobreza rural éque a maior parte da produção é de qualidade inferior edestinada ao consumo dos próprios estabelecimentos edas famílias dos produtores. A produção por trabalhadore por hectare é também baixa, devido aos poucos investi-mentos no setor. O maior obstáculo, entretanto, vem dohiato da educação no meio rural, em todos os níveis. Aspolíticas federais de preços agrícolas baixos são ótimaspara as populações urbanas, mas fatais para os produto-res de alimentos e matérias-primas.

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Outros fatores não-econômicos, contudo, têm sidodeterminantes para a manutenção da pobreza no campo.Muitos estudiosos desse fenômeno estão de acordo emque a mais fundamental das razões do atraso da agricul-tura é a existência de preconceitos das instituições e daspessoas influentes das cidades contra a agricultura. Mui-tas vezes, esse setor é considerado de segunda classe.Nas universidades, os assuntos rurais são negligencia-dos e não despertam interesse dos estudantes de menta-lidade urbana. O moderno é associado à industrializaçãoe aos serviços, enquanto o atraso é obsoleto e ligado àsatividades agrícolas.

A causa do desempenho fraco da agricultura doNordeste, além disso, decorre da ênfase mal colocada naindustrialização rápida, baseada na grande empresa lo-calizada nos maiores centros urbanos. Sabe-se que nãohá verdadeiro desenvolvimento sem as manufaturas eserviços de apoio a essas atividades. O desenvolvimentoindustrial permite dar velocidade às taxas de crescimen-to econômico e acelera a modernização. Onde ela surge,provoca as transformações estruturais indispensáveis aodesenvolvimento econômico moderno. É verdade, tam-bém, que o desenvolvimento industrial sem desenvolvi-mento agrícola paralelo e complementar resulta emconcentração da renda, geração da pobreza no quadrorural e caos social em toda a sociedade, como está ocor-rendo em todo o mundo subdesenvolvido onde a agricul-tura foi negligenciada.

No caso do Ceará, o Governo do Estado orientousuas prioridades para resolver as causas originais da po-breza no campo. São exemplos dessa política os progra-mas de construção de barragens e interligação de baciashidrográficas, programas de educação de crianças de 7 a

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14 anos, programas de melhoramento de padrões de saú-de e de eletrificação rural e abastecimento dágua, aforaum vasto programa de infra-estrutura viária.

Programas de combate direto à pobreza tambémestão em execução no Ceará, como é o caso do ProjetoSão José, que, nos últimos cinco anos, aplicou nas comu-nidades pobres cerca de US$ 100 milhões, a fundo perdi-do; o programa Hora de Plantar, que beneficia cerca de100 mil famílias com sementes de alta qualidade e assis-tência técnica; os programas de difusão do milho híbridonas áreas apropriadas, do algodão de alta produtividadee de produção de sementes em comunidades, com o apoioda EMBRAPA, são comprovantes dessas iniciativas deapoio às populações das zonas rurais.

O governo tem encontrado dificuldades em aumentara produção e a produtividade da agricultura de subsistên-cia em benefício dos pequenos produtores. Os incentivosoferecidos até agora não estão sendo suficientes para supe-rar o subdesenvolvimento do campo. Será que os agriculto-res tradicionais resistem às mudanças ou estão agindoracionalmente no contexto da situação existente? A refor-ma agrária é apontada como a política adequada para reti-rar da estagnação milhares de famílias que hoje vivem nosemi-árido, sem terra suficiente para a sobrevivência de suasfamílias e de seus pequenos rebanhos. Há consenso tam-bém de que o analfabetismo rural deve ser eliminado, parapermitir melhor capacitação do produtor.

A questão da redução da pobreza, portanto, carecede maior atenção e de novas políticas que ataquem es-sas causas primárias e promovam um desenvolvimentoeconômico verdadeiramente equilibrado entre as zonasurbana e rural e mais justo do que o atualmente vigente.

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PECUÁRIA DE LEITE NO CEARÁ

produção do segmento animal e derivados participacom mais ou menos 50% da renda agrícola cearense.

São aproximadamente R$ 500 milhões em ano de normali-dade climática, e o setor mostra-se bastante estável ao lon-go dos anos. Esta atividade é a que menos apresenta quedade produção nos anos de irregularidade de chuvas.

A bovinocultura tem posição especial nesse tocan-te, seguida da avicultura. A produção de aves e ovos che-ga a R$ 100 milhões anualmente, com padrão tecnológicode vanguarda. É a produção de leite “in natura”, no en-tanto, que tem o maior destaque, gerando atualmentecerca de R$ 160 milhões, com tendência crescente nosúltimos 15 anos.

O rebanho bovino do Estado monta em 2,4 milhõesde cabeças, das quais 875 mil são vacas. Há 279 mil novi-lhas com mais de 2 anos. São 908 mil animais de corte, ou38% do rebanho.

