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ENCONTRO INTERNACIONAL PARTICIPAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: APROXIMANDO AGENDAS E AGENTES
23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara – SP
Título do Trabalho: O ORÇAMENTO PÚBLICO COMO OBJETO DE DISPUTA E SUA DIMENSÃO POLÍTICA: o papel dos Conselhos enquanto lócus do debate democrático e participativo
Autores:
Valdir Anhucci – Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana
Vera Lucia Tieko Suguihiro: Universidade Estadual de Londrina
O ORÇAMENTO PÚBLICO COMO OBJETO DE DISPUTA E SUA DIMENSÃO POLÍTICA: o papel dos Conselhos enquanto lócus do debate democrático e participativo
Valdir Anhucci1
Vera Lucia Tieko Suguihiro2
Resumo
Ao ser disputado por diferentes interesses no âmbito da sociedade civil, o orçamento público expressa sua dimensão política, o que possibilita a intervenção dos setores populares nas decisões sobre recursos que financiam as políticas públicas. Espaços públicos como os Conselhos permitem a manifestação de diferentes setores da sociedade e do poder público com vistas a ampliar investimentos nos serviços voltados para a população. Ao se consolidarem como espaços democráticos, os Conselhos podem se configurar como lócus de participação que contribuem para democratizar a gestão e o planejamento do orçamento público. Assim, a participação democrática dos diferentes atores sociais e políticos nos espaços públicos como os Conselhos podem possibilitar o exercício do controle social sobre a alocação e aplicação dos recursos públicos.
Palavras-chave: Dimensão Política; Participação; Conselhos; Orçamento Público.
Introdução
O autoritarismo e as práticas essencialmente burocráticas na gestão
pública brasileira têm contribuído para consolidar uma disputa desigual em torno das
prioridades que orientam os rumos do orçamento público. A divisão do fundo público
no Brasil tem sido favorável ao capitalismo, haja vista sua apropriação de parcela
cada vez maior dos recursos públicos.
O acesso à parte do fundo público pela população mais pobre se dá
principalmente através de investimentos nas políticas sociais. No entanto, em
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Mestre em Serviço Social e Política Social. Docente do Curso de Serviço Social da Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana – PR. Doutorando em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina
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Doutora em Serviço Social. Docente do Curso de Serviço Social na Universidade Estadual de Londrina.
tempos de crise a disputa pelos recursos públicos se torna mais acirrada, de forma
que o capitalismo tem utilizado todas as estratégias para se apropriar de uma fatia
maior do orçamento público. Nesta perspectiva, considerando que a maior parte dos
recursos que compõe o fundo público é resultado dos impostos indiretos pagos
pelos trabalhadores, torna-se fundamental a ampliação dos investimentos em
políticas sociais.
Segundo Boschetti (2012), é fundamental compreender a relação que há
entre a atual crise e as políticas sociais, de maneira que se possa “[...] lutar contra a
usurpação do fundo público para salvar o capital [...]” (BOSCHETTI, 2012, p. 36).
Atualmente, no processo de gestão das políticas sociais, a população dispõe de
espaços que lhe permite a possibilidade de ampliar os investimentos públicos nas
diferentes políticas públicas. No entanto, a postura conservadora e antidemocrática
do Estado e da burguesia brasileira tem determinado dificuldades para que a
população se aproxime e ocupe os espaços de decisões no âmbito da gestão
pública.
Ao ser marcada por práticas que contribuem para a prevalência de uma
cultura política autoritária e golpista, o que impede a consolidação de espaços
públicos, a gestão democrática das políticas sociais encontra dificuldades para se
efetivar. Nesta perspectiva, torna-se urgente criar condições objetivas para que os
diferentes atores sociais possam interferir nas decisões que estão vinculadas aos
rumos das políticas sociais, principalmente quando se tratar do destino dado aos
recursos públicos.
Assim, ao ocupar os diferentes espaços públicos, a sociedade civil abre a
possibilidade de orientar as ações do Estado na construção coletiva de prioridades
em torno dos recursos públicos a serem aplicados em políticas públicas voltadas
para o atendimento da população.
Na perspectiva da gestão democrática de políticas sociais, as decisões
sobre o orçamento público ganham relevo, já que qualquer política pública depende,
entre outros fatores, da garantia de recursos financeiros. É no âmbito dos espaços
de decisões coletivas que os atores sociais se reconhecerem como agentes políticos
e podem protagonizar o debate ampliado sobre o destino dos recursos públicos.
Dentre os espaços de debate, destacam-se os Conselhos que podem ser
compreendidos como importantes instrumentos de gestão das políticas sociais, na
medida em que possibilitam a participação e o controle social da sociedade civil
organizada, desde o processo de planejamento, monitoramento e avalição das
ações, pautando-se no princípio da publicidade com transparência.
