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2981 ENSINO DE HISTÓRIA E FILOSOFIA DA BIOLOGIA: UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES DE ENSINO MÉDIO. Thais Gimenez da Silva Augusto, Leticia Vieira Basilio, Bruno Mangili de Paula Rodrigues Universidade Estadual Paulista, campus de Jaboticabal, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Departamento de Economia, Administração e Educação. Eixo Temático 2: Formação continuada e desenvolvimento profissional de professores da educação básica. Programa Núcleos de Ensino – Prograd/Unesp. [email protected] 1. Introdução Os documentos curriculares produzidos nas últimas décadas enfatizam a importância da utilização da História e Filosofia da Ciência (HFC) para a construção do conhecimento científico na escola. Esses documentos explicitam a necessidade de que o ensino de Ciências proporcione uma aprendizagem acerca da própria Ciência, seus métodos e sua relação com a sociedade (BRASIL, 1998; BRASIL, 1999; BRASIL, 2002). Segundo esses documentos, a abordagem da História da Ciência no ensino de Ciências visa fornecer ao aluno os meios para que ele possa compreender de que maneira ocorre o desenvolvimento científico; como esse desenvolvimento científico influencia as transformações observadas no âmbito social e como as questões sociais influenciam o desenvolvimento da Ciência. Tem como objetivo mostrar ao aluno que a realidade está em contínua transformação e revelar qual o contexto social (cultura, ideias, economia) do momento em que uma teoria foi construída. Além do exposto, o elo entre Filosofia e História da Ciência pode promover um ensino interdisciplinar, que seja desafiador, articulador e integrador na construção de conhecimento científico pelo educando, já que o desenvolvimento do pensamento científico está intimamente ligado ao contexto no qual foi gerado, como Goulart (2005) discorre, evidenciando que o processo histórico da construção de conceitos revela a lógica da ciência: A ciência não é apenas uma coleção de leis, um catálogo de fatos não relacionados entre si. É uma criação da mente humana, com seus conceitos e ideias livremente inventados. As teorias... tentam fomentar um quadro da realidade e estabelecer sua conexão com o amplo mundo das impressões sensoriais. Assim a única justificativa para as nossas estruturas mentais é de que maneira as nossas teorias formam tais elos (EINSTEIN e INFELD, 1976, p. 235 apud GOULART, 2005, pg. 3-4). Isto permite posicionar o ensino de História e Filosofia da Ciência como um possível caminho para a melhoria do ensino de Ciências auxiliando os extudantes a fazer

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ENSINO DE HISTÓRIA E FILOSOFIA DA BIOLOGIA: UMA PROPOSTA DEFORMAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES DE ENSINO MÉDIO.

Thais Gimenez da Silva Augusto, Leticia Vieira Basilio, Bruno Mangili de Paula Rodrigues

Universidade Estadual Paulista, campus de Jaboticabal, Faculdade de Ciências Agráriase Veterinárias, Departamento de Economia, Administração e Educação.

Eixo Temático 2: Formação continuada e desenvolvimento profissional de professores daeducação básica.

Programa Núcleos de Ensino – Prograd/Unesp.

[email protected]

1. Introdução

Os documentos curriculares produzidos nas últimas décadas enfatizam a

importância da utilização da História e Filosofia da Ciência (HFC) para a construção do

conhecimento científico na escola. Esses documentos explicitam a necessidade de que o

ensino de Ciências proporcione uma aprendizagem acerca da própria Ciência, seus

métodos e sua relação com a sociedade (BRASIL, 1998; BRASIL, 1999; BRASIL, 2002).

Segundo esses documentos, a abordagem da História da Ciência no ensino de

Ciências visa fornecer ao aluno os meios para que ele possa compreender de que

maneira ocorre o desenvolvimento científico; como esse desenvolvimento científico

influencia as transformações observadas no âmbito social e como as questões sociais

influenciam o desenvolvimento da Ciência. Tem como objetivo mostrar ao aluno que a

realidade está em contínua transformação e revelar qual o contexto social (cultura, ideias,

economia) do momento em que uma teoria foi construída.

