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XV ENCONTRO DE PS-GRADUAO E PESQUISAUniversidade de Fortaleza19 a 23 de outubro de 2015

O VIOLO NO RIO DE JANEIRO: ENTRE O POPULAR E O POPULACHO.Ana Luiza Rios Martins. 1*Programa de Ps Graduao em Histria - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Ps-Graduando (PG).Bolsista de Doutorado CNPq.

1Doutorado em Histria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife-PE;2Programa de Ps-Graduao em Histria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife-Pe.

[email protected]: Violo; Rio de Janeiro; Popular; Populacho.. Resumo

Tinhoro aponta que o primeiro compositor historicamente conhecido por estilizar e divulgar a prtica da modinha a viola foi o padre Domingos Caldas Barbosa. O famoso mulato carioca, que usava a persona literria de Lereno Selinuntino, misturou o ritmo sincopado do lundu, que aprendeu nas ruas com mestios, negros e bomios cantadores na poca de estudante, com a melodia dos gneros portugueses, que conheceu em Portugal quando l esteve. Essa mistura cultural de sons foi responsvel pela peculiaridade da modinha brasileira. O livro Viola de Lereno, que teve primeira publicao do volume I em 1798, e volume II, somente em 1826 uma coletnea de modinhas que tinham frases curtas com versos de 4 a 6 slabas, tpico da nascente msica popular urbana.

A modinha seresteira levava esse nome porque estava ligada ao ato de entoar msicas no meio da rua ou declamaes de amor para as moas de famlia nas janelas de suas casas. No fim do sculo XVIII at meados do XIX, os cancioneiros (denominao dada aos violonistas de salo, brancos e educados formalmente) cariocas e, sobretudo, os baianos, afastaram-se dos seresteiros (negros ou mestios de origem pobre e autodidata que tambm usavam a rua como palco). Isso ocorreu porque o florescimento econmico da Colnia aps a descoberta do ouro propiciou uma animao da vida social no crculo restrito das grandes famlias e os cantores mais ligados elite abandonaram as ruas e se transformaram em cantores de salo. Por causa das convenes sociais, caberia aos indivduos que no atingiram esse nvel necessariamente restrito da alta vida social o papel de continuadores da velha tradio dos trovadores de rua.

A prtica da modinha seresteira foi vinculada a dois instrumentos de cordas muito parecidos: a guitarra e a vihuela. Enquanto aquela estava ligada plebe, esta foi relacionada vida musical palaciana e tendo seu fundo plano e seis ou sete ordens de cordas de tripa, sendo as mais graves banhadas entornadas de prata, desapareceu ao longo do tempo devido busca de novos recursos e maior intensidade sonora. O povo, porm fiel guitarra, continuou descobrindo novos caminhos para ela, utilizando-a inicialmente para os rasgueados e acompanhamento do canto. Devido ao seu grande uso na Espanha, a guitarra passou a ser conhecida nos demais pases como Guitarra Espanhola, sendo que o seu perodo de triunfo ocorreu no sculo XVII.

No Brasil, o primeiro instrumento de cordas que se teve noticia foi a viola de trs cordas e a prima simples, muito popular entre os portugueses e precursora do violo. Ela foi trazida pelos jesutas para ajudar na catequese indgena, pela elite intelectual da colnia, como tambm pelos colonos portugueses. No sculo seguinte, a viola ganhou mais uma ordem de cordas e, na segunda metade dos anos de setecentos, ainda mais outra. Ela se transformou em um instrumento de seis cordas duplas, que logo depois se tornaram simples. Isso exigiu um aumento de tamanho para recompensar o menor volume de som. A viola grande passou a ser chamada de violo. Um dos primeiros violeiros de renome no perodo colonial foi o poeta e bomio Gregrio de Matos, que improvisava e entoava cantigas.