É no âmbito de espaços como os Conselhos que o orçamento público
expressa sua dimensão política, na medida em que o mesmo passa a ser objeto de
disputa e de diferentes interesses, sendo algo que necessariamente deve ser
submetido ao frequente e amplo debate.
Sendo assim, é imprescindível romper com as práticas tradicionais de
alijamento da população do direito de participar, adotando práticas de deliberações
transparentes, socialização de informações e desenvolvimento de competências e
habilidades para que gestão atenda ao interesse público. Isso implica em superar as
velhas práticas, travestidas de práticas modernas, ou seja, “[...] banir as práticas
fisiológicas e clientelísticas que conduziram à privatização da ação estatal no Brasil”
(BARROS apud CORREIA, 2002, p.122).
Os Conselhos como espaço de luta política
A partir da década de 1980, Telles (1999) chama a atenção para o
movimento contrário à estrutura desigual e injusta que se apresentava no Brasil. Os
enfrentamentos encabeçados por sindicados, movimentos sociais e outros setores,
“[...] deixaram suas marcas em conquistas importantes na Constituição de 1988 e se
traduziram na construção de espaços plurais de representação de atores coletivos
reconhecidos como interlocutores válidos no cenário nacional” (TELLES, 1999 p.
17). No horizonte deste processo de interlocução objetiva-se uma gestão capaz de
alterar significativamente a relação entre Estado e sociedade civil. Busca-se assim,
consolidar uma gestão pública mais democrática, em que as decisões possam
expressar o interesse coletivo. Nesta perspectiva, torna-se fundamental
democratizar as decisões em torno dos recursos públicos, apontando para o acesso
da população aos espaços de luta coletiva capazes de dar um novo desenho ao
orçamento público.
No Brasil, dentre os espaços que tem a possibilidade de contribuir para
mudanças no âmbito da gestão pública estão os Conselhos. Trata-se de espaços
plurais em que o Estado e a sociedade civil têm a possibilidade de redefinir suas
relações, na medida em que os Conselhos podem “[...] imprimir níveis crescentes de
democratização às políticas públicas e ao Estado que, em nosso país, têm forte
trajetória de centralização e concentração de poder” (RAICHELIS, 2006, p.110).
Os Conselhos, ao se constituírem enquanto espaços públicos abrem um
campo de possibilidades para a construção de uma relação horizontal entre Estado
e sociedade civil. Sendo assim, a sociedade pode criar condições que lhe permita
interferir no Estado através de discussões e embates que possam expressar os
problemas enfrentados pela população. Com isso, se vislumbra importância nas
questões de interesse comum, entre elas o debate sobre o orçamento público.
Partindo dessa premissa, os Conselhos
[...] poderão imprimir um novo formato às políticas sociais, pois se relacionam ao processo de formação das políticas e tomada de decisões. Com os conselhos, gera-se uma nova institucionalidade pública. Eles criam uma nova esfera social-pública ou pública não-estatal. Trata-se de um novo padrão de relações entre Estado e sociedade, porque eles viabilizam a participação de segmentos sociais na formulação de políticas sociais e possibilitam à população o acesso aos espaços nos quais se tomam as decisões políticas (GOHN, 2003, p.85-88).
Nesse processo que envolve o debate político entre os diferentes
interessados se estabelece o fortalecimento da esfera pública, na medida em que o
espaço dos Conselhos viabiliza o debate público, permitindo que as decisões
políticas sejam negociadas e acordadas de forma coletiva e transparente. Isso
pressupõe que os Conselhos penetrem “[...] na lógica burocrática estatal para
transformá-la e exercer o controle socializado das ações e deliberações
governamentais” (DEGENNSZAJH, 2000, p.66).
Isso implica em caracterizar o Conselho como o lócus “[...] do fazer
político, como espaço contraditório, como uma nova modalidade de participação, ou
seja, a construção de uma cultura alicerçada nos pilares da democracia participativa
e na possibilidade da construção da democracia de massas” (BRAVO, 2002, p.47-
48). Trata-se da construção de espaços públicos que apontem para uma nova
dinâmica entre Estado e sociedade civil, com vistas a democratizar o aceso às
decisões no que diz respeito à coisa pública. Na concepção de Nogueira (2004), é
preciso uma perspectiva que além de valorizar e ampliar o protagonismo da
sociedade civil contribua para sua politização “[...] libertando-a das amarras
reducionistas e repressivas dos interesses particulares, aproximando-a do universo
mais rico e generoso dos interesses gerais, da hegemonia, em uma palavra, do
Estado”. (NOGUEIRA, 2004, p. 102).
