Entrevista Nação Hip Hop

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11 DE ABRIL DE 2008 - 11H55 Eduardo Facção: Ritmo marginalizado sendo marginalizado do ritmo Beto Teoria * Apesar de mais de 15 anos no dia-a-dia do hip- hop, nem sempre dá pra acompanhar os trabalhos dos grupos de rap. O Facção Central é um desses grupos que somente agora comecei a conhecer melhor. Isso de um ano pra cá, quando conheci uma pessoa muito ... Foi a partir daí que me surgiu à idéia de tentar conversar e fazer um bate papo com o manos do Facção. Pois muitas vezes ouvi comentários positivos e negativos do trabalho deles, mas poucas vezes tive a oportunidade de ouvir a parte comentada, o próprio Facção Central. O parceiro Nuno Mendes apresentador do Espaço Rap na 105 FM foi a ponte para que eu chegasse ate a Fátima, responsável pela agenda e organização administrativa do grupo. De forma muito atenciosa e receptiva, ela agendo a entrevista. Liguei para o Nuno Mendes e junto com ele formulei a entrevista para que ficasse diferente, atrativa e agradável, para o entrevistado, entrevistador e para o leitor. Infelizmente na data marcada dia 26 de março o parceiro Nuno não pode me acompanhar, mas pra

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Entrevista Nação Hip Hop

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11 DE ABRIL DE 2008 - 11H55Eduardo Faco: Ritmo marginalizado sendo marginalizado do ritmoBeto Teoria *Apesar de mais de 15 anos no dia-a-dia do hip-hop, nem sempre d pra acompanhar os trabalhos dos grupos de rap. O Faco Central um desses grupos que somente agora comecei a conhecer melhor. Isso de um ano pra c, quando conheci uma pessoa muito ...Foi a partir da que me surgiu idia de tentar conversar e fazer um bate papo com o manos do Faco. Pois muitas vezes ouvi comentrios positivos e negativos do trabalho deles, mas poucas vezes tive a oportunidade de ouvir a parte comentada, o prprio Faco Central.

O parceiro Nuno Mendes apresentador do Espao Rap na 105 FM foi a ponte para que eu chegasse ate a Ftima, responsvel pela agenda e organizao administrativa do grupo. De forma muito atenciosa e receptiva, ela agendo a entrevista. Liguei para o Nuno Mendes e junto com ele formulei a entrevista para que ficasse diferente, atrativa e agradvel, para o entrevistado, entrevistador e para o leitor.

Infelizmente na data marcada dia 26 de maro o parceiro Nuno no pode me acompanhar, mas pra firmar a agenda segui em frente e procurei representa, segui at Zona Sul e as 17:00 hs estava em frente a casa do Eduardo, local combinado pela Ftima. Na chegada fui recebido pelo Andr, rapper do grupo A.286, na seqncia pelo prprio Eduardo. Ele me apresentou os manos que estavam presente na casa e a prpria Ftima que ate ento s havia falado por telefone.

Infelizmente por motivos de fora maior os demais integrantes do Faco Central no estavam presente. Mas o Eduardo que como um porta voz do grupo, se encarregou de representar e tal. Na TV da sala estava iniciando o Jogo Brasil X Sucia amistoso que celebrava a conquista do Mundial de 58. Depois de alguns comentrios sobre futebol onde Eduardo comentou ser Corinthiano, deixamos a TV de Lado e iniciamos a entrevista que voc confere com exclusividade ao Hip-Hop a Lpis.

Beto: Como surgiu o Faco Central?Eduardo:Desde 88 eu j cantava e freqentava os bailes e tal. Mas rap mesmo eu comecei curtir quando eu ouvi uma fita do Thaide, que veio por vias tortas e tal. Meio complicado isso! Veio num gravador que um truta meu roubo t ligado!? Ele falou: Ai tio! Tem uma fita ai dum mano cantando rap. Eu ouvi e falei p isso aqui e d hora! Ai eu perguntei como que faz rap e tal, como que isso ai? E falou, Voc tem que rimar o final de uma frase e tem que ficar igual a outra. Eu disse Haa, mais ou menos assim... Ai ele disse P mano! De onde voc tirou isso?. No isso eu fiz agora mano e ele falou Poxa voc tem o Dom e tal... Ento a partir dali, de 88 em diante eu comecei cantar e em 89 por ai, comecei a ter contato com uns manos que acabaram se tornando a banda em 90. S que ai a formao foi mudando e sempre eu e o Dum Dum permanecemos.

