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__________________________________________________________________________________________ 1 O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO E EXPLORAÇÃO DE OPORTUNIDADE EMPREENDEDORA COM BASE NO MODELO DE APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL 4I Adson da Rocha Pita Albuquerque 1 Rivanda Meira Teixeira 2 Resumo: A oportunidade empreendedora é tema central no campo do empreendedorismo e se refere a descoberta, identificação e exploração de oportunidades de negócios. O objetivo desse estudo é verificar como ocorre o processo de identificação e exploração de oportunidade empreendedora, numa empresa de pequeno porte, segundo o Modelo de Aprendizagem Organizacional 4i de Crossan, Lane e White. Neste estudo qualitativo utilizou-se a estratégia de estudo de caso único. Utilizou-se como técnicas de coleta de dados a entrevista semiestruturada e a observação assistemática. As evidências mostram como os empreendedores passaram pelas quatro fases: a fase de intuição se inicia com a idealização do negócio; na fase de interpretação, a aprendizagem ocorre na rede informal, especificamente na família; na fase de integração, a rede formal tem papel preponderante e por fim, a fase de institucionalização ocorre mediante a incorporação de um conhecimento mais formal, com rotinas e planos mais estruturados. Palavras-chave: Aprendizagem Organizacional. Empreendedorismo. Oportunidade Empreendedora. Modelo de Aprendizagem Organizacional 4i. 1 Introdução O empreendedorismo é um campo de estudos amplo e dinâmico e refere-se ao estudo sobre a criação de organizações (LOW; McMILLAN, 1988; GARTNER, 1988). Pode ser definido ainda como aquele que estuda os empreendedores, examina suas atividades, características, efeitos econômicos e sociais e os métodos de apoio usados para facilitar a expressão da atividade empreendedora (FILION, 1997). Segundo Shane e Venkataraman (2000) o empreendedorismo envolve o estudo das fontes de oportunidades, os processos de descoberta, de avaliação e de exploração das oportunidades; e o conjunto dos indivíduos que descobrem, avaliam e exploram as oportunidades. Para Short et al (2010) o tema ‘oportunidade(s) empreendedora(s)’ é um dos mais importantes dentro do campo do empreendedorismo. O estudo de oportunidades empreendedoras é relevante, pois representa um dos fatores de sobrevivência das empresas (FABRÍCIO; MACHADO, 2010). Ainda Segundo Machado (2013) o estudo sobre oportunidades leva a uma melhor compreensão sobre a criação e desenvolvimento de um empreendimento. Para Gartner (1988) só existe empreendedorismo se primeiramente houver oportunidades empreendedoras. Para este estudo foi utilizado o Modelo de Aprendizagem Organizacional 4i de Crossan, Lane e White (1999) e adaptado por Dutta e Crossan (2005). Segundo esse modelo, 1 Mestrando em Administração. PROPADM-UFS. Email: [email protected] 2 Doutora em Administração pela Cranfield University na Inglaterra (1996). Pós Doutorado em Gestão em Turismo na Bournemouth University, Inglaterra e Strathclyde University, Escócia (2001). Pós Doutorado em Empreendedorismo na HEC Canadá (2007). Professora do Mestrado em Administração da UFS (PROPADM). Email: [email protected]

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O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO E EXPLORAÇÃO DE OPORTUNIDADE EMPREENDEDORA COM BASE NO MODELO DE APRENDIZAGEM

ORGANIZACIONAL 4I Adson da Rocha Pita Albuquerque1

Rivanda Meira Teixeira2

Resumo: A oportunidade empreendedora é tema central no campo do empreendedorismo e se refere a descoberta, identificação e exploração de oportunidades de negócios. O objetivo desse estudo é verificar como ocorre o processo de identificação e exploração de oportunidade empreendedora, numa empresa de pequeno porte, segundo o Modelo de Aprendizagem Organizacional 4i de Crossan, Lane e White. Neste estudo qualitativo utilizou-se a estratégia de estudo de caso único. Utilizou-se como técnicas de coleta de dados a entrevista semiestruturada e a observação assistemática. As evidências mostram como os empreendedores passaram pelas quatro fases: a fase de intuição se inicia com a idealização do negócio; na fase de interpretação, a aprendizagem ocorre na rede informal, especificamente na família; na fase de integração, a rede formal tem papel preponderante e por fim, a fase de institucionalização ocorre mediante a incorporação de um conhecimento mais formal, com rotinas e planos mais estruturados. Palavras-chave: Aprendizagem Organizacional. Empreendedorismo. Oportunidade Empreendedora. Modelo de Aprendizagem Organizacional 4i. 1 Introdução

O empreendedorismo é um campo de estudos amplo e dinâmico e refere-se ao estudo sobre a criação de organizações (LOW; McMILLAN, 1988; GARTNER, 1988). Pode ser definido ainda como aquele que estuda os empreendedores, examina suas atividades, características, efeitos econômicos e sociais e os métodos de apoio usados para facilitar a expressão da atividade empreendedora (FILION, 1997). Segundo Shane e Venkataraman (2000) o empreendedorismo envolve o estudo das fontes de oportunidades, os processos de descoberta, de avaliação e de exploração das oportunidades; e o conjunto dos indivíduos que descobrem, avaliam e exploram as oportunidades.