Introduo

O violo se tornou o instrumento favorito para o acompanhamento vocal das modinhas e para a msica instrumental, acompanhando tambm a flauta e o cavaquinho nos conjuntos de chorinho. Por ser muito usado nas ruas e pelo povo, o violo passou a ter uma m fama, sendo considerado por muitos um instrumento de bomios, presente entre seresteiros, chores, tornando-se um smbolo de vagabundagem e carregando consigo este estigma por muitos anos. Contudo, o violo no estava apenas nas ruas, pois frequentou o Palcio do Catete nas mos de Nair de Teff, primeira-dama, esposa do presidente Hermes da Fonseca e foi o grande companheiro do arquivo musical de Villa Lobos, compositor responsvel pelo surgimento do repertrio de concerto dedicado ao instrumento.

No sculo XIX, perodo em que o violo padronizou as dimenses conservadas at hoje, surgiu vrios mtodos para tocar o instrumento, que se proliferaram entre os executantes. Taborda aponta que em 1799 foram lanados trs mtodos de ensino que retrataram o fervilhar da arte instrumental do perodo. Um deles foi o do compositor italiano Frederico Moretti, que apresenta rudimentos gerais de teoria musical, tratando da postura das mos, passando exposio em 24 quadros de escalas cromticas, escalas nos modos maior e menor e diversos arpejos. Um dos grandes mestres espanhis na arte de construir instrumentos foi Antnio de Torres Jurado (1817-1892), responsvel pelo estabelecimento e a padronizao das dimenses do violo moderno.

Nesse perodo, o violo experimentou grande desenvolvimento tambm nas principais salas de concerto europeias. A maioria dos primeiros recitalistas tambm eram compositores e, por esse motivo, tiveram uma maior facilidade em impulsionar um repertrio do instrumento. Taborda comenta que alguns dos grandes artistas da poca foram: Ferdinando Corulli (1770-1841), Fernando Sor (1778-1835), Dionsio Aguado (1784-1849), Mauro Giuliani (1781-1829) e Mateo Carcassi (1792-1853), violonistas que abandonaram os pases de origem e estabeleceram-se em Paris, Londres e Viena. At mesmo o pianista Franz Schubert e o violinista Paganini apreciavam o instrumento.

Surgiram no Brasil alguns concertistas locais e estrangeiros. Em artigo publicado na revista O violo (1929), encontra-se o nome do engenheiro Clementino Lisboa, que, apesar de ser violonista sem educao formal, ficou conhecido no Rio de Janeiro por causa de seu talento. Lisboa parece ter empreendido trabalho pioneiro no apenas como concertista, mas como transcritor e compositor. Apesar de seus esforos, a entrada do violo nas salas de concerto do Rio de Janeiro se deu muito lentamente. Nos ltimos trinta anos do sculo XIX, praticamente no se teve notcia do violo em recitais pblicos.

Ernani de Figueiredo, que veio de Campos dos Goitacazes, tambm apresentou grandes concertos em espaos pblicos e particulares. No entanto, a difcil execuo desse instrumento fez aparecer crticas que apontavam o violo extico e de menor qualidade em relao aos outros instrumentos, porque no se via quase um virtuose. Figuras como o violinista e compositor paraguaio Agustn Barrios Mangor (1885-1944), tentaram reverter essa impresso. O grande interprete se apresentou em salas de concerto do Rio de Janeiro msicas que incorporavam ritmos da Amrica Latina, somando a tradio do violo espanhol. Sua obra, notadamente a grandiosa La catedral, enriqueceu a literatura do instrumento, utilizando recursos tcnicos de escalas, arpejos, tremolos, a servio de sua privilegiada musicalidade. O uruguaio Isaas Svio tambm foi um grande violonista que lutou para quebrar a barreira do preconceito contra esse instrumento.

Para Taborda, o violo ocupou lugar privilegiado na vida social do Brasil e foi eleito como autntico smbolo da nacionalidade, porque atravs dele se abrasileirou a maioria dos gneros provenientes da Europa. Esse movimento se desenvolveu no Rio de Janeiro por msicos de todas as partes do pas e logo migraram para outros estados, como Minas Gerais, Bahia e Cear. Quincas Laranjeira, Joo Pernambuco, Dilermando Reis, Canhoto e Garoto (So Paulo), Joo Augusto de Freitas (Minas Gerais), Levino da Conceio (Mato Grosso) e, na histria mais recente, Sebastio Tapajs (Par) e Turbio Santos (Maranho), foram grandes violinistas que ajudaram na construo desse rtulo de brasilidade para o violo.