Considerando os espaços de luta política, entre eles os Conselhos, o
conceito de sociedade civil precisa ser melhor compreendido, de forma que haja a
possibilidade de se fortalecer e ampliar o debate em torno da coisa pública. Nesta
perspectiva, a condução do orçamento público pode ter outra dinâmica na medida
em que a sociedade civil não seja vista de forma reducionista. Neste aspecto,
partindo da concepção de Gramsci pode-se apontar para novos processos históricos
presentes no âmbito da sociedade civil, o que implica um sentido diferente à
hegemonia,
[...] não de um consenso passivo e indireto, mas ativo e direto, de participação dos indivíduos, ainda que isso provoque a impressão de desagregação e de tumulto. Uma sociedade, um organismo vivente, de fato, não se forma pelo alto e por intervenções externas, e sim como produto de uma multiplicidade que se unifica pelo atrito dos indivíduos. (SEMERARO, 1999, p. 80).
É, portanto, no âmbito da sociedade civil que há possibilidade de se
construir novas relações, de estabelecer espaços de luta política que possam
equilibrar o acesso ao poder, de forma a democratizar as decisões em torno das
políticas sociais. Sobre isso, Nogueira (2004, p. 103), chama a atenção para a
compreensão da “dialética Estado e sociedade civil” e para o entendimento rigoroso
não só teórico do conceito de sociedade civil. Para o autor,
Nenhuma sociedade civil é imediatamente política. Sendo o mundo das organizações, dos particularismos, da defesa muitas vezes egoísta e encarniçada de interesses parciais, sua dimensão política precisa ser construída. O choque, a concorrência e as lutas entre os diferentes grupos, projetos e interesses funcionam como os móveis decisivos da sua politização. É dessa forma – ou seja, como espaço político – que a sociedade civil vincula-se ao espaço público democrático e pode funcionar como base de uma disputa hegemônica e de uma oposição efetivamente emancipadora, popular e democrática às estratégias de dominação referenciadas pelo grande capital. (NOGUEIRA, 2004, p. 103).
A reflexão acima indica que o espaço dos Conselhos está inserido em
algo maior, qual seja: o espaço da sociedade civil. É neste espaço que o confronto
está presente e que determina a existência da dimensão política do próprio
conselho, mas também expressa a dimensão política do orçamento público, sendo
esse objeto de interesse das diferentes classes sociais. É no âmbito da sociedade
civil que os Conselhos têm a possibilidade de se caracterizar como espaço capaz de
viabilizar a democratização das decisões, ao colocar em pauta problemas
enfrentados nos municípios no que diz respeito à ausência de recursos públicos
para a manutenção das políticas públicas.
Ao ampliar a participação no âmbito dos Conselhos é possível também
caminhar para a superação de práticas clientelistas, patrimonialistas e autoritárias no
âmbito da gestão pública. Com a possibilidade de alterar as relações entre Estado e
sociedade, a fim de que a população possa orientar as ações do poder público,
manifesta-se o caráter inovador dos conselhos, na medida em que se propõe uma
gestão democrática capaz de privilegiar os interesses coletivos em detrimento dos
interesses privados e particulares. Desta forma, para Martins (2004, p. 190),
Os conselhos constituem-se novidade no campo de gestão das políticas sociais claramente embasadas em uma concepção de democracia participativa. Sua institucionalização permite um novo tipo de participação da sociedade civil, que não se esgota no processo eleitoral. São instrumentos para deliberar, controlar e fiscalizar as políticas desenvolvidas nas três esferas de governo, firmando bases empiricamente para a construção de uma política democrática.
Com isso, os Conselhos têm papel fundamental no âmbito da gestão
democrática, na medida em que é possível compartilhar decisões. Na constituição
dos conselhos há a intenção de integrar a população ao processo decisório das
políticas sociais. Neste aspecto, Campos (2006, p. 111) afirma que “os Conselhos
foram criados com objetivos institucionais para assegurar aos cidadãos organizados
melhores recursos e meios para influenciar na definição da agenda pública em
setores específicos de políticas sociais”. Isso demonstra que os conselhos podem
contribuir para a consolidação de uma gestão pública democrática, na medida em
que segundo Paz (2006, p.118), há “[...] o fortalecimento dos diversos sujeitos
presentes em cena. De um lado, o Estado com suas instituições governamentais,
recursos financeiros e humanos, e de outro, a sociedade civil, com sua diversidade e
heterogeneidade”.