A produção de leite “in natura” do Ceará foi, se-gundo o último censo agropecuário, de 385 milhões delitros por ano. Este volume corresponde à soma da pro-dução dos estados do Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíbae coloca o Ceará na segunda ou terceira posição do Nor-deste, perdendo apenas para a Bahia, que tem uma áreade pastagem três vezes superior à do Ceará. Comparati-vamente com o Nordeste, o Ceará participava com 11%da produção de leite “in natura”, em 1989, subindo noano seguinte para 14 e 17%, em 1996.

Os índices técnicos e zootécnicos da produção lei-teira no Ceará deixam muito a desejar, se comparados

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com os dos centros nacionais mais desenvolvidos. Padrõesgenéticos, manejo de animais, disponibilidade de alimen-tação, inclusive na entressafra, sanidade animal e con-trole dos custos de produção explicam as referidasdiferenças de racionalidade produtiva.

No caso específico dos resultados de produtividadedo rebanho, de modo geral, verifica-se que Pernambucoapresenta uma produtividade média anual por vaca emlactação de 39% maior em relação ao Ceará. No caso daBahia, porém, não se registra muita diferença, tendo mes-mo o Ceará um índice pouco superior ao desse Estado.

A pecuária é um bom negócio para quem se mostraeficiente e busca produtividade e rentabilidade. Estudose experiências indicam que isto se consegue com contro-le de custo, manejo da alimentação, especialmente coma silagem para as entressafras. Mais da metade do custode um litro de leite deriva da alimentação. Outro ponto-chave é a qualidade do leite. A contagem de célulassomáticas por milílitro na Europa atinge 400 mil, nos Es-tados Unidos 750 mil e, no Brasil, 2-5 milhões, mais oumenos semelhante ao que ocorre no Ceará. Neste parti-cular, a ordenha mecânica e o resfriamento constituempráticas essenciais.

Para alcance de maior eficiência não pode ser es-quecida a melhoria genética e mais profissionalismo ecapacitação gerencial do produtor. Em resumo: quebrartradições que, no Ceará, são muito fortes e desafiadoras.

Todas as observações formuladas, como estão evi-dentes, referem-se à produção de leite “in natura”. Emtermos de tecnologia industrial, o Ceará equipara-se aosmelhores centros nacionais de processamento. Neste casoestá a fabricação de iogurtes, leite longa-vida e pasteu-rizado. Na preparação de queijos finos, entretanto, há

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muita defasagem de qualidade em relação aos estadosmais desenvolvidos na exploração leiteira.

De acordo com os dados do Censo Agropecuário de1996 do IBGE, no Ceará, apenas 50% da produção de leite“in natura” são comercializados. Isto é, 191 milhões delitros de uma produção de 385 milhões de litros. Foramproduzidas 224 toneladas de manteiga e 8.200 toneladasde queijo, em 1996, provavelmente fabricadas nas pró-prias fazendas. Explicando melhor: dos 97 mil estabele-cimentos que produzem leite “in natura”, apenas 30 milvendem seu excedente para outros consumidores ou uni-dades de beneficiamento do produto.

O consumo nas fazendas é realizado, principalmen-te, no aleitamento das crias ou para consumo pelos pró-prios produtores e seus familiares. É a produção desubsistência ou de fazendas situadas em lugares isola-dos que, pelos custos de transporte do leite fresco, nãose justificaria comercializar pelos preços obtidos na ven-da. Convém registrar, no entanto, que em Fortaleza o con-sumo de leite fresco de vaca, sem pasteurização, é de 3,4kg “per capita”, duas vezes o observado em Salvador emais de dez vezes o de Recife.

O mercado consumidor de leite do Ceará é bemmaior do que o comentado. Até agora as informações sereferem ao produto “in natura”, originário do rebanho dopróprio Estado. De acordo com relatório do Sindicato dasIndústrias de Lacticínios e Produtos Derivados, o Cearáimporta de outros estados 750 mil litros/dia (convertidosem leite “in natura”) na forma de leite fluido, em pó, quei-jos, bebidas lácteas, iogurtes e outros produtos. Como aindústria beneficia 175 mil litros/dia de produção local,chega-se a um total, em termos de leite “in natura”, de925 mil litros/dia. Ou seja, um mercado de 338 milhões delitros por ano, em média.

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A produção de leite no Ceará é muito dispersa empequenas propriedades. Das 466 mil vacas ordenhadasem 1996, cerca de 80% estavam nos estabelecimentos demenos de 100 ha. Nas fazendas de 100 a 1.000 hectaresse encontravam 161 mil cabeças. Nos estabelecimentosgrandes, havia, apenas, 30 mil animais em lactação, ouseja, 6,4% do rebanho em produção.