Ary Vasconcelos, que foi um dos grandes pesquisadores da msica popular brasileira, escreveu sobre a importncia da tcnica violonistca de Joaquim Francisco dos Santos, conhecido por Quincas Laranjeiras. Segundo esse escritor, o violeiro nasceu em Pernambuco e veio para o Rio com poucos meses de idade. Empregou-se na Fbrica de Tecidos Aliana, em Laranjeiras, e iniciou a formao musical com a grande maioria dos msicos, atuando na banda de msica da fbrica na qual tocava flauta. Quincas Laranjeira dedicou-se ao estudo do violo sem auxlio de professor e por meio de antigos mtodos. Seu conhecimento tcnico era to grande, que chegou a formar msicos ilustres como Jos Augusto de Freitas, alm de ter sido um dos precursores no ensino de violo para mulheres.

Amrico Jacomino, tambm conhecido por Canhoto, em virtude de executar o dedilhado no instrumento com a mo esquerda, sem inverso do encordoamento, tambm teve muita importncia, pois foi um dos responsveis pelo enobrecimento do violo no Brasil. Ele nasceu em So Paulo no ano de 1889 e morreu em 1928 no mesmo lugar, tendo constitudo uma carreira musical com vrias apresentaes em seu estado de origem. Entre os anos de 1912 e 1926, realizou gravaes para a Casa Edison do Rio de Janeiro, algumas como solista e outras como lder de conjunto. Foi, sem dvida, o primeiro dolo do instrumento, profissional pioneiro no campo dos recitais e gravaes e compositor de obras que traz o selo de autntico brasileirismo.

A literatura especializada no assunto aponta que Anbal Augusto Sardinha, conhecido como Garoto, tambm deixou sua marca na tcnica violonstica. Ele nasceu em So Paulo em 1915 e faleceu no Rio de Janeiro em 1955, de ataque cardaco. Garoto comeou a tocar instrumentos desde muito cedo. Aprendeu banjo, bandolim, cavaquinho, guitarra eltrica, violo, guitarra havaiana, guitarra portuguesa e violo tenor com a mesma competncia, alm de escrever msicas e arranjos para todos eles. A msica de Garoto era um caldeiro de muitas e variadas influncias. Suas razes esto no samba e no choro, onde o gnio de Pixinguinha talvez seja sua maior influncia. Ao mesmo tempo, ele estava sempre experimentando outros estilos e em contato com o que estava sendo feito de mais moderno na poca, sendo um dos primeiros a introduzir jazz em gneros tradicionais. Ele tambm mostrou uma forte influncia do Impressionismo francs, em especial as idias harmnicas de Debussy.

Outro msico dedicado ao ensino da tcnica do violo foi Jos Rebello da Silva, conhecido por Jos Cavaquinho, apelido adquirido por ter sido este o instrumento de sua iniciao musical. No livro do pesquisador Marcos Antnio, encontramos algumas informaes sobre ele. Nascido em Guaratinguet, veio para o Rio de Janeiro, onde foi um dos fundadores e diretor de harmonia do Amedo Resed. Escreveu um mtodo de ensino de violo e dedicou-se com afinco formao musical de sua filha, Ivonne Rebello, quem instruiu na execuo de obras do repertrio clssico e romntico. Estudou tambm cavaquinho na loja e fbrica de instrumentos Cavaquinho de Ouro, que, em 1928, prestou uma homenagem a ele. Suas composies se destacaram pela temtica nacionalista como, por exemplos, o tango "Ipiranga".

