Empate #1

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Primeira edição de um novo zine político-cultural acreano. ;)

Transcript of Empate #1

quem sabe um sangue novo

hoje escorra por aqui

O empate que está pra desencadear quer ser um jornal-manifesto acreano, um território livre onde a gente possa criar, retomar e discutir aquilo que nos faz sonhar, ou que nos faz tremer de indignação. O constante será virtual, mas sempre que tiver uma folguinha a gente quer fazer o embate virar zine artesanal e ir passear pela cidade.

Pra se libertar do jugo dos fazendeiros que queriam vender a floresta com gente e tudo, seringueiros e seringueiras inventaram o empate. De uma teimosia revolucionária, o empate foi o ato de se quem sobrevivia da mata barrar a ganância de quem ordenava as motosserras. Nos seringais, centenas de pessoas ficavam imóveis no espaço que havia entre a floresta e os jagunços, até que os fazendeiros resolvessem recuar. É do inconformismo que nasce de dentro da floresta lá na década de 70 que remonta as nossa raiz ideológica abraçada, assumida, somos gente da floresta que se encontra na cidade e no furdúncio virtual.

A diferença é que enquanto os seringueiros tinham que caminhar dias para conversar, a internet encurtou as distâncias e abriu os caminhos para as idéias correrem e para redes de solidariedade se formarem. Nossa geração usa disso para subverter e desorganizar o estado das coisas, como se viu neste histórico junho de 2013. Como a palavra africana que o software livre tornou universal, ubuntu, diz: este grito é porquê somos todos.

No Acre as dissonâncias são muitas, e poucas são pronunciadas. Pronunciemo-las, pois. O empate é simbólico pelo direito ao grito, ao sussurro, ao barulho, à catarse. As vozes dissonantes e discordantes. E durma-se com uma zuada dessas! O empate é a favor das criticas, sendo elas pra direita, esquerda, os da frente ou de costas. É pelo direito a falar sem ter que ouvir piadinhas, olhares tortos ou censura velada.

O manifesto é local porquê a mudança começa em casa. Mas o sonho é que a mudança atravesse a esquina e corra o Brasil, a América Latina, o mundo. Do seringal para o mundo. Ajude-nos a escrever esse trecho da nossa história! Avante!

Sou filha de ambientalista, logo, a Expoacre - considerada a maior feira de agropecuária do estado - nunca fez parte da minha rotina. Lembro brevemente de ir, quando criança, na feira para ir aos brin-quedos infantis ou comer alguma coisas nos restaurante. Mas com o passar dos anos as idas eram cada vez mais raras, até acabarem. Até que um dia um amigo me chamou para ir à Cavalgada.

Nunca tinha participado da cavalgado, nem sabia como funcionava o esquema. Ele se prontificou a pagar tudo, disse que queria companhia e acabou me convencendo com um pretexto qualquer, curiosa por aquele evento esperado por muitos acreanos decidir ir. Claro, não falei nada para o meu pai. Só fui revelar o fato algumas semanas depois de ter ido ao evento e vi nele um traço de decepção. Nem sabe ele que foi graças a essa Cavalgada que percebi a importância da causa ambiental-ista, tão defendida por ele.

Explico: A primeira coisa que me impressionou no evento foi a grande quantidade de cavalos. Olhando de um lado para o outro via esse animal em abundancia. Em todos os instantes, na minha cabeça, só pensava que se para cada cavalo presente tivesse pelos menos cinco mil cabeças de gado, então o Acre estava mesmo invadido.

Em cima da comitiva me assustei com esse pensamento. O Acre tinha perdido a luta dos anos 70 contra os agropecuaristas. que agora são financiados pelo mesmo partido que antes combatia essa invasão. Neste dia compreendi a luta de meu pai. Seus discursos finalmente fizeram sentido e todas as criticas que ouvia ele fazer em reuniões que par-ticipava na infância, porque não havia ninguém para cuidar dacriança, começaram a retornar em minha cabeça.

O que mais me espantava era que, cada vez que dizia para alguém "nossa, quanto cavalo", ninguém parecia dar importância. Era como se isso fosse natural. Como se a criação de gado em pela floresta amazônica fosse algo que realmente deveria acontecer. E aquilo não me era correto.

Esse ano, depois de quatro anos desde essa experiência, retornei à Cavalgada. Desta vez a trabalho. E fiquei orgulhosa em saber que durante todo esse tempo não contribui com o "aquecimento da economia acreana" durante a Expoacre. Sinceramente, prefiro aquecer o sonho de um mundo em que as sementes do manejo, as pesquisas com plantas medicinais e o extrativismo tenham uma importância tão grande, ou ate maior, que a monocultura da agropecuária.

Afinal, sonhar com utopias ainda é de graça.

VERIANA RIBEIRO

No acender das luzes eu gostaria de registrar que esse é um jornal que nasceu, concepção e correria, em uma semana. Desde que voltei pro Acre tive várias vezes as mesmas conversas, com pessoas diferentes: no Acre não tem imprensa. Quase não se fala, e quando se diz alguma coisa, é bem baixinho. O mundo não cabe só nas versões oficiais. Falta espaço pra conversar. Pra produzir dissonâncias. Como ia ser bom quebrar a monotonia. E esse zine-manifesto-jornal é fruto dessas provocações, somos um bocadinho de gente movida pela convicção de que só existe o que se faz. Pra mudança que queremos ter a nossa cara, não tem caminho do meio: é preciso dar um jeito, meter a cara e trazer as idéias pra realidade.

O empate se desencadeia num bocado de datas simbólicas. São 25 anos da morte de Chico Mendes e 111 anos de Revolução Acreana. Inclusive, foi no dia 6 de Agosto de 2013, no Café do Theatro, ouvindo gerações da música autoral acreana que o Empate tomou rumo. Resolvemos que o território livre tinha que servir pra gente imaginar esse outro mundo possível que queremos. Pra falar sobre democratizar a democracia. De sustentabilidade, poesia e subversão. O Brasil esteve em polvorosa, a rua se

IARA VICENTE

minha identidade é azul. os meus olhos não.sou preto mas o ibge disse que sou pardo e, lascou porque nem sei o que isso significa.

sou pobre mas a minha cabeça vale um milhão.o poema mais bonito que li, falava de café, trem e pão.

três coisas que faltam e por assim, irritam e entristecem o trabalhador,arroz, tomate e bom busão.

sou da galera do cinema,sou um personagem.não existo, na verdade.

TEDDY FALCÃO

democratizou desde o junho de 2013, que foi de sangue e contestação. No Acre, 15 mil saíram às ruas e é tudo diferente, por trás do povo na rua não tem partido, sindicato, DCE. É gente comum ocupando o asfalto e querendo ser protagonista da política de seu país. Essa mudança toda abre uma avenida para que a gente mantenha a luta pela transformação da realidade, agora a partir das nossas próprias palavras e idéias. Construir um projeto que dialogue com a nossa gente do chão, com a indignação que nasce no ônibus apertado, que se ajeita na beira do barranco, que rebola pro salário dar no fim do mês.

Nosso projeto é coletivo, colaborativo e por causa disso mesmo é que a gente não pode deixar de agradecer quem acreditou no projeto desde que ele era ainda só o sonho e abriu as portas pra nós: Jorge Henrique e Janaína, do café do Theatro. Têm parte no crime também duas gerações da cena autoral acreana, Clenilson Batista e Diogo Soares. O Clenilson que se empolgou desde o primeiro convite, e o Diogo que participou desde o início, seja nas idéias, seja fazendo o som e os furdúncios que tanto colaboraram para o nosso processo criativo. Agradecemos à Adriana Ramos, que fez a primeira doação para a vaquinha. Por fim, agradecemos a todo mundo que se empolgou junto conosco com a idéia.