Ao se constituírem como espaço de luta política, os Conselhos
possibilitam o fortalecimento dos diferentes atores sociais no debate em torno das
políticas públicas, se configurando como espaços de participação e de controle
social, onde há a efetiva articulação de propostas que possam apontar para o
interesse coletivo. Segundo Raichelis e Wanderley (2004), temas como controle
social, visibilidade, transparência na gestão dos recursos públicos e nas decisões, e
principalmente, divulgação das informações não podem se restringir aos gestores
públicos. Mas, tornam-se urgente e primordial a criação e o envolvimento de novos
sujeitos políticos multiplicando o acesso à esfera pública. Isso é possível a partir da
efetivação do processo participativo, possibilitando uma cultura política mais
democrática. Assim,
A participação social nas políticas sociais foi concebida na perspectiva do controle social no sentido de os setores organizados na sociedade civil participarem desde as suas formulações, acompanhamento de suas execuções, até a definição da alocação de recursos. Os mecanismos de controle social institucionalizados, no âmbito das políticas sociais, ao longo da década de 1990, foram as Conferências e os Conselhos. Constituem-se em instâncias colegiadas que objetivam o controle social com uma lógica inversa à do período ditatorial, em que a classe dominante através do Estado mantinha o controle exclusivo sobre o conjunto da sociedade, com seus organismos de repressão e censura. Este controle social pressupõe o controle da sociedade civil sobre as ações do Estado no âmbito das políticas sociais.(BRAVO; MENEZES, 2012, p. 293-294).
Entretanto, é preciso considerar que a garantia em lei de espaços
públicos de decisões como os Conselhos, não foi suficiente para alterar o processo
de gestão centralizado e autoritário que prevaleceu historicamente no Brasil. Behring
e Boschetti (2006, p. 184) chamam a atenção para o fato de que “[...] este é um
processo em curso e em disputa, com potencialidades democráticas, mas também
repleto de práticas antidemocráticas”. Sendo assim, são grandes os desafios para se
consolidar uma gestão democrática, haja vista que os espaços públicos ainda são
influenciados por posturas autoritárias. No entanto, são inúmeras as possibilidades
em se construir espaços que priorizem uma agenda de debate capaz de orientar a
gestão pública no atendimento do interesse comum. Isso significar dizer que o
orçamento público deve ser submetido ao debate ampliado nos diferentes espaços
públicos, de forma que tanto os Conselhos como o próprio orçamento público
possam expressar sua dimensão política.
A expressão da dimensão política do orçamento público como resultado do seu amplo debate no âmbito dos Conselhos
Falar da dimensão política do orçamento público implica em considerar
que as decisões em torno do mesmo necessariamente devem passar pelo crivo
popular. Trata-se de eliminar qualquer ação capaz de cercear o direito de todo
cidadão em acessar informações de caráter público. Mais do que isso, a dimensão
política do orçamento público implica em criar novos espaços de debate e consolidar
aqueles já existentes, a fim de que a decisão sobre os recursos públicos seja
construída de forma coletiva e atenda ao interesse comum. É a partir da nova
proposta de gestão instituída pela Constituição Federal de 1988 que se avança no
sentido de ampliar o debate em torno dos recursos públicos. Nesta perspectiva, ao
se reportar ao INESC, Salvador (2010, p. 607) ressalta que,
O orçamento público é um espaço de luta política, onde as diferentes forças da sociedade buscam inserir seus interesses. Na sua dimensão política, o orçamento pode ser visto como arena de disputa ou um espaço de luta (ou cooperação) entre os vários interesses que gravitam em torno do sistema político.
Como se pode verificar o orçamento público não é algo a ser tratado
única e exclusivamente por decisões técnicas, mas é objeto de interesse das
diferentes classes. Embora o orçamento público tenha por instrumentalidade jurídica
a Constituição Federal de 1988, as decisões sobre os recursos públicos ainda são
legitimadas de forma obscura, sem levar em consideração a avaliação e o
julgamento político. Isso implica em excluir os grandes interessados, ou seja, os
beneficiários/usuários, de discussões que possam dar uma nova direção política
para a política pública (PAOLI, 2007). A construção do debate em torno da tomada
de decisão sobre o destino dos recursos públicos exige a criação de um novo
espaço público, ou seja, um espaço que possa se constituir em
[...] uma esfera pública na qual os atores, diferentes e desiguais, pudessem se manter dentro do debate plural e conflitivo (no sentido arendtiano) de modo a permitir que sua opinião fosse formada a partir de sua experiência confrontada com o exame publicamente debatido do programa, e não algo pronto, trazido pelo programa e conduzido ao debate público. (PAOLI, 2007, p.249).