Além do exposto, o elo entre Filosofia e História da Ciência pode promover um

ensino interdisciplinar, que seja desafiador, articulador e integrador na construção de

conhecimento científico pelo educando, já que o desenvolvimento do pensamento

científico está intimamente ligado ao contexto no qual foi gerado, como Goulart (2005)

discorre, evidenciando que o processo histórico da construção de conceitos revela a

lógica da ciência:

A ciência não é apenas uma coleção de leis, um catálogo de fatos nãorelacionados entre si. É uma criação da mente humana, com seusconceitos e ideias livremente inventados. As teorias... tentam fomentarum quadro da realidade e estabelecer sua conexão com o amplo mundodas impressões sensoriais. Assim a única justificativa para as nossasestruturas mentais é de que maneira as nossas teorias formam tais elos(EINSTEIN e INFELD, 1976, p. 235 apud GOULART, 2005, pg. 3-4).

Isto permite posicionar o ensino de História e Filosofia da Ciência como um

possível caminho para a melhoria do ensino de Ciências auxiliando os extudantes a fazer

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conexões entre os conceitos e compreender melhor a trajetória do conhecimento

científico até os dias de hoje. Ademais, a utilização da História e Filosofia da Ciência no

ensino de Ciências é uma estratégia didática que contribui na construção de

competências e habilidades por parte dos educandos.

Os livros didáticos costumam mencionar a História da Ciência ou breves

biografias de cientistas de forma desarticulada ao ambiente, apenas citando datas e

nomes de cientistas de destaque. Essa abordagem pode ser perigosa pois possibilita a

redução do fato histórico a uma simples descoberta, em que apenas uma pessoa é a que

“postula a verdade”. O cientista é tido como “gênio” e pouco se problematiza sobre a

participação de outros pesquisadores e o contexto histórico-social e cultural presente na

época. Algumas vezes se faz menção a outros cientistas, mas que geralmente são

tratados como oponentes “menos capazes” ou “perdedores” de uma disputa científica,

por não serem as teorias desses as que são aceitas atualmente. Ou seja, o que se

observa, quando se fala sobre História da Ciência, é a exaltação de um cientista em

detrimento do outro (WYKROTA, 1998):

A versão histórica corriqueira nos livros didáticos de Biologia, quandoexiste passa frequentemente pela citação de um breve elenco deeminentes descobridores e pela narrativa da seleção de contribuiçõesque se sucedem cronologicamente até a aceitação da ideia que vigora.Desse modo, ao exaltar a sua eficiência, o faz em detrimento das outras,vencidas, derrotadas, ou socialmente desprestigiada, que permanecemno passado da ciência, mas não são usadas no ensino de ciências(WYKROTA, 1998, p. 17).

O uso da História da Ciência no ensino deveria evidenciar que “o saber histórico é

produzido coletivamente por um numeroso grupo de especialistas (e não individualmente,

pela atuação de alguns poucos cientistas geniais)” (BASTOS, 1998, p. 33).

Em síntese, Carneiro e Gastal (2005, p. 38) afirmam que:

Apesar do reconhecimento quase consensual sobre a necessidade deabordagem histórica dos conteúdos da Biologia, falta ainda um maiornúmero de estudos que possibilitem uma avaliação sobre se e comoessa perspectiva histórica têm sido efetivamente trabalhada em sala deaula, e em que contextos. [...] Não basta afirmar a necessidade de adotaruma perspectiva histórica no ensino de Biologia sem que osinstrumentos para que esta proposta seja levada a cabo de maneirasatisfatória sejam desenvolvidos. [...] Tal necessidade também implicaum esforço concentrado na produção de materiais curriculares quepossam fornecer aos professores indicadores a respeito de comotrabalhar esta abordagem em suas aulas.

Essa breve explanação, demonstra a importância de inserir a História e a Filosofia da

Ciência no ensino de Biologia e a necessidade de formar professores para essa tarefa

complexa e produzir materiais didáticos que possam auxiliá-los.

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2. Objetivo

O objetivo do presente trabalhado é descrever e analisar uma proposta de

formação continuada em desenvolvimento para professores de Biologia, vinculados à

Diretoria de Ensino de Jaboticabal, sobre o Ensino de História e Filosofia da Biologia.

3. Metodologia

O presente trabalho é parte do projeto de pesquisa “Ensino de História e Filosofia

da Biologia na educação básica”. O referido projeto teve início com uma pesquisa do tipo

estado da arte que mapeou 71 trabalhos dentro do escopo do ensino de Ciências sobre a

História e a Filosofia da Biologia. Através dessa pesquisa foi possível obter as teses e

dissertações sobre essa temática na íntegra e elas foram utilizadas como referencial

teórico para a elaboração de sequências didáticas para o ensino fundamental e médio e

para uma proposta de formação continuada para professores de Biologia.

