ENTREVISTA Luis Fernando Ceribelli Madi Futuro das...

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E N T R E V I S T A 6 por Simone Pallone e Wanda Jorge Luis Fernando Ceribelli Madi Futuro das instituições públicas de pesquisa é incerto Criados a partir do início do século XX, em sua maioria voltados para cuidar de questões de saúde pública, como o con- trole de epidemias, os institutos de pes- quisa públicos se encontram, hoje, em busca de uma melhor inserção nos cená- rios da pesquisa, desenvolvimento e ino- vação. É sobre o futuro dessas institui- ções — as IPPs — que trata Luis Fernando Ceribelli Madi, coordenador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) e presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisas Tecnológicas (Abipti). Em sua opinião, são fundamentais ações integradas nas instituições, sob orientação dos gover- nos federal e estaduais, que deve enca- rá-las como estratégicas. Madi atua há 33 anos na área e foi um dos criadores do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) em Campinas (SP). Que papel desempenham os institutos e centros de pesquisa na atualidade? Luis Madi No Brasil, pela primeira vez tanto governo como iniciativa privada concordam que investimento em pes- quisa é necessário para se ter novos pro- dutos competitivos no mercado e uma sociedade melhor. Ciência e tecnologia passam a ser consideradas estratégicas para o país. As instituições brasileiras de pesquisa foram criadas em várias épocas: desde o Instituto Agronômico, com 118 anos, um dos mais antigos, como o IPT, que tem mais de 100 anos, ou o Ital, criado há 43 anos. Essas institui- ções nasceram para atender demandas específicas mas, em nenhum momen- to, trabalhou-se de forma organizada. Elas foram buscando seu mercado de atuação, sem uma definição estratégi- ca de integração. A meu ver não existe um projeto em relação às instituições de pesquisa. Até porque não há muita clareza, por parte do governo federal e também dos governos estaduais, quan- to à situação e atuação das instituições e que, por essa razão, não interagem. Falta um projeto para o futuro. Qual a conseqüência dessa falta de pro- jeto de integração entre os institutos? Madi A conseqüência é que as univer- sidades e outras instituições ( Senai e entidades privadas, por exemplo) aca- bam assumindo atividades que deve- riam ser dos institutos, como ativida- des de pesquisa, desenvolvimento, ino- vação, assistência tecnológica e capaci- tação. Elas acabam entrando em asses- sorias técnicas, típicas dos IPPs. Existem, ainda, as instituições de pesquisa pri- vada entrando fortemente no sistema, laboratórios e grupos privados orienta- dos para determinados segmentos. Embora isso seja positivo, é importan- te o governo se proteger porque, quan- do houver uma demanda pública — como, por exemplo o problema da febre aftosa ou gripe aviária — que tenha desdobra- mentos estratégicos, serão fundamen- tais instituições públicas que também disponham de estrutura moderna, para atender ao sistema que é extremamen- te dinâmico, além das necessidades cla- ras das áreas de pesquisa, desenvolvi- mento e inovação. Quais os principais problemas enfrenta- dos pelos institutos públicos de pesqui- sa (IPPs)? Madi É difícil ter uma instituição SEM METAS GOVERNAMENTAIS E NOVO MODELO DE GESTÃO, OS INSTITUTOS PERDEM ESPAÇO PARA OUTROS PARTICIPANTES DO SISTEMA DE C,T&I DO PAÍS

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E N T R E V I S T A

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por Simone Pallone e Wanda Jorge

L u i s F e r n a n d o C e r i b e l l i M a d i

Futuro das instituições públicas de pesquisa é incerto

Criados a partir do início do século XX,em sua maioria voltados para cuidar dequestões de saúde pública, como o con-trole de epidemias, os institutos de pes-quisa públicos se encontram, hoje, embusca de uma melhor inserção nos cená-rios da pesquisa, desenvolvimento e ino-vação. É sobre o futuro dessas institui-ções — as IPPs — que trata Luis FernandoCeribelli Madi, coordenador da AgênciaPaulista de Tecnologia dos Agronegócios(Apta) e presidente da AssociaçãoBrasileira das Instituições de PesquisasTecnológicas (Abipti). Em sua opinião,são fundamentais ações integradas nasinstituições, sob orientação dos gover-nos federal e estaduais, que deve enca-rá-las como estratégicas. Madi atua há33 anos na área e foi um dos criadoresdo Centro de Tecnologia de Embalagem(Cetea) do Instituto de Tecnologia deAlimentos (Ital) em Campinas (SP).

