Ensino de Geografia

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Autor Paulo César Medeiros 2008 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de Geografia Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br

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  • Autor Paulo Csar Medeiros

    2008

    Fundamentos Tericos e Prticos do Ensino de Geografia

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  • 2008 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorizao por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

    M488 Medeiros, Paulo Csar. / Fundamentos Tericos e Prticos do Ensino de Geografia. / Paulo Csar Medeiros. Curitiba:

    IESDE Brasil S.A. , 2008. 144 p.

    ISBN: 978-85-387-0580-2

    1. Geografia. 2. Educao. 3. Cincias Humanas. I. Ttulo.

    CDU 372.8

    Todos os direitos reservados.IESDE Brasil S.A.

    Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 Batel

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  • Sumrio

    Apresentao ........................................................................................................................7

    Geografia: a cincia da Terra ...............................................................................................9Por que ensinar a Geografia? ...................................................................................................................9O encolhimento do planeta Terra .............................................................................................................10A crise socioam biental e as Cin cias Humanas .......................................................................................13A Geografia no sculo XXI ......................................................................................................................14

    A sistematizao do saber geogrfico ..................................................................................23A evoluo da Geografia ..........................................................................................................................23As escolas de Geografia ...........................................................................................................................24Os princpios fundamentais da cincia geogrfica ...................................................................................26Grandes conceitos da Geografia ..............................................................................................................27

    Ser humano: o construtor do espao ....................................................................................33O nascer da humanidade ..........................................................................................................................33O trabalho humano ..................................................................................................................................34Quadro comparativo do Australopitecus afarensis com o Homo habilis ................................................35As tcnicas de produo ..........................................................................................................................37O espao humanizado ..............................................................................................................................38

    O espao vivido e o espao percebido .................................................................................41O indivduo e as instituies sociais ........................................................................................................41A percepo do espao .............................................................................................................................42A cognio do espao ..............................................................................................................................43O lugar e o poder da identidade ...............................................................................................................44

    O espao representado .........................................................................................................49O que uma representao? ....................................................................................................................49A produo/representao do espao .......................................................................................................50As representaes e o contexto social .....................................................................................................51A Geografia das representaes ...............................................................................................................52

    O ensino de Geografia e os Parmetros Curriculares ...........................................................59A Geografia e a Educao Infantil ...........................................................................................................59A Geografia no primeiro ciclo .................................................................................................................61A Geografia no segundo ciclo ..................................................................................................................62Construindo um sistema avaliativo ..........................................................................................................64

    O ensino de Geografia e os Temas Transversais ..................................................................71A tica e a pluralidade cultural ................................................................................................................71A sade e o meio ambiente ......................................................................................................................72Geografia e educao sexual ....................................................................................................................72Geografia, trabalho e consumo ................................................................................................................73

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  • O eu e o outro .......................................................................................................................75Justificativa ..............................................................................................................................................75Objetivos ..................................................................................................................................................75Procedimentos Metodolgicos .................................................................................................................76Avaliao .................................................................................................................................................78

    Explorando o espao da escola ............................................................................................81Justificativa ..............................................................................................................................................81Objetivos ..................................................................................................................................................81Procedimentos Metodolgicos .................................................................................................................82Avaliao .................................................................................................................................................84

    Conhecendo os lugares ........................................................................................................87Justificativa ..............................................................................................................................................87Objetivos ..................................................................................................................................................87Procedimentos Metodolgicos .................................................................................................................88Avaliao .................................................................................................................................................90

    O trabalho e a organizao do espao ..................................................................................93Justificativa ..............................................................................................................................................93Objetivos ..................................................................................................................................................93Procedimentos Metodolgicos .................................................................................................................94Avaliao .................................................................................................................................................96

    A natureza e suas dinmicas ................................................................................................99Justificativa ..............................................................................................................................................99Objetivos ..................................................................................................................................................99Procedimentos Metodolgicos .................................................................................................................100Avaliao .................................................................................................................................................102

    O campo e a cidade ..............................................................................................................105Justificativa ..............................................................................................................................................105Objetivos ..................................................................................................................................................106Procedimentos Metodolgicos .................................................................................................................106Avaliao .................................................................................................................................................109

    As atividades produtivas ......................................................................................................113Justificativa ..............................................................................................................................................113Objetivos ..................................................................................................................................................113Procedimentos Metodolgicos .................................................................................................................114Avaliao .................................................................................................................................................116

    A cultura e os grupos sociais ................................................................................................119Justificativa ..............................................................................................................................................119Objetivos ..................................................................................................................................................119Procedimentos Metodolgicos .................................................................................................................120Avaliao .................................................................................................................................................122

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  • O espao geogrfico brasileiro .............................................................................................125Justificativa ..............................................................................................................................................125Objetivos ..................................................................................................................................................125Procedimentos Metodolgicos .................................................................................................................126Avaliao .................................................................................................................................................128

    O espao geogrfico mundial ...............................................................................................131Justificativa ..............................................................................................................................................131Objetivos ..................................................................................................................................................131Procedimentos Metodolgicos .................................................................................................................132Avaliao .................................................................................................................................................134

    Referncias ...........................................................................................................................137

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  • ApresentaoApresentao

    O questionamento norteador deste livro por que ensinar geografia. A humanidade vive um cenrio constante de mudanas, desde o sculo XV por meio das grandes rotas martimas iniciando as atividades mercantilistas e as relaes capitalistas, ao incio do sculo XXI com a globalizao, o avano da tecnologia e dos meios de comunicao dividindo o mesmo espao com catstrofes, medos, angstias e atentados terroristas.

    O estudo da geografia apresenta alguns aspectos terico-metodolgicos que orientam o ensino dessa disciplina como suporte para cidadania e formao da criana, criando uma ponte entre o espa-o vivido e o percebido por ela. Nesse sentido o trabalho do professor-educador pea fundamental para estabelecer referncia entre o social e o cultural para que se construa um conhecimento contnuo, uma integrao da criana com o seu ambiente e a sociedade do qual faz parte.

    O convvio com a famlia, grupos de amigos, religio, lazer e principalmente a escola so fun-damentais para a criao da identidade de cada um. o exemplo dos pais, amigos, dos professores e da sociedade que moldam nosso aprendizado todos os dias, sejam adultos ou crianas, pois so fun-damentais para o seu desenvolvimento.

    Ao trabalhar com o saber geogrfico mundial, ou seja, com a geografia, o educador consegue desenvolver a autonomia da criana diante da sociedade e do ambiente. a partir desses laos que se reconhecem as diferenas e semelhanas e isso contribui para o esclarecimento e enriquecimento do indivduo.

    Paulo Freire ensinou que s participa ativamente na histria e para a transformao da mesma, aqueles que tem conscincia de sua prpria capacidade de transform-la. O ponto de partida com-preender e apreender como o homem e suas relaes sociais, psicolgicas, econmicas, culturais e estruturais influenciam sua transformao com o meio.

    Ento podemos dizer que ensinar geografia ensinar as geraes a conhecer e reconhecer-se, todos os dias no espao social onde tudo o que se pratica produz causa e efeito.

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  • Geografia: a cincia da Terra

    Paulo Csar Medeiros*Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titnico processo

    econmico e tecnocientfico do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os dois ou trs

    ltimos sculos. Sabemos, ou pelo menos razo vel supor, que ele no pode prosseguir ad infinitum. O futuro no pode ser uma continuao do passado, e h sinais, tanto externamente

    quanto internamente, de que chegamos a um ponto de crise histrica. As foras geradas pela

    economia tecnocientfica so agora suficientemente grandes para destruir o meio ambiente, ou

    seja, as fundaes materiais da vida humana. As prprias estruturas das sociedades humanas,

    incluindo mesmo algumas das fundaes sociais da economia capitalista, esto na iminncia de

    ser destrudas pela eroso do que herdamos do passado humano. Nosso mundo corre o risco...

    Se tentarmos construir o terceiro milnio nessa base, vamos fracassar. E o preo do fracasso,

    ou seja, a alternativa para uma mudana da sociedade, a escurido.

    (HOBSBAWN, 1995, p. 562)

    Por que ensinar a Geografia?

    A s diferentes naes mundiais vivem momentos de angstia e medo, as notcias que circulam nos meios de comunicao apresentam um cenrio de catstrofes e terror. O incio do sculo XXI v suas primeiras marcas histricas registradas nas sucesses de atentados terroristas internacionais. As tecnologias usadas, que atualmente permitem monitorar o mundo em tempo real, ofereceram aos telespectadores de todo o mundo as cenas instantneas. O tempo e o espao so continuamente desafiados pela maximizao das redes eletrnicas.

    Simultaneamente, a humanidade defronta-se com limitaes para satisfao das necessidades bsicas de existncia e a diviso internacional do trabalho e dos recursos naturais distanciou milhes de pessoas da possibilidade concreta da eman-cipao humana. Nesse sentido, observa-se um amplo esforo das cincias naturais e humanas, principalmente no final do sculo XX, em buscar respostas e em estimular aes concretas que permitam aos indivduos libertar-se da alienao socioespacial, superando-a.

    Paulo Freire nos ensinou que o ser humano s tem as possibilidades de par-ticipar ativamente na histria, na sociedade e na transformao da realidade se for auxiliado a tomar conscincia da realidade e de sua prpria capacidade para trans-form-la. O indivduo no pode lutar contras as foras que no compreende, a no ser que descubra que ele pode. Essa conscientizao coloca o primeiro objetivo da educao que antes de tudo provocar uma atitude crtica, de reflexo, que com-prometa a ao.