As sequências didáticas produzidas a partir das dissertações e teses tiveram como

tema “O que é vida?”, “A história da pesquisa médica sobre doenças infecciosas” e

“História das ideias sobre evolução biológica”. Essas sequências foram ministradas a

alunos da educação básica e aprimoradas pelo grupo de pesquisa, que compreende uma

docente universitária e três graduandos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas.

Após estabelecimento de parceria com a Diretoria Regional de Ensino em

Jaboticabal para o desenvolvimento de uma série de encontros de formação continuada

para professores de Biologia, ficou definido que o tema do primeiro encontro seria “A

história da pesquisa médica sobre doenças infecciosas”.

Assim, o primeiro passo para a preparação desse encontro de formação foi analisar

o Material de Apoio do Currículo do Estado de São Paulo, que é amplamente utilizado

pelos professores, para avaliar o que ele traz sobre História e Filosofia da Biologia.

O segundo passo consistiu na elaboração de um questionário para coletar as

concepções dos professores participantes do encontro sobre a HFB e sua importância no

ensino. Elaborou-se um questionário inspirado na tese de Scoaris (2007), que

desenvolveu um instrumento para a avaliação de concepções docentes sobre o ensino

de HFC. O questionário foi adaptado às necessidades da presente pesquisa e respondido

por 24 docentes de Biologia da rede pública estadual, vinculados à Diretoria de Ensino de

Jaboticabal.

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O instrumento tem como base a escala Likert em que são feitas afirmações sobre

as quais o respondente deve assinalar se concorda plenamente, concorda, não concorda

nem discorda, discorda, discorda plenamente ou não sabe.

O questionário compreende 35 assertivas sobre três temáticas: natureza da

Ciência, importância da HFC no ensino e a formação dos professores em HFC. As

respostas dos professores foram tabuladas e analisadas.

No início do primeiro encontro de formação, os professores responderam a esse

questionário e, ao final, foi distribuído um novo questionário, elaborado pela Professora

Coordenadora da Oficina Pedagógica da Diretoria Regional de Ensino, para que os

docentes avaliassem o encontro.

O encontro foi filmado para posterior transcrição e análise das interações

realizadas.

Assim, esta pesquisa caracteriza-se como qualitativa, pois diferentemente da

quantitativa, não busca representatividade numérica em seus resultados, tem o seu foco

mais nos processos que no seu produto. Além disso, na pesquisa qualitativa prevalece o

método descritivo, tendo em sua maioria dados como entrevistas, fotografias,

depoimentos, estudos de caso, entre outros. Ao analisar, o pesquisador qualitativo deve

respeitar integralmente a forma com que os dados encontram-se e a perspectiva dos

participantes (Bogdan & Biklen, 1994, p.47).

4. Desenvolvimento

Análise da presença da História e Filosofia da Biologia no Material de Apoio doCurrículo do Estado de São Paulo

O primeiro passo dos integrantes do projeto foi analisar a presença de conteúdos

de História e Filosofia da Biologia no Material de Apoio do Currículo do Estado de São

Paulo e a forma de abordagem dessa temática. A escolha desse material para a análise

justifica-se uma vez que os cadernos do professor e do aluno vinculados ao Currículo do

Estado de São Paulo são o material didático oficial da rede pública estadual de ensino.

Esses cadernos são amplamente distribuídos em todas as escolas estaduais de ensino

fundamental e médio.

Assim, foi feita uma análise documental do “Caderno do Professor” do primeiro,

segundo e terceiro ano do ensino médio, da disciplina de Biologia. O Caderno do Aluno

traz o mesmo conteúdo do Caderno do Professor, mas é menos completo, ou seja, traz

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apenas textos e atividdes, enquanto o Caderno do Professor traz também as orientações

didáticas para o docente.

Os seis volumes foram lidos na íntegra pelos autores do presente trabalho, os quais

buscaram identificar a forma de abordagem dos conteúdos relacionados à História e

Filosofia da Biologia.

Os resultados da análise mostraram que há vinte e nove menções à História e

Filosofia da Biologia no material e um capítulo inteiro dedicado ao tema. Esse capítulo

trata da História do desenvolvimento das vacinas e traz questões reflexivas e analíticas,

voltadas a diferenciação entre fato e hipótese e exercícios de elaboração de hipóteses e

de experimentos (Situação de Aprendizagem 6- História da Vacinação, p. 55-70, 1º. ano

do ensino médio, volume 2).