É o empate que retorna, desta vez como tecnologia social, como forma de gente simples afugentar motosserra, fazendeiro e jagunço. A resistência, a teimosia revolucionária que surge da insubordinação das pessoas é a marca das nossas insurreições populares à brasileira. E como insurreição, surge em muitas flores, floriu em Chico Mendes, em Maria do Espírito Santo, em Zé Castanha, em Amarildo, que já foram arrancados deste chão. Floriu na rabeca de Hélio Melo, floriu no menino do colégio acreano que foi se manifestar, floriu na menina que não vai mais abaixar a voz na hora de falar o que pensa. Floriu, resplandeceu, alumiô. Como uma poronga no caminho escuro do corte da seringa. Como a catarse, como um manifesto, como liberdade. Não era pra ser este o sentido da política? Já diz uma placa na entrada do senadinho: quando o povo fala, ou é, ou foi, ou será. Agora falaremos. Durma-se com uma zuada dessa, salve a nossa voz!

Está aberta a tribuna. Neste café que mantém viva a cultura da cidade sob o chão que um dia segurou seu Hélio Melo e suas telas. E que seja fértil como terra preta.

A missão de Cristo na Terra foi bem clara: trazer o Reino de Deus aos homens. Um Reino de equidade, justiça, amor e liberdade. Entretanto, passados alguns milênios de sua morte e ressurreição, alguns pontos essenciais de seu ensino foram relegados a segundo plano por alguns seguidores do Nazareno. Um grande exemplo é a nossa pátria amada: um dos maiores países cristãos do mundo é ao mesmo tempo um dos líderes na corrupção, desigualdade e concentração de renda. Contradições gritantes entre os ensinamentos bíblicos e a prática cotidiana do século XXI tem se tornado coisas normais, banais. Iniciei minha caminhada religiosa na Assembléia de Deus em 1999, com 12 anos e recebi muitas orientações: Ore,jejue, leia a bíblia e evangelize. Orei, jejuei e li a bíblia. Lendo a bíblia começou a nascer em mim um sentimento de indignação com tudo via acontecer em meu país, sendo que o Messias tinha vindo para trazer Esperança e Luz para os que viviam nas trevas. Nas trevas da fome, da doença, do descaso, do frio e da opressão dos poderosos. Então comecei a seguir a última e mais intensa orientação: evangelizar, que no sentido original da palavra significa "levar boas notícias.' Qual a boa notícia para alguém que não tem emprego? Para quem tem fome e o filho doente? Para quem não tem condições mínimas de dignidade? Essas perguntas se tornaram cada vez mais frequentes em minha cabeça. Sempre que via um barraco despencando do morro com crianças famintas ou um ser humano embaixo da ponte sujo e largado, aumentava a intensidade dos questionamentos. Um cristianismo que se acomoda com a miséria pode ser tudo, menos cristianismo.

Após 7 anos de experiência nas ruas, passei a entender o cristianismo e as religiões no geral, como ferramentas importantíssimas para a transformação da sociedade e consequentemente, cumprir a oração do Pai Nosso: "Que venha a nós o teu Reino." Não se trata de politizar a teologia. Se trata de cumprir o que Jesus afirmou ser um novo mandamento: "Amar os outros assim como ele nos amou." Ou seja: Mais do que a nós mesmos. Essa missão foi dada a todos que dizem crer nEle: Transformar este mundo, com a arma que Ele nos deu: o Amor. Não podemos descansar enquanto crianças passarem fome ou dormirem na rua, sem escola e lar. Enquanto poucos se enriquecem e muitos morrem na miséria.A Igreja se preocupou muito em ganhar almas, mas esqueceu-se das

pessoas. Alma não come, não paga aluguel, não precisa pagar gás, água e luz. A oração do Pai Nosso é: "Venha nós o teu Reino e seja feita a tua vontade assim na Terra como no céu." O Reino de Deus começa na Terra, aqui e agora. E a vontade dEle no céu é feita de maneira justa e soberana, portanto essa vontade precisa ser feita na Terra e nós somos os agentes responsáveis por isso, Ele já fez a parte que lhe cabia quando enviou Jesus e derramou o Espírito Santo. Milagres são maravilhosos e devem acontecer cada vez mais, mas a maior marca da igreja primitiva era o amor e a comunhão, o desapego ao dinheiro. Hoje nós vemos shows da fé e espetáculos santos mas não vemos a igreja amando o necessitado, se preocupando com o destino na nação... Pelo contrário, o que observa-se é a maioria dos líderes ostentando riqueza enquanto o povo sofre na miséria. Isso não é evangelho, Jesus não era assim. Não adianta milagre se não houver amor, comunhão e partilha.Segundo a minha fé, no último dos dias muitos que fazem milagres e

expulsam demônios vão chegar pra Jesus e ele dirá: "não vos conheço, apartai-vos de mim”.

Sou filha de ambientalista, logo, a Expoacre - considerada a maior feira de agropecuária do estado - nunca fez parte da minha rotina. Lembro brevemente de ir, quando criança, na feira para ir aos brin-quedos infantis ou comer alguma coisas nos restaurante. Mas com o passar dos anos as idas eram cada vez mais raras, até acabarem. Até que um dia um amigo me chamou para ir à Cavalgada.

Nunca tinha participado da cavalgado, nem sabia como funcionava o esquema. Ele se prontificou a pagar tudo, disse que queria companhia e acabou me convencendo com um pretexto qualquer, curiosa por aquele evento esperado por muitos acreanos decidir ir. Claro, não falei nada para o meu pai. Só fui revelar o fato algumas semanas depois de ter ido ao evento e vi nele um traço de decepção. Nem sabe ele que foi graças a essa Cavalgada que percebi a importância da causa ambiental-ista, tão defendida por ele.

Explico: A primeira coisa que me impressionou no evento foi a grande quantidade de cavalos. Olhando de um lado para o outro via esse animal em abundancia. Em todos os instantes, na minha cabeça, só pensava que se para cada cavalo presente tivesse pelos menos cinco mil cabeças de gado, então o Acre estava mesmo invadido.

Em cima da comitiva me assustei com esse pensamento. O Acre tinha perdido a luta dos anos 70 contra os agropecuaristas. que agora são financiados pelo mesmo partido que antes combatia essa invasão. Neste dia compreendi a luta de meu pai. Seus discursos finalmente fizeram sentido e todas as criticas que ouvia ele fazer em reuniões que par-ticipava na infância, porque não havia ninguém para cuidar dacriança, começaram a retornar em minha cabeça.

O que mais me espantava era que, cada vez que dizia para alguém "nossa, quanto cavalo", ninguém parecia dar importância. Era como se isso fosse natural. Como se a criação de gado em pela floresta amazônica fosse algo que realmente deveria acontecer. E aquilo não me era correto.

Esse ano, depois de quatro anos desde essa experiência, retornei à Cavalgada. Desta vez a trabalho. E fiquei orgulhosa em saber que durante todo esse tempo não contribui com o "aquecimento da economia acreana" durante a Expoacre. Sinceramente, prefiro aquecer o sonho de um mundo em que as sementes do manejo, as pesquisas com plantas medicinais e o extrativismo tenham uma importância tão grande, ou ate maior, que a monocultura da agropecuária.

Afinal, sonhar com utopias ainda é de graça.

No acender das luzes eu gostaria de registrar que esse é um jornal que nasceu, concepção e correria, em uma semana. Desde que voltei pro Acre tive várias vezes as mesmas conversas, com pessoas diferentes: no Acre não tem imprensa. Quase não se fala, e quando se diz alguma coisa, é bem baixinho. O mundo não cabe só nas versões oficiais. Falta espaço pra conversar. Pra produzir dissonâncias. Como ia ser bom quebrar a monotonia. E esse zine-manifesto-jornal é fruto dessas provocações, somos um bocadinho de gente movida pela convicção de que só existe o que se faz. Pra mudança que queremos ter a nossa cara, não tem caminho do meio: é preciso dar um jeito, meter a cara e trazer as idéias pra realidade.

