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Monografias do Curso de Fisioterapia da Unioeste n. 01 – 2005 ISSN 1675-8265 CÁSSIUS MARCELUS TALES MARCUSSO BERNARDES DE BRITO ANÁLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE ANÁLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE E SUAS RELAÇÕES COM A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIAL E SUAS RELAÇÕES COM A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIAL CASCAVEL 2005

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Monografias do Curso de Fisioterapia da Unioesten. 01 – 2005 ISSN 1675-8265

CÁSSIUS MARCELUS TALES MARCUSSO BERNARDES DE BRITO

ANÁLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DO PROFISSIONAL DE SAÚDEANÁLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE E SUAS RELAÇÕES COM A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIALE SUAS RELAÇÕES COM A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIAL

CASCAVEL 2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁCENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE

CURSO DE FISIOTERAPIA

CÁSSIUS MARCELUS TALES MARCUSSO BERNARDES DE BRITO

ANÁLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DO PROFISSIONAL DE SAÚDEANÁLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE E SUAS RELAÇÕES COM A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIALE SUAS RELAÇÕES COM A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao do curso de Fisioterapia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus de Cascavel, como requisito parcial para obtenção do título de Graduação em Fisioterapia.

Orientador(a): Profa Cristina Diamante

CASCAVEL 2005

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TERMO DE APROVAÇÃO

CÁSSIUS MARCELUS TALES MARCUSSO BERNARDES DE BRITO

ANÁLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DO PROFISSIONALANÁLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE E SUAS RELAÇÕES COM A ORGANIZAÇÃO DODE SAÚDE E SUAS RELAÇÕES COM A ORGANIZAÇÃO DO

TRABALHO SOCIALTRABALHO SOCIAL

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para obtenção do título de Graduação em Fisioterapia, na Universidade Estadual do

Oeste do Paraná.

Profº Eduardo Alexandre LothCoordenador do Curso

BANCA EXAMINADORA

________________________________________Orientador(a) Cristina Diamante

Colegiado de Fisioterapia - UNIOESTE

_______________________________________________Profª Jordana Gargioni Salmória

Colegiado de Fisioterapia – UNIOESTE

_______________________________________________Profo Maria Lúcia Frizzon

Colegiado de Fisioterapia- UNIOESTE

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DEDICATÓRIA

Aos meus paisMarly e Daniel

E à minha irmãzinhaBruna

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AGRADECIMENTOS

Parte mais emocionante do trabalho, porém a mais difícil, posto que é

impossível elencar aqui todos aqueles que, de uma forma ou de outra, direta ou

indiretamente contribuíram para que esse trabalho fosse concluído.

Antes de todos, devo agradecer imensamente a minha amada família:

Sr. Daniel, D. Marly e mana Bruna por terem sido os responsáveis pelos

primeiros ensinamentos e também por terem me forçado a exercitar minha

capacidade de argumentação. Lembram-se das nossas viagens? Obrigado

mesmo e não se esqueçam: “O amor que eu tenho por vocês é de vocês, como

também é o meu aniversário”.

Cheguei a Cascavel com 17 anos, recém saído do segundo grau e da

barra da saia da mãe, virgem de quase tudo, e não poderia suportar minha vida

aqui se não fosse a formação de uma nova e sustentada família aqui. Por isso,

devo também agradecimentos a vocês:

Fabrício, por ter morado comigo desde o primeiro ano e ter sido motivo

de muitas risadas.

Vinícius, por ter me ensinado como ser mais flexível com a opinião dos

outros, mesmo que para isso não precise relevar seus princípios.

Sheila, por todas as risadas e as brechas, muitas delas inesquecíveis.

Valeu Pomarola!

Carla, por ter aberto meus olhos para como é chato ser intransigente e

também por aquele mexidão de arroz com feijão às duas horas da manhã.

Bia, pelas lágrimas derramadas toda vez que nos lembrávamos que o

fim se aproximava.

Carlos, por ter sido um paizão esse ano, nos oferecendo comida,

conversas sinceras, auto-estima e ter ficado triste com nossos excessos. Isso

se estende também à Marta e toda família.

Thaís, por ser a nariguda mais feia, boba e gooordinha que eu já

conheci. Se não fosse por você certamente esse trabalho não sairia. Amo

você! Um grande abraço e tudo de bom!

Aline Costa, por ter permitido a invasão da sua privacidade.

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Cris, por ter me dado toda a liberdade possível na realização deste

trabalho.

À muitas pessoas da minha sala por terem me mostrado em como não

se deve ser quando crescer.

Um agradecimento especial também ao pessoal da Clínica: Tati, Jú,

Darlene, Marli, Telmo. Sem vocês nosso trabalho lá seria muito mais difícil.

Aos meus companheiros do DCE, que sempre me acompanharam na

luta e nos sonhos: Rodrigo, Lucas, Mayumi, Meri, Leidi, Marina, Keysei.

Desculpem se eu esqueci de alguém. Parabéns pela vitória e boa sorte na

continuidade da luta.

À Vanessa, por nunca ter se afastado de mim esse tempo todo e

especialmente por ter devolvido meu anjo protetor na reta final da monografia.

A todos vocês um grande abraço e tudo de bom para todos, viu!

PS: a todos aqueles que se identificam com o que diz os versos abaixo:

“O sol me acorda e ainda é cedo!

Eu fico logo de mal humor

A minha cabeça ta rodando, de onde é que vem esse tambor

É de manha e eu to numa ressaca, eu me arrasto até o banheiro

Me sentindo enjoado enfio a cara no chuveiro

É nessas horas que eu digo pra mim mesmo nunca mais vou beber

Mas vem caindo a tardinha... Preparo outra caipirinha”

(Blues Etílicos)

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RESUMO

O trabalho em saúde compõe o campo da prestação de serviços e apresenta determinações específicas para a dinâmica do seu processo de trabalho. Mesmo que não esteja diretamente relacionada ao trabalho produtivo típico, é cada vez mais alvo de controle racionalizador pela gerência do capital, especialmente na atual fase do desenvolvimento do sistema capitalista, caracterizado pela crise crônica, pelo desemprego estrutural e pelo relativo esgotamento das formas tradicionais de exploração da força de trabalho industrial. Neste sentido, a transformação da base de produção dos serviços de saúde de uma estruturação liberal/artesanal em uma produção de base empresarial lucrativa promove alterações profundas no grau de autonomia dessas profissões e as aproxima de condições precárias de trabalho semelhantes àquelas encontradas no trabalho industrial. Este trabalho tem por objetivo analisar as relações de determinações recíprocas entre o processo de trabalho em saúde e o trabalho social, valendo-se para isso de uma revisão bibliográfica marcada por um corte teórico-metodológico fundamentado no materialismo histórico dialético.

Palavras chaves: processe de trabalho em saúde, trabalho social

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ABSTRACT

The work in health composes the field of the rendering of services and presents specific determination for the dynamics of its process of work. Exactly that directly it is not related to the typical productive work, is each whiter time of racionalizador control for the management of the capital, especially in the current phase of the development of the capitalist system, characterized for the chronic crisis, the structural unemployment and the relative exhaustion of the traditional forms of exploration of the force of industrial work. In this direction, the transformation of the base of production of the services of health of a liberal/artesanal estructuration in a production of lucrative enterprise base promotes deep alterations in the degree of autonomy of these professions and it approaches them to similar precarious conditions of work to those finding in the industrial work. This work has for objective to analyze the relations of reciprocal determination between the process of work in health and the social work, using itself for this of a bibliographical revision marked by one cut theoretician-metodológic based on the dialetic historical materialism.

