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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA

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Cartografia

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Copyright 2008 – Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)

É proibida a reprodução parcial ou integral,

sem autorização prévia dos detentores do copyright

Serviço de Biblioteca e Documentação da FFLCH/ USP

Ficha catalográfica: Márcia Elisa Garcia de Grandi CRB 3608

Boletim Paulista de Geografia / Seção São Paulo - Associação dos

Geógrafos Brasileiros. - nº 1 (1949) - São Paulo: AGB, 1949.

Irregular

Continuação de: Boletim da Associação dos Geógrafos Brasileiros

ISSN 0006-6079

1. Geografia 2. Espaço Geográfico 3. História do Pensamento Geográfico.

I. Associação dos Geógrafos Brasileiros. Seção São Paulo.

CDD 910

Impressão: Xamã Editora

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIANÚMERO 87 SÃO PAULO – SP DEZ. 2007

EDITORIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .5

ARTIGOS

Alf redo Pereira de Queiroz Fi lho; Marcel loMart inel l i. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

O TRABALHO DE CAMPO EM GEOGRAFIA: UMA ABORDAGEMTEÓRICO-METODOLÓGICA

Gisele Girardi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

CARTOGRAFIA GEOGRÁFICA: REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES

José Flávio Moraes Cast ro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67COMUNICAÇÃO CARTOGRÁFICA E VISUALIZAÇÃOCARTOGRÁFICA

Fernanda Padovesi Fonseca. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

O POTENCIAL ANALÓGICO DA CARTOGRAFIA

Regina Araujo de Almeida (Vasconcel los). . . . ................ ... ... 111

ENSINO DE CARTOGRAFIA PARA POPULAÇÕES MINORITÁRIAS

Maria Elena Ramos Simiel l i; Gisele Girardi;Rosemeire Morone........................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131MAQUETE DE RELEVO: UM RECURSO DIDÁTICOTRIDIMENSIONAL

Rosa Iavelberg; Sonia Maria Vanzel la Cast el lar. . . . . . . . . . . . . . . . . . 149O DESENHO NA ARTE E NA GEOGRAFIA: DIFERENÇAS EAPROXIMAÇÕES

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Paulo Robert o Cimó Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167REVISITANDO UM VELHO MODELO: CONTRIBUIÇÕES PARAUM DEBATE AINDA ATUAL SOBRE A HISTÓRIA ECONÔMICADE MATO GROSSO/MATO GROSSO DO SUL

INSTRUÇÕES E NORMAS PARA ELABORAÇÃO DE ORIGINAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .199

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 7-44, 2007

EDITORIAL

A Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção São Paulo apresenta oBolet im Paul ist a de Geograf ia 87, uma edição t emát ica dedicadaprincipalmente à Cartograf ia. O conteúdo dos art igos expressa uma ricadiversidade de abordagens e i lust ra a mat uridade da ref lexão dosgeógrafos sobre a Cartograf ia.

É import ant e dest acar, no ent ant o, que est a não é a primeirainiciat iva do gênero. A AGB publicou, em 1988, o Seleção de Textos número18, composta pela t radução de textos sobre Cartograf ia de autoresconsagrados como Lacoste, Salichtchev, Board e Bert in. Nessa ocasião,a ausência de bibliograf ia específ ica na língua portuguesa conj ugada aodesej o de reformulação do cont eúdo da discipl ina de Cart ograf iarepresentavam as principais preocupações dos seus produtores. O BPG70 também t rouxe incríveis cont ribuições sobre este tema.

Cerca de 20 anos depois dessa primeira coletânea sobre Cartograf iada AGB, o BPG 87 revela um caráter dist into, pois divulga uma parte daprodução intelectual recente de geógrafos brasileiros sobre a Cartografia.Ainda que o cerne das discussões sej a comum – as relações Cartograf ia/Geograf ia e o seu uso como linguagem gráf ica aplicada ao t ratamento e àcomunicação da informação –, foram incorporados elementos sobresist emas de informações geográf icas, geocart ograf ia, visual izaçãocartográf ica, espaço não euclidiano, etnocartograf ia, cartograf ia tát il emaquetes.

No primeiro art igo, Queiroz Filho e Mart inell i discutem a cartograf iade análise e de síntese dos pontos de vista da Cartograf ia Temát icaconvencional e da Cartograf ia Temát ica assist ida pelos Sistemas deInformações Geográf icas (SIG).

Algumas ref lexões sobre a Cartograf ia Geográf ica são apresentadasno segundo art igo do Bolet im. Além de mostrar uma visão geral do referidocontexto, Girardi propõe t rês formas para organizar os conteúdos daeducação geocartográf ica, denominadas como inst rução do pensamentoespacial , inst rução da lei t ura car t ográf ica e inst rução do f azercartográf ico.

A Comunicação e a Visualização Cartográficas são abordadas por Castrono terceiro art igo. Uma revisão dos princípios que norteiam as respect ivas

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teorias, das possíveis interfaces e da sua importância na Análise Espacialé realizada pelo autor, que ut il iza, como exemplo, os mapas bíblicos doatual Estado de Israel e da Palest ina.

O potencial analógico da Cartograf ia é discut ido por Padovesi noquart o art igo. Um dos aspect os abordados pela aut ora consist e noquest ionament o se haveria um desenvolviment o da Cart ograf ia emconsonância com a renovação da Geograf ia.

Almeida, no quinto art igo, discorre sobre o ensino de cartograf iapara populações minoritárias e para usuários com deficiência visual. Foramdiscut idos o design, a produção e uso do mapa tát il e os resultadosaplicados a out ras populações minoritárias, como os indígenas do estadodo Acre.

O sexto art igo aborda a const rução de maquetes. As autoras – Simielli,Girardi e Morone – destacam a disseminação da prát ica de const rução demaquetes de relevo, em art igos cient íf icos e congressos, que enfat izamas prát icas cartográf icas no ensino da Geograf ia.

Já o sét imo art igo, que encerra o BPG temát ico sobre Cartograf ia,t raz uma discussão de Iavelberg e Castellar sobre o aprendizado e o ensinonas escolas at ravés das linguagens art íst icas e cartográf icas.

Mas encerrando mesmo esta publicação está o art igo de Paulo RobertoCimó Queiroz. Seu texto não ent ra no tema deste BPG, mas dialoga comout ro texto, do BPG 61, de 1984, de autoria de Gilberto Luiz Alves. Cimóresgata o importante art igo e rebate algumas teses sobre a históriaeconômica do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Boa leitura!

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ARTIGOS

CARTOGRAFIA DE ANÁLISE E DE SÍNTESE NAGEOGRAFIA

CARTOGRAPHY OF ANALYSIS AND SYNTHESIS INGEOGRAPHY

Alf redo Pereira de Queiroz Fi lhoMarcel lo Mart inel l i*

Resumo: Este art igo tem como obj et ivo discut ir a cartograf ia deanálise e de síntese dos pontos de vista da Cartograf ia Temát ica con-vencional e da Cartograf ia Temát ica assist ida pelos Sistemas de In-formações Geográf icas (SIG). Procura estabelecer as correspondênciasent re o vocabulário, os conceitos e prát icas consagradas das referidasáreas, cont ribuindo para o uso integrado dos seus elementos funda-mentais.

Palavras-chave: Cart ograf ia de anál ise. Cart ograf ia de síntese.Sistemas de Informações Geográf icas. Cruzamento de mapas.

Abstract: This art icle has the purpose to discuss the analyt ical andsynthet ic cartography from the convent ional Themat ic Cartography andt he assist ed by Geographic Inf ormat ion Syst ems (GIS) Themat icCart ography view point s. It t r ies t o est abl ish t he correspondencesbetween consecrated vocabulary, concepts and pract ices of the aforesaidareas cont ribut ing to the integrated use of it s fundamental elements.

Key words: Analyt ical cartography. Synthet ic cartography. GeographicInformat ion Systems. Overlay maps.

* Professores do Departamento de Geograf ia da Faculdade de Filosof ia, Let ras e CiênciasHumanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). E-mai l : [email protected];[email protected]

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1 INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos recentes, part icularmente da informát ica edas telecomunicações, causaram um grande impacto na Cartograf ia. Coma signif icat iva diminuição do custo de computadores, dos seus programase da conexão com a Internet , aliada à criação de bases cartográf icas edados estat íst icos no meio digital, os mapas se difundiram com velocidadee amplitude ainda maiores do que no período renascent ista, quando aimprensa – de Gutenberg – foi ut il izada para reproduzir mapas.

Ent retanto, a decorrente facil idade de confecção dos mapas crioucircunstâncias indesej áveis. Ainda que o número de pessoas que elaboramapas temát icos tenha aumentado substancialmente e a velocidade dasua produção tenha sido muito acelerada – o que a princípio é desej ável–, muitos equívocos cartográf icos têm sido gerados pela ausência deconhecimento dos fundamentos da Cartograf ia em geral, e da Cartograf iaTemát ica em part icular.

Essa é uma das razões pela qual o relacionamento ent re os pro-f issionais de Cartograf ia Temát ica e dos Sistemas de Informações Geo-gráf icas (SIG), nos seus primórdios, foi pouco harmonioso. Nos casosext remos, houve uma clara divisão ent re as partes, criando uma falsapolarização ent re o t radicional e o moderno, embasada por argumentosradicais de ambos os lados. Uma parte deles desqualif icava o processode elaboração de mapas no computador, af irmando que nenhuma in-terface gráfica permit ia representar adequadamente a realidade espacialou que seu uso empobrecia a capacidade de ref lexão. Os argumentosdos usuários neóf itos dos SIGs, em cont rapart ida, mencionavam que osconhecimentos da Cartografia Temát ica t inham perdido importância, poisos sistemas eram capazes de resolver os problemas de representaçãotemát ica sem a orientação dos geógrafos ou out ros estudiosos das maisvariadas áreas de pesquisa.

O contexto desse art igo emerge do uso conj unto dos predicadosdas referidas áreas, pois se entende que a Cartograf ia Temát ica e osSistemas de Informações Geográf icas não só se complementam, comotambém se ent relaçam. Sua relação expressa muito mais a idéia deint egração do que de subst i t uição, assim como as circunst ânciasprofissionais dos autores desse art igo. Dist intas gerações e especialidadesest ão unidas, com o propósit o de reduzir event uais resquícios deincompat ibil idade ent re os campos de conhecimento.

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O obj et ivo é discut ir a cartograf ia de análise e de síntese nos con-textos da Cartograf ia Temát ica convencional e da Cartograf ia Temát icaassist ida pelos Sistemas de Informações Geográf icas. As principais ques-tões que orientaram sua elaboração foram: o que são e quais as diferen-ças ent re mapas de análise e de síntese? Quais são as operações que oscaracterizam? O produto dos cruzamentos de planos de informações nosSIGs pode ser considerado mapa de síntese?

A principal cont ribuição do t rabalho pode ser def inida como a deuma proposta de t radução terminológica, que resgata conceitos e prát i-cas consagradas da Cartograf ia Temát ica convencional e revela suas cor-respondências com os procedimentos dos Sistemas de Informações Geo-gráficas.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A CARTOGRAFIA NA GEOGRAFIA

Para sit uar a questão dos mapas analít icos e de síntese na carto-graf ia e o seu emprego na geograf ia é necessário resgatar momentosmarcantes na história social da ciência dos mapas e da ciência do espa-ço social.

Um primeiro momento foi aquele que conf irmou o homem como ca-paz, desde os primórdios de sua existência, de externar e regist rar seulugar de morada e seu modo de vida. Procedia, mediante expressõesgráf icas ou montagens de est ruturas concretas, representações de seuespaço de vivência, onde exercia suas prát icas sociais.

Passo a passo, com o acréscimo do saber organizado e das técnicas,a cartograf ia viveu forte desenvolvimento até chegar aos dias atuais,tendo a seu serviço um leque bastante amplo de conhecimentos cient í-f icos e de tecnologias bastante apuradas.

São reconhecidos memoráveis marcos dessa caminhada. Um quedespontou, j á em tempos não tão remotos, como mot ivador de um consis-tente avanço no seu afã de atender à demanda de mapas cada vez maisespecíf icos, foi a af irmação de uma crescente solicitação desses mapas,por conta da sistemat ização dos vários ramos cient íf icos operada no f imdo século XVIII e início do século XIX.

Essa crescente busca de especialização na cartograf ia foi se cristali-zando at ravés de uma gradat iva libertação do regist ro eminentementeanalógico da superf ície do terreno e dos obj etos naturais e art if iciais

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instalados sobre aquela. Emergiram temas de estudo, oriundos do lequede ciências organizadas, cuj as representações foram paulat inamente seacrescentando à topograf ia, que lhes garant ia o suporte de localização,inst ituindo, assim, a cartograf ia temát ica.

Esses acréscimos foram primeiramente qualitat ivos, sej a de aspectosconcretos, como, por exemplo, o uso da terra, sej a de manifestaçõessensíveis, porém invisíveis, como por exemplo, o magnet ismo terrest re.

As representações quant itat ivas t iveram sua afirmação com certo at ra-so. Efet ivaram-se somente a part ir das cont ribuições t razidas por WilliamPlayfair, com as propostas de const rução dos gráficos, que usara para ilus-t rar suas obras elaboradas no f im do século XVIII e início do XIX.

Com a revolução indust rial operada desde a segunda metade do sé-culo XVIII até sua completa maturação, no f inal do XIX, assist iu-se a umacrescente busca e avaliação da mobilidade dos homens, das mercadori-as, dos capitais, das informações, etc.. Com base nos gráf icos de colu-nas t razidos por Playfair, que Minard os adaptara para representar quant i-dades movimentadas em t rechos de determinado percurso, a cartogra-f ia temát ica, por obra deste últ imo autor, t ransferiu em 1845, tais colu-nas, dispostas como largura de faixas, para a planimet ria dos eixos viári-os sobre mapas, conf igurando, assim, a representação dos f luxos.

Pode-se dizer que, até aqui, a cartograf ia temát ica foi f iel ao raciocí-nio analít ico promulgado em cada ciência na busca do conhecimento.Ent retanto, várias concepções integradoras da realidade foram se desa-brochando a part ir da Geograf ia Regional de Paul Vidal de La Blache,estabelecida no f inal do século XIX, na França.

O estudo geográfico de La Blache se concluía com uma classif icação,com uma t ipologia. O mest re est ipulava o conceito de “ Região” como umaunidade de estudo que exprimiria a forma dos homens organizarem o es-paço terrest re. Região exist iria de fato. O geógrafo as delimitava, descre-via e explicava. Região era a escala de análise, o âmbito espacial de estu-do, com uma individualidade própria dist inta das áreas circunvizinhas.

Pelos dados humanos colhidos na evolução da sociedade, a regiãoera produto histórico que expunha as relações ent re o homem e a natu-reza, o que const ituiria o obj eto de estudo da Geograf ia Regional.

Nesse contexto, a proposta da Geograf ia Regional de La Blache, re-comendava a realização de estudos monográf icos bastante completosde áreas selecionadas. Essas pesquisas, tendo a região como obj eto de

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análise, compunham-se de uma seqüência de itens temát icos, abrangendotodos os setores de exame, desde a natureza até os mais diferentesempreendimentos da sociedade. Como conclusão, anexava-se mapas re-ferentes aos temas estudados, cuj a sobreposição compunha, não só asíntese cartográf ica das est ruturas de relações ent re os componentesda vida regional, como também a concepção da unidade homem – natu-reza. Revelar-se-ia, assim, a individualidade regional, de onde adviria oconceito de “ gênero de vida” .

No prefácio da primeira edição de seu at las de 1894, o “ At las généralVidal-Lablache: histoire et géographie” , o autor dizia que pretendia daruma visão raciocinada para cada território a ser estudado at ravés doat las. Iniciava a abordagem com o mapa polít ico acompanhado pelo mapafísico, forma de ent rever relações ent re estes temas. Af irmava, ainda,que os t raços que compunham a f isionomia dos territórios só adquiririamvalor de noção cient íf ica quando vislumbrados no encadeamento do qualfaziam parte. Completava o arrazoado ressaltando que a característ icade um território resultava de um grande número de t raços e da maneiraque se combinavam e se modif icavam, uns relacionados com os out ros.Pode-se notar o empenho do autor em vislumbrar a síntese mediante asérie de mapas que selecionava.

Em estudos mais completos, j á na segunda década do século XX,Vidal ent revia certas cidades como agentes organizadores da região.Chamou este t ipo de região de Região Nodal.

Com a chegada da Geografia quant itat iva, na busca de uma renovaçãopara a geograf ia, no f im década de 1960 e início da de 1970, congregandouma efet iva part icipação da matemát ica e da estat íst ica com o apoio dainformát ica e diret rizes voltadas à ação no planej amento, houve umesforço em se adent rar no campo dos métodos de análise mult ivariada.Ela foi amplamente t rabalhada no mundo todo, empolgando estudiososcom seus resul t ados numér icos e obj et ivos, cuj a int erpret açãopossibil itaria a explicação da área obj eto de estudo (MORAES, 1981).

Na promoção de uma renovação para geograf ia, proclamada a part irda década de 1970, na sua vertente crít ica como uma Geograf ia At iva, aregião def inia-se pela convergência e divergência de f luxos de todaespécie, delimitando-a como área de inf luência de uma cidade, um póloregional, cent ro coordenador da organização espacial. Essa região tornou-se, assim, obj eto de intervenção.

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Mesmo na atualidade, com a forte expansão do capital hegemônicoem toda parte do globo, a região persiste, mesmo cat iva de mudançasaceleradas, porém ganhando o nobre crédito de art icular a unidade en-t re a natureza e a sociedade e de conf irmar a região como parte de umatotalidade (SANTOS, 1996).

Para corroborar a concepção da cartograf ia temát ica, envolvida,dent re out ros setores cient íf icos, também com a geograf ia, ent ra emcena um campo que se considera de vital importância, o da cart ograf iade sínt ese.

Sabe-se que a Cartograf ia de Síntese vinha sendo aplicada à Geogra-f ia desde o início de sua sistemat ização, quando colocada como ciênciaempírica, principalmente ao se preocupar com a conclusão de t rabalhoscient íf icos, no intuito de classif icar os fatos referentes ao espaço, pro-pondo t ipologias formais. Estas eram obt idas a part ir de análises porindução da realidade que se expunha ao domínio dos sent idos em seusaspectos visuais, mensuráveis, palpáveis.

Dent ro de um contexto mais t radicional, além dos métodos gráf icose cartográf icos, a síntese pode ser obt ida também at ravés de métodosestat íst ico-matemát icos, com resultados mais obj et ivos. Hoj e, num pla-no mais avançado, a cartograf ia de síntese conta com um grande aliado– o Sistema de Informações Geográf icas. Ele disponibil iza um conj untode funções voltadas à integração de dados, dispostos em diferentes pla-nos de informações ou layers, para se chegar a um mapa de síntese.

3 MAPAS DE ANÁLISE E DE SÍNTESE

3.1 Representações analíticasAs representações analít icas são aquelas que envolvem um raciocí-

nio dirigido à análise do espaço geográfico, mobilizando procedimentosde classif icação, de combinação e de busca das explicações sobre fatosou fenômenos ent revistos nos mapas (Figura 1). Seriam const ruções raci-onais, cuj a est rutura estaria expressa na legenda, organizada como umsistema lógico. As operações mentais empreendidas sobre mapas analít i-cos permit irão ao estudioso formular hipóteses sobre o que explicaria ageografia dos fenômenos. Ent retanto, diante de uma crít ica mais rigoro-sa, af irma-se que, eles por si só não seriam capazes de sugerir as causali-dades ou de dar as explicações (RIMBERT, 1968; CLAVAL ; WIEBER, 1969).

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Figura 1: Exemplos de mapas de análise

Esses autores ainda dizem que o mapa analít ico coloca à most ra di-reções dominantes, massas, agrupamentos, constelações e feixes querevelam a informação, da qual se pode t irar proveito. Ainda, o mesmoleva à colocação de uma série de questões, e são essas que pouco apouco permitem chegar a novas descobertas. Recomendam ainda que,uma vez pronto o mapa, deve-se atentar para uma interpretação siste-mát ica das conf igurações obt idas.

Pode-se verif icar que é nesse nível de raciocínio que a realidade oupelo menos alguns de seus componentes passam para uma abst raçãomediante lucubrações mentais que se expressam at ravés de concep-ções intelectuais – os mapas. O perigo está em ocultar as est ruturas e osvalores sociais por t rás do espaço abst rato “ revelado” pela representa-ção. É necessário atentar para que as regras rígidas da cartograf ia nãodeformem a realidade.

Rimbert (1968), em part icular, af irma que ent re os raciocínios deanálise e de síntese se interporia uma etapa experimental, onde se tes-tariam relações, variando determinados dados de análise (Figura 2). É

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um momento experimental dos raciocínios envolvidos. É solicitado quan-do, ao procurar comparar duas séries de dados estat íst icos, se quest io-na até que ponto certas part icularidades de uma se ref lete na out ra.Porém, adverte que, mesmo uma mult iplicidade destes testes não cons-t ituiria a síntese.

Figura 2: Representação gráf ica da relação ent re os raciocíniosFonte: RIMBERT (1968)

Existem várias formas possíveis para verif icar a correlação ent re da-dos: as correlações cartográf icas, as correlações gráf icas e as correla-ções estat íst icas.

De acordo com Schaefer (1953), as correlações cartográf icas são pro-cessadas superpondo-se vários mapas isarítmicos t ransparentes para ve-rif icar se existem concent rações de fenômenos em certos lugares. Parasaber se as concent rações indicam realmente relações ou simples con-vergências acidentais, é necessário recorrer ao campo ou à aplicação deum teste estat íst ico específ ico.

As correlações gráf icas são executadas para comparar duas sériesestat íst icas, avaliando o grau de dependência ent re elas, dispensando ocont role cartográf ico. Const rói-se um gráf ico cartesiano com uma sérieem cada eixo. Se exist ir uma consistente correlação ent re elas aparece-rá uma concent ração de pontos seguindo certo alinhamento. Caso con-t rário os pontos f icarão mais ou menos dispersos.

As correlações estat íst icas definem coeficientes de correlação quepodem ser expressos por gráficos de linhas, que irão indicar, de forma maisconfiável, o t ipo de relação que existe entre as duas séries. Se a linha foruma reta subindo da esquerda para a direita, t rata-se de uma correlaçãoposit iva. Caso contrário, descendo, significa uma correlação negat iva.

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3.2 Representações de síntesePara Claval e Wieber (1969), o mapa de síntese, teria como primeira

função a de salientar as correlações, evidenciando conexões ent re fe-nômenos dist intos.

Os autores alertam que, nem sempre ao se superpor vários temas seconsegue most rar as ligações. Cada tema se perderia na confusão dossignos. Recomendam, então, superpor mapas temát icos simplif icados,donde resultariam mais claras as relações espaciais. De qualquer forma,a síntese é uma necessidade, porém deve ser atendida de maneira quefaça emergir, novas conf igurações que sej am completamente diferentesdo que o resultado de uma simples soma das conf igurações elementares.Só assim, se obteria uma visão global da realidade (Figura 3).

Figura 3: Exemplo de mapa de síntese

O mapa de síntese, assim concebido, torna-se inst rumento privile-giado do geógrafo que, na geograf ia humana, tem interesse nos estudosregionais. Ent retanto, ele deve proceder seu uso com prudência, paraque não aconteça de se obter conf igurações que não são as mais carac-teríst icas. Atentar, assim, para não privilegiar fatos de ordem estát ica,nem dar muita importância às áreas homogêneas; ao cont rário enfat izarmais os conj untos funcionais ou polarizados.

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Como um exemplo consistente desta cartograf ia pode ser citadoaquele do mapa “ Geossistemas do estado de São Paulo” elaborado porTroppmair (2000). Representa a art iculação espacial dos geossistemas noterritório paulista. O mapa most ra 15 unidades sintét icas ident if icadas elimitadas a part ir da integração de elementos naturais e sócio-econômi-cos, como Clima, Geomorfologia, Solos, Água do solo, Classes de uso dosolo, Hidrograf ia, Cobertura vegetal, Cent ros urbanos e Rede rodoviária.Dent re os 15 geossistemas, alguns most raram forte vínculo com os com-part imentos geomorfológicos, enquanto que out ros exibiram relações,não menos importantes, com determinados aspectos ambientais.

A caracterização de cada unidade espacial f icou patente por incluirinter-relações, desde muito fortes até impercept íveis, ent re os compo-nentes que part icipam do geossistema para formar o todo. O autor pôdeconstatar que aqueles que se destacaram pela atuação são dominantes,comandando e direcionando o conj unto. (Figura 4).

Figura 4: Exemplo de mapa de sínteseFonte: Geossistemas do estado de São Paulo (Troppmair, 2000)

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No mundo da natureza conta-se com certa estabilidade, principal-mente geológica em períodos longos, com remodelações e acomodaçõesempreendidas em períodos mais curtos. Os mais curtos são de ordemclimát ica e os mais curtos ainda são devidos aos ritmos periódicos da

vida vegetal e animal, come sem a presença do ho-mem.

Especif icament e, noâmbito da Geografia Física,o t ema Clima despontoucomo um dos primeiros as-suntos a buscar uma carto-grafia de síntese, sendo ade Köppen a inicial.

Em t empos mais re-cent es, dest acou-se aclassif icação de St rahler,de 1951, baseada nas mas-sas de ar e em seus movi-ment os. No cont ext o doBrasil, de estados e muni-cípios selecionados, sãoconhecidos, dent re ou-t ros, os t rabalhos de Ed-mon Nimer, Carlos Augus-to de Figueiredo Montei-ro, José Roberto Tarifa eGustavo Armani (Figura 5).

Figura 5: Exemplo de mapa de síntese do clima do estado de SP de Monteiro

O tema Relevo, desde cedo, t ambém teve cont ribuições em ter-mos de mapas de síntese. Destacaram-se as de Preston James, Finch eTrewartha. Para o Brasil e estados, dent re tantos, pode-se cit ar comorecentes, as sínteses de Jurandyr Luciano Sanches Ross e dele comco-aut ores.

Out ro campo de pesquisa que realizou cartograf ia de síntese foi aecologia, de onde se pode enfat izar, numa nova revisão, o mapa das

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“ Regiões ecológicas do estado de São Paulo” , composto por HelmutTroppmair.

Apesar de todo esse last ro metodológico, estabelecido com a evolu-ção da ciência cartográf ica, observa-se que, no ambiente acadêmicoque explora a cartograf ia temát ica, existe ainda muita confusão sobre oque viria a ser uma cartograf ia de síntese.

Muitos a concebem, ainda, mediante mapas ditos “ de síntese” , po-rém, não como sistemas lógicos, e sim como superposições ou j ustapo-sições de análises. Resultam, portanto, mapas muito confusos onde seacumula uma mult idão de hachuras, cores e símbolos, até mesmo índi-ces alfanuméricos, negando a própria idéia de síntese. A Figura 6 ilust raum mapa temát ico exaust ivo com sobreposição de at ributos e variáveisque seria equivocadamente interpretado como de síntese.

Figura 6: Exemplo equivocado de mapa de síntese

Na síntese, não se pode mais ter os elementos em superposição ouem j ustaposição – característ ica básica dos mapas analít icos exaust ivos –,e sim a fusão deles em t ipos - unidades taxonômicas. Isto signif ica que, nocaso dos mapas, devem-se ident if icar agrupamentos de unidades espaci-ais elementares caracterizadas por agrupamentos dos seus at ributos ou

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variáveis. Ou ainda, obter agrupamentos de tais unidades em função devários critérios e mapear os resultados obt idos (RIMBERT, 1968).

Para esclarecer o que vem a ser um raciocínio de síntese, toma-sede emprést imo o t rabalho experimental feito por Gimeno em 1980, j un-to a escolares do ensino fundamental em Paris. Tratava-se de descobrirque agrupamentos poderiam se formar num conj unto de 42 dados ele-mentares: sete obj etos relacionados a seis at ributos A f igura 7 ilust ra apassagem do momento analít ico, onde, numa mat riz, cada obj eto serelaciona a um ou mais at ributos, para o de síntese, obt ido com reitera-das permutações ent re colunas e linhas da mat riz, revelando t rês gruposde obj etos caracterizados por t rês grupos de at ributos. Assim, o t rata-mento gráf ico dos 42 dados possibil itou que fosse revelada a seguinteinformação: os obj etos formam t rês grupos caracterizados por t rês gru-pos de at ributos. O grupo de obj etos “ A” é caracterizado pelo grupo “ I”de at ributos; o grupo de obj etos “ B” é qualif icado pelo grupo “ II” deat ributos (um só at ributo); o grupo de obj etos “ C” é assinalado pelogrupo “ III” de at ributos.

Figura 7: Passagem do momento analít ico para o de síntese.

Para empreender uma cartograf ia de síntese da geograf ia de umaárea de estudo, t radicionalmente, sempre se considerou como pontode part ida a superposição e a combinação manual de vários mapastemát icos analít icos. Isso most rou que, desde o começo, teria havido

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certa tendência a determinado esforço em prol de se t rabalhar dados,de forma mult ivariada.

Assim, conforme obj et ivos e campos de estudo est ipulados, a car-tograf ia de síntese pode ser realizada por métodos t radicionais, emi-nentemente gráf icos e cartográf icos ou por métodos estat íst ico-mate-mát icos, envolvendo dados qualit at ivos, ordenados ou quant itat ivos,referentes a ent idades como, pontos, l inhas e áreas.

Para os procedimentos estat íst ico-matemát icos, com o adventoda informát ica, disponibil izaram-se muitos programas específ icos e,mais recentemente, passou-se a contar t ambém com a part icipação defunções específ icas disponíveis nos Sistemas de Informações Geográf i-cas.

4 PRINCIPAIS MÉTODOS DA CARTOGRAFIA DE SÍNTESE

4.1 Procedimentos convencionais4.1.1 Mét odos gráf icos e cart ográf icosExiste uma boa variedade de métodos gráf icos e cartográf icos que

foram sendo desenvolvidos ao longo da busca de uma cartograf ia desíntese, principalmente no domínio da cartograf ia temát ica.

Bert in (1973; 1977), Bonin (1980), Gimeno (1980), Bord (1984), Bonine Bonin (1989), Blin e Bord (1993) e discípulos colocam a cartograf ia desínt ese como uma represent ação capaz de most rar em mapa osagrupamentos de lugares caracterizados por agrupamentos de at ributos.Consideram vários procedimentos: Superposição t ricromát ica, Métodocartográf ico e Métodos mat riciais.

Na Superposição t ricromát ica t rabalhar-se-iam mapas de at ributosselecionados na mesma escala. Podem ser superpostos de t rês em t rês.Basta que sej am realizados em t ransparências, nas cores, azul (cyan),amarelo (yel low) e vermelho (magenta), as t rês cores primárias da síntesecromát ica subt rat iva. A superposição permit iria delimit ar conj untosespaciais caracterizados por dist intas combinações dos t rês at ributos,revelados pelas cores secundárias resultantes.

No Método cartográf ico, a síntese seria feit a a part ir de mapasanalít icos, em t rês passos:

1) Coleção de mapas temát icos resolvidos em ordem crescente devalores cromát icos (um para cada at ributo selecionado);

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2) Mapas de síntese intermediários def inindo um primeiro nível deagrupamento espacial;

3) Mapa de síntese f inal com os t ipos de espaços.Nos Métodos mat riciais, a síntese seria obt ida a part ir de uma tabe-

la de dados de dupla ent rada: nas colunas seriam indicados os lugares,nas linhas os at ributos e nas células, a presença ou ausência ou a classede ordem ou, ainda, o valor absoluto ou relat ivo de tais at ributos. Estatabela é t ranscrita para uma forma gráf ica, como um quadriculado, comcélulas, as quais serão preenchidas de preto ou branco, para o primeirocaso, por uma ordem de valores visuais, no segundo e por tamanhosproporcionais, no últ imo caso.

Para o caso de um exemplo cuj os dados const ituem uma série geo-gráf ica, forma-se uma mat riz ordenável, que aceita permutações tantodas linhas como das colunas. Essas permutações serão feitas at ravés dereiteradas aproximações ent re as linhas e ent re as colunas até se avizi-nhar as que mais se assemelham, obtendo-se uma segunda imagem – amat riz ordenada –, que deve ser interpretada. Isto signif ica individuali-zar sobre esta mat riz, os agrupamentos de lugares que se formaram,sendo caracterizados por agrupamentos de at ributos, orientando a cons-t rução da legenda. O agrupamento das células individuais sobre a mat rizordenada guiará a conf iguração dos agrupamentos no espaço, que serãodelimitados sobre o mapa, correspondendo à síntese (Figura 8, na próxi-ma página).

No campo da ecologia, o botânico Gaussen, na metade do séculoXX, t ambém int roduziu a síntese por métodos gráf icos e cartográf icos.Explorou a síntese cromát ica at ravés dos mapas. Procedia at ribuindouma cor a cada fator ecológico representado, seguindo f ielmente oaspecto conotat ivo da cor. A umidade seria representada em azul, ocalor pelo vermelho e, a cada mat iz def inida, at ribuir-se-ia uma varia-ção de valor, do claro para o escuro, conforme a menor ou maior part i-cipação do fator.

Assim, ao se superpor um mapa das precipitações (em azuis) ao dastemperaturas (em vermelhos), as regiões quentes e úmidas apareceriamem violeta, enquanto as áreas frias e secas f icariam prat icamente embranco. As demais situações adquiririam cores e tonalidades intermedi-árias. Revelar-se-iam, assim, regiões naturais caracterizadas por regimespluviotérmicos.

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Ainda, para aplicação de método gráf ico, tem-se um caso part icularde cartograf ia de síntese, aquele que busca a representação dos “ t ipos”de est ruturas ternárias específ icas, isto é, por variáveis formadas port rês componentes colineares. Mobiliza-se um t ratamento at ravés do di-agrama t riangular. Este gráfico part iciparia, assim, como algoritmo para ot ratamento dos dados e para a organização da legenda.

As diferentes combinações dos t rês componentes I, II, III da variávelestudada são sintet izadas at ravés de pontos no interior do t riângulo.Quando a variável se refere aos lugares, cada ponto do gráf ico represen-ta a est rutura de cada um (Béguin e Pumain, 1994).

Figura 8: Exemplo do método mat ricial para o caso dos “ Tipos de clima da França” feito apart ir dos dados de insolação, amplitude térmica, dias de precipitação nival, dias de chuva,temperaturas de j ulho, o mês mais quente, sobre uma base de unidades de observação, ost ipos de relevo, que são unidades sintét icas.Fonte: Gimeno (1980, p. 174)

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A part ir da análise visual da nuvem de pontos resultante, agrupam-se os lugares segundo categorias def inidas pela posição que ocupam not riângulo. Às vezes os agrupamentos não são tão fáceis de serem dis-cernidos. Exige-se um cont role mais apurado. As categorias, assim def i-nidas, serão depois t ransferidas para o mapa, o qual representará a sín-tese de est ruturas ternárias agrupadas em classes signif icat ivas. O gráf i-co t riangular será sua legenda, dando t ransparência total ao raciocínioempreendido na const rução do mapa.

Em geral, a cartograf ia de síntese t rabalhada por métodos gráf icos ecartográf icos é explorada j unto a situações estát icas. Mas é possívelelaborá-la também para abordagens dinâmicas. Considere-se o exemploque leva ao estabelecimento de t ipos de evolução da população para oestado de São Paulo no período 1970/ 2000, com os dados de 1970, 1980,1990 e 2000.

Para se chegar a esta síntese pode-se fazer um t ratamento gráf icodos dados, que consiste em elaborar um diagrama evolut ivo em mono-log para cada unidade de observação. Depois de prontos, estes serãoclassif icados visualmente, aproximando aqueles que mais se assemelham,procurando formar grupos com característ icas similares de evolução. Cadagrupo const ituirá um “ t ipo” que será qualif icado na legenda por um sig-no e respect ivo epíteto expresso de forma concisa, como:

• Crescimento forte prat icamente constante;• Crescimento forte na primeira década seguido de decréscimos fra-

cos e progressivos;• Crescimento de médio a forte seguido de decréscimo na últ ima

década;• Crescimento médio na primeira década seguido de crescimento

um pouco mais forte;• Crescimento médio quase constante.• Crescimento fraco na primeira década seguido de quase estabili-

dade;• Decréscimo forte na primeira década seguido de crescimento mé-

dio quase constante;• Decréscimo médio na primeira década seguido de quase estabili-

dade.Cada rubrica da legenda, assim especif icada, receberá um signo, uma

cor ou textura indicadora para ser lançada no mapa que expressará asíntese (Figura 9, na próxima página).

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4.1.2 Mét odos est at íst ico-mat emát icosA síntese obt ida at ravés de métodos estat íst ico-matemát icos, com

certeza, oferecerá resultados mais obj et ivos, menos suj eitos às interpre-tações visuais. Ingressar-se-á, assim, no domínio do t ratamento e repre-sentação da informação quant itat iva mult ivariada.

Essa forma de análise é denominada de mult ivariada, pois t rata umconj unto de variáveis geográf icas por meio de diversos at ributos quan-t itat ivos. Abriu-se, assim, o campo dos mapas mult ivariados, que podemexpressar uma síntese cartográf ica.

Para manusear um conj unto razoavelmente grande de variáveis quan-t itat ivas caracterizadoras de unidades geográf icas elementares, para oqual se desej a obter a síntese, é muito comum a adoção dos métodos daAnálise fatorial (Factor analysis), complementada pelo da Análise de agru-pamento (Clust er analysis).

A análise fatorial é bastante difundida e consiste num procedimen-to que faz o papel de comparar vários mapas temát icos de dados quant i-

Figura 9: exemplo de método gráf ico para a elaboração do mapa de síntese, “ Tipos deevolução da população – 1970/ 2000”

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tat ivos, absolutos ou relat ivos. Ela é ut il izada em t rabalhos que exigemo estudo de diversas variáveis ao mesmo tempo.

Parte-se de uma mat riz de dupla ent rada, que dispõe as unidadesgeográf icas nas colunas e o nome das variáveis nas linhas. Nas célulasvão os respect ivos valores. Calcula-se o índice de correlação (Pearsonproduct moment ) ent re cada par de variáveis, estabelecendo os resul-tados numéricos numa mat riz, que será simét rica. Em seguida, avalia-sea proporção da variação total em porcentagem ent re as variáveis que seacumula em cada fator. Cada fator representa um grupo de variáveis.Most ra-se a seguir, as ponderações de cada uma das variáveis individual-mente nos fatores, organizando uma mat riz de unidades geográf icas porfatores (bastam os dois primeiros). Os resultados desses t ratamentosfeitos até aqui podem ser visualizados por gráf icos ou por mapas ade-quados a esse f im.

Agora é chegada a vez de se aplicar a Análise de agrupamento aosfatores, que se exibe visualmente at ravés de uma árvore de ligações,um dendrograma. Representa, portanto, uma classif icação em basemult ivariada. Sobre o dendrograma se decide por certo nível de agrega-ção para cortá-lo, de modo a obter um razoável número de grupos deunidades espaciais, tal que, em cada um haj a uma aceitável cotação demínima variância int ra-grupos e de máxima variância inter-grupos (verFigura 13). A cartograf ia dos grupos signif ica a síntese em mapa.

4.2 Procedimentos nos Sistemas de Informações Geográ ficasConforme Tomlinson (1972), um SIG é um t ipo de sistema caracteri-

zado pela natureza espacial das informações. Segundo Marble et al (1984),Burrough (1986) e Aronoff (1989) os SIGs são sistemas voltados à aquisi-ção, análise, armazenamento, manipulação e apresentação de dados re-ferenciados espacialmente. Para Rodrigues (1990), os SIGs podem serentendidos como modelos do mundo real úteis a certo propósito. Subsidi-am o processo de observação, de atuação e de análise dos fenômenosda superf ície terrest re.

Considerando o propósito deste art igo, é importante realçar – den-t re os inúmeros aspectos dos SIGs – dois modelos que são ut il izados emdist intos níveis, os conceituais e de dados. Os modelos conceituais dosfenômenos geográf icos são usualmente denominados como campos ouobj etos.

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De acordo com Câmara (1986), o modelo de campos enxerga o mun-do como uma superf ície cont ínua, sobre a qual os fenômenos geográf i-cos variam conforme padrões dist intos de dist ribuição. O modelo deobj etos representa o mundo como uma superf ície ocupada por obj etosident if icáveis, com geomet ria e característ icas próprias.

Esses modelos conceituais são representados matemat icamente pelosmodelos de dados geográf icos, denominados como vetorial ou mat ricial(rast er). Eles def inem a forma pela qual o fenômeno será representado,ident if icado, medido ou regist rado.

Embora os campos sej am usualmente representados no formatomat ricial e os obj etos expressos na forma vetorial, isso não implica quehaj a uma regra. Num mapa de solos, por exemplo, a classe latossolo ver-melho-amarelo é considerada como campo – pois é t ratada como umasuperf ície cont ínua –, mas pode ser representada pelos modelos de da-dos mat ricial ou vetorial.

Os procedimentos mais comuns de análise espacial dos SIGs estãodiretamente relacionados com os modelos de representação de dadosgeográf icos. De acordo com Burrough; McDonnel (1998), as principaisformas de análise de dados para o modelo obj eto são as operações sobreseus at ributos, distância/ localização e sobre sua topologia. A forma maisimportante de análise de dados proporcionada pelo modelo de campos éa álgebra de mapas (Tomlin, 1990).

Tendo em vista a amplitude de cada um desses meios de análise,optou-se por rest ringir os exemplos de mapas de síntese nos SIGs aosprocedimentos mais usuais dos geógrafos, como a álgebra de mapas e ot ratamento estat íst ico de dados, apresentados e discut idos sumaria-mente nos próximos itens.

4.2.1 Álgebra de mapasAs álgebras de mapas são procedimentos matemát icos realizados a

part ir de operações booleanas. Elas são, em essência, est ruturas algé-bricas que ut il izam operações lógicas E, OU e NÃO, e operações da teo-ria de conj untos, tais como soma, produto e complemento. São assimdenominadas em homenagem a George Boole, matemát ico inglês, queas def iniu, em meados do século XIX.

Os SIGs ut il izam esses operadores lógicos para realizar cruzamentosent re dois ou mais planos de informação (layers). A grande vantagem douso dessa est rutura é a sua simplicidade e aplicabilidade, pois são análo-

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gas ao t radicional método de sobreposição de mapas empregando mesasde luz, mencionado no item anterior.