O empate se desencadeia num bocado de datas simbólicas. São 25 anos da morte de Chico Mendes e 111 anos de Revolução Acreana. Inclusive, foi no dia 6 de Agosto de 2013, no Café do Theatro, ouvindo gerações da música autoral acreana que o Empate tomou rumo. Resolvemos que o território livre tinha que servir pra gente imaginar esse outro mundo possível que queremos. Pra falar sobre democratizar a democracia. De sustentabilidade, poesia e subversão. O Brasil esteve em polvorosa, a rua se

democratizou desde o junho de 2013, que foi de sangue e contestação. No Acre, 15 mil saíram às ruas e é tudo diferente, por trás do povo na rua não tem partido, sindicato, DCE. É gente comum ocupando o asfalto e querendo ser protagonista da política de seu país. Essa mudança toda abre uma avenida para que a gente mantenha a luta pela transformação da realidade, agora a partir das nossas próprias palavras e idéias. Construir um projeto que dialogue com a nossa gente do chão, com a indignação que nasce no ônibus apertado, que se ajeita na beira do barranco, que rebola pro salário dar no fim do mês.

Nosso projeto é coletivo, colaborativo e por causa disso mesmo é que a gente não pode deixar de agradecer quem acreditou no projeto desde que ele era ainda só o sonho e abriu as portas pra nós: Jorge Henrique e Janaína, do café do Theatro. Têm parte no crime também duas gerações da cena autoral acreana, Clenilson Batista e Diogo Soares. O Clenilson que se empolgou desde o primeiro convite, e o Diogo que participou desde o início, seja nas idéias, seja fazendo o som e os furdúncios que tanto colaboraram para o nosso processo criativo. Agradecemos à Adriana Ramos, que fez a primeira doação para a vaquinha. Por fim, agradecemos a todo mundo que se empolgou junto conosco com a idéia.

É o empate que retorna, desta vez como tecnologia social, como forma de gente simples afugentar motosserra, fazendeiro e jagunço. A resistência, a teimosia revolucionária que surge da insubordinação das pessoas é a marca das nossas insurreições populares à brasileira. E como insurreição, surge em muitas flores, floriu em Chico Mendes, em Maria do Espírito Santo, em Zé Castanha, em Amarildo, que já foram arrancados deste chão. Floriu na rabeca de Hélio Melo, floriu no menino do colégio acreano que foi se manifestar, floriu na menina que não vai mais abaixar a voz na hora de falar o que pensa. Floriu, resplandeceu, alumiô. Como uma poronga no caminho escuro do corte da seringa. Como a catarse, como um manifesto, como liberdade. Não era pra ser este o sentido da política? Já diz uma placa na entrada do senadinho: quando o povo fala, ou é, ou foi, ou será. Agora falaremos. Durma-se com uma zuada dessa, salve a nossa voz!

Está aberta a tribuna. Neste café que mantém viva a cultura da cidade sob o chão que um dia segurou seu Hélio Melo e suas telas. E que seja fértil como terra preta.

quando o povo fala, ou é, ou foi, ou será.

No acender das luzes eu gostaria de registrar que esse é um jornal que nasceu, concepção e correria, em uma semana. Desde que voltei pro Acre tive várias vezes as mesmas conversas, com pessoas diferentes: no Acre não tem imprensa. Quase não se fala, e quando se diz alguma coisa, é bem baixinho. O mundo não cabe só nas versões oficiais. Falta espaço pra conversar. Pra produzir dissonâncias. Como ia ser bom quebrar a monotonia. E esse zine-manifesto-jornal é fruto dessas provocações, somos um bocadinho de gente movida pela convicção de que só existe o que se faz. Pra mudança que queremos ter a nossa cara, não tem caminho do meio: é preciso dar um jeito, meter a cara e trazer as idéias pra realidade.

O empate se desencadeia num bocado de datas simbólicas. São 25 anos da morte de Chico Mendes e 111 anos de Revolução Acreana. Inclusive, foi no dia 6 de Agosto de 2013, no Café do Theatro, ouvindo gerações da música autoral acreana que o Empate tomou rumo. Resolvemos que o território livre tinha que servir pra gente imaginar esse outro mundo possível que queremos. Pra falar sobre democratizar a democracia. De sustentabilidade, poesia e subversão. O Brasil esteve em polvorosa, a rua se

F.M.

democratizou desde o junho de 2013, que foi de sangue e contestação. No Acre, 15 mil saíram às ruas e é tudo diferente, por trás do povo na rua não tem partido, sindicato, DCE. É gente comum ocupando o asfalto e querendo ser protagonista da política de seu país. Essa mudança toda abre uma avenida para que a gente mantenha a luta pela transformação da realidade, agora a partir das nossas próprias palavras e idéias. Construir um projeto que dialogue com a nossa gente do chão, com a indignação que nasce no ônibus apertado, que se ajeita na beira do barranco, que rebola pro salário dar no fim do mês.

Nosso projeto é coletivo, colaborativo e por causa disso mesmo é que a gente não pode deixar de agradecer quem acreditou no projeto desde que ele era ainda só o sonho e abriu as portas pra nós: Jorge Henrique e Janaína, do café do Theatro. Têm parte no crime também duas gerações da cena autoral acreana, Clenilson Batista e Diogo Soares. O Clenilson que se empolgou desde o primeiro convite, e o Diogo que participou desde o início, seja nas idéias, seja fazendo o som e os furdúncios que tanto colaboraram para o nosso processo criativo. Agradecemos à Adriana Ramos, que fez a primeira doação para a vaquinha. Por fim, agradecemos a todo mundo que se empolgou junto conosco com a idéia.

É o empate que retorna, desta vez como tecnologia social, como forma de gente simples afugentar motosserra, fazendeiro e jagunço. A resistência, a teimosia revolucionária que surge da insubordinação das pessoas é a marca das nossas insurreições populares à brasileira. E como insurreição, surge em muitas flores, floriu em Chico Mendes, em Maria do Espírito Santo, em Zé Castanha, em Amarildo, que já foram arrancados deste chão. Floriu na rabeca de Hélio Melo, floriu no menino do colégio acreano que foi se manifestar, floriu na menina que não vai mais abaixar a voz na hora de falar o que pensa. Floriu, resplandeceu, alumiô. Como uma poronga no caminho escuro do corte da seringa. Como a catarse, como um manifesto, como liberdade. Não era pra ser este o sentido da política? Já diz uma placa na entrada do senadinho: quando o povo fala, ou é, ou foi, ou será. Agora falaremos. Durma-se com uma zuada dessa, salve a nossa voz!

Está aberta a tribuna. Neste café que mantém viva a cultura da cidade sob o chão que um dia segurou seu Hélio Melo e suas telas. E que seja fértil como terra preta.

No inicio os calos doem.