    Mestre em Geografia pela

    Universidade Federal do Paran (UFPR). Graduado

    em Geografia pela Univer-

    sidade Federal do Paran (UFPR). Atualmente pro-

    fessor titular da Secretaria

    de Estado da Educao do Paran (SEED-PR) e pro-

    fessor titular do Instituto

    Modelo de Ensino Superior Sc Ltda.

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  • Fundamentos Tericos e Prticos do Ensino de Geografia

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    O conhecimento emprico do espao o primeiro estgio de desenvolvi-mento humano, servindo como fornecedor das primeiras referncias espaciais para o conhecimento do ambiente vivido, o qual ter de desvendar durante toda a sua vida. Basta lembrar como o trajeto que fazemos de nosso trabalho at nossa casa est armazenado em nossa memria. Assim tambm estavam nos primeiros humanos, que memorizavam seu ambiente e retornavam s cavernas aps horas de caa em campo aberto ou nos bosques, em longas distncias.

    No entanto, o ser humano levou milhares de anos para sistematizar suas reflexes sobre as informaes espaciais, criar os primeiros sistemas matemticos para referenciar o espao terrestre e organizar uma descrio da superfcie pla-netria. H pouco mais de cem anos, nas universidades europias, constitui-se a cadeira de Geografia, e de l para c essa disciplina ensinada e promovida nas sociedades contemporneas.

    Ao iniciarmos o estudo da Geografia temos de ter a clareza de estarmos tra-tando de assuntos pertinentes ao ser humano e que este sujeito ou objeto da cons-truo do espao, dependendo de seu grau de conscincia. Assim, quando apresen-tamos a importncia do estudo da Geografia para as crianas, estamos depositando esforos na construo de um espao geogrfico mais humano, crtico e solidrio.

    O encolhimento do planeta TerraParabolicamar

    Gilberto Gil

    Antes mundo era pequeno

    Porque Terra era grande

    Hoje mundo muito grande

    porque Terra pequena

    Do tamanho da antena

    Paramblicamar

    , volta do mundo, camar

    , mundo d volta, camar

    Antes longe era distante

    Perto s quando dava

    Quando muito ali defronte

    E o horizonte acabava

    Hoje l trs dos montes

    Dende casa, camar

    , volta do mundo, camar

    , mundo d volta, camar

    De jangada leva uma eternidade

    De saveiro leva uma encarnao

    De avio o tempo de uma saudade

    Pela onda luminosa

    Leva o tempo de um raio

    Tempo que levava Rosa

    Pra arrumar o balaio

    Quando sentia que o balaio ia

    Escorregar, volta do

    Mundo, camar

    , mundo d volta, camar

    [...]

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  • Geografia: a cincia da Terra

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    Antes do processo de mundializao das relaes capitalistas de produo, a humanidade estava dividida em diferentes mundos, cada qual correspondendo ao espao geogrfico construdo por seus ancestrais. Povos europeus, asiticos, rabes, tupis, incas, astecas, africanos e tantos outros.

    Com o incio das atividades mercantilistas do sculo XV, por meio de grandes rotas martimas, inicia-se um novo processo de conhecimentos sobre a superfcie do planeta.

    Vejamos a figura a seguir que sugere o encolhimento do mapa do mundo de acor do com as capacidades tcnicas de deslocamento humano na superfcie terrestre.

    Mapa reproduzido em 1456 com base no original do sculo XII, feito pelo car-tgrafo rabe Al-Idrissi. Era comum os rabes construrem seus mapas inverti-dos em relao ao que estamos acostu-mados hoje, colocando o sul na parte de cima (MOREIRA; SENE, 2000, p. 10).

    Aps um longo processo de mundializao das relaes capitalistas, perce-bemos que o conhecimento do planeta atingiu nveis de preciso elevados. Basta compararmos as imagens apresentadas por car t gra fos ao longo dos tempos pa ra confirmar como o conhecimento da superfcie planetria evoluiu.

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  • Fundamentos Tericos e Prticos do Ensino de Geografia

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    Mapa elaborado em 1508, por Francesco Ros-seli, um cartgrafo florentino. Esse foi o pri-meiro mapa-mndi da histria da car to grafia, ou seja, o primeiro a mostrar o planeta inteiro.

    (MO

    RE

    IRA

    ; SE

    NE

    , 200

    0, p

    . 11)

    Mapa elaborado em 1508, por Francesco Rosseli, um cartgrafo florentino. Esse foi o primeiro mapa-mndi da histria da cartografia, ou seja, o primeiro a mostrar o planeta inteiro.

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    Imagem do governo terrestre feita pelo satlite GOES em novembro de 1992.

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  • Geografia: a cincia da Terra

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    A crise socioam biental e as Cin cias Humanas

    Nos anos 1980 do sculo passado, o relatrio Nosso Futuro Comum de-monstra que o modelo de desenvolvimento capitalista, empreendido em profun-didade no final do sculo XX, teve como principais conseqncias a morte de milhes de humanos, pela fome, por acidentes qumicos e nucleares. Cerca de 60 milhes de pessoas, sendo a maioria crianas, mortas por doenas relacionadas gua contaminada e pela desnutrio.

    Diante da crise ambiental, anunciada oficialmente pelas ltimas grandes con-ferncias de meio ambiente e desenvolvimento e pelos documentos que delas deri-varam, surge a necessidade de se educar os cidados para a racionalidade do uso dos recursos naturais. A educao apresenta-se como a principal alternativa e difunde-se como um novo modelo de abordagem pedaggica para a formao social.

    Dentre os primeiros trabalhos voltados s relaes socioambientais huma-nas, merecem ser citados autores como Thomas Huxley, que em 1863 escreveu sobre as interdependncias entre os seres humanos e os demais seres vivos em seu ensaio Evidncias sobre o Lugar do Homem na Natureza. George P. Marsh em sua obra, O Homem e a Natureza, analisou as causas do declnio de civilizaes antigas a partir da ao humana; Aldo Leopoldo publicou em 1949, A Sand Coun-try Almanac, em que discutiu uma tica de usos dos recursos da Terra. Em 1962, Rachel Carson em seu livro Primavera Silenciosa, apresenta um estudo sobre a perda da qualidade de vida produzida pelo uso indiscriminado e excessivo dos produtos qumicos e os efeitos dessa utilizao sobre os recursos ambientais.

    A formao do Clube de Roma1, em 1968, inicia um movimento para discu-tir a crise planetria e publica em 1972, The Limits of Growth, denunciando que o crescente consumo mundial levaria a humanidade a um limite de crescimento e possivelmente a um colapso. Nesse mesmo ano, a realizao da Conferncia da ONU sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo Sucia, marca um novo momento da questo socioambiental. Na Declarao sobre o Ambiente Humano2, foi estabelecido o Plano de Ao Mundial, com o objetivo de inspirar e orientar a humanidade para a preservao e melhoria do ambiente humano.

    Em 1975, a Carta de Belgrado3 indicava a necessidade de uma nova tica global, com a finalidade de estabelecer meios para a erradicao da pobreza, da fome, do analfabetismo, da poluio, da explorao e dominao humanas, apon-tando e censurando as naes que se desenvolvem sob a explorao de outras.

    Em 1977, realizou-se em Tiblisi Gergia (ex-URSS) a Primeira Confe-rncia Intergovernamental sobre Educao Ambiental, promovida pela UNES-CO, em colaborao com o Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Essa conferncia constituiu-se no incio da estruturao de um Pro-grama Internacional de Educao Ambiental; apontou para que os Estados mem-bros incluam em suas polticas de educao medidas que visem a incorporao de contedos, de diretrizes e atividades ambientais a seus sistemas; convidou as au-toridades de educao a intensificar seus trabalhos de reflexo, pesquisas e inova-

    1Em 1968, foi realizada em Roma uma reunio de cientistas dos pases desenvol-vidos para dis cutir o consumo, as reservas de recursos natu-rais no-renovveis, o cresci-mento da populao mundial at meados do sculo XXI. Dessa reunio foi publicado o livro Limites do Crescimento (Perspectiva. So Paulo, 1978), que foi durante muitos anos uma refe rncia internacional s polticas e projetos. Os inte-lectuais latino-americanos, no entanto, liam nas entrelinhas do documento a indicao de que, para se conservar o pa-dro de consumo dos pases industrializados, era necess-rio controlar o crescimento da populao dos pases pobres. (REIGOTA, 1994).

    2 O grande tema em dis-cusso na Conferncia foi a poluio ocasionada, prin-cipalmente, pelas indstrias. O Brasil e a ndia, que vi viam na poca milagres econ-micos, defenderam a idia de que a poluio o preo que se paga pelo progresso. (REIGOTA, 1994).

    3 Em Belgrado, na ento Iugoslvia, em 1975, foi realizada a reunio de espe-cialistas em Educao, Bio-logia, Geo grafia e Histria, entre outros, definindo-se os objetivos da educao am-bien tal, publicados no que se convencionou chamar de Carta de Belgrado. (REI-GOTA, 1994).

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  • Fundamentos Tericos e Prticos do Ensino de Geografia

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    o com respeito Educao Ambiental; solicitou o intercmbio de informaes e experincias e solicita comunidade internacional que ajude a fortalecer essa co-laborao, em uma esfera de atividades que simbolize a necessria solidariedade de todos os povos e que possa ser considerada como particularmente alentadora para promover a compreenso internacional e a causa da paz.

    Em nvel internacional, dois eventos marcam o final dos anos 90. A publica-o do relatrio chamado Nosso Futuro Comum (abril, 1987), elaborado pela Co-misso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU e o Congresso Internacional sobre Educao e Formao Ambientais (agosto, 1987), realizado em Moscou.