O processo de autoconsumo ou comercialização doleite também está associado ao tamanho da área utiliza-da pelo produtor. Dos 39 mil estabelecimentos pecuaristascom menos de 10 hectares e 91 mil cabeças em lactação,apenas 10 mil propriedades vendiam leite. Nos 13 milestabelecimentos de 100 a 1.000 ha, com 161 mil cabeçase produção de 139 milhões de litros/ano, apenas 5 milvendiam 75 milhões de litros. Nesta categoria, portanto,62% das fazendas não comercializam a sua produção dolíquido. Mesmo nas grandes fazendas, com 1.000 a 10.000ha, que produziram 31 milhões de litros, somente vende-ram em 1996, 20 milhões, ou seja, 10 milhões de litrosforam utilizados nas próprias fazendas.

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AGRICULTORES ALFABETIZADOS

mais importante recurso de um país é o seu povo.Sem o de-senvolvimento dos recursos humanos nãoserá possível reduzir as desigualdades entre ricos e

pobres. Um dos mais importantes economistas do séculoXX dizia que desenvolvimento econômico era igual ao ní-vel de educação e cultura científica. François Perroux de-fendia que, para ocorrer desenvolvimento, era preciso umatransformação cultural e aumento dos conhecimentos.

O clima, as chuvas, os solos agrícolas são impor-tantes para o progresso econômico, mas não são sufici-entes para a prosperidade e a riqueza de uma nação. Hápaíses ricos de parcos recursos naturais, como Israel, Ja-pão, Austrália e tantos outros. Contrariamente ocorre commuitos países subdesenvolvidos como a Birmânia e mes-mo o Brasil com dramáticas situações de desigualdadese pobreza. É fácil ver que, nesses casos, a diferença estánas qualificações de sua gente. Outro aspecto pouco re-conhecido no Brasil é o papel da educação como umpatrimônio intransferível e que ninguém pode se apro-priar ou roubar. A educação, desse modo, é uma riquezapessoal e tem uma função prática e também social, comonenhum outro bem. Individualmente, ela significa cida-dania, ou como disse uma senhora de idade, recém-alfa-betizada: “Mesmo tendo uma boa vista eu não via e, agora,eu tenho também a liberdade e uma nova vida.”

Como patrono da primeira turma do Programa doABC do Sertão, diplomada no município de Canindé, noúltimo dia 12 de junho de 2002, senti-me feliz e orgulhosoem ver que o governo do Ceará está embutido no senti-mento da relevância da educação como instrumento de

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desenvolvimento do Ceará rural. Com o apoio do Progra-ma de Educação Solidária do Governo Federal, comcontrapartida do Estado, o Ceará está executando pio-neiramente o programa de educação básica para os tra-balhadores agrícolas afetados pela seca de 2001,registrada em 137 municípios.

No momento, 100 mil trabalhadores beneficiadospelo Programa Bolsa-Renda, dos 212 mil considerados peloPrograma de Convívio com o Semi-Árido e Inclusão Soci-al, afetados pelas perdas da safra do ano passado, estãofreqüentando o curso de alfabetização de adultos. São4.000 salas de aulas com alunos assistidos por monitorestreinados por várias universidades do Ceará e de outrosestados que dão apoio a esse programa. O Estado doCeará, através das secretarias de Educação e Desenvol-vimento Rural está despendendo, nos seis meses de du-ração dos cursos, cerca de R$ 10 milhões, afora a parte doGoverno Federal, de valor semelhante. Os municípiosparticipam também desse mutirão pela alfabetização comapoio de transporte, salas de aulas e merenda escolar.Todo o material para a contextualização do ensino foi pro-duzido com o apoio do Projeto São José e tem por finali-dade a preparação do trabalhador agrícola cearense noconvívio com o semi-árido e a preservação ambiental.

Com esse programa de educação, completam-se asgrandes mudanças para enfrentar as calamidades advindasda seca: eliminação das frentes de serviços (exploração damão-de-obra), com a adoção da bolsa-renda e bolsa-alimen-tação para mais de 300 mil produtores. A criação para todoo Nordeste, pelo Governo Federal, do Seguro Safra para vi-gorar a partir do ano 2002/2003 e, finalmente, o programade educação para os agricultores pobres, como parte daexigência para participar do programa de segurança da ren-da e emprego na ocorrência de seca no Nordeste.

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A URGÊNCIA DA REFORMA AGRÁRIA

inha a esperança de que o governo do Partido dosTrabalhadores enfrentaria o desafio de melhorar a

distribuição da terra para os agricultores pobres do Nor-deste, secularmente suplicante por justiça social no cam-po. As centenas de agricultores que ocuparam a sede doINCRA deixou-me muito triste e angustiado. Será queesses nossos irmãos terão de esperar novas promessasde novos governos? Graças a Deus, são pessoas pacífi-cas e de fé inabalável na Divina Providência.