Mas, com o passar do tempo eles começam a fazer parte de nós. E vamos aos poucos acostumando com dor. Até que chega um ponto em que nem percebemos sua presença. Ele final-mente parece não incomodar. No inicio realmente me doiam aquelas discussões. Elas só

me deixavam mal. Eu me sentia culpada por ser assim. Eu não escolhi. Eu sou.Todavia, minha mãe parecia negar isso. Ela não conseguia

se desligar de todos os dogmas acumulados em sua tra-jetória. Cada vez que ela pronunciava que tinha vergonha de mim, aquilo ia me cortando.Quantas noites passei em claro, chorando e querendo

acreditar que aquela tortura ia passar. Ela conseguia me humilhar todos os dias. Mas, com passar dos anos eu me acostumei, e até achava natural me sentir assim.Hoje eu sei que o que eu sofria era violência verbal. A

violência verbal a antessala da violência física. E a linha que as separe é tênue. Eu me lembro como se fosse hoje.Mas já se passaram 4 anos que eu assumi minha homossexu-

alidade para a minha família. Foi no dia 11 de Dezembro de 2009. Naquela noite eu verbalizei o que por anos eu suprimi. Parecia apenas mais uma das discussões que eu tinha com a minha mãe. Porém, essa não foi. No meio da gritaria minha mãe perguntou: “você é sapa-

tão?”. Nesse momento me veio um flashback de todos os anos que vivi uma vida dupla. Tentando ter sentimentos que não condiziam com a minha vontade. Então respirei fundo e falei: Eu sou. Naquele momento eu vi minha mãe transtornada, como jamais

vi. Ela perguntou novamente e dessa vez eu gritei EU GOSTO DE MULHERES. Ela veio em minha direção e começou a me dar tapas, a jogar minha cabeça contra a parede ate que por fim, jogou um espelho em mim. Dessa noite, me restaram alguns hematomas. Os físicos nem foram tão dolorosos. O que mais me doeu foi às feridas abertas em mim e consequente-mente na minha família.

As feridas se cicatrizam com o tempo. O processo de cic-atrização pode ser demorado, mas um dia ele é concluído. As cicatrizes ficam. Mas, elas não doem. Perdoar é importante. Ajuda a seguir em frente. A vida é tão curta pra ver. E no fim, eu acredito que as pessoas sempre podem melhorar.

Mãe, eu te amo!

A missão de Cristo na Terra foi bem clara: trazer o Reino de Deus aos homens. Um Reino de equidade, justiça, amor e liberdade. Entretanto, passados alguns milênios de sua morte e ressurreição, alguns pontos essenciais de seu ensino foram relegados a segundo plano por alguns seguidores do Nazareno. Um grande exemplo é a nossa pátria amada: um dos maiores países cristãos do mundo é ao mesmo tempo um dos líderes na corrupção, desigualdade e concentração de renda. Contradições gritantes entre os ensinamentos bíblicos e a prática cotidiana do século XXI tem se tornado coisas normais, banais. Iniciei minha caminhada religiosa na Assembléia de Deus em 1999, com 12 anos e recebi muitas orientações: Ore,jejue, leia a bíblia e evangelize. Orei, jejuei e li a bíblia. Lendo a bíblia começou a nascer em mim um sentimento de indignação com tudo via acontecer em meu país, sendo que o Messias tinha vindo para trazer Esperança e Luz para os que viviam nas trevas. Nas trevas da fome, da doença, do descaso, do frio e da opressão dos poderosos. Então comecei a seguir a última e mais intensa orientação: evangelizar, que no sentido original da palavra significa "levar boas notícias.' Qual a boa notícia para alguém que não tem emprego? Para quem tem fome e o filho doente? Para quem não tem condições mínimas de dignidade? Essas perguntas se tornaram cada vez mais frequentes em minha cabeça. Sempre que via um barraco despencando do morro com crianças famintas ou um ser humano embaixo da ponte sujo e largado, aumentava a intensidade dos questionamentos. Um cristianismo que se acomoda com a miséria pode ser tudo, menos cristianismo.

Após 7 anos de experiência nas ruas, passei a entender o cristianismo e as religiões no geral, como ferramentas importantíssimas para a transformação da sociedade e consequentemente, cumprir a oração do Pai Nosso: "Que venha a nós o teu Reino." Não se trata de politizar a teologia. Se trata de cumprir o que Jesus afirmou ser um novo mandamento: "Amar os outros assim como ele nos amou." Ou seja: Mais do que a nós mesmos. Essa missão foi dada a todos que dizem crer nEle: Transformar este mundo, com a arma que Ele nos deu: o Amor. Não podemos descansar enquanto crianças passarem fome ou dormirem na rua, sem escola e lar. Enquanto poucos se enriquecem e muitos morrem na miséria.A Igreja se preocupou muito em ganhar almas, mas esqueceu-se das

pessoas. Alma não come, não paga aluguel, não precisa pagar gás, água e luz. A oração do Pai Nosso é: "Venha nós o teu Reino e seja feita a tua vontade assim na Terra como no céu." O Reino de Deus começa na Terra, aqui e agora. E a vontade dEle no céu é feita de maneira justa e soberana, portanto essa vontade precisa ser feita na Terra e nós somos os agentes responsáveis por isso, Ele já fez a parte que lhe cabia quando enviou Jesus e derramou o Espírito Santo. Milagres são maravilhosos e devem acontecer cada vez mais, mas a maior marca da igreja primitiva era o amor e a comunhão, o desapego ao dinheiro. Hoje nós vemos shows da fé e espetáculos santos mas não vemos a igreja amando o necessitado, se preocupando com o destino na nação... Pelo contrário, o que observa-se é a maioria dos líderes ostentando riqueza enquanto o povo sofre na miséria. Isso não é evangelho, Jesus não era assim. Não adianta milagre se não houver amor, comunhão e partilha.Segundo a minha fé, no último dos dias muitos que fazem milagres e

expulsam demônios vão chegar pra Jesus e ele dirá: "não vos conheço, apartai-vos de mim”.

Na década de 80, a cidade de Rio Branco explodiu, apesar de ser uma década mais curta já que ela encerrou em 1988, terminou com um tiro, mataram o Chico Mendes. E antecipou os anos 90 que foram anos muito ruins. Com exceção de quem morreu, as figuras culturais continuam vivas, e muitos deles permanecem na política ou na cena cultural. Interessante comparar as trajetórias, os momentos, e ver o que as pessoas diziam e faziam naquela época e o que dizem e fazem hoje. O que hoje é onipresente e pensa que é onipotente na conjuntura, que é o grupo dirigente do PT, não existia na década de 90. Existia um PT embrionário, com um viés ideológico bastante forte, com a concentração de grupos de esquerda chamada correntes internas, existiam quatro correntes e o Abrahim Farraht. Tinha a chamada libelu, no qual eu fui integrante no inicio, mas depois me tornei independente, sem deixar de ser radical. Existia o que foi depois a DS (Democracia Socialista) que foi o grupo do Genuíno, Tarso Genro, que aqui no estado era o pessoal do Chico Mendes, Marina Silva, Binho Marques e Carioca. Tinha a articulação, que era o pessoal da igreja católica, Nilson Mourão, Célia Pedrino e outras lideranças sindicais que eram ligadas a esse grupo e era o mais forte. Tinha um outro grupo de esquerda, não lembro se era tendência marxista ou lute pela base, mas não eram dos mais expressivos. E tinha o abrahim, porque uma área significativa do PT era quem movimentava o casarão. Era o bar onde se cantava, dançava, bebia cachaça, escrevia livro, fazia filho. Então era um PT de esquerda, não conseguia eleger um deputado, o que significa que a idéia de que o mundo começou a partir do governo do lula ou no caso do Acre no início do governo do Jorge Viana, não deixa de ter uma certa dose de verdade, porque o que tinha antigamente era um protomundo, um ensaio do mundo.(...)Mas era uma coisa bastante diferente, entretanto naquela

década de baixo de um domínio muito grande da pecuária, da exploração madeireira, na chegada em que se estabeleceu com força a televisão como centro da vida cultural, na década em que mataram impunemente diversos trabalhadores, em que a gente estava de baixo de peia nos produziu coisas muito significativas, nós criamos uma rede de organizações não governamentais com projetos fantásticos, criamos mais de 200 escolas da floresta entre de seringueiros e indígenas, criamos postos e projetos de saúde nos seringais e aldeias indígenas, criamos cooperativas, associações, a partir de 85 e principalmente já no final da década com a morte do Chico.(...)