    A conferncia realizada no Rio de Janeiro em 1992 foi, sem dvida, um mar-co no final do sculo XX. Mais de 170 pases estiveram debatendo temas de impor-tncia mundial. Esse trabalho resultou na Declarao do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, nas Convenes da Biodiversidade, da Mudana do Clima, o Protocolo de Florestas, o Direito Internacional e o Desenvolvimento Sustentvel.

    A Geografia no sculo XXIAs democracias do sculo XXI sero cada vez mais confrontadas com o

    gigantesco problema decorrente do desenvolvimento em que cincia, tcnica e bu-rocracia esto intimamente associadas. Essa enorme mquina que domina a infor-mao internacional no produz apenas conhecimento e elucidao, mas produz tambm ignorncia e cegueira.

    Os avanos disciplinares das cincias no trouxeram apenas as vantagens da diviso do trabalho, trouxeram tambm os inconvenientes da hiperespaciali-zao ou globalizao. Com o parcelamento do saber, cada vez mais dominado pelos tcnicos especialistas, o saber universal fica cada vez mais distante da ampla maio ria da populao.

    O espao social apresenta-se como uma organizao que se adapta e evolui sem cessar seus efeitos, este espao socialmente construdo constitui-se numa unidade, um territrio onde a organizao e o funcionamento decorrem das rela-es socioespaciais que o animam.

    Podemos pensar, ento, em um sistema espacial como o produto de decises dos atores. Nesse sentido, a Geografia deve preocupar-se com a anlise de algu-mas questes, tais como:

    Os processos da construo do espao e da organizao espacial como resultado dos diferentes grupos de indivduos que compem cada sociedade.

    As transformaes no espao sofrem uma construo contnua de cada sociedade que o habita.

    O ser humano como indivduo ou sociedade de seres humanos atuam como atores do espao.

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  • Geografia: a cincia da Terra

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    (BLACHE, 1993)

    Chamado a falar de Geografia perante um auditrio de futuros professores formados nos m-todos cientficos, mas se preparando ao ensino de diversas disciplinas, meio embaraado indaguei-me sobre qual seria, entre as questes que esse tema sugere, aquela que melhor convinha em tais circunstncias. Ao refletir, fiquei impressionado pelos mal-entendidos que reinam sobre a prpria idia da Geografia. No grupo das Cincias Naturais, ao qual sem nenhuma dvida se integra, ela possui um lugar parte. Suas afinidades no excluem sensveis diferenas. Ora, sobretudo a res-peito dessas diferenas que as idias so pouco precisas. Pareceu-nos que tentando colocar alguma luz nesse lado das coisas, isto , propondo-me a especificar o que distingue a Geografia, eu me ajustarei inteno que preside estas conferncias. A Pedagogia uma obra de coordenao e de relaes: ser que ela no deveria ser considerada como uma espcie de filosofia abraando tudo aquilo que contribui formao do esprito?

    A Geografia considerada como se alimentando nas mesmas fontes de fatos da Geologia, da Fsica, das Cincias Naturais e, de certa forma, das Cincias Sociolgicas. Ela serve-se de noes, sendo que algumas delas so o objeto de estudos aprofundados nas cincias vizinhas: da vem, ento, a crtica que se faz s vezes Geografia, a de viver de emprstimos, a de intervir indiscreta-mente no campo de outras cincias, como se houvesse compartimentos reservados no domnio da cincia. Na realidade, a Geografia possui seu prprio campo. O essencial considerar qual uso ela faz dos dados sobre os quais se exerce. Ser que ela aplica mtodos que lhe pertencem? Ser que traz novos horizontes, de onde as coisas possam aparecer em perspectiva especial, que os mostra sob ngulo novo? Todo o problema este que est a. Na complexidade dos fenmenos que se en-trecruzam na natureza no se deve ter uma nica maneira de abordar o estudo dos fatos; til que sejam observados sob ngulos diferentes. E se a Geografia retoma certos dados que possuem um outro rtulo, no h nada para que se possa taxar essa apropriao de anticientfica.

    A unidade terrestreA Geografia compreende, por definio, o conjunto da Terra. Este foi o mrito dos matem-

    ticos-gegrafos da Antigidade (Eratstenes, Hiparco, Ptolomeu), o de colocar em princpio a unidade terrestre, o de fazer prevalecer esta noo acima das descries empricas das regies.

    As decises so tomadas mediantes a racionalidade econmica dentro de todas as sociedades, assim o espao percebido julgado, valorizado, interiorizado e reformulado em cada momento histrico.

    Pensar em ensinar Geografia para as geraes do futuro significa refletir sobre as mltiplas dimenses dos indivduos: antropolgicas, biolgicas, psico-lgicas, sociolgicas, histricas e geogrficas. O espao geogrfico o reflexo de sua sociedade e nele encontramos as marcas das diversas humanidades. O educador-cidado um ator primordial na construo dos saberes que alimenta-ro os discursos e quem sabe as aes das novas geraes. Para tal, fundamental que construa uma base terica ampla que permita dialogar com muitas disciplinas especficas e estabelea um vnculo com o espao vivido pelos atores do processo educacional.

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    nesta base que a Geo grafia pde-se desenvolver como cincia. A idia de correspondncia, de so-lidariedade entre os fenmenos terrestres, penetrou e tomou corpo, muito lentamente na verdade, porque se tratava de apoi-la sobre fatos e no sobre simples hipteses. Assim, quando no incio do sculo XIX Alexandre von Humboldt e Karl Ritter fizeram-se os iniciadores do que se chamava ento de geografia comparada, eles se orientavam de acordo com uma viso geral do globo; e foi por a que sua impulso foi fecunda.

    Todos os progressos posteriormente obtidos, no conhecimento da Terra, foram atribudos a melhor esclarecer esse princpio de unidade. Se existe um domnio no qual ele se manifesta muito claramente, ento o domnio das massas lquidas que cobrem 3/4 do globo e do oceano atmosfrico que o envolve. Nos movimentos da atmosfera, escreve o meteorologista Dove, no se pode isolar nenhuma parte, pois cada parte age sobre sua vizinha. assim que, propagando-se, as borrascas formadas nas proximidades da Terra Nova atingem as costas da Europa Ocidental e, evidentemente, do Norte do Mediterrneo; e se as perde de vista a seguir e se sua marcha escapa dos observatrios, no h dvida de que a srie das repercusses continua.

    As partes do oceano esto em comunicao ntima por uma circulao de fundos e de su-perfcie. Bernard Varenius j escrevia que Quum ocesnus movetur, totus movetur. A parte slida do globo tambm sofre a participao de uma dinmica geral. O conjunto de fatos tectnicos, que as exploraes feitas nas diversas regies da Terra coletaram, contribuiu para que Eduard Suez pudesse edificar sobre eles uma sntese, cuja prpria idia poderia ter parecido anterior-mente como ilusria.

    O conhecimento das regies polares promete-nos, enfim, novos exemplos de correspondncia e de correlao que esclarecero, sem dvida, a gnese dos fenmenos. Esta idia de unidade comum, sem dvida, a todas as cincias que tocam a fsica terrestre, assim como as que estudam a repartio da vida. A insolao, a evaporao, o calor especfico da terra e da gua, as mudanas de estado do vapor da gua etc. esclarecem-se pela comparao recproca das diversas partes do globo.

    A lei da gravidade domina toda a diversidade das formas de eroso e de transporte, e ma-nifesta-se assim na sua plenitude. Toda espcie viva est em perptua tenso de esforos para adquirir ou defender um espao que lhe permite subsistir, e isto serve de guia ao naturalista. O conhecimento destes fatos que, em ordem diversa e em graus diferentes, contribuem para fixar a fisionomia da Terra, resulta de um conjunto de observaes em que cada parte do globo deve, tanto quanto possvel, trazer o seu testemunho. Cada cincia realiza, neste sentido, a tarefa que lhe prpria; mas no se pode dizer, por isso, que elas preenchem o papel da Geografia: este papel que se deve precisar.

    A combinao dos fenmenosCabe-me emprestar do autor de uma das melhores obras j publicadas sobre a Climatologia, o

    professor J. Hann, os termos dos quais ele se serve para estabelecer a distino entre a meteorolo-gia e o estudo dos climas. Esta distino (diz ele) de natureza mais descritiva; ela tem por objeto fornecer ao leitor uma imagem to viva quanto possvel da ao combinada de todos os fenmenos atmosfricos sobre uma parte da Terra.

    Pode-se dizer, generalizando esta anotao, que a Geografia, inspirando-se como as cincias vizinhas na idia de unidade terrestre, tem por misso especial procurar como as leis fsicas ou biolgicas, que regem o globo, combinam-se e modificam-se aplicando-se s diversas partes da superfcie. Ela as segue em suas combinaes e suas interferncias. A Terra lhe oferece, para isso, um campo quase inesgotvel de observaes e de experincias. Ela tem por objetivo principal estudar as expresses mutveis que revestem, conforme os lugares, a fisionomia da Terra.

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    Antes de prosseguir, notemos que esta combinao a prpria forma sob a qual os fenme-nos se oferecem em todos os lugares na natureza. A Geografia solicitada para as realidades. Disse-nos Buffon: Na natureza, a maioria dos efeitos depende de vrias causas diferentemente combinadas. Com maior preciso ainda, o pensador Henry Poincar assim se exprime em um dos seus ltimos trabalhos: O estado do mundo, e mesmo de uma muito pequena parte do mundo, qualquer coisa extremamente complexa e que depende de um grande nmero de elementos. A justeza dessas noes nos choca, qualquer que seja a parte da Geografia que considerarmos. O modelado do solo resulta do conflito entre as energias, que se desdobram para o ataque dos agen-tes metericos, e a fora de resistncia, que lhes opem as rochas; mas este conflito se exerce em um campo que j foi remanejado no decorrer dos tempos e que ainda o incessantemente seguin-do as modificaes dos nveis de base e as oscilaes do clima.