Para Short et al (2010) o tema ‘oportunidade(s) empreendedora(s)’ é um dos mais importantes dentro do campo do empreendedorismo. O estudo de oportunidades empreendedoras é relevante, pois representa um dos fatores de sobrevivência das empresas (FABRÍCIO; MACHADO, 2010). Ainda Segundo Machado (2013) o estudo sobre oportunidades leva a uma melhor compreensão sobre a criação e desenvolvimento de um empreendimento. Para Gartner (1988) só existe empreendedorismo se primeiramente houver oportunidades empreendedoras.

Para este estudo foi utilizado o Modelo de Aprendizagem Organizacional 4i de Crossan, Lane e White (1999) e adaptado por Dutta e Crossan (2005). Segundo esse modelo,

1 Mestrando em Administração. PROPADM-UFS. Email: [email protected] 2 Doutora em Administração pela Cranfield University na Inglaterra (1996). Pós Doutorado em Gestão em Turismo na Bournemouth University, Inglaterra e Strathclyde University, Escócia (2001). Pós Doutorado em Empreendedorismo na HEC Canadá (2007). Professora do Mestrado em Administração da UFS (PROPADM). Email: [email protected]

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as oportunidades empreendedoras seguem quatro fases: intuição, interpretação, integração e institucionalização, e desenvolvem-se em três níveis: individual, de grupo e organizacional. O

objetivo principal é verificar como ocorre o processo de identificação e exploração de oportunidade empreendedora, numa empresa de pequeno porte, segundo o Modelo de Aprendizagem Organizacional 4i de Crossan, Lane e White. Especificamente visa: 1) identificar o papel da intuição na identificação e exploração de oportunidade empreendedora; 2) verificar como ocorre a etapa de interpretação no processo de identificação e exploração de oportunidade empreendedora; 3) identificar o desenvolvimento da etapa de integração no processo de identificação e exploração de oportunidade empreendedora e 4) verificar como ocorre a institucionalização no processo de identificação e exploração de oportunidade empreendedora.

Tal estudo se mostra relevante ao campo do empreendedorismo visto que, muitas empresas estão descobrindo que a aprendizagem organizacional pode ajudar na melhoria de desempenho e promover crescimento (LUMPKIN; LICHTENSTEIN, 2005).

Embora a “aprendizagem organizacional” seja um tema bastante explorado nos estudos organizacionais, este estudo enfoca-o a partir de um modelo inovador e ainda pouco abordado, que é o modelo “4I” e a sua relação com as oportunidades empreendedoras. Este modelo amplia o campo de pesquisas indo além do estudo das características das empresas e de indivíduos, buscando compreender o contexto em que as decisões empresariais são tomadas, criando assim uma ponte entre a aprendizagem e as oportunidades (DUTTA; CROSSAN, 2005). Poucos são os estudos que relacionam a aprendizagem organizacional às oportunidades empreendedoras, surgindo assim um gap o qual este estudo procura sanar ainda que de forma inicial.

Este estudo está estruturado em quatro partes, além desta introdução. Na segunda parte está a fundamentação teórica, enfocando especialmente os conceitos, definições, características e abordagens sobre oportunidade empreendedora, bem como a apresentação do modelo teórico adotado. Na terceira parte apresentam-se os aspectos metodológicos adotados e a tipologia da pesquisa. Na quarta parte é destacada a descrição do caso. Por fim a conclusão com as considerações finais.

2 Oportunidade Empreendedora

O empreendedorismo é um processo que começa com o reconhecimento de uma oportunidade empresarial e é seguido pelo desenvolvimento de uma ideia de como exercer essa oportunidade, a avaliação da viabilidade da oportunidade, o desenvolvimento do produto ou do serviço que será fornecido aos clientes, montagem de recursos humanos e financeiros, desenho organizacional, bem como a busca de clientes (SHANE; LOCKE; COLLINS, 2003).

As oportunidades empreendedoras se manifestam de diversas maneiras, tipos e abordagens. Para Smith, Matthews e Schenkel (2009) as oportunidades podem ser de dois tipos: oportunidade codificada e oportunidade tácita. A oportunidade codificada é quando ela pode ser claramente percebida e transmitida formalmente através de códigos, está bem documentada e é mais fácil de comunicar. A oportunidade tácita é aquela oportunidade que não está tão clara, é difícil de codificar e comunicar.

Segundo Dutta e Crossan (2005) o estudo sobre oportunidade empreendedora é um fenômeno pouco compreendido. Para Fabrício e Machado (2010) o tema ainda é pouco

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explorado. Em pesquisa realizada na base SPELL (Scientific Periodicals Electronic Library), foram identificados apenas dez estudos, nos últimos dez anos, que tratam do assunto.

A oportunidade pode ser resultante de uma descoberta acidental ou como um processo desenvolvido ao longo do tempo ou ainda como uma construção pelo sujeito (MACHADO, 2013). A identificação de oportunidade pode surgir de uma busca deliberada, de um legado ou de maneira totalmente casual e não deliberada (SHEPHERD; DETIENNE, 2005).

Duas correntes de pensamento emergem acerca do tema da oportunidade empreendedora (VAGHELY; JULIEN, 2010). De um lado a corrente que afirma que as oportunidades existem e estão à espera de serem descobertas (ALVAREZ; BARNEY, 2007). No outro lado a corrente que defende que as oportunidades são criadas (VAGHELY; JULIEN, 2010).