Segundo Câmara (2001), são exemplos dessas operações:• Operação lógica do t ipo A AND B, que retorna todos os elementos

cont idos no conj unto de intersecção ent re A e B;• Operação A NOT B, cuj o resultado consiste nos componentes con-

t idos exclusivamente no conj unto A;• Operação A OR B, que retorna todos os elementos cont idos tanto

em A, como em B;• Operação A XOR B, cuj o resultado indica todos os componentes

cont idos em A e B, não incluídos na intersecção de A e B.Os dois principais exemplos de álgebra de mapas, aqui abordados, são

os mapas de síntese realizados com dados qualitat ivos e com dados quan-t itat ivos. Embora, nos dois casos, sej a necessária a conversão dos mapasem representações numéricas (formato matricial), as operações qualitat i-vas se diferenciam das quant itat ivas, pois seus valores numéricos não re-presentam um valor, ponderação ou peso dos respect ivos at ributos.

4.2.1.1 Álgebra de mapas com dados qualitat ivosComo j á foi mencionado, a essência dos procedimentos da mesa de

luz e da álgebra de mapas é muito parecida. Na mesa de luz, os dist intosmapas de uma mesma região – representados sobre t ransparências e namesma escala – são sobrepostos. Dessa forma, o pesquisador pode vi-sualizar novas conformações espaciais e cores, ou níveis de cinza, nasáreas onde há superposição de classes diferentes.

Nos SIGs, o processo de álgebra de mapas com dados qualit at ivos ésemelhante, exceto pela codif icação numérica de cada uma das rubri-cas de um mapa. No mapa geológico, por exemplo, cada ocorrência éassociada a um número diferente, como, por exemplo, cristal ino = 1 esedimentar = 3 (Tabela 1). Esse número ou ident if icador da rubrica nãorepresenta uma nota, peso ou valor, e é selecionado pelo pesquisadornas operações de ent rada de dados ou de reclassif icação.

Esse mapa, composto por at ributos numéricos, é visualizado por meiode uma tabela de cores1. Ao invés de representar esses números na tela

1 As paletas contendo dist intos níveis de cinza ou cores são comumente denominadas como“ tabela de cores” ent re os usuários dos SIGs.

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do computador, a interface do SIG os converte e exibe as cores ou níveisde cinza correspondentes de uma paleta. Por exemplo: a rubrica crista-lino, associada ao número 1, corresponde à primeira cor ou nível de cin-za de uma tabela de cores. Como a paleta ut il izada, na Figura 10, repre-senta níveis de cinza e é ordenada, o cristalino corresponde ao cinzaclaríssimo. Da mesma forma, a classe sedimentar, associada ao número 3,equivale ao cinza claro.

Dessa maneira, as operações lógicas – ou de soma –, ent re os mapassão realizadas numericamente, mas os result ados são visualizados, au-tomat icamente, de acordo com a tabela de cores escolhida. O usuáriopode criar novas paletas ou adotar t abelas de cores previamente def i-nidas para visualizar os mapas, sem que isso alt ere seus at ributos nu-méricos.

Tabela 1: Relação das rubricas temát icas, cores ou níveis de cinza e números

A Figura 10 ilust ra o cruzamento dos planos de informação (layers)de acordo com os dados da tabela 1. O mapa do relevo possui duas rubri-cas, planalto e planície, associadas aos números 11 e 15 respect ivamen-te. Quando cruzadas com as classes da Geologia, a resultante é um mapaque contém dist intos contornos e níveis de cinza. O planalto cristalino,como o próprio nome diz, representa as áreas onde ocorre o cristalinoe, simultaneamente, o planalto. Corresponde ao número 12, que consis-te na soma dos seus valores de origem (cristalino = 1 + planalto = 11), e évisualizado no respect ivo nível de cinza (12) da tabela de cores. O pla-nalto cristalino, por sua vez, quando cruzado com os usos e coberturasda terra (culturas = 21 e f loresta = 24), gera duas novas áreas (I e II), comníveis de cinza 33 e 36, respect ivamente.

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Figura 10: Esquema de elaboração de mapa de síntese qualit at ivo

O resultado do cruzamento é um mapa com sete t ipos de paisagemdist intos, que expressam a sobreposição dos contornos espaciais dosmapas ut il izados. A def inição da legenda desse mapa de síntese consisteem at ribuir epítetos aos t ipos de paisagem resultantes.

Um exemplo de legenda pode ser observado a seguir:

PAISAGENS NATURAISII. Paisagem de florestas em planaltos cristalinos (nível de cinza = 36).IV. Paisagem de florestas em planaltos sedimentares (nível de cinza = 38).V. Paisagem de florestas em planícies cristalinas (nível de cinza = 40).VII. Paisagem de florestas em planícies sedimentares (nível de cinza = 42).

PAISAGENS CULTURAISI. Paisagem de culturas em planaltos cristalinos (nível de cinza = 33).III. Paisagem de culturas em planaltos sedimentares (nível de cinza = 35).VI. Paisagem de culturas em planícies sedimentares (nível de cinza = 39).

4.2.1.2 Álgebra de mapas com dados quant itat ivosO segundo exemplo de mapa de síntese é o mapa de vulnerabilidade

à erosão, também caracterizado pela soma dos at ributos. Será aqui

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considerado como um mapa de síntese aplicada, pois at ribui pesos àsvariáveis (ver mais detalhes no item Considerações Finais). Ele foi ext raídode Queiroz Filho et al (1999), que o empregou como parte da metodologiapara realizar uma proposta de zoneamento do Parque Estadual de Guaj aráMirim – RO, e será descrito a seguir.

Esse mapa de vulnerabil idade à erosão foi elaborado a part ir daadaptação da metodologia proposta pelo INPE (1996), que desenvolveuum modelo baseado no conceit o de ecodinâmica de Tricart (1997).Essa anál ise morfodinâmica das unidades de paisagem nat ural é feit aa part ir da relação dos processos de morfogênese/ pedogênese. Quandopredomina a morfogênese, prevalecem os processos erosivos modi-f icadores das formas de relevo (unidade inst ável) e, quando predomi-na a pedogênese, prevalecem os processos formadores de solos (uni-dade est ável).

As etapas realizadas para a geração de uma carta de síntese foram:• Compilação e/ ou produção da base cartográf ica (Geologia, Geo-

morfologia, Pedologia e Cobertura vegetal);• Elaboração de tabelas associando as classes temáticas aos valores

de vulnerabilidade de erosão;• Conversão dos dados vetoriais (mapas temát icos digitalizados) para

o formato mat ricial;• Cruzamento dos mapas temát icos.Essas tabelas, que quant if icam os dados dos mapas, foram criadas

segundo um modelo que estabelece classes de vulnerabilidade à erosão.As classes são dist ribuídas ent re as situações de predomínio dos processosde pedogênese (valores próximos de 1,0), passando por si t uaçõesintermediárias (valores próximos de 2,0) e situações de preponderânciados processos de morfogênese (valores próximos de 3,0).

O modelo é aplicado a cada uma das classes separadamente, ou sej a,à Geologia, Geomorfologia, Pedologia e Vegetação. Após a criação dessastabelas, os mapas temát icos foram exportados do formato vetorial para omatricial. O passo seguinte foi subst ituir o valor dos polígonos (at ributo),das variadas classes, pelos respect ivos valores de vulnerabilidade dastabelas.

A at ividade posterior foi o cruzamento dos mapas (overlay). Nestaoperação booleana, os at ributos de cada mapa foram sendo somados acada cruzamento (sobrepostos dois a dois), até que todos os temas

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t ivessem sido cruzados. A Figura 11 ilust ra o processo para a geração deuma carta de síntese com dados quant itat ivos.

Figura 11: Representação do cruzamento de mapas com dados quant it at ivos (fase 1)Fonte: Queiroz Filho et al (1999)

O resultado dos cruzamentos (R3) é um mapa que contém a soma detodos os valores de vulnerabilidade à erosão dos mapas temát icos daregião. Para concluir o processo, conforme ilust ra a Figura 12, é necessá-ria a divisão dos valores totais por 4 (número de mapas cruzados), para aobtenção da média dos valores de vulnerabilidade (R4). Esses valoressão subst ituídos por unidades, conforme as classes correspondentes databela 2, e a carta de vulnerabilidade é gerada (R5).

Figura 12: At ribuição de unidades taxonômicas (fase 2)Fonte: Queiroz Filho et al (1999)

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Em resumo, a carta de vulnerabilidade à erosão é um mapa de sínte-se aplicada, por causa da at ribuição de pesos, produzido a part ir dedados quant it at ivos. O produto do cruzamento de dist intos t ipos deinformações (layers) salienta correlações que evidenciam a conexão entrefenômenos e a percepção de novas conf igurações espaciais. Seu resul-tado não expressa a simples soma de conf igurações elementares, mas oagrupamento de unidades taxonômicas em função de vários critérios.

4.2.2 Trat ament o est at íst ico de dados nos SIGsA manipulação estat íst ica dos at ributos dos mapas é considerada

idênt ica nos processos convencionais e no ambiente dos SIGs. Embora avelocidade, a interat ividade e a variedade de programas para t ratamen-to de informações sej am dist inções inquest ionáveis, a essência dos pro-cedimentos para produção de mapas de síntese pode ser consideradasimilar em ambos os meios.

De acordo com Landim (2000), a análise mult ivariada integra umaárea da estat íst ica que t rata das relações ent re as variáveis. Nesse t ipo

Tabela 2: Representação da vulnerabil idade/ estabil idade das unidades taxonômicasFonte: INPE (1996)

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de análise, os valores das diferentes variáveis de um mesmo indivíduodevem ser interdependentes e consideradas simultaneamente.

Os métodos mais ut ilizados nos mapas de síntese podem ser resumi-dos em análise fatorial e análise de agrupamentos (cluster). Embora sejamoperações complexas do ponto de vista teórico e operacional, essas análi-ses são realizadas por diversos t ipos de programas de estat íst ica, comoMinitab, SAS, S-Plus e Stat ist ica; pelas extensões das planilhas de cálculo,como WinSTAT do Excel, além dos SIGs, como o Idrisi, Spring e o Philcarto.

Para ilust rar o processo de elaboração dos mapas de síntese com t ra-tamento estat íst ico de dados quant itat ivos, optou-se pelo método daanálise de agrupamento do PhilCarto2. Esse programa foi selecionado pordois critérios fundamentais: é gratuito e tem interface na língua portu-guesa. Os dados ut ilizados foram da população economicamente at iva doestado de São Paulo, segundo as regiões administ rat ivas, em 1991, e dasSubprefeituras do município de São Paulo, usados nos cursos de Cartogra-f ia Temát ica, do Departamento de Geografia (FFLCH – USP).

As etapas requeridas para a análise mult ivariada foram as seguintes:• Importação e manipulação da base cartográf ica. Os dados produzi-

dos pelo IBGE, no formato Shape (do programa ArcView), foram conver-t idos para o formato do PhilCarto com o programa Xphil (também gratui-to e obt ido no mesmo endereço);

• Criação do arquivo de dados numa planilha (usou-se o Excel);• Manipulação do programa PhilCarto.O programa PhilCart o oferece duas al t ernat ivas para a anál ise

mult ivariada. No módulo PRO, opção MULTI, além da análise de agrupa-mentos (clust er analysis) – que é explorada no art igo –, é possível reali-zar a análise fatorial, por meio de técnicas das componentes principais ea análise fatorial das correspondências.

A operação da análise de agrupamentos é muito simples. Após sele-cionar as variáveis que serão analisadas e def inir se os dados são absolu-tos (opção: correspondências) ou relat ivos (opção: medidas), é neces-sário usar a seta do mouse para “ cortar” a árvore e decidir pelo númerode agrupamentos.

2 O programa PhilCarto pode ser obt ido gratuit amente em <ht t p: / / philgeo.club. f r/Index.html> Acesso em: 5 mai. 2007.

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Nessa função, as unidades espaciais são agrupadas conforme a pro-ximidade ent re os valores das suas variáveis. Os grupos assim formadospossuem mais elementos que se assemelham do que se diferenciam. Esseagrupamento é visualmente representado por meio de um dendrogramaou árvore de ligações, que contém os grupos de unidades espaciais es-tabelecidos pelo programa. Recomenda-se posicionar o cursor em váriossetores dessa árvore, para que o usuário experimente visualizações al-ternat ivas dos mapas f inais com número adequado de grupos de unida-des espaciais (Figura 13).

Figura 13: Mapa dos t ipos de qualidade de vida das Subprefeituras do município de SãoPaulo

Na Figura 13, as Subprefeituras do Município de São Paulo foramagrupadas nos t ipos de qualidade de vida 1, 2, 3 e 4. Esses t ipos sãocaracterizados pelo predomínio das médias de certas variáveis, ilust ra-

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do pelo gráf ico de barras3. As variáveis ut il izadas foram: população totalem 2000, número de responsáveis por domicílios que ganham até 3 salá-rios mínimos, responsáveis que ganham mais de 20 salários mínimos,número de pessoas até 5 anos de idade, número de pessoas acima de 60anos, número total de analfabetos, esperança de vida e número de anosde estudo.

Como most ra o gráf ico de barras da Figura 13, o t ipo de qualidade devida 1 (cinza escuro) se destaca pelo predomínio de renda maior do que20 salários mínimos; no t ipo 2 (cinza médio), há um discreto predomínioda população total e da com mais de 60 anos; o t ipo 3 (cinza claro) des-taca-se pela preponderância da população que ganha até 3 salários míni-mos, da população de até 5 anos de idade e do número total de analfa-betos e, o t ipo 4 (cinza claríssimo), caracteriza-se pela prevalência dapopulação com mais de 60 anos, renda acima de 20 salários e númeromédio de anos de estudo mais elevado.

Embora o grau de dif iculdade para realização desse procedimentosej a muito baixo, é primordial que os fundamentos da interpretação dosresultados sej am compreendidos. Para auxiliar a interpretação, deve-sevisualizar os perf is médios das classes. Esse procedimento é válido parademonst rar quais as “ característ icas estat íst icas” dos grupos de subpre-feituras, obt idos a part ir da decisão do operador em fazer o corte naárvore. O gráf ico de barras opostas indica os desvios padrão de cadagrupo em torno da respect iva média.

É importante salientar que o PhilCarto também possui out ro disposi-t ivo út il para a elaboração de um mapa de síntese. No caso part icular dousuário possuir uma série de dados que são est ruturas ternárias forma-das por t rês componentes colineares de uma série de lugares, cuj a somasej a constante, igual a 100%, há a possibil idade de se usar um diagramat riangular. Da mesma forma que a proposta de Mart inell i (1992 e 2003a e

3 Deve-se observar que: cada agrupamento espacial do mapa possui um gráf ico de barras(uma barra para cada uma das variáveis). O eixo cent ral do gráf ico representa a médiada variável em relação ao restante das unidades espaciais do mapa. A part ir desse eixocent ral, cada barra parte para a direita ou para esquerda. Se a barra for representadaà direita do eixo cent ral, signif ica que a média das unidades do grupo é superior à médiado todo. Caso a barra est iver à esquerda do ponto cent ral, most ra que a média dasunidades do grupo é inferior à média do todo. O tamanho da barra representa o desviopadrão de cada grupo.

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2003b), o usuário dispõe os t rês componentes em cada eixo do t riângu-lo, numa escala de 0 a 100%. Com a inserção, no interior do t riângulo, dospontos que representam as est ruturas sócio-prof issionais dos lugares,forma-se uma nuvem de pontos, sendo possível dividi-la manual ou au-tomat icamente a f im de ident if icar grupos de lugares com est ruturassimilares, def inindo-se, assim o número, o epíteto e o signo representa-t ivos dos grupos legendados (Figura 14).

Figura 14: Mapa dos t ipos de est ruturas da população economicamente at iva SP- 1991

É possível notar, na Figura 14, que o grupo 1 (cinza claro) é caracte-rizado por um relat ivo equilíbrio ent re a população economicamenteat iva dos setores primário e terciário das Regiões Administ rat ivas doEstado de São Paulo. O grupo 2 (cinza médio) é caracterizado por umpredomínio do terciário, mas também um equilíbrio ent re primário esecundário. O grupo 3 (cinza escuro) é caracterizado pela predominân-cia do setor terciário, seguida pelo secundário, e com um setor primáriomuito pouco expressivo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme mencionado na int rodução do t rabalho, as principais ques-tões que orientaram seu desenvolvimento foram: o que são e quais as

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diferenças ent re mapas de análise e de síntese? Quais são as operaçõesque os caracterizam? O produto dos cruzamentos de planos de informa-ções nos SIGs pode ser considerado mapa de síntese? A cont ribuiçãoesperada seria o estabelecimento das correspondências ent re os proce-dimentos da Cartograf ia Temát ica convencional e daqueles dos Sistemasde Informações Geográf icas.

Embora out ros autores tenham t ratado do assunto, os conceitos demapas de análise e de síntese discut idos nesse t rabalho foram ext raídosdas propostas de Rimbert (1968) e Claval e Wieber (1969). No entanto,estabelecer a correspondência ent re os procedimentos cartográf icos,ut ilizando obras que foram escritas há mais de t rinta anos, não é umaat ividade simples. As pesquisas posteriores, a diversidade de aplicações ea ut ilização das novas possibilidades de t ratamento digital de dados dota-ram essa questão de grande dinamismo, que tem demandado um constan-te cotej o e revisão dos seus elementos e característ icas basilares.

Os principais aspectos que inf luenciam na correlação ent re os pro-cedimentos da Cartograf ia Temát ica convencional e aqueles dos Siste-mas de Informações Geográf icas são:

• Questão semânt ica;• Diversidade de meios para gerar os mapas de síntese;• Cont rovérsias sobre a referência ao mapa de síntese como sinôni-

mo de cruzamento de mapas;• Dist intas especif icidades dos mapas de síntese.O problema semânt ico do substant ivo feminino síntese é que ele

possui mais de quinze acepções, expressando seus usos em diversasáreas do conhecimento. Muito usados nas metodologias cient íf icas, osvocábulos análise e síntese representam na cartograf ia os níveis de raci-ocínio empreendidos na pesquisa para se chegar aos respect ivos mapas.Os mapas de análise indicam a representação de temas, no mais dasvezes unitários, que expressam componentes de um fenômeno ou indi-cam partes do problema estudado. Os mapas de síntese, em cont ra-part ida, se caracterizam pela ausência de componentes isolados, poisexpressam a fusão dos elementos temát icos conforme uma metodologiaou sistema lógico. O raciocínio de síntese, portanto, deve part ir do ele-mentar para o global, o holíst ico.

Out ro problema que agrava essa questão semânt ica decorre daexpressão “ síntese parcial” , ut il izada com freqüência nas referências

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bibliográf icas consultadas. Concorda-se com Rimbert (1968), pois seacredita que o mapa de síntese não representa, necessariamente, omapa f inal de uma pesquisa, nem a síntese f inal da realidade (hipotét ica).É muito comum que haj a sínteses parciais, elaboradas com conj untosdist intos de dados, sempre como uma etapa intermediária de pesquisaque pode cont ribuir para a síntese f inal.

O segundo aspecto que inf luencia a correspondência terminológicadecorre da diversidade de procedimentos para a realização dos mapasde síntese. O levantamento bibliográf ico e a vivência prof issional dosautores desse art igo revelaram que os meios mais ut il izados para a elabo-ração do mapa de síntese são: a mesa de luz, a álgebra de mapas, odiagrama t riangular e a análise mult ivariada. Também há referências aométodo das principais componentes, ut il izado freqüentemente no Pro-cessamento Digital de Imagens, embora pouco empregado para a produçãodos mapas de síntese.

Conforme ilust ra a Tabela 3, as principais conseqüências operacionaisdessa diversidade de formas para a elaboração de mapas de síntesepodem ser resumidas em:

• Uso de diferentes t ipos de dados: os qualitat ivos e os quant itat ivos,representados por números relat ivos ou absolutos;

• Níveis de interpretação: a complexidade de interpretação dosmapas, ao longo do processo de síntese, varia de acordo com o pro-cedimento;

• Contornos espaciais: embora o mapa de síntese produza agrupa-mentos de unidades espaciais ou t ipologias, alguns procedimentos alterame out ros “ preservam” os limites originais das rubricas analisadas.

Tabela 3: Caract eríst icas operacionais dos procediment os para produção do mapa desínt ese

Conforme a Tabela 3, o mapa de síntese com dados qualitat ivos podeser realizado pela mesa de luz ou pelo procedimento correspondente

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dos SIGs, a álgebra de mapas. Esses dois meios colaboram para asobreposição, mas pouco auxiliam no agrupamento dos temas ou na de-nominação das unidades taxonômicas. O mapa resultante costuma ca-racterizar-se como um complexo mosaico de contornos espaciais, muitodist intos dos limites dos mapas temát icos que inicialmente foram sobre-postos. Essa é uma das razões que torna a interpretação dos cruzamen-tos de dados qualitat ivos mais subj et ivo, reforçando a necessidade deuma metodologia bem est ruturada, capaz de orientar integralmente oraciocínio de síntese.

A álgebra de mapas também pode gerar um mapa de síntese usandodados quant itat ivos. Como f icou demonst rado pelas Figuras 11 e 12, cadaclasse que compõe um mapa temát ico recebe um valor que a quant if icaem relação à erosão. Embora também se caracterize por um mosaico decontornos espaciais, a interpretação do mapa f inal é muito mais sim-ples, pois basta converter os dados numéricos do mapa f inal nas classesde vulnerabilidade, para que possam ser ut il izados como insumo para ozoneamento do uso e cobertura da terra4 (ver exemplo na tabela 2).

O diagrama t riangular e a análise mult ivariada requerem dados quan-t itat ivos para a produção do mapa de síntese. Esses procedimentos ut i-l izam o critério estat íst ico de agrupamento, relacionado à proximidadeou similaridade dos valores das suas variáveis. Como as unidades espaci-ais são agrupadas a part ir das suas característ icas numéricas, seus con-tornos não são fracionados, como acontece na álgebra de mapas. O maparesultante sempre expressará os conj untos formados pelas unidades es-paciais originais.

Nesses procedimentos, os programas colaboram para o estabeleci-mento interat ivo do número de classes taxonômicas, por meio de gráf i-cos de barras ou do diagrama t riangular, facil itando a interpretação dosresultados. Embora esses dois t ratamentos estat íst icos sej am muito maissimples de executar do que a de álgebra de mapas, é importante ressal-tar que o uso do diagrama t riangular e da análise mult ivariada não dis-pensa o conhecimento metodológico para orientar a operação e a inter-pretação dos dados.

4 Esse mapa de vulnerabilidade foi ut ilizado como um dos componentes do mapa de zoneamentodo Parque Estadual de Guaj ará Mirim – RO.

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O terceiro componente que inf luencia a correspondência ent re osprocedimentos da Cartograf ia Temát ica e dos SIGs é o uso do mapa desíntese como sinônimo de cruzamento de mapas. A correspondênciadesses termos não é exata, uma vez que há cruzamentos que gerammapas de síntese, mas existem os que produzem somente a sobreposiçãode temas, característ ica dos mapas de correlação e complexos (Libault ,1975).

O ato de cruzar mapas, na mesa de luz ou nos SIGs, não def ine oresultado como síntese. Rimbert (1964) cita um célebre exemplo queilust ra a sobreposição de informações que não se correlacionam. O cru-zamento do mapa de geologia com o de dist ribuição dos votos, da regiãooeste da França, possibil itaria a equivocada constatação de que o grani-to é religioso e, o calcário, não religioso.

Os SIGs, assim como os out ros procedimentos, são inst rumentosut il izados para realizar a síntese, e não sua metodologia. As maneiras deconcebê-los e explorá-los estão vinculados a uma postura metodológica,isto é, a uma visão de mundo, aquela pela qual o pesquisador optou,sej a para o conhecimento da realidade, sej a para uma aplicação prát ica.

O últ imo aspecto da discussão aborda as especif icidades dos mapasde síntese. Entende-se oportuno discernir ent re os procedimentos apli-cados e não aplicados, ou sej a, diferenciar as at ividades de cunho pre-dominantemente acadêmico das maj oritariamente dirigidas a uma f ina-lidade aplicat iva. Os mapas de zoneamento, de vulnerabilidade e de fra-gil idade se enquadrariam na categoria dos mapas de síntese aplicada,cuj as variáveis recebem pesos específ icos, dirigidos aos seus obj et ivos.Os mapas de síntese não aplicados – gerados, por exemplo, pela álgebrade mapas de dados qualitat ivos –, seriam orientados para o conhecimen-to geral, integrado ou holíst ico de uma região, sem demandar, a priori,uma ação ou intervenção no espaço representado.

Não existe uma ordem de produção def inida ent re esses dois t ipos,pois o não aplicado não é elaborado antes do aplicado, e vice versa.Ambos os mapas de síntese podem ser produzidos a part ir das mesmasbases cartográf icas e se caracterizam por uma legenda eminentementequalitat iva (t ipos, grupos, etc.), mas um não é pré-requisito do out ro. Oque os diferencia é a quant if icação dos temas, ou sej a, a at ribuição devalores ou pesos às variáveis. No mapa de síntese aplicada as variáveissão agrupadas conforme um obj et ivo específ ico, ao passo que as variá-

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veis são agrupadas somente com base em um obj et ivo geral no mapa desíntese não aplicada.

Em suma, a cartograf ia de análise e de síntese são muito importan-tes na Geograf ia. Elas não perderam relevância com o desenvolvimentotecnológico, pois seu emprego pode auxiliar em muito na const rução deuma est rutura conceitual das at ividades nos Sistemas de InformaçõesGeográf icas. Essas diferentes instâncias colaboram para evidenciar aut il ização consciente dos mapas e a sua relação com as dist intas etapasda pesquisa.

6 AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à profa. dra. Ligia Vizeu Barrozo e ao prof. dr.Ailton Luchiari pelas discussões e sugestões no processo de concepçãoe redação do texto.

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CARTOGRAFIA GEOGRÁFICA: REFLEXÕES ECONTRIBUIÇÕES

GEOGRAPHIC CARTOGRAPHY: REFLECTIONS ANDCONTRIBUTIONS

Gisele Girardi*

Resumo: Este art igo apresenta algumas ref lexões e cont ribuiçõessobre Cartografia Geográfica como disciplina format iva na educação su-perior em Geografia. Apresenta uma visão geral do contexto que j ust if icaas propostas e most ra algumas idéias sobre as dimensões técnicas e cul-turais dos mapas. Alguns elementos para discut ir sobre mapas foram bus-cados em cada formação cultural (Santaella, 1998; 2003), tais como as ro-sas-dos-ventos nos mapas portulanos e em mapas contemporâneos, e osmodelos de comunicação cartográfica, de comunicação cartográfica demapas interat ivos e de visualização cartográfica. Finalmente, são propos-tas t rês inst ruções para organizar os conteúdos da educação geocarto-gráfica, part icularmente no Brasil. São chamadas inst rução do pensamen-to espacial, inst rução da leitura cartográfica e inst rução do fazer car-tográfico.

Palavras-chave: Cartograf ia geográf ica. Mapas e formações cultu-rais. Ensino superior de Geograf ia.

Abstract: This paper presents some ref lect ions and cont ribut ionsabout Geographic Cartography as format ive discipline in Geographic’s su-perior educat ion. Presents a general view of the context that j ust if iesthe proposals and shows some ideas about the technical and culturalsdimensions of maps. Some elements to discussing about maps was searchedinto each cultural format ion (Santaella, 1998;2003), such as the wind-rosesin portulans and contemporary maps, and cartographic communicat ion’s

* Professora doutora do Departamento de Geograf ia do Cent ro de Ciências Humanas eNaturais da Universidade Federal do Espírito Santo ([email protected]).

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GISELE GIRARDI

model, cartographic communicat ion’s model of interact ive maps andcartographic visualizat ion’s model. Finally, are proposed three inst ruct ionsto organize the contents of the geocartographic educat ion, part icularlyin Brazil. They are called spat ial thinking’s inst ruct ion, map reading’sinst ruct ion and cartographic product ion’s inst ruct ion.

Key words: Geographic Cartography. Maps and cultural format ions.Graduat ion in Geography

INTRODUÇÃO

O termo Cartograf ia Geográf ica, ainda que não sej a uma expressãorecente, ganha força na atualidade. Esta força tem um caráter técnico-cient íf ico, na medida em que geógrafos que pesquisam e atuam no âm-bito da cartograf ia nele ident if icam uma via de legit imação de seu fazer,de sua produção. Mas ganha força também na inst itucionalidade. Trans-forma-se em área de conhecimento formal, abrindo novas linhas de pes-quisa. Vira rótulo para conteúdos disciplinares em cursos de graduaçãoe pós-graduação em Geograf ia, passa a nominar laboratórios. Vivemosno interior deste movimento e na ref lexão cot idiana buscamos proposi-ções que possam dotá-lo de signif icado e sent ido.

A primeira aproximação que poderíamos estabelecer é que a Carto-grafia Geográfica refere-se ao campo das representações cartográficas fei-tas por geógrafos. Há, no entanto, algum cuidado a ser tomado com estaassert iva, sem o que a expressão “ cartografia feita por geógrafo” esvazia-se, t ransmuta-se em palavra de ordem sem qualquer sustentação.

A Geograf ia, ou a forma que os geógrafos criaram e criam para darconta da explicação do mundo é tão complexa quanto o próprio mundo.Mult iescalar, mult itemporal, mult itemát ica, mult idimensional, mult irre-lacional, mult irret icular, mult itudo. Possivelmente não haj a uma carto-graf ia que dê conta desta mult imult iplicidade. Daí a dif iculdade de pen-sar e propor conteúdos format ivos de cartograf ia para geógrafos e orisco da opção por uma ent re tantas técnicas possíveis.

Exemplif ica o que chamamos de risco a atual reorganização curricularda área de cartograf ia em cursos superiores de Geograf ia cent rada emtécnicas computacionais, realidade que pode ser conferida em váriasinst ituições desse nível de ensino. Temos procurado observar e ref let irsobre o que isso pode representar em termos de concepções aprioríst icas

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permeadas ou determinadas pela técnica. É também aspecto do nossouniverso de preocupações entender em que medida a capacitação téc-nica tem sido exitosa no diálogo com a área do saber que diz represen-tar: a Geograf ia.

Quando propusemos a ressigni f icação de prát icas cart ográf icas(GIRARDI, 2003), não obj et ivávamos a negação das técnicas, mas ao con-t rário, entendíamo-nos vivendo um momento com plenas possibil idadesde releitura das técnicas cartográf icas art iculadas com a produção doconhecimento geográf ico e que o locus da art iculação seria, precisa-mente, o ambiente de formação, os cursos superiores de Geograf ia. Daía ênfase na Cartograf ia Geográf ica como ref lexão sobre a técnica e nãosomente como capacitação técnica. Em nosso ver é aí que a “ cartograf iafeita por geógrafo” ganha sent ido.

As ref lexões aqui apresentadas caminham nesta direção. Na pers-pect iva de mapear as múlt iplas cartograf ias possíveis e seus signif icados(na sociedade e na Geograf ia), fomos buscar o mapa nas f ormações cul-t urais, tais como propostas por Santaella (1998; 2003). Não nos propo-mos a esgotar os t ipos existentes de mapas mas apenas pinçar de cadaformação cultural elementos para o debate, em aberto e necessário,sobre a Cartograf ia Geográf ica, apresentando uma cont ribuição no quese refere ao ensino cartograf ia no curso superior de Geograf ia, que de-nominamos inst ruções geocart ográf icas.

MAPAS: DIMENSÕES TÉCNICAS E CULTURAIS

Quase vinte anos j á se passaram desde as impactantes proposiçõesde J. Brian Harley acerca do signif icado das representações cartográf icaspara a humanidade. Tomamos deste autor a concepção de mapa: “ repre-sentação gráf ica que facil ita a compreensão espacial de obj etos, con-ceitos, condições, processos e fatos do mundo humano” (HARLEY, 1991,p. 7). Entendemos, portanto, que o obj eto material ou virtual mapa éum produto da cultura, um modo de regist ro da apropriação intelectualde um território por um indivíduo ou por um grupo social.

As noções de território e de técnica são, portanto, fundantes dequaisquer análises que se faça acerca de mapas. Mapa é informação, nas-ce como informação sobre o território. Mapa é técnica entendida, pelomenos, em dois sent idos: como extensão do corpo (SANTAELLA, 2003) e

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como parte de um sistema técnico, ou sej a, const ituindo-se na solidarie-dade com out ras técnicas, historicamente situadas (SANTOS, 1997).

Na abordagem da história da cartograf ia pautada na evolução dastécnicas e das tecnologias de elaboração de mapas, encont ramos as re-presentações cartográf icas em aderência à sucessão de meios técnicos:são produtos técnicos em sua forma; são informação territorial em seuconteúdo. Nestas condições, inserem-se nos sistemas produt ivos emdiferentes intensidades.

Assim, tanto ant igos os mapas portulanos como as atuais imagensorbitais de resolução submét rica são respostas às demandas por conhe-cimentos para incorporação produt iva no interior do sistema econômicovigente.

Mesmo sendo produto cultural e regist rando em si mesmo pistas paraa compreensão da sociedade que o produz, a sof ist icação na produçãode mapas – que signif ica sof ist icação no conhecimento do território – éacompanhada pari passu por sua apropriação diferencial ent re os seg-mentos da sociedade.

É notável que o crescente incremento tecnológico da produção demapas tenha ret irado dos geógrafos a primazia na sua elaboração. Estadimensão está presente, inclusive, no âmbito das discussões acercadas at ribuições prof issionais, no interior de um ambiente caracteriza-do por demarcações corporat ivas. E, curioso, ao mesmo tempo perma-nece na memória colet iva a associação Geograf ia–mapas, um caráter demito fundador.

Referências signif icat ivas sobre o processo combinado de sof ist ica-ção e expropriação de conhecimentos carto-territoriais são dadas j á porYves Lacoste em seu A Geograf ia – isso serve, em primeiro lugar, parafazer a guerra, ao dizer que na

maioria dos países de regime democrát ico, a difusão de cartas, emqualquer escala, é completamente livre, assim como a dos planos da cidade.As autoridades perceberam que poderiam colocá-las em circulação, seminconveniente. Cartas, para quem não aprendeu a lê-las e ut il izá-las,sem dúvida, não têm qualquer sent ido, como não teria uma página escritapara quem não aprendeu a ler (LACOSTE, 1988, p. 38).

Questões desta ordem revelam sua pert inência ao pensarmos nosconteúdos da Cartograf ia Geográf ica enquanto ref lexões e prát icasformat ivas. Será que o imperat ivo do “ mercado de t rabalho” , que valori-

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za uma das técnicas possíveis de produção cartográf ica e para as quaisas inst ituições formadoras respondem com acréscimo e/ ou rearranj o dedisciplinas ou de corpo docente (ou os dois), direcionados ao mundodas geotecnologias, tem colaborado com a melhoria da qualidade e coma aderência da cartograf ia à produção de conhecimento geográf ico?

Será que o imperat ivo da produt ividade acadêmica, ao qual nossavida universitária hoj e está submet ida, não tem mot ivado a proliferaçãode mapas frutos de uma única mat riz técnica? Os sistemas de informa-ções geográf icas são altamente produt ivos se considerarmos a quant i-dade de mapas que podem ser gerados a part ir de bases cartográf icas ebancos de dados relat ivamente singelos. Mas será que a ênfase naaplicabilidade/ produt ividade têm colaborado com quest ionamentos maiselaborados sobre este fazer?

Um out ro aspecto a considerar: a capacitação em uma técnica, que,conforme delineado, relaciona-se mais com a formação bacharelado, temoferecido que cont ribuição à formação l icenciat ura, part icularmente emcursos com formação conj unta, comum, híbrida ou qualquer out ra deno-minação que se dê?

Ora, se na produção do conhecimento, na aplicação técnica e naformação docente verif ica-se mais a imposição das geotecnologias quemovimentos de ref lexão crít ica, a situação exposta por Lacoste(1988),que aponta o âmbito social do uso (ou não uso) de mapas, ainda estálonge de ser superada.

Retomando a idéia inicial de mapas como produtos culturais, reco-nhecendo a diversidade social e cultural do mundo atual, portanto adiversidade possível de mapeamentos, invest imos na compreensão de ma-pas no interior das formações culturais propostas pela semiot icista LuciaSantaella. Mais que isso, buscamos ident if icar algumas idéias, prát icas etécnicas geradas em outras formações culturais, presentes no mapeamentona atualidade, bem como vislumbrar algumas tendências para o futuro,apontando caminhos possíveis à Cartografia Geográfica.

MAPAS NAS FORMAÇÕES CULTURAIS

O diálogo que buscamos estabelecer pauta-se em duas obras de Lú-cia Santaella: o texto Cult ura t ecnológica e o corpo biocibernét ico, de1998, e o livro Cult uras e art es do pós-humano: da cul t ura das mídias à

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cibercul t ura, de 2003. Para compreender os fenômenos comunicacionais,a autora adota um recorte analít ico, que denomina formações culturais.Seis formações são dist inguíveis: a cultura oral, a cultura escrita, a cul-tura impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digi-tal. Diz a autora:

Antes de tudo, deve ser declarado que essas divisões estão pautadas naconvicção de que os meio de comunicação, desde o aparelho fonador atéas redes digitais atuais, embora, efet ivamente, não passem de meroscanais para a t ransmissão e informação, os t ipos de signo que por elescirculam, os t ipos de mensagem que engendram e os t ipos de comunicaçãoque possibil itam são capazes não só de moldar o pensamento e a sensi-bil idade dos seres humanos, mas também de produzir o surgimento denovos ambientes socioculturais (SANTAELLA, 2003, p. 13).

Pode parecer t ratar-se de uma periodização. É, em parte. Exem-plif iquemos: não é possível, na história, exist ir a cultura digital no perío-do medieval, obviamente, posto que esta cultura depende da tecnologia,que nos é contemporânea. É inegável, porém, a existência de elemen-tos da cultura oral no nosso tempo. Nesse sent ido a autora fala de “ proces-so cumulat ivo de complexif icação” .

Apesar de a autora não mencionar explicitamente o obj eto mapa, elanos apresenta um terreno fért il para reflexões sobre as representaçõescartográficas. O mapa é um meio de comunicação. É um mediador. O quese discut iu e ainda se pode discut ir é ser ou não essa sua única função.

Salichtchev (1983), por exemplo, apresentou a proposição de quemapas, além do uso comunicat ivo, poderiam também ter uso operat ivo,ou sej a, a resolução de problemas prát icos com mapas ou com sua aj uda,e uso cognit ivo “ para invest igações espaciais e também têmporo-espa-ciais de fenômenos naturais e sociais e a aquisição de novos conheci-mentos a part ir deles” (SALICHTCHEV, 1983, p. 12-13).

O cit ado aut or discut e est a proposição em meio ao debat e dacomunicação cart ográf ica, no período da mais rica produção de modelosteóricos da cartograf ia contemporânea1. Mesmo no modelo da visual iza-

1 Para uma discussão aprofundada sobre os modelos de comunicação cartográfica do períodoconsultar a tese O mapa como meio de comunicação: impl icações no ensino de geograf iado 1º grau (SIMIELLI, 1986).

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ção cart ográf ica, a comunicação permanece: ela é o termo f inal, o mo-mento da exposição a uma audiência, a saída da informação para o domí-nio público. Partes desta discussão serão retomadas adiante. Elas t iveram,aqui, o papel de chamar a atenção para a pert inência de se pensar omapa no contexto das formações culturais. Voltemos, pois, a elas.

A formação cultural oral corresponde ao aparecimento da capacida-de simbólica humana, capacidade esta, segundo Santaella (1989), quesempre esteve fadada a crescer fora do corpo humano. A fala é a primei-ra externalização simbólica da qual o ser humano foi capaz.

Se art iculamos a fala aos gestos, não nos é dif ícil imaginar verdadei-ras “ performances cartográf icas” que os ancest rais humanos teriam sidocapazes de fazer na tentat iva de reproduzir simbolicamente o fruto deuma observação territorial para o grupo.

Por acaso não agimos de modo semelhante ao sermos abordados poralguém que nos pede uma informação sobre uma rua ou um out ro lugarqualquer? São mobilizados neste momento nosso aparelho fonador, nossamemória, nossa capacidade simbólica (o explicar a informação solicitada).Mas nada disso se opera se, antes, não t ivermos nos apropriado intelectu-almente daquele território, sej a por percepção cot idiana, sej a por obser-vação direcionada, sej a por meio de out ras fontes, incluindo mapas.

A memória contada por grupos sociais que preservam t radições oraisconformam, também, mapas mentais. A propósito, nas concepções deGould e White (1974) mapas mentais são o conj unto de conhecimentose/ ou idéias acumulados sobre lugares. Em out ras palavras, mapas men-tais são únicos, individuais na essência e impossíveis de serem conheci-dos pelo out ro na sua totalidade2.

É curioso observar que cada uma das ext roj eções do intelecto e dossent idos humanos via de regra correspondeu à ext rassomat ização de umacerta habilidade da mente. Qualquer extrassomat ização sempre significouuma perda a nível do indivíduo, perda individual que é imediatamentecompensada pelo ganho a nível da espécie (SANTAELLA, 1998, P. 37).

2 Os mapas mentais a que nos referimos são aqueles imateriais, existentes somente namemória. Não nos referimos, portanto às representações gráf icas de mapas mentais,tais como t rabalhados por Nogueira (2001) para interpretação da geograf icidade doscomandantes embarcações no Amazonas.

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Podemos pensar no mapa também como perda individual, mas ganhoda espécie. É na assimilação teritorial, dependente da memória, somadaaos rudimentos da formalização gráf ica, ancest ral da escrita, e da neces-sidade de compart ilhamento de informações com o grupo social que sesitua o nascimento do mapa.

Tendo começado com os primeiros utensílios, as primeiras picadas nasmatas e com as inscrições nas grutas, a aventura sem data e cuj o dest inodesconhecemos da ext rassomat ização do cérebro foi se sofist icando cadavez mais em formas de escritura, códigos imagét icos e notações queimplicaram na criação de suportes e materiais para a produção da imageme do som, tais como a invenção de Gutenberg, as gravuras, a t inta aóleo, os inst rumentos musicais (SANTAELLA, 1998, p.37).

O pat rimônio do conhecimento humano sobre o território sedimenta-se nos mapas. A história da cartograf ia vai, assim, reconhecendo na cul-tura material os suportes disponíveis no meio – placas de argila, f ibrasvegetais, conchas – ou t ransformados – peles de animais, papiros, etc. –e as informações simbólicas da apropriação territorial regist radas nestessuportes.