No acender das luzes eu gostaria de registrar que esse é um jornal que nasceu, concepção e correria, em uma semana. Desde que voltei pro Acre tive várias vezes as mesmas conversas, com pessoas diferentes: no Acre não tem imprensa. Quase não se fala, e quando se diz alguma coisa, é bem baixinho. O mundo não cabe só nas versões oficiais. Falta espaço pra conversar. Pra produzir dissonâncias. Como ia ser bom quebrar a monotonia. E esse zine-manifesto-jornal é fruto dessas provocações, somos um bocadinho de gente movida pela convicção de que só existe o que se faz. Pra mudança que queremos ter a nossa cara, não tem caminho do meio: é preciso dar um jeito, meter a cara e trazer as idéias pra realidade.

O empate se desencadeia num bocado de datas simbólicas. São 25 anos da morte de Chico Mendes e 111 anos de Revolução Acreana. Inclusive, foi no dia 6 de Agosto de 2013, no Café do Theatro, ouvindo gerações da música autoral acreana que o Empate tomou rumo. Resolvemos que o território livre tinha que servir pra gente imaginar esse outro mundo possível que queremos. Pra falar sobre democratizar a democracia. De sustentabilidade, poesia e subversão. O Brasil esteve em polvorosa, a rua se

democratizou desde o junho de 2013, que foi de sangue e contestação. No Acre, 15 mil saíram às ruas e é tudo diferente, por trás do povo na rua não tem partido, sindicato, DCE. É gente comum ocupando o asfalto e querendo ser protagonista da política de seu país. Essa mudança toda abre uma avenida para que a gente mantenha a luta pela transformação da realidade, agora a partir das nossas próprias palavras e idéias. Construir um projeto que dialogue com a nossa gente do chão, com a indignação que nasce no ônibus apertado, que se ajeita na beira do barranco, que rebola pro salário dar no fim do mês.

Nosso projeto é coletivo, colaborativo e por causa disso mesmo é que a gente não pode deixar de agradecer quem acreditou no projeto desde que ele era ainda só o sonho e abriu as portas pra nós: Jorge Henrique e Janaína, do café do Theatro. Têm parte no crime também duas gerações da cena autoral acreana, Clenilson Batista e Diogo Soares. O Clenilson que se empolgou desde o primeiro convite, e o Diogo que participou desde o início, seja nas idéias, seja fazendo o som e os furdúncios que tanto colaboraram para o nosso processo criativo. Agradecemos à Adriana Ramos, que fez a primeira doação para a vaquinha. Por fim, agradecemos a todo mundo que se empolgou junto conosco com a idéia.

É o empate que retorna, desta vez como tecnologia social, como forma de gente simples afugentar motosserra, fazendeiro e jagunço. A resistência, a teimosia revolucionária que surge da insubordinação das pessoas é a marca das nossas insurreições populares à brasileira. E como insurreição, surge em muitas flores, floriu em Chico Mendes, em Maria do Espírito Santo, em Zé Castanha, em Amarildo, que já foram arrancados deste chão. Floriu na rabeca de Hélio Melo, floriu no menino do colégio acreano que foi se manifestar, floriu na menina que não vai mais abaixar a voz na hora de falar o que pensa. Floriu, resplandeceu, alumiô. Como uma poronga no caminho escuro do corte da seringa. Como a catarse, como um manifesto, como liberdade. Não era pra ser este o sentido da política? Já diz uma placa na entrada do senadinho: quando o povo fala, ou é, ou foi, ou será. Agora falaremos. Durma-se com uma zuada dessa, salve a nossa voz!

Está aberta a tribuna. Neste café que mantém viva a cultura da cidade sob o chão que um dia segurou seu Hélio Melo e suas telas. E que seja fértil como terra preta.

Nós elaboramos naquele momento uma idéia que chamávamos de desenvolvimento auto-sustentável, que depois casou com a idéia do desenvolvimento sustentável da ONU. Não inventamos o termo, acho que eles também não inventaram, essas eram palavras que brotavam pelo mundo inteiro.(...)O modelo de desenvolvimento que a gente propunha era em

primeiro lugar de que nós mesmos produziríamos aqui as coisas que a gente precisa. E segundo, a gente achava que isso podia ser feito na floresta, com a floresta, aliás, isso só poderia ser feito se tivéssemos a floresta, ja que em uma área desmatada a gente não é auto sustentável, no máximo quem se sustenta é o boi, que ele come o capim, mas mesmo assim precisa botar vacina nele, precisa inseminar a vaca, fazer uma porção de coisas que provam que as atividades contrárias ao ambiente amazônico são insustentáveis e dependem muito de insumos que vem de fora. A gente achava que o modelo antigo do seringal precisava ser superado por um outro modelo que fosse também florestal, porque o seringal demonstrou que a gente pode viver pobremente, mas uma vida inteira, criar filhos e netos dentro da floresta, a vida indígena que existe aqui há vários séculos demonstra que uma população pode viver na floresta até mesmo isolada, sem depender de ninguém, então a floresta é uma base de sustentação. Então todas essas idéias, de florestas extrativistas, as

propostas de desenvolvimento surgiram nesse período, e surgiram na prática. A gente não simplesmente propunha "se eu ganhar a eleição eu vou fazer" , a gente nem tinha a esperança de ganhar a eleição então tínhamos que fazer na prática, se o estado apoiar. Ótimo, se não a gente acha a ajuda de uma ONG, faz um mutirão na comunidade, e faz a coisa na prática. Então fizemos muitas coisas. Através da luta política, nesse período de 80 e 90. Gente conseguiu colocar legalmente pelo menos metade do Acre na mão do povo, porque se não demarcou legalmente pelo menos ocupou na prática dois milhões de hectares de terras indígenas, outros dois milhões de reserva extrativistas e mais um milhão de hectares de área de projeto de assentamento, mais a parte da Serra do divisor, outras áreas de preservação. Somando tudo, metade do Acre estava em uma reforma agrária amazônica, terra para seringueiro, índio, populações extrativistas, ribeirinhos. Esse foi um avanço muito importante que a gente conquistou, depois que a gente entrou no governo não avançou nenhum palmo. Não temos novas áreas, novos assentamentos, não temos novas propostas, novas políticas ou educação. Apenas melhoramos o que existia e era já oficializado e depois essa melhora durou alguns anos e já está bastante pior.

TOINHO ALVES

Na década de 80, a cidade de Rio Branco explodiu, apesar de ser uma década mais curta já que ela encerrou em 1988, terminou com um tiro, mataram o Chico Mendes. E antecipou os anos 90 que foram anos muito ruins. Com exceção de quem morreu, as figuras culturais continuam vivas, e muitos deles permanecem na política ou na cena cultural. Interessante comparar as trajetórias, os momentos, e ver o que as pessoas diziam e faziam naquela época e o que dizem e fazem hoje. O que hoje é onipresente e pensa que é onipotente na conjuntura, que é o grupo dirigente do PT, não existia na década de 90. Existia um PT embrionário, com um viés ideológico bastante forte, com a concentração de grupos de esquerda chamada correntes internas, existiam quatro correntes e o Abrahim Farraht. Tinha a chamada libelu, no qual eu fui integrante no inicio, mas depois me tornei independente, sem deixar de ser radical. Existia o que foi depois a DS (Democracia Socialista) que foi o grupo do Genuíno, Tarso Genro, que aqui no estado era o pessoal do Chico Mendes, Marina Silva, Binho Marques e Carioca. Tinha a articulação, que era o pessoal da igreja católica, Nilson Mourão, Célia Pedrino e outras lideranças sindicais que eram ligadas a esse grupo e era o mais forte. Tinha um outro grupo de esquerda, não lembro se era tendência marxista ou lute pela base, mas não eram dos mais expressivos. E tinha o abrahim, porque uma área significativa do PT era quem movimentava o casarão. Era o bar onde se cantava, dançava, bebia cachaça, escrevia livro, fazia filho. Então era um PT de esquerda, não conseguia eleger um deputado, o que significa que a idéia de que o mundo começou a partir do governo do lula ou no caso do Acre no início do governo do Jorge Viana, não deixa de ter uma certa dose de verdade, porque o que tinha antigamente era um protomundo, um ensaio do mundo.(...)Mas era uma coisa bastante diferente, entretanto naquela

década de baixo de um domínio muito grande da pecuária, da exploração madeireira, na chegada em que se estabeleceu com força a televisão como centro da vida cultural, na década em que mataram impunemente diversos trabalhadores, em que a gente estava de baixo de peia nos produziu coisas muito significativas, nós criamos uma rede de organizações não governamentais com projetos fantásticos, criamos mais de 200 escolas da floresta entre de seringueiros e indígenas, criamos postos e projetos de saúde nos seringais e aldeias indígenas, criamos cooperativas, associações, a partir de 85 e principalmente já no final da década com a morte do Chico.(...)