Words keys: work processes in health, social work

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SUMARIO

ABSTRACT ..................................................................................................................... 8 SUMARIO ............................................................................................................ 9 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10 2 A CATEGORIA TRABALHO COMO PRESSUPOSTO PARA A INTERVENÇÃO SOCIAL ........................................................................................... 17 2.1 Dupla natureza do trabalho: produtor de valor-de-uso e de valor ............... 21 2.2 A questão do valor-trabalho no sistema de produção do capital ................. 23 2.3 Trabalho e produção da Mais-Valia ............................................................. 26 2.4 Força de trabalho e processo de trabalho ................................................... 30 2.5 Trabalho Produtivo e Trabalho Improdutivo ............................................... 34 3 A PRODUÇÃO DO SERVIÇO DE SAÚDE E O CAPITALISMO ..................... 40 3.1 Processo de Trabalho em Saúde ............................................................... 43 4 TRANSFORMAÇÃO DA BASE DE PRODUÇÃO DO SERVIÇO DE SAÚDE: DO MODELO LIBERAL AO MODELO EMPRESARIAL .................................... 50 4.1 A Medicina Liberal ....................................................................................... 51 4.2 A Medicina Empresarial .............................................................................. 53 4.3 Relações do Mundo do Trabalho Diretamente Produtivo com o Mundo do Trabalho na Produção dos Serviços de Saúde ................................................ 56 5 DIVISÃO DO TRABALHO EM SAÚDE E A FISIOTERAPIA .......................... 67 Esta correlação carrega consigo uma carga política importante, uma vez que ...... 73 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 77 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 80

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1 INTRODUÇÃO

Trabalho. A princípio pode parecer até meio anacrônico a importância

que se dá ao estudo desta categoria, seja no mundo acadêmico, seja no seio

dos movimentos dos trabalhadores, em um período da história da humanidade

caracterizado pela crise crônica do capital e do aumento cada vez maior do

desemprego estrutural, que coloca à margem do típico processo de trabalho

quase dois terços de toda a população economicamente ativa mundialmente.

Mesmo atentando para este fato, o estudo da categoria trabalho

juntamente com as conformações e transformações que ocorrem em suas

configurações em cada setor da produção social ganha extrema importância no

sentido em que, no movimento de superação de uma sociedade voltada à

produção do capital para uma sociedade planejada para além do capital e auto-

organizada pelos produtores que use o conceito do tempo disponível, não se

deixe repetir a história – desta vez como farsa – que ocorreu, por exemplo, na

URSS. Nela, a expropriação da propriedade privada não foi o suficiente para

encontrar um caminho de ruptura da relação de dominação do capital sobre

trabalho, uma vez que para a sua reprodução social foram usados os modelos

de produção desenvolvidos nos países capitalistas, como a organização

taylorista e fordista. É no sentido de avançar no processo de ruptura com os

grilhões da subordinação do trabalho pelo capital que o aprofundamento e a

continuação do estudo do trabalho ganha significação. Além disso, a categoria

trabalho não é estática, mas apresenta uma dinamicidade tal dentro de todo o

movimento da sociedade que gera inevitavelmente, a todo momento, um

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estranhamento, ponto especialmente necessário no desenvolvimento de

qualquer pesquisa.

Enquanto categoria pura, portanto, o estudo do trabalho não acrescenta

muitas coisas para o objetivo traçado acima, uma vez que ele é determinado

socialmente, como já foi dito. Na medida em que, sendo natural, contudo, o

homem não deixa de ser também um ser social, a sua intervenção no ambiente

natural, não se dá individualmente, mas é organizada socialmente. Isso

acontece, pois, da mesma forma que o homem é restrito em sua dimensão

subjetiva (por ser uma pessoa só), assim o é sua capacidade de intervenção na

natureza para produzir tudo aquilo que é necessário para sua sobrevivência,

seja materialmente, culturalmente, espiritualmente, intelectualmente, etc.

Dessa forma, se torna necessário a organização social da produção da

existência humana, o que é o mesmo que dizer que é necessária a

organização social do trabalho humano (MARX e ENGELS, 1984).

Embora se possam encontrar atividades laboriosas com mais

“liberdades” que outras, todas elas sofrem a regulação das leis gerais

determinadas pelo modo de produção capitalista, cuja finalidade principal é não

acabar com a incessante acumulação de capital, tendo na organização do

trabalho sua principal estratégia para a consecução de tal objetivo, uma vez

que é o trabalho a única forma de produzir valor.

É fato que, para um círculo delimitadamente específico do vasto mundo

do trabalho, este ganha delineamentos característicos que o diferenciam

qualitativamente das demais atividades concretas. Os apontamentos feitos

acima, se referidos ao trabalho em saúde, podem, à primeira vista, parecer

deslocados e que suas afirmações não podem ser aplicadas aos trabalhadores

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da saúde sob a justificativa de que a organização do trabalho neste setor não

seguiria as mesmas regras do mundo diretamente produtivo.

O trabalho dos profissionais de saúde também é produtor de valores-de-

uso em algumas formas e é o próprio valor-de-uso em outras formas. Situando-

se no modo capitalista de produção é também valor-de-troca. O resultado do

trabalho dos profissionais da saúde (isto é, seu efeito útil) é diferente daquele

encontrado no setor imediatamente produtivo. Os trabalhadores da saúde não

produzem bens de consumo a serem estocados em prateleiras. Os valores-de-

uso resultantes do seu trabalho são imediatamente consumidos à medida que

são produzidos, salvo as exceções da indústria farmacêutica e da de

equipamentos médicos.

Importante salientar que o modo como se recorta o trabalho médico e as

demais profissões da saúde do trabalho social não torna necessariamente as

conclusões tiradas da análise do trabalho social aplicáveis mecanicamente à

analise do trabalho médico. O trabalho médico é parte do trabalho social e o

forma, estando numa condição estruturada e também estruturante deste

mesmo todo social. “Conhecê-lo é, portanto, o movimento de buscar nele,

enquanto médico, o trabalho social, e de buscar como este social é reproduzido

na qualidade de ser trabalho médico” (SCHRAIBER, 1993). É assim, portanto,

que se deve entender a dinâmica de inter-relações estabelecidas entre o

trabalho médico e o trabalho social.

Toma-se como ponto de partida a análise de uma única profissão dentre

as variadas profissões de saúde, por ser a Medicina a ocupação mais

tradicional, de história mais longa e raiz da qual há o surgimento das outras

profissões.

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No Brasil, a profissão médica existe e funciona numa base

essencialmente liberal entre os anos de 1890 até 1930. Esta conformação

liberal do trabalho médico tem como características o consultório particular

como centro da assistência, no qual o médico é um pequeno produtor particular

e independente, que trabalha “artesanalmente” produzindo serviços como

“unidades inteiras e independentes de produção” (MARX, 2001), na forma de

uma consulta para cada paciente e de cada vez. Durante este período existiam

poucos recursos tecnológicos e havia pouco uso (inclusive resistência por parte

das pessoas) de hospitais, principalmente pelo risco de infecção e pela falta de

alternativas medicamentosas para a cura.