Como técnica solidária, o mapa acompanha a progressão do conhe-cimento humano sobre o mundo. Na evolução das técnicas, evoluem osmodos de mapear. Mapas são, portanto, o regist ro do conhecimentoterritorial da espécie, um subst ituto da memória do indivíduo.

Mapas únicos, tais como exemplares de Portulanos, mapas impressose depois coloridos manualmente, a descrição ou a toponímia que passama acompanhar os signos gráf icos, de maior ou menor precisão, recolocama humanidade perante out ra maneira de pensar o mundo.

Ilust ra nosso raciocínio o comentário de SANTOS (2002) acerca dascartas-portulano.

É uma revolução cartográfica como uma das dimensões da revoluçãoburguesa. A const ituição (construção e sedimentação) dessa nova maneirade viver exige, no caso presente, uma releitura da territorialidade, a qual,por sua vez, não precisa ir tão distante quanto os confins do paraíso.Basta, na verdade, apontar-nos um caminho seguro para o próximo porto,para um deslocamento eficaz das mercadorias, para a realização efet ivado processo de acumulação que vai t ipif icando-se na forma pela qual f icouconhecida, ou sej a, como “ capitalismo mercant il” (SANTOS, 2002, p. 54).

Os portulanos, assim, redesenham não só o mundo f ísico, mas asrelações sociais que conformam seu espaço geográf ico.

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Santael la (2003) ident if ica no presente elementos da formaçãocultural escrita, (especif icamente da escrita manual, caligrafada comesmero) como por exemplo no design contemporâneo de t ipos de let ras.A aut ora anal isa est e aspect o como sint oma das imbricações dasformações culturais, como resgates. Esta leitura também é possível deser feita com base nos elementos do mapa. Vamos analisar um exemplo,observando o Mapa do Mundo na Figura 1.

Figura 1: Mapa do mundo

Nota: Observe-se a proj eção do norte da rosa-dos-ventos em relação à lat it udo de 90º, queé o norte geográf ico, e t ambém em relação à curvatura dos meridianos, que são a realdireção norte-sul ao longo da faixa em que se localizam (GIRARDI, 2007).

A Figura 1 most ra um mapa do mundo, mais especif icamente umPlanisfério na Proj eção de Robinson. Os portulanos, enquanto imagem derelações territoriais mundiais são ancest rais deste t ipo de representaçãocartográfica. No senso geral, os elementos presentes neste mapa (coor-denadas geográficas, territórios representados, escala, t ítulo, rosa-dos-ventos) o legit ima como tal. Este é um reconhecimento do acúmulo, naimagem, de conhecimentos produzidos pela humanidade. Estes elementossão portanto, mais que funcionais: são símbolos. Interessante é que umdestes elementos, a rosa-dos-ventos, na relação funcional com o mapa, é

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completamente vazio de sent ido técnico. A história de sua existênciapode nos aj udar a entender seu caráter simbólico.

A observação da natureza – sua dinâmica (geomagnet ismo) e osmateriais disponíveis (minerais imantados) – , somado ao gênio humanopara a resolução de problemas prát icos de navegação fez surgir a bússola.Uma sorte de out ros inst rumentos surgiram, aperfeiçoando técnicas denavegação. Inclui-se aí a proj eção conforme de Mercator.

Na medida em que se ampliava o mundo conhecido pelos europeus ena mesma proporção cresciam seus anseios de dominação/ conquista,extensões maiores de oceanos deveriam ser vencidas. A proj eção con-forme colaborou com a resolução de um problema prát ico de navegação,deformando a imagem da terra de modo que as linhas de rumo eramsempre retas e cortavam os meridianos sempre no mesmo ângulo. E pas-sou a incluir, na intersecção destas linhas, desenhos de rosas-dos-ven-tos, como pode ser observado na Figura 2.

Figura 2: Esquema de l inhas loxodrômicas e rosas-dos-vent os em mapas de navegaçãoant igosNota: As l inhas loxodrômicas representavam verdadeiros caminhos em linha reta no mar ea rosa-dos-ventos t inha a função de orientar o ângulo para posicionamento da embarcação.Havia, por t ant o, vár i as rosas-dos-vent os nos mapas. O esquema apresent ado f oireconst ruído a part ir de um pequeno t recho do mapa de Mercator, de 1569, e se repete emvários out ros mapas (GIRARDI, 2007).

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A rosa-dos-ventos, possivelmente, foi primeiro desenhada na pró-pria bússola e depois inserida nos mapas como apoio à leitura da bússo-la. Neste contexto, t inha sent ido. Hoj e ela perdura em mapas e em bi-bliotecas de signos gráf icos de sistemas de mapeamento digital. Paramuitos mapas, ela vai servir, inclusive, como parâmet ro de avaliação desua correção. Esta é uma realidade vivida na produção de mapas didát i-cos no Brasil.

No entanto, se pedirmos a um aluno de ensino básico para que obser-ve o mapa da Figura 1 e nos responda onde está o norte do mapa e se essealuno responder que o norte está fora do mapa, teremos uma dimensãoprecisa do equívoco que signif ica o desenho desta rosa-dos-ventos. Nãoé exagero dizer que uma rosa-dos-ventos, que indica posições relat ivasao ponto onde está cent ralizada, f ixada em mapa tem a mesma ut ilidadeque uma bússola cimentada sobre um marco de concreto.

O que podemos deduzir deste exemplo? Se podemos ler a sociedadepor meio de seus mapas, concluímos que nossa sociedade reconhece asheranças cient íf icas e valoriza-as mesmo tendo sido excluída deste mes-mo fazer. Daí não conseguir discernir ent re a função prát ica e a cargasimbólica de uma rosa-dos-ventos em mapas como o analisado. A mençãoao exemplo da rosa-dos-ventos teve o propósito de expor o quanto osmapas são dotados de cargas culturais e o quanto as reproduzimos a t ítulode “ convenções” , de “ o mapa tem de ter isso” , sem reflet irmos devida-mente seu signif icado. São símbolos muitas vezes gerados em out ras lógi-cas técnicas, em out ras formações culturais, e se pretendemos fazer comque a Cartografia Geográfica sej a o locus da reflexão sobre as técnicas eseus signif icados, este t ipo de análise ganha pert inência.

Avancemos no diálogo sobre as formações culturais, focalizando aformação da cultura de massas, que tem a televisão como seu símbolo.“ Alógica da televisão é a de uma audiência recebendo informação semresponder.[ . . . ] o padrão de energia viaj a num só sent ido, na direção doreceptor, para ser consumido com uma resistência mínima” (SANTAELLA,2003, p. 79). A potencialização da audiência é ingrediente básico para odesenvolvimento de modelos de comunicação. E a cartograf ia não sefurtou a esta produção.

Petchenik (1983) aponta que técnicas de impressão cada vez maissof ist icadas, disponibil idade de dados, sej a os censitários, sej a os delocalização, em proporções nunca antes vistas foram a matéria-prima

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para o desenvolvimento das técnicas de mapear, ampliando as pesquisasem design de mapas no contexto do pós-segunda guerra mundial. Suaintensif icação fert il izou terreno para o debate teórico na cartograf ia,amplament e baseado na proposição de modelos de comunicaçãocartográfica.

O diagrama da t ransmissão da informação cartográfica de Salichtchev(1977, apud SIMIELLI, 1986), reproduzido na f igura 3, que foi inspiradono modelo de t ransmissão da informação cartográf ica criado por Kolacny,em 1969 consiste em um amplo quadro de relações estabelecidas ent resuj eitos envolvidos na produção e no uso de mapa, sendo este o medi-ador do conhecimento sobre a realidade.

Figura 3: Diagrama da t ransmissão da informação cart ográf icaFonte: GIRARDI, 1997, p. 21.

Os modelos de comunicação cartográfica a part ir de Kolacny (1977),originalmente publicado em 1969, passaram a valorizar o usuário de mapase a considerá-lo como est ratégia de potencialização do uso do mapa. As-sim, as demandas do usuário poderiam chegar ao cartógrafo e ser matéria-prima para este, tanto quanto o conteúdo e as técnicas de execução.

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Poderíamos nos perguntar: ora, mas ao considerar as característ icasdo usuário não est ariam os modelos de comunicação cart ográf icasubvertendo o f luxo de energia unidirecional t ípico da comunicaçãotelevisiva? Uma análise mais atenta nos most ra que a consideração dascaracteríst icas do usuário, suas apt idões, seu interesses, suas condiçõesexternas aproxima-se mais da idéia de narrowcast ing do que de umaefet iva interação ou interferência do suj eito usuário no processo demapear. O desenvolvimento de estudos de psicologia, sej a da vertentebehaviorista, sej a da cognit ivista, aplicados à cartograf ia t inham, emregra, esta potencialização como horizonte, a despeito da profundadiferença ent re seus enfoques.

Não se nega, no ent ant o, a grande import ância que t eve nadisseminação de mapas considerar o “ como mapear? o que mapear? paraquem mapear?” . Ou sej a, moldar o mapa para atender a uma audiênciacolabora com a profusão de imagens do mundo. E, por seu turno, issoamplia a força dos códigos retóricos do mapa (WOOD; FELS, 1986), isto é,as intencionalidades das quais a imagem se reveste, os discursos espaciaisque propaga.

Na verdade, por maior que sej a a qualidade da informação e o seuprimor imagét ico, as ações de consumir sem resistência, resist ir sim-plesmente ou usar crit icamente um mapa são mais dependentes daqualidade do leit or que do produto cartográf ico propriamente con-siderado. Daí a importância da educação cartográf ica.

Em A cart ograf ia e os mit os (GIRARDI, 1997) buscamos organizar umprocedimento de abordagem dos mapas pautando-nos na proposição dasmit ologias de BARTHES (1993). A idéia cent ral foi analisar representaçõescartográf icas const ruídas fora dos ambientes de atuação prof issional dacomunidade geográf ica (escolas, universidades, inst itutos de pesquisaetc. , e preferencialmente consumidos fora deles), para entender aprodução do mit o (segundo sist ema de signif icação), dos discursosespaciais da sociedade cont idos nos mapas produzidos, compreendendo,assim, seus valores sociais.

Temos t rabalhado com nossos alunos exercícios com suporte meto-dológico e procediment al semelhant e, mas apl icando-os a mapasconst ruídos e consumidos pela comunidade geográf ica, mais precisa-mente aqueles publicados em art igos de periódicos cient íf icos de Geo-

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graf ia. Nosso intuito tem sido o de tentar ler os discursos geográf icospor meio destes mapas. As informações coletadas e as análises produzidasestão ainda a espera de sistemat ização. Mas é possível af irmar que grandeparte dos geógrafos ainda usa mapas meramente como art if ício delocalização (em vários níveis de precariedade, diga-se). Em out ros casoshá um aparente descolamento ent re a opção metodológica e o mapaapresentado.

Fonseca (2004) aponta perspect ivas a serem consideradas nesteaspecto, ao que denomina out ras mét ricas. Esta autora advoga pelanecessidade do rompimento com a mét rica euclidiana, que absolut izadimensões, em um mundo em que dimensões e distâncias, somente paraconsiderar dois elementos francamente mensuráveis, são f lexíveis, sendoesta f lexibil idade determinada mais pelo grau de insersão ou conexão doque por relações de proximidades3.

A part ir dessa nossa experimentação observamos que preocupaçõesdesta natureza parecem ainda passar ao largo do fazer geocartográf ico.Talvez por carecerem de inst rumentos metodológicos/ procedimentaispara tanto. Mas é, sem dúvida, um campo fért i l a ser explorado comocomponente da educação geocartográf ica que, cremos, sej a a via decapacitação para mudanças na relação usuário–mapa inscrita na formaçãocultural de massas, pelo f luxo de energia unidirecional que lhe carac-teriza.

A próxima formação cultural a que se refere Santaella é a das mídias.Como oposição à recepção unidirecional característ ica da cultura de massas,as inovações tecnológicas passaram a possibilitar a escolha e consumoindividualizados: televisão a cabo, equipamentos para gravar e reproduzirinformações, ent re out ros. A formação cultural das mídias coexiste com acultura de massas e com a formação cultural que se seguiu, a cibercultura,e pode ser considerada como t ransicional ent re ambas.

A cart ograf ia mul t imídia, que t em como carro-chefe os at laselet rônicos, insere-se nesta formação cultural t ransicional. Na f igura 4,que apresenta o modelo de comunicação cart ográf ica para o mapainterat ivo de Peterson (1995, apud DELAZARI; OLIVEIRA, 2002), podeser observada claramente a característ ica t ransicional.

3 Nota do Editor: a autora citada t rata desse assunto no XX art igo dessa coletânea.

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Figura 4: Modelo de comunicação cartográf ica para o mapa interat ivo.Fonte: DELAZARI; OLIVEIRA, 2002, p. 83.

O usuário, por meio de recursos de hipermídia, tem alguma interat i-vidade com o mapa. Pode escolher certos at ributos em det rimento deoutros para representar, pode invest ir no aprofundamento de conhecimen-to de um elemento específ ico que estej a “ linkado” a uma foto ou a umarquivo sonoro, por exemplo. Mas os conteúdos, as conexões e as formasde representação são ainda determinadas pelo cartógrafo. Observa-se nafigura que o “ loop de realimentação” permite manipulações no mapa limita-das aos recursos e informações disponibilizadas pelo cartógrafo4.

A proliferação do computador e principalmente a conexão em redemundial são os suportes materiais/ t ecnológicos da últ ima formaçãocultural estabelecida por Santaella (2003), que é a cultura digital oucibercultura.

Mudanças profundas foram provocadas pela extensão e desenvolvimentodas hiper-redes mult imídia de comunicação interpessoal. Cada um pode

4 Em pesquisa que desenvolvemos sobre a temát ica da cartograf ia na gestão de recursoshídricos, concluímos que os at las interat ivos são os inst rumentos mais adequados paradisponibil ização de dados para os comitês de bacia, pela diversidade de atores, querequerem aprofundament os diferenciados da informação e t ambém pelo carát erpedagógico que um produto deste t ipo pode assumir ao se “ l inkar” fotos, esquemas einformações básicas sobre o tema t ratado no mapa (GONÇALVES; GIRARDI, 2005).

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tornar-se produtor, criador, compositor, montador, apresentador e difusorde seus próprios produtos. Com isso, uma sociedade de dist ribuiçãopiramidal começou a sofrer a concorrência de uma sociedade ret icular deintegração em tempo real. (SANTAELLA, 2003, p.82)

Esta passagem, este t rânsito ent re as formações culturais de massa,das mídias e cibercultura aj udam a compreender as t ransformações re-centes pelas quais passou o processo de mapeamento. Mapa como meiode comunicação, pela sua est rutura conceitual vincula-se à cultura demassas pelo f luxo de informação que comporta: mapeador –> usuário.Já a proposição da visualização cartográf ica, enquanto modelo teórico,responde a esta dimensão do contemporâneo. Começa a se falar emvisualização cartográf ica a part ir do início dos anos 1990, sendo Taylor(1991) o primeiro propositor de um modelo a t ítulo de base conceitualda cartograf ia na era da informação.

MacEachren (1994) propôs seu modelo de visualização cartográf ica(f igura 5) no qual simultaneamente apresenta comunicação e visualizaçãoe como são afetadas pelas componentes: domínio públ ico/ privado;interação homem–mapa alta/ baixa; apresentação de conhecimentos/revelação do desconhecido.

Figura 5: Modelo de visualização e comunicação por mapasFonte: GIRARDI, 2003, p. 44.

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Nota-se que a visualização pressupõe uma alt íssima interação homem–mapa: a manipulação de dados e de bases cartográficas bem como asmetodologias de t ratamento estão no domínio privado, ou sej a, o mapaconst ruído pode ser de interesse exclusivo do indivíduo que o fez, pararesponder uma questão formulada no âmbito de sua pesquisa, e obj et ivaa revelação do desconhecido, a produção de novo conhecimento. Por seuturno a comunicação está situada no domínio público, pois pressupõeque se compart ilhe o mapa com out ros indivíduos. Dessa maneira, o usu-ário tem baixa interação com o mapa, ou sej a, j á lhe é apresentado umconhecimento previamente descoberto por out rem.

Um incrível mundo de possibilidades para a cartografia se abre, numaimpressionante complexidade. Aqui falamos de cartograf ia no mais am-plo sent ido, como prát ica humana, não somente em sua dimensão cien-t íf ica e corporat iva.

Estamos ainda a compreender o quão revolucionário este movimen-to signif icará nas noções espaciais das gerações futuras. Para tentar cla-rif icar um pouco esta perspect iva chamamos a atenção para as prát icasde criação de territórios virtuais nos quais se desenrolam ações em games.Segmentos das novas gerações apresentam habil idades de abst raçãoterritorial e compreensão est ratégica invej áveis. Estes criadores de am-bientes virtuais, chamados mappers, atuam em redes com out ros map-pers, com j ogadores, com corporações, em dinâmicas solidárias e velo-zes rumo a inovações. Realidade virtual e ciberespaço5 são elementosdas novas formas de socialização.

Não podemos perder de vista esta potencialidade; na verdade, maisdo que potencialidade, é uma realidade latente, apropriada pelo con-j unto da sociedade ainda de modo desigual, mas inegável como pers-pect iva de f ut uro próximo. O quant o da educação geográf ica ecartográf ica passará também por essa via?

Na geograf ia brasileira, a disseminação das geotecnologias é fatorelat ivamente recente. Assist imos, ainda, a idéia generalizada de que asgeotecnologias são aperfeiçoamentos técnicos da forma de se fazer

5 Elementos relevantes para a discussão ent re realidade virtual e ciberespaço podem serbuscados no capítulo “ Formas de socialização na cultura digital” (SANTAELLA, 2003, cap.5, p. 115 a 134).

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mapas, um acréscimo na precisão, disponibil idade e velocidade no t ra-tamento das informações. Mas esta é uma cultura em mudança para aqual o arcabouço da visualização certamente cont ribuirá. Será que oaperfeiçoamento de hipermapas, não nos aj udarão a representar emout ras mét ricas, aludidas por Fonseca (2004)?

Esta é uma agenda a ser assumida pelos geógrafos engaj ados nasgeotecnologias: superar a lógica precisão–produt ividade e nut rir-se dosavanços das pesquisas geográf icas tanto quanto o fazem em relação àsinovações tecnológicas. No caminho oposto, é agenda a ser assumidapelos geógrafos pouco familiarizados com as geotecnologias colaborarcom demandas e crít icas, com problemas cuj a solução implique na am-pliação do diálogo geocartográf ico. Eis o desaf io.

Procurar pelas representações cartográficas no interior das formaçõescult urais é fascinante e sem-f im. Ao nos arriscarmos neste diálogoprocuramos apresentar o panorama geral, pinçar alguns elementos quej ulgamos relevantes na ref lexão e chamar a atenção para as amplaspossibi l idades da Cart ograf ia Geográf ica. Daí o carát er genérico emosaicado do texto.

À GUISA DE CONCLUSÃO, UMA PROPOSTA

Para f inalizar, a t ítulo de sistemat ização prát ica, precária que sej a,apresentamos uma cont ribuição para o repensar do lugar da cartograf iana formação geográfica, que é a idéia de alicerçar o ensino de cartografia,e quiçá as prát icas cartográf icas imbuídas nos vários campos disciplinaresda formação de prof issionais em Geograf ia, em t rês inst ruções. Não set rata da inst rução no sent ido do regramento nem de estabelecimentode hierarquias do saber, mas inst rução como fomento para aquisição deconheciment o. As t rês inst ruções básicas ser iam: a inst rução dopensamento espacial, a inst rução da leitura cartográf ica e a inst ruçãodo fazer cartográf ico.

Na inst rução do pensament o espacial enfat iza-se a observação, oolhar e situa-se a representação gráf ica como momento da incorporaçãoou da compreensão da essência do observado. Se o observado é umapaisagem, uma fotograf ia convencional, aérea ou orbital, ou mesmo ummapa isso implicará em diferentes possibil idades de conhecimento. Ins-t ruir o pensamento espacial é potencializar o equipamento sensório-

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motor e a capacidade de abst ração, o que implica, inclusive, na const ru-ção da noção de escala.

Na inst rução da leit ura cart ográf ica, o procedimento é antes de maisnada inquiridor. Além da análise da semânt ica da legenda, é precisoinquirir dos porquês das coisas estarem ali, e do porquê daquelas coisase não de out ras. Ou sej a, como aquela seleção de coisas ao serem grafadascolaboram na composição da mensagem e mesmo na sua coerência ounão, no que têm de cont radição. Inst ruir a leitura cartográf ica pautando-se na af irmação de que todo mapa carrega valores sociais, posto que érepresentação, cont ribui com a desconst rução do discurso corporat ivona cartograf ia, que é elit ista, e na desmist if icação do fazer cartográf ico.Em out ras palavras, a qualidade do mapa deve ser ref lexo direto daqual idade do raciocínio geográf ico e não de suas habil idades paraexecução, exclusivamente.

Finalmente, a inst rução no fazer cart ográf ico. Este fazer é, comefeito, considerado o “ coração” das disciplinas cartográf icas. Parece, àsvezes, que a produção material suplanta em importância qualquer out rapossibilidade para a cartografia. Medir, calcular, desenhar, colorir, manual-mente ou com uso de ferramentas computacionais, t ransformam-se assimno divisor de águas ent re os que sabem ou não sabem cartograf ia. Épreciso resgatar ao prof issional de geograf ia o nobre papel de usuário demapas. Não é o aperfeiçoament o t écnico que o valoriza, mas suacompetência analít ica e proposit iva. Todas as técnicas devem colaborarnesse sent ido format ivo. Portanto o fazer cartográf ico está, sim, emxeque. Ele não deve se encerrar no fazer o mapa, ainda que isso parecaser cont raditório. O fazer cartográf ico no âmbito da formação em Geo-graf ia deve primar pelo uso potencial das representações cartográf icasno processo de descoberta.

Esperamos com este texto ter t razido alguma cont ribuição nesserepensar constante que devemos promover ent re Geografia e cartografia,ent re obj etos geográf icos e suas representações, ent re os limites e aspossibil idades das prát icas cartográf icas na produção do conhecimentogeográf ico.

AGRADECIMENTOS

Agradeço àqueles que, em momentos e situações dist intos, incen-t ivaram ref lexões que culminaram neste texto: professores Maria Elena

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Simiell i, Edimilson Costa Teixeira, Wenceslao de Oliveira Machado e Sér-gio da Fonseca Amaral; bolsistas Laura Mariano Quarentei, Thalismar Ma-thias Gonçalves, André Ramos Demuner, Douglas Rafael Salaroli, Emanuellado Nascimento Pereira e Vitor Bessa Zacché; alunos da disciplina Cartogra-f ia Geográf ica II, na Ufes. Agradeço também a Augusto Gomes pela aten-ta leitura dos originais e valiosas sugestões.

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COMUNICAÇÃO CARTOGRÁFICA E VISUALIZAÇÃOCARTOGRÁFICA

CARTOGRAPHIC COMMUNICATION AND CARTOGRAPHICVISUALIZATION

José Flávio Morais Cast ro*

Resumo: Este t rabalho tem por obj et ivo aplicar o método da semio-logia gráfica e demonst rar a relevância da representação gráfica no t rata-mento de informações espaciais em ambiente digital, adotando-se osmétodos do mapa exaust ivo e da coleção de mapas como meio de comu-nicação, e ut il izando-se, como exemplo, mapas bíblicos do atual Estadode Israel e Palest ina. Pretende-se rever os princípios que norteiam asteorias da Comunicação Cart ográf ica e da Visual ização Cart ográf ica, suaspossíveis interfaces e a importância que têm na Anál ise Espacial . Foielaborado o mapa f ísico/ polít ico-administ rat ivo da região, sobre o qualos temas bíblicos foram representados. Foram apresentadas alternat ivasde representação gráf ica de informações espaciais em mapas impressos.

Palavras-chave: Comunicação Cart ográf ica. Cart ograf ia Digit al .Visualização Cartográf ica. Mult imídia. Estado de Israel e Palest ina.

Abstract: This work highlights the Graphic Semiology method, de-monst rat ing the importance of graphic representat ion applied to spat ialinformat ion within a digital environment , by using the Exhaust ive Mappingand Map Collect ion methods as a means of communicat ion, ut il izing asexample biblical maps of present day Israel and Palest ine. Principlesguiding the theories of Cartographic Communicat ion and CartographicVisualizat ion are reviewed, along with their possible interfaces and uses

*Professor Adj unt o III do Programa de Pós-Graduação em Geograf ia-Trat ament o daInf ormação Espacial da PUC Minas e do Curso de Geograf ia com ênf ase emgeoprocessamento da PUC Minas - Unidade Contagem (j osef [email protected])

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in Spat ial Analysis. Physical and polit ical-administ rat ive maps of the regionwere elaborated, upon which biblical themes were represented. Alter-nat ive graphical represent at ions of spat ial informat ion were alsoadvanced in printed format .

Key words: Cart ographic Communicat ion. Digit al Cart ography.Cartographic Visualizat ion. Mult imedia. State of Israel and Palest ine.

INTRODUÇÃO

A Cart ograf ia sof reu e vem sof rendo profundas t ransformaçõesconceituais, teóricas, metodológicas e técnicas, principalmente a part irda década de 1960, que evidenciaram duas fases dist intas e interligadas,ou sej a, a concepção do mapa antes e depois dos computadores.

O processo foi marcado pela passagem de um contexto técnico-cient íf ico com um ritmo mais lento para um ext remamente dinâmico nacoleta, no armazenamento e no t ratamento da informação espacial,possibil itando análises espaciais signif icat ivamente mais precisas, maisrápidas e mais ef icientes.

A part ir dos anos 1960, a Cartograf ia passou a adotar no ensino e napesquisa, ent re out ras teorias, os recursos da Semiologia Gráf ica not ratamento da informação espacial. Concebidos como um dos métodosde al fabet ização cart ográf ica e como meio de comunicação, os mapasproduzidos nesta cartograf ia atuam como elementos altamente est ra-tégicos e como importantes inst rumentos de pesquisa, que permitemanálises de padrões e dinâmicas espaciais, estabelecendo relações cog-nit ivas ent re o usuário e o mapa.

Com a int rodução dos recursos computacionais na Cartograf ia, o pro-cesso de análise da informação tornou-se interat ivo, principalmente como uso da Cartograf ia Digital, dos Sistemas de Informações Geográf icas(SIG’s) e da mult imídia. Ent retanto, métodos e técnicas desenvolvidosna cartograf ia convencional (ou analógica) não devem ser negligenciadosnas aplicações ligadas a esta tecnologia.

Este t rabalho tem por obj et ivo apresentar os princípios que norteiama Semiologia Gráf ica e demonst rar a relevância da representação gráf icano t ratamento de informações espaciais em ambiente digital, adotando-se os métodos do Mapa Exaust ivo e da Coleção de Mapas como meio decomunicação, e ut il izando-se, como exemplo, mapas bíblicos do atualEstado de Israel e Palest ina.

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Este texto tem a intenção de abrir a discussão sobre um assuntoque é amplo e complexo. Pretende-se rever brevemente os princípiosque norteiam as teorias da Comunicação Cart ográf ica e da Visual izaçãoCartográf ica, suas possíveis interfaces e a importância que têm na AnáliseEspacial , a part ir de conceitos ligados aos mapas exaust ivos, à coleçãode mapas e aos mapas interat ivos e animados.

O arcabouço teórico-metodológico de t ratamento da informaçãoespacial, gerado e const ruído nas duas concepções, aliado aos benefíciosque a t ecnologia proporciona podem at uar como poderoso recursodidát ico-pedagógico e como inst rumentos dinâmicos de planej amentoe gerenciamento do espaço.

COMUNICAÇÃO CARTOGRÁFICA

Dent re as variadas concepções adotadas na cartograf ia convencionaldestaca-se o Sist ema de Comunicação Cart ográf ica1 (Figura 1), que con-siste na representação do mundo real por meio de mapas, com ênfasenas concepções do cartógrafo e do usuário.

1 Vej a mais detalhes sobre este tema em: Oliveira (1978); Simiell i (1986); Kolacny (1994);Board (1994); Koeman (1995); Petchenik (1995); ent re out ros.

2 Vej a mais detalhes sobre este tema em: Bert in (1980); Sanchez (1981); Le Sann (1983);Santos (1987); Mart inelli (1991, 1998, 2003a e 2003b); Cast ro (1993 e 1996); ent re out ros.

Figura 1: Sistema de Comunicação Cartográf ica;Fonte: Robinson e Petchenik (1977) apud Simiell i (1986)

A Semiologia (do grego semeion = sinal, signo, símbolo), umas dasteorias da comunicação cartográf ica, é a ciência que estuda os sistemasde sinais que o homem ut il iza no seio da vida social: línguas, códigos,sinalizações, ent re out ros (BERTIN, 1973). Como parte integrante destessistemas de sinais, a Represent ação Gráf ica2 é a parte da Semiologia

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que tem por obj et ivo t ranscrever uma informação por meio de um siste-ma de símbolos, que exercem dupla função: atuam concomitantementecomo memória art if icial e como inst rumento de pesquisa.

Embora existam out ras concepções, segundo Bert in (1973) a repre-sentação gráf ica é um sistema lógico que faz parte dos sistemas de sím-bolos que o homem const ruiu para reter, compreender e comunicar suasobservações. Como linguagem dest inada aos olhos, benef icia-se das pro-priedades de ubiqüidade da percepção visual, recobrindo o universo dosmapas, dos diagramas e das redes (Figura 2).

Figura 2: Fundamentos da Semiologia Gráf ica;Fonte: Interpretação de Cast ro (1996) a part ir de Bert in (1973).

Como linguagem gráfica, a representação apresenta regras essenciais,tornando-se um método cartográf ico que envolve a parte racional domundo das imagens - Sist ema Monossêmico. Um sistema é monossêmicoquando o conhecimento do signif icado de cada símbolo “ antecede” a

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observação do conj unto de símbolos; não há ambigüidade, demanda uminstante de percepção e se expressa mediante a const rução da imagem(BERTIN, 1973).

No domínio da representação gráfica, a informação a ser t ranscritagraficamente é o conteúdo t raduzível do pensamento. A cartografia adotaeste método para t ranscrever informações espaciais com simbologiaprópria.

Neste sent ido, a cartografia representa as informações espaciais comimplantação pontual, linear e zonal. Essas informações possuem referên-cias no espaço (x,y) e localizações sistemat izadas segundo pares de co-ordenadas geográficas (lat ./ long.) ou sistemas de coordenadas planas (UTM,por exemplo). Com a f inalidade de representar a informação ou tema (z),nos aspectos qualitat ivo, ordenado ou quant itat ivo, devem-se explorarvariações visuais com propriedades percept ivas compat íveis.

No processo de confecção e uso dos mapas temát icos, considera-seo valor cognit ivo do mapa e est imula-se uma operação mental que permiteinterações ent re o mapa e os processos mentais do usuário (percepção,memória, reflexão, mot ivação e atenção), fundamentada nas propriedadesf isiológicas da percepção visual. Desta forma, os mapas temát icos sãoentendidos como meio de comunicação.

A part ir da década de 1970, grande parte dos conceitos e est ruturasda cartograf ia convencional foram t ransformados para o formato digitalcom a criação de uma variedade de algoritmos, tornando o processo deanálise da informação espacial dinâmico e interat ivo, por meio do usode métodos e técnicas da Cartografia Digital, dos Sistemas de InformaçõesGeográf icas (SIG’s) e da Visualização Cartográf ica.

VISUALIZAÇÃO CARTOGRÁFICA

O conceito de Visualização Cartográf ica está int imamente associadoaos conceitos da Cartograf ia Digital e dos SIG’s. A Cart ograf ia Digit al3

envolve sistemas de ent rada, armazenamento e de editoração gráf icade dados. Marble (1990) af irma que esta cartograf ia tem af inidades con-ceituais com a cartograf ia convencional e que representa uma mudançasubstancial nas técnicas ut il izadas na geração de dados cartográf icos.

3 Vej a mais detalhes sobre este tema em: Cromley (1992); Clarke (1995); ent re out ros.

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A Cartograf ia por computador teve início em 1959 com as pesquisaselaboradas por Waldo Tobler. A part ir da publicação do art igo int ituladoAut omação e Cart ograf ia (TOBLER, 1959), houve uma verdadeira revo-lução cient íf ica e tecnológica na Cartograf ia.

Segundo Clarke (1995), os cartógrafos t ransformaram o processo decriação e de produção de mapas. Neste processo existem dois temasinterligados: a Cart ograf ia Anal ít ica (TOBLER, 1976) e a Cart ograf ia porComput ador. O primeiro envolve o embasamento teórico e matemát icoda cartograf ia e as técnicas ut il izadas na criação de mapas; o segundo,as especif icidades dos métodos e das técnicas que a tecnologia ut il izana produção de mapas.

A prát ica da Cartograf ia Analít ica, por computador ou digital, inde-pendente da terminologia adotada, requer o entendimento de conceitose est ruturas como escala, proj eções, dist ribuições cont ínua e discreta,manifest ação pont ual , l inear e zonal , ent re out ros, com vist a aodesenvolvimento de metodologias que permitam manipular informaçõesem um SIG, para f ins de Anál ise Espacial 4.

A Visual ização Cartográf ica5 surgiu no f inal da década de 1980, emdecorrência dos avanços das técnicas computacionais, tornando-se umaalternat iva de exploração dinâmica e interat iva dos bancos de dados digi-tais, produzidos pela análise espacial da cartografia digital e dos SIG’s.

Visual ização é um termo com muitos signif icados. De maneira geral“ to make visible” pode ser considerada, ent re out ras concepções pos-síveis, como uma categoria que pertence à cartograf ia. O termo visua-l ização cient íf ica foi adotado com o signif icado est rito de tecnologiacomputadorizada avançada para facilitar o ato de “ tornar visíveis” dadoscient íf icos e conceitos (MACEACHREN, 1995).

MacEachren (1995) desenvolveu um modelo t r idimensional deinteração espacial homem-mapa, que def ine a apl icação ideal paravisualização e comunicação. As dimensões das interações espaciais sãodef inidas por uma t ríade cont ínua: o uso do mapa privado (feito sobmedida, elaborado para um indivíduo), para o público (designado para

4 Vej a mais detalhes sobre este tema, ent re out ros, em: BERRY; MARBLE, 1968; MAGUIRE etal . , 1991; CÂMARA et al . , 1996.

5 Vej a mais detalhes sobre este tema, ent re out ros, em: PETERSON, 1995; MACEACHREN,1995; CARTWRIGHT et al . , 1999; SLUTER, 2001; RAMOS, 2005; SILVA, 2006.

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um público amplo), o uso do mapa direcionado para revelações desco-nhecidas (exploração) versus most rar o conhecido (apresentação) e ouso de mapas que têm alta interação versus baixa interação (Figura 3).Não existe um limite claro nesta interação homem-mapa. Toda visualizaçãocom mapa envolve alguma comunicação e toda comunicação com mapaenvolve alguma visualização. A dist inção está na ênfase.

Figura 3: Cart ograf ia: represent ada por um espaço cúbico no uso do mapa, no qual avisualização e a comunicação ocupam pólos opostos.Font e: MacEachren (1995).

A visualização consiste na criação de imagens gráficas por computador,que exibem dados para a interpretação humana, part icularmente dadosmult idimensionais. Tem sido amplamente considerada como um métodopor computador que incorpora coleta de dados, organização, modelageme representação. A visualização é baseada na habilidade humana paraimpor ordem e ident if icar padrões. Como uma conseqüência da análiseestat íst ica, a visualização é usada em uma variedade de disciplinas. Foifortemente inf luenciada por todas as formas de análise de dados, cuj astécnicas desenvolvidas são incorporadas pela cartograf ia. Importanteselementos de interfaces da visualização são interat ividade e animação.A visualização cartográfica, às vezes chamada de visualização geográfica,

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é interpretada como sendo o uso de técnicas similares para exibição demapas (PETERSON, 1995).

Interat ividade e animação são palavras-chave no processo de visua-lização cartográfica. Segundo Peterson (1995), o mapa interat ivo é umaforma de apresentação do mapa assist ido por computador, que procuraimitar a exibição de mapas mentais. Além, disso, a exibição de mapasmentais permite apresentações mais nít idas e precisas. Os mapas incluemmais feições e não exibem as distorções e os erros dos mapas mentais. Omapa interat ivo é caracterizado como uma interface do uso intuit ivo fun-damentado em símbolos gráficos, um disposit ivo para exibição de mapassimultaneamente. O mapa interat ivo inclui comandos para produzir zoomsobre o mapa e explorar diferentes áreas, permit indo incluir vídeo-cl ipsde lugares com imagem e som. Por últ imo, o mapa interat ivo é uma extensãoda habilidade humana para visualizar lugares e dist ribuições.

Para o referido autor, a animação é uma arte gráf ica que ocorre notempo. É a manifestação da dinâmica visual que envolve diretamente aexibição, movimento ou t roca. O aspecto mais importante da animaçãoé que descreve algumas vezes quadros que não seriam evidentes quandovistos individualmente.

Dent re as técnicas de visualização cartográf ica, destaca-se a mul-t imídia, importante recurso didát ico-pedagógico que possibil ita variadasinterações ent re o usuário e o mapa (CASTRO; MAGALHÃES, 1997).

A mult imídia é def inida como o conj unto de textos, imagens, sons,animações, interações e vídeos (VAUGHAN, 1994; WOLFMAN, 1994). Seuobj et ivo principal está voltado para a t ransmissão de uma mensagem aum determinado público.

Além de se conhecer a mensagem a ser t ransmit ida e as característ icasdo público-alvo, é necessário conhecer os inst rumentos ut il izados naelaboração de uma apresentação em mult imídia, ou sej a, os sof t wares eos hardwares disponíveis (WOLFMAN, 1994).

A mult imídia ganhou notoriedade a part ir de meados da década de1980, principalmente com os adventos do CD ROM e da World WideWeb (WWW). Conforme o nível de interat ividade, a mult imídia podeser dividida em t rês grupos (PETERSON, 1995): (a) At las Elet rônicos -combinam recursos de mult imídia com a visualização e mapas; (b) Mapaspara navegação pessoal – permitem ao usuário obter informações sobrerotas; e, (c) Mapas para análise de dados – sistemas interat ivos que

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permitem ao usuário estabelecer classif icações, general izações, ent reout ras funções.

Enf im, foram revistos brevemente os principais aspectos ligados àcomunicação cartográfica e à visualização cartográfica, bem como as pos-síveis interfaces, enfat izando a importância que esses recursos repre-sentam para a cartograf ia atual no t ratamento da informação espacial.

Com base em parte dos conceitos abordados, foi desenvolvida umametodologia cartográfica para o tratamento da informação espacial e aplica-dos métodos da comunicação cartográfica em ambiente digital, apresen-tando-se alternat ivas de representação gráfica para mapas impressos.

METODOLOGIA

A part ir da contextualização da Cartografia na Análise Espacial (Figura4), o presente t rabalho aplica métodos da Comunicação Cartográf ica eda Cartograf ia Digital, especialmente aqueles ligados à Cartograf ia Te-mát ica e à Semiologia Gráf ica, por meio do mapa exaust ivo e da coleçãode mapas, ut il izando-se, como exemplo, mapas bíblicos do atual Estadode Israel e Palest ina.

Figura 4: A cartograf ia na análise espacial;Fonte: o autor com base em CASTRO et al . , 2006.

A pesquisa encont ra-se na primeira etapa da proposta, ou sej a, na-quela referente à Comunicação Cartográfica dos mapas bíblicos da regiãoreferida e da aplicação na Cartografia Digital. A etapa seguinte, a ser de-senvolvida futuramente, corresponderá a Visualização Cartográfica por

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meio da criação de uma mult imídia com possibilidades de interações eanimações.

O método de representação de informação espacial, por meio demapas exaust ivos e coleção de mapas, pode ser uma alternat iva de soluçãográf ica para mapas impressos; tecnicamente, são relat ivamente simplesde serem elaborados em ambiente digital, inclusive com possibil idadesde animação em apresentação de slides.

Em cartograf ia temát ica, a informação espacial geralmente apresen-ta-se com um at ributo ou com mais do que um at ributo; bem como,conforme a representação gráf ica adotada, pode apresentar dois níveisde leitura: element ar ou de conj unt o. Assim, quando a informação apre-senta somente um at ributo, sua representação, e conseqüentemente,sua leitura, tornam-se bastante facil itadas.

Ent retanto, quando a informação apresenta mais do que um at ribu-to, normalmente recorre-se à representação exaust iva ou de superposi-ção, isto é, aquela que superpõe todos os at ributos em um mesmo ma-pa, respondendo somente as questões em nível elementar: “ Em t al lu-gar, o que há?” . Os mapas const ruídos por superposição, são mapas parase Ler (BERTIN, 1988).

A maioria dos mapas temát icos adota esta forma de representação,como por exemplo, mapa geológico, mapa de cobertura vegetal, ent reout ros. A leitura destes mapas temát icos, na maioria das vezes, torna-secomplexa devido ao fato de que o usuário teria que memorizar tantossímbolos para os respect ivos at ributos quanto sua dist ribuição espacial,o que é, prat icamente, impossível. A leitura será então em nível elementar,isto é, de ponto a ponto, até memorizar selet ivamente as imagens indi-viduais que cada signo const rói.

Paralelamente à representação exaust iva, out ra solução que podeser adotada é a coleção de mapas, isto é, um mapa para cada at ributo.Esta representação permite uma leitura de conj unto e responde, ime-diatamente, perguntas do t ipo “ Como é a dist r ibuição espacial de t alat r ibut o?” ; “ Tal at r ibut o, onde est á?” . Os mapas const ruídos por meiode coleção, são mapas para se Ver (BERTIN, 1988).

O EXEMPLO DA REGIÃO DO ESTADO DE ISRAEL PALESTINA

Adotando-se, como exemplo, o atual Estado de Israel e Palest ina, osmapas bíblicos foram digitalizados em scanner, cuj a imagem foi importada

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para o programa de desenho Coreldraw®. Foi elaborado o mapa físico epolít ico-administ rat ivo, const ituindo-se na base cartográfica (Figura 5). 6

Figura 5: Estado de Israel e Palest ina: mapa f ísico e polít ico-administ rat ivo.Fonte: Pia Sociedade Filhas de São Paulo, 2001

6 Os mapas ut il izados nesta pesquisa, como exemplo, correspondem a parte dos 42 mapasproduzidos para o proj eto coordenado pela irmã Romi Auth, do Serviço de AnimaçãoBíblica - SAB/ Paulinas, int itulado: Bíblia em Comunidade - Visão Global, que representamas terras bíblicas (CASTRO, 2001) e a história do povo de Israel e da Palest ina, desde a suaorigem até o ano de 135 E.C.