A ‘abordagem da descoberta’ trata as oportunidades como sendo objetos identificáveis e que estão lá fora para serem examinadas, mas apenas para aqueles que têm a capacidade de descobri-las e explorá-las (AUDRETSCH; ACS, 2003). Tais oportunidades são objetivas e podem ser observadas, ou encontradas. Nesta abordagem os indivíduos fazem uma varredura do ambiente para descobrir as oportunidades competitivas (EDELMAN; RENKO, 2010). Segundo a abordagem da descoberta, a natureza das oportunidades está associada às imperfeições do mercado (ALVAREZ; BARNEY, 2007; AUDRETSCH; ACS, 2003).

Os indivíduos que estão em busca de oportunidades, são aqueles que estão em ‘estado de alerta’. O estado de alerta nada mais é do que um estado de atenção do indivíduo em relação ao seu ambiente (VALLIERE, 2013). Estado de alerta é a capacidade que o indivíduo tem para identificar oportunidades que são negligenciados por outros (TANG; KACMAR; BUSENITZ, 2012). No estado de alerta existem três elementos essenciais: 1) procura e busca de informação; 2) conexão de informações e 3) avaliações sobre oportunidades rentáveis (TANG; KACMAR; BUSENITZ, 2012). Segundo Faia, Rosa e Machado (2014, p. 199) “O alerta empreendedor tem sido central no recente desenvolvimento da área do empreendedorismo”.

A ‘abordagem da criação’ se baseia na visão construcionista segundo a qual os empreendedores processam informações de uma forma interpretativista e constroem sua realidade a partir dessas informações (VAGHELY; JULIEN, 2010). Segundo esta abordagem, as oportunidades não podem ser reconhecidas ou descobertas, pois elas não pré existem, mas se manifestam para aqueles que buscam criar empreendimentos (SARASON; DEAN; DILLARD, 2006).

O modelo Causation e Effectuation de Sarasvathy (2001) aborda a criação de oportunidade. No processo causation, o empreendedor tem um objetivo e procura os meios para alcançá-lo. Assim, nesta abordagem, a oportunidade emerge a partir de uma avaliação analítica das informações disponíveis. No processo effectuation o objetivo não está claro, mas ele possui uma série de meios dados (o que o indivíduo possui ou está disponível) e com estes meios procurar selecionar os possíveis efeitos que podem ser criados. Para o processo effectuation as oportunidades não existem a priori, portanto, não podem ser reconhecidas ou descobertas.

Em ambos os processos, a habilidade cognitiva do empreendedor tem papel importante. No processo causation a “cognição influencia a determinação prévia de objetivos e modos de ação, enquanto, no effectuation, influencia no ‘desenho de artefatos’ em conjunto com outros atores” (AUGIER; SARASVATHY, 2004, p. 172 apud FAIA; ROSA; MACHADO, 2014).

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2.1 Oportunidade e cognição

Tanto a abordagem da descoberta, quanto a da criação de oportunidade prescindem da cognição (EDELMAN; RENKO, 2010; VAGHELY; JULIEN, 2010). A identificação de oportunidade se dá através de processos cognitivos (BARON, 2006).

Neste estudo cognição pode ser entendida como “as estruturas de conhecimento que as pessoas usam para fazer avaliações, julgamentos, ou decisões envolvendo a avaliação de oportunidades, criação e crescimento de empresa” (MITCHELL et al, 2002, p. 97). Assim, é possível destacar os seguintes fatores relacionados à cognição e sua influência sobre as oportunidades: as informações e conhecimentos (RERUP, 2005; SMITH; MATTHEWS; SCHENKEL, 2009), experiência (UCBASARAN; WESTHEAD; WRIGHT, 2009), inteligência (BARON, 2006), criatividade (DIMOV, 2007a) e aprendizado (RAE, 2005).

O uso da informação é amplamente discutido no estudo de Rerup (2005). Em seu estudo afirma que as diferenças de informações e experiências fazem com que as pessoas enxerguem diferentes tipos de oportunidades e que o uso de informações e experiências individuais determina quem se tornará um empreendedor ou não. Para Shane e Venkataraman (2000), as oportunidades empreendedoras dependem das assimetrias de informação. Assimetria de informação diz respeito à forma desigual como a informação é distribuída entre os indivíduos (ECKHARDT; SHANE, 2003). Shane (2000) afirma ainda que cada pessoa possui estoques de informações individuais e isso é o que determina por que algumas pessoas descobrem oportunidades empreendedoras e outras não.

O conhecimento, por sua vez, pode ser definido como informação combinada com experiência, contexto, interpretação e reflexão (VAGHELY; JULIEN, 2010). Smith; Matthews e Schenkel, (2009) fazem uma distinção entre informação e conhecimento: a informação é um atributo da oportunidade, enquanto o conhecimento é um atributo do indivíduo.

Os empreendedores altamente experientes buscam por oportunidades em áreas específicas nas quais eles já possuem um conhecimento considerável. Os processos cognitivos, principalmente a inteligência e a criatividade são importantes para a identificação de oportunidades (BARON, 2006). Para Dimov (2007b), a identificação de oportunidades envolve o uso de processos criativos para perceber novas ideias e colocá-las em prática. Para Baron e Shane (2007) a criatividade é um dos processos-chave do empreendedorismo. O conhecimento, na forma de experiência, tem sido investigado como um fator primordial para a capacidade de identificar oportunidades (CORBETT, 2005).