Muitos deles faziam e executavam modinhas ao violo, mas foi Catullo que cumpriu papel semelhante ao de Caldas Barbosa. Catullo da Paixo Cearense nasceu no Maranho e era filho do relojoeiro e ouvires Amncio Jos da Paixo e da dona de casa Maria Celestina Braga da Paixo. O pai estabeleceu-se em So Luiz e passou a adotar o sobrenome Cearense depois de se tornar conhecido por este apelido naquela cidade. No entanto, por volta de 1880, a famlia de Catullo mudou-se para o Rio de Janeiro quando ele tinha por volta de 14 e 17 anos, depois de conviver com poetas e cantadores do interior. H controvrsias sobre a data de nascimento do poeta e modinheiro, pois uns dizem que seu nascimento foi em 1866, outros afirmam 1863.

A historiadora Uliana Dias aponta que Catullo foi dedicado a representar o impulso civilizador e pedaggico, alheio esfera da grande arte, mas com intuito de atingi-la. Catulo tambm almejava contribuir para a formao da cultura nacional atravs das modinhas e, por esse motivo, levantou bandeiras de ter sido o responsvel pela popularizao desse gnero. O violo em suas mos foi considerado um instrumento popular e suas canes representavam para ele a autntica alma brasileira.

Catullo associou-se a msicos identificados como chores com alguma noo de aprendizado formal em msica. Sua linguagem, alm de resgatar o ideal do amor romntico cultuado pelos antigos cancioneiros, pretendia, numa outra vertente, formatar um padro cultural com a criao do ideal sertanejo, aquele que melhor representaria o carter nacional. Os chores eram indivduos quase exclusivamente oriundos da baixa classe mdia: funcionrios pblicos federais e servidores municipais.

Taborda adverte que esses grupos acompanhavam modinhas, que ganharam o nome de seresta e acabaram por incluir sambas-cano lentos, lundus, maxixes, marchas, sambas e, quando foi preciso, boleros, tangos argentinos, rumbas e at rias de pera. Os msicos de ouvido em alguns minutos faziam um arranjo para qualquer tipo de pea, sem partitura e quase sem ensaio. Era essa dinmica que possibilitava o funcionamento das emissoras de rdio, aonde chegavam e saam com frequncia cantores diversos. O processo de gravao de discos e a consequente possibilidade de registrar msicas para venda permitiu a profissionalizao de numerosos msicos de choro.

Assim como Catullo, muitos dos grupos de choros organizados no Rio de Janeiro e de variada formao faziam composies de temtica regional. O Grupo do Caxang, por exemplo, foi um conjunto de inspirao nordestina tanto no repertrio e na indumentria quanto na adoo de codinomes sertanejos para seus integrantes. A Trupe Sertaneja, que foi criado por Joo Pernambuco em 1916, tambm foi outro grupo que valorizava temticas relacionadas ao homem do campo. Porm, um dos mais famosos foi o grupo Oito Batutas, formado por Pixinguinha e integrado inicialmente por Alfredo da Rocha Viana Jnior (Pixinguinha), flauta; Ernesto dos Santos (Donga), violo; Jac Palmieri, pandeiro; Jos Alves de Lima, bandolim; Luiz Pinto da Silva (bandola e reco-reco); Nelson dos Santos Alves, cavaquinho; Otvio da Rocha Viana (China), violo e voz.

Pixinguinha nasceu no Rio de Janeiro em 1987 e foi um flautista, saxofonista, compositor e arranjador brasileiro. Foi ele o responsvel por contribuir diretamente para que o choro encontrasse uma forma musical definitiva, sendo Carinhoso e Lamentos suas msicas mais conhecidas. J Donga nasceu em 1980 no Rio de Janeiro e foi um msico, compositor e violonista brasileiro. Gostava de cantar modinhas e promovia inmeras festas, participando das rodas de msica na casa da lendria Tia Ciata, ao lado de Joo da Baiana, Pixinguinha e outros. Grande f de Mrio Cavaquinho, comeou a tocar este instrumento de ouvido, aos 14 anos de idade. Pouco depois, aprendeu a tocar violo, estudando com o grande Quincas Laranjeiras. Em 1917, consagrou a gravao de Pelo telefone, considerado o primeiro samba gravado na histria.