E j comeou com o Nome de Faco?Eu j tive outros grupos que eu no lembro o nome, mas coisa de molecada. Quando voc vai comea um grupo de rap voc no imagina a dimenso que vai tomar, ta ligado!? voc muito jovem, nem pensa em ganhar dinheiro. O que voc quer colocar sua musica no radio. Teu sonho que os cara te reconheam e tal. Ns estvamos dentro dessa inteno. Escrevendo uma musica ali, tentando gravar aqui, at que em 92 nos conseguimos fazer uma primeira coletnea e tal, ai veio vindo...

E de l pra c, nesta caminha qual sua avaliao. O que mudou, melhorou piorou, tipo um antes e depois?Uma coisa voc escrever um disco quando voc menor de idade tem 16, outra escreve com 22, ou com 25 quando voc pai. Hoje com 32 uma outra viso ento a cada disco esta dentro de um momento. Tem disco que voc tava meio deprimido porque morreu um parente, tem disco que tava preso um mano seu e tal. E tudo isso influencia na hora que voc vai escrever.

A cada CD que eu tava escrevendo eu tava tentando buscar o que tava a minha volta, buscando evoluir, buscando ler mais, me informar mais. Porque voc comea a sentir a responsabilidade, voc querendo ou no querendo. Ento a partir do momento que voc se informa mais, que sabe da necessidade e a carncia da favela em ter acesso ao livro. Ter acesso a uma cultura de verdade, ento se voc tem este acesso, voc absorve e coloca prus manos ento foi isso que nos procuramos fazer.

O ano de 2003 me parece que foi um dos anos picos do Faco onde vocs tiveram premiaes, destaques e tal ou no foi bem assim?No, eu no considero muito. Sinceramente eu acho que premiao at valida porque de repente estimula os grupos a fazer um disco melhor porque ele sonha em ganhar tal prmio. Mas a premiao de verdade a gente j tinha quando ia cantar na favela, na periferia, e o publico fala: mano agora ta da hora! ou ento, vem um cara tatuado com o nome da banda, um cara vestindo a camiseta. Isso pra mim funcionava como uma premiao, entendeu!? Mas claro, voc ouviu muito falar de Faco quando foi processado obvio. Mas no vou atribuir, de repente, a ascenso do Faco a isso. Agora quando o Eduardo escrever ele vai chegar na moral porque foi processado, os caras foram preso e p. Agora os cara vo vir tremendo. Mas foi ai a hora que eu falei no mano, a ideologia essa, essa, e essa.

O boy j tom tudo da gente, ele no vai chega aqui e tambm tom meu crebro. Ento a partir do momento que nois, intensificamos aquilo que a gente pensava. Foi a hora que os cara comeou a entender. P ali d pra confiar, porque o mano mesmo processado, mesmo censurado e perseguido os cara mantiveram a opinio, bateram o p.

Tem alguma conquista ou algo muito importante e especial na carreira?Mano eu acho que a conquista foi voc entrar num bagulho descompromissado e de repente para alguns manos se torna praticamente uma religio. Isso uma conquista, porque financeiramente voc no vai ficar rico ainda mais cantando o que a gente canta. A TV num quer ouvi o que voc tem pra dizer, entendeu!? Muitas rdios num tocam, e muitas rdios ate tocam, mas voc quer tocar tal musica e eles dizem, no essa muito violenta toca essa Ento voc t dentro de um ritmo marginalizado sendo um grupo marginalizado do ritmo. complicado! Voc tem que saber enxergar este tipo de conquista. P entrei em vrios coraes, ta ligado!? Que eu jamais imaginei, quando eu parei pra escrever o som. Era s pra parar pra dar um autografo, ouvir o som no radio e hoje o bagulho ficou muito maior do que eu podia imaginar.

Nos roles que a gente faz por ai, nas viagens, nos eventos at mesmo em outros estados. Agente percebe um certo diferencial no fs do Faco. Tipo num s f, fantico t ligado!? Vocs tambm sentem isso?Sim eu vejo, o cara que curte rap, curte todos. O cara que curte Faco, o Faco e mais um ou outro entendeu!? No que seja o melhor, de repente at aprecia musicas de outras pessoas. Mas eu percebo que uns cara que se informa, contesta procura saber. No show normalmente voc imagina o cara que quer tirar uma foto e tal e os cara quer debater, que saber o porque, o que voc disse. Ento eu vejo um publico preocupado com o que t consumindo, num uns cara que ta ali alegre de chapu, aceitando tudo que t sendo falado. Tem grupo que quando, de repente, faz sucesso. Tudo que ele escreve vira lei. Hoje num bem assim. Mesmo voc tendo uma admirao, um sucesso, mas tudo que voc escreve sempre contestado, os cara sempre quer entender, saber porque , porque foi.