Que papel desempenham os institutos

e centros de pesquisa na atualidade?

Luis Madi No Brasil, pela primeira veztanto governo como iniciativa privadaconcordam que investimento em pes-

quisa é necessário para se ter novos pro-dutos competitivos no mercado e umasociedade melhor. Ciência e tecnologiapassam a ser consideradas estratégicaspara o país. As instituições brasileirasde pesquisa foram criadas em váriasépocas: desde o Instituto Agronômico,com 118 anos, um dos mais antigos, comoo IPT, que tem mais de 100 anos, ou oItal, criado há 43 anos. Essas institui-ções nasceram para atender demandasespecíficas mas, em nenhum momen-to, trabalhou-se de forma organizada.Elas foram buscando seu mercado deatuação, sem uma definição estratégi-ca de integração. A meu ver não existeum projeto em relação às instituiçõesde pesquisa. Até porque não há muitaclareza, por parte do governo federal etambém dos governos estaduais, quan-to à situação e atuação das instituiçõese que, por essa razão, não interagem.Falta um projeto para o futuro.

Qual a conseqüência dessa falta de pro-

jeto de integração entre os institutos?

Madi A conseqüência é que as univer-sidades e outras instituições ( Senai e

entidades privadas, por exemplo) aca-bam assumindo atividades que deve-riam ser dos institutos, como ativida-des de pesquisa, desenvolvimento, ino-vação, assistência tecnológica e capaci-tação. Elas acabam entrando em asses-sorias técnicas, típicas dos IPPs. Existem,ainda, as instituições de pesquisa pri-vada entrando fortemente no sistema,laboratórios e grupos privados orienta-dos para determinados segmentos.Embora isso seja positivo, é importan-te o governo se proteger porque, quan-do houver uma demanda pública — como,por exemplo o problema da febre aftosaou gripe aviária — que tenha desdobra-mentos estratégicos, serão fundamen-tais instituições públicas que tambémdisponham de estrutura moderna, paraatender ao sistema que é extremamen-te dinâmico, além das necessidades cla-ras das áreas de pesquisa, desenvolvi-mento e inovação.

Quais os principais problemas enfrenta-

dos pelos institutos públicos de pesqui-

sa (IPPs)?

Madi É difícil ter uma instituição

SEM METAS GOVERNAMENTAIS E NOVO MODELO DE GESTÃO, OS INSTITUTOS PERDEM ESPAÇO PARA OUTROS PARTICIPANTES DO SISTEMA DE C,T&I DO PAÍS

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O senhor concorda que essa morosida-

de das instituições de pesquisa, assim

como das universidades, dificulta as

interações com as empresas?

Madi Não tenho dúvida de que exis-te uma interação melhor do setor pri-vado com os IPPs, se comparada comas universidades. Claro que há exce-ções — como a Unicamp ou a UFRJ, pormeio da Coppe, no Rio — mas de umaforma geral, os institutos têm umacompreensão maior das necessidadesdo setor privado. Existe a oportunidade de fortalecerinterações que podem ser positivaspara os dois lados. A universidade tema grande vantagem de contar com osalunos, que sempre trazem novasidéias e os institutos conhecem asdemandas do mercado e podem orien-tar os trabalhos da universidade deforma mais prática. E o governo temque motivar essas parcerias, e finan-ciar os projetos.

homogeneamente dinâmica e moder-na. Mesmo aquelas que são apontadascomo modelo de eficiência em sua área.No caso da Embrapa é bem mais fácilser dinâmico, com um orçamento deR$ 1, 2 bilhão por ano. Na Apta, quecongrega sete instituições e 950 pes-quisadores, temos um orçamento anualde R$130 milhões, e aí fica mais difí-cil. Mas o ponto básico não são os recur-sos financeiros. O modelo jurídico eadministrativo que na maioria das ins-tituições, e principalmente nas esta-duais, é ultrapassado, é outro fator crí-tico. Algumas instituições estaduaisestão ligadas diretamente à adminis-tração do estado, outras viraram fun-dações, empresas públicas e autar-quias. No final, todas ficaram engessa-das. Uma opção, que considero moder-na e inovadora é a organização social,que é gerenciada por uma entidadeautorizada pelo governo, com um con-trato de gestão. Para mim, esse contra-to de gestão é a chave do sucesso. Nesse

modelo o governo orienta a institui-ção para suas necessidades, forneceos recursos necessários e cobra o resul-tado.