Neste sentido, a dimensão política do orçamento público não se manifesta
em qualquer espaço, onde com frequência o debate é restringido a uma classe ou a
setores vinculados à classe dominante. Mas sua dimensão política se manifesta
diante do amplo e irrestrito debate, considerando o caráter público que reveste o
orçamento. Ao fazer referência a Rancière, Oliveira (2007) afirma que a política é
constituída pelo dissenso, uma vez que está ligada à divergência de interesses entre
os que possuem algo e aqueles que não possuem, impondo um movimento entre os
diferentes atores sociais e interesses, o que nem sempre possibilita o êxito em uma
determinada disputa. Assim,
[...] É neste intercâmbio, desigual, que se estrutura o próprio conflito, ou o jogo da política. Essa concepção abre as portas para sua permanente reinvenção, no sentido de que toda proposta, e sua resposta, que consiga sair do campo anteriormente demarcado cria um novo campo, que é, em si mesmo, uma nova qualidade dos atores políticos. Há, pois, na política, uma permanente mudança de qualidade (OLIVEIRA, 2007, p. 15).
Levando em consideração a necessidade do conflito e da divergência de
ideias, a dimensão política do orçamento público se manifesta quando nos diferentes
espaços públicos de debate as decisões são resultados do enfrentamento e da
disputa entre projetos em arenas que privilegiam o debate democrático, se tornando
campos de diálogo plural em que prevaleçam as deliberações pautadas no interesse
de comum.
Sendo assim, ao se referir à dimensão política do orçamento público,
implica em considerar que é no âmbito da sociedade civil que a heterogeneidade de
seus atores sociais se encontra em constantes contradições, contribuindo para
fortalecimento de política com vistas a construir outra hegemonia de poder.
Portando, a definição das prioridades do orçamento público exige a contradição
entre os interessados, já que o mesmo deve ser submetido ao crivo dos diferentes
atores sociais presentes no âmbito dos espaços de luta. Contribuindo com esta
reflexão, Dagnino; Olvera; Panfichi (2006) reforçam que:
A ação política não se limita à sociedade política, como a teoria da sociedade civil sustenta, mas é parte da lógica da sociedade civil, cujos atores, ao defender projetos na esfera pública e desenvolver a ação coletiva, estão fazendo política, disputando espaços de poder e orientando a política pública. Grasmsci [...] mostra que a sociedade
civil é terreno do poder e, portanto, campo da ação política (apud BURGOS, 2007, p. 131).
Pode se verificar que é no âmbito das relações entre Estado e sociedade
civil que a política se efetiva, na medida em que é aí que se encontra o debate e o
confronto de ideias. É também, nesta relação entre Estado e sociedade civil, que
diante do embate e da divergência se manifesta a dimensão política, seja do
orçamento público ou dos espaços em que o mesmo é debatido. Nesta perspectiva
pode-se afirmar que os Conselhos ao se configurarem como espaços públicos
manifestam sua dimensão política. No entanto é preciso considerar que
Quanto menos política há nos processos de gestão participativa, menor tenderá a ser a disposição dos atores para assimilar a perspectiva negocial e para lutar por soluções políticas, calcadas em debates, embates e acordos difíceis, vinculados a uma racionalidade específica. Inversamente, maior será a preocupação em se tentar resolver juridicamente as disputas e os temas controversos. (NOGUEIRA, 2004, p.159).
A fazer referência à gestão participativa do orçamento público cumpre
destacar o adjetivo que acompanha a palavra orçamento, sendo este de extrema
importância. Trata-se do termo público que nem sempre é considerado, mas que faz
referência àquilo que pertence a todos, que é de interesse comum. Sendo assim,
sua compreensão é determinante para discutirmos a dimensão política e
principalmente para discutirmos os espaços em que se dão o debate plural e
democrático.
Há dificuldade em compreender o significado do termo “público”,
considerando a ideia daquilo que é de interesse de todos, o que envolve o conflito, a
contradição e consequentemente a dimensão política. Segundo Arendt, entre os
significados dados ao termo “público”, se destaca o fato de que o mundo “[...] é
comum a todos nós e diferente do lugar que privadamente possuímos nele. Esse
mundo, contudo, não é idêntico a Terra ou a natureza, enquanto espaço limitado
para o movimento dos homens e a condição geral da vida orgânica” (ARENDT,
2010, p. 64). Trata-se, portanto, de um mundo em que ao mesmo tempo separa,
mas também exige momentos em que os homens se relacionem entre si. É um
“mundo comum”, onde
A importância de ser visto e ouvido por outros provém do fato de que todos veem e ouvem de ângulos diferentes. É esse o significado da vida pública, em comparação com a qual até a mais fecunda e satisfatória vida familiar pode oferecer somente o prolongamento ou multiplicação de cada indivíduo, com seus respectivos aspectos e perspectivas. A subjetividade da privatividade pode prolongar-se e multiplicar-se na família e até tornar-se tão forte que o seu peso se faça sentir no domínio público; mas esse ‘mundo’ familiar jamais pode substituir a realidade resultante da soma total de aspectos apresentados por um objeto a uma multidão de expectadores. Somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, em uma variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte que os que estão à sua volta sabem que veem identidade na mais completa diversidade, pode a realidade do mundo aparecer real e fidedignamente (ARENDT, 2010, p. 70).