    O que se chama de clima de uma regio uma mdia na qual contribuem a temperatura, a umidade, a luminosidade, os ventos; mas a avaliao destes diversos elementos somente daria uma idia muito incompleta, se no se procurasse saber como eles se combinam, no somente entre eles mas tambm com o relevo, a orientao, as formas do solo, a vegetao e mesmo as culturas. V-se, por exemplo, o mximo da estao de calor coincidir com o m-ximo de umidade? Todas as caractersticas de certo tipo de clima, o do Sul do Mediterrneo, surgem diante do esprito. Outros tipos, com mltiplas nuanas correspondem, ao contrrio, aos diversos regimes de chuvas de vero. A diversidade dos elementos a considerar tambm se encontra no domnio dos seres vivos.

    A vegetao de uma regio um conjunto heterogneo, no qual se distinguem plantas de diversas provenincias: umas invasoras, outras refugiadas, outras que so legadas de climas ante-riores, outras que acompanharam as culturas dos homens. Tudo indica tambm, medida que se avana no exame e na anlise das faunas regionais, o seu carter heterogneo.

    As migraes, cujo sentido e datas nos escapam freqentemente, misturaram as tribos de seres vivos, compreendendo tambm os homens; e de seus resduos que se formaram os ocu-pantes sobre as diversas regies, onde eles puderam concentrar-se. Enquanto as classificaes lingsticas nos fornecem a iluso de grandes grupos humanos, os ndices que fornecem a antro-pologia e a pr-histria concordam em mostrar a diversidade das raas que, como aluvies suces-sivas, formaram a maioria de nossos povoamentos.

    A anlise desses elementos, o estudo de suas relaes e de suas combinaes compem a trama de toda a pesquisa geogrfica. No se pode mais questionar, segundo este ponto de vista, uma antinomia de princpio entre duas espcies de Geografia: uma que sob o nome de Geografia Geral seria a parte verdadeiramente cientfica e a outra que se aplicaria, tendo como fio con-dutor somente uma curiosidade superficial, na descrio das regies. De qualquer maneira que se enfoque, so os mesmos fatos gerais, nos seus encadeamentos e na sua correlao, que se impem ateno. Estas causas, se permitido usar esta palavra ambiciosa, ao se combinar ori-ginam as variedades sobre as quais o gegrafo trabalha: seja quando ele se prope a determinar os tipos de clima, formas de solos, de hbitat etc., como faz quando trata de Geografia Geral; seja quando ele se esfora para caracte rizar as regies, at mesmo de as pintar, pois o pitoresco no lhe proibido.

    As superfciesO campo de estudo da geografia, por excelncia, a superfcie; este o conjunto dos fe-

    nmenos que se produzem na zona de contato entre as massas slidas, lquidas e gasosas, que constituem o planeta. Este contato o princpio de fenmenos inumerveis, sendo que apenas

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    alguns esto definidos; ele age como um reativo para colocar em evidncia as energias terrestres. A coluna de ar modifica-se sem cessar no contato com as superfcies slidas ou lquidas; e o vapor dgua, transportado em seguida a essas oscilaes, cresce, condensa-se ou precipita-se conforme o estado trmico das superfcies que encontra. O solo est exposto aos meteoros, no somente a ataques de fora ativa mas tambm a ataques por infiltrao. Sua epiderme se endurece ou, ento, se decompe ao seu contato. O ar e a gua penetram ento na sua textura porosa; e a terra torna-se, conforme a expresso de Berthelot, alguma coisa viva. Os fermentos e as bactrias entram em movimento; o cido carbnico dissolve os fosfatos, a cal, o potssio e outros ingredientes que entram nos corpos das plantas, ou que se elaboram, sob a ao da luz, para servir de alimento aos outros seres vivos.

    Sem dvida, o interior da Terra a sede de outros fenmenos de transformao, de uma in-calculvel grandeza. A Geografia, entretanto, neles est apenas indiretamente interessada. Se est quase certo que os dobramentos e os acavalamentos, que tomam um aspecto to saliente em certas cadeias montanhosas, formaram-se em profundidade sob o esforo de presses e de contraes enormes, esta obra subterrnea s se torna um objeto geogrfico porque, pela ao combinada dos soerguimentos e das desnudaes, ela aparece na superfcie. Ela toma, ento, lugar no relevo, associa-se s outras formas do solo, influi sobre o modelado que a envolve; e torna-se um dos mais poderosos centros de ao sobre o clima, a hidrografia, a vegetao e os homens. Entre as superfcies que estuda a Geografia, as da litosfera tm a vantagem de conservar mais ou menos a impresso das modificaes que elas sofreram desde a sua emerso. Elas apresentam, por isso, um interesse particular e abrem uma nova fonte de ensinamentos. como um quadro registrador, sobre o qual o estado presente das formas revela-se em continuao dos estados anteriores. Atra-vs das formas que pertencem ao ciclo atual de evoluo, distinguem-se linearmente das que as precederam. Estas formas subsistem, s vezes, to claramente, que se pode distinguir at o grau de evoluo atingido pelas formas do solo, devido s aes de natureza semelhantes s que trabalham sob nossos olhos, quando um novo ciclo de eroso aberto. Na cadeia das idades, naturalmente o anel mais prximo, o antecedente imediato que menos sofreu desgaste. Ele se transforma mais do que abolido. A obra do passado persiste atravs do presente como a matria sobre a qual se exercem as foras atuais. A partir da, estamos em plena Geografia.

    Nas regies que sofreram as invases das geleiras quaternrias, os cursos dgua no ter-minaram de transportar os detritos que elas acumularam. Alguns ainda procuram o seu leito por meio desses materiais, no qual formam aluvies. Os vales originados por um clima mais mido no Saara so, aparentemente, formas fsseis: exercem uma influncia sensvel sobre as fontes, os poos, a vegetao, e o vento, apoderando-se de suas aluvies arenosas, encontra a os materiais das dunas que ele edifica. O aspecto da superfcie slida revela-se, assim, como o resultado de modificaes incessantemente remanejadas de poca em poca; ele representa uma seqncia e no um estado uma vez dado e atingido de repente. As formas atuais s so inteligveis se as foca-liza na sucesso das quais fazem parte. Como explicar, por exemplo, sem recorrer considerao de um regime de declividades anteriores, a direo to paradoxal, na aparncia, desses rios que atravessam, ao invs de os contornar, os obstculos que parecem opor-se sua passagem? Tudo isso continuaria sendo um enigma se no tivesse penetrado na cincia, com a ajuda da comparao e da anlise, esta noo de evoluo das formas que a chave. Pode-se dizer que atualmente ela domina qualquer pesquisa.

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    A fora do meio e a adaptaoSe desejarmos nos colocar no esprito de um gegrafo, ou seja, analisarmos os fatos como um

    gegrafo, estaremos ligados a fatores de ordem diversa de provenincia heterognea, e formando entre si combinaes mltiplas; sentiremos que o equilbrio resultante dessas combinaes no tem absolutamente nada de estvel, que ele est merc de modificaes cuja multiplicidade dos fato-res abre uma ampla margem. Pode-se perguntar onde est o princpio diretor que permite edificar, nesse terreno aparentemente mvel, mtodos que se mantm, e tentar experincias coordenadas de descries terrestres. Recorramos ainda observao. O que a observao e a anlise encontram nessas superfcies onde se imprimem os fenmenos, no so casos isolados, traos incoerentes, mas grupos de formas obedecendo a uma ao de conjunto, ligadas por afinidades, e trabalhando em comum para eliminar da superfcie o que no convm mais s condies atuais. L onde os cursos dgua no possuem mais a fora para carregar os detritos de destruio das rochas, todo o aspecto do modelado recebe a impresso desta impotncia: estreitas margens terrosas encaixando os talvegues, grandes superfcies unidas, acima das quais emergem aqui e acol picos cnicos, compem uma diversidade de traos que, entretanto, convergem para o conjunto clssico da pai-sagem da regio rida. O contraste completo com o mundo das formas que povoam a superfcie, quando a obra de um desgaste avanado modelou os flancos dos vales, colocando a nu as vertentes das montanhas, dissecando e diversificando os planos. L onde as geleiras passaram, subsiste, ao menos provisoria mente, esse conjunto catico de montculos e de lagos que se chama paisagem mornica. O nome de aparelho litorneo caracteriza uma afluncia de formas que, variadas em si mesmas, no aparecem uma sem a outra: aqui fjords, com lagos interiores e prolongando-se em direo ao mar por orla recortada de ilhas e de recifes que os escandinavos chamaram skiargaard; em outros lugares, a fileira uniforme das lagunas, das barras fluviais e dos cordes litorneos. Cada um destes tipos se compe de formas em dependncia recproca.