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Sobre esta base, os temas bíblicos foram representados adotando-se os fundamentos da Semiologia Gráf ica e da Represent ação Gráf ica nat ranscrição da informação em ambiente digital. Neste sent ido, os mapastemát icos foram elaborados part indo-se do signif icado da informação,seguindo-se as regras da percepção visual na leitura e interpretação dainformação espacial.

Dois temas bíblicos foram selecionados, a Economia da Judéia (Séc.IV a.E.C. ao Séc. I E.C.) e a expansão progressiva da Judéia no tempo dosMacabeus e Asmoneus (Séc. II e I a.E.C.), af im de se aplicar tais fun-damentos por meio do mapa exaust ivo (leitura elementar) e da coleção demapas (leitura de conj unto).

A Figura 6 (próxima página) representa a Economia da Judéia (Séc. IVa.E.C. ao Séc. I E.C.), representação qualit at iva, const ituído por 24elementos, um símbolo para cada elemento, dist ribuídos de forma pontualno espaço. Neste mapa, adotou-se a solução exaust iva, isto é, todos oselementos em um mesmo mapa e, concomitantemente, a coleção de mapas,isto é, um mapa para cada elemento.

A primeira solução responde questões elementares, “ Em t al lugar, oque há?” , levando o usuário do mapa a realizar sucessivas leituras ememorizações legenda/ mapa. A segunda solução responde de formaimediata às questões de conj unto: “ Como é a dist r ibuição espacial det al at r ibut o?” - “ Tal at r ibut o, onde est á?” . Nota-se que uma solução nãoexclui a out ra, mas se complementam.

A Figura 7 (página 80) representa a expansão progressiva da Judéiano tempo dos Macabeus e Asmoneus (Séc. II e I a.E.C.), representaçãoordenada, const it uído por seis períodos de reinado. Trata-se de umainformação ordenada por apresentar evolução espacial e temporal. Nestecaso, pode ser adotada a solução exaust iva, t odos os períodos em ummesmo mapa.

Desta forma, na representação da informação, adotou-se a variaçãoda espessura e do t ipo de l inha, ou sej a, aumenta-se a espessura e ot ipo à medida que o fato desenvolve-se no tempo. Paralelamente, foielaborada uma coleção de mapas, um mapa para cada período, obj e-t ivando comunicar de forma imediata a área ocupada em um deter-minado período.

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Figura 6: Economia da Judéia (Séc. IV a.E.C. ao Séc. I E.C.)Fonte: Pia Sociedade Filhas de São Paulo, 2001

CONSIDERAÇÕES FINAISForam discut idos brevemente os fundamentos da Comunicação Car-

tográf ica e da Visualização Cartográf ica, enfat izando-se os princípiosque norteiam a Semiologia Gráf ica e apresentando-se alternat ivas de

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Figura 7: Judéia no tempo dos macabeus e asmoneus (Expansão progressiva - séc. II e I

a.E.C. ao Séc. I E.C.)Fonte: Pia Sociedade Filhas de São Paulo, 2001

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Ficou evidenciada a importância que a comunicação cartográfica temno processo de visualização cartográf ica, uma vez que os conceitos sãointerdependentes, residindo a diferença nos métodos e nas técnicas decriação e de produção de mapas.

Ficou evidenciado, também, o poder de comunicação da SemiologiaGráf ica, principalmente com os recursos de edição gráf ica que a tecno-logia oferece, tornando o processo de análise signif icat ivamente maisdinâmico.

As perspect ivas futuras deste t rabalho residem na const rução deuma mult imídia interat iva e animada dos mapas bíblicos ut il izados comoexemplo, inclusive com possibil idades de georreferenciamento da infor-mação e a criação de banco de dados digitais para f ins de Análise Espacialem SIG, que poderá const ituir-se em um At las Bíblico Digital, aplicando-se os conceitos discut idos brevemente nesse texto.

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O POTENCIAL ANALÓGICO DA CARTOGRAFIA*

ANALOGICAL POTENTIAL OF THE CARTOGRAPHY

Fernanda Padovesi Fonseca**

Resumo: Haveria um consenso que a Cartografia é a linguagem idealpara a expressão da Geografia? O que poderia ser uma óbvia resposta po-sit iva, não o é. Não vivemos em um tempo no qual parece haver umasubt ilização da Cartografia pela Geografia? Não estaríamos perdendo esserecurso sem que houvesse reação? Mas, qualquer Cartografia serve à Geo-grafia? Nossa preocupação f ica mais completamente expressa da seguintemaneira: haveria um desenvolvimento da Cartografia em consonância coma renovação da Geografia? Pode ser afirmado que há uma adesão quaseque inconsciente a uma Cartografia naturalizada, t ratada como um veícu-lo enrij ecido sobre bases imutáveis. Conseqüentemente, revelam-se la-cunas referentes às reflexões sobre representação e linguagem e o papeldessas na produção do conhecimento geográfico que se renova.

Palavras-Chave : Cartograf ia geográf ica. Linguagem. Espaço eucli-diano.

Abstract: Is there a consensus that Cartography is the ideal languageto express Geography? However, what might deserve an obvious affirmat iveanswer, actually does not . Are we not living in a t ime when Cartographyseems to be subt ilized by Geography? Are we not losing this resourcewithout put t ing up a st ruggle? On the other hand, does any Cartographyat all avail Geography? Perhaps our concern is bet ter expressed as follows:Are there developments in Cartography that are consonant with therenewal of Geography? Furthermore, we have observed an almost un-

* Este art igo se baseia em texto ext raído do capítulo 6 da tese A inf lexibi l idade do espaçocart ográf ico, uma quest ão para a Geograf ia: anál ise das discussões sobre o papel daCart ograf ia, realizada sob orientação do prof . dr. Gil Sodero de Toledo.

** Professora do Departamento de Geograf ia do Unif ieo–Osasco ([email protected])

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conscious adherence to a naturalized sort of Cartography, seen as a rigidmedium set on immutable bases. Consequent ly, there are certain gaps inthe current thinking on representat ion and language – and on their role inproducing renewed geographic knowledge.

Keywords: Geographic Cartography. Language. Euclidean space.

Há t rabalhos no regist ro da renovação da Geograf ia que se propõe aexaminar o espaço geográf ico como dimensão da totalidade social. Queo entendem, por exemplo, como um denso sistema técnico dinâmico1,que enquadra as relações sócio-econômicas, o que corresponde a mu-danças profundas das relações “ sócio-espaciais” : na velocidade, no al-cance escalar, na forma de medir, nos signif icados etc. Essa nova situa-ção resulta em formas radicalmente dist intas de organização espacialque se art iculam (ou desart iculam) às anteriores, o que a idéia de redegeográf ica ilust ra bem. No entanto, essa apreensão teórico-empírica temcontado pouco com a cont ribuição das representações cartográf icas parase desenvolver. Quando os mapas são empregados em t rabalhos com es-ses fundamentos teóricos, raramente deixam de ser mapas t radicionais,em defasagem com as novas formas de conceber o espaço geográf ico.Terminam sendo mapas que cumprem uma função ilust rat iva, secundá-ria. Mas, verdade sej a dita, boa parte da renovação da Geograf ia ignoraa Cartograf ia e não t rabalha para que ela lhe sirva.

1 A INSUFICIÊNCIA DA RELAÇÃO CARTOGRAFIA E GEOGRAFIA

Pode-se compreender (o que não j ust if ica a indiferença permanen-te) uma certa desatenção da Geograf ia que se renova com as linguagensvisuais, em especial a l inguagem cartográf ica. Seguramente essa açãonão se dá em razão de uma análise consistente sobre o potencial dessalinguagem. Predomina nessa at itude uma postura irref let ida. Há o costu-me em Geograf ia de receber as representações cartográf icas j á produzi-das pelos especialistas. Por mais que se diga ou se quisesse o cont rário,as prát icas cartográf icas não permearam as at ividades dos pesquisado-res e demais prat icantes da Geograf ia, principalmente no campo da Geo-

1 Esse é o caso da Geograf ia de Milton Santos (1996).

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graf ia humana. A discussão das representações (e das linguagens) f icouconf inada a compart imentos especializados dos cursos de Geograf ia.Aqueles at raídos para novas possibil idades teóricas da Geograf ia acaba-ram envolvidos pela “ representação” de que essa produção era mera-mente auxiliar, externa e que seus produtos eram alheios às necessida-des dos novos rumos da Geograf ia.

Alguns dos que eram capazes de avaliar teoricamente a Cartograf ia(e sabiam do seu papel no interior da Geograf ia) referiram-se à sua es-sência ant i-social2 e ult rapassada e a rej eitaram no seu formato t radici-onal e em razão disso passaram a invest ir numa ref lexão teórica sobreesse t ipo de representação, visando desenvolver seu potencial const rut i-vo na Geograf ia, mas com base em re-elaborações teóricas3.

No Brasil, poderíamos dizer que a percepção por parte dos “ geógra-fos-cartógrafos” os leva a concluir que a denominada Geograf ia crít ica,maneira reduzida e problemát ica se referir à renovação da Geograf ia,atua de modo a eliminar as prát icas cartográf icas do interior da disci-plina. Mas tendem a ident if icar essa “ crise de relacionamento” a mot i-vações ideológicas, a incompreensões, ao comodismo por ausência deformação em Cartograf ia, sem nunca quest ionarem se haveria nesse afas-tamento razões de ordem teórica.

De certo modo, o fato de não se cogitar a hipótese de um fundoteórico na crise ent re a Cartografia e a Geografia, são reveladores de umdescuido epistemológico com as prát icas da Cartografia de modo geral.Conforme depoimento da Professora Margarida Maria de Andrade, a “ rup-tura epistemológica” que as obras de Jacques Bert in4 representavam nes-se campo demorou muito para produzir alguma repercussão no Depar-tamento de Geografia da Universidade de São Paulo. E até hoj e uma dasmarcas dos debates teóricos da Cartografia brasileira é a velha e pouco

2 O núcleo das crít icas a respeito das prát icas t radicionais da Cartograf ia feitas por BrianHarley (1995a) é esse. Dizia ele que os mapas tendem a most rar um territ ório “ des-socializado” , “ socialmente vazio” .

3 Podemos citar as obras de Mark Monmonier (1991), How t o Lies wit h Maps; Luc Cambrézye Rene Maximy (1995), La cart ographie en débat : represent er ou convaincre; AntoineBailly e Peter Gould (1995), Le pouvoir des cart es: Brian Harley et la cart ographie.

4 Autor da Semiologia gráf ica, obra de 1967 reeditada em 1988. Em português, as idéias deBert in estão nos textos de 1980, 1986 (único l ivro t raduzido) e de 1988.

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produt iva cont raposição (ou sucessão harmoniosa) ent re Cartografia bási-ca e ou topográfica, e ou sistemát ica versus a Cartográfica temát ica. ACartografia sistemát ica forneceria as bases para que os diversos temassej am espacializados sobre essa plataforma neut ra e matemat icamenteprecisa. Quer dizer: admite-se que a carta topográfica representa o espa-ço geográfico total e obj et ivo (o que não é, pois na verdade é apenas umasobrevivência extemporânea da concepção de espaço da Geografia clássi-ca) e que o temát ico const itui-se de aspectos enfat izados naquela baseabrangente. Algo que parece indiscut ível pode ser na verdade uma grandeilusão. Jacques Lévy diz, por exemplo, que a carta topográfica é uma car-ta temát ica (LÉVY; DURAND; RETAILLE, 1993, p. 38). Os temas ali t ratadossão distâncias e conteúdos que refletem interesses militares, atualmenteobscurecidos e naturalizados. Tratar de out ras distâncias mais produt ivascomo meio de representação de dinâmicas sociais de conteúdos espaci-ais, j á seria out ro tema.

Um out ro ângulo a ser observado no contexto dessa “ crise de rela-ção” é o conj unto de obras5 que analisam a paralisia teórica da Cartogra-f ia e que denunciam os perigos de seu uso irref let ido. O que elas dizema respeito da renovação da Geograf ia? A rigor, avançam pouco nessa di-reção. Regist ramos o caso de Jean-Paul Bord que reconhece que essa éuma questão de fundo no momento em que pergunta qual o obj eto deestudo da Cartograf ia em Geograf ia. Todavia, não haverá solução paraesse relacionamento se se espera que as respostas venham somentedaqueles que possuem no interior da Geograf ia a especialidade em Car-tograf ia. O que nos parece importante é que não se deve admit ir a im-portância da informação cartográf ica em termos retóricos, tal como écomum encont rar em t rabalhos, cuj a marca é a af irmação que é impossí-vel o conhecimento geográfico sem as representações cartográficas (SOU-ZA; KATUTA, 2001), numa clara demonst ração de que o mapa é encaradocomo um veículo neut ro e geográf ico por excelência, e que agrega ver-dade à informação, mas que a r igor não passa de uma “ verdadeeuclidiana” , logo bastante parcial. Se assim for, a obra de Milton Santosque não faz uso da Cartograf ia, não produz “ verdadeiro” conhecimento

5 Além das observações contundentes de John Brian Harley (1995a; 1995 b), podemos citarcomo exemplo os textos de Jean-Paul Bord (1997a; 1997b) e Sylvie Rimbert (1990).

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geográf ico. É necessário que se procure qualif icar essa importância,porque ela não é natural, como af irma A. Kolacny, ela se modif ica notempo: “ No atual estágio de desenvolvimento, quando o conhecimentodas relações tempo/ espaço em níveis topográf ico, geográf ico e cósmicotornou-se uma necessidade, a informação cartográf ica está aumentadograndemente sua importância” . (KOLACNY, 1994, p. 9)

De nossa parte, parece evidente que a crise na relação Cartograf ia eGeograf ia tem, antes de tudo, uma fundamentação teórica que resiste avir à luz do dia. Em termos gerais, ela se localiza na rigidez da Cartograf iaem vista de uma Geograf ia que se t ransforma. A seguir vamos nos referiràs dimensões mais evidentes (e importantes) dessa questão a ser en-frentada.

2 UM BREVE PERFIL DA CARTOGRAFIA: A CRISE DO MAPA

A palavra Cartograf ia designava a ciência que estuda e realiza osmapas geográf icos, porém esse sent ido ampliou-se e a Cartograf ia pas-sou a ser considerada também a teoria cognit iva e a “ teoria” sobre astecnologias pelas quais se reduz a complexidade do mundo real a umarepresentação gráf ica, para que se possa apropriar intelectualmentedele6. Os documentos que const ituem imagens do mundo proj etadasnum plano, com a aplicação de alguma simbologia são produtos carto-gráf icos, embora possam ser muito diferentes ent re si, a começar pelasf inalidades a que se dest inam. Essa variação pode ir de um mapa mundiaté um mapa rodoviário. A abrangência que o termo ganhou em funçãodas múlt iplas aplicações, esse seu descolamento da origem geográf ica,pode ter enfraquecido o sent ido da idéia de mapa geográf ico.

Ao longo do tempo, a expressão cognit iva dos mapas geográf icos sesolidif icou em torno de algumas prát icas, tais como o uso de uma relaçãomét rica ent re a realidade e sua representação, que é a escala carto-gráf ica; uma seleção cristalizada de grupos de elementos naturais e hu-manos para se cartografar; um emprego de um simbolismo convencionalpara expressar os fenômenos etc.

6 Cf. verbete Cart ographie de Emanuela Cast i. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT Michel (Org.).Dict ionnaire de la Géographie et de l´ espace des sociét és. Paris: Belin, 2003, p. 134-135.

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Segundo a expressão de Claude Raf fest in7, o mapa exprime a lentaconst rução de um “ paradigma zenital” para orientação e apreensão daTerra, com todos os nomes que, posteriormente, essa veio a t er comoapreensão: da paisagem, da superf ície, do espaço, do territ ório et c.Desde a ant iguidade pode-se notar a oscilação ent re formas diferentesde se apreender esse espaço, se num plano ou se a part ir de visões doalto8. Para sit uar obj etos, o que prevaleceu remotamente foi um f igu-rat ivismo proj etado sobre pranchas vistas de cima. Por sua vez, parase chegar plenamente às representações planas houve muito esforçode abst ração, na medida em que era necessário cont rolar uma represen-tação que se afastava conscientemente da realidade representada, queera em t rês dimensões. A Cartograf ia evoluiu segundo um duplo movi-mento: 1) uma especial ização técnica que foi se l ivrando do imaginárioproj etado anteriormente, valorizando as f inal idades funcionais, t aiscomo a navegação, as manobras mil it ares, a solidif icação j urídica epolít ica de territ órios e possessões et c. Para tanto foi desenvolvendouma l inguagem mais cognit iva; 2) uma formalização geomét rica dereferencial geodésico conf igurando uma Cartograf ia matemát ica. Essesegundo desenvolvimento não depende do primeiro, uma vez que es-tava em andamento desde a Grécia ant iga passando por Dicearco, Eras-tóstenes, Hiparco e Ptolomeu até Mercator (1512-1594), o cont inuadorprincipal da Cartograf ia matemát ica.

A Cartograf ia hist órica pode ser int erpretada como uma “ visãoantecipada” de espaços desconhecidos. Isso era possível em razão dacapacidade de medir das t écnicas cart ográf icas, que é ant erior àcompetência de se movimentar com mais desembaraço no planeta. Nahistória ocidental, esse esforço de antecipação resultou numa misturade elementos verif icáveis com criações improváveis. Tomando a históriaeuropéia como referência, não há como negar o papel produt ivo que ascriações geográf icas da Cartograf ia visionária t iveram na conquista daAmérica pelos europeus, por exemplo. O que j ust if ica a curiosidade

7 Citado por Jacques Lévy no verbete Cart e. In: LÉVY, Jacques ; LUSSAULT, Michel (Org.).op. ci t . , p. 128-132.

8 O f io narrat ivo da exposição que segue se baseia em textos de Jacques Lévy, ent re out ros,o verbete Cart e. In: LÉVY, Jacques ; LUSSAULT, Michel (Org.). op. cit . , p. 128-132.

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intelectual de checar as representações intelectuais/ fantasiosas9 doseuropeus com o que eles encont raram.

O papel do mapa ao longo da história da humanidade tem sido múlt i-plo. Trata-se de uma proj eção intelectual que ocupa um espect ro quevai das at ividades mais funcionais, até papéis de signif icado polít ico emesmo, simbólico. Certamente, os mapas amparam principalmente asat ividades humanas com forte componente espacial: a exploração, a guer-ra, o cont role estatal e, também as decisões econômicas dos empreendi-mentos, assim como uma série de at ividades dos indivíduos, como, porexemplo, as prát icas turíst icas.

Desde o momento que vários dos problemas técnicos da coleta dedados e de seu t ratamento passaram a ser t rabalhados com novos conhe-cimentos (a estat íst ica, por exemplo) e novas tecnologias como o sen-soriamento remoto e a informát ica, os mapas puderam ser produzidosnuma out ra escala quant itat iva, tanto como obra original, como quantoà profusão de cópias. Isso também possibil itou (com o apoio do SIG) adifusão de uma Cartograf ia independente do suporte de papel, cuj o de-sempenho técnico vem evoluindo.

Essa indiscut ível importância do mapa, por conta de suas múlt iplasaplicações e seus efeitos produt ivos na const rução das visões espaciaise de mundo, pode ser confrontada com um paradoxo, j á notado no inte-rior da Geograf ia, mas que ext ravasa essa área de estudos: existe decerta maneira, uma crise do mapa. Contudo, vê-se proj etar uma certacrise do mapa, segundo um quádruplo ponto de vista. Jacques Lévy, demodo convergente com muitos dos “ cartógrafos crít icos” , detecta qua-t ro aspectos da “ crise do mapa” : 10

9 Como se vê não há realmente limites claros ent re “ representação obj et iva” e imaginaçãoe fantasia.

10 Cf. o verbete Carte. In: LÉVY, Jacques ; LUSSAULT, Michel (Org.). op. cit ., 2003. p. 128-132.

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O mapa pode e deve ser entendido como uma linguagem. As lingua-gens são veículos e produtoras de um mundo social conf litante, plenode signif icados e ideologias. Assim, potencialmente toda a linguagempode ser t ransmissora e produtora de ideologias e com o mapa isso nãoé diferente. A crít ica que ele sofre atualmente por conta desse papelt em sido dura. Denunciam-se os métodos f raudulentos que lhe sãosubj acentes, ocultados por posturas pseudocient íf icas. Denunciam-setambém sua ef iciência em enganar por conta do efeito de verdade quea imagem possui. Esse papel, que seria nefasto, aparece nas questõesgeopolít icas, no planej amento, nas polít icas de Estado, nas ações dosgrandes empreendimentos etc.

Um out ro fator de crise do mapa é a desigualdade que exist iria en-t re todo o esforço necessário para compreender sua linguagem, suastécnicas, e o t ipo de informação que ele pode fornecer. Suas cont ribui-ções seriam menores do que as dif iculdades para usá-lo e cont rolá-lo.Uma demonst ração desse fato estaria no cont raste ent re o acréscimoext raordinário das mobilidades do seres humanos (grupos e indivíduos)e o t ímido crescimento do uso do mapa na vida social.

O mapa tem perdido a aura de insubst ituível. Na verdade, parececada vez mais subst ituível por out ras mídias como os disposit ivos delocalização que integram um GPS (Sistema de localização planetário),que difundem informações precisas (no sent ido consagrado na Cartogra-f ia) e on l ine. Isso em cont raposição ao mapa, que é um documento f ixo,parece ser uma vantagem, pois os mapas podem ser organizados em se-qüência dinâmica com imagens múlt iplas. Por out ro lado, há a rest riçãodas duas dimensões, diante dos procedimentos de simulação t ridimen-sionais numa tela de computador.

Num contexto como esse, há quem anuncie a morte do mapa. Semnegar o que há de est imulante nas novas tecnologias nada disso forçosa-mente ameaça o mapa. O const rangimento das duas dimensões poderesultar em algo posit ivo. A imagem f ixa permite um melhor cont role doreceptor, o mantém como leit or , mais do que como espect ador . Porém,a mult iplicação de tecnologias alternat ivas e as pressões poderosas peloseu uso, obrigam que o mapa tome a direção de se aperfeiçoar naquiloque ele pode cont ribuir de diferente. E essa cont ribuição pode vir dasprát icas cartográf icas em Geograf ia, que possuem atualmente um po-tencial de renovação que precisa ser aproveitado.

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3 INCOMPATIBILIDADES DO ESPAÇO EUCLIDIANO

Considerando, especif icamente, o caso da Geograf ia e das ciênciashumanas, há que se reconhecer que vários fenômenos são muito malrepresentados no mapa. Não é uma questão de verdade, mas de relaçãoprodut iva. Vamos expor dois exemplos, que são de suma importância:

• As cidades e sua representação cartográf ica int roduzem o proble-ma sobre algumas incompat ibil idades do espaço euclidiano nas repre-sentações cartográf icas. Elas são espaços densamente povoados, pro-dutos de engenhosa e da incrivelmente complexa ação humana, ent re-tanto quando representadas em mapas de escala menores, são reduzi-das a pontos. As cidades que exigiriam um recorte mét rico com base emout ros critérios encont ram-se submergidas pelas extensões vazias, querecebem t ratamento prioritário nas representações euclidianas. A rigoresse t ipo de mapa está adaptado para representar e servir a um mundorural, ancorado no solo, t ípico da Geograf ia clássica. Que vantagens ma-pas assim t razem para a representação do mundo urbano, concent rado,pleno de obj etos e relações intensas e mutantes?

• Havíamos antes nos referido às redes geográf icas e af irmado queelas se t ratam de formas radicalmente dist intas de espacialidade. Elas seopõem a espacialidades de out ro t ipo cuj a apreensão se expressa pelasidéias de cont igüidade, cont inuidade, topograf ia, território, horizon-talidades etc. Por sua vez, as redes geográf icas se revelam a part ir dasidéias de lacunaridade, descont inuidade, vert icalidades, topologia etc.De fato, a Cartograf ia no seu estágio atual, não possui f lexibil idade enem repertório para a representação const rut iva dessa nova espacia-lidade. Considerando o espaço geográf ico como produto das relaçõessociais, como se daria a representação cartográf ica das espacialidadesque se const ituem tendo em vista relações - ent re obj etos geográf icos- de dominância topológica? Originalmente a topologia foi conhecida ebat izada como Analysis Sit us por G. Leibniz e essa era uma forma deapreensão do espaço que fazia sent ido nas elaborações de Leibniz, f iló-sofo cuj o pensamento é a mat riz para todas as concepções que derivamda idéia de espaço relat ivo.

A visão concorrente à de espaço relat ivo é aquela do espaço absolu-to, relacionado ao euclidianismo, porque ele é a base dessa geomet riamencionada. Esse espaço supõe a cont inuidade (nada de lacuna) e a

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cont igüidade (nada de ruptura), mas também a uniformidade, que é umamét rica constante a todo ponto. É um caso part icular do que em mate-mát ica denomina-se como “ espaço mét rico” . Tamanha é a presença e aforça dessa modalidade de apreensão matemát ica-geomét rica do espa-ço, que não é exagero af irmar-se que estamos diante de um verdadeiroparadigma: um paradigma euclidiano. A potência desse paradigma é talque comumente não se consegue imaginar out ro espaço que não sej a oeuclidiano. A recusa maior é em relação a uma Geomet ria concorrenteque se sustenta nas mét ricas topológicas. Tal postura foi dominante naGeograf ia clássica, mas está relat ivamente abalada no âmbito das inova-ções teóricas, porém cont inua resist indo fortemente na Cartograf ia.

Um mapa é uma representação de t ipo analógica, quer dizer: nele seencont raria parte da lógica do seu referente. Essa lógica é dada de iní-cio, grosso modo, pois um mapa e seu referente são espaços. Mas, se oespaço cartográf ico é apenas geomét rico/ euclidiano, o potencial dessaanalogia vai encont rar alguns limites sérios. Há modalidades de organiza-ção do espaço geográf ico (espacialidades) de dominante topográf ico,cont ínuos e cont íguos, portanto com forte analogia com o espaço eucli-diano, mas não uniformes, e nesse caso não há analogia. Se t ivermos,por exemplo, como referência num espaço dado que a determinação dadistância ent re dois pontos será um índice de acessibil idade (acesso evelocidade), poderá se notar em qualquer grande cidade que para asmesmas “ distâncias euclidianas” teremos índices diferentes, o que de-monst ra a heterogeneidade do espaço geográf ico. Do mesmo modo, pro-j eções cartográf icas que alteram as distâncias convencionais em relaçãoao referente, também atenuam a analogia. Se quisermos confrontar oespaço euclidiano com a lógica das redes geográf icas (que são topo-lógicas), a analogia possível será muito enfraquecida.

Na concepção leibniziana de espaço há uma extensão abst rata dereferência em relação ao qual se situariam os espaços de fato, produtodas relações ent re obj etos. Essa extensão pode ser assimilada à concep-ção de extensão de Descartes e igualmente pode ser apreendida pelageomet ria euclidiana e também pelo sistema de coordenadas terrest res.Ela, no planeta Terra, corresponderia à superf ície terrest re. Logo, fazercoincidir superfície terrest re e espaço geográf ico, é criar uma correspon-dência exata ent re extensão e espaço. Dessa forma o espaço não preci-sa ter uma característ ica propriamente geográf ica, pois ele é apenas

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uma posição na superf ície. Ele é um valor anterior à existência dos obj e-tos na extensão. Rej eitando um “ espaço plano” prévio, natural, único eindiscut ível que acompanha implicitamente a Geograf ia clássica e a Car-tograf ia convencional, todo o estudo de um lugar, t ransforma a evidên-cia (a localização euclidiana) em problema geográf ico. Isso não quer di-zer que a idéia de extensão não tenha ut il idade, mas seguramente, nãopossui cent ralidade nas novas elaborações. 11

Se enxergarmos o espaço geográfico como o conj unto das espacia-lidades const ruídas socialmente, obviamente concluiremos que ele não éisót ropo, não possui pontos equivalentes, é inteiramente desigual, e essasdiferenças exigem outras métricas para serem apreendidas. Além do espaçogeométrico euclidiano haveria alternat iva geométrica para apreender acomplexidade do espaço geográf ico? Exist em, são conhecidas, masmarginalizadas em Cartografia pelo paradigma euclidiano:

Quando [. . . ] comparamos a geomet ria clássica ou geomet ria euclidiana(que opera com o espaço plano) e a geometria contemporânea ou topológica(que opera com o espaço t ridimensional), vemos que não se t rata deduas etapas ou de duas fases sucessivas da mesma ciência geomét rica, esim de duas geomet rias diferentes, com princípios, conceitos, obj etos,demonst rações completamente diferentes (CHAUÍ, 1995, p. 257).

Na apreensão topológica nos colocamos diante das questões sobre osposicionamentos relat ivos ent re os obj etos que const ituem o espaço. Éuma questão de ligações para as relações. Pertence à topologia averiguara forma dos caminhos das relações, para os f luxos (por exemplo, t ráfegode informações nas redes) que é a forma como elas estão dispostas(“ layout ” ). Ao se considerar redes técnicas elas se organizam conformevárias disposições topológicas que são reconhecíveis: há t opologias l inearesque se caracterizam por uma linha única de fluxos finalizada por dois pontos,onde se at relam vários nós de modo que mensagens e matérias em fluxo

11 Se o tema de estudo for interespacialidades ou comparações ent re espaços, pode serinteressante um terceiro elemento referente ao qual se situariam os espaços analisados.Pode ser út il saber-se a distância de duas cidades em relação à Nova York, por exemplo.Uma out ra aplicação possível está em considerar-se qualquer espaço como extensão dereferência para out ros espaços. Como cont ext o espacial de referência. Por suacaract eríst ica lacunar, as redes geográf icas são mais compreensíveis, quando“ posicionadas” sobre uma extensão territ orial, que permite situar os nós e os arcos,num espaço sem lacuna e nem ruptura.

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passam por todas as estações. Nas redes baseadas nesta topologia nãoexiste um elemento cent ral, todos os pontos atuam de maneira igual; hát opologias em formato de est rela, caracterizadas por um elemento centralque “ gerencia” o f luxo da rede, estando diretamente conectado a cadanó (ponto-a-ponto). Todo o f luxo enviado de um nó para out ro deveráobrigatoriamente passar pelo ponto cent ral. Isso permite uma fluidez efi-ciente. No caso da Internet a vantagem da organização topológica emest rela é grande, em especial para o t ráfego de informações “ pesadas” ,como a t roca de regist ros de uma grande base de dados compart ilhada,som, gráficos de alta resolução e vídeo. O sistema aéreo que cent ralizasuas conexões em alguns aeroportos (como At lanta nos EUA, por exemplo)segue essa topologia em est rela. Empresas de t ransportes como a FedExtambém. Há t opologias em malha, na qual todos os nós estão art iculadosa todos os out ros nós; estão ent relaçados. Uma variação possível é a dedensidade. Uma densidade grande aproxima-se da cont igüidade, dotopográfico; há ainda muitas out ras possibilidades topológicas, que sãosempre configurações espaciais.12

Considerando a complexidade e o ent relaçamento das espacialidadessociais, seus elementos obj et ivos, como as múlt iplas redes materiais/técnicas e também as imateriais, os elementos subj et ivos com sua de-manda por mobilidade material e ideal, a apreensão topológica do espa-ço geográf ico enquanto dimensão social t raria uma cont ribuição nãosomente para as teorias geográficas, mas, igualmente para as representa-ções cartográf icas.

Hoj e se reconhece que a espacial idade própria da denominada“ globalização” não se est rutura sobre uma “ extensão” , um “ territóriocont íguo” . Podemos, grosso modo, dizer que o que se apóia em territó-rios cont íguos13 são os Estados nacionais. A “ globalização” se apóia numcomponente espacial ret icular (redes geográf icas), que tende à escalaplanetária. Essas redes mundiais se instalam nos espaços nacionais comseus nós e linhas e seguem lógicas conhecidas:

12 Cf . os quat ro t ipos teóricos de redes descritos em: LÉVY, Jacques ; DURAND, Marie-Françoise ; RETAILLE, Denis. Le monde, espaces et syst èmes. Paris : Dalloz/ Presses de laFondat ion Nat ionale des Sciences Polit iques, 1993, p. 134.

13 O que não impede que se acrescente a esse território formas descont ínuas e concorrentes,que são as redes geográf icas.

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• Os t ransport es de pessoas e bens materiais devem resolver al-guns const rangimentos: a distância, o peso, o volume. Sua lógica geo-gráf ica-topológica privilegia os eixos de l inhas, de um ponto específ icoa out ro.

• Nas comunicações a conf iguração busca assegurar a ligação ent retodos os lugares, segue a topologia em est rela, com um intenso desdo-bramento de vasos comunicantes (o acesso à telefonia e seus produtos,como a Internet , segue essa lógica, o mesmo não se dá com o t ransporteaéreo). Para essas redes não se estabelecem linhas para o usuário, massim situações de cent ralização, que é mais importante que a complexi-dade da rede.

A cent ral idade numa organização topológica designa o número dearestas ent re dois vért ices (nós). Ela é máxima numa rede quando, en-t re dois lugares quaisquer, a distância topológica não é j amais superior aduas arestas, o que só é possível em redes de comunicação. Por sua vez,a complexidade designa o número de circuitos relacionados ao total pos-sível: as rotas múlt iplas se cruzam. A conect ividade mede a relação ent reo número de arestas e o número de vért ices e designa igualmente o graude complexidade mais completo de uma situação de cent ralidade. Ten-do em conta essas duas lógicas, se a freqüência e o nível de especializa-ção de t rocas t iver o predomínio das informações, os lugares (e não maisas linhas) são hierarquizados. Quando esses dois t ipos de redes e situa-ções se misturam, as avaliações sobre os lugares consideram a cen-t ralidade, a conect ividade e a complexidade no conj unto das relaçõesespaciais. Elementos como esses orientam decisões de empresas queestão const ituindo a dimensão global.

Consideradas as diferenças específ icas na lógica topológica das orga-nizações espaciais, o que importa principalmente numa rede são as posi-ções relat ivas na est rutura ret icular, e não as distâncias euclidianas naextensão. As distâncias espaciais que fazem sent ido são compostas pelonúmero e pelas característ icas das arestas que separam e religam os nós.Isso não quer dizer que as distâncias ent re os nós (vért ices), que são asarestas, não podem ser apreendidas pela mét rica euclidiana. Mas mesmonesse caso, sua importância não é a mesma de que quando a espacialidadeem questão t iver dominância topográf ica. Vendo as coisas dessa maneirapode-se avançar algumas conclusões sobre as lógicas espaciais. Porexemplo, uma met rópole de um país pobre tem característ icas superiores

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de cent ro do que uma cidade média num país de “ primeiro mundo” . Suaposição hierárquica na rede, que lhe dá acessibil idade rápida às relaçõesde escala nacional e global, é mais importante que o pertencimentoregional e nacional.

A questão é que toda essa lógica topológica, a respeito das quaisapresentamos alguns exemplos, não se harmoniza, ou melhor, gera efei-tos analógicos pobres com o espaço cart ográf ico clássico. No espaçoeuclidiano, os eventos (na sua maioria) se encont ram tolhidos e achata-dos pela representação plana, numa extensão insensível ao sent ido daslógicas espaciais contemporâneas. Logo será preciso incorporar nessasrepresentações a capacidade de revelar com constância as interaçõesent re espaço e extensão, a relação ent re uma espacialidade part icular eum f undo de mapa, que é um elemento que fala mais do que normal-mente se admite.

4 CARTOGRAFIA COMO LINGUAGEM: A FORÇA ANALÓGICA DO MAP A

Os mapas são representações que obedecem a um princípio de t rans-posição analógico, do referente para a representação. Isto é: (re) apre-sentam os obj etos segundo as mesmas disposições, relações e dimen-sões pelas quais elas são percebidas na realidade. Trata-se da const ru-ção de uma imagem analógica de um espaço. O fato dessa representaçãodo espaço ser também um espaço explica a conclusão dominante sobreser o mapa a expressão concreta do obj eto da Geograf ia, o que geramuitas confusões, porque essa assimilação automát ica de um espaço aoout ro naturaliza a representação, que não é o espaço do mundo real,porque todo mapa é sempre temát ico, é sempre parcial, e uma interpre-tação apenas.

Emanuela Cast i14 af irma que quando se def ine o mapa como umaimagem plana da Terra adent ra-se num problema nem sempre percebi-do. Essa def inição não diz o que ele representa, mas o que ele é em si.Desse modo é uma def inição circular que encobre que ele é uma repre-sentação, e disfarça a natureza problemát ica do mapa. Essa problemá-

14 Cf . no verbete Cart ographie. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT Michel (Org.), op. ci t . , p.134-135.

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t ica vem do fato que ele const it ui um enunciado l ingüíst ico fortemen-te sof ist icado. Ele é uma l inguagem. Sempre se deve ter claro o quesignif ica ser uma representação analógica, que não se confunde com arealidade: “ Gershon Weltman af irma que os mapas ‘ não são os ambien-tes em si, e sim apresentações dest inadas a most rar um ambiente emsua ausência, apresentações dest inadas a represent ar de tal forma quepossibil ite ao leitor do mapa deduzir sistemat icamente os at ributos doambiente mapeado’ ” . (WURMAN, 1991, p. 284, grifo do autor)

A consciência dessa condição não só evita confusões, e nos previnequanto a riscos, pois como j á vimos o mapa pode nos “ enganar” . Elecompõe um conj unto de signos que oferece uma aparência de naturali-dade e de t ransparência, mas que está mascarando mecanismos de re-presentação, plenos de distorções e criações arbit rárias. Ao longo dahistória da Cartograf ia moderna ocidental, são numerosos os casos nosquais as cart as foram falsif icadas, censuradas e t ornadas secretas,cont raditando sua pretendida cient if icidade (HARLEY, 1995b, p. 74). Mas,a consciência da condição de representação é também vantaj osa, poisnos permite um aproveitamento ef icaz do caráter const rut ivo e produ-t ivo das representações, como indica Christopher Board: “ Naturalmen-te, nenhum mapa pode representar perfeitamente a realidade, mas nãofazendo isso ele é mais út il ainda” . (1975, p. 139, grifo do autor)

Mais do que uma simples representação o mapa é uma representaçãocomplexa, ele pode ser l ido, interpretado e estudado como linguagem.Apenas recentemente estudos integraram essa dimensão e most raramque o mapa, considerado como uma verdadeira linguagem, resultantede um ‘ fazer’ específ ico, é uma mediação simbólica poderosa, capaz dese apresentar de uma maneira autônoma na comunicação. Esse en-tendimento encont ra em Jacques Bert in um de seus art íf ices principais.Pode-se admit ir, inclusive, que um mapa expressa uma l inguagem‘ hipertextual’ , fundada sobre a ut il ização de códigos diferenciados15:código lexical (os nomes), código numérico, código f igurat ivo, códigocromát ico e código geomét rico. Esse últ imo, por sinal, pouco percebidoem função da naturalização euclidiana. O destaque de sua condição de

15 “ As cartas são um texto cultural: elas não fazem uso de um só código, mas de vários, ondepoucos somente são próprios da Cartograf ia” (HARLEY, 1995b, p. 73, t radução nossa).

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representação colabora para most rar que comunica algo, não é passivo.Brian Harley vai se referir ao mapa como texto, para levantar a questãodo mapa t ratado como linguagem. Inicialmente, alguns cartógrafos seopuseram a isso, mas hoj e essa condição é mais facilmente aceita:

Certamente, l iteralmente, os mapas (uma forma de texto gráf ico) nãopossuem gramát ica e são desprovidas da seqüência temporal de umasintaxe, mais o que const itui um texto não é a presença de elementoslingüíst icos, mas o ato de const rução, embora as cartas, enquantoconst ruções ut il izando um sistema de signos convencionais, tornam-setextos. (HARLEY, 1995b, p. 73, t radução nossa)

Ainda Cast i destaca que uma grande evolução da reflexão sobre Carto-graf ia ocorre a part ir do momento em que ela passa a ser t ratada comolinguagem. Isso signif icou a abertura de um novo horizonte epistemo-lógico, necessário inclusive como elemento de renovação da Geograf ia.Expondo o que pensava Harley: aceitando-se o caráter “ textual” dascartas, nós podemos enxergar diversas possibil idades de interpretação,e podemos também ousar mais, pois não haveria porque permanecerprisioneiro de uma ciência formal da comunicação, ou de uma psicologiado conhecimento que nada diz sobre o mundo social, escolhas essas queainda são muito fortes na Cartograf ia, mesmo no caso brasileiro, onde aidéia de “ alfabet ização cartográf ica” l igada a uma psicologia do co-nhecimento ganhou terreno. (HARLEY, 1995b, p. 73)

Ao se admit ir a condição de linguagem do mapa deve-se estar atentoàs peculiaridades dessa sua condição, o que f ica visível se a compararmos,por exemplo, com a linguagem escrita. Uma peculiaridade a ser destacadarefere-se a como se dá a questão da auto-referência. A auto-referênciaé conseqüência da part icipação das representações na vida real. Elaspodem se incorporar ao referente exterior de tal modo que eles f icammascarados. Se pensarmos em relação aos mapas, seria a situação pelaqual os nomes e os símbolos reproduzidos sobre o mapa não representammais simplesmente os dados empíricos f ísico-naturais ou ant rópicos, masformam, por sua autonomização lógica e semânt ica, out ras signif icaçõescapazes de inf luenciar a concepção que o autor faz dos lugares sub-met idos a seu cont role cognit ivo. Mas isso também acontece com a“ língua natural” e com a linguagem escrita. A diferença está no fato domapa ser o veículo de uma linguagem (um sistema específ ico de signos)minorit ário diante da dominação das l inguagens verbais. Em conse-

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qüência, a auto-referência da Cartograf ia toma um curso part icular. Aauto-referência das linguagens verbais é quase sinônimo de contextocultural. Com o mapa, o contexto auto-referente que ele forma é rest rito,o que compromete sua acessibil idade, e por mais at ração que os mapasexercem eles acabam sendo pouco ut il izados. O resultado é que a imensamaioria de nossos contemporâneos não ut il izou j amais um mapa, emboraas condições contemporâneas de vida pudessem est imular esse uso, j áque houve aumento das mobilidades, aumento da capacidade de escolhade localizações etc.