Figura 1. A camponesa destemida

Nos outros volumes, a abordagem geralmente é feita através de quadros de texto

que ilustram trechos pontuais da História da Biologia. Mesmo quando os textos são mais

longos e detalhados, eles contam a história do desenvolvimento científico de uma teoria

de forma linear, sem problematização ou questionamentos posteriores que levem a

reflexão sobre a natureza da Ciência e o fazer científico. Geralmente, há questionários

sobre o conteúdo abordado nos quadros, mas as questões estão relacionados ao

conteúdo biológico em si e não a História ou Filosofia da Biologia. As exceções a esse

padrão são uma atividade que solicita aos alunos a elaboração de um texto sobre o

trabalho de Mendel (p.40, 2º. ano do ensino médio, volume 2) e um pequeno texto sobre

uma fraude científica em Paleontologia que traz uma questão sobre a natureza da

Ciência (p.66, 3º.ano do ensino médio, volume 2). Os conteúdos mais frequentemente

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abordados historicamente são Genética, Evolução, Origem da Vida e Paleontologia. A

Filosofia da Biologia está menos presente.

Figura 3. O homem de Piltdown

Concepções de professores de Biologia sobre a natureza da Ciência e aimportância do ensino de História e Filosofia da Biologia

A primeira atividade do primeiro encontro de formação de professores, foi a

aplicação do questionário para coletar as concepções do grupo sobre o ensino de

História e Filosofia da Biologia e a formação que tiveram sobre a temática.

A primeira categoria possibilitou observar que os professores têm uma visão

positivista em relação há alguns aspectos da natureza da Ciência (70%). Entendem ainda

que a sociedade e a religião podem influenciar o trabalho dos cientistas e possuem uma

visão linear e cumulativa da produção dos conhecimentos científicos, acreditando que os

resultados produzidos são patrimônio de toda a humanidade, o que pode ser considerada

uma visão ingênua.

A segunda categoria demonstra que a maioria dos professores reconhece a

importância da HFC no ensino, acreditando que a abordagem da mesma seja insuficiente

nos livros didáticos. Em relação a inserção da HFC nos currículos, a maior parte dos

professores foi favorável, alguns neutros.

As respostas ao terceiro grupo de assertivas mostra que os professores

reconhecem a importância da HFC para a sua formação, contudo boa parte deles afirma

que conhece apenas aspectos pontuais da HFC.

Assim, foi possível perceber que os professores vinculados à Diretoria Regional de

Ensino de Jaboticabal não possuem uma percepção totalmente acrítica da Ciência,

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estando em processo de construção de uma visão mais realista da natureza da Ciência

que poderá ser melhor elaborada a partir do curso de formação continuada proposto.

O primeiro encontro de formação continuada

O projeto está sendo desenvolvido desde março de 2015 e já é possível descrever

alguns resultados.

Foram convocados para o primeiro encontro de formação, pela Diretoria Regional

de Ensino de Jaboticabal, 25 professores de Biologia, vinculados as escolas estaduais da

região.

O encontro teve duração de oito horas. Foram desenvolvidas as atividades

descritas a seguir.

Iniciou-se com a apresentação do projeto, seus objetivos e dos participantes aos

professores através de uma conversa informal. Em seguida, os professores responderam

ao questionário inicial e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,

assentindo com o uso de suas respostas para fins de pesquisa.

Passou-se então para uma apresentação em power point destacando a

importância da História e Filosofia da Ciência no ensino a partir dos documentos oficiais

que abordam as diretrizes para o ensino de Ciências e Biologia e alguns autores

renomados que abordaram esse assunto.

A terceira atividade da manhã foi a discussão com os professores sobre a

Sequência de Aprendizagem do Caderno da rede pública estadual sobre a origem da

vacina. Foi perguntado aos professores se eles trabalham essa situação de

aprendizagem, de que forma e se os alunos se interessam. Eles responderam que

raramente conseguem chegar a esse tema, já que está no final do caderno do primeiro

ano. Os que afirmaram que já desenvolveram algumas vezes, relataram que os alunos

costumam se entediar com o excesso de textos e questões, consideram a metodologia

repetitiva e cansativa para os alunos. Aproveitamos essa atividade para estabelecer a

diferença entre fatos e hipóteses, conceito desenvolvido através dessa Situação de

Aprendizagem.