Nós elaboramos naquele momento uma idéia que chamávamos de desenvolvimento auto-sustentável, que depois casou com a idéia do desenvolvimento sustentável da ONU. Não inventamos o termo, acho que eles também não inventaram, essas eram palavras que brotavam pelo mundo inteiro.(...)O modelo de desenvolvimento que a gente propunha era em

primeiro lugar de que nós mesmos produziríamos aqui as coisas que a gente precisa. E segundo, a gente achava que isso podia ser feito na floresta, com a floresta, aliás, isso só poderia ser feito se tivéssemos a floresta, ja que em uma área desmatada a gente não é auto sustentável, no máximo quem se sustenta é o boi, que ele come o capim, mas mesmo assim precisa botar vacina nele, precisa inseminar a vaca, fazer uma porção de coisas que provam que as atividades contrárias ao ambiente amazônico são insustentáveis e dependem muito de insumos que vem de fora. A gente achava que o modelo antigo do seringal precisava ser superado por um outro modelo que fosse também florestal, porque o seringal demonstrou que a gente pode viver pobremente, mas uma vida inteira, criar filhos e netos dentro da floresta, a vida indígena que existe aqui há vários séculos demonstra que uma população pode viver na floresta até mesmo isolada, sem depender de ninguém, então a floresta é uma base de sustentação. Então todas essas idéias, de florestas extrativistas, as

propostas de desenvolvimento surgiram nesse período, e surgiram na prática. A gente não simplesmente propunha "se eu ganhar a eleição eu vou fazer" , a gente nem tinha a esperança de ganhar a eleição então tínhamos que fazer na prática, se o estado apoiar. Ótimo, se não a gente acha a ajuda de uma ONG, faz um mutirão na comunidade, e faz a coisa na prática. Então fizemos muitas coisas. Através da luta política, nesse período de 80 e 90. Gente conseguiu colocar legalmente pelo menos metade do Acre na mão do povo, porque se não demarcou legalmente pelo menos ocupou na prática dois milhões de hectares de terras indígenas, outros dois milhões de reserva extrativistas e mais um milhão de hectares de área de projeto de assentamento, mais a parte da Serra do divisor, outras áreas de preservação. Somando tudo, metade do Acre estava em uma reforma agrária amazônica, terra para seringueiro, índio, populações extrativistas, ribeirinhos. Esse foi um avanço muito importante que a gente conquistou, depois que a gente entrou no governo não avançou nenhum palmo. Não temos novas áreas, novos assentamentos, não temos novas propostas, novas políticas ou educação. Apenas melhoramos o que existia e era já oficializado e depois essa melhora durou alguns anos e já está bastante pior.

“A partir do encontro com outros artistas, a gente fez uma noite no Café do Theatro. Dessa noite surgiu a idéia de fazer a ocupação cultural no cacimbão. Nessse meio tempo a gente encontrou as meninas que estão organizando o Empate, que é uma iniciativa alternativa, independente, que tá rolando sem precisar de um financiamento do governo, sem aprovar um edital. Eu acho que isso tudo faz parte do momento em que a gente tá vivendo. Um momento de retomada dessa efervescência cultural que tem como pressuposto a liberdade de expressão. O livre questionamento da cidade. Pensar a cidade. Que cidade a gente quer viver? Que arbitrariedades estão sendo cometidas? Que absurdos estão acontecendo e a gente não fala sobre isso? Porquê que esse rio tá tão seco, sendo que há dez anos é a mesma frente que está no governo e dizia que uma das principais coisas era a gente batalhar pela florestania?

Acho que tem algumas coisas que tão acontecendo que se conectam nesse momento que a gente tá vivendo. Existe uma crise de representatividade enorme no país inteiro e não é diferente no Acre.(...)Tá faltando a gente ser mais Pia Villa, sabe, tá faltando a gente ser mais vira-lata.E isso tá começando a acontecer aqui em Rio Branco. A nossa viralatisse tá se manifestando de um jeito muito positivo, que é a gente perder o medo de falar as coisas que a gente pensa.(...)A gente tá num momento de celebrar a liberdade e de fazer uso dela. E isso não tem governo, isso não tem dinheiro, não tem nada que possa nos calar. As pessoas tão caindo numa real que o Estado somos nós, o governo somos nós, o poder somos nós, vêm de nós.(...)Acho que cabe a todas as pessoas que acreditam que a gente pode fazer um estado melhor tomar sua parte nessa briga. Sabe, quais são as questões que precisam ser discutidas, que precisam ser cobradas e ninguém está falando sobre elas? Eu acho que é esse o momento que a gente tá vivendo e isso me instiga muito porquê eu acho que isso vai dar ótimas canções.”

DIOGO SOARES

A missão de Cristo na Terra foi bem clara: trazer o Reino de Deus aos homens. Um Reino de equidade, justiça, amor e liberdade. Entretanto, passados alguns milênios de sua morte e ressurreição, alguns pontos essenciais de seu ensino foram relegados a segundo plano por alguns seguidores do Nazareno. Um grande exemplo é a nossa pátria amada: um dos maiores países cristãos do mundo é ao mesmo tempo um dos líderes na corrupção, desigualdade e concentração de renda. Contradições gritantes entre os ensinamentos bíblicos e a prática cotidiana do século XXI tem se tornado coisas normais, banais. Iniciei minha caminhada religiosa na Assembléia de Deus em 1999, com 12 anos e recebi muitas orientações: Ore,jejue, leia a bíblia e evangelize. Orei, jejuei e li a bíblia. Lendo a bíblia começou a nascer em mim um sentimento de indignação com tudo via acontecer em meu país, sendo que o Messias tinha vindo para trazer Esperança e Luz para os que viviam nas trevas. Nas trevas da fome, da doença, do descaso, do frio e da opressão dos poderosos. Então comecei a seguir a última e mais intensa orientação: evangelizar, que no sentido original da palavra significa "levar boas notícias.' Qual a boa notícia para alguém que não tem emprego? Para quem tem fome e o filho doente? Para quem não tem condições mínimas de dignidade? Essas perguntas se tornaram cada vez mais frequentes em minha cabeça. Sempre que via um barraco despencando do morro com crianças famintas ou um ser humano embaixo da ponte sujo e largado, aumentava a intensidade dos questionamentos. Um cristianismo que se acomoda com a miséria pode ser tudo, menos cristianismo.