    Assim tambm a fisionomia da vegetao. No s a oliveira que personifica a vegetao mediterrnea e muito menos uma andorinha no faz vero. O que evoca esta expresso do Me-diterrneo uma enorme quantidade de plantas, cujas formas tm, por sua variedade, excitado a imitao artstica, mas que coexistem num conjunto que a linguagem popular designa sob os nomes de maquis, guarrigues ou outros. uma das associaes caractersticas que distingue a ci-ncia botnica. Por todos os lados encontraremos expresses coletivas, algumas populares, outras cientficas, correspondendo a estes fatos de observao. Estas expresses coletivas serviriam para nos dizer que um elo comum existe entre os diversos elementos em que reconhecemos a comple-xidade. Do que formado este elo? por esta questo que somos levados noo de meio; noo cuja aparncia vaga levou ao abuso que dela se fez, mas que por menos que se a pesquise, mostra-se cheia de ensinamentos. o clima, pode-se dizer, que decide sobre a preponderncia das formas de entulhamento ou de desnudao.

    Mas esta explicao muito sumria e esta palavra no expressa de maneira adequada e completa os fenmenos. No entanto, vemos que as prprias formas procuram organizar-se entre si, a realizar certo equilbrio. Aqui com a ajuda do vento, acol com a ajuda das guas correntes, trabalham de acordo com um plano e para um fim determinado; pouco importa se atingem ou no esse fim. As dunas e as areias alinham-se seguindo uma geometria; concluem uma obra de nivelamento. Cada flecha estende-se na direo de sua vizinha, e tende a juntar-se com aquela que lhe faz face. A ravina que, nascida de uma valeta, entalha o flanco de uma montanha, abastece-se

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    de um conjunto de valetas semelhantes; e quando desse conjunto formado um curso dgua, este trabalha, de acordo com seus irmos, para adaptar o seu perfil conforme um nvel de base comum. Se no mundo das formas inanimadas os traos se coordenam, esta adaptao recproca no me-nos sensvel entre os seres vivos, mas se exerce diferentemente.

    As plantas que povoam uma regio, os animais aos quais essas plantas servem de alimento, e at certo ponto os prprios grupos humanos que encontram neste meio ambiente o princpio de um gnero de vida, so compostos por elementos dspares. Entram, dissemos, nas associaes vegetais as mais diversas espcies de provenincia e de forma. Mas acima dessas diferenas uma tonalidade geral domina; as plantas organizam-se fisiologicamente, revestem, para se acomodar s influncias ambientais, uma aparncia comum, de acordo com a altitude, as intempries, a seca, o calor mido. No somente modificam seguindo procedimentos diversos e s vezes muito ines-perados, os seus rgos exteriores, mas tambm combinam-se entre si de maneira a se repartirem no espao. Nesses agrupamentos, que so aspectos normal sob o qual se apresenta e se grava nos nossos olhos fisionomia da paisagem, cada planta est organizada com as suas vizinhas para ter sua parte de solo, de luz e de alimento. Os seres vm-se associar e se unir encontrando vantagem e proveito nas condies determinadas pela presena dos outros. Uma floresta uma espcie de ser coletivo onde coexistem, numa harmonia provisria e no prova de mudanas, rvores, ve-getais do tipo rasteiro, cogumelos e uma multido de hspedes igualmente subordinados, insetos, trmitas, formigas. Assim, as coisas apresentam-se a ns em grupos organizados, em associaes regidas por um equilbrio que o homem perturba incessantemente ou, conforme o caso, retifica colocando a mo. A idia de meio, nessas diversas expresses, precisa-se como correlativo e sin-nimo de adaptao. Ela manifesta-se atravs das sries de fenmenos que se encadeiam entre si e so postos em movimento por causas gerais. por essas causas que incessantemente retornamos s causas de clima, de estrutura, de concorrncia vital, que impulsionam muitas atividades espe-ciais das formas e dos seres.

    O mtodo descritivoPode-se julgar, pelo que acabou de ser dito, o papel capital que desempenha a descrio. A

    Geografia distingue-se como cincia essencialmente descritiva. No seguramente que renuncie explicao: o estudo das relaes dos fenmenos, de seu encadeamento e de sua evoluo so tambm caminhos que levam a ela. Mas esse objeto mesmo a obriga mais que em outra cincia, a seguir minuciosamente o mtodo descritivo. Uma dessas tarefas principais no localizar as diversas ordens de fatos que a ela concernem, determinar exatamente a posio que ocupam, as reas que abrangem? Nenhum ndice, mesmo nenhuma nuana no poderia passar despercebida; cada uma tem seu valor geogrfico, seja como dependncia, seja como fator, no conjunto que se trata de analisar. preciso, ento, tomar sobre o fato cada uma das circunstncias que o carac-terizam, e estabelecer exatamente o resultado. No rico teclado de formas que a natureza expe a nossos olhos, as condies so to diversas, to intercruzadas, to complexas, que elas arriscam escapar a quem acredita t-las cedo demais. H dois obstculos que devem, particularmente, ser levados em considerao: o das frmulas muito simples e rgidas entre as quais deslizam os fatos e o das frmulas multiplicadas a tal ponto que se acrescentam mais nomenclatura e no cla-reza. Descrever, definir e classificar alm de deduzir so as operaes que logicamente se man-tm; mas os fenmenos naturais de ordem geogrfica no se curvam com uma solicitude sempre dcil s categorias do esprito. A descrio geogrfica deve ser malevel e variada como seu prprio objeto. Freqentemente, proveitoso para ela servir-se da terminologia popular; est

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  • Geografia: a cincia da Terra

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    sendo formada diretamente em contato com a natureza, tal designao apreendida sobre o atual, tal mxima rural ou provrbio podem abrir uma luz sobre um relatrio, uma periodicidade, uma coincidncia, qualquer coisa que se reclama diretamente da Geografia. No sem razo que nos livros ou memrias geogrficas as representaes figuradas aparecem cada vez mais. O desenho e a fotografia entram a ttulo de comentrios na descrio. As figuras esquematizadas tm sua utilidade como instrumento de demonstrao. Mas nada vale o desenho como meio de anlise para captar de perto a realidade, e como controle dessas observaes diretas, que encontram hoje nas excurses geogrficas a ocasio freqente de se exercer. O hbito dessas lies itinerantes , para ns, um dos mais notveis ganhos pedaggicos desses ltimos anos. a escola ao ar livre, mais higinica e mais eficaz que qualquer outra. Ela escolhe antecipadamente os seus textos, isto , as paisagens onde se junta, numa perspectiva mais fcil, a apreender este conjunto de traos caractersticos que gravam no esprito do gegrafo a idia de regio.

    A geografia e a histria preciso dizer que nesta fisionomia o homem impe-se, direta ou indiretamente por sua pre-

    sena, por suas obras ou conseqncia de suas obras. Ele tambm um dos agentes poderosos que trabalha para modificar a superfcie. Coloca-se, por isso, entre os fatores geogrficos de primeira ordem. Sua obra sobre a Terra j longa; h poucas partes que no levam seus estigmas.

    Pode-se dizer que dele depende o equilbrio atual do mundo vivo. uma outra questo aquela de saber qual influncia as condies geogrficas exerceram sobre seus destinos e particularmente sobre sua histria. No posso deixar de abordar aqui este ponto importante. A Histria e a Geogra-fia so companheiras antigas por h muito tempo caminharem juntas e que, como acontece com os velhos conhecimentos, perderam o hbito de discernir as diferenas que as separam. Longe de mim a inteno de atrapalhar a harmonia deste arranjo. til, no entanto, que, continuando a prestar servios recprocos, elas tenham ntida conscincia das divergncias que existem nos seus pontos de partida e nos seus mtodos.

    A Geografia a cincia dos lugares e no dos homens. Ela se interessa pelos acontecimentos da Histria medida que acentuam e esclarecem, nas regies onde eles se produzem, as proprie-dades, as virtualidades que sem eles permaneceriam latentes. A histria da Inglaterra insular, a da Frana sacudida entre o mar e o continente; o dedo da Geografia est marcado sobre cada uma delas. Estes encadeamentos histricos tm seu lugar na evoluo dos fatos terrestres; mas quanto limitado o perodo de tempo que eles abrangem!

    uma espcie de trusmo opor a brevidade da vida humana durao que exige a natureza para suas mnimas mudanas: mas, enfim, quo poucas geraes seriam necessrias para colocar de ponta a ponta, para tocar no ponto alm do qual no h mais testemunho histrico, e mesmo, j que a Histria resume-se em grandes esforos coletivos, onde no h mais histria!

    O estudo da evoluo dos fenmenos terrestres supe o emprego de uma cronologia que difere essencialmente daquela da Histria. Somos, muitas vezes, levados a esquec-la. o que acontece, por exemplo, quando diante do espetculo de civilizaes decadentes, mencionamos a explicao dessas decadncias e dessas runas s das mudanas de climas. Seguramente, houve tais mudanas desde a poca quaternria; mas podemos aplicar seus efeitos histria humana?

    Ficamos inquietos diante de tais hipteses, cujo menor defeito no contornar a questo e fechar a porta s pesquisas que tomam a Histria por base, que no teriam, sem dvida, dito sua ltima palavra. tempo de concluir: conhecemos h muito tempo a Geografia incerta de seu objeto e de seus mtodos, oscilando entre a Geologia e a Histria. Esses tempos passaram. O que

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  • Fundamentos Tericos e Prticos do Ensino de Geografia

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    a Geografia, em troca do auxlio que ela recebe das outras cincias, pode trazer para o tesouro comum a aptido para no dividir o que a natureza juntou, para compreender a correspondncia e a correlao dos fatos, seja no meio terrestre que envolve a todos, seja nos meios regionais onde eles se localizam. H a, sem dvida nenhuma, um benefcio intelectual que pode estender-se a todas as explicaes do esprito. Retraando as vias pelas quais a Geografia chegou a esclarecer seu objetivo e a fortalecer seus mtodos, reconhecemos que ela foi guiada pelo desejo de observar cada vez mais diretamente, cada vez mais atentamente, as realidades naturais. Esse mtodo trouxe seus frutos: o essencial agarrar-se a eles.