O entendimento do termo “público” apresentado pela autora demonstra
que tudo aquilo que for de interesse comum deve ser submetido ao julgamento de
todos, levando em consideração o ponto de vista de cada um. Isso significa
estabelecer uma relação horizontal entre Estado e sociedade civil, a fim de valorizar
a visão plural em torno daquilo que é público. Sendo assim, ao ser submetido ao
debate o orçamento por ser público expressa sua dimensão política, pois deveria
estar sob o olhar dos diferentes interesses.
Portanto, compreender o sentido do termo público que acompanha a
palavra orçamento pressupõe valorizar sua dimensão política na medida em que
isso implica em considerá-lo como objeto que tenha visibilidade. Isso significa que
seu destino seja resultado da diversidade de opiniões, devendo ser submetido ao
olhar de todos os interessados, privilegiando seu caráter público.
Nesta perspectiva, Arendt (2010, p. 71) coloca que a existência do mundo
comum é resultado de múltiplos olhares, de forma que o mesmo “[...] acaba quando
é visto somente sob um aspecto e só se lhe permite apresentar-se em uma única
perspectiva”.
Sendo assim, a presente discussão remete para a reflexão e o
entendimento da dimensão política do orçamento público, haja vista que a discussão
do mesmo deve ser caracterizada pela valorização do dissenso, da pluralidade e de
uma proposta que vai ao encontro da radicalização da democracia. O destino dos
recursos públicos envolve questões que vão além dos interesses privados deste ou
daquele grupo. Torna-se determinante considerar que orçamento público encontra-
se revestido da sua dimensão política, devendo ser debatido por todos.
Nesta linha de análise, verifica-se a importância de compreender que
espaço “[...] onde se gestam os diversos projetos hegemônicos é o amplo e
contraditório espaço da sociedade civil”, onde “[...] se estabelecem ‘lutas de
sistemas, lutas entre modos de ver a realidade” (SEMERARO, 1999, p. 82). Trata-
se, portanto, do lugar onde a política deve estar sempre presente. Para Mouffe apud
Burgos (2007) é necessário um modelo de democracia que tenha condições de
apreender o verdadeiro sentido do político, o que na visão do autor exige dar
centralidade a questão do poder e do antagonismo. Desta forma,
[...] o ideal de uma democracia pluralista não pode se alcançar um consenso racional na esfera pública. Esse consenso não pode existir. Devemos aceitar que cada consenso existe como resultado temporário de uma hegemonia provisória, como estabilização do poder e que ele sempre acarreta alguma forma de exclusão. Ideias de que o poder poderia ser dissolvido por meio de um debate racional e de que a legitimidade poderia ser baseada na racionalidade pura são ilusões que podem colocar em risco as instituições democráticas (MOUFFE apud BURGOS, 2007, p. 132).
Assim, qualquer espaço público, entre eles os Conselhos, pode ser
considerado um espaço eminentemente político, onde a dimensão política deve ser
valorizada e exercida. Para Arendt (2002), a política significa pluralidade de homens,
da convivência entre os diferentes e da organização dos homens com vistas a
alcançar algo comum. A autora ainda chama a atenção para o fato de que a política
não é algo em que o homem nasce com ela, mas é externa ao homem, na medida
em que a política se dá no momento das relações entre os homens, ou seja, é um
processo histórico e socialmente construído. Nogueira (2001) corrobora com esta
visão ao afirmar que:
[...] na política dos cidadãos prevalecem o debate público e a participação democrática, caminhos pelos quais os cidadãos interferem em suas comunidades e deliberam a respeito de temas e problemas que não podem, nem devem, ser equacionados tecnicamente, a partir da imposição desta ou daquela verdade, desta ou daquela autoridade. (NOGUEIRA, 2001, p. 61).
Quando a discussão envolve o debate sobre o orçamento público, os
espaços públicos ganham importância, por se configurarem como lócus de disputa e
enfrentamento entre os diferentes interesses, colocando em cheque a visão unitária
da classe dominante. Isso implica em imprimir um tratamento diferenciado na
maneira como se constrói as prioridades do orçamento público, considerando que
nesse processo o confronto de posições é inevitável. Daí a afirmação de que o
orçamento público é permeado por uma dimensão política.