A auto-referência num contexto rest rito acaba se t ransformando numobstáculo à f lexibil ização da Cartograf ia, visto que o “ passado auto-referente” das convenções é muito visível e presente e atua como umconst rangimento cont ra experimentos mais ousados16. Visando uma Car-tografia mais part icipat iva, há a necessidade de se atuar conscientementede modo a escapar dessa auto-referência limitadora. Jacques Bert in viaa necessidade dos mapas t ransmit irem mensagens com “ signif icadouniversal” como as palavras (essas se benef iciam de contextos auto-referentes bem mais alargados), mas ainda se está longe de conquistasimportantes nesse aspecto.

Se os mapas forem t ratados como simples depositários de dadoslocalizados, como simples áreas de cruzamento de coordenadas terrest resque se associam a out ras informações como toponímia, cotas hipso-métricas ou bat imét ricas, isso apenas reiterará o contexto auto-referenterest rito. Se, ao cont rário, se assume a leitura espacial isso se torna ummodelo gráf ico, emit indo uma mensagem fortemente dist inta e compotencial de alcance maior. Mas para esse alcance há const rangimentos.A leitura instantânea (o ver) impõe uma concisão da mensagem e leva aorisco de se ter “ deslizamentos” de sent idos, pela falta de apoios sis-temát icos que comporiam um contexto auto-referente mais largo, comoo que dispõe a língua escrita, por exemplo. Por out ro lado, a supressãode “ ruídos” visuais que aj uda a evitar efeitos indesej áveis na visualizaçãoencont ra limites. O recurso às generalizações cartográf icas é legít imo

16 E pode ser fonte de erros graves, na medida em que a const rução de mapas atuais podese basear em out ros mapas problemát icos, que por sua vez j á se inspiraram em out rosetc. A esse respeito cf . MONMONIER, 1993, p. 76.

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porque cont ribui para que se concent re o olhar do leitor sobre o essencial,mas, se se vai muito longe nessa direção, a ponto de se ir chegando afiguras geométricas muito simples, de signif icações culturais fortes, pode-se criar novas int erferências e efeit os indesej áveis. Esse é um dosparadoxos que a coremát ica encont ra em suas modelizações gráf icas.Considerando essa questão das pecul iaridades do contexto auto-re-ferente do mapa e o fato de ele se realizar como leitura visual instantânea,não se pode deixar de concluir que é dif ícil usar o mapa para ser umdiscurso teórico auto-suficiente. Há algumas tentat ivas de discurso gráficonesse campo, mas que vai f icando tão int rincado, que, para não suscitarconfusão, acaba-se se fazendo uma legenda muito mais considerável doque aquilo que está proposto na representação. Esse também é out roparadoxo da coremát ica.

De todo modo, não se pode nesse esforço de fazer da linguagemcartográf ica algo menos prisioneiro de um contexto auto-referenterestrito, romper limites que a levem a não ser mais linguagem cartográfica.Nesse sent ido, há regras comuns a todos os mapas que devem ser respei-tadas. São quat ro os elementos característ icos fundamentais da lingua-gem cartográf ica. Cada um desses elementos comporta algumas escolhasinternas. Os t rês primeiros elementos concernem ao fundo do mapa,que é um mapa de base que dá as informações contextuais j ulgadasúteis para esclarecer uma situação. O quarto elemento refere-se às in-formações proj etadas sobre o fundo.

Os elementos que compõem o mapa podem ser resumidos tal comose apresenta no quadro a seguir:

Linguagem cartográfica17

17 A análise sobre a linguagem cartográfica a seguir se apóia, principalmente, nas elaboraçõesde Jacques Lévy que aparecem, por exemplo, na obra Le t ournant géographique : penserl´ espace pour lire le monde. Paris : Belin, 1999. 400 p. (Mappemonde 8)

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A aparente simplicidade e familiaridade do termo escala é enganosa.Seu sent ido é variável. São t rês sent idos: 1. Relação de tamanho ent rerealidades (uso fora da Geografia e da Cartografia); 2. Relação de tamanhoentre realidades geográficas; 3. Escala cartográfica. Nesse últ imo sent ido,que é o t ratado aqui, t rata-se, como é óbvio, de uma relação de reduçãoent re o referente (“ terreno” ) e o referido (“ mapa” ). Mas, considerandoas elaborações que advogam a f lexibilização do fundo do mapa, como ficaa questão desse fator de redução. A princípio não é obrigatório que agrandeza a ser reduzida sej a a superfície euclidiana (em km2), o que vaicolocar em questão a métrica de apreensão do fundo. Por out ro lado, arelação de redução na Cartografia clássica euclidiana não serve a não serpara os comprimentos, o que se explica historicamente, em função danecessidade do uso de mapas que representassem as rotas de t ransportese as linhas de art ilharia, por exemplo. Porém, se a referência for as super-fícies essa escala não funciona. Para um mapa 1:100.000 (1 cm para 1 km),a relação de superfícies será 1/ 10.000.000.000: há dez bilhões de cm2 numkm2. Um tal deslocamento pode ter por efeito atuar cont ra a intuição, oque é grave, tendo em conta que o ver cartográfico ext rai de seu caráteranalógico sua força. E aqui no caso, não há analogia. Um out ro aspecto:considerando as deformações provocadas pelas proj eções a escalacartográfica não possui alcance universal, principalmente se as referênci-as forem mapas de menor escala. Por out ro lado, a possibilidade de t raçarcomprimentos e superfícies independentemente uns dos out ros (proj e-ções equivalentes), torna claro o caráter const ruído da escala que deveser admit ido. Se aqui há escolhas, porque não se pode escolher também oque se quer representar analogicamente? Por que necessariamente a su-perfície? Um exame acurado dos condicionantes históricos das opçõesescalares aj uda a compreender que não há sent ido algum nessa inflexibi-lidade naturalizada do espaço euclidiano, tudo pode ser escolha e nessecampo há o que a Cartografia desbravar.

Com relação à questão das proj eções a argumentação não é diferen-te: a Terra é uma esfera, as superf ícies curvas que a compõem não po-dem ser representadas sem manipulação sobre o plano. São deforma-ções, ao mesmo tempo topográf icas e topológicas. Sej a qual for a proj e-ção do mapa ela é necessariamente cent rada sobre um lugar, o que su-põe um ponto de vista. Por isso, é importante most rar os limites quecada proj eção possui por def inição, os seus recortes e revelar pelo me-

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lhor uso de cada uma. Algo que a literatura em Cartograf ia j á fez farta-mente. O mais interessante é ref let ir se de fato essa temát ica arraigadaà qualquer discussão em Cartograf ia, nas suas prát icas e no seu ensino,inclusive na Geograf ia escolar, possui a importância que lhe é dada? Sa-bemos, por exemplo, que essa deformação proj et iva exige conversõesna est rutura geomét rica do espaço considerado: não se podem conser-var ao mesmo tempo os comprimentos, as superf ícies e os ângulos. Deonde a escolha ent re as proj eções eqüidistantes, equivalentes ou con-formes, que são casos part iculares de t ransposição analógica. Não éincomum optar-se por soluções híbridas, o que vai complicando cadavez mais a questão, e adicionando a ela a aura de questão respeitável.Mas o que há de essencial nisso, para a Cartograf ia em Geograf ia? Paraextensões pequenas da superf ície terrest re (prioridade da Cartograf iaeuclidiana), que efeito problemát ico t raz a escolha por proj eções det ipos diferentes? Quase nenhum. Uma questão mais importante ainda:as proj eções não são mais do que opções de formas de se representaruma dimensão do planeta. Colocando todos os pontos da Terra sobre ummesmo plano (o que todas as proj eções fazem). O resultado no mapa-múndi é que temos uma primazia dos oceanos, ampliada em relação aoterreno por conta das deformações produzidas pelas proj eções. Esseparadigma projet ivo devia, só por isso, ser alvo de alguma discussão quandoo assunto é a representação do espaço geográf ico t ido como algo nãocoincidente com a superf ície terrest re.

Um aspecto da l inguagem cartográf ica cuj a discussão não é comumrefere-se às mét r icas. Como a mét rica eucl idiana não é compreendidacomo uma opção ent re out ras, a palavra mét rica acaba signif icando aforma de se medir o espaço eucl idiano. Como se sabe, o fundo domapa foi t rat ado como uma evidência (“ foi natural izado” ), após aimposição do fundo eucl idiano único. Mas, pode-se conceber os fundosdo mapa sobre a base de mét ricas ext raídas da relação distância-tempo,distância-custo ou ainda dar proporções às superf ícies conforme out rasgrandezas (população, riquezas et c. ). Esse é o princípio da criação deuma anamorf ose. É igualmente possível de se recorrer às mét ricastopológicas, por exemplo, para representar as redes, tal como j á t ratadoanteriormente. Muit as da f iguras rej eit adas pela Cartograf ia clássicacomo “ diagramas” ou “ cart ogramas” podem ser consideradas comoverdadeiros mapas desde que eles possam ser conf rontadas de uma

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maneira ou de out ra, segundo um procedimento analógico, ao espaçode referência.

A pesquisa de fundos mult iescalares expressos pelas anamorfoses,uma autoconf iguração de fundo pelas distâncias relat ivas ent re os obj e-tos, pode ser uma via de saída dos impasses das proj eções cartográf icas.Jacques Lévy18 diz que a anamorfose permite que se saia da ditadura da“ superf ície vazia” . Esta possibil idade t raz à carta uma relação ent re osobj etos geográf icos que não sej a somente aquela da extensão, que ne-cessita de um referente exterior para posicionar o espaço estudado. Aextensão deixa de ser um componente intangível do mapa e ent ra emdiálogo com a temát ica escolhida, ampliando seu caráter analógico. Por-tanto, este t ipo de representação deve ser considerado como um ins-t rumento de análise do espaço (CAUVIN, 1995, p. 270). O ponto teóricodecisivo consiste em assumir que não se t rata de “ deformação” (o quemanteria o fundo euclidiano com referência única), mas de uma cons-t rução, assim como o fundo eucl idiano t ambém é. No entanto, a resis-tência à remoção do monopólio euclidiano existe de modo signif icat ivo.Num período em que a “ Nova Geograf ia” invest iu em anamorfoses, aresistência do paradigma euclidiano se manifestou.

O professor K.A. Salichetchev, de Moscou, presidente da AssociaçãoCartográf ica Internacional de 1968 a 1972, em art igo datado originalmen-te de 1977 e publicado em português pela AGB em 198819, expressa queas anamorfoses são algo “ especialmente perigoso para uma orientaçãocorreta da Cartograf ia” , pois o desenvolvimento destas signif ica a perdada obj et ividade da Cartograf ia. O risco seria abrir espaço para as inter-pretações subj et ivas – sem rigor e sem padrão - que representaçõesgráf icas livres das amarras euclidianas suscitariam. Salichetchev assim serefere ao t rabalho de alguns autores que estavam subvertendo na Carto-graf ia a geomet ria euclidiana:

Morrison, por exemplo, acredita que é tempo de remover as est ruturasda geometria euclidiana das representações cartográficas e aceitar, j unto

18 Verbete Anamorphose. In: LÉVY, Jacques; LUSSAULT, Michel (Org.), 2003, op. cit . p. 74,t radução nossa.

19 Algumas ref lexões sobre o obj eto e método da Cartograf ia depois da sexta ConferênciaInternacional. Seleção de Text os (AGB), São Paulo, n.18, p.17-24, maio, 1988.

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com as escalas de comprimento, out ras ‘ escalas’ – tempo, densidadeetc. – relacionadas a ‘ distâncias mentais’ . Anamorfoses similares, cons-t ruídas de acordo com a escala de diferenças sociais, têm sido citadaspelo prof. J. W. Watson. Elas ilust ram a subj et ividade de anamorfoses naavaliação de ‘ distâncias sociais’ ent re dist ritos de Hamilton, Canadá,pelos vários grupos sociais da população numa representação de classesdestes grupos. Certamente, representações de classe são cont raditóriase sua representação ingênua na forma geomét rica é subj et iva, mas esteret rato não tem relação de forma nenhuma com Cartograf ia, a não serpelo uso da l inguagem de símbolos gráf icos. (1988, p.18, grifo nosso)

Apesar de Salichetchev relat ivizar um pouco sua posição, o que f icaevidente é sua rej eição às anamorfoses, de forma independente, semse referir à necessidades das disciplinas, em especial da Geograf ia. Nocontexto da “ New Geography” por exemplo, o espaço estava sendo re-teorizado. Inf luências signif icat ivas na concepção de espaço relat ivo,com estudos sobre a distância geográf ica a part ir de mét ricas não-eu-clidianas, eram freqüentes. O fato desse novo contexto teórico da Geo-graf ia ser ignorada, e nem levado a sério, é um símbolo do perf il da rela-ção Cartograf ia e Geograf ia. Por out ro lado, não haveria dif iculdades emse demonst rar o quanto há de subj et ivo na presumida “ obj et ividade”das representações euclidianas.

Foi Colet t e Cauvin20 quem, na l it eratura f rancesa, mais sistemat i-zou o assunto das anamorfoses. Para ela, as anamorfoses deviam serincluídas no grupo das “ t ransformações cartográf icas espaciais” . Trans-formação cartográf ica signif ica “ ir além da forma” , “ modif icar os t raçosexteriores que caracterizam um obj eto” . Portanto a t ransformaçãocartográf ica é “ uma operação que permite modif icar o conj unto doscontornos do mapa, dando-lhe out ra forma” (CAUVIN, 1995, p. 270).Considera ainda fundamental incluir na composição o termo espacial,pois “ [ . . . ] acrescenta-se ao papel primordial das componentes espaci-ais do mapa, isto é, a localização, a direção, a distância, a área e, porconseguinte, a forma do espaço estudado” (CAUVIN, 1995, p. 270). Aconcepção de anamorfose é uma t ransformação cartográf ica espacial,

20 CAUVIN, Colet te. Transformações cartográf icas espaciais e anamorfoses. In: DIAS, MariaHelena (Coord.) Os mapas em Port ugal : da t radição aos novos rumos da cartograf ia.Lisboa: Edições Cosmos, 1995. p: 267-310.

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j á que é a mudança, por meio de “ uma operação matemát ica (ou eventu-almente gráf ica), de uma forma do mapa a out ra forma do mesmo espa-ço. Desde que estas modif icações originem alt eração dos contornos,fala-se em anamorfose (CAUVIN, 1995, p. 270). O que importa resgatarnessa posição é abertura para a questão e a assimilação da anamorfosecomo prát ica legít ima no interior das prát icas cartográf icas. O que de-monst ra que as resistências estão diminuindo. E ela assume essa posi-ção em benef ício da análise espacial, t irando em alguma medida a Car-tograf ia do seu universo auto-referente rest rit o: “ [ . . . ] [mapas quefazem uso da anamorfose] devem ser [ . . . ] divulgados, uma vez quepermitem dar resposta a problemas espaciais que têm permanecidosem solução.” (CAUVIN, 1995, p. 305)

Mark Monmonier também comenta a importância das anamorfoses.Diz que os cartógrafos t radicionais t ratam as anamorfoses como “ [ . . . ]desenhos em quadrinho ext ravagantes e fantasiosos” (1993, p. 44, t ra-dução nossa). O resultado é que esses cartógrafos acabaram se privandodo potencial de representação dessas “ deformações voluntárias” . Elefala em deformação voluntária, porque na verdade toda carta tem umt ipo de deformação (de maior st at us, mas deformação), que não é vo-luntária: a proj eção.

Eric Blin e Jean-Paul Bord (1998, p. 251) não são indiferentes à im-portância das anamorfoses e ident if icam em seu uso algumas vantagens:os mapas resultantes são espetaculares, vivos, e é isso gera uma comu-nicação bem interessante, pois eles evidenciam tendências espaciaisrelevantes do fenômeno estudado, dif íceis de serem expressas sobre ofundo euclidiano. Porém, ident if icam um inconveniente que é a dif icul-dade de ler e interpretar tais cartas. A reconst rução da forma em relaçãoà forma euclidiana consagrada torna irreconhecível a área de origem.Logo, se não se t iver em mente o familiar contorno euclidiano, a recons-t rução (a “ deformação” ) não será interpretada e aproveitada quantoaos signif icados novos que oferece.

Considerado os aspectos relat ivos ao fundo do mapa que const ituema linguagem (diferentemente da apreensão que entende a linguagem ape-nas como o simbólico que se proj eta no fundo), resta nos referirmos àdimensão simbólica da linguagem cartográfica. Essa dimensão deve sert rabalhada respeitando-se: a regra da não-exaust ividade, pois todo mapapressupõe a eliminação de informações o que implica, mais uma vez, em

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escolhas que começam j á na preparação dos dados que podem ser factuaisou conceituais. A questão também conduz a um t ratamento rigoroso daspaletas gráficas em cont inuidade, de maneira a que a ordem visual reflitaa ordem dos dados, tal como os princípios da Semiologia Gráfica. Os ou-t ros recursos gráficos como as f iguras devem ter sua escolha cercada decuidados. Seu caráter simbólico (não-figurat ivo) deve ser o critério deescolha. Imagens f igurat ivas podem ser prej udiciais. Isso se explica pelanecessidade de coerência dos códigos gráficos.

Para concluir os comentários relat ivos aos temas que entendemosser importantes para a const rução de uma relação produt iva ent re aCartograf ia e a Geograf ia, relações essas não vão bem, resta sublinharuma questão. Ela diz respeito à necessidade de se desnaturalizar a rela-ção da Cartograf ia com a Geograf ia visando sua f lexibil ização e renova-ção. O espaço cartográf ico euclidiano não é a encarnação do espaçogeográfico, apenas uma representação possível, fácil de ser historicizada.Do mesmo modo que espaço geográf ico é uma expressão que remete avárias representações a seu respeito, algumas incompat íveis ent re si.Por conseguinte, a produção da Cartograf ia em Geograf ia, deve se rela-cionar com essas representações, e no interior dessas saber ident if icaro que há de renovação produt iva. Não há t rabalho de representaçãocartográf ica que não comece por f lexibil izar as posturas consagradas eenrij ecidas. É preciso eliminar o que resta de misterioso numa Cartogra-f ia cient if icizada, cuj a aplicação no planej amento, no urbanismo e emout ras áreas sempre esconde seu caráter de representação e const ru-ção como se o representado sempre est ivesse ali integralmente comoverdade, e não fosse interpretação dos elaboradores da Cartograf ia. Essadesnaturalização, essa f lexibil ização do espaço cartográf ico é algo queconcerne não somente a especialistas em Cartograf ia, mais é uma ques-tão fundamental para a Geograf ia e todos os seus prat icantes. O proble-ma percebido dessa maneira poderia servir para abrir caminho para umaCartograf ia disponível à renovação das ciências e da Geograf ia. Porém,mais importante do que isso: poderia criar condições para uma Carto-graf ia mais part icipat iva (menos auto-referente, para domínio de pou-cos), inst rumento importante para ações de planej amento compart ilha-do socialmente, o que seria uma cont ribuição de valor e democrát icaque a Cartograf ia poderia oferecer para as sociedades.

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ENSINO DE CARTOGRAFIA PARA POPULAÇÕESMINORITÁRIAS

TEACHING CARTOGRAPHY TO MINORITY POPULATIONGROUPS

Regina Arauj o de Almeida (Vasconcel los)*

Resumo: O t rabalho destaca a relevância de uma cartografia temát icavoltada a populações minoritárias e apresenta os resultados de pesquisasobre cartograf ia t át il para usuários com def iciência visual. Design,produção e uso do mapa tát il foram discut idos, j untamente com osresult ados aplicados a out ras populações minorit árias, t ais como osindígenas do estado do Acre que ut il izam mapas de out ras formas e porrazões diferentes. Denominada etnocartograf ia, ela é essencial para estegrupo de usuários que depende dos mapas para defender suas terras,realizar a gestão ambiental de seus territórios, visualizar seu espaço.Este grupo usa mapas convencionais e digitais para representar seusmundos – f ísico, material, social, cultural, espiritual. Novos recursos sãodiscut idos, em part icular mapas mult issensoriais e mult iculturais, assimcomo a importância da educação cartográf ica.

Palavras-chave: cartografia tát il, etnocartografia, linguagem gráficae necessidades especiais, mapas temát icos para minorias.

Abstract: The paper calls at tent ion to the relevance of a specialneeds themat ic cartography directed to populat ion minority groups. First ,it presents the results of research on tact ile mapping for visually impairedusers. Tact i le graphic design, product ion and use were studied andapplied also with indigenous populat ion, part icularly nat ive people asthey use cartography for dif ferent reasons. Maps are part of their l ivesand their work, they draw maps of the geographical space to protect

* Departamento de Geograf ia (FFLCH - USP). Laboratório de Ensino e Material Didát ico(Lemadi). ([email protected])

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REGINA ARAUJO DE ALMEIDA (VASCONCELLOS)

their land, to make environmental assessments, to visualize their space.They need convent ional maps and digital maps, also images of their worlds– material, physical, social, cultural, spiritual. This f ield has been calledetnocartography and examples of product ion and use of maps with nat ivegroups of the State of Acre in the Amazon are presented, st ressing therelevance of digital technologies and its challenges to themat ic mapping.New resources in the f ield of special needs cartography directed tominorit y groups are discussed, proposing the use a graphic language inmult i-sensory and mult icultural ways to depict geographical space.

Key words : tact ile maps, etnocartography, graphic and cartographiclanguage for minorit ies, special needs themat ic cartography

Tolerar a existência do out ro e permit irque ele sej a diferente, ainda é muito pouco.

Quando se tolera, apenas se concede,e essa não é uma relação de igualdade,

mas de superioridade de um sobre o out ro.

José Saramago

INTRODUÇÃO

Qual a especif icidade da Cartograf ia para populações minoritárias,em part icular indígenas e pessoas com rest rição sensorial ou f ísica? Quemsão? Qual é o potencial dos mapas na educação diferenciada? O que dife-rencia o mapa voltado a usuários com necessidades especiais? A ut il iza-ção de out ros canais de comunicação e dos sent idos da audição e tato,além da visão, abre uma perspect iva de ampliação do uso da linguagemcartográf ica na educação. Vários grupos de usuários de mapas, tais comoj ovens com dif iculdades de aprendizagem e idosos podem ser benef ici-ados com a ut il ização de todos sent idos. No caso das pessoas com algu-ma rest rição f ísica e usuários de cadeiras de rodas, a adaptação do mapaat inge a etapa da coleta e representação das informações, como porexemplo, a existência de rampas, sanitários adaptados e eventuais bar-reiras arquitetônicas. O presente t rabalho propõe uma discussão sobreo ensino da Cartograf ia para populações minoritárias, em part icular indí-genas e pessoas com rest rição sensorial. Estes dois estudos de caso es-clarecem questões relacionadas ao processo da comunicação cartográfica

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e evidenciam a importância da educação cartográf ica. A experiência daautora com professores do ensino fundamental e médio cuj os alunos sãocrianças e usuários com necessidades especiais, tem most rado o poten-cial dos mapas também no âmbito da educação diferenciada.

Algumas populações minoritárias, tais como pessoas com def iciênciavisual, dependem de uma cartograf ia não convencional, voltada a rea-l idades diversas, onde o ensino e a aprendizagem de Geograf ia têmobj et ivos diversos. Esses grupos de usuários requerem t reinamento es-pecíf ico e disponibil idade de mapas com característ icas especiais emtermos de concepção e produção. Pensando neste público que incluiprofessores e alunos, percebe-se que surge uma possibil idade real deintegrar algumas das principais questões enfrentadas pela Cartograf ia,incluindo os contextos cultural e social, além da aproximação da teoriacom a prát ica. Apesar das novas tecnologias terem int roduzido grandesmudanças e progressos na Cartograf ia, pouca atenção tem sido dada àmaioria dos grupos de usuários com necessidades especiais como alunoscom deficiências (sensoriais, físicas, de aprendizagem) ou aqueles vivendoem realidades diversas da escola convencional, como são as crianças ej ovens das escolas indígenas e seus professores nat ivos e bilíngües.

As populações t radicionais, principalmente as indígenas, precisam serint roduzidas à linguagem gráfica e cartográfica, conhecer os diferentesprodutos e as novas tecnologias, tais como fotografias aéreas, imagens desatélite, GPS. São conhecimentos e informações fundamentais para mapearo passado, o presente e o futuro, com suas memórias e visões, sua históriae cultura, suas riquezas. Um grande desafio para cartógrafos consiste emdestacar o papel dos etnomapas e da Geografia na superação dos problemassociais e ambientais, t ransformando a real idade destas populações,expressando novas relações, resgatando e preservando culturas ancestrais.O At las Geográfico Indígena do Acre (Figura1, na próxima página) apresentaum conjunto de mapas que contextualizam esta proposta.

CARTOGRAFIA TÁTIL: EXPERIÊNCIAS COM EDUCAÇÃO DIFERENCIADA EINCLUSÃO DE MINORIAS

Desde 1988, a autora desenvolve pesquisa e orienta t rabalhos cien-t íf icos sobre Cartograf ia Tát il, voltada a usuários com def iciência visual(VASCONCELLOS, 1991; 1992; 1993; 1995, 1996; ALMEIDA, 2001, 2002,

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2006). O estudo concentrou atenção em duas áreas: 1. concepção e produ-ção de materiais táteis – análise, const rução e teste de várias técnicas eprodutos cartográficos, com especial atenção para uso de variáveis tá-teis, aplicando a semiologia gráfica (BERTIN, 1977); 2. Uso da linguagemtát il, avaliação do processo de comunicação e desenvolvimento de pro-gramas de t reinamento para professores e estudantes deficientes visu-ais. Uma vasta bibliografia foi organizada durante esse período e inúmerasat ividades realizadas, inclusive eventos internacionais. No período de 1996a 2006, o Laboratório de Ensino e Material Didát ico (Lemadi), Geografia(FFLCH-USP), cont inuou o t rabalho com alunos de graduação e pós-gradu-ação, mantendo o material didát ico tát il a disposição dos usuários e part i-cipando de proj etos nacionais e internacionais, sob a coordenação deWaldirene Ribeiro do Carmo e Carla Gimenes de Sena, que minist raramcursos no Chile, Argent ina e México ent re 2003 e 2005.

A relevância de integrar crianças e j ovens com necessidades especi-ais nas escolas e na vida cot idiana é amplamente reconhecida e apoiada.Neste aspecto, é preciso considerar esse grupo tanto como usuários demapas como mapeadores. Além das razões que levam um aluno a ut il izara linguagem gráf ica em várias disciplinas da escola, esses produtos são

Figura 1: At l as Geográf i co Indígena do Acre, CPI-Acre [ GAVAZZI, R. A. ; REZENDEM.S. (org. ),1998]

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fundamentais para orientação e localização, para a leitura e a compre-ensão do espaço geográf ico nas suas várias escalas.

A combinação de diferentes imagens, tais como, mapas, fotograf iasconvencionais, imagens de satélites e ilust rações, é muito importantepara aprender Geograf ia e mot ivar o aluno (VASCONCELLOS, 2000;ALMEIDA, 2005), mas dependem essencialmente da visão nesse processode aprendizagem. Usuários com def iciência visual podem recorrer aotato para conhecer o espaço geográf ico. Na verdade, ut il izam esse canaltambém para sua orientação e mobilidade no espaço, inclusive na escaladas edif icações e das ruas. Assim, é fundamental que essas pessoastenham acesso a mapas táteis e out ros materiais didát icos que possamser percebidos pelo sent ido do tato e pela força motora (maquetes,ilust rações em relevo, dent re out ras). Daí a importância desta área depesquisa, principalmente na cartograf ia escolar.

Mapas táteis (Figura 2) são excelentes exemplos para destacar a re-levância do processo de comunicação cartográf ica, tema amplamenteestudado pelos cartógrafos há mais de 40 anos. Na Cartograf ia Tát il, acomunicação bem sucedida requer a adoção de novas abordagens, umavez que os problemas que pessoas com def iciência visual encont ram sãodiferentes daqueles ident if icados com os usuários videntes.

Com base na pesquisa empírica, a autora desenvolveu um modelode comunicação cartográf ica tát il, que enfat iza a natureza e o papel da

Figura 2: Mapas táteis produzidos no Lemadi – Geograf ia (FFLCH-USP)

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concepção e uso do mapa (VASCONCELLOS, 1993; 1995; 1996). A idéiabásica é considerar uma est rutura dinâmica onde todas as variáveis es-tão inter-relacionadas e conectadas umas às out ras. O sistema propostovaloriza o papel do usuário, uma vez que ele deve estar presente duran-te todos os estágios do processo cartográf ico, avaliando sua ef icácia. Osfatores determinantes para ambos, o usuário e o cartógrafo, foram des-tacados no modelo, por exemplo, a criat ividade, a mot ivação e as habi-l idades inatas ou aprendidas. Out ros fatores são específ icos dos usuári-os ou dos cartógrafos, tais como o conhecimento teórico ou técnicopara o mapeador ou a inf luência psicológica ou def iciência sensorial parao usuário. A ampla gama de variáveis reunidas no modelo proposto expressaa complexidade do processo cartográf ico (VASCONCELLOS, 1996, p.97).Dessa forma, t rabalhar com novos grupos de usuários pode aprofundar adiscussão e propor uma nova avaliação dos mapas como meios de comu-nicação.

A concepção cartográf ica (design) tem sido estudada pelos cartó-grafos com diferentes abordagens. É uma fase vital no processo de comu-nicação da informação geográf ica e dados espaciais. Questões teóricase prát icas relacionadas à concepção são apresentadas em Wood e Keeler(1996), adicionando conhecimentos relevantes a este tema. Tendo emvista usuários com necessidades especiais, problemas freqüentementeevitados em Cartograf ia, tornam-se qualidades e condições para garan-t ir a comunicação. O grau de generalização requerido, por exemplo,inclui omissões, exageros e dist orções nunca imaginadas pelos car-tógrafos t radicionais. Pesquisas sobre criação de mapas táteis, produ-ção e uso tem sido feitas por um grande número de especialistas noexterior (dent re eles, Wiedel, 1988; 1972; Edman, 1992; Andrews et al.1991; Bentzen, 1982; Levi e Amick, 1982; Kidwell e Greed, 1973). Exis-tem diversos estudos sobre legibil idade e discriminabil idade dos signostáteis e uma considerável quant idade de pesquisa aplicada em cartografiatát il t em sido realizada. Ent retanto, estas pesquisas, usualmente, fa-lham ao levar em consideração todas as variáveis envolvidas na criaçãoe uso de um mapa tát il .

A autora apresentou um conj unto de sugestões e recursos dire-cionados para criação, produção e uso do mapa tát il (VASCONCELLOS,1993, 1996), def inido após testes com mais de 200 adultos e criançascom def iciência visual. Os materiais const ruídos foram avaliados tam-

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bém por professores de educação especial. Os resultados coletados emvários anos de pesquisas com mapas táteis abriram novos caminhos parauma Cartograf ia Escolar voltada à educação diferenciada.

ETNOCARTOGRAFIA: CONSTRUÇÃO E USO DE MAPAS COM POPUL AÇÕESINDÍGENAS

O Brasil possui hoj e cerca de 200 nações indígenas e uma populaçãode mais de 300.000 nat ivos, a maioria em terras indígenas com escolasdiferenciadas, contando com um Referencial Curricular Nacional para asEscolas Indígenas (MEC, 1998). Várias iniciat ivas no Brasil têm int roduzidoGeograf ia e Cartograf ia para as populações indígenas. Uma delas foi de-senvolvida no estado do Amapá com os Waiãpis, para ensinar Cartograf iae possibil itar a leitura de mapas convencionais para ident if icar os limitesdas terras indígenas que estavam sendo oficialmente demarcadas naquelaépoca. O proj eto terminou com a publicação de um Livro de Mapas em1992 (GALLOIS, 1992; 2001), apresentando mapas feitos pelos nat ivos epor cart ógrafos. Os mapas dos Waiãpis, além dos lugares materiaispresentes em qualquer representação gráf ica, têm também elementosmitológicos e marcos j á desaparecidos. Isto porque eles representam oterrit ório j unto com sua história e também porque incorporam umarelação profunda com o espaço geográf ico.

Uma outra iniciat iva a ser destacada consiste no t rabalho desenvolvidopela Comissão Pró-Índio do Acre, com seus vários proj etos. Um deles é aformação de professores indígenas bilingües, envolvendo a publicação delivros didát icos escritos pelos professores indígenas do Acre, inclusivediversos livros de Geografia e um At las de Geografia Indígena do Acre(GAVAZZI, 1993; 1996; MONTE, 1996; 2003). Estas ações t ransformaram seuconhecimento e sua t radição oral, t razendo novas dimensões para suahistória e sua geografia. Como eles disseram: “ as palavras não vão maisembora com o vento” . Em ambos os proj etos, os nat ivos avaliaram osmapas como representações incompletas de seu espaço e das suas per-cepções e vivências holíst icas. Estas populações t radicionais sempre usammuitos símbolos pictóricos e seus mapas parecem àqueles feitos porcrianças, mas ao mesmo tempo, demonst ram um conhecimento apro-fundado do seu território e possuem interesse acentuado na aprendizageme uso da linguagem cartográfica (Figuras 3 e 4 na próxima página).

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Figura 3: Mapa elaborado durant e as aulas de cart ograf ia no Cent ro de Formação dosPovos da Floresta - Comissão Pró-Índio do Acre

Figura 4: Representação da terra indígen Ashaninka, elaborado por AAFI-CPI-Acre

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As at ividades ligadas ao estudo e à representação de seus territóriosauxiliam na proteção de suas terras e de sua cultura, na realização dediagnóst icos ambientais, garant indo a conservação dos recursos naturaise a sustentabilidade social e econômica das comunidades. Dessa forma,ut il izam a geograf ia e os mapas por razões diferentes e de formas nãoconvencionais. Sem dúvida, existe uma necessidade de visualização doterritório, t ranspondo para o papel uma percepção e um conhecimentoancest ral do espaço. Além de desenhar mapas mentais, é preciso conhe-cer também os mapas convencionais e digitais para representar o mundoem que vivem e suas várias dimensões, sej am elas materiais, f ísicas,sociais ou culturais.

No futuro, a autora espera aprofundar os result ados j á coletados,como por exemplo, as ref lexões sobre o uso do mapa para populaçõesindígenas. Baseando-se em suas respostas, os mapas têm as seguintesfunções: expressões de arte, localização e orientação, apresentaçãode suas terras aos visit antes, apoio para viagens de deslocamento, de-f inição das terras indígenas e suas demarcações, inventário e gestão emanej o dos recursos naturais, consciência e educação ambiental eações para a preservação e conservação do meio ambiente em seust erri t órios.

Out ra questão de grande interesse, é o estudo das diferenças degênero e idade na produção e uso dos mapas, pois existem níveis diversosde conhecimento do espaço, em função da cult ura e dos costumesancest rais. Os homens, como caçadores, têm o conhecimento e a expe-riência espacial, t raçando os mapas com maior facilidade. As mulherespodem usar os mapas para aprender e visualizar lugares desconhecidos,como o interior da f loresta.

A proposta de uma etnocartograf ia tem sido estudada, assim comoanalisados exemplos e experiências relacionadas com a const rução e usode mapas nas terras indígenas brasileiras, com especial referência àsetnias atendidas pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI). Em Rio Branco,Acre, são minist rados cursos de formação para professores indígenas eagentes agrof lorestais indígenas (AAFI), onde é int roduzida a linguagemdos mapas e das imagens de satélite, seus usos e funções, assim comoseu papel no desenvolvimento social e econômico destas comunidades.Os resultados têm sido ext remamente posit ivos, inclusive com a int ro-dução de técnicas de geoprocessamento para a elaboração dos etno-

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mapas. Além das at ividades realizadas no Cent ro de Formação dos Povosda Floresta, coordenado pela CPI-Acre, são também oferecidas of icinasnas terras indígenas acreanas.

O ENSINO DE GEOGRAFIA E CARTOGRAFIA PARA POPULAÇÕES IND ÍGENAS:EXPERIÊNCIAS JUNTO À CPI-ACRE

Durante oito cursos minist rados pela autora (2000-2004) foram reali-zadas diversas at ividades para int roduzir noções básicas de Geograf ia eCartograf ia (tais como escala, localização e orientação), at ravés de dese-nhos, exercícios prát icos e t rabalhos em grupo.

Além das noções básicas, out ros temas foram abordados, por exem-plo, etnomapas; gestão ambiental e manej o dos recursos naturais, con-ceito de território indígena; relação natureza/ sociedade indígena; pro-cesso de invasão e demarcação do território indígena; organização euso do território indígena; ext rat ivismo e agricultura; artesanato; caçae pesca; relação aldeia-cidade-Brasil-mundo. Nas aulas, inúmeros mapase desenhos foram elaborados e discut idos (Figuras 5 e 6) durantes asaulas no Cent ro de Formação (Figura 7).

Figura 5: Exemplos de rosa dos ventos desenhadas por professores indígenas

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Figura 6: Exemplos de Livros de Geograf ia organizados e publicados para uso nas escolasindígenas. As i lust rações e t ext os foram produzidos, na sua maior ia, por professoresindígenas.

Figura 7 : Prof essores e agent es agrof lorest ais indígenas nas aulas de Geograf ia eCartograf ia, no Cent ro de Formação dos Povos da Floresta da Comissão Pró-Índio do Acre.

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Umas das at ividades realizadas com agentes AAFI e professores foi adiscussão de um diagnóst ico para ident if icar e analisar problemas enecessidades das comunidades sel ecionadas, ut i l i zando dadosgeográf icos, representações gráf icas – desenhos e mapas e depoimentosdos par t icipant es. Est a exper iência cent rou-se no t rabalho dascomunidades, divididas em grupos, que ref let iram e produziram desenhose mapas sobre t rês épocas:

• Passado: como eram as terras indígenas, sua extensão e fronteiras,a hist ória de cada comunidade e sua cul t ura, os recursos nat uraisdisponíveis, o meio ambiente, a vida.

• Present e: o que mudou daquele passado, na cultura, na polít ica,na economia, na qualidade de vida da comunidade, como se encont ramos recursos naturais e o meio ambiente no momento atual. Esta fasecorresponde ao diagnóst ico ambiental t ambém realizado at ravés dediscussões, mapas, desenhos, textos.

• Fut uro: corresponde à geograf ia e ao mapa dos sonhos. O que acomunidade quer para os tempos que virão, pensando a part ir do passadoe do presente. Nesta etapa, os grupos discutem e fazem propostas paraa Agenda 21 das Terras Indígenas ou de out ras populações t radicionaisenvolvidas e suas comunidades.

Figura 8: Mapas elaborados pelos professores indígenas durante aulas de Geograf ia, noCent ro de Formação dos Povos da f loresta, CPI-Acre.

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Inúmeros textos, desenhos e mapas (Figura 8) foram apresentadosdurante as aulas no Cent ro de formação dos Povos da Floresta da CPI-Acre e foram levados para as terras indígenas para serem amplamentediscut idos as comunidades e out ros líderes locais. Pela avaliação realiza-da pelos part icipantes do curso, a at ividade de ref let ir e produzir dese-nhos e mapas sobre o passado, o presente e o futuro despertou uminteresse muito grande, o que levou os professores a planej arem a con-t inuidade desses t rabalhos j unto às suas escolas e comunidade. Exem-plos de depoimentos:

Foi muita sat isfação acompanhar as apresentações; sonhando, t rabalhara sabedoria, a volta ao passado, povo não índio pedindo aj uda; fazeraut o aval iação. Tudo apresent ado foi font e de experiência paraprofessores[. . . ] (Professor indígena Célio)

Foi uma semana com muito proveito; deu reflexão no pensamento. Algunssonhos dos out ros são real idade, valorização. Como uma fot o, asapresentações deu para viaj ar no pensamento da pessoa ao ver mapas.Cada um tem um sonho! Tem que ir com obj et ivos [ . . . ] (Professoraindígena Raimunda)

CONSIDERAÇÕES FINAIS: ABORDAGEM MULTICULTURAL E NOVASCARTOGRAFIAS

A verdadeira viagem seria não part ir em buscade novas paisagens, mas ter out ros olhos, ver o universo

com os olhos de out ra pessoa, de cem pessoas, e ver oscem universos que cada uma vê, que cada uma é.

Marcel Proust

Neste início do século XXI, a Cartograf ia destaca-se pelos novos pro-dutos, novos usuários, novas abordagens, com mapas at ingindo um pú-blico maior e encont rando caminhos mais inovadores, acima de tudocom relação à educação de crianças e j ovens. Hoj e, novas tecnologiasdigitais estão revendo as bases teóricas da Cartograf ia, uma vez que osmapas digitais que aparecem nos monitores do computador, nas telas decelulares e agendas, precisam ser avaliados como meios de comunicaçãoda informação espacial. Pesquisas cognit ivas e de percepção serão ne-

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cessárias para melhorar o design de mapas em todas as suas formas. Taylor(1996) resumiu desaf ios e respostas para estas questões, destacando opapel e as interações da comunicação, da cognição e da formalização.Muitos autores est rangeiros apresentaram e discut iram o papel do mapana educação (TILBURY; WILLIANS, 1997; GERBER, 1992; BOARDMAN, 1983;PETCHNICK, 1979) e no Brasil esses estudos tem sido desenvolvidos porvários autores e extensivamente publicados. Da mesma forma, questõessobre percepção e representação espacial têm sido estudadas por vári-os geógrafos e cartógrafos nas últ imas t rês décadas, desde os primeirost rabalhos publicados (FREMONT, 1973; GOULD, 1974; TUAN, 1975; DOWN;STEA, 1977; ANDRÉ, 1989; BAILLY, 1989). Muitas são as publicações sobremapas mentais, representações do espaço vivido e percebido, assim comoout ros temas relacionados à Cartograf ia e à Geograf ia, e que poderiamser aplicados aos usuários com necessidades especiais e principalmentetendo em vista uma abordagem mult i e intercultural na produção e usodos mapas.

Novos fatos econômicos, polít icos e sociais, em conj unto com umavariedade de inovações tecnológicas estão t razendo importantes mudan-ças na Cartografia em todos os níveis. Taylor (1991; 1996; 2006) e tambémMacEachren e Taylor (1994) têm apresentado excelentes análises sobreeste tema, chamando a atenção para a necessidade de novos conceitospara a Cartografia, considerando os contextos cultural e social, sem a pre-dominância de paradigma tecnológico. Questões teóricas e novas aborda-gens dent ro da Cartografia são discut idas em diversas obras (WOOD, 1992;KANAKUBO, 1993; DARLING; FAIRBAURN, 1997; TAYLOR, 2005). A Cartogra-fia deve ir além das novas tecnologias t razidas pela era da informação, nãoesquecendo o contexto social (HARLEY, 1989; 1990; TURNBULL, 1989), emconj unto com a subj et ividade e a diversidade cultural.

