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Para combater a desigualdade social não basta educar Empreendorismo social como sistema de oportunidades Por Rui Teixeira Santos O sistema de oportunidades é crítico para que se possa aproveitar a geração mais bem formada na Europa. Mas com a recessão e a política de austeridade implementada nos Países da Europa do Sul e na Irlanda, dificilmente que criam oportunidades para absorver os jovens que saem das universidades, persistindo assim, por exemplo, em Portugal, os níveis de desigualdade social. Em nosso entender, em países como Portugal, terá que ser por via do empreendorismo social que, na próxima década, se vão incrementar as políticas para combater a desigualdade social e aumentar o nível de sustentabilidade e coesão sociais. No contexto de uma enorme desigualdade social, o empreendorismo social é um dos poucos instrumentos para a criação de oportunidades de emprego. Como se verifica em Portugal, a persistência da desigualdade social demonstra que o problema não é conjuntural. Não foi a crise económica, nem o PAEF – Programa de Ajustamento e Estabilidade Financeira, negociado com a Troika, que aumentou a desigualdade social. Pelo contrário, a desigualdade social tem-se mantido ao logo da última década em níveis mais ou menos estáveis, apesar do aumento do nível e vida.

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Para combater a desigualdade social não basta educar - é necessário um sistema de oportunidades e emprego (Capitulo de Livro: Empreendorismo social, Barcelona, 2014)

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Para combater a desigualdade social não basta educar

Empreendorismo social como sistema de oportunidades

Por Rui Teixeira Santos

O sistema de oportunidades é crítico para que se possa aproveitar a geração mais bem formada na Europa. Mas com a recessão e a política de austeridade implementada nos Países da Europa do Sul e na Irlanda, dificilmente que criam oportunidades para absorver os jovens que saem das universidades, persistindo assim, por exemplo, em Portugal, os níveis de desigualdade social. Em nosso entender, em países como Portugal, terá que ser por via do empreendorismo social que, na próxima década, se vão incrementar as políticas para combater a desigualdade social e aumentar o nível de sustentabilidade e coesão sociais.

No contexto de uma enorme desigualdade social, o empreendorismo social é um dos poucos instrumentos para a criação de oportunidades de emprego. Como se verifica em Portugal, a persistência da desigualdade social demonstra que o problema não é conjuntural. Não foi a crise económica, nem o PAEF – Programa de Ajustamento e Estabilidade Financeira, negociado com a Troika, que aumentou a desigualdade social. Pelo contrário, a desigualdade social tem-se mantido ao logo da última década em níveis mais ou menos estáveis, apesar do aumento do nível e vida.

Pedro Magalhães1 faz o levantamento dos dados sobre a desigualdade social e compara Portugal, Espanha, Grécia, Itália, Chipre, e Irlanda (até 2011) - todos países em ajustamento orçamental, nalguns casos extremamente elevado, nomeadamente entre 2011 e 2013. A estes juntou nos gráficos, também, a média dos 27 países da UE.

No gráfico 1 comparou países e anos, em termos da percentagem da população, que estão em risco de pobreza ou exclusão social, ou seja, que:

1 http://www.pedro-magalhaes.org/wp-content/uploads/Figure-3.png, consultado em 31 de Dezembro de 2013

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(1)vivem com um rendimento (depois de transferências sociais) inferior a 60% da mediana; ou (2) que vivem numa situação de grave privação material (não conseguem pagar pelo menos 4 de 9 itens essenciais de consumo); ou ainda, (3)que vivem num lar com muito baixa intensidade de trabalho.

Eis os resultados a que chegou:

Em todos estes países, a percentagem de pessoas nestas condições começa a aumentar em 2009 (Irlanda), 2010 (Espanha, Chipre) ou 2011 (Grécia, Itália), não voltando a descer até ao ano mais recente (2012). Ou melhor: todos, não. Em Portugal não foi assim. Desde 2006, a evolução não tem tendência clara, e o valor de 2012 (cerca de 25%) é próximo do que se verificava em 2006 e está pouco acima da média dos 27 países da UE.

A figura 2 concentra-se num dos indicadores usados para estimar a

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percentagem de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social, o da “severa privação material“.

Neste caso verificamos a mesma tendência. Espanha distingue-se aqui por ter valores inferiores aos dos restantes países, mas mesmo assim passou de 4.1% em 2006 para 5.8% em 2012. Já Portugal chega a 2012 com uma percentagem inferior à de 2006, de 9.1% para 8.6% (ou seja, com o erro associado, não há certamente diferença significativa de 2006 para 2012).

Finalmente, desigualdade. A figura 3 mede o rácio entre os rendimentos obtidos pelos 20% de população mais rica e os 20% de população mais pobre.

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Portugal parte de uma situação muito grave - o mais desigual dos seis Países comparados. De notar que Portugal é, na verdade, o mais desigual dos EU27, a seguir à Letónia. Contudo, Portugal chega a 2012 claramente menos desigual que Espanha e Grécia, e menos longe da Itália, de Chipre ou da Irlanda do que estava no início do período. Muito disso deve-se à diminuição das desigualdades de rendimento até 2010. Mas o novo aumento em 2011 e 2012, sendo real, foi menos acentuado do que em Espanha ou na Grécia.José Justino sugere algumas cautelas nesta leitura dos gráficos anteriores, advertindo para os seguintes factos:1. Os dados da EU-SILC utilizados são estimativas para 2012 sobre informação estatística de 2011. Os efeitos da austeridade em Portugal terão sido mais tardios que nos restantes países sob resgate? Talvez, mas mesmo assim, a explicação não é satisfatória.2. O efeito da austeridade recaiu sobre a classe média poupando os grupos sociais mais desfavorecidos.