Assim, o presente trabalho objetiva apresentar os desafios que estão
colocados no processo de gestão pública em torno do orçamento público, levando
em consideração sua dimensão política. Buscou-se ainda, compreender a
importância dos Conselhos como importantes espaços de participação e do debate
democrático em torno do orçamento público. No caso específico desta pesquisa, o
campo empírico do estudo foram os Conselhos de Direitos da Criança e
Adolescente, da Assistência Social e Educação, no período de 2009 a 2011.
Para a realização da pesquisa optou-se por uma abordagem que permitiu
articular a pesquisa de base quantitativa e qualitativa, numa perspectiva de
complementação dos dados sobre a realidade estudada. Partiu-se do pressuposto
que a passagem da situação singular para as questões mais complexas da
totalidade social não se dá de forma imediata. É por meio da reflexão crítica coletiva
que se busca compreender as mediações necessárias para elucidar as situações
concretas, tanto em seu movimento contraditório, quanto à viabilidade potencial de
superação. A perspectiva da interdisciplinaridade por meio do saber compartilhado
foi o fio condutor da pesquisa, ampliando os horizontes de apreensão da realidade
empírica imediata e caótica, para transformá-la em um concreto pensado.
O estudo possibilitou identificar que ao restringir as decisões sobre o
orçamento público ao poder constituído, o espaço dos Conselhos é desvalorizado e
colocado em segundo plano, sendo muitas vezes utilizado somente para avalizar
aquilo que já foi decido pelos gestores. Isso compromete o debate ampliado sobre
os rumos dos recursos públicos, negando a dimensão política do orçamento público.
O que se verifica é que os Conselhos têm dificuldades em exercerem seu
papel de formuladores das políticas sociais, na medida em que pouco interferem nas
decisões governamentais. A situação é ainda pior quando se trata do debate sobre
o orçamento público, pois o mesmo está muito distante da parcela significativa da
sociedade e também dos próprios conselhos.
A dimensão política do orçamento público presente no debate dos
Conselhos é comprometida na medida em que os conselheiros não têm o
conhecimento e domínio suficiente sobre as questões vinculadas ao orçamento,
permanecendo com frequência reféns do poder/saber da ordem constituída. Isso
coloca em risco o caráter público/político do orçamento público, descaracterizando a
luta coletiva pela ampliação dos recursos públicos para a efetivação das políticas
sociais.
Constata-se, a partir da pesquisa, que o tema orçamento público não tem
sido pautado nas reuniões dos Conselhos, demonstrando que as decisões sobre
deliberações de recursos públicos não são reconhecidas pelos Conselheiros como
responsabilidade dos diferentes segmentos da sociedade civil organizada e do poder
constituído, fundamentado no princípio da partilha de poder. Nesta perspectiva, o
debate ampliado em torno de um assunto comum a todos fica prejudicado, o que
compromete a dimensão político do orçamento público e também a própria
dimensão político dos Conselhos.
Ainda é forte resistência do poder local em aceitar que o orçamento
público seja submetido ao debate ampliado. É grande a falta e a dificuldade de
acesso às informações sobre o processo de definição do orçamento público, o que
inviabiliza o envolvimento dos diferentes atores sociais nas decisões sobre os rumos
dos recursos públicos.
São grandes as dificuldades que os conselheiros têm na compreensão do
processo da participação e do controle social, não enxergando os Conselhos como
espaços que podem orientar as ações do poder público. Os representantes da
sociedade civil tem dificuldade em entender que a gestão pública das políticas
sociais deve ser compartilhada, devendo, portanto, ser construída coletivamente
sem que a sociedade civil seja submetida aos interesses do poder público.
A dimensão política do orçamento público é colocada em cheque quando
também o espaço público dos Conselhos não tem se constituído em um espaço de
luta política capaz de contribuir para a democratização das decisões em torno das
políticas sociais públicas e dos recursos que as financiam. Nesta perspectiva, é
comum no âmbito dos conselhos prevalecer o interesse particular e corporativo de
grupos que se apropriam da situação. Mais uma vez o caráter público do debate é
prejudicado, não sendo levado em consideração o interesse comum em torno da
coisa pública.
Nestas condições, o campo de luta pela garantia e ampliação dos
investimentos públicos em políticas sociais fica fragilizado, na medida em que no
espaço dos Conselhos não está se concretizando o debate político e democrático.
Cumpre destacar que a dimensão técnica e contábil do orçamento público é
privilegiada, em detrimento da sua dimensão política.