Da década 1930 à 1960, o Brasil vive um momento de transição para a

profissão médica e também assiste-se a uma nova estruturação do

oferecimento do serviço de saúde. Durante esse período, há uma intensa e

progressiva atuação do Estado na organização dos serviços, com o surgimento

das Caixas de Aposentadorias e outras medidas previdenciárias.

Acompanhando esse processo, há o surgimento de novas disciplinas científicas

e profissões clínicas que se desmembram da Medicina, dentre as quais a

Fisioterapia tem um papel importante. Cabe ressaltar que esse período de

transição é o mesmo momento em que o sistema capitalista procura se

reestruturar das duas guerras mundiais e no Brasil vive-se sob a ideologia de

governos populistas e sob o signo do desenvolvimentismo.

A partir da década de 1970, acontece na profissão médica a

consolidação de uma tendência que vinha se fortalecendo no seio das

transformações sociais da prática médica, a chamada “medicina empresarial”.

Esta conformação da prática médica tem como características a prestação de

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assistência centralizada no hospital, com consultórios funcionando como

subordinados a ele e acoplados na forma de microempresas com vistas à

capitalização. O deslocamento do centro da assistência do consultório

particular para o hospital é acompanhado da intensa incorporação da

tecnologia médica no cotidiano de prática, chegando a ponto de ser

considerado impossível a prática de uma “boa” Medicina que renegue essa

extrema dependência da assistência médica que não acompanhe as altamente

rápidas evoluções tecnológicas.

Há, então, a transformação da base de trabalho do consultório particular

e independente para a base de trabalho hospitalar ou de clínicas ambulatoriais,

com conformação de trabalho coletivo multiprofissional decorrente da

diferenciação e excessiva especialização do trabalho médico, cuja organização

dependerá da estrutura empresarial da instituição e que terá interferências de

condições e imposições do tipo gerencial.

A incorporação de tecnologia no cotidiano da prática médica no ritmo

que acontece hoje e, que se considera um movimento inerente à evolução da

Medicina enquanto área do conhecimento científico, não se dá, por outro lado,

de forma natural. Este movimento não é o único possível para o progresso da

Medicina, nem tampouco natural, mas é a expressão fenomênica de que o

desenvolvimento do capital na procura de novos mercados de exploração não

poupa nenhuma atividade humana. Essa excessiva incorporação da tecnologia

como pressuposto para uma boa prática médica pode-se traduzir num

estreitamento entre a produção dos serviços médicos e a indústria produtora

desta tecnologia. E isto traz conseqüências preocupantes à assistência, visto

que ela se torna condicionada à política de obsolescência programada dos

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produtos destas indústrias. Além disso, é expressiva também a grande

presença de bancos e instituições financeiras nestas relações. A produção do

cuidado entre seres humanos fica, desta forma, determinada e limitada pelas

leis gerais do desenvolvimento capitalista, que tem como premissas básicas a

extração progressiva e constante da mais-valia e o aumento incessante da taxa

médica de lucro .

O cenário traçado acima traz algumas conseqüências já detectáveis

para a organização do trabalho médico, dentre elas o encarecimento dos

custos de serviços, perda da autonomia na captação da clientela, progressivo

assalariamento, rotinização do trabalho, produção de serviços pouco

individualizada, perda de autonomia na organização do próprio trabalho, crises

nos relacionamentos entre médico e paciente e médicos e outros profissionais,

dependência excessiva de conhecimentos ultra-especializados e das inovações

tecnológicas, perda da humanização da assistência, crise de confiança, ação

profissional mais preocupada em estabelecer tratamentos do que em

realizarem cuidados, entre outras.

A Fisioterapia surgiu como profissão separada da Medicina num

contexto histórico que apresentava a construção de uma organização da

prática médica tensionada entre um ideal de profissão baseada no modelo

liberal e as transformações na prática do tipo empresarial e lucrativo

tipicamente capitalista. Surgindo num contexto assim e obedecendo às leis

gerais que controlam a produção de serviços do período, a Fisioterapia se

estruturará como profissão e organizará seu trabalho seguindo essas

tendências vencedoras no âmbito da profissão médica.

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Vale registrar que, no decorrer deste trabalho, a trajetória percorrida se

revelou muito mais intrigante e complexa do que pareceu à primeira vista. As

fontes bibligráficas que tratam da análise do processo de trabalho em saúde

são variadas e recorrem a referências divergentes entre si, bem como partem

de pressupostos metodológicos muitas vezes polares. Cria-se com isso um

problema para a estruturação deste trabalho, uma vez que ao se fazer relação

pretendida entre a produção dos serviços de saúde e a produção do trabalho

social podia-se juntar no mesmo bloco princípios metodológicos distintos.

Por fim, o exercício cujo resultado ora é apresentado acabou

representando, mais do que um esforço unicamente acadêmico, um movimento

político dentro de uma área específica da produção de serviços de saúde, que

é a Fisioterapia. A centralização da formação nos moldes tecnicistas é

encontrado de forma geral em todo o setor da saúde. Entretanto, na

Fisioterapia este modelo ganha forças na medida em que a formação técnica

acaba sendo ainda restrita ao objetivo reabilitador. O exercício intelectual

praticado modestamente aqui foi apenas de aproximação primária ao tema,

mas ganha um sentido político no sentido que cria dentro do conjunto da

homogeneidade tradicional da produção científica da Fisioterapia um tom

destoante, que finaliza com uma certa coerência a trajetória seguida pelo autor

nos quatro anos de formação universitária.

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2 A CATEGORIA TRABALHO COMO PRESSUPOSTO PARA A INTERVENÇÃO SOCIAL

É comum ainda hoje encontrar nas pessoas cristalizada a idéia de que o

que nos separa dos animais é a capacidade racional que foi progressivamente

evoluindo entre nossos ancestrais. O cogito cartesiano ainda exerce uma

influência capital no nosso entendimento sobre o desenvolvimento do macaco

para o homem. É detectável facilmente a estreita ligação que existe entre a

concepção idealista da história e a explicação desse grande salto evolutivo nas

espécies animais.

O homem é um ser natural e, como tal, faz parte da natureza e ela dele.

Torna-se desnecessário dizer que o homem, assim como os outros animais, só

pode sobreviver relacionando-se ativamente com o ambiente natural.

Entretanto, a relação que se dá entre homem e natureza é muito diferente da

que se encontra entre animal e natureza. Nesta, a atividade animal encontra-se

biologicamente determinada, ou seja, é a transmissão genética das

“experiências” e das necessidades imediatas que determinam a relação do

animal com a natureza. Por outro lado, a relação do homem com a natureza

não é determinada apenas biologicamente pelas suas necessidades imediatas

de perpetuação da espécie. À medida que o homem interfere na natureza, ele

deixa nela sua marca transformando-a; ele deixa gravada nela a marca de sua

atividade (de seu trabalho). Da mesma forma, à medida que interfere no curso

natural dos fenômenos, o homem se transforma e sofre as alterações

decorrentes da sua própria atividade na natureza. A interação do homem com a

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natureza é um processo de mútua transformação e é nesse processo que se

produz a existência humana (ANDERY et al, 1988).

Fica claro, portanto, que a produção do processo da existência humana

se dá na atividade consciente do homem na sua relação com a natureza.