Entre as estruturas de conhecimento se insere o conceito de aprendizagem empreendedora. Aprendizagem empreendedora significa aprender a reconhecer e agir em oportunidades, interagir socialmente para iniciar, organizar e gerir empreendimentos (RAE, 2005). Para Kolb (1984) a aprendizagem se baseia na relação entre novas informações e experiência anterior para a criação de novos conhecimentos. Em seu estudo, Corbett (2007) trata das assimetrias (diferenças) de aprendizagem e como elas afetam a descoberta de oportunidades. Por causa dessas assimetrias nem todos os indivíduos são igualmente propensos a reconhecer uma oportunidade (SHANE; VENKATARAMAN, 2000).

Kolb (1984) desenvolveu a teoria de aprendizagem experiencial segundo a qual a aprendizagem se baseia na experiência para a criação de novos conhecimentos. Segundo ele, a aprendizagem experiencial consiste dos seguintes elementos: 1) o conhecimento existente; 2) o processo através do qual os indivíduos adquirem novas informações e experiências, e 3) a

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maneira pela qual, indivíduos transformam novas informações e experiências em novos conhecimentos.

O estudo de Ucbasaran, Westhead e Wright (2009) não apenas mostra a importância da experiência no contexto de reconhecimento e exploração de oportunidade, mas vai além ao explicar como uma pessoa que não possui experiência anterior pode compensar esta deficiência. Os autores afirmam que o empreendedor inicial deve investir no desenvolvimento de suas habilidades empreendedoras por meio da educação e formação.

2.2 Oportunidade Empreendedora e o Modelo de Aprendizagem Organizacional 4i

O conceito de aprendizagem organizacional é aplicado a diferentes campos de estudo (CROSSAN; LANE; WHITE, 1999).

No estudo de Lumpkin e Lichtenstein (2005) em que tratam sobre a aprendizagem organizacional e o processo de reconhecimento de oportunidade destacam três abordagens distintas sobre a aprendizagem organizacional: 1) aprendizagem comportamental: abordagem segundo a qual a organização responde às experiências repetindo comportamentos bem-sucedidos e evitando os que não foram; 2) aprendizagem cognitiva: afirma que o processo de criação do conhecimento pode gerar competências organizacionais únicas e potenciais fontes de vantagem competitiva; 3) aprendizagem de ação: se preocupa com as crenças e a qualidade das interações entre os membros da organização que podem facilitar ou limitar as capacidades da empresa.

Para Dutta e Crossan (2005) o campo do empreendedorismo requer um alargamento de seu campo de pesquisa e os estudos anteriores sobre oportunidade empreendedora tem tido um foco limitado. Assim, eles desenvolveram seu estudo buscando “compreender o processo que envolve oportunidades empreendedoras adotando uma perspectiva de aprendizagem organizacional” (DUTTA; CROSSAN, 2005, p. 427). Os autores desenvolveram o modelo 4i (figura 1) segundo o qual as oportunidades empreendedoras se desenrolam num processo de aprendizagem. O modelo integra as duas visões sobre oportunidade: visão cognitivista (descoberta) e a interpretativista (criação). Figura 1: Aprendizagem organizacional como um processo dinâmico

Fonte: Crossan, Lane e White (1999)

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O modelo 4i envolve os processos de intuição, interpretação, integração e institucionalização e ocorrem ao longo de três níveis: individual, grupo e organizacional. Com a utilização do modelo 4i como uma lente teórica, é possível reconhecer a natureza dinâmica das oportunidades que se desenrolam e como os empreendedores se envolvem com elas (DUTTA; CROSSAN, 2005). 2.2.1 Intuição

A intuição encontra-se no nível individual do processo. Segundo Dutta e Crossan (2005) ela é a semente de qualquer ação empreendedora. Esta etapa do processo tem a ver com a reflexão pré-consciente de um indivíduo sobre uma ideia de negócio em potencial, é em grande parte subconsciente e envolve reconhecimento de padrões. A intuição pode assumir duas formas: a intuição do especialista e a intuição empreendedora (DUTTA; CROSSAN, 2005). A intuição do especialista se apoia em reconhecimento de padrões e enfatiza a base de conhecimento que o indivíduo possui – está relacionada à abordagem da descoberta. A intuição empreendedora por sua vez confia menos na base de conhecimento do indivíduo, mas sim, em sua capacidade criativa para reconhecer as lacunas e identificar possibilidades – relaciona-se com a abordagem da construção (DUTTA; CROSSAN, 2005). Nesta etapa são usadas metáforas como forma de linguagem para que o empreendedor possa descrever para si mesmo ou para outros a sua ideia. Posteriormente uma linguagem literal é usada para nomear a metáfora. 2.2.2 Interpretação

A etapa de interpretação ocorre entre o nível individual e de grupo. A Interpretação é uma atividade social que acontece na interação do indivíduo com outros atores (CROSSAN; LANE; WHITE, 1999). Nesta etapa o empreendedor compartilha sua ideia com membros de sua rede. Ele usa uma linguagem comum e através de diálogos procura melhorar o grau de interpretação da ideia original. Ou seja, a ideia deixa de ser uma metáfora e começa a ganhar contornos mais nítidos. Ao partilhar a ideia o indivíduo permite que a mesma ganhe forma e todos interajam em torno do que é possível. A ideia, nesta fase, é incorporada ao grupo. 2.2.3 Integração