A falta de terra para quem quer trabalhar atinge,de fato, a dignidade de milhares de famílias no Nordeste.São os escravos da miséria que aguardam uma liberta-ção a cada novo ano, mas protelada indefinidamente!Como ilustração, basta lembrar que os estudos do Bancodo Nordeste e da Universidade Federal do Ceará deter-minaram que, para uma família viver dignamente no semi-árido, necessita de, pelo menos. 50 ha de terra razoável.Somente no Ceará, cerca de 100 mil estabelecimentoscontam com menos de cinco hectares, geralmente utili-zados em ocupações irregulares ou em forma de parceri-as aviltantes. São problemas antigos e ligados a umahistória de exploração da terra herdada desde a coloni-zação. Não importa. Os agricultores não são responsá-veis por isso. Foram políticas injustas de ocupação doterritório que precisam ser corrigidas, desde que o com-bate à pobreza hoje é uma prioridade com a qual todosestamos comprometidos.

O governo do Ceará, consciente dessa problemáti-ca para um desenvolvimento sustentável, idealizou um

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novo programa de reforma agrária, em 1997, com baseem recursos do Projeto São José, administrados pela Se-cretaria de Desenvolvimento Rural. Era a denominadaReforma Agrária Solidária. Um modelo democrático,participativo, eficaz, rápido na implementação e com fi-nanciamento compartilhado pelo governo e pela própriacomunidade através de financiamento de um fundo deterra criado especialmente para essa finalidade junto aoBanco do Nordeste, com a participação do Banco Mundial.

O sucesso dessa experiência foi tal que chamou aten-ção de muitos países que aqui estiveram para conhecê-la,bem como do Governo Federal que se apressou em adotá-laem outros cinco estados do Nordeste, com igual êxito. Oatual prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, então di-retor do Banco Mundial, preconizou, em certa ocasião, queesse novo modelo de reforma agrária seria a solução para oproblema agrário do século XXI dos países subdesenvolvi-dos. O Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 1993,examinou esse programa e resolveu conservá-lo com pou-cas modificações, mudando o nome para Crédito Fundiário.

Minha impressão, contudo, é que o Governo Lulanão tem dado a devida prioridade a esse programa, aotempo em que colocou em água fria o programa de refor-ma agrária clássico, isto é, com a desapropriação por in-teresse social. Assim, enquanto o programa de CréditoFundiário é executado, corretamente, pelos estados, oprograma do INCRA não dispõe de recursos. Aliás, o Pre-sidente, durante a sua campanha eleitoral, afirmou vári-as vezes que não acreditava nesta modalidade dereestruturação agrária e que iria implantar uma nova leiagrária em substituição ao Estatuto da Terra, de 1964.

Creio que é chegado o momento das mudançasanunciadas. Mas, como será impossível obter uma alte-

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ração na lei existente até 2006, tomo a liberdade de suge-rir uma estratégia que funcionou bem na região do Sul daItália, com problemas semelhantes de pobreza do Nor-deste. Estive visitando esse programa por duas vezes,como técnico do Banco do Nordeste. A reforma agrária,conforme essa experiência, tem de ser planejada, seleci-onando regiões prioritárias e realizando a desapropria-ção e compra de terras no intuito de organizá-las para autilização produtiva. Neste caso, há necessidade de cons-truir as infra-estruturas indispensáveis, assim como pla-nejar os serviços sociais de apoio à produção. A seleçãodos agricultores deveria ser realizada por processos deinscrição voluntária e contratos de compromissos com onovo empreendimento. Antecedendo o início das ativi-dades de exploração deve ser realizada a capacitação dosbeneficiados, assim como a organização de associaçõesou cooperativas que ajudarão a gestão da nova empresacomunitária ou familiar a ser escolhida pelos produtores.Em outras palavras, seria como o DNOCS já faz atualmentecom os novos programas de irrigação para permitir suaviabilidade. Em se tratando de áreas de reforma agrária,provavelmente no semi-árido, essas providências aindaseriam mais necessárias.

Acredito que com essas duas frentes de atuação (Re-forma Agrária Solidária – Crédito Fundiário/Projetos previ-amente planejados), o Governo Federal faria um grandeavanço na solução desse grave problema agrário e dariaum salto na contribuição do setor agrícola na redução dapobreza rural, especialmente do Nordeste. Tenho certezade que os movimentos sociais estariam de acordo com essaestratégia e colaborariam para o seu êxito.

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TRABALHO NÃO-AGRÍCOLA NO MEIO RURAL

s desafios a serem considerados doravante, no pro-cesso de desenvolvimento do Estado, podem ser

observados na estrutura produtiva e nas tendências dastransformações econômicas em andamento. No caso es-pecífico da agricultura, verifica-se que sua participaçãona formação setorial da renda é muito baixa para o nívelde renda “per capita” do Ceará: apenas cerca de 7 a 8%do produto interno bruto. Essa proporção já foi bastanteelevada décadas atrás.

Em contrapartida, a proporção do emprego agríco-la é hoje bastante elevada: mais ou menos 40% de todasas ocupações da economia. Essa participação tambémera mais expressiva anos antes, mas o seu declínio temsido muito lento. Desse modo, estão ocupadas em ativi-dades diretamente agrícolas 1,2 milhão de pessoas.