Nessa relação o homem não só busca atender as suas necessidades básicas

imediatas, mas produz novas necessidades, tão fundamentais quanto as

outras. É no processo de interação com a natureza que o homem cria

mecanismos, artefatos para poder atender às suas necessidades; é no

desenrolar dessa interação que ele cria as idéias e valores que fundamentam

sua vida. Diferentemente dos outros animais, a intervenção humana na

natureza é intencional e planejada, ou seja, ele concebe ideal e

antecipadamente qual será a conseqüência de sua intervenção no meio

natural. Esta característica, segundo Braverman (1987) é chamada de “poder

do pensamento conceptal” e determina a aplicação das habilidades humanas e

seus meios de trabalho sobre uma condição externa a ele tendo como objetivo

final a concretização do projeto que existia antes apenas idealmente. É,

portanto, nessa capacidade que está a verdadeira diferença entre os seres

humanos e os animais.

A relação do homem com natureza se dá, portanto, por meio do

trabalho. Este, como atividade proposital, é produto especial da espécie

humana. Mas esta, por sua vez, é produto especial da conformação que

adquire o trabalho em um determinado período histórico. Ao colocar todo o seu

instrumental orgânico e artificial a favor de uma atividade laboriosa, todos os

outros aspectos da vida do trabalhador se transformam em decorrência disso.

Assim, ele é formado de acordo como ele se insere no processo de trabalho,

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de como o trabalho é organizado, na divisão social do trabalho. As

manifestações da doença, por exemplo, são produtos da interação que o

homem estabelece com a natureza e com o ambiente social por meio do

trabalho; as idéias, os conceitos, os modos de analisar e entender a vida

participam dessa relação. Todas as dimensões da vida humana são

determinadas pela maneira como os homens organizam e participam de sua

principal característica como seres humanos: o trabalho.

O trabalho adquire conformações diferentes de acordo com o grau de

desenvolvimento das forças produtivas relativas a um determinado período

histórico. Entretanto, enquanto atividade humana natural ou pela “ontologia

singularmente humana do trabalho” (ANTUNES, 1999), este possui algumas

características que, para efeito de análise momentânea, podemos afirmar como

sendo independente da organização econômico-social vigente num período

dado. A essas características inerentes do trabalho, Mészàros (apud

ANTUNES, 1999) chama de mediações de primeira ordem,

cuja finalidade é a preservação das funções vitais da reprodução individual e societal, têm as seguintes características definidoras: 1)os seres humanos são parte da natureza, devendo realizar suas necessidades elementares por meio do constante intercâmbio com a própria natureza;2)eles são constituídos de tal modo que não podem sobreviver como indivíduos da espécie à qual pertencem (...) baseados em um intercâmbio sem mediações com a natureza (como fazem os animais) regulados por um comportamento instintivo determinado diretamente pela natureza, por mais complexo que esse comportamento possa ser.

Não obstante essas características, o trabalho deve também ser

entendido como socialmente condicionado pela suas formas de organização,

pelo progresso técnico, pelas condições naturais (geográficas) e ao mesmo

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tempo determinando as relações entre os homens, especialmente no tocante à

propriedade dos meios utilizados para a produção dos bens necessários a vida

humana num determinado período histórico.

As características ontológicas do trabalho, enquanto atividade natural do

homem, devem atender a algumas funções, cujos objetivos principais são a

autoprodução e a reprodução societal. As mediações de primeira ordem

citadas acima devem ser estabelecidas pelos homens entre si e entre eles e a

natureza para garantir a sobrevivência material da espécie e, para isso, tais

mediações têm as seguintes funções:

1) a necessária e mais ou menos espontânea regulação da atividade biológica reprodutiva em conjugação com os recursos existentes;2) a regulação do processo de trabalho, pela qual o necessário intercâmbio comunitário com a natureza pode produzir os bens requeridos, os instrumentos de trabalho, os empreendimentos produtivos e o conhecimento para a satisfação das necessidades humanas;3) o estabelecimento de um sistema de troca compatível com as necessidades requeridas, historicamente mutáveis e visando otimizar os recursos naturais e produtivos existentes;4) organização, coordenação e controle da multiplicidade de atividades, materiais e culturais, visando o atendimento de um sistema de reprodução social cada vez mais complexo;5) a alocação racional dos recursos materiais e humanos disponíveis, lutando contra as forças da escassez, por meio da utilização econômica (no sentido de economizar) viável dos meios de produção, em sintonia com os níveis de produtividade e os limites socioeconômicos existentes;6) a constituição e organização de regulamentos societais designados para a totalidade dos seres sociais em conjunção com as demais determinações e funções de mediação primárias (MÉSZÀROS apud ANTUNES, 1999).

Todos esses imperativos de mediação primária e suas respectivas

funções não necessitam do estabelecimento de hierarquia, estruturas de

dominação e subordinação características do sistema de produção do capital,

mas elas são antes de tudo características que ficam acima de tais

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determinações. Ou melhor, são premissas básicas, fundamentais que

estabelecem condições de intercâmbio natural entre o homem e a natureza de

acordo com as quais, para citar Lukács, “o trabalho é a protoforma do ser

social” (ANTUNES, 1999). Isto é, na medida em que o trabalho apresenta um

caráter transitório de inter-relação do homem com a natureza e que se

caracteriza pela passagem do homem que trabalha, este pode passar de um

ser puramente biológico para um ser social. Por estabelecer essa mediação da

transformação qualitativa acima é que Lukács afirma que o trabalho é a

protoforma do ser social, um fenômeno originário, um modelo, ficando,

portanto, no centro do processo de humanização do homem (ANTUNES,

1999). É neste sentido que o trabalho ganha um caráter de centralidade no

estudo das relações humanas, das relações sociais, das relações de troca.

Passaremos, portanto, para o estudo das dimensões em que o trabalho

humano estabelece essas relações com a natureza e determina a formatação

das relações sociais. Para isso, devemos recorrer então ao trabalho enquanto

ato de produção de coisas, produção de bens materiais e imateriais que

sustentam a vida humana. Nesse sentido, a dupla natureza do trabalho ganha

uma essencial importância conceitual.

2.1 Dupla natureza do trabalho: produtor de valor-de-uso e de valor

O trabalho enquanto ato de produção possui a característica de produzir

um objeto externo, que pode ser analisado de duas formas: por sua

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característica qualitativa e por sua característica quantitativa. A primeira diz

respeito ao seu valor-de-uso e a segunda ao seu valor.

O valor-de-uso de determinada coisa é ditado pela sua característica útil

de satisfazer alguma necessidade humana; é determinada pelas suas

qualidades materiais e constitui o conteúdo material da riqueza, qualquer que

seja sua forma social; enquanto expressão material se realiza no momento do

consumo. “O trabalho, como criador de valores-de-uso, como trabalho útil é

indispensável à existência do homem – qualquer que sejam as formas de

sociedade -, é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material

entre o homem e a natureza e, portanto, de manter a vida humana” (MARX,

2001).

Por outro lado, à medida que a população cresce e a produção extensiva

extrapola a quantidade necessária para o consumo imediato de um

determinado agrupamento humano, formando um excedente, esses produtos

passam a ser trocados entre diversos grupos e, por isso, tais produtos

precisam ter também um valor-de-troca. Para serem trocados, dois produtos

precisam ser colocados em uma relação aritmética de igualdade e esta deve

absorver tanto a dimensão quantitativa quanto a dimensão qualitativa de tais

produtos. Ao se igualar produtos de qualidades e quantidades distintas,

pressupõe-se que eles tenham uma grandeza comum entre si que permita

essa relação de permuta, caso contrário a troca se impossibilitaria. Isso quer

dizer que ambos os produtos “são expressões objetivas de trabalho de

natureza igual” (MARX, 2001).