A ausência do debate se agrava ainda mais diante da realidade neoliberal
que nega a política social e descaracteriza qualquer movimento social que
contempla a dimensão política. Tal perspectiva aliada à cultura política autoritária
que se consolidou na sociedade brasileira descarta o espaço público. Assim,
prevalece a ideia de que não há espaço para o cidadão comum exercer o seu papel
de protagonismo político sobre os interesses que envolvem o orçamento público. Os
princípios neoliberais apontam para a desqualificação da esfera pública,
prevalecendo o individualismo e a negação do direito à diferença. A posição da
senhora Margareth Tatcher, durante a implantação das ideias neoliberais, vem
ilustrar o momento em que vivemos “[...] não há sociedade, só indivíduos”. (apud
NETTO, 2012, p. 421).
Para Netto (2012), enquanto a oligarquia financeira se movimenta de
forma articulada buscando os caminhos para atender os seus interesses, os
movimentos sociais que representam camadas subalternas se encontram bastante
fragilizadas, na medida em que não se colocam como “[...] instâncias políticas
capazes de articular e universalizar a pluralidade de interesses e motivações que os
enfibram, seu potencial emancipatório vê-se frequentemente comprometido
(inclusive com a recidiva de corporativismos)”. (NETTO, 2012, p. 421). Nestas
condições se explicita, entre as classes, a desigual disputa em torno do fundo
público.
Cumpre destacar ainda que no processo de uma gestão participativa, os
Conselhos além de não colocar na agenda de suas atribuições a luta pelo
orçamento público para garantir políticas sociais, não tem levado em consideração a
importância da avaliação dessas mesmas políticas executadas pelo poder
constituído. São grandes os desafios em compreender a importância de monitorar,
acompanhar e avaliar a efetividade dos gastos públicos, a qualidade da gestão e o
controle sobre a efetividade das ações do Estado. O processo de avaliação precisa
ser compreendido enquanto instrumento que deverá subsidiar a análise dos
impactos sobre os fins iniciais e até identificar os efeitos perversos que ela possa
engendrar.
A gestão democrática exige o acompanhamento e o controle, por parte da
sociedade civil, do desempenho do Estado na condução políticas sociais e do
orçamento público. É através do controle social sobre as ações do Estado, com a
clara preocupação com os gastos públicos, que a sociedade civil pode redefinir sua
relação com o Estado, garantindo o caráter político das decisões. A partir da
participação e do controle social dos diferentes segmentos da sociedade civil é
possível que a gestão pública seja pautada pelo princípio da publicidade e da
transparência, o que possibilita uma condução mais democrática das políticas
sociais.
Cabe a sociedade a responsabilidade de acionar os instrumentos legais e
políticos para o pleno exercício da cidadania em defesa incondicional dos direitos,
em tempos de uma política social neoliberal, ou seja, capacidade de politizar os
problemas que afetam a vida cotidiana dos sujeitos sociais, de modo a qualificá-los
para a construção de novas práticas que altere de forma significativa as estruturas
que reproduzem as desigualdades sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Valorizar a dimensão política do orçamento público significa submetê-lo
ao debate ampliado e plural, o que Implica envolver os mais diversos setores da
sociedade civil de forma que os mesmos assumam posição política no
enfrentamento de ideias e no debate em torno da construção das prioridades do
orçamento público. A expressão de sua dimensão política mediada no âmbito dos
diferentes espaços públicos, entre eles o espaço dos Conselhos, é fundamental para
compartilhar as decisões em torno dos recursos públicos.
Torna-se urgente e necessário a superação da compreensão equivocada
do orçamento público como uma mera peça técnica e/ou um instrumento de
planejamento. Tal perspectiva é utilizada como estratégia para minar qualquer
debate ampliado sobre o assunto, sendo necessário investir em um processo
eminentemente político que garanta a condução e intensificação de ações
mobilizadoras para garantir decisões democráticas sobre os rumos do orçamento
público.
A garantia de uma política social de cunho universalista está na
capacidade da sociedade civil organizada em construir uma instrumentalidade
técnica, metodológica, ética e política capaz de qualificar os diferentes segmentos
da população. Decifrar as contradições no âmbito das ações dos governos e
municiá-las com um sistema de informação e comunicação, mediada por uma rede
de controle e pressão social e política é condição para se garantir uma gestão
pública democrática.
A expressão da dimensão política do orçamento público passa pelo
protagonismo dos diferentes atores sociais, o que exige a redefinição na relação
entre Estado e Sociedade civil. A sociedade brasileira precisa de maior mobilização
em defesa dos seus direitos. Isso requer o enfrentamento da apatia política da
sociedade em geral, fortalecendo também a dimensão política dos Conselhos. É
papel da sociedade civil organizada mobilizar as forças no sentido de monitorar o
Estado no cumprimento das determinações legais vigente no país. Torna-se
determinante exigir do poder público o compromisso com as políticas de proteção
social, exigindo do mesmo, maiores investimentos na ampliação das políticas
públicas.
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