A meta de crescimento mais acelerado do setor, paraos próximos anos, certamente representará uma chancepara a manutenção de níveis ainda elevados de empregono setor. Com os esforços que estão sendo empreendidosde melhoria da produtividade do trabalho, haverá necessi-dade da criação de empregos alternativos não-agrícolaspara os que tiverem de sair da atividade agrícola, e quenão querem e não devem emigrar para as grandes cida-des, que já têm problemas de geração de novos empregos.

Tradicionalmente se pensa que as atividades agrí-colas serão realizadas no campo e as atividades indus-triais e dos serviços, nas cidades.

A experiência do processo de crescimento, entre-tanto, mostra que as rendas não-agrícolas representam

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uma parte importante do total da renda auferida nas áre-as agrícolas e na renda de agricultores assalariados e semterra. Segundo estudos da FAO, a parte da renda não-agrícola, no quadro rural, é de 42% na África e 32% naÁsia. Nos países desenvolvidos, como nos Estados Uni-dos, a proporção chega a ser tão elevada que o Departa-mento de Agricultura está estabelecendo critérios paradefinir quem é agricultor familiar e quem é trabalhadorurbano dentre aqueles que vivem no campo.

Para alcançar o objetivo de criação de emprego não-agrícola no setor rural é necessário o apoio a todo o pro-cesso de desenvolvimento da zona rural. A obtenção demaiores taxas de crescimento o mais rápido possível, nopróprio setor agrícola, será a primeira preocupação. A ado-ção de processos de exploração mais intensivos é outroelemento, pois a economia de subsistência emprega mui-ta gente, mas em situação de subocupação e com baixonível de rendimentos, com pequena demanda por bens não-agrícolas. Projetos de irrigação e controle do uso da água,por exemplo, não somente aumentam a produtividade, maspodem permitir a realização de mais de uma safra por ano.Assim, a mão-de-obra fica ocupada mais meses por ano,obtendo acréscimo de renda por pessoa. A opção por cul-turas de mão-de-obra mais intensiva também será consi-derada nos planos alternativos de produção.

É preciso não dar saltos de uma tecnologia tradicio-nal para outra muito sofisticada, sem que o agricultor estejaapropriadamente preparado para administrá-la. Em outraspalavras, a adoção de tecnologias mais modernas deve serefetivada com muito cuidado para não suprimir oportunida-des de trabalho sem benefícios para todo o sistema.

A lista de possibilidades de outras atividades não-agrícolas geradoras de emprego é imensa e pode ser

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ampliada pela própria capacidade da comunidade emidentificar tais opções. O uso de materiais das própriasáreas rurais e as demandas locais da população são mui-to importantes para a internalização dos efeitos propul-sores do crescimento econômico.

Uma das mais promissoras frentes de criação deemprego e de-senvolvimento integrado da zona rural é aindustrialização rural. Isto inclui beneficiamento de pro-dutos agrícolas, em vários estágios. São exemplos: indus-trialização de frutas e vegetais, fabricação de farinha,doces e produtos derivados do leite e da cana, fabricaçãode calçados e roupas, etc.

Outra linha de oportunidades são as indústrias deinsumos agrícolas, inclusive equipamentos e materiais deapoio à produção. Há também lugar para indústrias neu-tras de bens de consumo destinados à população rural.Matérias-primas locais, como as de argilas e outros insumosminerais, podem ser aproveitadas na produção de materi-ais utilizados em reparos e construção de habitações, in-clusive aquelas inseridas em programas governamentais.

Neste particular, o projeto da Secretaria de Desenvol-vimento Econômico para a instalação de 100 minidistritosindustriais no interior do Estado pode ser uma estratégiade grande oportunidade para a conscientização dessa polí-tica de criação de emprego não-agrícola na área rural.

O objetivo principal deve ser o desenvolvimento dopotencial humano. Agricultores analfabetos, despre-parados, conformados com o estilo de vida que levam comsua família, dificilmente tomarão a iniciativa de correr ris-cos e recomeçarem suas vidas em novo contexto de orga-nização de trabalho.

A P Ê N D I C E

FUNDAMENTOSPARA UM PROGRAMA

DE SEGURO SAFRAFORTALEZA – CEARÁ –2002

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................. 221

1. Justificativas. ........................................................... 222

2. Objeto de Seguro ..................................................... 226

3. Área Segurada e Caracterização

dos Beneficiários ...................................................... 226

4. Riscos Cobertos ....................................................... 226

5. Riscos Não-Cobertos ............................................... 227

6. Proposta de Pagamento do Prêmio ........................ 227

7. Vigência do Seguro .................................................. 227

8. Ocorrência do Sinistro ............................................. 227

9. Inspeção e Reinspeção ........................................... 228

10. Pagamento da Indenização .................................... 228

11. Obrigações do Segurado ......................................... 229

12. Perdas de Direitos do Segurado ............................. 230

13. Certificado do Seguro .............................................. 230

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INTRODUÇÃO

Em muitos países onde ocorrem secas e estiagenssão adotados programas de contingência e alívio dos pro-blemas criados com as irregularidades climáticas.