Esse trabalho de natureza igual é chamado de trabalho humano

abstrato; é o trabalho despojado de suas características úteis e definido

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simplesmente como dispêndio de força de trabalho humano desconsiderando-

se a maneira como ela foi dispendida. A quantidade de trabalho humano

abstrato gasto para a produção de qualquer valor-de-uso é que determina a

proporção de troca entre dois produtos em relação de igualdade. Quanto maior

for o tempo necessário para a produção de determinado valor-de-uso, tanto

maior será o seu valor nas relações de troca. Esse tempo de produção está

estritamente relacionado com a média de trabalho humano socialmente

necessária para a produção de determinado valor-de-uso, o que também está

relacionado com o grau de desenvolvimento das forças produtivas de

determinado período. “O que determina a grandeza do valor, portanto, é a

quantidade de trabalho socialmente necessária ou o tempo de trabalho

socialmente necessário para a produção de um valor-de-uso“ (MARX, 2001).

O trabalho, enquanto atividade humana concreta, é produtor de valores-

de-uso e tem na sua dimensão útil sua principal característica. Por outro lado,

ao produzir mercadorias, ele também é atividade humana abstrata produtora de

valor, na qual o que interessa é sua dimensão quantitativa mensurável pelo

tempo.

Até aqui a análise do duplo caráter do trabalho de produzir valor-de-uso

e de produzir valor prescindiu a forma social com a qual o processo de trabalho

é levado a cabo. A partir de agora devemos entender como a relação valor-

trabalho é de extrema importância para conseguirmos nos aprofundar nas

entranhas do sistema produtivo do capital e entender com que objetivo o

trabalho humano tem sido posto em movimento, dessa maneira também,

tentando elucidar, as conseqüências disso para a vida em sociedade.

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2.2 A questão do valor-trabalho no sistema de produção do capital

No sistema de produção do capital, o processo de trabalho é orientado

para a produção de mercadorias. Elas aparecem com uma dupla natureza

(justamente por serem produtos de um trabalho de natureza dupla): como

valor-de-uso, objeto útil determinado a um fim e como trabalho encarnado na

forma de valor. Da mesma forma que o trabalho individual não é suficiente para

poder dar conta da multiplicidade necessária à existência do homem e deve ser

colocado em relação social, assim deve-se pensar a mercadoria. Ela só existe

enquanto valor quando seu valor individual pode ser trocado por um

equivalente de outra mercadoria, ou seja, o valor de uma mercadoria se

expressa no seu valor-de-troca social.

O sistema de produção de capital é uma dinâmica, um meio totalizante

de mediação do trabalho para a produção de mercadorias. Nas palavras de

Mészaros (2002),

é um sistema de mediações claramente identificável, o qual em suas formas convenientemente desenvolvidas subordina estritamente todas as funções reprodutivas sociais – das relações de gênero familiares à produção material, incluindo até mesmo a criação de obras de arte – ao imperativo absoluto da expansão do capital, ou seja, da sua própria expansão e reprodução como um sistema de metabolismo social de mediação. [Sua finalidade essencial não é outra senão] expandir constantemente o valor de troca, ao qual todos os demais –desde as mais básicas e mais íntimas necessidades dos indivíduos até as mais variadas atividades de produção, materiais e culturais, - devem estar estritamente subordinados. (...) A completa subordinação das necessidades humanas à reprodução do valor-de-troca - no interesse da auto-realização expansiva do capital – tem sido o traço mais notável do sistema de capital desde sua origem.

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Uma das principais características do sistema produtor de capital é que

este é dotado de uma característica personalizadora em que o imperativo de

sua auto-reprodução expansiva se confunde com o objetivo de reprodução da

vida humana. Neste sentido, confunde-se também a imensa variedade dos

tipos de trabalhos, de sua especialização fragmentária como necessária para a

organização do trabalho. Na verdade, este modelo de organização do trabalho

é ótimo para a expansão incontrolada do capital, mas não é condição inevitável

para a produção total da existência humana em todos os seus aspectos.

Citando Mészàros, Antunes (1999) sintetiza muito bem o modelo de

organização social voltado para a ampliação do capital:

Não sendo uma entidade material e nem um mecanismo que possa ser racionalmente controlável, o capital consitui uma poderosíssima estrutura totalizante de organização e controle do metabolismo societal, à qual todos, inclusive os seres humanos, devem se adaptar. Esse sistema mantém o domínio e a primazia sobre a totalidade dos seres sociais, sendo que suas mais profundas determinações stão orientadas para a expansão e impelidas para a acumulação. Enquanto nas formas societais anteriores ao capital, ‘no que concerne à relação entre produção material e seu controle, as formas de metabolismo social se caracterizavam por um auto-grau de auto-suficiência’, com o desenvolvimento do sistema global de capital, este se tornou expansionista e totalizante, alterando profundamente o sistema de metabolismo societal. E essa nova característica ‘fez com que o sistema do capital se tornasse mais dinâmico que a soma do conjunto de todos os sistemas anteriores de controle do metabolismo social.’ Por ser um sistema que não tem limites para sua expansão (...), o sistema de metabolismo social do capital configurou-se como um sistema, em última instância, ontologicamente incontrolável.

Essas características associadas à personificação do capital acabam por

tornar justificáveis e até mesmo aceitáveis a contradição de um determinado

local do globo terrestre viver num estado de delirante consumismo, enquanto

outros locais acabam por sofrer de desnutrição e mortes por doenças

facilmente curáveis. Ou até mesmo que os custos de embalagem, propaganda

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e enfeites de um determinado produto concentrem cerca de 80% de seu preço,

enquanto produto em si, o motivo pelo qual ele foi produzido, representa

apenas os 20% restantes (ANTUNES, 1999).

2.3 Trabalho e produção da Mais-Valia

O grande progresso conseguido por Marx na sua obra “O Capital” foi o

de desvendar de forma científica em que precisamente se fundamentava o

complexo de contradições inerentes ao sistema de metabolismo social do

capital. A base de todo o sistema está na exploração pelo capitalista do sobre-

trabalho, do trabalho excedente, da mais-valia, da força de trabalho posta em

movimento. Encarando a força de trabalho como uma unidade de capital, assim

como considera a sua maquinaria, esta deve ser utilizada extraindo-se de sua

capacidade de produção o máximo possível.

A extração da mais-valia se dá pelo tempo de trabalho não pago, ou

seja, pelo tempo de trabalho que o trabalhador trabalha de graça para o

capitalista. Isto acontece porque o trabalhador não tem mais liberdade ou

autonomia de trabalho, uma vez que os meios de trabalho e a matéria-prima

foram dele expropriados e concentrados nas mãos dos capitalistas.

A massa total de mais-valia produzida depende basicamente de dois

fatores: do capital variável adiantado na produção, ou seja, do volume da força

de trabalho empregada; e do grau de exploração dessa mesma força de

trabalho. Dessa forma, uma diminuição no capital variável (geralmente em

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decorrência do aumento do capital constante∗), ou o decréscimo do número de

trabalhadores empregados pode ser compensado pelo aumento proporcional

da taxa de exploração da força de trabalho, como por exemplo, com o aumento

proporcional da jornada de trabalho diária. A produção da mais-valia pode se

dar de duas formas: em sua forma absoluta e em sua forma relativa.