Nos anos 90, com tecnologias de computador t razendo novos desa-f ios para a disciplina, os cartógrafos estão redescobrindo alguns temas,agora vistos como parte da visualização cartográf ica. Peterson (1994)apresenta uma excelente análise deste assunto. No Brasil e no mundo,existem poucos estudos sobre percepção espacial e mapas por e parausuários com necessidades especiais, os quais dependem de diferentesabordagens e est ratégias inovadoras. Esses usuários talvez não são po-pulações tão minoritárias como pode parecer em uma primeira análise.Eles precisam ser int roduzidos a uma linguagem gráf ica e cartográf ica,

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conhecer os diferentes produtos cartográf icos, além de mapear lugares,memórias e visões, sua história e sua cultura.

É preciso aprofundar as ref lexões e realizar pesquisas sobre carto-graf ia para novos grupos de usuários com necessidades especiais, taiscomo as populações indígenas, seus professores e alunos como usuáriosde mapas e mapeadores, as pessoas com def iciências sensoriais e deaprendizagem, idosos, sem mencionar todo o universo das crianças edos j ovens. Os mapas também podem ret ratar emoções, sonhos, conhe-cimentos ancest rais das populações indígenas, ou conectam pessoas aomundo das imagens at ravés de out ros canais. É preciso valorizar as me-mórias do passado, assim como as representações cartográf icas não con-vencionais, desde os desenhos de um professor indígena até mapas vir-tuais, sonoros e digitais, adaptados ao sent ido do tato e acessíveis aosusuários com necessidades especiais (ALMEIDA; TSUJI, 2005), como pro-põe uma nova cartograf ia cibernét ica proposta por Taylor (2005).

Mapear arte, memórias, experiências e sensações devem fazer par-te da cultura cartográf ica. Mapas representando imagens mentais deve-riam ser parte de nossa história, como são para as populações indígenas,como foram no passado; são mapas delineando cosmovisões, expressan-do novas relações, resgatando e preservando culturas ancest rais e seusmuitos espaços: f ísico, cultural, social, virtual.

O desaf io é destacar o papel de todos estes mapas na superação dosproblemas sociais e das desigualdades, t ransformando a realidade, at ingin-do mais pessoas, promovendo a inclusão, oferecendo oportunidades paraaprimorar o conhecimento cartográf ico dos novos produtores e usuáriosda informação geográf ica e das representações em suas várias formas,incluindo o meio digital.

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MAQUETE DE RELEVO: UM RECURSO DIDÁTICOTRIDIMENSIONAL

Maria Elena Ramos Simiel l i *; Gisele Girardi **;Rosemeire Morone***

INTRODUÇÃO

No f inal da década de 1980 iniciamos, no Laboratório de Cartograf iado Departamento de Geograf ia da Universidade de São Paulo, at ividadesde produção e aprendizagem de const rução de maquetes. Marcou o iníciomais sistemát ico deste t rabalho a elaboração de uma maquete de relevodo Brasil, na escala de 1:5 000 000, com o obj et ivo de ser apresentada no8º Encont ro Nacional de Geógrafos, da AGB, ocorrido em j ulho de 1990,em Salvador-BA, com o t ítulo “ Do plano ao t ridimensional - A maquetecomo recurso didát ico” 1.

Desdobramentos deste t rabalho permit iram uma série de cursosminist rados em várias inst it uições de ensino brasileiras, um proj eto deelaboração de bases cartográf icas para maquetes de todos os estadosbrasileiros e também o art igo Do plano ao t r idimensional - A maquet e

* Professora Doutora e Livre Docente no Departamento de Geograf ia da Universidade deSão Paulo. Endereço elet rônico:[email protected].

** Geógrafa e Doutora em Geograf ia pela USP, Professora de Cartograf ia no Departamentode Geograf ia da Universidade Federal do Espír i t o Sant o. Endereço elet rônico:[email protected]

*** Geógrafa e Doutoranda em Geograf ia pela USP, Professora de Geograf ia no Ensino Médiono Estado de São Paulo. Endereço elet rônico: [email protected]

1 A equipe que elaborou a maquete do Brasil foi composta por: Douglas G. dos Santos eHumberto L. B. Mendes (Região Norte); Avel ino Pereira, Kát ia Canil e Márcia R. B.Piacent ini (Região Nordeste); Gisele Girardi e Mônica Pavão (Região Sudeste); Pat ríciaBromberg, Rosemeire Morone e Sílvia Lopes Raimundo (Região Sul); Márcia A. da Costa eMárcia R. C. Soares (Região Cent ro-Oeste), sob orientação da Profa. Maria Elena R.Simielli.

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como recurso didát ico, publicado no Bolet im Paul ist a de Geograf ia nº70, em 19912.

No decorrer deste tempo percebemos uma grande disseminação daprát ica de const rução de maquetes de relevo, sej a em art igos publicados,seja em experiências relatadas em congressos cuja ênfase era a Geografia,seu ensino e suas prát icas. É, portanto, relevante se notar que o obj et ivoinicial de sistemat izar uma prát ica cartográf ica que pudesse cont ribuircom o ensino de geograf ia e com a compreensão do território rendeubons frutos.

As experiências adquiridas, ref let idas e ressignif icadas compõem amatéria-prima do presente art igo. Para atender a uma demanda doseditores e dos leitores do Bolet im Paulista de Geograf ia este art igo t raztambém bases cartográf icas para a elaboração de maquetes, as originaispor regiões brasileiras, publicadas no citado art igo, acrescentadas dabase do Brasil, em escala maior e a do Estado de São Paulo.

1 APRENDIZAGENS QUE A MAQUETE DO RELEVO POSSIBILITA

É correto af irmarmos que o obj et ivo primeiro em se const ruir ma-quetes de relevo é o de possibil itar uma visão t ridimensional das infor-mações que no papel aparecem de forma bidimensional. Podermos aindareconhecer os compart imentos principais do relevo de um determinadoterrit ório e a part ir deste reconhecimento const ruir novos conheci-mentos, sej a os da gênese daquele compart imento, comparando a ma-quete com um mapa geológico, por exemplo, ou mesmo de ocupaçõeshumanas dist intas que, se não forem determinadas são ao menos in-f luenciadas pela topografia, como é o caso da intensidade da mecanizaçãoagrícola. Podemos, assim, dizer que estes são obj et ivos ou conhecimentosconst ruídos pós-elaboração da maquete de relevo. Mencionaremos algunsexemplos neste art igo.

Há, no entanto, um conj unto de conhecimentos básicos da carto-graf ia que são envolvidos no processo de elaboração de uma maquete.Ou sej a, há certos conteúdos cartográf icos que, ao se fazer a maquete,

2 Autoria: Maria Elena Ramos Simielli, Gisele Girardi, Pat rícia Bromberg, Rosemeire Moronee Sílvia Lopes Raimundo.

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ganham concretude e são mais facilmente incorporados. A const ruçãoda maquete t raduz-se, assim, em um processo de educação cartográf icae este raciocínio é válido tanto para as séries iniciais quanto para aaprendizagem na leitura e interpretação de cartas topográf icas com es-tudantes do ensino superior.

Devemos ressaltar que a const rução de maquetes implica em estudosmorfométricos do relevo e não morfológicos. Evidentemente quanto maiorfor a escala do mapa de base usada maior a possibilidade de fazermosaproximações morfológicas.

Relataremos dois exemplos de como o t rabalho com a maquete podeser efet ivado na const rução de conceitos cartográf icos.

Nas séries iniciais a const rução da noção de curva de nível pode serencaminhada a part ir da desconst rução de um sólido, t ridimensional,em uma representação plana. Isso pode ser feito por meio da ut il izaçãode um obj eto que possa ser cortado em fat ias de espessuras semelhantes(Figura 1, na próxima página), como por exemplo um chuchu, ou umobj eto que possa ser posto em um vasilhame e paulat inamente ser imersoem água. Convém que se marque no próprio obj eto a linha d´ água a cadanível e depois se coloque uma folha t ransparente sobre o vasilhame parase copiar as curvas marcadas no obj eto (GIANSANTI, 1990).

Convém, neste caso, que se ut il ize as cores hipsomét ricas parat reinar os alunos na leitura de mapas que habitualmente aparecerão emseu material escolar para a representação do relevo, ou sej a, a área ent reas curvas mais baixas em verde, depois em amarelo, laranj a e marrom.

Pode-se fazer, depois, o exercício cont rário, ou sej a, a part ir do“ mapa” de curvas de nível gerados por qualquer um dos procedimentos,reconst ruir o t ridimensional, conforme será detalhado adiante.

Esta aprendizagem quanto ao signif icado das curvas de nível é umaestratégia importante para a realização de uma maquete de relevo a part irde um mapa real. Neste caso os alunos das séries iniciais poderão observarcomo se comportam os rios, onde nascem, correm e tem a sua foz. Umexemplo clássico para esta situação é a do rio São Francisco, que os alunosdo ensino fundamental têm dif iculdades, em geral, no entendimento dasua nascente e percurso. Com uma maquete desta área f ica muito fácil deentender as nascentes nas áreas elevadas do estado de Minas Gerais, aposição da represa de Sobradinho, a localização das cidades nas margensdo rio e a foz ent re os estados de Alagoas e Sergipe.

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No caso do ensino superior de geograf ia, a const rução de maquetesde relevo cont ribui efet ivamente com a capacitação do aluno para lercartas topográf icas. Apesar de a hipsomet ria e as curvas de nível estarempresentes em toda a vida escolar do aluno nos níveis fundamental emédio, são raros os alunos que, no ensino superior, conseguem obterêxito na interpretação e na compreensão das feições do relevo em suaprimeira experiência perante cartas topográf icas.

Possivelmente isso se dê pelo nível de detalhamento das curvas denível em cartas topográf icas, pela sua eqüidistância, pela ausência decores hipsomét ricas, com as quais os alunos se habituam em sua vidaescolar, mas também pelo recorte territorial que nem sempre permiteuma visão regional mais ampla.

Figura 1. Curvas de nível a part ir de um modelo t ridimensionalFonte: TIDD; SULLIVAN, 1985, p. 44.Ilust ração: GIRARDI, 1991 (originalmente publicado no BPG nº 70)

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Analisar um pequeno t recho de uma carta topográf ica, const ruindouma maquete, tem se most rado um procedimento eficaz na aprendizagemem leitura e interpretação de cartas topográf icas. Apresentamos agoracada etapa desta possibil idade, com as respect ivas aquisições.

• Escolha do t recho da cart a t opográf ica. Para o obj et ivo deste apren-dizado, um t recho pequeno da carta topográf ica pode ser ut il izado. Éimportante que ele tenha diversidade de relevo e de ocupação, com oque a aprendizagem se enriquece. Também é recomendado que o t rechocontenha uma bacia ou sub-bacia hidrográf ica. Para a seleção do t rechopode-se fornecer ao aluno preferencialmente as coordenadas geográf icasou as UTM dos cantos do t recho que irá t rabalhar, o que cont ribui comsua capacitação no cálculo destes elementos. Pode-se, também, solicitarque calcule a área do t recho, o que implicará em operar com as noçõesbásicas de escala e do sistema mét rico, l inear e areolar.

• Ident i f icação das curvas: recomenda-se que cada uma das curvassej a marcada com uma cor dist inta, iniciando-se por uma curva mest ra(cotada). Neste exercício o estudante j á começa a observar a diferençados padrões da curva de nível próximo ao talvegue e no interf lúvio bemcomo adquire habilidade na observação das “ subidas” e “ descidas” , etambém nas declividades. Pode-se int roduzir neste momento a noçãobásica para cálculo da declividade, no qual novamente se opera com aescala. Não se recomenda f azer com que os alunos const ruammanualmente uma carta de declividades, pois hoj e estas são elaboradascom muita rapidez e conf iabil idade por sof t wares de SIG, mas queadquiram noção do que é e qual o princípio do cálculo da declividade,t reinando-o na leitura dos arranj os de curvas de nível.

• Mont agem da maquet e: Na montagem da maquete pode-se ut il izarde vários recursos: t ranspor as curvas para placas de isopor, como serádetalhado adiante; t irar várias cópias do t recho, colá-las a placas de papelgrosso e recortá-las com est ilete ou tesoura; t ranspor as curvas comcarbono para folhas de EVA, recortando-as com tesoura. Esta etapa daat ividade é, aparentemente, a mais mecânica, porém a consulta siste-mát ica à carta para a colocação das peças nos locais corretos é tambémum exercício de leitura sistemát ica da representação plana e da repre-sentação t ridimensional. Para o obj et ivo da aprendizagem em leitura decurvas de nível a etapa de acabamento pode ser dispensável, exceto noque se refere ao destaque da hidrograf ia.

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• Descrição da maquete de relevo: convém que se solicite aos alunosque descrevam o t recho do qual a maquete de relevo foi const ruída. Paraest a descr i ção deve-se ut i l i zar t ermos t opográf i cos, conf ormesistemat izados por Tricart (TRICART et al, 1972), para os elementos e formasde relevo (talvegue, divisor de águas, patamar, t ipos de vertentes e detopos, etc.). No que se refere à hidrografia, pode-se descrever tanto suasformas como suas densidades e ordens (ANDERSON, 1982) e sua extensão,ut il izando-se para isso material maleável, como barbante ou linha, ecalculando-a de acordo com a escala. O posicionamento correto da maquetee a dedução do movimento aparente do sol na lat itude do t recho t rabalhadopermite que se analise as vertentes de acordo com sua exposição.

Findas estas etapas, o estudante deve ter adquirido os elementosbásicos para leitura do relevo em cartas topográficas, o que pode sertestado most rando-lhe um t recho diferente do t rabalhado na maquete derelevo e solicitando que o descreva conforme apresentado anteriormente.Ele adquire, também, senso crít ico para analisar representações de hip-sometria, declividades e exposição de vertentes obt idas automat icamentepor meio de sof twares apropriados (LOMBARDO; CASTRO, 1997).

É possível observar, a part ir dos exemplos anteriormente descritos —que abordaram duas faixas etárias, dois níveis de escolaridade e doisobj et ivos dist intos —, que há uma série de variações para o aprendizadode noções cartográficas no processo de const rução de uma maquete, quepodem ser adaptados a quaisquer faixas etárias e níveis de escolarização.Como todo processo de aprendizagem, a construção de maquetes de relevoexige a mediação do professor de geografia. Entendemos que além deinst ruir e supervisionar o t rabalho de elaboração propriamente dito e deacompanhar a evolução do processo de aquisição de conhecimentos porparte dos alunos, há etapas do t rabalho que devem ser assumidas pelomediador. A principal delas é a pesquisa e a const rução de uma basecartográfica adequada ao t rabalho que se pretende realizar.

2 CONSTRUÇÃO DE BASES CARTOGRÁFICAS PARA MAQUETES DE RELEVO

Para elaboração de maquetes de relevo cuidado especial deve serdado em relação à obtenção e organização da base cartográf ica. A basecartográf ica para elaboração de maquetes implica em um t rabalho depesquisa do professor, mediador do processo de aprendizagem. A pro-

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dução da base cartográf ica para maquete deve levar em conta o público-alvo, os obj et ivos do t rabalho, o tempo que será dedicado ao t rabalhoem sala de aula, as possibil idades materiais da escola, dent re out rosfatores. Estes elementos preliminarmente analisados balizarão a escolhada escala da base (o tamanho da maquete), a quant idade de curvas aserem t rabalhadas e o t ipo de acabamento que será dado.

Exemplif icando: se o território a ser t rabalhado é o Brasil, no contextoda sexta série do ensino fundamental, pode-se optar por:

a) cada aluno fazer sua própria maquete: a base cartográf ica tem deser bastante simplif icada, em tamanho pequeno;

b) cada grupo de alunos fazer uma maquete: a base pode ser maisdetalhada, em tamanho maior, sendo que cada aluno pode f icar res-ponsável por uma curva de nível;

c) cada grupo de alunos fazer uma região: neste caso a classe produzsomente uma maquete, sendo que cada aluno pode f icar responsávelpor uma curva de nível de sua região.

Podemos observar que para cada opção possível há uma base carto-gráf ica adequada. Reaf irmamos, portanto, a necessidade de o professorter em mente as condições de tempo, materiais e os obj et ivos paraelaborar a base cartográf ica. Detalharemos a seguir alguns elementosimportantes para a const rução da base cartográf ica.

• Eqüidistância das curvas de nível e exagero verti calPreferencialmente, a base cartográfica deve ter curvas eqüidistantes,

pois o material a ser t rabalhado pelos alunos (isopor, EVA, papelão) teráespessura constante. Garante-se, assim, a proporcionalidade ent re asalt itudes reais e as representadas, exceção feita aos picos.

O uso de base cartográf ica com curvas eqüidistantes é importantepara a determinação da escala vert ical e da proporcional idade nasalt itudes, conforme j á apontado. A eqüidistância a ser ut il izada, ou sej a,a regularidade do intervado ent re as alt itudes (por exemplo, de 250 em250 met ros ou de 500 em 500 met ros) é determinada pelas característ icasdo terreno, pela escala do mapa e pela espessura do material disponívelpara a const rução da maquete.

Por exemplo, em uma base cartográf ica com eqüidistância de 500met ros, se a amplitude alt imét rica for de 0 a 5000 met ros teremos 11curvas de nível (0 m, 500 m, 1000 m, 1500 m, 2000 m, 2500 m, 3000 m,

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3500 m, 4000 m, 4500 m e 5000 m). Se for ut ilizado material com espessurade 1 cm a altura total da maquete será de 11 cm. Dependendo da escalahorizontal (escala da base cartográf ica) isso pode signif icar um exagerovert ical excessivo.

Exagero vert ical é a proporcionalidade ent re as escalas horizontal evert ical. Para sua determinação é preciso que se divida o denominadorda escala horizontal (da base cartográf ica) pelo denominador da escalavert ical (no exemplo acima 1 cm equivale a 500 met ros de alt itude,portanto, a escala vert ical é de 1: 50.000). Como regra geral, quantomenor for o exagero vert ical mais próxima às proporções reais estará amaquete de relevo. Contudo, quando se t rabalha com escalas muitopequenas ele pode ser acentuado em função das grandezas (distância ealt it ude) serem muito dist intas. Basta raciocinarmos que a l inha doEquador, círculo máximo da Terra, tem aproximadamente 40.000 km e amais alta alt itude no planeta, no Everest , é de cerca de 8.000 m ou 8 km.Se fosse representada toda a Terra e a linha do Equador t ivesse 1 m decomprimento, proporcionalmente o Everest teria aproximadamente doisdécimos de milímet ro. Assim, neste caso, convém t rabalhar com maiorexagero vert ical.

• Interpolação das curvas de nívelNormalmente, nos at las e materiais didát icos, são encont rados mapas

hipsomét ricos cuj a const rução envolve o agrupamento de curvas repre-sentat ivas de determinadas característ icas do relevo, raramente man-tendo eqüidistância. Este é, aliás, o princípio da hipsomet ria.

A part ir de um mapa hipsomét rico é possível ao professor elaboraruma base cartográfica com curvas eqüidistantes por meio de interpolação.Interpolação de curvas de nível é o processo pelo qual, a part ir de valoresalt imét ricos j á conhecidos no mapa, obtêm-se os valores intermediários.Existem vários métodos para interpolação de curvas de nível sendo omais usual e mais prát ico o processo de interpolação por avaliação, noqual, a part ir das curvas conhecidas, deduz-se pela análise por onde acurva a ser interpolada passa (Figura 2).

Apesar deste processo não ter a garant ia de uma grande precisão, ésuf iciente para o grau de generalização ut il izado em maquetes de relevode áreas com territórios grandes (escala pequena).

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• Generalização cartográficaA generalização cartográfica é o processo que envolve a simplif icação,

seleção e também a valorização de detalhes signif icat ivos em função daescala. Na Figura 3 está exemplif icado um processo de generalização decurvas de nível para a const rução de maquetes.

Figura 2. Interpolação por avaliaçãoOrg. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

Figura 3. Exemplo de generalização de curvas de nível para a const rução de maquetesOrg. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

Eqüidistância, exagero vert ical, interpolação e generalização carto-gráf ica são os conceitos-chave para a elaboração de bases cartográf icaspara maquetes.

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Apresentamos, a seguir, bases cartográf icas do Brasil, com eqüidis-tância de 400 metros (Figura 4), das Regiões Brasileiras, com eqüidistânciasde 200 met ros (Figura 5 a 8) e do Estado de São Paulo, com eqüidistânciade 200 met ros (Figura 10).

Figura 4. Base cartográf ica para maquete de relevo do BrasilOrg. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

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Figura 5A/5B. Base cartográf ica para maquete de relevo da Região NorteOrg. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

Figura 6. Base cartográf ica para maquete de relevo da Região NordesteOrg. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

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Figura 7. Base cartográf ica para maquete de relevo da Região SudesteOrg. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

Figura 8. Base cartográf ica para maquete de relevo da Região SulOrg. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

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Figura 9. Base cartográf ica para maquete de relevo da Região Cent ro-OesteOrg. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

Figura 10. Base cartográf ica para maquete de relevo do Estado de São PauloOrg. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

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3 ETAPAS DE ELABORAÇÃO DE MAQUETES DE RELEVO

A part ir das bases cartográf icas const ruídas, procede-se à elaboraçãoda maquete propriamente dita. São apresentadas a seguir cada etapa daelaboração da maquete de relevo e na Figura 11 encont ra-se um resumográf ico das mesmas.

Figura 11. Resumo das etapas de elaboração de maquetes de relevoOrg. : SIMIELLI; GIRARDI; MORONE, 2007.

1 Desenho das curvasRet irar cada curva separadament e em um papel t ransparent e

(recomendamos seda ou manteiga). Convém que se desenhe a curvaimediatamente superior ou pelo menos alguns elementos da mesma, bemcomo a hidrograf ia até a curva superior para facil itar posteriormente amontagem das curvas.

2 Transposição das curvas de nível para as placas d o materialA espessura das placas do material a ser t rabalhado (isopor, E.V.A.,

papelão) deve sempre ser escolhida em função da eqüidistância e daescala vert ical ut il izada. Para desenhar o t raçado das curvas nas placas,intercalamos ent re este e a folha com a curva uma folha de papel carbono.

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Em seguida t raçamos ou perfuramos com alf inete todo o contorno, f i-cando a curva demarcada na placa. A curva mais baixa pode ser t ranspostaem material mais resistente ou pode, posteriormente, ser colada a umsuport e.

3 Recorte das placasPara recortar as curvas nas placas de isopor ut il izamos inst rumento

de ponta aquecida. Existem em loj as especializadas inst rumentos própriospara corte de isopor, a base de pilhas ou elet ricidade. Efeito semelhantepode também ser obt ido aquecendo-se uma ponta metálica (agulha ouclip f ino presos a um palito de picolé ou rolha). No caso do E.V.A. oupapelão usa-se tesoura ou est ilete.

4 Colagem das placasApós o recorte, iniciamos a colagem pela curva mais baixa. Para a

melhor localização das placas é aconselhável ter sempre como referênciaos mapas-base ou o t raçado da curva a ser colada na curva anterior.Existem colas próprias para cada t ipo de material, mas é bom ut il izá-lasem quant idades reduzidas para não interferir no exagero vert ical.

5 Recobrimento com gesso ou massa corridaPara dar a idéia da cont inuidade do relevo, preenchemos os intervalos

ent re os degraus das placas com gesso diluído em água ou massa corrida.Este material t ambém não deve ser aplicado em excesso, apenas osuf iciente para unir a borda do degrau superior ao inferior.

6 AcabamentoApós a secagem completa do material de recobrimento ut il izamos

lixa d’ água suavemente para dar uniformidade ao acabamento. Terminadaesta etapa passamos f inalmente à pintura, que pode ser feita com t intaadequada ao material ut il izado. As mais recomendáveis são látex ou t intaplást ica, de preferência em cores neut ras para não int erferir nasinformações dos futuros usos.

4 SUGESTÕES DE UTILIZAÇÃO DA MAQUETE DE RELEVO

Como j á ressaltamos, a maquete deve fazer parte de um proj eto deaprendizado, def inido previamente pelo professor mediador. Tendo em

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vista um objet ivo a ser alcançado, os materiais de apoio (mapas temát icos,documentos históricos) devem ser cuidadosamente selecionados e pro-videnciados para que se efet ivem aprendizados signif icat ivos a part ir douso da maquete de relevo. A t ítulo de cont ribuição, elencamos algumassugestões de ut il ização, com indicação dos materiais. É importante res-saltar que quando a maquete recebe uma ut il ização ela passa a ter umst at us semelhante ao de um mapa temát ico, devendo portanto ter oselementos essenciais de qualquer mapa: legenda, t ítulo, orientação,fonte e autor.

Sugestão 1 – Toponímia: os alunos podem ident if icar na maquete asformas do relevo e, com o auxílio de um mapa físico denominá-las correta-mente. Este exercício t rabalha simultaneamente a leitura do relevo repre-sentado pela hipsometria (bidimensional) e pela maquete (t ridimensional).Convém que se inicie o exercício pela ident if icação e nominação dahidrografia. Os topônimos (nomes dos rios, das serras, das montanhas, etc.)podem ser regist rados diretamente sobre a maquete ou com t iras de plás-t ico ou papel t ransparente que podem ser colocadas sobre a maquete.

Sugestão 2 – Vegetação: inicialmente deve ser providenciado um mapade vegetação na mesma escala que a base cartográf ica ut il izada para aconst rução da maquete. Este mapa pode ser ampliado ou reduzido deum original para se chegar à mesma escala que a base cartográfica. Convémque este mapa estej a em papel t ransparente, pois isso permite sua so-breposição à base cartográf ica, facil itando a localização das áreas devegetação específ ica. Depois os alunos devem t raçar os contornos sobrea maquete de relevo e ut il izar recursos visuais para diferenciá-las. Areiascom granulações diferentes e t ingidas com variados tons de verde, póde serragem em diferentes texturas e tons são materiais que propor-cionam bons resultados. O mais importante: o aluno deve fazer corre-lações ent re o relevo e a cobertura vegetal, inst ruído e mot ivado peloprofessor mediador.

Sugest ão 3 – Variações t emporais: em situações em que o grupopossui várias maquetes da mesma área pode-se eleger algum elementotemporal e cada maquete ret ratar um período. Por exemplo: como equais eram a cobertura vegetal, as est radas e as principais cidades em1500, em 1800, 1950 e em 2000. Pode-se, explorar a dinâmica da ocupaçãodo território e buscar correlações ent re as mot ivações da ocupação e oavanço das técnicas. Para a cobertura vegetal pode-se ut il izar materiais

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semelhantes aos citados na sugestão 2 ou t rabalhar com grãos, caso seinvista nas coberturas agrícolas. Para as est radas pode-se ut il izar l inhas,barbantes e para as cidades pode-se ut il izar algum elemento pontual(botões, por exemplo) se só for dada sua localização ou t intas ou out racobertura se se t rabalhar com manchas urbanas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maquete cont ribui para a representação t ridimensional do relevoà medida que regist ra e dá visibil idade às formas topográf icas que sãoident if icadas nas bases cartográf icas pela dist ribuição diferenciada dascurvas de nível.

É importante que no momento em que os alunos estej am t rabalhandocom a maquete de relevo consigam, de acordo com as habilidades ecompetências que possuem, produzir conhecimento geográf ico. Essaprodução se faz a part ir das informações que os elementos da maqueteem si t raduzem, assim como de informações que possam ser sobrepostasà maquet e e t rabalhadas para a elaboração de conceit os e para acompreensão de fenômenos em suas interações com o relevo.

A maquete de relevo não é um f im didát ico e sim um meio didát icoat ravés do qual vários elementos da realidade devem ser t rabalhados emconj unto.

REFERÊNCIAS

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GIANSANTI, Roberto. Const rução de modelos de representação: uma experiênciadidát ica em 1º grau. Orientação, São Paulo, nº 8, p. 21-24, 1990.

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LOMBARDO, Magda A. & CASTRO, José Flávio M. O uso de maquete como recursodidát ico. In: Anais do II Colóquio de Cartograf ia para Crianças, Belo Horizonte,1996. Revista Geografia e Ensino, nº 6, v. 1, p. 81-83, 1997.

SIMIELLI, Maria Elena; GIRARDI, Gisele; BROMBERG, Pat rícia; MORONE, Rosemeire;RAIMUNDO, Sílvia Lopes. Do plano ao t ridimensional: a maquete como recursodidát ico. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, nº 70, p. 3-21, 1991.

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MARIA ELENA RAMOS SIMIELLI; GISELE GIRARDI; ROSEMEIRE MORONE

TIDD, Charles; SULLIVAN, George. Essential Map Skills. New Jersey : Hammond,1985.

TRICART, Jean; ROCHEFORT, Michel; RIMBERT, Silvie. Initiation aux travaux pratiquesde geographie: commentaires de cartes. SEDES, Paris, 1972.

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O DESENHO NA ARTE E NA GEOGRAFIA: DIFERENÇASE APROXIMAÇÕES

LE DESSIN DANS L’ART ET DANS LA GÉOGRAPHIE:DIFFÉRENCES ET RAPPROCHEMENTS

Rosa Iavelberg*; Sonia Maria Vanzel la Cast el lar**

Resumo: O t ext o t rat a do desenho como f orma ar t íst i ca ecart ográf ica, que, nesses âmbit os, const i t ui di ferent es modos deconst rução e expressão a serem aprendidos e ensinados nas escolas.Consideramos no escopo do art igo que o desenvolvimento da capacidadede desenhar na criança acompanha o âmbito cognit ivo, ent retanto oscódigos das linguagens (art íst ica e cartográf ica) são const ruídos em cadauma das diferentes culturas e se t ransformam na história.

A relação ent re arte e realidade é mediada pela subjet ividade, abertaàs marcas individuais, à leitura sensível e cognit iva do mundo, e nãobusca espelhar o real, mas t ranscendê-lo, criando novas realidades porintermédio de l inguagem poét ica. Já a relação ent re a cartograf ia,entendida como linguagem, e a realidade é mais obj et iva, ou sej a, acartograf ia const itui-se como uma representação que espelha em partea realidade, na medida em que materializa ou territorializa os fenômenospresentes, mas está suj eita às modif icações que ocorrem com o tempo.

Palavras-chave: Desenho. Aprendizagem. Cognição. Arte e geografia.

Resumé: Cet art icle t raite le dessin comme forme art ist ique et carto-graphique, qui, dans ce cadre, const itue des dif férents manières deconst ruct ion e d’ expression pour apprendre e enseigner aux écoles. Onconsidére dans cet art icle que le développement de la capacité de des-siner, dans les enfants, accompagne le cadre cognit if , néanmoins les

* Rosa Iavelberg é professora doutora da Faculdade de Educação da Universidade de SãoPaulo.

** Sonia Maria Vanzella Castellar é professora doutora da Faculdade de Educação daUniversidade de São Paulo ([email protected])

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codes des langages (art ist ique et cartographique) sont const ruit s danschaque culture dif férent et se t ransforment au long de l’ histoire.

La relat ion ent re art e réalité passe par la subj ect ivité, celle-ci ouver-te aux marques individuelles, à la lecture sensible et cognit ive du monde,et elle ne cherche pas à êt re le miroir du réel, mais à le surpasser et àcréer des nouvelles realités à t ravers la langage poét ique. La relat ionent re la cartographie, conçue comme langage, et la réalité, elle est àson tour plus obj ect ive, c’ est -à-dire que la cartographie const itue unereprésentat ion qui n’ est que part iellement le miroir de la realité, en cequ’ elle matérialise ou territorialise les phénomènes presents, mais elleest aussi soumise aux t ransformat ions qui se produisent au long du temps.

Palavras-Chave: Dessin. Apprent issage. Cognit ion. Art et géographie.

INTRODUÇÃO

Neste texto vamos t ratar o desenho como forma art íst ica e carto-gráf ica, que, nesses âmbitos, const itui diferentes modos de const ruçãoe expressão a serem aprendidos e ensinados nas escolas.

O desenho como linguagem, como meio de comunicação visual, éum sistema aberto a muitas funções. E como sistema de representaçãopode ser simbólico ou codif icado. O viés representat ivo inclui possibi-l idades art íst icas e cient íf icas, metafóricas e exatas.

O desenho pode ser feito para aprender sobre arte, para criar em arte,além de cumprir funções não art íst icas, como em ações interdisciplinaresnas quais opera como desenho de representação, por exemplos com mapasem geograf ia ou desenho de observação em ciências. Como desenho deilust ração na produção de textos, na edição de imagens e textos nocomputador, com pesquisa na internet ou uso de scanner, o desenhoart íst ico ganha novos espaços (IAVELBERG, 2006, p. 72)

O desenvolvimento da capacidade de desenhar na criança acompanhao âmbito cognit ivo, ent retanto os códigos das linguagens (art íst ica ecartográf ica) são const ruídos em cada uma das diferentes culturas e set ransformam na história.

Por intermédio do desenho art íst ico, o aluno pode representar aescola de seus sonhos, por exemplo, sem se prender aos códigos con-vencionais da cartograf ia, mas não pode dispensar os elementos da lin-guagem visual: ponto, l inha, plano, luz, sombra, ritmo. Por out ro lado, odesenho como proj eto para const ruir uma obra arquitetônica libertou a

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cooperat iva medieval da relação de subordinação ent re mest re e artesãoexecutor, dando o caráter de cosa ment ale à arte de desenhar ou proj etarum espaço a ser futuramente ocupado. Ganha lugar um art ista arquiteto,que designa sua obra.

Do ponto de vista da cartograf ia considera-se, nesse caso, o alfabetocartográf ico – área, ponto e linha – como conj unto dos elementos queconst ituem a linguagem visual. No entanto, na intenção de se const ruiruma casa, será necessário proj etá-la respeitando-se os códigos con-vencionais, fazendo-se uma planta baixa, organizando-se legenda e ut i-l izando-se uma escala adequada, aproximando-se assim da cartograf iado lugar.

A relação ent re arte e realidade é mediada pela subj et ividade, abertaàs marcas individuais, à leitura sensível e cognit iva do mundo, e nãobusca espelhar o real, mas t ranscendê-lo, criando novas realidades porintermédio de linguagem poét ica. Já a relação ent re a cartograf ia, en-tendida como linguagem, e a realidade é mais obj et iva, ou sej a, a car-tograf ia const itui-se como uma representação que espelha em parte arealidade, na medida em que materializa ou territorializa os fenômenospresentes, mas está suj eita às modif icações que ocorrem com o tempo.

Apesar dessas dist inções, o ponto em comum ent re a geograf ia e aarte é que a leitura da obra ou do mapa é sensível e também cognit iva,realizando-se por intermédio de uma linguagem que pode ser poét ica e,ao mesmo tempo, uma manifestação da representação mental, inspiradamuitas vezes nas ações do cot idiano, nas experiências anteriores commapas e obras de arte, no imaginário e na memória.

A lógica do pensamento simbólico da arte não coincide com asfronteiras demarcadas pelos processos de medição do mundo, mas simde mediação com o mundo. Aquele que cria um desenho o faz porintermédio de uma experiência que o remete à arte, plasmando formasou idéias – que ao mesmo tempo modif icam o desenhista – inaugurandoum novo obj eto (desenho) que será lido por intermédio de atos abertos– como o próprio desenho – de criação na sua leitura.

Para fazer um desenho, a criança pode copiar ou inspirar-se namemória a part ir da leitura da paisagem do lugar de vivência, mas arepresentação será uma mudança do ponto de vista. Se os processos sãomediados com o mundo, os obj etos representados pela criança não seapresentam em conj unto, porque é impossível ver todos os pormenores,

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principalmente se considerarmos sua capacidade cognit iva. Qualquer quesej a o desenho, deve-se entendê-lo como um produto da manifestaçãoda at ividade criadora da criança (LUQUET, 1969, p. 27).

O DESENHO DOS ARTISTAS E DOS CARTÓGRAFOS: FORMAS DE SE SITUAR NOMUNDO

Ao sairmos de casa para ir a qualquer lugar, planej amos mentalmentenosso t raj eto: essa rua, depois aquela, a out ra, a rotatória, a avenida.. .Fazemos diferentes mapas para viaj ar, visitar alguém, nem sequer nosdando conta de que estamos desenhando mapas.

A arte e a técnica de desenhar lugares são muito ant igas: até mesmoas civil izações mais remotas const ruíram algum t ipo de representaçãosimbólica de seus mundos. Antes da escrita, os grupos humanos regis-t ravam nas paredes das cavernas a memória de seus deslocamentos e asinformações úteis sobre os lugares para caçar e coletar, as montanhas,os rios e as matas. Com o passar do tempo, os regist ros passaram a serfeitos em placas e pedaços de argila. Os assírios e os egípcios j á dominavamtécnicas de gravação sobre placas de barro cozido ou metal e ut il izavamo papiro para regist rar logradouros e caminhos. Esses mapas foram feitosmesmo antes de o homem inventar a escrita: portanto a comunicaçãovisual estabeleceu-se primeiro. A comunicação visual favorece o de-senvolvimento dos sent idos, principalmente a observação visual, que éuma parte importante da experiência art íst ica, pois amplia a sensibilidadeà cor, à forma e ao espaço.

Os mapas desenhados ao longo da história da humanidade repre-sentam concepções de mundo e a inf luência das artes em vários períodos,e incluem uma área complexa da percepção espacial. Assim como a arte,a cartograf ia ut il iza-se das variações de cor, das diferentes formas, doscontornos, da sensibilidade à luz, elementos que fazem parte do processode criação do art ista ou do cartógrafo.

Isso se ref lete, de certa maneira, na simbologia cartográf ica, quepode ter arranj os diferentes no que se refere a cor, pontos, l inhas eáreas: essas variáveis caract erizam represent ações pol issêmicas emonossêmicas. Nas obras de art e, pode-se chamar a at enção paraluminosidade, cor, ponto, área, l inha e planos em que os obj etos foramdesenhados, favorecendo-se um olhar polissêmico; as represent ações

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gráf icas monossêmicas, por sua vez, t razem apenas um signif icado, impos-sibil itando a existência de abertura na interpretação.

No entanto, apesar dessas dist inções possíveis, os art istas plást icosapropriam-se de elementos da linguagem cartográf ica e os cartógrafosapropriam-se dos símbolos e percepções espaciais, const ituídas por sím-bolos e signos, para elaborar um produto de comunicação visual, comoas represent ações de paisagens, mapas, plant as e represent açõesmentais.

Muitos art istas usaram mapas para realizar suas obras, fazendo domapa um símbolo dent ro de suas poét icas: Chaplin, por exemplo, nofilme O Grande Ditador, tenta controlar o globo terrest re, mapa do mundo,em cena na qual sat iriza Hit ler.

Na XIX Bienal Internacional de São Paulo de 1987, o grupo de art istasFamília Boyle realizou estudos da superfície da terra, a part ir de mapa domundo, do qual selecionou um ponto para ser f isicamente recortado eexposto na parede como obra de arte:

Mark Boyle (Glasgow, 1934) Estudou Direito na Glasgow University. Em 1964começou, j unto com Joan Hills, os t rabalhos com a superfície da Terra.Mais tarde, os filhos do casal – Sebast ian Boyle e Georgia Boyle envolveram-se também com esses t rabalhos, e os quat ro passaram a se apresentar eassinar como Família Boyle. Vivem em Londres. Georgia Boyle, Sebast ianBoyle (Londres, 1962) Joan Boyle (FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO, 1987)

Nos dois casos, o mapa do mundo é símbolo aberto às leituras poét icasdo público e não um sistema codif icado a ser l ido igualmente por todosos que dominam a representação da cartograf ia cont ida neles.

O desenho é a base de muitas modalidades de expressão visual emarte: pintura, gravura, escultura, e da cultura visual: histórias em quadri-nhos, publicidade, design de moda, webdesign. Trabalhado t radicional-mente em muitos suportes, o desenho contemporâneo ainda ut il izouout ros, est ranhos em relação aos t radicionais: pedra, madeira e papel.

O graf ite, por exemplo, ocupa o espaço das ruas, e o corpo tambémé suporte para desenho, na arte contemporânea. Nos rituais religiososde vários povos ant igos e atuais, a pintura corporal é marca de suasvisualidades.

Nas formas da arte pré-histórica, encontramos o desenho com funçõesmágico-fenomenistas na relação com a caça, como símbolo da fert ilidade,vinculado à crença no poder da imagem, ent re out ros.

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Ilustração 1. Tradição indiana de pint ura corporal com Henna em festas de casamentopara t razer sort e às bodas

2a

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Ilustração 2. Keit h Haring, art ist a americano, nascido em 1958 (2a). Desenvolveu umasérie grande de desenhos que lembravam cartuns: aplicava sobre paredes, tela, obj etos etambém sobre o corpo humano (2b) .Fonte: <ht tp:/ / www.haring.com/ popshop/ assets/ keith_popshop.j pg>. Acesso em: 9 dez. 2007.

2b

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Na arte moderna e contemporânea o desenho, progressivamente,ganha apresentação cada vez mais abst rata, porque, seguindo os avançostecnológicos de cada época, o desenho abandona a reapresentação doreal, deixa de ser uma j anela ou moldura do mundo, para falar daquiloque a fotograf ia não diz, para ref let ir sobre os elementos da linguagem edestacar a planaridade do espaço bidimensional ou do meio t ridimen-sional onde é est ruturado. Por out ras palavras, o desenho moderno econtemporâneo reconhece-se, em sua unidade mínima, como linha quecria dois espaços.

Ilustração 3. The Dog art print by Pablo PicassoFonte: <en.easyart .com>. Acesso em: 9 dez. 2007.

O DESENHO DA CRIANÇA E DO JOVEM

Hoj e a criança é exposta a diversos t ipos de visualidade e tem acessoa diferentes tecnologias para desenhar: certamente ela não faz t rabalhosde arte do mesmo modo como as crianças de ant igamente, ou sej a, aarte da infância tem história e sofre inf luência de seu tempo.

Nos t rabalhos de criança feitos com a técnica de papel cortado ecolado, realizados no primeiro ateliê livre de ensino de arte para criançasdo mundo, coordenado por Franz Cisek, em Viena, em 1910, notamosuma diferença de nove décadas na história da arte da infância ref let idanas imagens.

A cultura visual de Viena da época inf luenciou essas produções, emparte porque Cisek escolhia elementos da estét ica adulta que j ulgavaadequados à expressão art íst ica infant i l – sua rupt ura com a art eacadêmica marcava os primeiros distanciamentos que se efet ivaram noensino da arte, apenas nos meados do século XX, com as propostaseducat ivas da livre expressão.

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Se por um lado eram ensinadas conf igurações da estét ica da época,por out ro as crianças se alimentavam por si mesmas dessas fontes paracriar. Essa interação é parte do processo de aquisição da linguagem porcrianças e j ovens.