O que é necessário para aumentar a dinâ-

mica desses institutos?

Madi É preciso promover uma mudan-ça estrutural e filosófica nas institui-ções públicas, com interferência dosgovernos federal e estadual. Há tam-bém defasagem de infra-estrutura e nosistema de contratação e complemen-tação de pessoal. Deve-se repensar omodelo dos concursos públicos paracontratar e depois é preciso capacitaras pessoas. Hoje, esse processo é mui-to lento e o mercado exige maior dina-mismo. Se não atendermos o mercado,alguém vai atender. Temos que priori-zar também a área de gestão e qualida-de. A curto prazo todas essas institui-ções terão que ser certificadas.

Fernando Petermann

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Em relação aos recursos, os fundos seto-

riais representaram alguma mudança

para as IPPs?

Madi Os fundos setoriais foram o come-ço de uma mudança estratégica do gover-no federal mas, infelizmente, ele próprioerrou ao contingenciar parte de seusrecursos. Falta ainda ao governo a visãode que o país precisa de uma políticafederal integrada com os estados, e deuma quantidade adequada de recursos.A Finep, por exemplo, criou o Modernit,um programa orientado aos institutos,mas continua tendo dificuldades paraconseguir quantidade suficiente de recur-sos. Em alguns casos, institutos de pes-quisa competem com a universidade emeditais e isso é muito ruim. Os institu-tos não podem ser substituídos pela uni-versidade em ações que fazem parte desua missão básica e o governo sabe dis-so. É preciso acertar a questão jurídica,a infra-estrutura, pessoal e a proprieda-de intelectual, que é muito difícil de sernegociada dentro das regras engessa-das do Estado.

Sobre a propriedade intelectual, o senhor

vê a necessidade de se criar novos núcleos

e escritórios especializados no assunto?

Madi Essa é uma prioridade. A patenteé um dos indicadores de inovação usa-do, a meu ver, até exageradamente. Naatuação das instituições de pesquisastecnológicas existe uma série de ativida-des que são melhorias, desenvolvimen-tos, que não são passíveis de patente, masque dão competitividade aos produtosbrasileiros. Essas atividades devem serprivilegiadas e para a maioria das empre-sas elas são até mais importantes do que

uma patente. A Secretaria de Ciência,Tecnologia e Desenvolvimento Econômi-co do Estado de São Paulo, por exemplo,poderia montar estruturas, que pode-riam ser do próprio MCT, ou da Finep,que auxiliassem as instituições, ou fazerisso de forma integrada com as univer-sidades maiores. É praticamente impos-sível ter uma estrutura em cada um dosinstitutos; seria mais adequado contarcom estruturas já existentes.

Como o senhor localizaria os institutos

no sistema nacional de C&T?

MadiO sistema de C,T&I no Brasil é mui-to grande e os institutos representamuma peça dentro desse sistema. Tivemos,no ano passado, a 3ª ConferênciaNacional de Ciência, Tecnologia eInovação e a Abipti foi parceira do MCTna organização, inclusive nas reuniõesregionais. Queríamos ter um foco maiorde discussões sobre os institutos, e otema foi tratado em apenas uma das ses-

sões. Por isso resolvemos focar oCongresso anual da Abipti, que será rea-lizado de 3 a 5 de maio, nos institutos,mais especificamente no futuro dos ins-titutos. A abertura do evento terá a par-ticipação do ministro Sergio Rezendeque deverá falar sobre a situação da C,T&Ino Brasil e sobre o papel dos institutosnesse sistema nacional. Teremos duasmesas redondas estratégicas. A primei-ra será "A pesquisa, o desenvolvimentoe a inovação na iniciativa privada e nasinstituições de ciência e tecnologia noBrasil e no exterior", com a participaçãode diferentes entidades. A Abipti faráuma apresentação falando sobre a neces-sidade de definirmos um programa deatuação integrado de governo federal egovernos estaduais. A falta de integra-ção não se dá apenas em nível federal eestadual, mas também em relação aosministérios. É uma falha governamen-tal difícil de ser resolvida porque cadaum dos ministérios pensa individual-mente e no caso brasileiro, há até mesmolinhas contraditórias, criando problemas

Fernando Petermann

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para a diplomacia do país. Outro pontoque pretendemos tratar é o papel do gover-no como gerador de demanda e indutorde C&T, e o poder da compra ligado a essesministérios.