A produção da mais-valia absoluta dá-se, considerando constante o

valor da força de trabalho, pelo prolongamento da jornada de trabalho ou pelo

aumento no número de trabalhadores empregados. Já a produção da mais-

valia relativa depende mais da variação do valor da força de trabalho, visto que

sua produção considera constante o tempo da jornada de trabalho.

O valor da força de trabalho é determinado pelo tempo socialmente

necessário para sua produção, o que dá no mesmo que dizer que corresponde

ao tempo socialmente necessário para a produção dos meios de subsistência

minimamente necessários à sua sobrevivência. Isso determina, portanto, a

parcela de trabalho necessária para sua reprodução dentro do tempo total da

jornada de trabalho. Para Marx (2004), “com o valor dos meios de subsistência

se tem o valor de sua força de trabalho, e, dado o valor desses meios de

subsistência, se tem a duração diária do trabalho necessário”. Isso porque,

para Marx, a jornada de trabalho é dividida no que ele chama de trabalho

necessário e trabalho excedente, sendo que o primeiro é tempo de trabalho

necessário para a reprodução da força de trabalho, enquanto o segundo é a

parcela de tempo que o trabalhador trabalha gratuitamente para o capitalista,

redundando unicamente na produção ampliada de capital.

Capital constante: referente aos meios físicos usados na produção, como instrumentos de trabalho, maquinaria, espaço físico das indústrias.

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Considerando-se que o tempo total da jornada de trabalho permaneça

constante e que o salário pago pelo trabalhador não seja menor que o seu

valor integral durante um dia inteiro de trabalho, o “segredo” da mais-valia

relativa está em aumentar o tempo de trabalho excedente correspondente

numa jornada de trabalho de um dia. E faz isso pelo encurtamento do tempo

de trabalho necessário para a reprodução da força de trabalho.

Para que isso seja possível se torna necessário que a mesma

quantidade de mercadorias necessárias à sobrevivência do trabalhador sejam

produzidas num tempo menor do que antes. Tal efeito acontece por um

aumento na produtividade do trabalho, conseguido graças a um

revolucionamento do processo de trabalho, seja com o desenvolvimento dos

meios de produção através da evolução técnica dos instrumentos de trabalho,

seja com a transformação do modo de produção sob a forma da reestruturação

organizacional do processo de trabalho. Dessa forma, tem-se um aumento de

volume da massa total de mercadorias produzidas em menos tempo, o que

garante não só um valor menor dessa massa total como um todo pela redução

do seu tempo de produção, como também se tem uma redução muito

significativa do valor unitário de cada mercadoria.

É, portanto, imprescindível para o aumento contínuo da ampliação do

capital que este transforme as condições técnicas e sociais do processo de

trabalho e não se limite unicamente ao aumento da jornada de trabalho. Marx

(2001) faz a diferenciação das duas formas de se extrair mais-valia, sendo a

“mais-valia absoluta a produzida pelo prolongamento do dia de trabalho, e de

mais-valia relativa a decorrente da contração do tempo de trabalho necessário

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e da correspondente alteração na relação quantitativa entre ambas as partes

componentes da jornada de trabalho”.

Para tal efeito, não é necessária uma revolução no processo de trabalho

somente em alguns ramos da produção, mas no trabalho social como um todo,

excetuando-se os trabalhos cujas atividades não fornecem os meios de

subsistência ou os meios de produção para produzir essa subsistência.

Considerando-se que cada mercadoria necessária à vida do trabalhador é uma

parte alíquota do valor total da força de trabalho, a diminuição do valor unitário

de cada uma dessas mercadorias resulta (na soma final) numa diminuição no

valor total da força de trabalho reduzindo a fatia de tempo de trabalho

necessário para a reprodução da força de trabalho, o que garante o

pressuposto para o aumento da apropriação da mais-valia relativa,

considerando-se constante o tempo total da jornada de trabalho.

Diante disso, uma das primeiras coisas que vêm à nossa mente é de

que se o aumento da produtividade do trabalho reduz o valor da massa de

mercadorias necessárias à subsistência do trabalhador, reduzindo assim

também o tempo de trabalho necessário à sua reprodução, isso tem um efeito

positivo no sentido de que o trabalhador precisaria trabalhar menos tempo e

poderia usar criativamente seu “tempo livre”. Entretanto, o comprador da força

de trabalho a compra por uma jornada inteira de um dia de trabalho, de modo

que a

Poupança de trabalho por meio do desenvolvimento da produtividade do trabalho não tem como fim atingir, na produção capitalista, a redução da jornada de trabalho. Seu objetivo é apenas reduzir o tempo de trabalho requerido para produzir determinada quantidade de mercadoria. (...) O desenvolvimento da produtividade do trabalho na produção capitalista tem por objetivo reduzir a parte do dia do trabalho durante o qual o trabalhador tem de trabalhar para si mesmo, justamente para ampliar a outra parte durante a qual pode trabalhar gratuitamente para o capitalista” (MARX, 2001).

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É certo que “as perspectivas da emancipação humana são inseparáveis

do avanço – historicamente viável – da produtividade” (MÉSZAROS, 2002). É

certo também que, para uma sociedade socialista, é necessário um grande

incremento da produtividade, sem a qual generalizar-se-ia a escassez, e,

“portanto, com a carência, recomeçaria a luta pelo necessário, e toda a

imundície anterior seria restabelecida” (MARX apud MÉSZAROS, 2002).

Entretanto um enfoque estritamente quantitativo do aumento da produtividade

acaba por transformar seus efeitos positivos em efeitos destrutivos para tal

perspectiva. Uma vez porque esta forma serve somente para o aumento da

exploração da mais-valia e outra por causa dos limites impostos pela

quantificação e expansão da produtividade e do capital num mundo de

recursos finitos (MÉSZAROS, 2002).

Historicamente, desde que os seres humanos em cooperação

começaram a produzir um excedente social para além da satisfação das

simples necessidades elementares, esse incremento quantitativo acabou

resultando numa incrementação qualitativa das necessidades humanas, em

cuja área a produção cultural e científica é um dos destaques. Entretanto, o

enfoque restritivo do capital na dimensão quantitativa da produtividade acaba

por romper com essa trajetória histórica do aumento qualitativo da

produtividade. O sistema capitalista acaba por remover “não apenas as

determinações limitantes da produção orientada-para-a-necessidade, mas

simultaneamente também a possibilidade de controlar as tendências

destrutivas que emergem da dominação total da qualidade pelos imperativos

da expansão quantitativa ilimitada do capital” (MÉSZAROS, 2002).

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2.4 Força de trabalho e processo de trabalho

Depois de sucintamente entendermos, em linhas gerais, como se dá a

exploração do trabalhador pelo movimento auto-ampliador do capital, faz-se

necessário agora identificar e conceituar exatamente sobre quem o capital

impõe seu cajado, ou seja, torna-se necessário conceituaro que é e quem é a

chamada força de trabalho. Antes disso, porém, é preciso que façamos

algumas diferenciações no modo como se interpreta hoje a questão da força de

trabalho na bibliografia encontrada. Nogueira (1991) afirma que há duas

maneiras de se interpretar esta questão: como força de trabalho conceituada

tradicionalmente na economia política desde Adam Smith até Marx; e como

recursos humanos, conceito que começa a ser amplamente usado no começo

do século passado com o advento da gerência científica.