Após 7 anos de experiência nas ruas, passei a entender o cristianismo e as religiões no geral, como ferramentas importantíssimas para a transformação da sociedade e consequentemente, cumprir a oração do Pai Nosso: "Que venha a nós o teu Reino." Não se trata de politizar a teologia. Se trata de cumprir o que Jesus afirmou ser um novo mandamento: "Amar os outros assim como ele nos amou." Ou seja: Mais do que a nós mesmos. Essa missão foi dada a todos que dizem crer nEle: Transformar este mundo, com a arma que Ele nos deu: o Amor. Não podemos descansar enquanto crianças passarem fome ou dormirem na rua, sem escola e lar. Enquanto poucos se enriquecem e muitos morrem na miséria.A Igreja se preocupou muito em ganhar almas, mas esqueceu-se das

pessoas. Alma não come, não paga aluguel, não precisa pagar gás, água e luz. A oração do Pai Nosso é: "Venha nós o teu Reino e seja feita a tua vontade assim na Terra como no céu." O Reino de Deus começa na Terra, aqui e agora. E a vontade dEle no céu é feita de maneira justa e soberana, portanto essa vontade precisa ser feita na Terra e nós somos os agentes responsáveis por isso, Ele já fez a parte que lhe cabia quando enviou Jesus e derramou o Espírito Santo. Milagres são maravilhosos e devem acontecer cada vez mais, mas a maior marca da igreja primitiva era o amor e a comunhão, o desapego ao dinheiro. Hoje nós vemos shows da fé e espetáculos santos mas não vemos a igreja amando o necessitado, se preocupando com o destino na nação... Pelo contrário, o que observa-se é a maioria dos líderes ostentando riqueza enquanto o povo sofre na miséria. Isso não é evangelho, Jesus não era assim. Não adianta milagre se não houver amor, comunhão e partilha.Segundo a minha fé, no último dos dias muitos que fazem milagres e

expulsam demônios vão chegar pra Jesus e ele dirá: "não vos conheço, apartai-vos de mim”.

Sou filha de ambientalista, logo, a Expoacre - considerada a maior feira de agropecuária do estado - nunca fez parte da minha rotina. Lembro brevemente de ir, quando criança, na feira para ir aos brin-quedos infantis ou comer alguma coisas nos restaurante. Mas com o passar dos anos as idas eram cada vez mais raras, até acabarem. Até que um dia um amigo me chamou para ir à Cavalgada.

Nunca tinha participado da cavalgado, nem sabia como funcionava o esquema. Ele se prontificou a pagar tudo, disse que queria companhia e acabou me convencendo com um pretexto qualquer, curiosa por aquele evento esperado por muitos acreanos decidir ir. Claro, não falei nada para o meu pai. Só fui revelar o fato algumas semanas depois de ter ido ao evento e vi nele um traço de decepção. Nem sabe ele que foi graças a essa Cavalgada que percebi a importância da causa ambiental-ista, tão defendida por ele.

Explico: A primeira coisa que me impressionou no evento foi a grande quantidade de cavalos. Olhando de um lado para o outro via esse animal em abundancia. Em todos os instantes, na minha cabeça, só pensava que se para cada cavalo presente tivesse pelos menos cinco mil cabeças de gado, então o Acre estava mesmo invadido.

Em cima da comitiva me assustei com esse pensamento. O Acre tinha perdido a luta dos anos 70 contra os agropecuaristas. que agora são financiados pelo mesmo partido que antes combatia essa invasão. Neste dia compreendi a luta de meu pai. Seus discursos finalmente fizeram sentido e todas as criticas que ouvia ele fazer em reuniões que par-ticipava na infância, porque não havia ninguém para cuidar dacriança, começaram a retornar em minha cabeça.

O que mais me espantava era que, cada vez que dizia para alguém "nossa, quanto cavalo", ninguém parecia dar importância. Era como se isso fosse natural. Como se a criação de gado em pela floresta amazônica fosse algo que realmente deveria acontecer. E aquilo não me era correto.

Esse ano, depois de quatro anos desde essa experiência, retornei à Cavalgada. Desta vez a trabalho. E fiquei orgulhosa em saber que durante todo esse tempo não contribui com o "aquecimento da economia acreana" durante a Expoacre. Sinceramente, prefiro aquecer o sonho de um mundo em que as sementes do manejo, as pesquisas com plantas medicinais e o extrativismo tenham uma importância tão grande, ou ate maior, que a monocultura da agropecuária.

Afinal, sonhar com utopias ainda é de graça.

A gente pode começar pelo seguinte: o que é a realidade? Pra terem exemplo: tem um rio de água correndo. Tem um cara que vai lá todo dia pescar. Tem uma pessoa que vai lá todo dia pegar água. Tem uma pessoa que vai todo dia lá correr, brincar, que são as crianças. Então o rio é só um monte de água correndo mas para cada um daqueles tem um significado diferente. Pro que vai pescar é um prato de comida. Pra mulher que vai pegar água todo dia é um amigo que ajuda a passar pano, lavar louça, cozinhar a comida. Pra criança é a parte da diversão. Mas o rio é só um bocado de água correndo, só que pra cada um daqueles tem um significado diferente. Pra quem vai pescar, é um prato de comida. Pra criança que vai brincar é um parque de diversão. E mulher que vai pegar água vê o rio como amigo. Mas o rio é só um monte de água. Nós viemos todos da mesma fonte,

uma fonte pura e cristalina. Só que no nosso percurso nós vamos sendo poluídos com conceitos, preconceitos, normas, certo, errado, bem, mal, um monte de coisas. E aí a gente sai de dentro desse rio e começa a dar significado pras gotinhas que estão lá dentro. Você chama prefeito, governador, juiz, presidente, não sei o quê: não existe nada disso. Tudo isso é fruto da nossa imaginação. Essa realidade não existe, então nós temos que fazer uma limpeza ecológica dentro do nosso psicológico e tirar essas personagens imaginárias da cabeça, esses valores imaginários, psicológicos pra poder realmente fazer a transformação que nós queremos não só no Brasil como no mundo inteiro. É isso que nós precisamos: uma reflexão profunda sobre a questão da vida.O que eu estou colocando aqui é uma proposta pra você parar e

pensar e ver: que porra de manicômio é esse que a gente tá vivendo dentro? Isso aqui é um manicômio, todo mundo brigando por papel numerado. Se você não tem papel numerado, o cara diz que tu não é porra nenhuma e você passa a viver como se não fosse porra nenhuma. E na verdade não é isso véi: todos nós somos geniais. Todos nós somos geniais e temos força suficiente pra fazer o que a gente bem entender. Mas pra isso você tem que acreditar, como eu acredito. Se você acreditar como eu acredito nós vamos transformar isso. Uma tribo forte, superior e independente tem que ter nativos

fortes, superiores e independentes. É assim que nós vamos transformar o mundo. É assim que a gente vai fazer com o mundo! Então isso aqui é um movimento que só tá começando, isso aqui chama-se era das àguas. Você é um rio, você é uma àgua, mas você tem que tirar a poluição de dentro de você. Tem que jorrar como àgua viva, como pede o Cristianismo, a doutrina cristã. Jorrar como água viva! Água viva é água sem poluição. Você despoliu o seu rio, eu despoluo o meu, e a gente faz disso aqui um ribanceiro de água. E a gente vai fazer um novo dilúvio na terra. É isso que a gente vai provocar: uma grande transformação. Era de aquários. É isso! Era das águas. Paz e amor ainda, a gente continua acreditando que existe paz e amor, porquê paz e amor nunca morreu. Aí chega um maluco lá e diz que paz e amor acabou, que o sonho acabou, o sonho de quem companheiro? A gente sempre quis paz e amor e continua querendo. É isso que a gente quer e é por isso que nós vamos lutar.