    1. Sugesto de atividade em grupo com o uso do texto do gegrafo Paul Vidal de La Blache, sobre a Geografia: dividam a turma em seis grupos de trabalho. Cada equipe far uma sntese de um dos seis tpicos do texto e apresentar aos demais colegas.

    2. Realize uma pesquisa com pessoas de vrias idades. (sugesto: 3 jovens, 3 adultos e 3 idosos), com as seguintes perguntas:

    O que Geografia?a. Qual a importncia do estudo da Geografia?b.

    3. Com base nas respostas, elabore um texto comentando as opinies que mais lhe chamaram a ateno e apresente seu ponto-de-vista com relao ao estudo da Geografia.

    Formem grupos e organizem uma apresentao dos resultados. Cada equipe poder elaborar uma resposta para as questes da pesquisa e, como fechamento, confeccionar um painel com os resultados do trabalho.

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  • A sistematizao do saber geogrfico

    A evoluo da Geografia

    A t o final do sculo XVIII, o conhecimento geogrfico encontrava-se disperso. A diversidade de matrias com essa designao no permitia estabelecer um contedo unitrio. At ento, o termo Geografia podia estar associado aos relatos de viagens; aos compndios de curiosi-dades sobre lugares exticos; relatrios estatsticos, ao conhecimento de fenmenos naturais e outros conhecimentos sobre pores da superfcie terrestre.

    O rtulo Geografia bastante antigo, sua origem remonta Antigidade Clssica, especifica-mente ao pensamento grego do sculo V II a.C. Dessa forma, possvel considerar que o conhe-cimento sobre os fenmenos geogrficos e a busca pela compreenso das relaes do homem com seu meio estiveram associados ao desenvolvimento do pensamento da humanidade. No entanto, importante observar que a sistematizao do conhecimento geogrfico um fato que se consolidou efetivamente no incio do sculo XIX.

    As condies materiais para a sistematizao do conhecimento geogrfico surgem no processo da industrializao. No momento em que houve a necessidade de que os indivduos apresentassem determinadas capacidades para o processo produtivo foram lanadas as bases destas condies, por-tanto, so forjadas no processo de avano e domnio das relaes capitalistas (MORAES, 1997).

    A Geografia, nesse momento, apresentou-se como uma cincia particular e autnoma e, com es-sas identidades, ganhou espao na academia. Essa posio garantiu o desenvolvimento cientfico que, assim com as demais cincias, tornou-se um dos instrumentos para implementao dos interesses da burguesia na organizao e controle dos Estados.

    Nesse cenrio de transformao de uma produo feudal para um modelo capitalista, emergin-do uma nova dinmica na relao do homem com os elementos da natureza. A industria lizao mar-cou um novo momento de organizao socioespacial e estabeleceu as condies para o surgimento dos sistemas de ensino que passaram a aplicar as cincias na formao dos indivduos.

    A introduo da Geografia como disciplina integrante dos currculos escolares e universitrios foi realizada inicialmente pela Alemanha. Humboldt e Ritter foram protagonistas desse processo e constitu ram a base inicial do pensamento geogrfico nas escolas alems. Esse pensamento tinha como objetivo contribuir com a formao do Estado Nacional Alemo.

    Se antes a Geografia era destinada aos estados-maiores militares ou aos interesses financeiros, desde a final do sculo XIX, e inicialmente por razes patriticas, faz-se necessrio ensinar noes de Geografia aos futuros ci-dados. Essa Geografia, tornando-se um saber universitrio, no possui mais uma funo estratgica. Seu papel ideolgico e, por esta razo, se converte num discurso sem conotaes polticas expressas.

    A viso, naquele momento, foi a de que Geografia no caberia discutir os problemas do Estado, afirmando que este no objeto do conhecimento geogrfico. Assim, oculta-se o alcance poltico do saber geogrfico. A viso naturalista e mecanicista da realidade passou a determinar a organizao dos contedos da Geografia. (PEREI-RA, 1989, p. 38)

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  • Fundamentos Tericos e Prticos do Ensino de Geografia

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    Alguns dados so apresentados por Pereira (1989) e demonstram que em 1860, todas as crianas entre os 6 e os 15 anos na Prssia eram obrigadas a fre-qentar a escola. Na Prssia, em 1870, o percentual de analfabetos com mais de 10 anos era de 10% entre homens e 15% entre mulheres, chegando a atingir ndices inferiores a 5% em algumas regies.

    A necessidade de professores para as escolas exigiu do Estado a formao desses profissionais. A universidade assumiu ento esta tarefa, provocando a di-versificao das publicaes de cunho geogrfico e a expanso universitria. A partir 1871, as Ctedras da Geografia estendem-se a todas as universidades da Alemanha e ganham o reconhecimento dos pases inimigos.

    Em 1870, quando a Alemanha derrota a Frana, a vitria atribuda por muitos ao ensino ministrado nas escolas alems que de qualidade muito supe-rior ao que recebem os franceses. Torna-se voz corrente que a guerra havia sido ganha pelo mestre-escola alemo. A Frana, derrotada, lana-se num processo de reformulao do sistema de ensino. Entre as leis que foram promulgadas em 1870 estava a obrigatoriedade do ensino gratuito e laico. Estas reformas defendiam uma maior autonomia das universidades, criavam novas disciplinas e aumentavam o nmero de vagas para os professores universitrios. O modelo de ensino alemo serviu para os franceses disseminarem por meio das escolas as idias positivistas. Idias estas que tiveram como seu maior representante, Paul Vidal de La Blache.

    A escola geogrfica francesa nasce, portanto, como instrumento capaz de auxiliar na re-cuperao da imagem de grande potncia que a Frana perdera ao sair derrotada da guerra com a Alemanha. A geografia francesa, que at ento mantivera-se apenas como uma dis-ciplina auxiliar do ensino da Histria, fortemente marcada ainda pelo carter informativo e descritivo, ser alcanada ao nvel de cincia atravs das formulaes de Paul Vidal de La Blache. (PEREIRA, 1989, p. 46)

    O discurso geogrfico, na sua forma escolar, passa a funcionar, ento, como instrumento de mistificao. Os conhecimentos aplicados na educao francesa buscaram impedir o desenvolvimento de uma reflexo poltica acerca do espao e ocultar a estratgia praticada no nvel do espao como meio para a manuteno do poder.

    A Escola, em sua fase inicial de implementao, teve sua orientao vol-tada construo de Estados Nacionais e o fortalecimento das classes dominan-tes. Tal ponto de vista abre a perspectiva da compreenso da escola e do ensino de Geografia no contexto da expanso do capitalismo. Observa-se, tambm, que a Geografia coloca-se como protagonista das transformaes concretas vividas nesse momento e tambm consolida uma viso de educao geogrfica que ser criticada por vrias correntes que se formaro no sculo XX.

    As escolas de GeografiaA Geografia passou por diversos momentos na construo de sua base terica.

    possvel dividir a histria do pensamento geogrfico em dois momentos; o primeiro, que vai da origem da Geografia como cincia no sculo XIX at meados dos anos 50/60 do sculo XX, e o segundo, que vai dos anos 60 at os dias atuais.

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  • A sistematizao do saber geogrfico

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    O primeiro momento pode ser chamado de naturalista, j que essa escola en-tende o meio ambiente como a descrio do quadro natural do planeta (relevo, clima, vegetao, hidrografia, fauna e flora). As bases dessa Geografia, enquanto conheci-mento cientfico que se organizava, foram lanadas por Alexandre von Humboldt, conselheiro do rei da Prssia, e Karl Ritter, tutor de uma famlia de banqueiros.

    Humboldt era naturalista de formao, suas viagens eram, sobretudo, grandes aventuras, as quais apresentavam as bases do seu sistema de anlise sobre o meio ambiente. Acreditava ele que o gegrafo deveria contemplar a paisagem de uma forma quase esttica, o que daria ao observador as condies para explicar as causas das conexes nela contidas.

    Ritter tinha formao em Filosofia e Histria e buscou identificar as in-dividualidades dos arranjos espaciais. Suas pesquisas o levaram a concluir que, comparando essas individualidades, poderia-se determinar as causas que, para ele, estavam submetidas designao divina.

    Nesse primeiro momento, ainda, surge a obra de Friedrich Ratzel, tambm alemo e prussiano. Em sua anlise, Ratzel definiu o objeto geogrfico como o estu-do da influncia que as condies naturais exercem sobre a humanidade e na idia de que a natureza atua na possibilidade de expanso de um povo, impondo obstculos ou acelerando-a. Em 1882, escreve Antropogeografia fundamentos da aplicao da Geografia Histria, obra que lana a Geografia Humana nos debates acad-micos. A viso naturalista de Ratzel manteve o mtodo de anlise das cincias da natureza, pois esse concebia que as causas dos fenmenos humanos e naturais eram semelhantes. Constitui-se nesse momento, o princpio da escola determinista1.

    A escola determinista encontrou na Frana seus primeiros crticos. Paul Vidal de La Blache, um historiador que vivenciou a transio entre os sculos XIX e XX, fundou, tambm, a Escola Francesa de Geografia. Naquele momento, a burguesia francesa, vitoriosa pela revoluo e preocupada com a manuteno do poder e de seu projeto liberal, optou por impedir o mpeto revolucionrio popular, utilizando-se para tal da ruptura poltica no pensamento geogrfico. A Geografia de La Blache imprimiu no pensamento geogrfico o mito da cincia assptica, propondo uma despolitizao aparente do temrio dessa disciplina (MORAES, 1997).