O conceito de recursos humanos é mais freqüentemente encontrado nos

trabalhos da administração e tem uma conotação e uma visão de quem tem por

objetivo controlar a capacidade de trabalho das pessoas, tendo como propósito

“intervir numa situação para produzir e aprimorar, ou ainda para administrar

esse recurso específico”. Por outro lado, o conceito de força de trabalho é

entendido como “o conjunto das faculdades físicas e mentais existentes no

corpo e na personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação

toda vez que produz valores-de-uso de qualquer espécie” (MARX, 2001). A

forma como vamos abordar a capacidade de trabalho das pessoas é a que tem

como base a economia política, mais especificamente a maneira como Marx a

aborda em sua obra.

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Na atual fase de desenvolvimento capitalista, cuja característica

marcante é a acumulação flexível e a reestruturação produtiva, muito

dificilmente as relações de trabalho se encontram fora do sistema de produção

vigente. No que diz respeito a esse modo de produção e a maneira como ele

se relaciona com a força de trabalho entendida socialmente é necessário fazer

algumas considerações preliminares. Há uma separação clara, inerente ao

modo de produção capitalista, entre aquelas pessoas que detém os meios de

produção, como terras, máquinas, fábricas, tecnologia, instrumentos de

trabalho, e aqueles que, destituídos de todos essas condições só lhe resta a

sua própria capacidade de trabalhar. Essa é a condição mais essencialmente

orgânica do capitalismo, o que garante àqueles que detêm os meios de

produção e dinheiro, conforme palavras do Marx (2001),

encontrar o trabalhador livre no mercado de mercadorias, livre nos dois sentidos: o de dispor, como pessoa livre, inteiramente despojada de todas as coisas necessárias à materialização de sua força de trabalho, não tendo além desta, outra mercadoria para vender.

De acordo com Braverman (1987), o trabalho, nas formas que ele

assume sob as condições capitalistas de produção, têm como base três

condições: separação entre os trabalhadores e os meios de produção, o que os

obrigam a vender sua força de trabalho; os trabalhadores devem estar livres

para poderem dispor de sua força de trabalho; o comprador da força de

trabalho só compra esta força pois a considera uma unidade do capital e uma

condição necessária para a sua acumulação. “O processo de trabalho começa,

portanto, no contrato que estabelece as condições da venda da força de

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trabalho pelo trabalhador e sua compra pelo empregador” (BRAVERMAN,

1987).

Do ponto de vista do capitalista, que vê a força de trabalho como

unidade de capital, para ele esta deve ter um preço, ou para expressa-lo em

termos de economia política, um valor. Este, “é o tempo de trabalho necessário

à sua reprodução, ou seja, é o valor dos meios de subsistência necessária à

manutenção do seu possuidor” (MARX, 2001). Isto é, o valor da força de

trabalho para o capitalista é equivalente ao mínimo necessário à manutenção

da vida do trabalhador. Como o capitalista entende a força de trabalho como

apenas uma unidade de capital a ele pertencente da mesma forma que todos

os outros meios de produção necessários à produção de bens e que ambos

são mercadorias postas à apreciação no mercado, do seu ponto de vista o

processo de trabalho é a incorporação do trabalho, “fermento vivo, aos

elementos mortos constitutivos do produto, os quais também lhe pertencem.

(...) O processo de trabalho é um processo que ocorre entre coisas do

capitalista, entre coisas que lhe pertencem. O produto desse processo

pertence-lhe do mesmo modo que o produto do processo de fermentação do

vinho em sua adega” (MARX, 2001).

O processo de trabalho, segundo Marx (2001), deve ser entendido

quando seus três componentes principais são encontrados, quais sejam: a

atividade adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho; a matéria sobre a qual

se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; e os meios de trabalho, o

instrumental utilizado e que medeia a ação do trabalhador sobre o objeto.

Ainda segundo este autor, “no fim do processo de trabalho aparece o resultado

que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador”. Isso é verdade

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para aqueles que têm a condição de pensar sobre o processo total de seu

trabalho passo a passo, para quem tem a possibilidade de determinar o modo

como será organizado seu trabalho. Entretanto, é característica do modo de

produção capitalista a separação entre a motivação para o trabalho e sua

execução, isto é, a concepção do projeto pode ser feita por uma pessoa e

executada por outra. Esta é a principal divisão do trabalho vigente sob o

sistema capitalista de produção e, tornou-se condição sine qua non para que a

acumulação de capital fosse ampliada ao máximo. Para isto contribuiu o

advento da gerência científica com a sua organização do trabalho do tipo

taylorista, fordista e, agora mais recentemente, toyotista. É, portanto, da

separação entre quem pensa o trabalho e quem o executa que vem o conceito

de degradação do trabalho e alienação do trabalho a que o trabalhador é

submetido no modo de produção capitalista. Não bastasse estar excluído do

processo decisório a respeito do modo como organizar-se-á o seu trabalho,

aquele que simplesmente executa a ordem vinda de cima o faz ainda

fragmentariamente, visto a grande subdivisão do trabalho em tarefas

parceladas. Isto posto, distancia-se do trabalho humano aquilo que o diferencia

do trabalho animal: a capacidade de projetar idealmente o produto final do seu

trabalho.

2.5 Trabalho Produtivo e Trabalho Improdutivo

Para podermos prosseguir na análise do mundo do trabalho na atual

fase de desenvolvimento capitalista é mister fazer algumas observações

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prévias a respeito da conformação que a classe trabalhadora vem adotando

nessas últimas décadas.

A classe trabalhadora é composta por todos os seres humanos que,

separados dos meios de produção, são obrigados a vender sua força de

trabalho em troca de um salário para pôr o processo de trabalho em movimento

e assim reproduzir sua vida material. Na época de Marx, a classe trabalhadora

era composta basicamente pelo proletariado urbano, pelo proletariado fabril,

que, por estarem diretamente relacionado com a grande fonte de produção de

mais-valia do período, foram classificados como trabalhadores produtivos.

Neste sentido, tem-se, segundo Antunes (1999) a definição do trabalhador

produtivo como

sendo o trabalhador produtivo aquele que produz diretamente mais-valia e participa diretamente do processo de valorização do capital, ele detém, por isso um papel de centralidade no interior da classe trabalhadora, encontrando no proletariado industrial o seu núcleo principal, (...) [mas o trabalho produtivo] não se restringe ao trabalho manual direto, incorporando também formas de trabalho que são produtivas, que produzem mais-valia, mas que não são diretamente manuais.

Fica claro, então, que a totalidade da classe trabalhadora atualmente

inclui todos aqueles que vendem a sua força de trabalho, tendo seu núcleo

central os trabalhadores diretamente produtivos, mas incorpora também a

totalidade do trabalho social ou a totalidade do trabalho coletivo assalariado.

O trabalho improdutivo, por sua vez, é definido por Antunes (1999) como

aquele que não participa do processo de produção de mais-valia ou do

processo de valorização do capital e que, apesar de não produzirem valor,

sobrevivem graças ao enorme excedente produzido pela alta produtividade do

trabalho permitido pelo desenvolvimento das forças produtivas. Por não

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produzirem valor, mas consumirem o valor excedente é que alguns autores

classificam os trabalhadores improdutivos como parasitários. São exemplos

desse tipo de trabalhadores aqueles que estão diretamente ligados à “estrutura

de comando do capital, como os ‘capitães de indústria’ ou como os guardiões

políticos do Estado burguês”. Por sua posição estratégica no comando do

capital, eles se apropriam “de uma porção importante do produto social para o

qual eles não contribuem com absolutamente nenhuma substância”

(MÉSZAROS, 1995).