Em todos esses países, as exigências do governopara a declaração de situações de emergência ou calami-dade são muito rigorosas e de extrema excepcionalidade.Para essa finalidade, são usados indicadores meteoro-lógicos, condições agronômicas e da pecuária, adequa-ção do suprimento de água e situação da renda dosfazendeiros e produtores. Durante o período de ocorrên-cia do fenômeno de irregularidade de chuvas, são reali-zados estudos para atestar a necessidade da manutençãodo programa ou para suspender as ações especiais.

Nos casos de crises climáticas com prejuízos eco-nômicos para os fazendeiros e famílias dependentes daagricultura, o Governo Federal, em colaboração com osgovernos estaduais, adotam vários programas de finan-ciamento, preparação da nova geração de agricultores,subsídios de crédito para as situações de dificuldades doprocesso produtivo e ajuda financeira a famílias com pro-blemas de manter-se em condições condignas de vida.

Uma política que vem sendo adotada com muitosucesso em alguns países são os planos de seguro agrí-cola ou Seguro Safra. Eles foram preparados com antece-dência pelos governos, com o objetivo de reduzirem osofrimento das pessoas e aumentarem a eficiência eco-nômica na aplicação dos recursos de assistência aos agri-cultores. As iniciativas governamentais com essafinalidade objetivam encorajar os produtores a teremautoconfiança na administração e manejo das culturas,

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nos momentos de crise climática, de modo a asseguraras condições de vida aos produtores.

No caso do Nordeste, conforme proposta do Gover-no do Ceará1 ao Ministério do Desenvolvimento Agrárioem 2001, a nova política do Seguro Safra seria direcionadapara garantir uma renda mínima aos agricultores maispobres e que são mais gravemente afetados pelas per-das de safra. Outra meta prevista no programa é ofereceroportunidades de educação (alfabetização) e capacitaçãocontextualizada de convívio com o semi-árido.

1. Justificativas

A vulnerabilidade econômica, social e ambiental daregião semi-árida, agrupadas em condições climáticasadversas, requer dos governos federais, estaduais e muni-cipais ações estruturantes que possam acelerar o desen-volvimento econômico da região, tendo como conseqüênciaà melhoria das condições de vida da população local.

Daí a necessidade de ações inovadoras que possamser desenvolvidas por ocasião das irregularidades climá-ticas e que permitam à população atingida condições desobrevivência com a seca, de forma digna. Essas açõesdevem, por princípio, eliminar toda e qualquer forma declientelismo político e adotar critérios de transparência eprocedimentos que permitam a fiscalização, pela socie-dade através dos conselhos municipais e/ou grupos deação comunitária.

1 Lei nº 10.420, de 10 de abril de 2002 – Criou o Fundo Seguro Safra einstituiu o benefício Seguro Safra para os agricultores familiares daregião Nordeste, do semi-árido do Estado de Minas Gerais (norte deMinas Gerais e Vale do Jequitinhonha) e da região norte do Estadodo Espírito Santo.

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O objetivo é eliminar as diversas modalidades depaternalismo e formas de trabalho humilhantes e por ve-zes inócuas, em que geralmente se transformam as “fren-tes de serviços” com apontadores de tarefas. Além daquestão fundamental da liberdade e da cidadania, bus-cam-se com essas ações adotar princípios de solidarie-dade, respeito e justiça social.

No Nordeste, existe sempre a possibilidade de secae, para isso, o governo deveria estar continuadamentepreparado. Embora sejam recorrentes, o deflagrar de umanova seca sempre significa alguma surpresa, pegando ogoverno e a sociedade despreparados. Em geral, as açõesemergenciais só começaram depois que os impactos ini-ciais já foram sentidos e que a população atingida come-çou a reagir, inclusive invadindo e saqueando feiras earmazéns, ou migrando para os grandes centros urbanose marginalizando-se. É isso o que se busca evitar.

A longa tradição de “alívio da seca” que existe noNordeste prioriza ações de construção de obras, frentes deserviços, transferências de alimentos e créditos de emer-gências, envolvendo volumosos recursos do governo fede-ral. Todavia, existe um descontentamento geral com essesprogramas, especialmente com relação às construções deobras, as quais têm beneficiado desde os “industriais daseca”, que obtém os contratos, aos grandes proprietários,que direcionam as obras para suas terras, deixando fora dosbenefícios grande parte dos necessitados.

A preocupação com a insatisfação das “frentes deserviços” com relação aos recursos e aos desvios paragrupos não alvos, além dos impactos sociais negativos,são as principais razões pela qual o Governo do Cearádecidiu eliminar, na seca de 2001, essas “frentes de ser-viços” como foram praticadas no passado.

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O grupo mais pobre do Nordeste é o das famílias deagricultores com pouca ou nenhuma terra, muitos dos quaisa cultivam através das modalidades de meeiros, parceirosou de arrendamento. Essas pessoas são basicamente de-pendentes da agricultura de sequeiro e, em grande parte,de subsistência, e vivem na pobreza ou na indigência, sen-do altamente vulneráveis nos anos de seca, quando per-dem praticamente todos os seus meios de subsistência.