Joo Teixeira Guimares, que ficou como Joo Pernambuco por ter nascido no estado em 1883, chegou ao Rio de Janeiro com sua me em 1981, aps esta casar novamente depois do falecimento de seu pai. Aprendeu a tocar violo com cantadores sertanejos. Em 1902, mudou-se para o Rio de Janeiro, passando a residir com sua irm e empregando-se numa fundio. Seis anos depois, passou a trabalhar como servente na prefeitura do Rio, mudando-se para uma penso no centro da cidade. No Rio, travou contato com violonistas populares, ao mesmo tempo em que trabalhava como ferreiro, em jornadas de at dezesseis horas dirias. Compunha msicas de inspirao nordestina, baseadas em cantigas folclricas. Paralelamente ao choro, desenvolvia seu trabalho nas canes regionais atravs de composies suas e de violeiros e cantadores nordestinos. Luar do serto, da autoria de Catullo e Joo Pernambuco um exemplo da preferncia pelo uso da temtica sertaneja.

Luar do Serto

Ai que saudade do luar da minha terra

L na serra branquejando

Folhas secas pelo cho

Este luar c da cidade to escuro

No tem aquela saudade

Do luar l do serto

No h, oh gente, oh no

Luar como este do serto

No h, oh gente, oh no

Luar como este do serto

Se a lua nasce por detrs da verde mata

Mais parece um sol de prata

Prateando a solido

A gente pega na viola que ponteia

E a cano a lua cheia

A nos nascer no corao

Coisa mais bela neste mundo no existe

Do que ouvir-se um galo triste

No serto, se faz luar

Parece at que a alma da lua que descanta

Escondida na garganta

Desse galo a soluar

Ai, quem me dera que eu morresse l na serra

Abraado minha terra

E dormindo de uma vez

Ser enterrado numa grota pequenina

Onde tarde a sururina

Chora a sua viuvez

Virgnia de Almeida Bessa aponta que, em outubro de 1919, aps vrios meses em cartaz no Rio de Janeiro, os Oito Batutas iniciaram uma excurso por diversos estados brasileiros. As viagens foram patrocinadas pelos irmos Carlos e Arnaldo Guinle, que incumbiram os msicos de recolher material folclrico para integrar uma antologia de msica popular, projeto que vinha sendo preparado desde 1905, com a participao do escritor Coelho Neto. Os Oito Batutas excursionaram ento por So Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, contato com a ajuda de Joo Pernambuco, que, alm de msico, era amigo de Arnaldo Guinle. Essa preocupao com a identidade nacional apresentada em seus choros e modinhas fez com que intelectuais aceitassem a apresentao do grupo no Conservatrio Dramtico e Musical de So Paulo.

Metodologia

Percebe-se que os grupos de choros e modinheiros cariocas incorporavam as prticas culturais do homem contemporneo das metrpoles, mas a utilizao de temas relacionados ao rural e a figura do caboclo, do sertanejo e do homem do campo, de uma forma geral, tambm estavam muito presentes nos repertrios. Esses compositores possuam a preocupao de cantar um tempo que estava desaparecendo, existindo em muitos casos um temor com as transformaes que as principais capitais brasileiras passavam no incio do sculo XX. No entanto, para Uliana Dias, Catullo no estava inserido totalmente nessa vertente, pois no pensava apenas em recolher as tradies antigas, mas uni-los a elementos novos.

A figura de Catullo emblemtica, pois foi um mediador que transitou desde ambientes bomios, conhecendo grandes msicos, at os sales da elite carioca, onde foi posto pelo mdico Mello Morais Filho, promovendo a modinha e o violo. Segundo Taborna, foi importante para Catullo desvincular a imagem do trovador dos sales daqueles bomios annimos. No entanto, ao tomar esta posio, o poeta estabeleceu uma hierarquia entre pares, ao considerar seresteiros de rua fazedores de uma arte menor. Catullo defendia a entrada do violo no Instituto Nacional de Msica para demonstrar que ele era um instrumento de qualidade como qualquer outro e no deveria ser tocado apenas por msicos de rua.