O foco desta etapa é a ação coletiva consciente. Neste momento a ideia que até então estava na mente ou no papel começa a se tornar realidade. A etapa de integração está no nível de grupo. As etapas de interpretação e integração são passos que ocorrem entre a geração da ideia e a criação bem sucedida da empresa. Segundo Dutta e Crossan (2005) as ideias empreendedoras que passaram pelas etapas de interpretação e integração tem mais chance de sucesso, pois o empreendedor estaria aprendendo com as experiências de sua rede. Nesta etapa há um envolvimento mais intenso da rede do empreendedor na tentativa de decretar o que é possível, ou seja, tornar a ideia em algo real e prático. 2.2.4 Institucionalização

A última etapa acontece em nível organizacional. Nesta etapa, o conhecimento institucionalizado é incorporado à organização, os relacionamentos se tornam formalizados, surgem planos e outros sistemas formais e padronizados. Na etapa de institucionalização incluem-se as rotinas e processos internos mais bem definidos, assim como os planos e estratégias de expansão (DUTTA; CROSSAN, 2005).

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3 Metodologia

Este estudo possui uma abordagem qualitativa e, quanto ao propósito, pode ser classificado como exploratório e descritivo. A pesquisa qualitativa “não se preocupa com a representação numérica, mas sim com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, etc.” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 31). A preocupação desta pesquisa foi, portanto, descrever o processo de identificação e exploração de oportunidade segundo o modelo teórico 4i. Assim este estudo se insere no que diz Godoy (1995, p. 63), “os pesquisadores qualitativos estão preocupados com o processo e não simplesmente com os resultados ou produto”. Neuman (2010) afirma que a pesquisa descritiva é aquela que tem como objetivo descrever um fenômeno social e a pesquisa exploratória adota uma postura investigativa explorando várias fontes de informação.

A estratégia de pesquisa utilizada foi o estudo de caso único. O estudo de caso é uma estratégia de pesquisa que tem como foco “compreender as dinâmicas presentes dentro de configurações individuais” (EISENHARDT, 1989, p. 534). O estudo de caso único é utilizado quando ele representa um caso crítico, típico, extremo ou possui características únicas (SAUNDERS; LEWIS; THORNHILL, 2009). Por sua vez, Yin (2001), afirma que o estudo de caso único se justifica quando se deseja confirmar, contestar ou estender a teoria. Em função desses critérios, a escolha do caso deste estudo se deu por intencionalidade. Segundo Saunders; Lewis e Thornhill (2009) a escolha por intencionalidade permite que o pesquisador use o seu próprio julgamento para selecionar os casos que melhor lhe permitem responder a sua questão de pesquisa e atendam seus objetivos. A empresa escolhida possuía algumas características que foram julgadas como adequadas ao estudo, tais como: ser um negócio inovador, de pequeno porte e com perspectiva de expansão.

Utilizou-se a entrevista semiestruturada em grupo como técnica de coleta de evidências. Para Gerhardt e Silveira, (2009, p. 72) a “entrevista constitui uma técnica para se coletar dados não documentados sobre um tema específico”. Na entrevista semiestruturada as questões são mais espontâneas, segue-se uma sequencia mais livre, as perguntas são abertas e respondidas como em uma conversação informal (MARCONI; LAKATOS, 2003; TOZONI-REIS, 2009).

Neste estudo os dois sócios empreendedores foram entrevistados simultaneamente. Este método permitiu maior aprofundamento de algumas questões, pois um entrevistado complementava a resposta do outro, relembrando, clareando e reforçando pontos específicos na entrevista. As entrevistas foram gravadas, posteriormente transcritas e seu conteúdo foi analisado e as respostas agrupadas em categorias de análise.

Este estudo utilizou ainda a observação assistemática como outra técnica de coleta de dados. Segundo Marconi e Lakatos (2003) a observação é uma técnica usada para se conseguir informações e se vale dos sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade e não se limita apenas em ver e ouvir, mas também no exame de fatos ou fenômenos que se desejam estudar. A técnica da observação assistemática ou não estruturada pode ser chamada ainda de “espontânea, informal, ordinária, simples, livre, ocasional e acidental, consiste em recolher e registrar os fatos da realidade sem que o pesquisador utilize meios técnicos especiais ou precise fazer perguntas diretas” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 192). A técnica de observação foi usada como complemento à entrevista e foi feita partindo-se das respostas dadas na entrevista, ou seja, as informações prestadas eram conferidas in loco,

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observando-se entre outros aspectos: atendimento ao cliente, relações humanas, rotinas de trabalho, estrutura e organização do ambiente.

Crossan, Lane e White (1999) apresentaram um quadro em que desenvolvem mais especificamente o “Modelo de Aprendizagem Organizacional 4i”, composto de três dimensões (individual, grupo e organizacional), quatro categorias (intuição, interpretação, integração e institucionalização) e quatro elementos de análise (idealização, rede informal, rede formal e consolidação). O quadro 1 abaixo foi adaptado do modelo original dos autores acima citados.