No período da tarde, passamos a abordar uma sequência didática por nós

desenvolvida com base no estudo de teses, que tinha como tema A História da pesquisa

médica sobre as doenças infecciosas, focando principalmente nas pesquisas sobre a

febre amarela e sobre a febre do parto, em ambas abordando os aspectos históricos e

sociais envolvidos. Para o desenvolvimento do tema, utilizamos uma apresentação em

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power point, trechos do filme “A Vida de Louis Pasteur”, que trata da febre do parto e um

questionário sobre o Diário de Semmelweis, que ilustra as pesquisas do médico sobre a

febre do parto.

Por último, foi desenvolvida uma atividade lúdica e interativa como forma de

avaliação dos conteúdos abordados. A mesma consistiu em um jogo de perguntas e

respostas em que os professores foram divididos em dois grupos. Um integrante de cada

grupo ficava sobre um tabuleiro confeccionado em EVA e avançava uma casa a cada

resposta correta. Ambos os grupos receberam um pequena lousa e giz para anotar a letra

correspondente à alternativa que consideravam correta. Após cerca de um minuto, os

dois grupos deveriam levantar a lousa mostrando sua resposta. Os professores

participantes acertaram todas as perguntas e demonstraram empenho, interesse e

motivação em relação a atividade.

No final do primeiro encontro de formação, foi aplicado um segundo questionário.

Este, por sua vez, fora elaborado pela Diretoria de Ensino, sendo constituído por

questões abertas. Esse questionário tinha como objetivo que os professores avaliassem

o encontro e dessem sugestões para as próximas formações. Uma análise preliminar dos

questionários mostrou que, no geral, os professores gostaram e elogiaram bastante a

metodologia utilizada e os recursos didáticos apresentados, principalmente o jogo de

tabuleiro. Entre os principais temas sugeridos para os próximos encontros estão:

Evolução, Genética e Biologia Celular. Assim, elegemos para o próximo encontro o tema

Evolução, pois o grupo já vinha produzindo um material relacionado ao assunto.

5. Discussão dos resultados

Os resultados encontrados em relação às concepções de professores sobre a

utilização da História e Filosofia da Biologia no ensino vão ao encontro da pesquisa de

Duarte (2004) que analisou cinco estudos portugueses a respeito de concepções

docentes sobre a inserção da História da Ciência no ensino. Os estudos analisados pela

autora foram feitos com professores de Química e Física, contudo chegam a resultados

semelhantes aos nossos:

[...] dos resultados obtidos parece ser legítimo inferir que, apesar dealguns desses professores valorizarem a História da Ciência no ensinodas Ciências, isto não parece ser necessariamente congruente com autilização da História da Ciência nas suas práticas de ensino. E emboraos estudos referidos digam respeito a professores de Ciências Físico-Químicas, é de se admitir que uma situação semelhante ocorra comprofessores de outras disciplinas de Ciências (DUARTE, 2004, p. 323).

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A autora relata que dada à importância da História da Ciência no ensino, países

europeus, especialmente Portugal, fizeram mudanças curriculares a fim de inserir essa

temática no ensino de Ciências. Mas ela ressalta que a inserção da História da Ciência

nos currículos é insuficiente se não se investir na formação dos docentes para

desempenharem tal tarefa. Grande parte das Universidades portuguesas já contempla disciplinas de História

e/ou Filosofia da Ciência e em seus currículos, contudo:Enfrentar esses desafios exige considerar estratégias de formação deprofessores de sentido inovador, seja no âmbito da formação inicial, sejano da formação continuada. Não basta, como poderia parecer numaabordagem simplista, integrar nos currículos/cursos de formaçãodisciplinas de História e/ou Filosofia das Ciências. Tal medida já pareceter sido tomada em muitas universidades portuguesas que formamprofessores... (DUARTE, 2004, p.324).

A autora adverte que embora essas disciplinas sejam importantes, pois para se

ensinar História da Ciência é necessário conhecer seus conteúdos, os cursos de

formação de professores devem ir além, possibilitando ao docente planejar estratégias de

ensino que contemplem a História e Filosofia da Ciência em diferentes contextos, para

que ele possa se sentir encorajado a desenvolver essa temática em sua prática

pedagógica. Ou seja, mais que apenas ensinar conteúdos de História e Filosofia da

Ciência aos docentes é necessários atrelá-los a conhecimentos da Didática e da Prática

de Ensino.Assim, embora o curso ministrado invista na participação efetiva dos professores

e no diálogo constante com os mesmos e procure convencê-los da importância da

utilização da História e Filosofia da Biologia no ensino, apresentar conteúdos de História

da Ciência e estratégias de ensino para se trabalhar em sala de aula parece insuficiente.