O convite que Catullo recebeu no incio do sculo XX para apresentar modinhas ao violo no Instituto Nacional de Msica foi um episdio parte, possvel de ser realizado somente porque o diretor era Alberto Nepomuceno, compositor preocupado com o nacionalismo nacional, vinculado apropriao de elementos da cultura popular nas canes. No entanto, quando, anos mais tarde, Ernesto Nazareth tentou popularizar o instrumento do piano, teve sua apresentao interrompida pelo pblico indignado que no aceitava um instrumento de tradio clssica ser profanado por maxixes e tangos. O selo do pitoresco atribudo ao violo acabava por permitir-lhe certas excentricidades.

Taborda aponta que a atuao de Catullo em prol do enobrecimento do violo e de civilizar a modinha chegou ao apogeu no episdio que entrou definitivamente para o folclore da histria da msica popular brasileira: o maxixe acompanhado ao violo em recepo oficial realizada no Palcio do Catete, a 26 de outubro de 1914. Catullo tinha acesso ao Marechal Hermes da Fonseca e, especialmente, a Nair de Teff, esposa do presidente. Num desses encontros, queixou-se a D. Nair da ausncia de msicas brasileiras nos programas das recepes palacianas.

Catullo preocupava-se em atribuir nas suas modinhas caractersticas do popular e do nacional, pretendendo ser um artista representante do povo. Esse discurso envolvia a participao de intelectuais do seu tempo, como o prprio Alberto Nepomuceno e Mello de Morais, que tambm se preocupavam em produzir em sua arte a representao do tipo de vida e homem do serto, a vida no campo e a ingenuidade do mundo rural. medida que o sculo avanou, Catulo dedicou-se cada vez mais ao mundo letrado, atravs do tema sertanejo. Seu incio de carreira foi feito na esteira dos empreendimentos de Pedro Quaresma (do mercado editorial considerado popular), Fred Figner (do mercado fonogrfico), festas e reunies sociais em que pudesse atuar e ser reconhecido.

De acordo com Uliana Dias, a inteno de Quaresma em publicar modinhas ao violo de Catullo era que elas estivessem efetivamente na boca do povo. Quaresma passou muito tempo a meditar qual seria a expresso potico-musical caracterstica da alma nacional. Ele consultou historiadores, cronistas e filsofos e adquiriu certeza de que era a modinha acompanhada de violo. Seguro dessa verdade, no teve dvidas: tratou de aprender o instrumento genuinamente brasileiro e entrar nos segredos da modinha. Ainda segundo a pesquisadora, o significado do adjetivo popular para o livreiro Quaresma, dono da Biblioteca da Livraria do Povo, estava ligado aos personagens que faziam sucesso num amplo circuito que inclua circos, teatros, music halls, cafs-concertos, em finais do sculo XIX, na cidade do Rio de Janeiro. Sendo recrutados a partir de sua popularidade nesses locais, os poetas, artistas e intrpretes, que agora apareciam, era a novidade dessas colees.

Segundo Tinhoro, a crescente popularidade da modinha e do lundu-cano permitiu, em fins do sculo XIX, o aparecimento de um tipo novo de menestrel urbano: o vendedor de livretos ou jornais de modinhas. No Rio de Janeiro, onde a instalao das primeiras indstrias, ao fim do Segundo Reinado, fizera aumentar enormemente a massa popular que passa a ser integrada no apenas pelos antigos funcionrios de servios pblicos, comrcios, artesos e biscateiros, mas, por novas geraes de operrios, o hbito tornou-se uma forma de exerccio de lazer. Com a proliferao dessas canes, editores como Quaresma se interessaram na comercializao dos livretos.