Como estão os quadros dos institutos?

Madi De um modo geral o quadro é ade-quado. O que falta é um total envolvi-mento deste quadro nas atividades dainstituição; um sistema de gestão e ava-liação que consiga obter melhores resul-tados, uma maior definição das deman-das e prioridades por parte do governo,um sistema de remuneração eficiente.Não é o número de pesquisadores o maiorproblema das instituições. A pós-graduação ou cursos de especia-lização tem sido um caminho para recom-por os quadros. Diferente da universida-de que, de uma forma geral, oferece umaformação básica maior, a nossa pós éorientada a uma especialização. O IACjá tem uma pós, o Instituto de Pesca tam-bém, e o Ital, no Centro de Tecnologia deCarnes, criou uma especialização comquase 500 horas/aula, e no qual se temuma média de 25 alunos da iniciativaprivada por curso. É como um MBA, sóque mais focado. A vantagem é manteruma atividade de acompanhamento datecnologia, da ciência.

Como o senhor avalia a regionalização

das IPPs? Como foi a experiência do

estado de São Paulo?

MadiA regionalização é um ponto impor-tantíssimo. A experiência da Apta é inte-ressante: com seus 15 pólos regionais,buscou-se essa integração para o desen-

volvimento de pesquisas em áreas espe-cíficas. O resultado é melhor do que ficarem Campinas ou São Paulo, interagin-do com as áreas de P&D de Colina,Mirassol, ou outras regiões mais distan-tes do eixo tecnológico. É fundamentalter o pesquisador trabalhando nessasáreas, interagindo com a comunidaderegional, descobrindo suas demandas,seus problemas e orientando o seu tra-balho. A idéia da reorientação das uni-versidades segue a mesma linha, prin-cipalmente a Unesp, focada em áreas eatividades regionais, como em Registro,São José do Rio Preto, Botucatu e outras.Isso leva para as regiões um crescimen-to maior, porque a universidade ou ins-tituição promove um maior desenvolvi-mento sócioeconômico. Tanto o modelode pós-graduação como o de regionali-zação são exemplos que deram certo eque poderão ser utilizados em outrosestados.

O senhor identifica, no país, regiões que

mereçam mais atenção, novas institui-

ções ou mais recursos para o fortaleci-

mento de instituições já existentes?

Madi Temos a Fundação Centro deAnálise, Pesquisa e Inovação Tecnológica

(Fucapi), em Manaus, a Fundação CentroTecnológico de Minas Gerais (Cetec) emBelo Horizonte e o Instituto de Tecnologiapara o Desenvolvimento (Lactec) emCuritiba. Há várias instituições que come-çam a se fortalecer em localidades dife-rentes, com dinamismo e flexibilidademuito maiores e, isso é bom. No futuroteremos um complexo institucional, for-te e estruturado, e é aí que entra a Abipti,para mapear e ser porta-voz das neces-sidades dessas instituições, olhandopara elas de forma integrada, coisa queo governo dificilmente faz. Na Abipticriamos cinco vice-presidências (Sul,Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste)e o papel de cada uma é analisar quaissão as instituições de cada região, queáreas devem trabalhar e em que áreasfaltam instituições, para que sejam com-pletadas e atendidas conforme o merca-do exige.

Um problema grave no Brasil é a descon-

tinuidade de políticas e de programas, a

cada mudança de governo. Qual o impac-

to nas IPPs?

Madi A descontinuidade é muito ruim.A nossa experiência é que os IPPs devemser encarados como ferramentas tecno-lógicas para o desenvolvimento sócioeco-nômico do país, ligados a programas degoverno e não a partidos políticos. Asuniversidades estaduais de São Pauloderam um passo fantástico nessa linhaquando desvincularam mandato dosseus dirigentes. As instituições devemter modelos com mandato definido, issoé um instrumento que o governo temque priorizar, mas que em hipótese algu-ma deve ser usado como plataforma polí-tica ou como manipulação política.

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PELA PRIMEIRA VEZ TANTOGOVERNO COMO INICIATIVAPRIVADA CONCORDAM QUE

INVESTIMENTO EM PESQUISA ÉNECESSÁRIO PARA SE TER

NOVOS PRODUTOSCOMPETITIVOS NO MERCADO E

UMA SOCIEDADE MELHOR

Fernando Petermann

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