O problema central de uma seca geralmente não éapenas a falta de alimento, mais a perda da renda realdesses agricultores, como ressalta o Dr. Celso Furtado.

É fundamental que todo programa em época de secatenha como objetivo central alcançar os que são vulnerá-veis ao fenômeno e restituir seu poder aquisitivo. Os maispobres vivem em regiões onde tradicionalmente os quesão politicamente influentes têm sido capazes de contro-lar, desviar e se beneficiar dos recursos públicos destina-dos a evitar a seca e/ou minorar suas conseqüências – achamada “indústria da seca”. Esta é, precisamente, apreocupação maior que o governo tem ao direcionar re-cursos da sociedade para o atendimento desses nordes-tinos privados das condições de subsistência em face daperda de suas safras. Os mecanismos administrativos deidentificação dos mais afetados tipicamente falham tan-to por causa das capacidades institucionais deficientes,quanto, e mais importante ainda, por causa das estrutu-ras de poder locais.

É necessária a utilização de novos mecanismos quedirijam os recursos aos mais necessitados, dentro dasáreas mais afetadas, pelo menor custo e com o menor valorde perdas e incentivos negativos.

O Programa de Seguro Safra, idealizado pelo Gover-no do Ceará, propõe uma abordagem distinta que depen-

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de principalmente de informação cadastral antecipadasobre o uso da terra, de modo a identificar previamente osagricultores pobres que estão em maior risco potencial e aposterior evidência sobre o fracasso da safra. Busca-se,dessa forma, beneficiar apenas os pequenos agricultoresmais atingidos pelas secas, restituindo-lhes o poder aqui-sitivo necessário à subsistência de suas famílias.

Poderão usufruir o benefício apenas os pequenosagricultores familiares do Nordeste e do norte do Estadode Minas Gerais que tenham renda familiar de até um emeio salários mínimos, que explorem área não superior aquatro módulos fiscais e cuja área plantada com as cultu-ras abrigadas pelo Programa não exceda a dez hectares,que participem de programas de educação/capacitaçãorural e que adotem tecnologias de conservação ambientale de convívio com o semi-árido.

Essas condições visam a impedir as influências degrupos políticos, a possibilitar a redução das tensões so-ciais, a proporcionar maior segurança aos agricultores e,ao mesmo tempo, a estimulá-los a buscar orientações téc-nicas adaptadas ao semi-árido, induzindo-os à adoção denovas tecnologias. Pretende-se, pois, viabilizar a estabi-lidade da renda e do emprego, reduzir o risco e tornarmais fácil a vida dos agricultores pobres, dando-lhes re-ais condições de cidadania.

O Seguro Safra, além de servir como uma rede desegurança para os mais vulneráveis, possibilita o incen-tivo às famílias pobres a se capacitarem para adotar no-vas tecnologias e melhor gerenciar o risco climático, deforma a melhorar suas rendas.

O Governo busca, com a implantação do ProgramaSeguro Safra, a inclusão social e o fim definitivo das “fren-tes de serviços” e do clientelismo paternalista, iniciando

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uma nova agricultura sustentável no semi-árido e queresulte no fim do “clientelismo da seca”.

2. Objeto do SeguroO Seguro Safra tem o objetivo de garantir renda

mínima para os agricultores familiares da região Nordes-te, do norte do Estado de Minas Gerais e da região semi-árida do Espírito Santo que registrarem frustração de safraem decorrência do fenômeno da estiagem.

Os benefícios decorrentes do Seguro Safra serão efe-tivados nos municípios em que tenha sido declarado esta-do de calamidade ou situação de emergência, homologadospelos estados e reconhecidos em ato do Governo Federal.

3. Área Segurada e Caracterizaçãodos Beneficiários

Poderão usufruir o benefício apenas os pequenosagricultores familiares do Nordeste, do norte do Estadode Minas Gerais e da região semi-árida do Espírito Santoque tenham renda familiar mensal de até um e meio salá-rio mínimo, que explorem área não superior a quatromódulos fiscais, cuja área plantada com as culturasabrigadas pelo Programa não exceda a dez hectares, queparticipem de programas de educação/capacitação rurale que adotem tecnologias de conservação ambiental ede convívio com o semi-árido.

4. Riscos Cobertos

As culturas de feijão, milho, arroz e algodão planta-dos em até 10 (dez) hectares pelos agricultores familia-res, que tenham perdas de, pelo menos, 60% dessas

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culturas em decorrência da estiagem, comprovadas porlevantamentos e declarações reconhecidas pelo Conse-lho Municipal de Desenvolvimento Sustentável.

5. Riscos não Cobertos• Atividades agrícolas ou pecuárias diferentes das

culturas seguradas (feijão, milho, arroz e algodão)• Perdas nas culturas seguradas menores que 60%• Perdas em municípios onde não foi reconhecido o

estado de calamidade ou situação de emergência.