O calcanhar de Aquiles das teorias da escola renovada sobre ensinodo desenho reside na alienação da cultura como conteúdo dos desenhosinfant is, que, assim, efet ivamente se empobreciam quando necessitavamdas informações dos códigos da linguagem do desenho para progredir,principalmente com o ingresso do aluno no ensino fundamental.

O desenho na educação recobra novas feições nos anos 80 do séculoXX, com o ingresso dos conteúdos da arte advindos das diversas culturasna formação do desenhista, agora não só em ateliês de arte para crianças,mas também nas escolas formais, porque a arte foi incluída como área deconhecimento nos desenhos curriculares.

Surge um novo desenhista na sala de aula, que dialoga com a produçãoart íst ica ao mesmo tempo em que desenha com marca pessoal. As fontesde alimentação da sua imagem estão presentes nos desenhos dos meiosaos quais tem acesso e nas visualidades do contexto em que vive. A

Ilustração 4. O t rabalho de Cizek

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criat ividade inaugura novos termos, a originalidade dá espaço à inter-pretação e à apropriação dos desenhos acessados pelo criador, ou sej a,” alquimizados” por ele.

Este desenho de criança a part ir de uma imagem existente é autoral,não se t rata de uma cópia, mas de uma interpretação, do ponto de vistada criança, futuro alimento a seus desenhos de livre escolha técnica etemát ica.

Quem af irma não saber desenhar na sala de aula pede do professorum conj unto de orientações didát icas que promovam a apropriação dalinguagem do desenho. Muitas vezes, a opinião e as propostas dos pro-fessores alteram negat ivamente a conduta da criança em desenho. Por-tanto, quando há sugestão com proposta sobre o que a criança vai de-senhar, deve-se ter clareza sobre os propósitos didát icos da tarefa e,sobretudo, considerar que essas ações devem servir à const rução dopercurso criat ivo em desenho de cada aluno.

É necessário que o professor domine o desenho como sistema decriação em arte, para ensinar a desenhar. Propostas orientadas podem

Ilustração 5. Desenho de criança a part ir de imagem existenteFonte: Bruno Munari em Design as Art . London: Peguin Books, 1971.

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ser combinadas com aulas onde o aluno elege o assunto e as técnicasque vai t rabalhar.

Três modalidades podem ser propostas, em at ividades orientadaspara favorecer a aquisição da linguagem do desenho em sala de aula, noensino fundamental: o desenho de memória, o desenho de imaginação eo desenho de observação.

As prát icas podem ser propostas separadas ou combinadas ent re si,porque uma modalidade de ação fert il iza as demais. Observar, usar amemória e a imaginação são chaves importantes da ação desenhista.

Alfredo Volpi (1896-1988), art ista plást ico brasileiro destacado, de-senhava paisagens de observação e fazia casarios de memória, depoisde observá-los. Sua imaginação criadora at ravessou sua poét ica, acom-panhando o percurso de suas imagens da f iguração, que vai até os anos30, à abst ração, que se f irma nos anos 50.

Na sala de aula, os alunos experienciam os processos de criação noseu nível de desenvolvimento e momento conceitual em arte, depen-dendo de aprendizagens j á realizadas para avançar no desenho. Seusprocessos e produtos são análogos àqueles vividos por art istas nas prát icassociais, portanto é importante que a escola faça interlocução com ouniverso do desenho advindo da arte.

Out ro aspecto importante é ensinar a diversidade cultural das formasart íst icas do desenho, com base em diversas culturas. Um desenho ma-raj oara tem signif icados e t raçados com referenciais na visão de mundodesse povo e das técnicas disponíveis à época. Um desenho modernode Tarsila do Amaral nos fala da modernidade brasileira, do viés an-t ropofágico e da inf luência européia. O conj unto de signif icados de cadadesenho pode ser l ido nos limites da imagem, mas também emerge deout ras formas de linguagem que t ratam do desenho em questão.

Portanto o conhecimento em desenho tem fonte no fazer, nos seussuportes materiais, mas também no ref let ir sobre desenho, tanto sobreo desenho que cada desenhista realiza, como no que out ros fazem ef izeram na história da arte com qualidade art íst ica e estét ica.

As at ividades interdisciplinares ent re arte e geograf ia na escola, queusam desenhos art íst icos e cartográf icos, devem respeitar a naturezade cada um dos obj etos de aprendizagem. Assim, o aluno poderá aprendê-los, diferenciá-los e beneficiar-se da aplicação dos dois sistemas separadosou associados.

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O DESENHO NA CARTOGRAFIA ESCOLAR

O desenho no âmbito do processo de aprendizagem em geograf iatem como referência a formação dos conceitos cartográf icos, conside-rando que os desenhos das crianças são o ponto de part ida para exploraro conhecimento que elas têm da realidade e dos fenômenos que queremrepresentar. Esses desenhos são considerados representações gráf icascopiadas ou de memória, e não há preocupações com perspect ivas, escala,ou qualquer out ra convenção cartográf ica.

Ao elaborar um desenho de uma rua, um t raj eto, um esboço dacasa, a criança ut il iza-se da memória. Esse desenho é, portanto, consi-derado realista, na medida em que a criança escolhe a f igura que serádesenhada pela natureza dos mot ivos. Nas formas de representaçõesaparecerão os obj etos em diferentes fases do desenvolvimento cognit ivo,como, por exemplo, as estabelecidas por Luquet (1969), ao destacar aincapacidade sintét ica como uma fase em que a criança desenha comrebat iment o e não há cont inuidade na superf ície e perspect iva; pro-porcional idade e seqüência dos lugares (local ização). Os pormenores dosdesenhos acabam revelando as característ icas da realidade e provandoque as crianças não desenham réplicas estereot ipadas, mas procuramser f iéis às suas observações da realidade.

As fases do desenho têm relação com o desenvolvimento da capa-cidade da percepção espacial, que se concret iza, primeiramente, nasrelações espaciais topológicas e, em seguida, nas proj et ivas e euclidianas.Observar isso signif ica notar como a criança percebe os obj etos no espaçoe as condições de fazer a sua t ransposição no papel.

Na fase em que a criança se encont ra no real ismo intelectual , osobjetos representados ainda não se apresentam no conjunto, porque nessafase é impossível ver ao mesmo tempo todos os detalhes e representá-los. Por exemplo, a criança pode desenhar parte do corpo (a cabeça sem ot ronco) e não o corpo inteiro. Uma out ra característ ica dessa fase é queno desenho de uma cena, ora os obj etos estão na visão vert ical, ora estãona f rontal, além de manter o rebat imento. No desenho o rebat imentoaparece, por exemplo, ao se desenhar uma carroça na visão vert ical e asquat ro rodas rebat idas no plano horizontal.

Nesse moment o, a criança, no desenho, percebe e represent aconsiderando diferentes pontos de vista. Ela observa no plano vert ical e

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t ridimensionalmente e, ao desenhar a imagem, fá-lo-á no plano horizontale bidimensionalmente. Assim aparecem situações em que mudam asperspect ivas do ponto de vista e, ao mesmo tempo, desenvolve-se opensamento reversível, mas a criança cont inua na fase do real ismoint elect ual .

Para Luquet (1969 apud Piaget & Inhelder, 1993: 66),

é o momento em que const itui um modo de representação espacial noqual as relações euclidianas e projet ivas apenas começam e de uma formaainda incoerente em suas conexões, ao passo que as relações topológicasesboçadas no estágio precedente encontram sua aplicação geral em todasas f iguras e t riunfam, em caso de conf litos, sobre as novas relações. Nasrepresentações, o achatamento é f reqüente nesta fase. As f igurasgeomét ricas aparecem sem proporção precisa. O nível intuit ivo desteestágio é totalmente topológico.

Já na fase do real ismo visual , por vol t a dos 9 anos, aparece nasrepresent ações das crianças uma preocupação maior com a perspect iva,proporção, medidas e dist âncias. Ou sej a, aparecem noções concer-

Ilustração 6. Desenho de Rodrigo

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nentes às relações espaciais euclidianas, por isso a análise do desenhoda criança possibilitará uma ampliação dos conceitos cartográf icos como,por exemplo, escala, proj eções, área e detalhamento.

A representação faz parte do processo de const rução de símbolos edas fases do desenvolvimento do desenho na criança: para ela, o desenhoa part ir de sua concepção sobre o obj eto real é qualquer coisa de mira-culoso, ela se sente importante por conseguir fazer no papel uma f iguraou um obj eto. Entende-se que quando a criança chega ao ponto em quea representação é semelhante à realidade, ela se encont ra na f ase doreal ismo visual .

No entanto, para isso, é necessário que ela passe, desde a fase dagaratuj a (rabiscos), por um processo de observação e conversas sobre asimagens que observa no cot idiano, porque apesar de a criança re-presentar com uma certa analogia os seus t raçados e os obj etos reais, odesenho pode ser dist into da percepção que ela tem do espaço vivido,em função do j ogo simbólico que aparece.

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Aqui entram 2 desenhos, que precisam ser escaneados . Precisa terlegenda nos dois QUAL A LEGENDA???

Existe uma série de noções que estão sendo const ruídas paralela-mente ao desenvolvimento da representação – são as relações espaciaistopológicas, proj et ivas e euclidianas –, fundamentais para a representaçãográf ica, a representação simbólica, o pensamento reversível; ent retantonem sempre as relações que cont ribuem para a percepção são as mesmasque cont ribuem para a formação da imagem que será desenhada, issodepende muito dos est ímulos culturais que a criança recebe.

À medida que a criança faz suas representações gráf icas, podemosanalisar como o pensamento cont inua est ruturando-se. Ora apareceráseqüência dos lugares representados; ora haverá exagero na propor-cionalidade e no rebat imento; ora não. Isso signif ica que, durante oprocesso de let ramento cartográf ico, as crianças das séries iniciais, prin-cipalmente ent re os sete e oito anos de idade, precisam ser est imuladas

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para desenvolver suas habilidades operatórias, formar os conceitos epoder iniciar a leitura e a elaboração de mapas.

A representação gráfica, que entendemos como um conceito pautadono desenho que a criança faz, sem critérios convencionais de escala/proporção, legenda, orientação, ponto de referência, visão vert ical eoblíqua, imagem bidimensional e t ridimensional, área, ponto e linha, edireção, cont ribui para o início do let ramento cartográf ico.

A part ir do ensino de conceit os elementares de cartograf ia, naperspect iva do let ramento em educação geográf ica, a criança t erácondições de, est ruturando a percepção espacial, fazer leitura de mapas,de obras de artes, de desenhos que representam cenas do cot idiano oude história em quadrinhos. Todas essas noções nos permitem considerarque o processo de aprendizagem é indispensável para o desenvolvimentocognit ivo. A criança necessita ser est imulada para que suas habilidadesoperat órias sej am desenvolvidas, como, por exemplo, at ravés daobservação e percepção dos lugares de vivência a part ir de desenhos erepresentações que revelem suas idéias de mundo.

Não há dúvidas de que o desenho const itui um t ipo de representaçãoespacial, e é considerado uma forma simbólica do espaço representat ivo.Isso é, a ret ratação de um t raj eto, pela criança, deveria possibil itar, depreferência, que ela fosse para além do que ela reconhece ou do limitedo imaginário.

A imagem de um lugar, o t raj eto, um mapa, uma cena de uma obra dearte permitem à criança familiarizar-se com a linguagem da arte e a car-tográf ica, favorecendo um pensamento interdisciplinar e desenvolvendoconceitos da geograf ia e da arte como disciplina escolar.

PARA FINALIZAR

O diálogo ent re a arte e a cartograf ia torna os obj etos ou os lugarescheios de signif icados, ao estabelecer relações com o cot idiano. Nessaperspect iva as crianças são postas em desaf ios no que se refere à per-cepção espacial e à observação dos lugares em que vivem. Elas percebemque esses lugares não são estát icos, mas sistemas dinâmicos nos quaisf luem informações e cultura.

Ao desenvolver uma propost a didát ica numa perspect iva int er-disciplinar, faz-se necessário integrar todos os aspectos do obj eto estu-

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dado em representações que dêem conta da sua complexidade. O focodessa nova forma de t ratar o conhecimento passaria a se concent rar naabordagem de situações-problema relacionadas ao cot idiano, em especialdaquelas que t ivessem relevância social, econômica, cultural e ambiental.O diálogo ent re essas áreas do conhecimento favorece a ampliação docapital cultural, a interdisciplinaridade e o signif icado dos conteúdosdas áreas do conhecimento de arte e geograf ia.

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REVISITANDO UM VELHO MODELO:CONTRIBUIÇÕES PARA UM DEBATE AINDA ATUALSOBRE A HISTÓRIA ECONÔMICA DE MATO GROSSO/MATO GROSSO DO SUL*

RE-VISITING AN OLD MODEL: CONTRIBUTIONS TO ANONGOING DEBATE ON THE ECONOMIC HISTORY OFMATO GROSSO/MATO GROSSO DO SUL

Paulo Robert o Cimó Queiroz**

Resumo : O presente t rabalho busca efetuar uma análise crít ica deum conhecido modelo de interpretação da história econômica de MatoGrosso/ Mato Grosso do Sul, isto é, o modelo apresentado por GilbertoL. Alves no art igo int itulado Mat o Grosso e a hist ória, 1870-1929: ensaiosobre a t ransição do domínio econômico da casa comercial para a hege-monia do capit al f inanceiro, publicado no Bolet im Paul ist a de Geograf iaem 1984. Busca-se ainda apresentar, como alternat iva, sugestões demétodo com vistas ao estudo dos importantes problemas levantados noreferido art igo.

Palavras-chave : Mato Grosso. Historiograf ia econômica. Desenvol-

vimento econômico.

Abstract : This art icle at tempts a crit ical analysis of a long-standinginterpretat ion of the economic history of the Brazil ian states of MatoGrosso and Mato Grosso do Sul; that is, the interpretat ion presented byGilberto L. Alves in his essay ent it led Mat o Grosso e a hist ória, 1870-1929: ensaio sobre a t ransição do domínio econômico da casa comercial

* Este t rabalho foi originalmente apresentado no VII Congresso Brasileiro de HistóriaEconômica / 8ª Conferência Internacional de História de Empresas, realizados em Aracaj uem setembro de 2007, tendo sido elaborado no âmbito de um proj eto de pesquisa queconta com financiamento da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência eTecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect ).

** Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); Fundect / MS

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para a hegemonia do capit al f inanceiro, published in the Bolet im Paul ist ade Geograf ia in 1984. It also presents alternat ive approaches to importantquest ions raised in the earlier essay.

Key words : Mat o Grosso. Economic hist oriography. Economicdevelopment .

A historiografia mato-grossense1 inicia-se, em sua versão considerada“ t radicional” , pelo menos na primeira década do século XX (cf. ZORZATO,1998). Já no âmbito universitário, o ensino e a pesquisa em História sãobem mais recentes. No espaço correspondente ao atual Mato Grosso doSul, o ensino superior em História começou nos anos 1960, quando seformaram, nesse espaço, os núcleos que originariam as futuras uni-versidades sul-mato-grossenses. A pesquisa, por sua vez, começou adesenvolver-se na década seguinte, quando a Universidade Estadual deMato Grosso (que em 1979 se t ransformaria na Universidade Federal deMato Grosso do Sul, UFMS) passou a enviar seus docentes aos programasde pós-graduação estabelecidos nos grandes cent ros brasileiros. Osprimeiros t rabalhos assim produzidos foram os de Valmir Bat ista Corrêa(1976 e 1982), Lúcia Salsa Corrêa (1980) e Joana Neves (1980), cabendoobservar que, nesse momento inicial, os pesquisadores enfrentavamgrandes dif iculdades. De fato, demorou a consolidar-se, na UEMT/ UFMS,um ambiente inst itucional de efet ivo apoio às at ividades de pesquisacient íf ica, o qual somente se tornaria plenamente percept ível j á nadécada de 1980 (cf . CORRÊA; QUEIROZ; DORO, 1994).

Foi portanto nesse contexto ainda inicial que, em 1984, GilbertoLuiz Alves (então mest re em Educação e docente da UFMS em Corumbá)publicou um extenso ensaio sobre a história econômica de Mato Grosso/Mato Grosso do Sul, int itulado: Mat o Grosso e a hist ória, 1870-1929:ensaio sobre a t ransição do domínio econômico da casa comercial para ahegemonia do capit al f inanceiro. Rico em referências empíricas, forne-

1 A ant iga capitania, província e depois estado de Mato Grosso abrangia, originalmente,também os espaços correspondentes a Rondônia (desmembrado, como território federal,em 1943) e Mato Grosso do Sul (criado em 1977). Neste t rabalho, ref iro-me ao territórioque daria origem a Mato Grosso do Sul como “ sul do ant igo Mato Grosso” , “ ant igo sul deMato Grosso” ou simplesmente “ SMT” .

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cendo um amplo panorama das condições econômicas presentes em MatoGrosso/ Mato Grosso do Sul durante longo período (que al iás ult rapassaos marcos indicados no t ít ulo), o referido texto se destaca da produçãoacadêmica anterior pela maior preocupação em tentar fornecer umaabrangente expl icação da natureza e das causas das t ransformaçõesverif icadas2. Com tais credenciais, o t rabalho de Alves tornou-se refe-rência para os j ovens pesquisadores sul-mato-grossenses do campo dasCiências Humanas.

O ensaio adotava, ent retanto, como perspect iva teórica, uma proble-mát ica versão do materialismo histórico – a qual se poderia talvez de-nominar, emprestando-se a expressão de Fragoso e Florent ino, “ marxismoda Guerra Fria” , com sua “ exacerbação do determinismo ‘ infra-estrutural’ ”(1997, p. 37). Além disso, seu diálogo com a historiografia econômicabrasileira apresentava-se ext remamente rest rito3, deixando de lado atémesmo as obras clássicas pertencentes à corrente marxista, como as deCaio Prado Júnior.

Nessas circunstâncias, relat ivamente cedo esse esquema explicat ivofoi encarado de forma crít ica por vários pesquisadores da história mato-grossense/ sul-mato-grossense (cf . crít icas parciais, formuladas origi-nalmente no início dos anos 1990, em BORGES, 2001; NASCIMENTO, 1992;QUEIROZ, 1997). Tal circunstância, aliada ao desprest ígio desde entãoexperimentado pela História Econômica no Brasil, levou a que o referidoesquema t ivesse pouca inf luência ent re os historiadores dedicados aostemas “ regionais” . No entanto, ele cont inuou e cont inua ainda muitoinf luente em out ras áreas das Ciências Humanas, que necessitam às vezesbuscar na história um quadro abrangente para poderem situar seus objetosde pesquisa. Ref iro-me, especif icamente, à Educação (área de formaçãoe atuação do autor do ensaio) e à Geograf ia (cabendo notar, a propósito,

2 Em 1985, as idéias cent rais desse ensaio foram reproduzidas em out ro texto do autor,dest inado a fundamentar a proposta de tombamento do conj unto arquitetônico do portode Corumbá (Alves, 1985). Esse últ imo texto, por sua vez, foi recentemente republicado(Alves, 2003).

3 Limitava-se, prat icamente, às obras de Ana Célia Cast ro (As empresas est rangeiras noBrasil , 1979) e Alcir Lenharo (As t ropas da moderação, 1979). No tocante à historiografiaacadêmica sul-mato-grossense, o diálogo era limitado a uma única obra de Valmir Corrêa(1976).

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que o ensaio foi originalmente publicado em um periódico dessa área).Em out ras palavras, muitos t rabalhos, nessas duas áreas, têm adotado,até os dias atuais, em suas referências à história de Mato Grosso/ MatoGrosso do Sul, a perspect iva proposta por Alves – a qual portanto pareceser t ida, nesses casos, como “ a palavra da História” 4.

É nesse cont ext o que considero oport uno e, de cert o modo,necessário o presente t rabalho. Embora o ensaio em questão j á tenhasido analisado e crit icado em alguns de seus aspectos, t ais reparosencont ram-se dispersos. Assim, apoiado, tanto quanto me foi possível,na (ainda pequena) historiograf ia econômica mato-grossense/ sul-mato-grossense, busco aqui cont ribuir para uma revisão de conj unto dessemodelo interpretat ivo, e procuro igualmente apresentar, como alterna-t iva, algumas sugestões de método com vistas ao estudo das importantesproblemát icas apresentadas pelo autor5.

Para situar adequadamente os raciocínios de Alves, convém efetuaraqui uma rápida digressão. Na região considerada (imemorialmentehabitada por numerosos grupos indígenas), a efet iva implantação da co-lonização luso-brasileira começou pela porção norte (correspondente aoatual estado de Mato Grosso), em decorrência da descoberta, ocorridaem 1719, de j azidas auríferas nas imediações da atual cidade de Cuiabá(embora a porção sul dessa região, correspondente ao atual estado deMato Grosso do Sul, houvesse sido percorrida por conquistadores es-panhóis j á no século XVI, e pelos bandeirantes no século seguinte). Desdeent ão, as comunicações ent re essa região e o sudest e da Américaportuguesa se f izeram por caminhos internos, sej am as célebres monções,sej a o caminho terrest re aberto ainda no século XVIII, l igando Cuiabá aGoiás e daí a Minas, Rio de Janeiro e São Paulo. No século seguinte,

4 Um bom exemplo, a esse respeito, é uma recente tese de doutorado em Geograf ia, queacaba de ser publicada (cf . Moret t i, 2006, esp. p. 24-28). No mesmo sent ido, v. diversost rabalhos produzidos no âmbito do programa de pós-graduação em Educação da UFMS.

5 Considero importante deixar claro que encaro esta como uma tarefa essencialmenteintelectual – necessária, a meu ver, nos quadros do saudável debate acadêmico. Assim,manifesto meu respeito pessoal e profissional pelo autor, bem como meu reconhecimentopor seu esforço: apoiado, em boa medida, em fontes documentais, ele se animou a abriruma “ picada” interpretat iva em função da qual todos nós, estudiosos da história mato-grossense/ sul-mato-grossense, pudemos aprender (pois não só com os acertos se aprende,mas sobretudo com os equívocos próprios e dos out ros).

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quando a criação extensiva de gado bovino, j á prat icada na porção norte,se implantou também na porção sul da região, out ros caminhos terrest resforam abertos, l igando diretamente essa últ ima porção tanto a MinasGerais como a São Paulo (cf . LEITE, 2003).

Nesse contexto, eram freqüentes as queixas dos dirigentes e out rosobservadores da situação da capitania (depois província) com relação àprecariedade de tais meios de comunicação, queixas essas que bem cedo,ainda no início do século XIX, se t raduziram na reivindicação da aberturada navegação pelo rio Paraguai – a qual permit iria, via estuário do Prata,uma ligação com o litoral do sudeste que, embora mais longa, era muitomais prát ica, rápida e barata que aquela oferecida pelos caminhos internos.Tal reivindicação const ituiu, de fato, um dos principais elementos dascomplexas e contraditórias relações entre o Império do Brasil e a Repúblicado Paraguai, sendo que somente ao f inal dos anos 1850 o Império logrouobter o direito de t rafegar pelo t recho paraguaio do rio Paraguai. Essanavegação foi interrompida durante a Guerra, ent re 1864 e 1869, e foiretomada, de modo mais desembaraçado, ao fim da mesma guerra, quandoo referido rio foi aberto à livre navegação internacional.

É nesse contexto, portanto, que se situam os principais raciocíniosdo autor, o qual corretamente aponta os efeitos econômicos advindosdessa abertura: a) o “ sensível barateamento das mercadorias” e o in-cremento da at ividade comercial em Mato Grosso (como “ parte de ummovimento generalizado, só explicável em escala mundial, determinadopelos baixos custos de produção, viabil izados pela fábrica moderna, epelos baixos custos dos t ransportes, propiciados pela navegação a vapor” ,cf . ALVES, 1984, p. 18); b) o incremento dessa navegação, em torno daqual passava a desenvolver-se “ toda a vida econômica” da província eque “ facil itava o escoamento da produção, assim como a importação dasmercadorias indispensáveis à região, inclusive maquinaria moderna” ;nesse contexto Alves inclui a modernização da agroindúst ria açucareira(rest rita, no caso, à porção norte), mediante a importação de equi-pamentos que “ rivalizava[m] com os mais modernos do Nordeste” (id.,p. 19); c) os avanços no aproveitamento do imenso rebanho bovino daprovíncia, sobretudo aquele do Pantanal, destacando-se, a esse respeito,o moderno estabelecimento fundado em 1873, por invest idores plat inos,na localidade de Descalvados (no atual município de Cáceres, em MatoGrosso, às margens do rio Paraguai) – estabelecimento esse voltado

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inicialmente à produção de charque e, depois, de ext rato e caldo decarne, exportados para a Europa (p. 20); d) enf im, o crescimento donúcleo urbano de Corumbá, que, graças a sua est ratégica posição àsmargens do rio Paraguai, passou da condição de uma pobre vila fronteiriçaa um animado cent ro comercial, que se tornaria, mais para o f im doséculo, o principal da província (p. 21-22).

Desse modo, segundo o autor, até o f inal da década de 1920 aeconomia mato-grossense seria dominada pelo capital comercial, isto é,os “ comerciantes mato-grossenses” , proprietários das casas comerciaisestabelecidas em Corumbá e out ros cent ros urbanos da região (sobretudoCuiabá, Cáceres, Miranda e Aquidauana). Nesse contexto, ainda conformeo autor, ocorreria em Mato Grosso (cuj a economia até então se baseavana produção de gado bovino magro, dest inado à engorda nas invernadasde Minas Gerais) um “ incipiente processo de diversif icação da produção”(op. cit . , p. 54), especialmente com a ext ração da erva-mate (na porçãosul) e da borracha (na porção norte), a produção de caldo e ext rato decarne e a modernização da indúst ria açucareira. Ut il izando como fontesos anúncios das casas comerciais publicados no Album graphico de Mat t o-Grosso (1914), o autor estabelece uma relação de causa e efeito ent re odomínio dos comerciant es e o conj unt o do refer ido processo dediversif icação da produção, embora efetuando ressalvas: “ à exceção dasprimeiras usinas de açúcar e do estabelecimento de Descalvados, todasas novas at ividades econômicas exploradas na região t iveram algumsuporte da casa comercial” , a qual, portanto, “ const ituiu o fator queimpulsionou e catalisou a diversif icação da produção” (p. 26-27). O augedo domínio desses comerciantes é situado pelo autor na virada do séculoXIX para o XX, quando a casa comercial

monopolizava a navegação e o comércio de importação e exportação demercadorias; at ravés do crédit o, f inanciava a exploração de novasat ividades econômicas em Mato Grosso ou a expansão das existentes,aproximando-se, em seu funcionamento, do próprio banco; f inalmente,começava a part icipar diretamente da produção, arrendando e comprandoterras para ext rair a borracha e explorar a pecuária extensiva (ALVES,1984, p. 31-32; grifo do original).

O domínio das casas comerciais seria contudo desaf iado, segundoo autor, pela ent rada em cena, exatamente nessa época, do capi t alf inanceiro internacional, isto é, o capit al monopol ist a, t ípico da nova

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fase em que então ingressava o capital ismo em escala mundial (o impe-rialismo).

Inicialmente, o capital f inanceiro teria ut il izado como “ canal” aspróprias casas comerciais, que se tornam então “ representantes” (istoé, intermediárias) de bancos “ nacionais e est rangeiros” (op. cit . , p. 39).Logo em seguida, ent retanto, esse capital se faria diretamente presentena região, por meio de “ empresas de produção e de t ransporte” (p. 40).Com isso se desgastaria o poderio das casas comerciais, que se veriamexcluídas dos circuitos de produção e comercialização das empresaspertencentes ao capital monopolista (p. 49). Torna-se a part ir de entãodesnecessária a existência de uma classe de “ capitalistas mato-gros-senses” , e “ j á não mais surgem burgueses nacionais” (p. 43). Nos quadrosda “ divisão internacional do t rabalho” , o imperialismo teria imposto aMato Grosso uma “ divisão regional” pela qual a “ vocação natural” daregião residiria simplesmente na exportação de gado bovino em pé, oque, na prát ica, “ est rangulou o incipiente processo de diversif icação daprodução” e “ terminou por dest ruir em def init ivo os últ imos focos depoder da casa comercial” (p. 54).

A esse raciocínio geral, o autor acrescenta ainda uma out ra idéiamuito importante em seu esquema: a economia mato-grossense teriasido obj eto de uma disputa ent re dois diferentes “ pólos” imperialistas:um situado na região plat ina e o out ro no “ eixo São Paulo-Santos” (op.cit . , p. 65). Desde o início do século XX, escreve Alves, vinha se desen-volvendo em Mato Grosso a indúst ria do charque, por meio de “ empresasmonopolistas” que t inham suas sedes em Buenos Aires ou Montevidéu,isto é, os cent ros que efetuavam a “ mediação ent re a produção mato-grossense e o capital f inanceiro de origem inglesa” (p. 64-65). Ent retanto,“ grupos monopólicos sediados em São Paulo” adquiriam terras em MatoGrosso e começavam a invest ir no melhoramento do rebanho bovino daregião, o que passava a “ tornar viável seu aproveitamento indust rial nosfrigoríf icos de São Paulo” ; nessa compet ição, os frigoríf icos teriam levadoa melhor, provocando “ a decadência e sucessiva estagnação da indúst riado charque, depois de 1925” (p. 66). O t ransporte do gado (isto é, amatéria-prima supostamente subt raída às charqueadas para ser enca-minhada aos frigoríf icos) se faria, conforme o autor, pela est rada de ferroNoroest e do Brasi l , que, inaugurada em 1914, l igava o sul de Mato Grossoa Bauru (SP) e daí às cidades de São Paulo e Santos. Desse modo, o

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“ assalto f inal” do imperialismo contra as casas comerciais mato-grossensesteria part ido do “ pólo imperialista” de São Paulo e consist iria na “ redede t ransportes” que os “ grupos monopólicos sediados em São Paulo im-puseram” a Mato Grosso. A inauguração da Noroeste teria sido o “ mo-mento culminante” dessa rede, a qual logo se consolidaria “ com asest radas de rodagem que alimentavam essa ferrovia” . Desse modo, aferrovia e as rodovias “ venceram os rios” , e o resultado dessa luta teriasido expresso, por um lado, no desenvolvimento da cidade de CampoGrande (situada sobre a ferrovia) e, por out ro, na decadência de Corumbá,pólo do comércio f luvial (p. 70).

Embora conceda um peso importante às questões relacionadas àindúst ria do charque, é, contudo, no âmbito da economia ervateira queAlves situa a “ expressão mais elaborada” das “ cont radições existentesent re a casa comercial e as empresas monopólicas” . Ele de fato aponta,como uma das empresas do “ capital f inanceiro” , a Companhia Mate La-ranj eira, organizada no início dos anos 1890 sob o domínio acionário doBanco Rio e Mato Grosso, comandado pela oligarquia mato-grossensedos Murt inho (Joaquim e seus irmãos). Como det ent ora do virt ualmonopólio dos ervais nat ivos do ext remo sul do estado (onde chegou acont rolar, mediante arrendamento, cerca de 5 milhões de hectares deterras devolutas), a Companhia, segundo o autor, t inha cont ra si oscomerciant es pelo f at o de que, por seu poder io, ela prescindiatotalmente de intermediários em suas operações, tanto indust riais quantocomerciais. Nesse confronto, prossegue Alves, ent rariam como “ massade manobra” os milhares de migrantes que chegavam à região e seestabeleciam, como posseiros, na área da concessão ervateira (t ratava-se no caso, maj oritariamente, de migrantes vindos do Rio Grande doSul, principalmente em decorrência da Revolução Federalista de 1893-95). Com o obj et ivo de “ retalhar” os ervais nat ivos e ent regá-los aprodutores pequenos e médios, que então cairiam sob sua dependência,os comerciantes teriam portanto buscado ut il izar a seu favor os choquesent re a Companhia e os posseiros (ALVES, 1984, p. 51-54).

No curso desses conf litos, conhecidos como a “ questão do mate” ,embora a Companhia t enha logrado garant ir o direit o de cont inuararrendando uma extensa área, os posseiros igualmente obt iveram, porlei, o direito de adquirir suas glebas, mediante compra ao Estado (1915).Para Alves, contudo, tal lei, embora aparentemente consist isse numa

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“ vitória dos pequenos posseiros” , teria representado, na verdade, umavit ória da empresa: na medida em que ela cont rolava os meios det ransporte necessários à comercialização da erva, os posseiros teriamsido obrigados a “ girar sob a órbita” da Companhia, como fornecedoresde erva e mesmo como “ reserva de mão-de-obra” . Desse modo, uma vezque não levou à eliminação pura e simples da empresa, “ a solução da‘ questão do mate’ correspondeu a uma derrota para os comerciantes”(op. cit . , p. 53-54).

Em decorrência de tudo isso, enf im, de acordo com o autor, em f insda década de 1920 “ estava bastante avançado o processo que t ransformouos comerciantes mato-grossenses em proprietários de estabelecimentospuramente comerciais e/ ou de fazendas de criação de gado” ; na mesmaépoca, “ Mat o Grosso, em correspondência, assumira sua ‘ vocaçãoeconômica’ ” , voltando, agora sob a “ hegemonia plena” do capital f i-nanceiro, a “ pautar-se por sua condição de região basicamente expor-tadora de gado bovino em pé” (op. cit . , p. 72-73).

Alves se equivoca, a meu ver, ao tentar aplicar direta e imediatamente,à história mato-grossense/ sul-mato-grossense, conceitos derivados daanálise do capitalismo em escala global – desprezando, em grande medida,as mediações ent re as determinações universais e as especif icidadesnacionais e regionais. Desse modo, pode-se dizer que estamos aqui emface de um dos “ mecanicismos e reducionismos economicistas” apontadospor Emília Viot t i da Costa como cont rafações do materialismo histórico(COSTA, 1994, p. 12), ou, em outras palavras, um dos “ delírios oniscientes”que, de acordo com Fragoso e Florent ino, costumavam acometer a HistóriaEconômica, levando-a a acreditar que podia “ tudo explicar e determinar”– ao preço, contudo, de se afastar “ da história, dos historiadores e doshomens” (1997, p. 36).

De fato, o desenvolvimento da ref lexão historiográf ica, sobretudono últ imo quartel do século XX, tornou ext remamente problemát icasalgumas das ant igas pretensões do materialismo histórico. Por out raparte, conforme também assinala Costa, as crít icas ao materialismo,embora inicialmente válidas, “ f reqüentemente levaram a um total sub-j et ivismo, à negação da possibil idade de conhecimento e até mesmo aoquest ionamento dos limites ent re história e f icção” (COSTA, 1994, p. 12-13). Nesse contexto, penso que essa autora está correta ao postular“ uma nova síntese” , que sej a “ cent rada na teoria da práxis enriquecida

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pelas novas experiências” e t rate de evitar “ todas as formas de redu-cionismo e reif icação, sej am eles econômicos, l ingüíst icos ou culturais”(COSTA, 1994, p. 13 e 26; v. tb. ARRUDA, 1996). Com efeito, como notaout ro autor, “ as ciências sociais, ent re elas a história, não estão conde-nadas a escolher ent re teorias deterministas da est rutura e teorias vo-luntaristas da consciência” (CARDOSO, 1997, p. 23).

Em meu entender, por tais caminhos pode-se efet ivamente almej ar“ a const rução de uma história econômica sut il e complexa” , a qual,embora se mantenha “ sempre referida a uma totalidade” , renuncie aoscitados “ delírios oniscientes” para incorporar inclusive referenciais alémdos “ puros” mecanismos econômicos (cf . FRAGOSO; FLORENTINO, 1997,p. 35). De fato, t ratando-se especialmente do caso de Mato Grosso/Mato Grosso do Sul, isto é, áreas fronteiriças, creio ser possível af irmarque nada se poderá compreender de sua história caso se deixe de levarem conta, por exemplo, a forte dimensão polít ica de muitos dos principaiseventos e processos que ali t iveram (e ainda têm) lugar6.

Tendo tudo isso em vista, e passando à análise do caso específ ico emquestão, acredito ser inegável a importância que teve, para as t rans-formações econômicas ocorridas em Mato Grosso/ Mato Grosso do Sul, aabertura da navegação pelo rio Paraguai. Tal abertura, e a conseqüentevinculação com os circuit os comerciais plat inos, foi, com efeit o, aresponsável direta pelo início das at ividades de natureza indust rial naregião correspondente ao atual Mato Grosso do Sul, a saber, as charquea-das e a indúst ria ext rat iva de erva-mate. A exploração dos ervais nat ivosdo SMT (que consist ia na ext ração, propriamente dita, e no primeiro be-nef iciamento da erva, chamado cancheament o) se fez em função domercado argent ino, que absorvia quase a totalidade da produção; oempresário Tomás Laranj eira, sucedido pela Companhia Mate Laranj eira,atuava em associação, formal ou informal, com estabelecimentos situadosem Buenos Aires, encarregados do beneficiamento f inal do produto e sua

6 Para f icar só no período após a Independência, vale lembrar, com Moraes, que a idéia decont rolar o t errit ório, e assim “ const ruir o país” , “ atuou como fort e cimento namanutenção da unidade e integridade da ant iga colônia” ; pelo “ proj eto nacional” assimdelineado, t ratava-se de “ const ruir a nação na expansão territ orial” , com o que sej ust if icava, ao mesmo tempo, “ o Estado forte e cent ralizador” que deveria “ conduzir ecomandar o processo” (2005, p. 140).

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colocação no mercado (v. CORRÊA FILHO, 1926). Também a produção decharque, impulsionada ainda no século XIX por empresários plat inos, tomoumaior impulso, na primeira década do século XX, mediante invest imentosprincipalmente de capitais provenientes do Uruguai.

No entanto, a meu ver, Alves superest ima, tanto quant itat iva quantoqualitat ivamente, as t ransformações verif icadas após a liberação da nave-gação – e, no mesmo passo, supervaloriza também os papéis desempe-nhados tanto pelo capital comercial quanto pelo “ capital f inanceiro” .

É certo que, no tocante àquelas t ransformações, os exageros nasapreciações efetuadas pelo autor podem ser at ribuídos, em parte, à forteimpressão causada pelo cont raste ent re os contextos anterior e posteriorà abertura da navegação7. Na verdade, o dinamismo econômico reveladoapós a abertura foi muito modesto, e somente adquire certa signif icaçãono confronto com a modést ia, ainda maior, dos padrões da economia mato-grossense no período anterior8. De fato, na avaliação de Garcia, a “ fortepresença do capital mercant il” em Mato Grosso, após a Guerra do Paraguai,decorria na verdade, “ em larga medida” , das polít icas do governo cent ral,que isentou temporariamente de impostos o comércio mato-grossense eefetuou na província vultosos gastos militares (GARCIA, 2001, p. 122). Assim,como notou Borges, até o f inal do século XIX o valor das importaçõesrealizadas por Mato Grosso superava, em muito, o valor das exportações,de modo que ainda então (mesmo ressalvando-se a costumeira prát ica docont rabando) essa economia dependia, para sustentar-se, dos recursosremet idos pelo governo cent ral. Assim, foi apenas ao longo dos anos 1890que a “ relat iva estagnação produt iva de Mato Grosso” começou a sersuperada (BORGES, 2001, p. 44-46)9.

7 Nesse sent ido, tais apreciações exageradas foram, em determinados momentos e emvariados graus, compart ilhadas por out ros autores (dos quais, aliás, não me excluo).

8 De modo indireto e cont raditório, Alves parece admit ir tais exageros ao mencionar ocaráter l imitado da pauta de exportações de Mato Grosso, até o f inal do século XIX,mot ivo pelo qual era “ débil” a “ art iculação da região com os cent ros dinâmicos docomércio mundial” (p. 25-26).

9 Outra faceta daquela exagerada avaliação aparece na explicação de Alves para a presença,no ramo do t ransporte f luvial, de empresas ligadas (real ou supostamente) ao “ capitalf inanceiro” , as quais teriam cont ribuído para sufocar as casas comerciais ao ret irar delasuma das fontes de seu poderio, a saber, o “ monopólio sobre a navegação” . Na impossibilidadede t ratar dessa questão, nos limites deste texto, remeto o leitor a Queiroz (2004, p. 334-335); Souza (2001, p. 25-26); Reynaldo (2000, p. 96-118); Oliveira, 2005.

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Mas tais exageros decorrem também, por out ro lado, do afã de incluiras realidades da região nos esquemas teóricos adotados. Assim, combase nos poucos casos citados, referentes à “ implantação da indúst riamoderna na região” , o autor avalia, por exemplo, que Mato Grosso setornava uma “ grande frente de invest imentos” e estava j á então “ t ran-sitando do período manufatureiro para o da maquinaria indust rial” (p.23). Nesse contexto, o cont ingente de paraguaios que emigrou para MatoGrosso, após a guerra, chega a ser considerado um “ proletariado” , como“ necessário ant ípoda” dos capitais então igualmente encaminhados paraa província – quando, na verdade, esse cont ingente era formado, deacordo com uma fonte citada pelo próprio autor, por “ vivandeiros” queestavam, em sua maior parte, acostumados “ a viver da magra etapa dossoldados” brasileiros que ocupavam Assunção e que por isso os seguiramquando esses soldados, em 1876, foram removidos dali para Mato Grosso(apud ALVES, 1984, p. 22-23).

Já com relação ao domínio do capital comercial sobre o conj unto daeconomia mato-grossense, na época, pode-se dizer que essa é uma in-terpretação que encont ra apoio na historiografia (cf. CORRÊA, L. S., 1980,1999; GARCIA, 2001; BORGES, 2001). Mesmo assim, parece a meu ver não-demonst rada uma das principais premissas do pensamento de Alves, asaber, aquela segundo a qual as casas comerciais estariam promovendo umsaudável movimento de “ diversif icação da produção” (o que, no caso,explicaria a consternação com a suposta derrota que lhes teria sidoposteriormente imposta pelo “ capital f inanceiro” ). Garcia, por exemplo,vai no sent ido oposto, af irmando que, no período após a Guerra doParaguai, o capital mercant il “ não estava ancorado em uma at ividadeprodut iva forte, que lhe desse sustentação” (GARCIA, 2001, p. 122); assim,o autor menciona o “ quadro de at raso na at ividade produt iva” mato-grossense para dizer que, nesse contexto, “ o domínio do comércio sobrea economia provincial era sinônimo do seu at raso” (id., p. 100).