Quadro 1: processo de aprendizagem organizacional 4i e oportunidade empreendedora

DIMENSÕES CATEGORIAS ELEMENTOS DE ANÁLISE INDIVIDUAL INTUIÇÃO Idealização do Negócio

GRUPO INTERPRETAÇÃO Rede Informal INTEGRAÇÃO Rede Formal

ORGANIZACIONAL INSTITUCIONALIZAÇÃO Consolidação da ideia Fonte: Adaptado de Crossan, Lane e White (1999)

Segundo Tozoni-Reis (2009), a organização dos dados em categorias e elementos de

análise permite facilidade na etapa de análise dos dados. Para uma melhor compreensão e definição dos elementos de análise que integram o quadro 1, foram pesquisados outros autores na literatura relacionados a cada elemento de análise e, a partir destes elementos, foram elaboradas as questões da entrevista, conforme apresentados no quadro 2. Como a entrevista foi semiestruturada, partiu-se de perguntas elaboradas a priori, mas outras questões consideradas relevantes para um melhor entendimento do assunto foram formuladas no decorrer da entrevista.

Quadro 2: definições dos elementos de análise e tópicos do roteiro de entrevista ELEMENTOS DE DEFINIÇÕES TÓPICOS DO ROTEIRO DE

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ANÁLISE ENTREVISTA Idealização do negócio (Knight, 1921 apud LEYDEN; LINKA; SIEGEL, 2014; SÁNCHEZ; CARBALLO; GUTIÉRREZ, 2011; VAGHEL; JULIEN, 2010)

Surgimento da ideia, experiência e análise de mercado.

Como surgiu a ideia do negócio (quem, quando, onde)? Foi feita alguma pesquisa ou observação do mercado? Havia experiência anterior?

Rede informal (BIRLEY, 1985; BORGES, 2011)

Família e amigos envolvidos que dão apoio e ajudam a desenvolver a ideia.

A ideia foi compartilhada inicialmente com quem? Quem foram as pessoas envolvidas antes de o negócio ser aberto? Quem aportou recursos (materiais e financeiros)?

Rede formal (BIRLEY, 1985; VASCONCELOS et al, 2007)

Organizações e instituições que auxiliaram o empreendedor no desenvolvimento da ideia; clientes, funcionários, fornecedores e concorrentes envolvidos com o negócio.

Quem foram os órgãos e demais pessoas envolvidas? Relacionamento com clientes? Recursos humanos? Relacionamento com a Concorrência?

Consolidação da ideia (SHANE; LOCKE; COLLINS, 2003; CROSSAN; LANE; WHITE,1999)

Gestão, estrutura organizacional, rotinas, processos e estratégias que contribuem para consolidar a ideia de negócio.

Como está estruturada a gestão? Quais as rotinas e processos estão estruturados? Estratégia de expansão?

Fonte: Elaborado pelos autores com base na literatura 4 Descrição do caso

O caso será descrito da seguinte forma: inicialmente serão apresentadas algumas características da empresa e dos dois empreendedores (sócios) e, em seguida, serão apresentadas as fases de: intuição, que se refere ao processo de idealização do negócio; interpretação, que trata dos laços informais envolvidos; integração, apresentando os laços formais envolvidos; e institucionalização, que mostra a consolidação da ideia. 4.1 Identificação da empresa e dos empreendedores

O Macarrones, é um restaurante especializado em macarrão, e até a data de sua abertura em 11 de agosto de 2011, era a única empresa especializada nesse tipo de produto na cidade e de origem genuinamente sergipana. Está situada no bairro Sol Nascente, cidade de Aracaju-SE. Possui 13 funcionários fixos e 11 rotativos.

A empresa foi inaugurada, inicialmente, com três sócios e atualmente está nas mãos de dois sócios - marido e mulher - que serão identificados neste estudo respectivamente como ‘empreendedor’ (E1) e ‘empreendedora’ (E2). O empreendedor (E1), 38 anos, natural de São Paulo-SP e a empreendedora (E2) tem 34 anos e é natural de Salvador-BA.

A seguir são destacadas as etapas do processo de Aprendizagem Organizacional 4i, conforme os dados levantados. 4.2 Intuição (Idealização do negócio)

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Nesta etapa buscou-se identificar a motivação empreendedora, como surgiu a ideia do empreendimento, mais especificamente quem teve a ideia e como foi influenciada pela experiência anterior e se houve uma busca deliberada para identificar a oportunidade.

Os entrevistados afirmaram que antes de abrir esse negócio especificamente, já tinham o desejo de empreender. A empreendedora, por exemplo, afirmou que a vontade era abrir um negócio no ramo de calçados, bolsas ou floricultura.