É preciso criar situações para que os próprios docentes desenvolvam tais estratégias e

aprofundem seus conhecimentos sobre a temática.Caldeira (2009) ao discutir a necessidade de um tratamento epistemológico dos

conceitos das Ciências Biológicas nos cursos de formação de professores ressalta a

importância de se “inserir a História da Biologia, bem como a reflexão sobre esse

conhecimento”, possibilitar aos docentes “conhecer as inter-relações entre as áreas do

conhecimento biológico” e “analisar a produção do conhecimento biológico, por meio de

conceitos oriundos da Filosofia da Biologia, permitindo a compreensão dos contextos de

produção, justificação e natureza desse conhecimento” (p.77).A autora propõe ainda “aliar os estudos disciplinares a outras formas

interdisciplinares de estudo e reflexão” (CALDEIRA, 2009, P.77) no escopo das Ciências

Biológicas, já que na maioria das vezes, os cursos de formação inicial costumam ser

fragmentados no vários campos da Biologia (Botânica, Zoologia, Biologia Celular, etc)

sem que ocorram momentos de aproximações e interações entre esses conhecimentos.

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Esse é um desafio que precisamos enfrentar junto aos professores de Biologia em

formação, ou seja, construir formas mais integradas de pensar o conhecimento biológico

que ainda não estão prontas.O ensino de História e Filosofia da Biologia propicia essas aproximações

interdisciplinares não apenas entre os campos da Biologia, mas também com outras

disciplinas. Durante o primeiro encontro de formação, percebemos que teria sido ainda

mais rico se tivessem sido convidados não apenas professores de Biologia para o

encontro, mas também professores de História. A temática desenvolvida (“história da

pesquisa sobre doenças infecciosas”) envolve muitos conhecimentos do contexto

histórico como o imperialismo, o mercantilismo, as condições de vida da população

brasileira no século XIX e início do século XX que favoreciam as epidemias, etc. Ou seja,

os professores de história poderiam contribuir substancialmente com o tema e docentes

de Biologia e História teriam a oportunidade de construir projetos interdisciplinares sobre

a temática em suas escolas.

6. Conclusões

Com base na análise feita no Material de Apoio do Currículo do Estado de São

Paulo, concluiu-se que embora nem sempre seja tratada da forma desejável, a História e

Filosofia da Biologia está bastante presente nesse material, com destaque para a

situação de aprendizagem sobre a História das Vacinas. Essa situação de aprendizagem

desenvolve uma estratégia de ensino interessante com questões que instigam o aluno a

refletir sobre o fazer científico.

A avaliação das respostas ao questionário inicial mostrou que os professores de

Biologia vinculados à Diretoria Regional de Ensino de Jaboticabal não possuem uma

percepção totalmente acrítica da Ciência, estando em processo de construção de uma

visão mais realista da natureza da Ciência. Essas concepções docentes poderão ser

melhores elaboradas a partir do curso de formação em desenvolvimento. Informam ainda

que sua formação inicial contemplou alguns fatos e discussões sobre a História e

Filosofia da Ciência. Contudo, diversas pesquisas portuguesas demonstraram que ter

algum conhecimento sobre essa temática não garante que os docentes desenvolvam

esses conteúdos em sua prática pedagógica.

O primeiro encontro de formação continuada abordou a importância do ensino de

História e Filosofia da Biologia e a História da pesquisa médica sobre as doenças

infecciosas. Na avaliação que os docentes participantes fizeram do encontro, percebe-se

que eles julgaram os conteúdos importantes e a metodologia adotada, instigante.

Fazendo referências principalmente aos trechos de filme debatidos e ao jogo de tabuleiro.

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Para o próximo encontro será desenvolvido um dos temas mais sugeridos pelos

professores: a história das ideias sobre evolução biológica.

A partir da reflexão sobre esse primeiro encontro de formação à luz da literatura,

percebemos que não basta trazer aos docentes conhecimentos sobre História e Filosofia

da Biologia e apresentar formas de ensiná-la aos alunos. É necessário criar espaços e

tempos para que os próprios professores possam aprofundar seus conhecimentos sobre

a História da Ciência e desenvolver estratégias de ensino para ensiná-las aos seus

alunos. Oportunizar encontros interdisciplinares, principalmente com docentes de

História, pode favorecer a implementação dessa temática de forma inovadora nas

escolas.

Referências

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