CLENILSON CAPÚ BATISTAPrimeira ocupação do cacimbão da capoeira. 11.08.2013

A missão de Cristo na Terra foi bem clara: trazer o Reino de Deus aos homens. Um Reino de equidade, justiça, amor e liberdade. Entretanto, passados alguns milênios de sua morte e ressurreição, alguns pontos essenciais de seu ensino foram relegados a segundo plano por alguns seguidores do Nazareno. Um grande exemplo é a nossa pátria amada: um dos maiores países cristãos do mundo é ao mesmo tempo um dos líderes na corrupção, desigualdade e concentração de renda. Contradições gritantes entre os ensinamentos bíblicos e a prática cotidiana do século XXI tem se tornado coisas normais, banais. Iniciei minha caminhada religiosa na Assembléia de Deus em 1999, com 12 anos e recebi muitas orientações: Ore,jejue, leia a bíblia e evangelize. Orei, jejuei e li a bíblia. Lendo a bíblia começou a nascer em mim um sentimento de indignação com tudo via acontecer em meu país, sendo que o Messias tinha vindo para trazer Esperança e Luz para os que viviam nas trevas. Nas trevas da fome, da doença, do descaso, do frio e da opressão dos poderosos. Então comecei a seguir a última e mais intensa orientação: evangelizar, que no sentido original da palavra significa "levar boas notícias.' Qual a boa notícia para alguém que não tem emprego? Para quem tem fome e o filho doente? Para quem não tem condições mínimas de dignidade? Essas perguntas se tornaram cada vez mais frequentes em minha cabeça. Sempre que via um barraco despencando do morro com crianças famintas ou um ser humano embaixo da ponte sujo e largado, aumentava a intensidade dos questionamentos. Um cristianismo que se acomoda com a miséria pode ser tudo, menos cristianismo.

Após 7 anos de experiência nas ruas, passei a entender o cristianismo e as religiões no geral, como ferramentas importantíssimas para a transformação da sociedade e consequentemente, cumprir a oração do Pai Nosso: "Que venha a nós o teu Reino." Não se trata de politizar a teologia. Se trata de cumprir o que Jesus afirmou ser um novo mandamento: "Amar os outros assim como ele nos amou." Ou seja: Mais do que a nós mesmos. Essa missão foi dada a todos que dizem crer nEle: Transformar este mundo, com a arma que Ele nos deu: o Amor. Não podemos descansar enquanto crianças passarem fome ou dormirem na rua, sem escola e lar. Enquanto poucos se enriquecem e muitos morrem na miséria.A Igreja se preocupou muito em ganhar almas, mas esqueceu-se das

pessoas. Alma não come, não paga aluguel, não precisa pagar gás, água e luz. A oração do Pai Nosso é: "Venha nós o teu Reino e seja feita a tua vontade assim na Terra como no céu." O Reino de Deus começa na Terra, aqui e agora. E a vontade dEle no céu é feita de maneira justa e soberana, portanto essa vontade precisa ser feita na Terra e nós somos os agentes responsáveis por isso, Ele já fez a parte que lhe cabia quando enviou Jesus e derramou o Espírito Santo. Milagres são maravilhosos e devem acontecer cada vez mais, mas a maior marca da igreja primitiva era o amor e a comunhão, o desapego ao dinheiro. Hoje nós vemos shows da fé e espetáculos santos mas não vemos a igreja amando o necessitado, se preocupando com o destino na nação... Pelo contrário, o que observa-se é a maioria dos líderes ostentando riqueza enquanto o povo sofre na miséria. Isso não é evangelho, Jesus não era assim. Não adianta milagre se não houver amor, comunhão e partilha.Segundo a minha fé, no último dos dias muitos que fazem milagres e

expulsam demônios vão chegar pra Jesus e ele dirá: "não vos conheço, apartai-vos de mim”.

GUSTAVO DE BIASE

Sou filha de ambientalista, logo, a Expoacre - considerada a maior feira de agropecuária do estado - nunca fez parte da minha rotina. Lembro brevemente de ir, quando criança, na feira para ir aos brin-quedos infantis ou comer alguma coisas nos restaurante. Mas com o passar dos anos as idas eram cada vez mais raras, até acabarem. Até que um dia um amigo me chamou para ir à Cavalgada.

Nunca tinha participado da cavalgado, nem sabia como funcionava o esquema. Ele se prontificou a pagar tudo, disse que queria companhia e acabou me convencendo com um pretexto qualquer, curiosa por aquele evento esperado por muitos acreanos decidir ir. Claro, não falei nada para o meu pai. Só fui revelar o fato algumas semanas depois de ter ido ao evento e vi nele um traço de decepção. Nem sabe ele que foi graças a essa Cavalgada que percebi a importância da causa ambiental-ista, tão defendida por ele.

Explico: A primeira coisa que me impressionou no evento foi a grande quantidade de cavalos. Olhando de um lado para o outro via esse animal em abundancia. Em todos os instantes, na minha cabeça, só pensava que se para cada cavalo presente tivesse pelos menos cinco mil cabeças de gado, então o Acre estava mesmo invadido.

Em cima da comitiva me assustei com esse pensamento. O Acre tinha perdido a luta dos anos 70 contra os agropecuaristas. que agora são financiados pelo mesmo partido que antes combatia essa invasão. Neste dia compreendi a luta de meu pai. Seus discursos finalmente fizeram sentido e todas as criticas que ouvia ele fazer em reuniões que par-ticipava na infância, porque não havia ninguém para cuidar dacriança, começaram a retornar em minha cabeça.

O que mais me espantava era que, cada vez que dizia para alguém "nossa, quanto cavalo", ninguém parecia dar importância. Era como se isso fosse natural. Como se a criação de gado em pela floresta amazônica fosse algo que realmente deveria acontecer. E aquilo não me era correto.

Esse ano, depois de quatro anos desde essa experiência, retornei à Cavalgada. Desta vez a trabalho. E fiquei orgulhosa em saber que durante todo esse tempo não contribui com o "aquecimento da economia acreana" durante a Expoacre. Sinceramente, prefiro aquecer o sonho de um mundo em que as sementes do manejo, as pesquisas com plantas medicinais e o extrativismo tenham uma importância tão grande, ou ate maior, que a monocultura da agropecuária.

Afinal, sonhar com utopias ainda é de graça.

até quando?

ROGERIO VASCONCELOS, gesso sobre acre, 29,7 x 21cm, 2013

CRÉDITOS

Veriana RibeiroAprendiz de jornalista, cometeu o erro de gostar de cultura e esta fadada desde entäo. Ao descobrir que não sabia desenhar aprendeu a tirar fotos.

Teddy FalcãoTem montado cineclubes, mostras, semeado arte e coletividade pela cidade toda. É programador, cineasta e ainda pensa em pilotar avião.

Iara VicenteDesde criança brinca de fazer revolução. Acreana do pé rachado vem de tempos em tempos beber do rio acre pra renovar os sonhos e as utopias.

Kairlly MourãoVai ser médica em algum momento da vida, de gente ou de bichos. É acreana do pé rachado e não vê sentido num desenvolvimento para o Acre que não tenha como protagonista a nossa mata e a nossa gente.

Toinho AlvesIntelectual acreano que largou a poesia para virar marceneiro e fazer casa. Especialista em criar partidos e filhos, adora bagunçar as cabeças alheias com seus discursos e reflexões.

Diogo SoaresDiogo é o vocalista da banda Los Porongas. Não quis ficar aqui enquanto uns dormem: largou o conforto e foi sonhar em São Paulo com os seus melhores amigos.

Clenilson Batista Pioneiro do rock acreano, Clenilson fundou a primeira banda acreana de rock autoral, o grupo Capú. 30 anos de estrada no seringal astral e nunca aprendeu a obedecer.

Gustavo de BiaseGustavo é capixaba e começou a se envolver com multidões dentro da igreja, como líder jovem evangélico. Descobriu a teologia da libertação e se meteu nas lutas por moradia, transporte público digno, contra empresas polidoras. Foi candidato a prefeito pelo PSOL e é militante da Rede Sustentabilidade.

Rogerio Vasconcelos Abandonou o Acre pra desenhar e “designar” por Pelotas. Agora acha trilegal usar maninho enquanto ouve música hipster e regional e vai juntando trabalhos pelo caminho.

zine produzido em agosto de 2013 (e lançado dia 16)usa as fontes axehandel e courier new

quem sabe um sangue novo

hoje escorra por aqui