Quanto à motivação, o principal fator foi o desejo de liberdade, a independência de fazerem o que quisessem sem terem patrão e também devido à insegurança e insatisfação no emprego, como afirmaram:

“É duro quando a gente se esforça, acorda cedo, se dedica àquela empresa e do nada ela chega e te diz: “você tá demitido”. Então ela veio e disse: “Fábio vamos abrir algo prá gente, vamos tentar”. Porque ela sabe o sacrifício, a luta que eu tinha [...] e a gente ficava triste com isso. Por isso que nós resolvemos montar um negócio próprio.” (E1)

A ideia inicial do negócio foi do irmão da empreendedora, que viu esse modelo num outro estado e compartilhou essa ideia com os demais membros da família. Pode-se dizer que o irmão fez uma busca deliberada, ou seja, proposital a fim de descobrir uma oportunidade de negócio, já que havia o interesse da família em abrir um empreendimento. A partir daí houve uma pesquisa sobre o tipo de negócio e principalmente acerca do produto, que passou a ser produzido e testado em casa. Quanto à experiência anterior, apenas o empreendedor possuía, pois já havia trabalhado no comércio do pai dos doze aos vinte anos.

4.3 Interpretação (Redes informais)

Nesta fase buscou-se identificar quem foram as pessoas da rede informal do empreendedor a quem a ideia foi transmitida inicialmente. Segundo o casal de empreendedores, assim que o irmão da empreendedora observou a ideia, logo os membros da família foram comunicados e a oportunidade foi identificada. Os familiares envolvidos foram, além do casal e do irmão, o pai, a mãe e a cunhada da empreendedora. Todos eles compartilharam a ideia inicial. O apoio dos pais da empreendedora é enfatizado pela empreendedora:

“Meus pais ajudaram muito a gente no início, quando precisava, quando apertava um pouquinho eles estavam sempre ali ajudando e dizendo ‘vamos, vamos!’. (E2)

No início foi formada uma sociedade entre os pais da empreendedora (representada por seu irmão) e seu marido (empreendedor). Mais adiante a sociedade foi rompida e o empreendedor ficou com a parte do irmão da empreendedora.

4.4 Integração (Redes formais)

Nesta fase foram observados quais os laços formais que os empreendedores formaram no desenvolvimento da ideia. Especificamente procurou-se identificar que instituições/ organizações foram procuradas pelos empreendedores para auxiliar no desenvolvimento do negócio. Também se verificou nesta fase o relacionamento com a clientela, funcionários, fornecedores e concorrentes.

Quanto aos laços formais foram acionadas três instituições: Banco, Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). O banco foi procurado quando o empreendedor precisou pegar um empréstimo para investir num novo ponto. No SENAC eles foram em busca das normas de

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boas práticas de manipulação de alimentos. Já o SEBRAE foi procurado pelos empreendedores com o objetivo de prestar consultoria quanto à arquitetura do ambiente.

Os clientes, por sua vez, são considerados atores importantes para a empresa. Segundo os empreendedores, os clientes são a maior fonte de conhecimento, conforme atestam:

“A gente aprendeu muito com nossos clientes no dia-a-dia[...]. A nossa forma de abordar o cliente, a gente pergunta se o cliente tá satisfeito ou não, então a gente deixa o cliente a vontade de criticar, de dar uma sugestão. Então o cliente trás muitas informações importantes, muito boas prá gente. [...] a gente até comenta que os clientes não são nossos clientes, eles acabam virando nossos amigos mesmo porque eles se sentem a vontade de chegar, de dizer: ‘oh, aconteceu isso, não gostei disso’, e a gente tenta melhorar. O estreitamento da relação da gente com os clientes é uma coisa boa, não é aquela coisa impessoal que o cliente chega come e vai embora, você não sabe quem é o ciente, o cliente não sabe quem é você. Não! O cliente chega aqui, cada um tem o seu nome [...] então a gente tenta ter essa aproximação com o cliente.” (E1)

Com exceção de um carro de som e alguns panfletos distribuídos no início, a estratégia de propaganda utilizada foi o “boca a boca”. Segundo os empreendedores, por se tratar de um produto diferenciado, o mesmo precisa ter excelente qualidade para que o “boca a boca” dê certo. Como a clientela tem aumentado isso atesta que de fato o produto tem qualidade e a propaganda “boca a boca” tem funcionado. Inclusive clientes que frequentaram o primeiro ponto continuaram fiéis voltando com a inauguração do novo local. A demanda de clientes é bastante diversificada.

Uma grande preocupação observada é em relação aos recursos humanos. Por diversas vezes os empreendedores citaram a forma como se relacionam com os funcionários: “Em relação aos nossos funcionários, a gente procura respeitar muito porque são nossos parceiros, sem eles...”. Outra preocupação é quanto ao pagamento dos salários:

“Uma coisa que a gente se preocupa muito até hoje mesmo com os nossos funcionários é a questão dos salários deles também [...], então uma coisa que a gente prioriza aqui é o salário dos funcionários, então a gente paga em dia ou até antes se for o caso.” (E2)

Quanto aos concorrentes, eles serviram como fonte de inspiração. Observar os concorrentes serviu como aprendizado. Quanto a este aspecto afirmaram:

“A gente se espelhava muito na concorrência, principalmente nos grandes, o que eles fazem para agradar os clientes. Então a gente mesmo começou a aprender com eles [...], a gente passava num ponto, no outro, olhávamos: ‘aquilo ali tá legal, aquilo não’. Então a gente foi tentando trazer prá cá a experiência de cada um.” (E1)

Os concorrentes mencionados foram redes de restaurantes, lanchonetes e outras empresas do segmento que ofereciam diversos tipos de produtos. Havia apenas um concorrente cujo negócio se assemelhava parcialmente, mesmo assim com um formato diferenciado principalmente em relação ao mix de produtos e atendimento. Entretanto, com o sucesso do empreendimento surgiram concorrentes seguidores que entraram no mercado copiando o mesmo modelo de negócio. A relação com tais concorrentes é de respeito, embora certo concorrente tenha utilizado práticas desleais para atrair clientes e funcionários do Macarrones. A concorrência é tida como importante até para que eles não relaxem e mantenham sempre a qualidade do produto tendo-o sempre como um diferencial.