De fato, no tocante à citada “ diversif icação” aparecem, no esquemade Alves, a rigor, apenas as at ividades ext rat ivas (erva-mate e borracha).As at ividades indust riais propriamente consideradas “ modernas” (Des-calvados e as usinas de açúcar) são dadas como iniciat ivas alheias aocapital comercial, conforme j á visto. Já no que toca à produção decharque (vista como a principal possibil idade de Mato Grosso escapar dot riste lugar que lhe estaria reservado na “ divisão regional do t rabalho” ),

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seu desenvolvimento é explicitamente colocado, pelo próprio autor, comoum fruto de invest imentos de “ empresas monopolistas” l igadas ao “ póloimperialista” plat ino, como j á foi igualmente visto.

Desse modo, o que parece f icar claro é que o autor ideal iza a cate-goria dos “ comerciantes mato-grossenses” , isto é, o “ grande comerciantedos portos” (cf. ALVES, 2003, p. 78). Esse novo t ipo de comerciante, dizele, surgido em Mato Grosso após a abertura da navegação, correspondiaj á ao t ipo produzido pela Revolução Indust rial, isto é, pela era da ma-quinaria, e se sent ia portanto à vontade no novo contexto de mercadoriaspadronizadas, negociadas no “ abst rato mercado futuro” 10; cosmopolita,ele “ expressou, no plano polít ico, a sua forma universalista de conceber omundo e o homem” , compondo enf im uma categoria que teria sido“ marcada pelo universalismo e pelo engaj amento na luta pelo progressomaterial” (ALVES, 2003, p. 66-67; p. 78). Tal idealização fica especialmentecaracterizada quando se observa que as relações entre as casas comerciaise os produtores locais (e, na verdade, também os consumidores) situavam-se nos termos de uma dominação verdadeiramente odiosa. Assim, o próprioAlves menciona o “ domínio exercido sobre os produtores regionais,est reitamente dependentes das frotas das casas comerciais para efeitode abastecimento e de escoamento de seus produtos” , acrescentandoque o “ pronto atendimento ao produtor” era “ condicionado ao seu graude resistência às condições de compra e de t ransporte impostas peloscomerciantes” (1984, p. 51). Menciona também a “ ação implacável” dosmesmos comerciantes, ref let ida nos elevados j uros cobrados aos pro-dutores, a tal ponto que estes últ imos, segundo o autor, “ ansiavam” pelapresença de autênt icos bancos na região (1984, p. 39). Lúcia S. Corrêa,por sua vez, falando especif icamente de Corumbá, regist ra a prát icacostumeira, por parte dos comerciantes, do cont rabando, do açambar-camento de gêneros agrícolas, da sonegação de impostos e da especulação,inclusive com medicamentos, por ocasião das freqüentes epidemias quegrassavam na cidade (CORRÊA, L. S., 1980, esp. p. 82 e ss.)11.

10 O autor cont rapõe esse segmento aos comerciantes mato-grossenses de velho t ipo, istoé, o que ele chama “ comerciantes de f ísicos” , dependentes, para suas t ransações, dopresença f ísica das mercadorias.

11 Para uma ampla análise, não-idealizada, dos efet ivos contornos sociais das t ransformaçõesentão verif icadas em Corumbá, v. Souza, 2001.

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A idealização, com novas cont radições, aparece também em out rasformas pelas quais Alves caracteriza essas casas comerciais. Por um lado,são englobados num mesmo conj unto, sem dist inções, todos os pro-prietários de casas comerciais, fossem eles naturais da própria região ouest rangeiros chegados após a abertura da navegação (cf . ALVES, 2003, p.63) – o que const itui uma solução coerente com o método ut il izado peloautor, que valoriza o universalismo (representado neste caso pelo capital)em face do nacionalismo ou do regionalismo. Por outro lado, Alves postula,como vimos, um antagonismo ent re essas casas comerciais e o “ capitalf inanceiro” .

No entanto, tudo parece indicar que essas casas comerciais não foramsimplesmente um “ canal” inicialmente ut ilizado pelo capital internacionalmas sim, em boa parcela, manifestações plenas da presença desse capital.Embora tais casas não tenham sido ainda, infelizmente, obj eto de estudosacadêmicos aprofundados (cf . TARGAS; QUEIROZ, 2006), parece possívelext rair algumas conclusões a part ir das informações existentes acercadas datas de implantação desses estabelecimentos em Mato Grosso.

Dent re 34 casas comerciais com anúncios publicados no citado Albumgraphico (1914), pode-se ident if icar, pelos próprios anúncios, as datasdo estabelecimento de 22. Dessas, nota-se que nada menos que 12 foramfundadas ent re 1895 e 1912 – ou sej a, precisamente o período que,conforme se sabe e o próprio autor indica, corresponde à intensif icaçãoda presença do capit al est rangeiro na região. Ademais, essas casast razem, em sua maior parte, nomes caracterist ica ou declaradamenteest rangeiros (alemães, italianos e espanhóis): Stöffen, Schnack, Müllere Cia. (Corumbá, 1898)12; Victor Lasclotas (Porto Murt inho, 1898); Monaco,Piñon e Cia. (Corumbá, 1902); Feliciano Simon (Corumbá, 1907); ÂngeloRebuá e Irmão (Miranda, 1908); Joset t i e Cia. (Corumbá, 1909); RaphaelOrrico (Aquidauana, 1910)13.

12 Essa empresa estava presente também na Bolívia, tendo sua mat riz em Puerto Suárez ef il iais em várias out ras localidades (cf . Album graphico, anúncio da empresa na partefinal do volume).

13 Vale notar que também nas empresas fundadas antes de 1895, bem como naquelas para asquais não se indica a data de fundação, há várias com nomes de est rangeiros, isto é,alemães, italianos, espanhóis e também lusitanos.

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Desse modo, parece impossível separar tais casas do processo maisamplo que inclui a presença daquilo que o autor chama de “ empresas docapital f inanceiro” – restando, ao cont rário, aparentemente clara a ínt imavinculação desses comerciantes com a expansão (indust rial/ comercial)então empreendida por seus países de origem14. O processo, provavelmente,é um só, podendo-se supor que os comerciantes est rangeiros em MatoGrosso, nessa época, ligavam-se a esquemas similares aos indicados porTakeya com relação a uma casa comercial instalada por franceses no Ceará.Essa autora, de fato, ident if icou uma extensa rede de informações que,passando pelos círculos econômicos e governamentais da França, municiavaa montagem das “ casas comerciais que, de fato, viabilizaram a expansãocomercial francesa” (TAKEYA, 1992, p. 331-332).

No caso de Mato Grosso, tais raciocínios, ao que parece, poderiamser aplicados para explicar a presença tanto das casas alemãs como tambémas de out ros países, “ menores” . Nessa época, de fato, segundo Normano,“ a Alemanha estava lutando para penet rar [no mercado sul-americano]com o f im de dividir o mercado com os velhos fornecedores e clientes: aInglaterra e a França” ; “ part indo do sul” , a presença alemã estava se“ aproximando cada vez mais dos algarismos da Inglaterra na Argent ina,Chile, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia” (NORMANO, 1944, p. 22-23).“ Mas” , acrescenta o autor, “ as out ras nações” – “ tais como: Espanha,Portugal, Itália” – “ também lutavam para conseguir ent rar no mercado”(id., p. 22). A mesma idéia é ainda enfat izada pelo autor em out ro local,onde af irma: “ os vários rivais polít icos [da Grã-Bretanha] f izeram suaent rada no Cont inente – a nação francesa de rent iers e a Alemanha como seu estado indust rial. Mas havia ainda lugar bastante para os paísesmenores – a Bélgica15, a Holanda, a Espanha, a Itália” (id., p. 55).

Ademais, parece também problemát ica a suposição, implícita, deque os comerciantes const ituíam um conj unto homogêneo, capaz, por

14 Semelhante vinculação, na verdade, é apontada por Valmir Corrêa j á com relação aosprimeiros comerciantes a se instalarem em Mato Grosso após a abertura do rio Paraguai,ainda em f ins da década de 1850: a atuação de tais “ mascates f luviais” , “ em especialimigrantes europeus” , “ representou de fato o ponto f inal da cadeia imperialista, aoincorporar a distante província de Mato Grosso ao mercado dos produtos indust rializadosda Europa” (CORRÊA, V. B., 1999, p. 23-24).

15 A respeito dos peculiares interesses belgas na região, nessa época, ver Garcia (2005).

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exemplo, de atuar polit icamente como um bloco (o “ capital comercial” ).O equívoco, no caso, não estaria na operação de j untar numa mesmacategoria, como foi dito acima, os est rangeiros e os “ naturais da terra” .A ident idade de interesses ent re integrantes desses dois conj untos pa-rece não só possível como altamente provável – como, aliás, indica Hobs-bawm ao mencionar a presença, nos países periféricos, dos “ comerciantesagentes de potências est rangeiras – locais, importados da Europa ouambos” (1988, p. 99)16. Isso, contudo, não elimina a probabilidade daocorrência de conf l it os de interesses ent re os comerciantes (fossemeles est rangeiros ou nat ivos), de modo que, inclusive por esse mot ivo,diferentes comerciantes tenderiam a desenvolver diferentes relaçõescom as oligarquias polit icamente dominantes no estado.

Do mesmo modo, Alves superest ima também a presença (e conse-qüentes efeitos) do “ capital f inanceiro” na região17. Em seu ensaio, constauma longa relação de “ empresas ligadas diretamente ao capital f inanceiro,implantadas em Mato Grosso ent re 1891 e 1929” (p. 41-42). É uma listaque, à primeira vista, causa de fato uma certa impressão, tanto que opróprio Borges, que a reproduz, avalia que “ a presença do capital f inan-ceiro em Mato Grosso é inquest ionável e, com certeza, deve ter su-focado o capital mercant il local” (BORGES, 2001, p. 128). Penso, con-

16 Contudo, não deixa de ser interessante notar que Lúcia S. Corrêa assinala, no segmentodos comerciantes, o peso part icular dos est rangeiros, os quais, em vista de suascondenáveis prát icas (conforme j á visto), chegaram a ser obj eto de movimentos locaisde sent ido “ nat ivista” , de “ reação ao est rangeiro” , isto é, cont ra “ o rest rit o grupo deest rangeiros que cont rolavam o grande comércio de Corumbá” (CORRÊA, L. S., 1980, p.99). Takeya por sua vez menciona, no caso que analisou, “ protestos dos comerciantesnat ivos” com relação aos est rangeiros (1992, p. 333).

17 Na verdade, tal postura aparece j á quando, mencionando o processo de concent ração docapital, em escala mundial, o autor simplesmente subscreve a avaliação original de Lênin,concluindo que, “ num mundo já dominado pelos oligopólios, com a emergência do capitalismomonopolista” , j á “ não havia mais lugar para a lei da oferta e da procura, para a l ivreconcorrência, enf im” (cf . p. 23-24). Vej a-se, a propósito, a seguinte observação deHobsbawm: “ o cont role do mercado e a eliminação da concorrência const ituíam apenasum aspecto de um processo mais geral de concent ração capitalista, e não eram nemuniversais nem irreversíveis: em 1914 houve uma concorrência muito mais acentuadanos setores pet roleiro e siderúrgico norte-americanos do que houvera dez anos antes.Neste sent ido, é ilusório falar, em relação a 1914, daquilo que por volta de 1900 eraclaramente ident if icado como sendo uma nova fase do desenvolvimento capitalista, como‘ capitalismo monopolista’ ” (1988, p. 70).

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t udo, ser mais correto e produt ivo reter e destacar out ros aspectosassinalados pelo citado autor, em sua crít ica de algumas das proposiçõesde Alves. De fato, Borges observa que “ a presença direta do capital es-t rangeiro em Mato Grosso foi de duração limitada, pelo menos nos níveisext raordinariamente elevados dos anos que precedem a Primeira GuerraMundial” , o que “ se explica, af inal, pela própria expansão dos mercadosf inanceiros internacionais na década que precede a eclosão da PrimeiraGrande Guerra” ; concluindo, Borges assinala enfim que o capital f inanceiro“ não ‘ subst it uiu’ [ . . . ] as classes sociais internas: o crescimento do poderdos pecuaristas e de comerciantes de novas áreas expressa esse fato”(p. 129; grifo do original).

Em out ras palavras, parece possível dizer que Alves toma comoduradoura e definit iva uma presença que, na maior parte dos casos, foiapenas episódica e t ransitória, como especialmente no caso das váriasempresas ligadas à ext ração da borracha e à exploração de minérios (ouro,diamante e manganês). Assim, das 29 empresas que aparecem na referidalista, parecem ter subsist ido, na verdade, apenas 8 ou 9 (proprietárias defazendas estabelecidas no SMT com a f inalidade de explorar a pecuária),além da Companhia Mate Laranjeira (cujas eventuais ligações com o capitalf inanceiro precisam ainda ser, na verdade, melhor elucidadas).

Com relação especif icamente à economia ervateira, deve-se dizer quea proposição de Alves, acerca do apoio de representantes do capital co-mercial à tese do fracionamento dos ervais, apresenta efet ivos elementosde verossimilhança. Num art igo publicado no citado Album graphico, opolít ico mato-grossense Brandão Júnior, part idário desse fracionamento,defendia enfat icamente o papel que, nessa hipótese, seria exercido peloscomerciantes: “ A exportação compete ao comércio, a quem incumbe opapel de intermediário ent re o produtor e o consumidor. E no caso domate, o comércio, certo, não se deixará preterir, porque ninguém poderápreencher esta função com mais vantagem que ele” . Na verdade, a crerem Brandão Júnior, o interesse dos comerciantes estaria radicado maisprecisamente no mercado consumidor a ser criado pela renda provenienteda exportação da erva. Segundo esse autor, de fato, em casos como o domate “ o comércio limita-se, quase sempre, a um lucro muito insignificante,acont ecendo muit a vez não pret ender out ra recompensa além dofornecimento de mercadorias de consumo aos vendedores de produtos aexportar” (BRANDÃO JÚNIOR, 1914, p. 429).

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Isso evidentemente não deve signif icar, conforme j á assinalei hápouco, que se t ratasse aí de uma postura de “ bloco” , pela qual os co-merciantes, enquanto “ burguesia mato-grossense” , estariam confron-tando o “ capital f inanceiro” . O fato concreto é que o negócio da erva-mate era ext remamente lucrat ivo, especialmente para os padrões daépoca e do lugar, uma vez que o produto era de boa qualidade e o mercadoconsumidor forte e garant ido. Além disso (embora esse ponto, comotantos out ros, não estej a estudado), pode-se supor que ent re os própriosindust riais e dist ribuidores da erva-mate na Argent ina houvesse interesseem furar o “ bloqueio” ao mate sul-mato-grossense exercido pela com-panhia monopolista e seus associados portenhos18.

Sej a como for, o que me parece, por out ro lado, j á suficientementedemonst rado é que Alves subest ima o signif icado da presença de novosatores (os ex-posseiros) no universo ervateiro. Relat ivamente cedo, defato, a exportação da erva parece haver logrado emancipar-se da de-pendência dos esquemas de t ransporte monopolizados pela Companhia,por meio de uma curiosa (e, até certo ponto, inesperada) conexão ent rea est rada de ferro Noroeste do Brasil e a navegação do rio Paraguai. Comefeito, j á em 1930 o presidente do estado menciona o vulto da exportaçãode erva-mate at ravés da ferrovia: o mate, diz ele, vem “ em caminhões dePonta Porã para Campo Grande, donde é conduzido pelos t rens da Noroesteaté Porto Esperança [no rio Paraguai] e aí embarcado para o Rio da Prata.Embora não sej a esse o caminho mais curto, é o preferido por ser o maiseconômico” (apud QUEIROZ, 2004, p. 420; “ mais econômico” , entenda-se, em face da impossibilidade de se recorrer aos circuitos monopolizadospela Companhia, que j á nessa época ut ilizava o rio Paraná, acima e abaixodas Sete Quedas, como sua rota de exportação). Assim, os t ransportes deerva-mate efetuados pela ferrovia giraram, na segunda metade da décadade 30, em torno de um terço do total da produção exportada por MatoGrosso (QUEIROZ, 2004, p. 420)19.

18 Vale lembrar que a Argent ina, o grande mercado consumidor da erva-mate, não possuíasenão uma pequena extensão de ervais nat ivos, e até pelo menos a década de 1930dependia quase totalmente da importação (FIGUEIREDO, 1968).

19 Sobre esse assunto, ver também Jesus (2004).

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Ademais, o espaço da Companhia Mate cont inuou a ser cada vez maisrestringido, devido, entre outras coisas, à ação do Estado nacional brasileiro– movido, no caso, por preocupações que se inscrevem tanto no âmbitoda economia quanto no da polít ica (cf. LENHARO, 1986). Em sua polít icade “ nacionalização das fronteiras” , parte da chamada “ Marcha para Oeste” ,o Estado Novo de Vargas recusou-se a renovar os arrendamentos da Com-panhia. Ao mesmo tempo, com a criação, em 1938, do Inst ituto Nacionaldo Mate, os produtores independentes foram est imulados a se organizaremem cooperat ivas e passaram a contar (em medida ainda a ser melhoravaliada) com financiamento e assistência técnica estatais. Desse modo,sabe-se que, a part ir de f ins dos anos 1940, a Companhia deixou a cenaprincipal e esses produtores assumiram na prát ica a operação da economiaervateira (cf. SALDANHA, 1986).

Resta enfim a analisar os elementos do esquema de Alves que parecemter alcançado maior poder de disseminação, isto é, aqueles referentesao suposto “ assalto f inal” cont ra o poder da “ burguesia comercial mato-grossense” , com seu pretenso efeito de “ est rangular” a diversif icaçãoprodut iva então ensaiada. Como j á foi dito, o autor at ribui à Noroeste(dada como um “ tentáculo” do “ pólo imperialista” situado no sudestebrasileiro) o papel de algoz das perspect ivas de desenvolvimento autô-nomo da região. Para o autor, a Noroeste teria sido pensada e const ruídacom a f inalidade principal de prover matéria-prima (gado bovino) aosfrigoríf icos instalados em São Paulo pelo capital f inanceiro, o que teriadecretado o fracasso da tentat iva de indust rialização local representadapelas charqueadas. Um eloqüente indício de como tais af irmações deAlves cont inuam a ser apreendidas pode ser encont rado em uma recenteobra, onde se lê o seguinte:

com a instalação da Ferrovia Noroeste do Brasil, ligando o centro industrialem pleno desenvolvimento (São Paulo) e o Mato Grosso [ . . . ] , o domíniomonopolista sobre a região t ransfere-se da região plat ina para o Sudestebrasileiro. Verif ica-se, neste período, a falência das empresas de charqueda região. O interesse do monopólio agora é pelo gado em pé, t ransportadopela ferrovia Noroeste do Brasil para ser abat ido nos frigoríf icos instaladosem São Paulo (MORETTI, 2006, p. 26).

Compreende-se que, no t rabalho acima citado, tais temas, conformeobservei de início, f iguram apenas como elementos de composição deum “ quadro abrangente” no qual o autor busca situar seu obj eto precí-puo, que é inteiramente out ro.

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Tais afirmações, contudo, foram já largamente refutadas por pesquisasrealizadas ao longo da década de 1990. Em primeiro lugar, não é possívelat ribuir à const rução da Noroeste um sent ido puramente econômico. Emdois t rabalhos (concluídos um em 1992 e o out ro em 1999, depoispublicados, respect ivamente, em 1997 e 2004), creio haver demonst radoque os interesses econômicos imediatos, l igados à movimentação demercadorias ent re São Paulo e Mato Grosso, não eram suficientes paraexplicar a const rução dessa est rada. Na verdade, os eventuais efeitoseconômicos da ferrovia apareciam, na época, claramente subordinados ainteresses polít ico-est ratégicos do Estado nacional brasileiro (tanto queseu t recho sul-mat o-grossense foi, desde o início, est at al , ist o é,pertencente à União). O que se buscava era, essencialmente, uma ligaçãodireta ent re a fronteira sul-mato-grossense e o litoral at lânt ico brasileiro,de modo a se poder dispensar a via plat ina de acesso a Mato Grosso – aqual dependia do t rânsito por dois países est rangeiros (o Paraguai e aArgent ina) com os quais o Estado brasileiro mant inha relações nem sempreamigáveis e j amais confiáveis. Desse modo, o fato de a ferrovia haveratuado de modo poderoso no enfraquecimento da via plat ina const itui,antes de qualquer coisa, a própria concret ização, em termos econômicos,de seu sent ido polít ico-est ratégico: ela deveria ser, como foi, um “ dreno”do t ráfego efetuado pela calha do rio Paraguai, de modo a “ nacionalizar”(direcionando-as para o sudeste brasileiro) as l igações econômicas epolít icas mato-grossenses.

Outro equívoco consiste em afirmar que as charqueadas mato-gros-senses teriam ent rado em “ falência” após a década de 1920. Em primeirolugar, o processo de melhoramento do rebanho bovino mato-grossense,que poderia torná-lo apto ao aproveitamento nos frigoríf icos paulistas,embora se tenha de fato iniciado na segunda década do século XX, nãoteve cont inuidade, sendo retomado, de modo signif icat ivo, apenas a part irda década de 1950 (QUEIROZ, 2004, p. 482-484). Assim, durante a primeirametade do século, a Noroeste prat icamente não t ransportou gado gordo(isto é, pronto para o abate) de Mato Grosso para São Paulo. Ao cont rário,os animais exportados pela via ferroviária se dest inavam às invernadassituadas no oeste paulista, de onde, aí sim, seguiam para o abate nosfrigoríf icos (na verdade, dado o valor relat ivamente baixo do gado, a maiorparte cont inuou a ser exportada no velho sistema das boiadas; cf. QUEIROZ,2004, p. 395-411; LEITE, 2003).

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O mais importante a esse respeito é que, conforme assinala Nasci-mento, não se verif icou a alegada falta de matéria-prima, que teria sidoresponsável pela suposta falência das charqueadas (NASCIMENTO, 1992,p. 37-38). É certo que, como apontou Suzigan, a rápida expansão donúmero de frigoríf icos instalados no Brasil, durante a Primeira GrandeGuerra, produziu, logo em seguida, uma séria crise de abastecimento dematéria-prima:

A capacidade de abate total dos frigoríf icos estabelecidos em 1918-1919 j á excedia a uma taxa razoável de desfrute, tendo em conta otamanho do rebanho brasileiro [. . . ] . De fato, j á durante os anos de guerraestava ocorrendo um excesso de abates, o que acarretaria grave crisena indúst ria de carnes em f ins da década de 1910 e início da de 1920(SUZIGAN, 2000, p. 359).

Contudo, essa carência não se verif icou no tocante às charqueadasmat o-grossenses. No caso, parece bast ant e claro que a dist ânciafuncionou como um mecanismo de proteção desses estabelecimentos.Ao cont rário dos f rigoríf icos, essas charqueadas (al iás muit o menosexigentes que os primeiros, no tocante à qualidade da matéria-prima)contavam com um suprimento de gado abundante e próximo. Dessemodo, não foi por acaso que, de todas as charqueadas instaladas nessaépoca no SMT, foram aquelas do Pantanal as que t iveram especial fortuna:é que elas, mais que as situadas no planalto da bacia do Paraná, estavamprotegidas, pela enorme distância (muit o superior a 1.000 km), daconcorrência que lhes podiam fazer os frigoríf icos, na busca pela matéria-prima (cf . QUEIROZ, 2004, p. 481). Enf im, os dados disponíveis a esserespeito (v. tabela ao f inal deste texto) indicam que, ent re o f inal dadécada de 1910 e o início da seguinte, a exportação mato-grossense decharque aumentou, ao invés de diminuir.

Em resumo, pode-se dizer que as charqueadas t iveram um importantepapel na economia sul-mato-grossense ainda nas t rês décadas seguintes.Nesse período, de fat o, de acordo com Nasciment o, t ais empresasdispuseram de condições de desenvolvimento bastante favoráveis, e che-garam a alcançar uma “ grande prosperidade” , evidenciada pelo “ aumentodo capital, instalações e aparelhagens de algumas delas” (NASCIMENTO, p.59). O autor most ra também que o mercado consumidor cont inuou f irme,const ituído, essencialmente, pelo mercado interno brasileiro (p. 73). Dessemodo, foi apenas na década de 1950 que se ext inguiu o espaço econômico

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das charqueadas mato-grossenses: “ pressionadas pela concorrência e peloMinistério da Agricultura” , elas t rataram de modernizar-se, de modo que,“ na década de 60, as indúst rias que ainda sobreviviam com o nome decharqueada, no estado de Mato Grosso, prat icamente j á haviam sedescaracterizado como tal; eram estabelecimentos em vias de t ransformar-se em frigoríf icos, e isso, geralmente, ocorreu na década de 70” (NAS-CIMENTO, 1992, p. 47-50 e 173).

Vale notar que, buscando last rear sua tese, Alves lança mão de umargumento aparentemente muito lógico, a saber: o fato de a ferrovia cobrar,para o t ransporte do charque, tarifas muito maiores que aquelas cobradaspara o t ransporte de gado vivo (sendo que o produto indust rializado per-mit ia o “ pleno esgotamento da capacidade de t ransporte de um vagão decarga, enquanto o t ransporte de gado em pé se revelava permanentementeocioso” ). Para Alves, essa polít ica correspondia simplesmente a “ mais uminst rumento do capital monopolista, para realizar a divisão regional dot rabalho que lhe interessava” (ALVES, 1984, p. 68-69). Na verdade, en-t retanto, esse suposto “ paradoxo” decorria da aplicação de um princípiouniversal de tarifação ferroviária, pelo qual os fretes eram cobrados naproporção direta do valor de cada mercadoria (QUEIROZ, 2004, p. 249-250). Além disso, não é certamente necessário recorrer a t ramas impe-rialistas para se encont rarem pressões adicionais cont ra as tarifas, j á nor-malmente baixas, do gado em pé. Para isso bastavam, com sobras, os in-teresses imediatos dos pecuaristas, os quais, como integrantes das classessociais dominantes (especialmente em Mato Grosso), dispunham de forçapolít ica suficiente para garant ir fretes irrisórios, ainda que à custa dosucateamento das ferrovias (QUEIROZ, 2004, p. 260-266, 272-278). A im-pert inência desse argumento manifesta-se, enfim, na elevada proporçãoem que a produção mato-grossense de charque foi sempre t ransportadapela via férrea, desde o início da década de 1920, a demonst rar que osfretes cobrados não eram, de modo algum, espoliadores dessa indúst ria(QUEIROZ, 2004, p. 411-415; Nascimento, p. 89-91).

Finalmente, cabe notar que a supervalorização de mecanismos dire-tamente econômicos não exclui, no esquema analisado, o recurso a uma“ visão conspirat iva” da história. Assim, a “ divisão regional do t rabalho” ,a que alude Alves, deixa de ser vista como o resultado das complexasinterações ent re a economia mato-grossense e o restante da economiabrasileira para ser simplesmente at ribuída a uma deliberada “ est ratégia

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de produção de alimentos para o abastecimento dos cent ros econômicosmais dinâmicos do Cent ro-Sul do país” (p. 57) – algo, portanto, como umverdadeiro “ complô” cont ra o desenvolvimento diversif icado e autônomode Mato Grosso20.

Desse modo, Alves coloca indiretamente a idéia de que somentemantendo-se vinculada aos circuitos plat inos a indúst ria mato-grossensedo charque teria perspect ivas de manter-se. Em sua visão, apenas para o“ pólo imperialista” do sudeste as charqueadas apareciam como compe-t idores a eliminar, uma vez que disputavam as mesmas fontes de matéria-prima. Na perspect iva do “ pólo plat ino” , ao contrário, elas apareciam comoum setor, de certo modo, “ complementar” , na medida em que nãocompet iam pela matéria-prima com os frigoríf icos instalados no Prata eatendiam a um mercado que esses (após haverem promovido, por sua vez,a liquidação das charqueadas plat inas) haviam deixado de lado, isto é, omercado específ ico do charque, ainda extenso em países como Cuba e opróprio Brasil (ALVES, p. 63-64). Desse modo, pode-se dizer que Alvespropõe uma alternat iva que, embora inverif icável, aparece, no conj untode seu esquema, com um alto poder de sugestão: t rata-se da idéia deque, na ausência da Noroeste, vale dizer, na ausência da integraçãosubordinada à economia paulista, a economia mato-grossense teria t idocondições de desenvolver-se de forma mais diversif icada, escapando à“ vocação” de exportadora de gado magro.

A esse respeito, vale inicialmente lembrar a consistente refutaçãode Wilson Cano à tese do assim chamado “ imperialismo interno” , quesupostamente teria sido exercido pela região-pólo brasileira em seubenefício e em det rimento das regiões periféricas. Como se sabe, Canoenfat iza, ao cont rário, os complexos mecanismos histórico-econômicosque permit iram à economia de São Paulo a conquista da posição de pólo(CANO, 1977, 1985). Além disso, a integração com o pólo não liquidou ascharqueadas mato-grossenses, como imagina Alves. Finalmente, convémassinalar uma cont radição nos raciocínios analisados: pelo que havia sido

20 Um raciocínio semelhante é efetuado pelo autor com relação ao dest ino da economiaaçucareira em Mato Grosso. Neste t rabalho, contudo, deixo de analisar esse caso, tantopelas limitações de espaço como pelo fato de ele estar mais diretamente relacionado coma porção norte da região considerada.

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af irmado, a vít ima do “ assalto f inal” teriam sido os “ comerciantes mato-grossenses” ; segundo o próprio Alves, ent retanto, como foi dito, quemexplorava as charqueadas na região não eram os comerciantes mas sim“ empresas monopolistas” vinculadas ao “ pólo plat ino” (cf . p. 64-65).

Buscando avançar no propósit o de cont r ibuir para um melhorconhecimento da história econômica de Mato Grosso/ Mato Grosso doSul, creio ser possível dizer que, numa visão de conj unto, a vinculaçãocom o sudeste brasileiro (vale dizer, com o mercado interno em formação)const itui, para a economia mato-grossense/ sul-mato-grossense, um im-portante dado desde o início da efet iva presença luso-brasileira nesseespaço, ainda no século XVIII. Ent retanto, devido à especif icidade dosrecursos naturais da região e a peculiar disposição de sua rede hidro-gráf ica, a integração com o sudeste pôde ser desaf iada pela alternat ivada vinculação direta com out ros mercados, mediante o t rânsito pelosrios Paraguai e Paraná e pelo estuário do Prata.

Tal vinculação, como j á assinalei, foi diretamente responsável peloinício das indúst rias do charque e da erva-mate. Na ausência, contudo,de um mercado consumidor signif icat ivo, a implantação desses ramosdecorreu simplesmente de “ uma específ ica dotação local de recursosnaturais ou de uma at ividade agrícola ou pecuária de longa data implantada”na região, conforme a conhecida conceituação de Cano. Esse autor citaos ramos do charque e da erva-mate, e, embora não se ref ira espe-cif icamente ao caso mato-grossense, suas observações valem também paraesse caso: ainda que tais at ividades pudessem dar a impressão de umacerta “ concent ração” indust rial em termos regionais, diz ele, “ esse t ipode concent ração pouco tem a ver com uma dinâmica indust rial própria” ;em out ras palavras, eram at ividades que “ pouco t inham a ver, efet i-vamente, com a base e dimensão de seus próprios mercados locais” ,estando, ao cont rário, “ voltadas basicamente para ‘mercados externos’ ,do exterior ou do resto do país” (CANO, 1977, p. 113).

Tal “ dinâmica indust rial própria” , de fato, parecia notavelmenteausente na região, pelo menos até a segunda metade do século XX. Essaconstatação, todavia, não elimina, ou não deveria eliminar, o interessepelo conhecimento mais aprofundado da t raj etória desses ramos e suasevent uais vinculações com out ros set ores da economia sul -mat o-grossense. Tal interesse, a meu ver, é aconselhável em vista da própriaduração dessas at ividades: a indúst ria do processamento da carne bovina

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na região tem suas origens, embora modestas, j á na década de 185021; aeconomia ervateira, por sua vez, teve seus inícios, igualmente modestos,logo após o f inal da guerra com o Paraguai e perdurou, como uma at ividadeimportante, até meados da década de 1960 (cf . JESUS, 2004).

Numa perspect iva de longo prazo, assim, torna-se prat icamenteirrelevante a oposição ent re capitais nacionais e est rangeiros. A presençadesses últ imos não levou, como se poderia dramat icamente supor, a umadesnacionalização da economia regional, nem inviabil izou a “ diversi-f icação” da produção.

A indúst ria da carne, por exemplo, superou a dependência das vin-culações plat inas, que haviam presidido a seu início, e adaptou-se per-feit amente à nova conf iguração dos t ransportes iniciada com a cons-t rução da ferrovia – passando, aliás, às mãos de capitais locais (inclusive,especif icamente, o “ capital comercial” ). Desse modo, a rigor, não háque se falar, a esse respeito, em “ decadência” , nem na década de 1920nem depois. Torna-se mais interessante e produt ivo examinar, ao con-t rário, as t ransformações que cont inuavam a ocorrer no mercadonacional e mundial e como elas se conj ugaram às condições locais paraproduzir novas t ransformações. Isso foi o que procurou fazer o t rabalhode Luiz M. do Nascimento, o qual most ra que, na década de 1920,ocorreu o início de uma nova f ase da indúst ria charqueadora de MatoGrosso. O autor ident if ica os anos ent re 1922 e 1931 como o “ últ imoperíodo de instalação de charqueadas em Mato Grosso” – t ratando-se,agora, de estabelecimentos “ nascidos da iniciat iva de empresários mato-grossenses” , enquanto a presença est rangeira, até então hegemônica,começava a “ ref luir” (NASCIMENTO, 1992, p. 178 e 10-11). O autor most ratambém que “ boa parte” do capital invest ido nessa indúst ria, nessanova fase, “ veio do setor comercial” , sendo que, “ com muita freqüência,os própr ios charqueadores desenvolviam at ividades comerciais”(NASCIMENTO, p. 45). Finalmente, como j á foi visto, a part ir da décadade 1960 as ant igas charqueadas t enderam a t ransformar-se em f ri-goríf icos.

21 Conforme nota Wilcox (1992, p. 103), uma incipiente produção de charque paraexportação, por iniciat iva dos próprios fazendeiros, teve início logo após a abertura dorio Paraguai.

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Nessas circunstâncias, af iguram-se muito promissores dois inst ru-mentais de análise lembrados por Suzigan: a “ teoria do crescimentoeconômico induzido por produtos básicos” , de Watkins, e a abordagemdos “ encadeamentos generalizados” (general ized l inkage), proposta porHirschman. Nos dois casos, conforme destaca Suzigan, a abordagem é“ essencialmente a mesma” :

Ela descreve o processo de desenvolvimento econômico no períodode crescimento voltado para a exportação, ou a experiência de cres-cimento de um país novo a part ir de um produto básico de exportação,nos termos dos efeitos de encadeamento (l inkage ef fect s) ou dos efeitosde expansão (spread ef fect s), derivados das exportações de produtosbásicos (SUZIGAN, 2000, p. 70).

Desse modo, t rata-se de examinar, com relação a um determinadogênero básico, “ sua capacidade de induzir invest imentos no mercadointerno pela demanda de fatores e insumos intermediários para suaprodução” , examinando-se a dist ribuição da renda proveniente da ex-pansão desse gênero e também a “ possibil idade de processamento ul-terior” do mesmo gênero. Como enfat iza Suzigan, tal abordagem, porser “ aplicável a qualquer produto básico” , “ aj uda a entender as diferençasno desenvolvimento econômico (part icularmente indust rial) das dife-rentes regiões (ou países) durante o período de crescimento voltadopara a exportação” (SUZIGAN, p. 70, 72).

Penso que tal abordagem pode ser especialmente út il para o exameda economia ervateira. Nessa economia, de fato, o período de “ cres-cimento voltado para a exportação” prolongou-se até meados da décadade 1960, quando a Argent ina (principal e quase único consumidor domate sul-mato-grossense) encerrou def init ivamente suas importações(cf. SALDANHA, 1986). Assim sendo, a abordagem pode abranger tanto operíodo de predomínio absoluto da Companhia Mate Laranj eira quantoo período posterior, caracterizado pela presença das cooperat ivas deprodutores. É claro que, no tocante à Companhia, parece especialmentetentador considerá-la como um mero enclave, visto que ela ut il izavapessoal maj oritariamente est rangeiro (migrantes paraguaios)22, dest inavaao exterior sua produção, possuía seus próprios esquemas de t ransporte

22 A esse respeito, ver Wilcox (1993).

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e comercialização etc. Creio, no entanto, que esse não deve ser o pontode part ida de uma análise. Note-se por exemplo que, pelo que diz ahistoriograf ia, essa empresa pagava impostos numa ínf ima proporção deseus rendimentos, de modo que, por esse critério, ela não poderia servista como o t ípico enclave de propriedade est rangeira (t ipo esse queconst itui, como nota Hirschman, “ an obvious and comparat ively easyt arget of t he f iscal aut horit ies” , cf . 1981, p. 67). Penso portanto queexiste um campo aberto à invest igação das eventuais relações ent re aempresa e produtores locais de gêneros aliment ícios e out ros, bem comoo eventual fornecimento, a terceiros, de gêneros de consumo importadospela Companhia.

A possibil idade da ocorrência de encadeamentos, contudo, é certa-mente muito maior no período seguinte. Na verdade, a própria presençado Estado, conforme j á indicado, parece const it uir um encadeamentoprodut ivo do t ipo externo, isto é, aquele relacionado, na conceituaçãode Hirschman, à ação de “ t he commercial and indust r ial classes, foreigninvest ors, or t he st at e” (1981, p. 80). Ademais, o ret raimento da Com-panhia, associado à expansão dos produtores independentes, certa-mente implicou numa desconcent ração da renda proveniente das ex-portações – conforme al iás é sugerido, j á em 1914, pelas palavras deBrandão Júnior (cit . ). Desse modo, pode-se supor um espaço, mesmoque modesto, para a ocorrência de l inkages de consumo, isto é, “ aindução a invest ir em indúst rias domést icas produtoras de bens deconsumo para os fatores empregados no setor exportador” (WATKINS,apud SUZIGAN, 2000, p. 71).

Além disso, como nota Hirschman, “ t he grower of t he st aple mayhimself become involved in t he more accessible nonindust rial forwardingoperat ions, such as t ransport at ion, commerce, and f inance” (1981, p.74). Tais operações, com efeito, podem ter sido assumidas, pelo menosem parte, pelos próprios produtores por meio de suas cooperat ivas (como que se teria, portanto, um l inkage interno, nos termos def inidos porHirschman); mas certamente não se poderia descartar a ocorrência detais encadeamentos do t ipo ext erno, isto é, a possibil idade de que agen-tes est ranhos às cooperat ivas, como os comerciantes locais ou regionais,tenham atuado, com certa importância, no t ransporte da produção e nof inanciamento dos produtores.

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Por últ imo, e especialmente notável, é o fato de que o poder at ingidopelas cooperat ivas parece haver chegado ao ponto de, cont rariando ousual, levá-las a uma at ividade de elevada complexidade tecnológica,voltada à exploração de uma “ possibil idade de processamento ulterior”do próprio produto básico. Hirschman, de fato, escreve que “ i f t he newact ivit y is t echnological ly al ien t o t he ongoing act ivi t y, inside l inkagewil l meet wit h special dif f icul t ies” (1981, p. 76). No caso, ent retanto,sabe-se que a federação das cooperat ivas ervateiras sul-mato-grossensesempreendeu, no início da década de 1960, a const rução e operação, nacidade de Ponta Porã, de uma grande indúst ria voltada à produção demate solúvel, com o nome comercial Mat ex (cf. SALDANHA, 1986). O casodessa indúst ria precisa, evidentemente, ser melhor estudado. Aparen-t ement e, no ent ant o, ela simbol iza, ao mesmo t empo, t ant o aspossibil idades quanto as limitações subj acentes à economia ervateirasul-mato-grossense. Sabe-se de fato que a Mat ex foi desat ivada, apósalguns anos de operação, devido à descapitalização do setor – duramentegolpeado, em 1965, com o fechamento do mercado argent ino à exportaçãoda erva cancheada (cf . SALDANHA, 1986).

Enf im, sem pretender haver esgotado o assunto, nem muito menoshaver dito sobre ele a “ últ ima palavra” , concluo apenas acentuando aidéia de que, caso se deixem de lado rígidos esquemas preconcebidos, oestudo da história econômica de Mato Grosso/ Mato Grosso do Sul sóterá a ganhar.

Período Média anual (kg) Ano kg

1905-1909 395.526,00 1949 7.000.000,00

1910-1914 1.198.517,70 1950 7.000.000,00

1915-1919 3.527.994,40 1951 - - -

1920-1924 4.552.520,40 1952 7.238.848,00

1925-1929 4.793.078,60 1953 - - -

1930-1934 4.300.400,00 1954 - - -

1935-1939 4.252.555,40 1955 6.348.000,00

1940-1944 3.542.004,25 1956 4.805.000,00

Tabela 1. Mato Grosso – exportação de charque (1905-1944, 1949-1956)Fonte: QUEIROZ, 2004, p. 396-397.

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 87, p. 167-197, 2007INSTRUÇÕES E NORMAS PARA ELABORAÇÃO DEORIGINAIS

O BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA publica t rabalhos de pesquisaoriginais e inéditos, de preferência escritos em português, sobre assuntosde interesse cient íf ico e geográf ico, sej am ou não autores membros daAssociação dos Geógrafos Brasileiros, e obedecidas as seguintes normas:

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5 Solicitamos a seguinte forma para a bibliograf ia:BIONDI, J. C. Kimberlitos. In: CONGRESSO BRAS. GEOLOGIA. 32. Sal-

vador, 1982. Anais.. . Salvador: SBG, 1982. v.2, p. 452-464.LACOSTE, A.; SALANON, R. Biogeograf ia. 2. ed. Barcelona: Dikos/

Tau, S.A. Ediciones, 1973. 271 p.

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PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZSÃO PAULO, Inst ituto Geográf ico e Geológico. Mapa Geológico doEstado de São Paulo - escala 1:1.000.000. São Paulo: Secretaria da Agri-cultura, 1975.

SCARIN, Paulo Cesar. Crít ica à apologia dos obj etos. In: Geousp, Es-paço e Tempo. revista de pós-graduação do Departamento de Geograf ia,FFLCH-USP São Paulo, n. 5, p. 57-60. 1999.

Isto permite a referência bibliográf ica e a indicação da fonte decitação ao longo do texto, na seguinte forma: (BIONDI, 1982, p. 457) ou(LACOSTE; SALONON, 1973, p. 86).

6 Os t rabalhos para publicação deverão ser remet idos à:

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