    A crtica Geopoltica alem levou La Blache valorizao do elemento humano e seu componente criativo contido em suas aes e que, por esse motivo, no estavam submetidos s imposies do meio. O possibilismo de La Blache dei-xa evidente a ruptura com a viso naturalista ao afirmar que a Geografia uma cincia dos lugares, no dos homens. Assim, o que mais importava era a anlise do resultado da ao humana na paisagem e no a ao propriamente dita.

    A Geografia Fsica avana a partir da ruptura de La Blache e ter seu estudo aprofundado por Emmanuel de Martonne, que a divide em sub-ramos (geomorfolo-gia, climatologia, biogeografia e hidrogeografia). Em seu Tratado de Geografia Fsi-ca, de Martonne deixa implcito o mtodo positivista2, na medida em que subdivide o estudo da Geografia e apresenta sua viso, na qual os elementos naturais no se inter-relacionam na elaborao das diferentes paisagens. Essa abordagem permane-ceu com forte influncia sobre estudiosos durante a primeira metade do sculo XX.

    1Os discpulos de Ratzel mantiveram anlises emp-ricas, utilizando-se de mxi-mas como as condies natu-rais determinam a Histria, ou o homem produto do meio. Tais anlises manifestaram-se no Brasil por meio de inter-pretaes na Histria como, por exemplo: a indolncia do homem tropical, ou o sub-desenvolvimento, como fruto da tropi ca lidade. (MORAES, 1997)

    2Foi no sculo XIX, com Augusto Comte, que sur-ge o positi vismo. Segundo ele, a mente humana, ao procurar explicao para os fenme-nos, d inicialmente uma ex-plicao sobrenatural (teol-gica), depois uma explicao das causas por foras abstra-tas (meta fsica) e, finalmente, uma explicao visando a descoberta de leis que expli-cam os fenmenos. O mtodo, ento, apresenta-se como o conjunto de procedimentos cientficos que permitem tais explicaes.

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    O mtodo positivista teve vrios adeptos, porm, importante lembrar que a Geografia, enquanto uma cincia que se desenvolvia na academia, estava vin-culada produo de conhecimento para as classes dominantes. Poucos foram os estudiosos que se opuseram produo cientfica nestes moldes. Nesse aspecto, pode-se ressaltar a obra de Elise Reclus, militante anarquista que pertenceu Primeira Internacional e marcou presena na Comuna de Paris, sendo um dos estudiosos que se posicionou contrariamente aos interesses da burguesia francesa. Publicou as obras Geografia Universal e A Terra e o Homem, nelas demonstrando, naquele momento, a sua vertente ambientalista associada sua posio poltica anticapitalista, justificando o desinteresse na publicao de sua obra, reconhecida somente aps os anos 60.

    O segundo momento vivido pela Geografia na sua evoluo aconteceu nos anos 50. Esse perodo marcado pelo surgimento da Nova Geografia3, revisando as idias positivistas vigentes e marcando um novo momento no qual a Geografia Fsica revitalizava-se devido aos pressupostos do neopositivismo. Tais pressupos-tos caracterizavam essa nova etapa do pensamento geogrfico. Nos anos 60, surge a Teoria Geral dos Sistemas4, influenciando a Geografia Fsica na sua anlise e no tratamento do quadro natural do planeta. Na Unio Sovitica, denomina-se essa abordagem metodolgica de Geossistmica5.

    Os Estados Unidos, por sua vez, preocuparam-se em formular meto dologias terico-quantitativistas, seguindo as linhas de William Morris Davis. Essa con-cepo terica, segundo Christofoletti (1982) predominou de modo inconteste por quase meio sculo. Se muitas crticas lhe eram endereadas, no surgia outra proposio coerente e global capaz de substitu-la.

    importante ressaltar que essas duas concepes estavam embutidas em um contexto poltico internacional que delimitava o conhecimento cientfico aos interesses de duas grandes potncias polticas e industriais. Essa predominncia no impediu o desenvolvimento de diversas abordagens geogrficas em outros pases. No entanto, so compreendidos nessa pesquisa como principais protago-nistas das alteraes ambientais deste perodo.

    Os princpios fundamentais da cincia geogrfica

    As diferentes escolas de Geografia que se desenvolveram ao longo dos scu-los XIX e XX deixaram grandes contribuies tericas e metodolgicas. Para que possamos compreender o funcionamento do pensamento geogrfico importante ter em mos alguns dos seus princpios fundamentais que auxiliam na explicao dos fenmenos geogrficos.

    O princpio da extenso todo o fenmeno geogrfico tem sua ocorrn-cia numa determinada poro do espao, portanto, esse fenmeno pode ser delimitado, dimensionado, aferido e representado.

    3 A denominao de Nova Geografia foi inicial-mente proposta por Manley (1966), considerando o con-junto de idias e de aborda-gens que comearam a se difundir e a ganhar desen-volvimento durante a dcada de 50. O surgimento de novas perspectivas de abordagem est integrado na transforma-o profunda provocada pela Segunda Guerra Mundial nos setores cientfico, tecno-lgico, social e econmico. (CHRISTO FO LET TI, 1982).

    4 Ludwig von Bertalanffy escreve em 1968 a Teo-ria Geral dos Sistemas que, segundo ele, consiste numa ampla concepo que trans-cende de muitos problemas e exigncias tecnolgicas, uma reorientao que se tornou necessria na cincia em geral e na gama de disci-plinas que vo da Fsica e da Biologia s Cincias Sociais e do comportamento e Fi-losofia.Segundo CAPRA, 1996, Ber-talanffy no viu e rea lizao de sua viso, no entanto, duas dcadas depois de sua morte, em 1972, uma concep-o sistmica de vida, mente e conscincia comeou a emergir, transcendendo fron-teiras disciplinares e, na ver-dade, sustentando a promessa de unificar vrios campos de estudo que antes eram sepa-rados.

    5 Segundo Mendona (1998), Soctchava considerou o geossistema como abor dagem metodolgica da Geografia Fsica para o tratamento do quadro natural do planeta. Essa metodologia marcou na geogra-fia fsica sovitica, permitindo um amplo co nhecimento do territrio.

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    O princpio da analogia todo o fenmeno geogrfico possvel de ser comparado a outros fenmenos do mesmo tipo, assim, pode-se estabele-cer semelhanas e diferenas que facilitaro a sua compreenso.

    O princpio da causalidade todo o fenmeno geogrfico tem uma ou mais causas, por isso, o entendimento delas deve ser buscado e explicado a fim de se entender o processo.

    O princpio da atividade todo o fenmeno geogrfico tem um carter dinmico em constante transformao e o seu estudo deve compreender sua relao com o tempo histrico, assim, cada fato est associado ao movimento contnuo da sociedade e da natureza.

    O princpio da conexidade todo o fenmeno geogrfico provoca mu-taes em outros fenmenos interligados, assim como sofre mutaes por eles provocadas.

    Grandes conceitos da GeografiaComo todas as demais cincias sociais, a Geografia possui alguns conceitos-

    chave que permitem apresentar o seu objeto, delimitando suas categorias especficas. Como cincia social, a Geografia tem por seu objeto de estudo a sociedade humana sobre a superfcie terrestre, a morada do homem. Os conceitos que iremos apresentar tm entre si uma aparente semelhana, pois em nosso cotidiano usamos muitas vezes essas expresses, porm elas so categorias fundamentais para compreendermos a complexidade da sociedade em suas relaes e nas relaes com a natureza.

    O espao geogrficoDurante a evoluo do pensamento geogrfico ocorreram muitas escolas

    e pensamentos distintos. A Geografia Tradicional concebeu o espao como um receptculo que apenas contm as coisas, os objetos, ou seja, o termo espao utilizado no sentido de rea que contm os fenmenos e que estes so localizveis. A Geografia Teortica-quantitativa apresenta o espao em duas perspectivas. A primeira admite o espao como a plancie isotrpica que se explica de forma ra-cionalista e hipottica-dedutiva. A segunda executa as representaes matriciais e topolgicas, constituindo os meios operacionais que permitem conhecer a organi-zao espacial e gerar diferentes modelos de interpretao da realidade espacial.

    A Geografia Crtica surge na dcada de 1970, sendo que sua maior base filosfica assenta-se no materialismo histrico e na dialtica sustentados na obra de Karl Marx. Dessa forma, rompe com a viso tradicional e com a viso quanti-tativista. O espao agora visto como o locus da reproduo das relaes sociais de produo. A contribuio de Henri Lefbvre para a afirmao de que o espao o locus da reproduo da sociedade aparece na sua obra A Produo do Espao (1974) e em muitas outras obras.

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    Do espao no se pode dizer que seja um produto como qualquer outro, um objeto ou uma soma de objetos, uma coisa ou uma coleo de coisas, uma mercadoria ou um conjunto de mercadorias. No se pode dizer que seja simplesmente um instrumento, o mais impor-tante de todos os instrumentos, o pressuposto de toda produo e de todo o intercmbio. Estaria essencialmente vinculado com a reproduo das relaes (sociais) de produo. (LEFBVRE, 1976, p. 34)

    A vasta obra de Milton Santos teve grande inspirao em Lefbvre e seu con-ceito de espao social. A natureza e o significado do espao aparecem como fator social e no apenas como reflexo. Constitui-se o espao, segundo Milton Santos, em uma instncia da sociedade organizada que subordina e subordinado por ela. Para analisar o espao, Santos (1985) sugere o uso das seguintes categorias:

    Forma o aspecto visvel, exterior e perceptvel ao observador de um objeto ou de um conjunto de objetos.