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3. A taxa de risco de pobreza calcula-se sobre o limiar de 60% do rendimento mediano. Se este baixou, então o limiar também baixou atenuando os efeitos do aumento da pobreza.4. Convirá não esquecer que desde os anos 80 que o indicador de desigualdade de distribuição de rendimento não sofre alterações significativas para Portugal, em grande parte porque a estrutura de remunerações é fortemente condicionada pela distribuição fortemente desigual dos níveis de escolarização. Julgo que este último indicador acaba por ser o mais o mais decisivo.Mas o que é facto, descontadas as cautelas de Justino, é que embora os indicadores e o coeficiente de Gini em Portugal, ao contrario do que acontece nos restantes países do ajustamento, demonstram que as desigualdades não se têm alterado desde 2006, no sentido de se agravarem, mas que também o seu contrário é relevante: apesar do aumento do nível de vida depois da entrada do País na União Económica e Monetária. O que se verifica é uma resistência - uma relativa estabilidade nos níveis de desigualdade, apesar de estramos em níveis muito elevados de crescimento do rendimento médio.Portanto, seguindo o raciocínio de José Justino2 problema em Portugal não decorre da conjuntura, mas existe um problema de base por resolver. A questão da desigualdade social em Portugal é um problema estrutural, persistente e acrescentaria antigo.Os factores que sustentam a desigualdade em Portugal são vários. Mas o maior problema continua a ser o da educação e o da formação profissional. A maior desigualdade em Portugal é na diferença de educação formação entre os diversos estratos sociais: as classes altas têm maior nível de Educação que as classes baixas.Ou seja, a rede da Escola Pública, que sustentava a ideia de progresso no liberalismo triunfante do século XIX introduziu, tinha como objetivo formar cidadãos livres, mas sobretudo, dar ferramentas para que os cidadãos pudessem aproveitar as oportunidades que a liberdade e nova ordem social e económica liberal do século XIX proporcionavam.A ideia de Escola Pública, implementada pelas elites liberais e urbanas do século XIX, partia do pressuposto de que o progresso dependia da valorização do capital humano. E é evidente também a resistência do antigo regime e dos latifundiários agrícolas à escola pública e ao ensino obrigatório pois representou já no século XIX, em Portugal, um passaporte para a emigração – pois não havia oportunidades para os mais educados ou formados.É a esquerda, a social-democracia, já no século XX e sobretudo depois da segunda guerra mundial, que passa a ver a Escola Pública como um instrumento de igualdade social.

2 http://www.youtube.com/watch?v=DSY5WPfM7AQ, consultado em 31 de dezembro de 2013.

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Essas políticas vão ser implementadas a partir da Constituição de 1976 em Portugal. Porém o que se verifica em Portugal é que esse investimento na Escola Publica não vai alterar a situação estrutural de desigualdade social. E isso não vai acontecer porque para combater a desigualdade social não basta o capital educativo produzido, mas é necessário também a capacidade das sociedades produzirem oportunidades para que esse capital humano bem formado posso ser aproveitado.O que impressiona agora é que as novas gerações muito mais bem formadas que as gerações anteriores não têm oportunidades de emprego, nem se verificam condições de solidariedade intergeracional, já que a geração anterior não esta disposta a largar os lugares que ocupou na sequencia da tripla revolução tecnológica (bancária, digital e da internet) no final dos século passado. A sociedade portuguesa envelhece e não consegue gerar oportunidades de emprego e de trabalho para as novas gerações – como aliás, já acontecia no Portugal rural do século XIX onde a aristocracia terratenente tudo fazia para encerrar as escolas das comarcas. E isso leva exatamente a que se mantenham sistematicamente as desigualdades no País e que, agora como há duzentos anos, muitos dos jovens – sobretudo os mais formados (sempre acompanhados também pela escória do pais (os portugueses são atualmente a segunda maior comunidade prisional estrangeira no Reino Unido, logo a seguir aos polacos3) - optem por emigrar.O sistema de oportunidades é hoje um desincentivo aos estudantes e por isso, é crítico que as politicas públicas comecem a dar uma resposta sustentável, que mantenha a coesão social – criando expectavas e um sistema de oportunidades aberto e não discriminatório, em vez de permitir o evidente aumento do abandono escolar por falta de expectativas e oportunidades.Mas como verificamos nos últimos quarenta anos, não basta políticas publicas para se criarem oportunidades num país com este nível de desigualdade social. Para Portugal deixar de ser um dos países mais desiguais da União Europeia, o empreendorismo social e as parcerias sócio-publicas podem ser uma resposta essencial, porque podem ampliar a criação de oportunidades mantendo a coesão social e os incentivos á educação e à formação que podem garantir a prazo que as resistências à diminuição das desigualdades sociais diminuam entre nós.E tem que ser necessariamente por via do empreendorismo social que isso pode ser feito, por quanto o estrangulamento do sector privado – devido ao extraordinário aumento dos impostos - e à perseguição fiscal aos empreendedores - que entrarem em falência por causa da recessão provocada pelas descalibradas política públicas de austeridade – não

3 Curiosamente ao contrario dos locais de destino da emigração portuguesa, em Portugal em 2011 e 2012 os índices de criminalidade diminuíram substancialmente apesar da crise económica demonstrando que há uma emigração também na base da pirâmide social.

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permite antever a criação e novas oportunidades em numero significativo no sector privado e no sector público não voltaremos provavelmente, nas próximas décadas, a assistir a politicas keynesianas de investimento publico e criação de emprego no Estado de um modo suficiente para garantir oportunidades para os jovens licenciados que continuam a sair das universidades.