Para Quaresma, os artistas populares eram o fator principal da novidade e, por esse motivo, ele trouxe ao pblico livros de Catullo da Paixo Cearense e Eduardo das Neves, que se tornaram um sucesso. Algumas das msicas desses indivduos foram registradas pela Casa Edison, a casa de comrcio de mquinas e gravaes sonoras que se tornou o negcio de maior lucratividade de Fred Figner. Ele foi um emigrante tcheco de origem judaica que nasceu no ano de 1866 e, em 1900, instalou no Rio de Janeiro sua loja. Figner contou com o trabalho de vrios outros artistas ligados ao mundo do entretenimento da ento capital federal para a gravao de cilindros e chapas nacionais para a comercializao de fonogramas

Cadete foi um dos primeiros cantores contratados pelo empresrio Finger para gravar canes reproduzidas nos gramofones. Ary Vasconcelos comenta em suas pesquisas que Cadete chamava-se na verdade Manuel Evncio da Costa Moreira. Nasceu em Tibagi, Paran, no ano de 1874 e faleceu no mesmo local em 1960. Por volta dos 13 anos, Cadete se mudou para o Rio de Janeiro e, pouco tempo depois, teve sua matrcula feita na Escola Militar, onde adquiriu esse apelido. No entanto, a disciplina militar no era compatvel com sua boemia. Cadete animou as rodas de serestas com suas modinhas e choros acompanhado por Stiro Bilhar, Catullo, Anacleto de Medeiros, Mrio Pinheiro, Eduardo das Neves, Quincas Laranjeira e Baiano.

Como cantor, Cadete chegou a fazer um dueto com Baiano, gravando um repertrio de modinhas pela Casa Edison. Baiano se chamava Manuel Pedro dos Santos, nasceu em 1870 e morreu em 1944 no Rio de Janeiro. Segundo Humberto Franceschi, Baiano foi cantor de sucesso que realizou uma grande quantidade de gravaes para a gravadora de Finger. Ulianas Dias aponta que o empresrio usava para o artista adjetivos como popular, popularssimo e brasileiro, na tentativa de convencer o pblico consumidor que ele tinha valor por ser um homem trabalhador e de famlia, apesar da origem negra ou que ele representava efetivamente algo de nacional e, portanto, autntico e de relevncia. Para diminuir a carga de preconceito, Fred Finger deixou o retrato relativamente mais embranquecido de Baiano.

Resultados e Discusso

Uliana Dias aponta que Cadete, Baiano, Eduardo das Neves e Mrio Pinheiro representavam uma expresso popular, dentro de um novo sentido do que passava a significar popular nessa virada de sculo XIX ao XX no Rio de Janeiro, que ganhava vazo numa ampla rede de circulao de bens culturais que se formava na cidade, sob olhos atentos de novos empresrios como Quaresma e Figner. Quando no estavam gravando, esses cantores participavam de rodas bomias com seus amigos. Anacleto de Medeiros e Stiro Bilhar faziam parte dessas serestas e suas composies tambm estavam ligadas ao mundo rural, mas tambm escreviam em menor quantidade letras sobre os problemas das grandes cidades.

Anacleto de Meideiros, que se chamava Anacleto Augusto de Medeiros, nasceu em 1866 no Rio de Janeiro. Filho de uma escrava liberta, comeou na msica tocando flautim da Banda do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro. Aos 18 anos, j dominava quase todos os instrumentos de sopro, e tinha especial preferncia pelo saxofone. Formou-se no Conservatrio em 1886 e comeou a compor algumas peas sacras, aderindo em seguida composio de polcas, schotisch, dobrados, marchas e valsas. Aos poucos foi criando fama como compositor, e suas peas passaram a ser executadas em bandas de todo o pas. Como compositor chegou a um total aproximado de cem ttulos, demonstrando criatividade e domnio quanto ao manuseio dos diversos elementos da linguagem musical, fluindo os requebros rtmicos, o plano modulatrio caracterstico da msica urbana, a estrutura tpica de cada gnero instrumental cultivado em sua poca.