Quanto aos fornecedores, são cerca de quatorze e a relação é bastante profissional. Há bastante preocupação com a negociação e compras de produtos. Geralmente, produtos e alimentos que são usados no dia a dia são adquiridos à vista o que diminui os custos, porém equipamentos mais caros são comprados em parcelas de no máximo seis parcelas.

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4.5 Institucionalização (Consolidação da ideia)

Nesta etapa se buscou verificar como foram estruturadas a gestão, as rotinas e processos organizacionais, e quais as estratégias para crescimento do empreendimento.

Quanto a gestão da empresa o empreendedor cuida da produção e do atendimento, a empreendedora é responsável pelo financeiro e controle de qualidade e há ainda o apoio de uma cunhada.

Em relação às rotinas e processos foi possível observar que a empresa já atingiu certo grau de organização no atendimento ao cliente, administração geral do negócio e recursos humanos. Quanto ao modelo de atendimento eles citam que muitas mudanças e melhorias aplicadas surgiram a partir de sugestões de clientes. Uma das características observadas é que os empreendedores estão sempre abertos a ouvir os clientes e funcionários e aprender constantemente, melhorando continuamente o negócio.

Sobre planos para o futuro da empresa eles citaram quatro estratégias para crescimento e expansão do negócio: abertura de filial, lançamento de novos produtos, criação de franquia e profissionalização do negócio. Dessas quatro estratégias a abertura de filial é a que já está sendo colocada em ação. Sobre este assunto comentaram:

“A gente começou do nada, a gente não é uma empresa rica que tem um capital que vem do nada e monta tudo de vez [...]. A gente veio fazendo as coisas aos pouquinhos. Lá não, lá a gente já está com experiência e vai fazer do nosso jeito.” (E1)

Quanto a franquia da marca eles citaram que foi pedido registro e que há interessados em outros estados. O lançamento de novos produtos por sua vez está condicionado à abertura da filial e reforma que será feita no ponto atual. Por fim eles citaram que pretendem profissionalizar ainda mais o negócio organizando por setores e contratando profissionais para cuidar da gestão da empresa. Finalizando eles enfatizam a importância de estabelecerem metas e de sonharem alto:

“Se a gente não tivesse pensado em chegar em algum lugar não teríamos chegado onde a gente está. A gente só consegue chegar se a gente sonhar. Então a gente tem que sonhar, idealizar primeiro e tentar chegar o mais próximo possível daquilo que a gente pensa.” (E1)

Nesta fase foi possível observar que os empreendedores são bastante organizados, têm o “pé no chão” e possuem metas claras para o futuro do empreendimento. 5 Conclusão

Neste estudo buscou-se verificar como ocorre o processo de identificação e exploração

de oportunidade empreendedora, numa empresa de pequeno porte, segundo o Modelo de Aprendizagem Organizacional 4i de Crossan, Lane e White. Foi verificado como a oportunidade empreendedora se desenvolveu ao logo de um processo com quatro fases: intuição, interpretação, integração e institucionalização.

Observou-se que na fase de intuição a ideia foi gerada com base na observação e na busca deliberada, ou seja, os empreendedores procurou de forma proposital a oportunidade. A segunda fase – interpretação – envolveu a rede informal dos empreendedores. Várias pessoas, principalmente da família se envolveram para que a ideia se concretizasse. Na terceira fase - de integração - foi possível verificar como os empreendedores buscaram suporte de instituições como banco, SEBRAE e SENAC. Também foi destacada nesta fase a relação

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positiva com os clientes tidos como grande fonte de informações, bem como funcionários, fornecedores e empresas concorrentes, que serviram como fonte de ideias. Na quarta e última fase – institucionalização – verificou-se os aspectos de gestão e processos internos, bem como os planos de expansão do negócio. Como planos de expansão foram citados a abertura de filial, lançamento de novos produtos, abertura de franquia e profissionalização do negócio.

Foi possível identificar, portanto, como os empreendedores passaram pelas quatro fases do processo de identificação e exploração de uma oportunidade empreendedora com base no modelo apresentado. A característica da aprendizagem percorreu por todas as fases atingindo desde os empreendedores individualmente, passando por familiares, funcionários, clientes, instituições, e se incorporando à organização por meio do modelo de gestão e de suas práticas e rotinas organizacionais.

O presente estudo contribui para ampliar a compreensão sobre o fenômeno do empreendedorismo e mais especificamente sobre as oportunidades empreendedoras sob a ótica da aprendizagem organizacional. Sugere-se que futuros estudos abordem mais profundamente o modelo principalmente em relação ao aprendizado advindo das quatro fases e como esse aprendizado evolui da identificação à exploração da oportunidade. Seria valiosa uma análise mais individualizada de cada fase e sua relação com as oportunidades. Também é importante testar o modelo utilizando múltiplos casos e comparando-os para uma melhor compreensão de suas dinâmicas e características para cada caso.

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