6. Proposta de Pagamento do PrêmioPara participar do Programa, os agricultores deve-

rão a ele aderir antes do período de plantio, oportunida-de em que informarão a área a ser plantada e pagarãocomo prêmio, a ser recolhido para o Fundo do Programa,a quantia de R$ 6,00, correspondente a 1% do valor dobenefício de R$ 600,00, que receberá, em caso de frustra-ção, no mínimo 60% de sua safra. Os municípios partici-pam com até 3% e os estados com 6%. Ao Governo Federalcabe a contribuição dos 90% restantes.

7. Vigência do SeguroO Seguro Safra terá a vigência de um ano agríco-

la, correspondendo ao período de safra de cada regiãodos beneficiários.

8. Ocorrência do SinistroQuando ocorrer uma frustração de safra em decor-

rência de uma estiagem, onde o agricultor tenha perdas,devidamente comprovadas, de, pelo menos, 60% de suaárea plantada.

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Os benefícios só serão efetivados nos municípiosem que tenha sido declarado estado de calamidade ousituação de emergência, homologado pelo Governo Esta-dual e reconhecidos em ato do Governo Federal.

9. Inspeção e Reinspeção

Na hipótese de ocorrer uma frustração de safra, todoo monitoramento será realizado pelos governos estadu-ais, sob a supervisão do Governo Federal.

Nos distritos, a cada ano agrícola serão seleciona-dos, aleatoriamente, 5% (cinco por cento) dos agricultoresfamiliares inscritos no Programa para constituírem os “Gru-pos Padrão Distrital”. Estes grupos serão acompanhadospela assistência técnica oficial que, além dos aspectos téc-nicos inerentes à atividade agrícola, observarão os aspec-tos climáticos – pluviosidade, umidade do solo, intervaloentre chuvas e outras observações meteorológicas neces-sárias à condução do Programa. Estas observações serãorepassadas quinzenalmente à coordenação do Programa,na forma de relatórios, os quais serão sistematizados eutilizados para avaliação da situação do distrito.

Analisadas as informações, a Coordenação encami-nhará, quando for o caso, equipes de supervisão às áreasmais críticas, a fim de que, se confirmadas essas obser-vações, seja deflagrado o processo (Disparo do Gatilho).

10. Pagamento da Indenização

Estima-se, para toda a região-alvo do Programa, umuniverso de um milhão e cem mil pequenos agricultoresfamiliares que plantam até 10 (dez) hectares com as cul-turas de feijão, milho, arroz e algodão a serem beneficia-

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dos. Ser-lhes-ão transferidos recursos no valor de R$ 660milhões, o título de indenização das perdas de, pelo me-nos, 60% dessas culturas.

Como ocorrem historicamente de 2 a 3 secas numadécada, os desembolsos do Programa em dez anos pode-rão atingir o montante de 1 bilhão e 320 milhões a 1 bi-lhão e 980 milhões de reais.

Considerando que basicamente dois terços do Pro-grama serão cobertos com recursos federais, se todos osestados e municípios da região-alvo a ele aderirem, pre-vê-se uma contribuição anual da União de 168 milhões dereais, durante 10 anos, podendo ser superior em caso demaior número de estiagens.

Na hipótese de ocorrer uma frustração de safra semque o fundo disponha de recursos suficientes, a Uniãoantecipará os recursos necessários para o pagamento dosbenefícios e descontará essa antecipação de suas contri-buições anuais futuras, até o limite de 50% de seu valor.

11. Obrigações do Segurado

• Inscrever-se no Programa antes do plantio, de-clarando a área e as culturas a serem plantadas.

• Pagar a parte que lhe couber do prêmio (R$ 6,00).• Plantar, efetivamente, a área declarada na ins-

crição do Programa.• Observar o zoneamento agroecológico.• Adotar as tecnologias recomendadas pela assis-

tência técnica.• Fornecer, quando procurado, as informações ne-

cessárias aos dirigentes do Programa.• Participar dos programas de capacitação/educa-

ção rural, quando ofertados.

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12. Perdas de Direitos do Segurado

• Não plantar as áreas declaradas com as respec-tivas culturas.

• Não pagar a parte que lhe couber do prêmio.• Plantar culturas diferentes das cobertas pelo

Programa.• Ignorar as instruções técnicas recomendadas.• Desobedecer ao zoneamento agroecológico.• Prestar falsas informações às equipes de acom-

panhamento ou negar-se a fazê-lo.• Obter freqüência menor que 75% (setenta e cin-

co por cento) na participação dos programas decapacitação/educação rural.

13. Certificado do Seguro

A Proposta/Certificado do Seguro, as Condições Ge-rais para o Seguro Safra, as Condições Especiais e a Tarifaconstituem parte integrante e complementar da Apólice eobrigam o segurado como se nela estivessem transcritas.

O Governo Estadual do Ceará manterá na Secreta-ria de Desenvolvimento Rural um grupo força-tarefa paraexecução do Programa.