E comum os manos querer ouvir o CD mas num tem a grana pra compra e tal mas hoje voc j tem tambm o lance da Net, MP3 e tal, e a pirataria que vem junto com tudo isso, qual a sua opinio sobre este mundo multimdia?Meu tipo assim, o cara acredita que com a pirataria ele ta salvando o tiozinho da barraca, s que ele num entende o que ela ta matando.

Porque na verdade eu vejo inmeras bandas, que tem um puta talento e no vo chegar, e no vo ser reveladas. Ele sabe que no vai vender CD, ele sabe que tem o custo da radio, da divulgao, da fabricao... s que na hora que ele quiser ter o retorno do dinheiro que foi investimento, num vai acontecer, porque a pirataria vai consumir. Ento voc j ta matando a banda que vai chega, que com essa banda ia ter o tcnico de som, o iluminador, gerar vrios empregos. Na raiz voc j t eliminado uma p de talento que ia ta chegando.

Vamo fala um pouco da pessoa do Eduardo, em perguntas Rpidas, um bate bola:- FamliaTudo n mano o centro de tudo o que te motiva a caminhar pelo lado certo.- DEUSTenho minhas duvidas, tem dia que eu acredito, tem dia que no. Algumas vidas voc sente abenoadas outras voc se pergunta, por que aquela provao? Complicado vai do dia, tem dia que voc ta com mais f, tem dia que menos.- Uma alegriaA Famlia n mano a famlia e tambm o rap que s me trouxe alegria. Mas a famlia sempre vem em primeiro lugar.- Uma tristeza EduardoTristeza eu tive vrias, tive uma p de parente que j morreu.- A ltima vez que voc chorouA ltima vez que eu chorei, foi no ano passado quando a Ftima tava grvida. E ai era o menino, que eu sempre esperei, e ai morreu com quase oito meses.- Um sonho...Mano, ver o rap no devido lugar que ele merece, sinceramente no tenho nenhuma pretenso de ser milionrio. Mas como eu disse no inicio, o que eu esperava do rap ele me deu em triplo. Sucesso pra mim no estar na tv, por mais que eu ache que a tv nossa por direito. uma mdia que nossa, mas eu no tenho este sonho de encher um estdio ate porque quando voc enche estdio 99 % ali veio porque voc est na tv, porque voc t divulgado, entendeu!?

Hoje o hip-hop est inserido em vrios processos de produo. Na musica, na moda, no entretenimento, no campo scio-cultural, e at mesmo montando pequenos negcios, qual sua viso sobre isso?Isso uma conseqncia natural, entendeu!? Eu acho que o lado social dele na hora que voc ta escrevendo sua letra e isso no deve ser prostitudo.

Claro que na hora que voc ta fazendo um evento voc t pagando a banda, alugando uma casa, pagando segurana... Ento voc tem um custo, voc teve um trabalho e merece receber por isso. Ento tem que saber enxergar, no porque o rap uma musica de protesto, uma musica que a essncia dela reivindicar melhorias pra periferia. Que o CD tem que ser dado de graa, que o baile no pode ser cobrado, entendeu!? Isso no se vender. Se vender a maneira de pensar, a maneira de escrever...

Voc tem que saber ganhar o dinheiro pra empregar este dinheiro no lugar certo.

Eu estou trazendo para voc o livro Hip-Hop a Lpis e o DVD Tudo Nosso! Voc disse que j assistiu o vdeo, atravs de uma copia pirata, que chegou primeiro que eu. Ento faa um comentrio sobre o que viu e o que achou?Totalmente valido! Achei totalmente verdadeiro, at porque no se preocupou de repente, em dar voz ao cara que tem um CD gravado, ao cara que faz show, ou que tem um destaque. Na verdade a preocupao pelo o que eu senti aqui mostrar o verdadeiro hip-hop, esquecido l do fundo do nordeste, l em Minas, no sul.

Ento eu achei que foi democrtico todo mundo teve voz, todo mundo falou o que quis e o rap isso. a liberdade de expresso, por mais que a nossa seja totalmente marginalizada.