    Funo implica em uma tarefa, atividade ou papel a ser desempenhado pelo objeto ou conjuntos de objetos em forma.

    Estrutura diz respeito natureza social e econmica de uma socie-dade em determinado momento histrico, a matriz social na qual as formas e funes so criadas e justificadas.

    Processo definido como uma ao que se realiza de modo contnuo, visando resultados, que constantemente so reformulados pelas contra-dies internas de cada sociedade, ao longo do tempo.

    Forma, funo, estrutura e processo so quatro termos disjuntivos associados, a empre-gar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente, representam apenas realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados em conjunto, porm, e relacionados entre si, eles constroem uma base terica e metodolgica a partir da qual podemos discutir os fenmenos espaciais em totalidade. (SANTOS, 1985, p. 52)

    A Geografia Humanstica e Cultural que se desenvolveu tambm na dcada de 1970, preocupou-se em buscar uma definio em relacionar noo de espao a subjetividade humana. O espao adquire a idia de espao vivido. Assim, apresentam-se vrios tipos de espaos pessoais e grupais que so vivenciados por meio de construes materiais e simblicas. As temticas referentes ao espao vivido so inicialmente desenvolvidas nas escolas francesas e debatidas em dife-rentes lugares.

    A posio de Tuan, ao pensar um espao mtico, revela a possibilidade de penetrar no universo do sagrado e do profano que habita o interior humano.

    O espao mtico tambm uma resposta do sentimento e da imaginao s necessidades humanas fundamentais. Difere dos espaos concebidos pragmtica e cientificamente no sentido que ignora a lgica da excluso e da contradio (TUAN, 1983, p. 112).

    Assim, o espao geogrfico firma-se como o resultado da ao concreta do trabalho humano. De acordo com cada civilizao deu-se a evoluo das formas de produzir a sobrevivncia. Da coleta agricultura, da indstria biotecnologia, foram mais de 5 milhes de anos de evoluo humana que imprimiram na su-perfcie terrestre o rastro da humanidade. O espao geogrfico revela as causas e efeitos de cada sociedade que o produz.

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    O lugarO conceito de lugar guarda uma dimenso prtico-sensvel, isto , trata-se

    da poro espacial necessria e apropriada para a existncia individual. Nesse caso, lugar configura-se no espao vivido e reconhecido. Ao viver e estabelecer relaes de consenso e conflito, o indivduo adquire uma identidade. Para Tuan (1979), o lugar possui um esprito, uma personalidade, havendo um sentido de lugar que se manifesta pela apreciao visual ou esttica e pelos sentidos a partir de uma longa vivncia. no lugar que ocorrem as relaes do movimento da vida, enquanto dimenso do tempo passado e presente. O lugar comporta, por-tanto, as condies fsicas e humanas para o exerccio da relao sujeito-objeto.

    A regioA palavra regio deriva do latim regere, palavra composta pelo radical reg,

    que deu origem a outras palavras como regente, regncia, regra, e outras. O Im-prio Romano designava regione para as reas subordinadas s regras de Roma. Atualmente, emprega-se, em geral, esse conceito para se designar determinadas reas onde h predomnio de determinadas caractersticas que as distingue das demais. Tambm um sentido bastante usado para unidades administrativas para facilitar a administrao dos estados.

    Na Geografia, o conceito de regio bastante discutido desde muito tempo. Inicialmente, aparece como suporte para as explicaes de ambientes naturais. As regies naturais surgem ento da idia de que existem determinados ambientes com certos domnios que orientam o desenvolvimento da sociedade. A perspec-tiva humanista concebe a regio como unidades bsicas do saber geogrfico que resultam da ao humana em determinado meio ambiente, explicando as formas de civilizao, gneros de vida que devem ser apreendidos e explicados. Com o avano das tcnicas de representao e gerao de informaes surgem muitas perspectivas para assuntos regionais dando um impulso a inmeros estudos geo-grficos de mbito regional.

    Podemos considerar em nosso estudo de Geografia que a regio manifes ta-se como resultado da diviso do espao por meio de um sistema classificatrio, hierrquico e uniforme; como produto relativo, fruto da aplicao de critrios par-ticulares que operam internamente e so predeterminados; como um conceito que se funda a partir do interesse de comunidades em relao a determinadas reas.

    O territrioO territrio surge das relaes entre os atores sociais, polticos e econmi-

    cos que interferem na gesto do espao geogrfico. Ele refere-se aos projetos e prticas desses atores, numa dimenso concreta, funcional, simblica, afetiva e manifesta-se em diferentes escalas. O territrio fundamentalmente um espao definido e delimitado para e a partir de relaes de poder. Se as condies ne-cessrias existncia de uma sociedade esto contidas nos recursos naturais de determinadas reas ou se as ligaes afetivas e de identidade entre grupos sociais

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    e seu espao de vivncia esto criadas as condies para a constituio da terri-torialidade.

    O territrio surge na tradicional Geografia Poltica como um espao con-creto em si que apropriado, ocupado por um grupo social. As identidades socio-culturais das pessoas estariam ligadas aos atributos do espao concreto e este delimitado por fronteiras. Assim, assume a sua forma de organizao espacial.

    A paisagemPode ser compreendida como uma unidade visvel do arranjo espacial que

    a nossa viso alcana. A paisagem tem um carter social, pois ela formada de movimentos resultantes da ao humana por intermdio do seu trabalho, da sua cultura e dos seus sentimentos. A paisagem ento percebida e apreendida constantemente. Portanto, ela produto da percepo humana que se desenvolve no processo seletivo de apreenso emprica do indivduo em suas relaes com o ambiente e com os grupos sociais aos quais pertence.

    A paisagem nos permite compreender como os indivduos percebem, repre-sentam e explicam aquilo que percebido e sentido e percebemos tudo isso por meio de algumas das grandes obras produzidas ao longo da Histria da Arte. No muito longe podemos perceber nos sensveis traos de uma criana ao desenhar sua famlia, as condies objetivas de conhecermos o pensamento humano por meio de suas representaes do espao sensvel, humano, nico e real. A paisa-gem uma categoria til a todo o educador para suas abordagens cotidianas.

    A reflexo sobre a importncia do ensino da Geografia podero ser debatidas e aprofundadas nos encontros de estudo.

    1. Durante a evoluo da Geografia surgiram vrias correntes de pensamento que se apresentaram como alternativas de explicao do espao humano e que serviram de orientao para a forma-o de diferentes naes do planeta. Faa um comentrio sobre a importncia da Geografia na organizao dos territrios nacionais que se constituram a partir do sculo XVII.

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    2. Com base nos conhecimentos sobre os princpios fundamentais da Geo grafia, desenvolva uma proposta de estudo sobre algum tema da Geografia que mais lhe interesse. Lembre-se de que todo o fenmeno geogrfico possui suas dimenses de extenso, analogia, causalidade, cone-xidade e atividade. Aps ter desenvolvido sua proposta de estudo, escreva e apresente para seu grupo.

    3. Observe a paisagem do lugar onde voc mora ou trabalha, escreva uma breve descrio e dese-nhe-a no quadro.

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  • Ser humano: o construtor do espao

    O homem vive uma relao metablica com o restante da natureza, uma relao de intercmbio intranatureza

    realizada pelo e com o trabalho. Desse intercmbio, o homem extrai suas condies de sobrevivncia, mudando o con-

    junto da natureza ao tempo que muda a si mesmo. D-se, ento, uma relao de hominizao do homem pelo prprio

    homem, um processo de histria social que desdobra uma longa histria de hominizao do homem pela evoluo natural da natureza. Essa relao interna do homem com o restante do universo e da natureza se externaliza para se

    materializar na forma do espao. Ento, o que internamente era relao de metabolismo do homem com a natureza,

    externamente passa a ser a relao de espao do homem com o homem na sociedade historicamente concretizada.

    (MOREIRA, 2002)

    O nascer da humanidade

    A Geografia, ao trabalhar com as escalas temporais para explicar as diferentes paisagens e fen-menos geogrficos, utiliza-se tanto do tempo geolgico (Eras da evoluo natural do Universo e da Terra) como do tempo histrico (o tempo da existncia da humanidade). Para este ensaio usaremos o tempo histrico, em que apresentaremos uma breve resenha da evoluo humana desde seu surgimento at hoje e das marcas de suas relaes deixadas na superfcie terrena.

    Existem muitas perguntas acerca da evoluo do gnero Homo e seus predecessores. Segundo Foladori (2001), nas ltimas dcadas realizaram-se avanos importantes na Paleontologia Humana e da Biologia Molecular. Segundo os dados da Biologia Molecular, os primeiros homindeos come-aram a desprender-se do tronco comum, que tambm deu origem aos grandes smios, h 5 ou 6 milhes de anos. Pouco tempo em relao aos demais seres vivos.

    Hoje, os fsseis homindeos mais primitivos conhecidos datam de 3,5 milhes de anos (Australopitecus afarensis). Sua diferena bsica em relao aos parentes smios a posio erguida e de locomoo bpede no to sofisticada como as do Homo erectus e Homo habilis, so datados em 2,5 milhes de anos.

    A mudana da postura foi fundamental para a liberao das mos e para a transformao de todo o organismo, vinculada s presses seletivas, produto de importantes transformaes climticas.

    H 20 milhes de anos comeou uma poca de resfriamento generalizado, que implicou uma reduo da franja equatorial e substantivas alteraes em todo o mundo. A isso se so