Stiro Lopes de Alcntara Bilhar, que ficou conhecido por Stiro Bilhar, tambm foi uma figura importante nas rodas de chores. Embora no fosse um virtuose do violo, sua execuo peculiar chamava mais a ateno do que o prprio repertrio. Sua polca Tira poeira gravada por Jacob do Bandolim chegou aos chores atuais. Participou da serenata organizada por Eduardo das Neves em homenagem a Santos Dumont, realizada em 7 de setembro de 1903. Sua modinha Gosto de ti porque gosto, foi gravada na Odeon pelo cantor Cadete e na Victor Record por Mrio Pinheiro, como um lundu. Seu amigo e parceiro Catulo da Paixo Cearense lhe dedicou a letra de Perdoa, com msica de Anacleto de Medeiros e o poema Tu, Bilhar, bomio eterno. A compositora e pianista Branca Bilhar foi influenciada pela obra do seu tio, herdando a forma de compor atravs do emprego de elementos do serto. Abaixo, uma foto de Stiro Bilhar cedida por Miguel ngelo de Azevedo.

Concluso

Apesar dos esforos de vrios msicos, sobretudo os que viviam no Rio de Janeiro, para desestigmatizar a prtica do violo, ele no deixou de ser sinnimo de desordem e vadiagem. Taborda aponta que havia uma constante viglia das atividades musicais pelas autoridades cariocas. Imigrantes, pobres e negros compunham a gama social de indivduos que buscavam nas atividades musicais o seu ganha-po, e eram objeto, de forma mais direta, de controle social. Neste sentido, os artistas que conseguiram ter suas obras registradas ou pelo mercado editorial, por exemplo, pela Livraria Quaresma, ou pelo incipiente mercado fonogrfico atravs do empreendimento de Fred Figner, representavam uma pequena parte de um complexo social. Sinnimo de baderna tambm eram as serestas que ocorriam nas praas e nos botecos.

No entanto, Taborda considera que a luta de muitos para fazer com que o violo fosse smbolo da identidade sonora logrou xito. Isso ocorreu segundo a pesquisadora porque o violo era sinnimo de nacional e racial, alm de ser um instrumento mais acessvel. Se a modinha era a expresso lrica do nosso povo, o violo era o timbre instrumental a que ela melhor se casava. Em um dos seus argumentos, ela diz que: No interior, e, sobretudo nos sertes do Nordeste, h trs coisas cuja ressonncia comove misteriosamente, como se fossem elas as vozes da prpria paisagem: o grito da araponga, o aboio dos vaqueiros e o decante dos violes. Sem dvida a relao entre a construo da identidade nacional e o violo estava intrinsecamente ligada ao movimento dos chores cariocas, que negaram os modelos da msica estrangeira e apostaram em outros gneros, sobretudo na modinha e no lundu. Foram eles que lanaram junto com Quaresma e Finger a ideia de que tudo que nacional popular, e o violo, junto com a modinha, tornou-se sinnimo disso.

Referncias

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CNPq por ajudar financeiramente com a pesquisa; Prof. Dr. Isabel Guillen e ao Prof. Dr. Carlos Sandroni pelo apoio no sentido de orientar o trabalho.

TINHORO, Jos Ramos. 2011. Op., cit., p. 170.

TINHORO, Jos Ramos. 1998. Op., cit., p. 135.

MACEDO, Joaquim M. de. Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Zelio Valverde, 1942. p. 67.

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VASCONCELOS, Ary. Panorama da msica popular brasileira na Belle poque. Rio de Janeiro: Livraria SantAnna, 1997. pp. 275-276.

SEVERIANO, Jairo. 2008. Op., cit.

AZEVEDO, M. A. de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.

MARCONDES, Marcos Antnio. (ED). Enciclopdia da Msica popular brasileira: erudita, folclrica e popular. 2. ed. So Paulo: Art Editora/Publifolha, 1999.

BESSA, Viegnia de Almeida. Imagens da escuta: tradues sonoras de Pixinguinha. In: Histria e msica no Brasil. So Paulo: Alameda, 2010. p. 164.

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