Aqui vocs trabalharam desta maneira, e eu acho que a verdade tem que estar sempre em primeiro lugar e foi o que eu vi aqui.

Dos trabalhos atuais do Faco Central, como anda os projetos, o que que ta na rua e tal?Agente ta trabalhando nosso CD, um CD duplo com 24 musicas. A minha preocupao no s o cara curtir, danar, ele entender o que eu escrevi. Porque mano, a carne um dia vai pro cemitrio e j era, agora a obra imortal. Ento muitas vezes o cara ouve o CD e ainda nem compreendeu o que voc quis dizer, entendeu!?

Eu no mastigo letra pra ningum no, e como eu sempre falo prus manos, Se um cara com a 5 serie escreveu, voc tem por obrigao tenta assimilar e tentar compreender. E os mano diz: P mano, eu tive que ir no dicionrio ver tal bagulho pra entender. Ento na verdade eu t estimulando a literatura, estimulando o cara a pensar um pouco mais, porque, e isso o que acontece.

Pegando um gancho ai sobre esta questo de conscincia dos manos e tal. Hoje tem vrios parceiros do hip-hop atuando no campo social e poltico, voc acha que isso vivel?Claro que vivel, o que eu tento sempre passar prus cara. No existe apoltico, num tem como. Voc respira poltica, tudo poltica, entendeu!? A periferia vive a poltica, a guerra que existe aqui poltica, ento no tem como voc se omitir.

Claro, voc vai sentir a poltica de que maneira? Por mais que o cara fala a moeda t forte, o mercado t isso e aquilo. Voc vai sentir mano, que o cara t desempregado, a violncia continua, as pessoas to morrendo, os mano que voc v que quando tem acesso a escola eles terminam o ensino fundamental, o ensino mdio, mas no sabem escrever o prprio nome. No vo entrar numa faculdade, ento voc vai sentir a poltica desta maneira. Esta a poltica que o povo sente a mesma que a gente v. E a mesma que a gente analisa. Porque por mais que diga Haa! O fulano, siclano ele ta fazendo um governo socialista, um governo populista, ele trabalha com o povo E na verdade voc no v isso, isso s iluso.

Circula um boato que o Eduardo vai fazer um trampo solo, e que por isso o Faco vai acabar, qual que a real disso tudo?Eu tenho vrios projetos, mas ainda no tem nada decidido se eu vou fazer um solo. Agora natural que voc tenha varias vises, outras coisas que voc queira cantar, entendeu!?

O que eu sempre falo prus cara que eu no prometi nada pra ningum entendeu, o dia que eu falei que era imortal porque era, se hoje num for mais, no vai ser mano.

Manda uma idia prus manos da Nao Hip-Hop e pra galera que fortifica o Hip-Hop a Lpis.Mano, continuar perseguindo o rap verdadeiro. Continuar pela verdade que este o caminho, e isto tem que ser o objetivo. Porque mano no adianta voc querer camuflar a situao pra vender um produto pro pblico que no quer assimilar. Muito cara fala pra mim h mano! Teu rap violento e tal no vai chegar de repente no ouvido do playboy que deveria consumir Eu Falo: Mano! Ele chega aonde ele tem que chegar, ns temos que entender que isso uma troca de informao entre ns. a nossa cultura, a nossa ideologia, o nosso estilo de vida. tipo assim, um playboy vai olhar o DVD e falar: P mano, uma p de maloquero, falando uma p de merda! Esse bagulho de ladro e tal...! E na verdade ns sabemos a importncia do trabalho e a revoluo que ele pode t conseguindo fazer na periferia. Entendeu? isso!

Beto:Terminamos a entrevista. Agradeci ao Eduardo toda a ateno com a equipe do Hip-Hop a Lpis. Entreguei a ele um exemplar do DVD Tudo Nosso! e do Livro. E pedi pra que ele socializasse o material pros outros manos e tal. Ele no perdeu tempo e me convocou para estar no dia seguinte na festa no Maria Maria. Com o Faco Central, Realidade Cruel, A.286 e Detentos do Rap. No dia seguinte estvamos l, subimos no palco e pudemos antes do show do Faco falar e sortear o DVD.

No posso deixar de registrar a Contribuio de forma direta para a realizao desta entrevista do parceiro Nuno Mendes, valeu mano! Me acompanharam na entrevista o rapper Muxila, a Camila e a Drielle.

http://www.vermelho.org.br/hiphop/coluna.php?id_coluna_texto=2531&id_coluna=5