Entretanto, apesar dessa distinção há uma certa polêmica na

classificação da natureza do trabalho no setor de serviços. Há aqueles que o

classificam como trabalho improdutivo (Antunes, 1999) e aqueles que o

consideram como produtivo (Braverman, 1987).

Antunes (1999) cita o setor de serviços como fazendo parte do trabalho

improdutivo, seja ele executado para uso público ou para o capitalista,

e que não se constituem como elemento diretamente produtivo, como elemento vivo do processo de valorização do capital e de criação de mais-valia. São aqueles em que, segundo Marx, o trabalho é consumido como valor de uso e não como trabalho que cria valor de troca. O trabalho improdutivo abrange um grande leque de assalariados, desde aqueles inseridos no setor de serviços, bancos, comércio, turismo, serviços públicos etc., até aqueles que realizam atividades nas fábricas mas não criam diretamente valor. (...). são aqueles que se constituem em ‘agentes não-produtivos, geradores de anti-valor no processo de trabalho capitalista, [mas que] vivenciam as mesmas premissas e se erigem sobre os mesmos fundamentos materiais. Eles pertencem àqueles falsos custos e despesas inúteis, os quais são entretanto, absolutamente vitais a sobrevivência do sistema.

Por outro lado, para Braverman (1987),

poucos economistas chamariam hoje a prestação de serviços de ‘improdutiva’ – exceto quando executada pelo trabalhador por conta própria como a dona-de-casa em seu lar. [Diz ele que] os serviços sempre participaram como uma grande parcela da divisão social do

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trabalho, mas que se constituíram como produtiva ou lucrativa só recentemente. Até décadas atrás, o emprego da força de trabalho no setor de serviços não significava acréscimo à riqueza nacional, mas sim uma dedução dela. Do ponto de vista do capital, não importava a natureza das funções executadas por esses trabalhadores, mas tinha a ver com o fato de que “essas funções não eram executadas sob os auspícios do capital qua capital”. Continua ele, “desse ponto de vista, a distinção entre mercadorias sob a forma de bens e mercadorias sob a forma de serviços só é importante para o economista ou o estatístico e não para o capitalista. O que vale para ele não é determinada forma de trabalho, mas se foi obtido na rede de relações sociais capitalistas, se o trabalhador que o executa foi transformado em homem pago e se o trabalho foi transformado em trabalho produtivo – isto é, trabalho que produz lucro para o capital. Arrumavam-se camas, limpava-se chão, preparavam-se e serviam-se refeições, crianças eram cuidadas, doentes eram atendidos muito antes que pessoas fossem contratadas para fazer todas essas coisas.

Dessa maneira, à medida que a trabalho executado sob a forma de

serviços encontra sua procura e demanda intermediada por empresas

capitalistas, ou se se preferir, à medida que esse trabalho encontra-se

institucionalizado, pouco importa sua natureza, ou seja, se ele se exterioriza

como um objeto externo ou se é consumido na forma de serviço. Importa se no

fim do processo de trabalho o capitalista vai conseguir tirar dali um excedente

não pago e cumprir com a lei da acumulação. A grande lucratividade da

“aventura” dos capitalistas no setor da saúde e no setor da educação são

exemplos claros dessa tendência. Braverman (1987) conclui seu raciocínio

assim:

Sobretudo na era do capitalismo monopolista, faz pouco sentido basear qualquer teoria econômica em qualquer atividade privilegiada especialmente de processo de trabalho. À medida que essas formas variadas caem sob os auspícios do capital e se tornam parte do domínio de investimento lucrativo, entram para o capitalista no reino do trabalho geral ou abstrato, trabalho que amplia o capital. Na empresa moderna, todas as formas de trabalho são empregadas sem distinção, e no moderno ‘conglomerado’ empresarial algumas divisões recaem na indústria, outras no comércio, outras em bancos, outras em mineração e outras ainda em ‘serviços’. Todas coexistem pacificamente, e no resultado final, como aparece nos balanços gerais das empresas, as formas de trabalho desaparecem totalmente sob a forma de valor.

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Historicamente, a divisão social do trabalho encontra um fator limitante

de sua expansão no desenvolvimento das forças produtivas. A divisão social do

trabalho é menos extensiva no feudalismo ou no modo de produção asiático do

que na época da acumulação primitiva do capital. Este desenvolvimento das

forças produtivas, por sua vez, não só permitiu o aparecimento final de um

produto que excedesse a quantidade necessária para reproduzir os meios de

produção gastos e os meios de consumo dos indivíduos de uma sociedade,

como também possibilitou a divisão social do trabalho entre pessoas que

produziam e outras que não produziam. Em melhores palavras: “com uma

produtividade mais elevada, tornou-se possível manter, com o excedente

social, divisões adicionais e classe sociais cujas atividades já não estavam

diretamente vinculadas à base produtiva” (BECKER, 1980).

O trabalho realizado sob a forma de produção de serviços é, portanto,

um trabalho produtivo, na medida em que, estando institucionalizado participa

da produção de valor excedente para o capitalista no final do processo de

produção. Além disso, progressivamente a prestação de serviços conta com

um contrato assalariado de trabalho, condição primária para a extração da

mais-valia. Neste trabalho a produção de serviços entra no rol dos trabalhos

produtivos.

Essas definições têm, no mínimo, duas justificativas relevantes. A

primeira diz respeito à posição que a parcela do trabalho social representado

pelo setor dos serviços (e dentro dele o setor de saúde) representa hoje na

acumulação capitalista. E a segunda diz respeito à importância que esse setor

terá no futuro de uma sociedade para além do capital ou numa sociedade

socialista.

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A classificação do trabalho em serviços como trabalho improdutivo

afirma também que não há auto-sustentação do seu processo de trabalho, ou

melhor, que o resultado final do seu processo de trabalho não contribui para

sua reprodução, mas que a reprodução do trabalho executado no setor de

serviços é sustentada pelo excedente social produzido pela lógica da

acumulação. Desta forma, estando no círculo dos “falsos custos ou despesas

inúteis”, em uma sociedade para além do capital, este setor tenderia a

desaparecer ou a emancipação do trabalho neste setor teria uma importância

secundária.

Classificada como dentro da categoria de trabalho produtivo, o trabalho

no setor dserviços seria auto-sustentado, o resultado final do seu processo de

trabalho seria responsável tanto pela sua reprodução como contribuiria para a

acumulação total de capital a partir do trabalho social. E numa sociedade para

além do capital, a emancipação do trabalho no âmbito do setor dos serviços

garantiria sua importância social.

Apesar dessas diferenças entre trabalho improdutivo e trabalho

produtivo, há uma tendência a uma crescente imbricação entre essas duas

manifestações de trabalho no capitalismo contemporâneo, de modo que é

necessária uma noção ampliada da classe trabalhadora que incorpore essas

duas dimensões do trabalho social sob o capitalismo.

Deve-se deixar claro também que, do ponto de vista do capital, não

importa a forma útil do trabalho, mas sua forma social, sua forma abstrata, sua

capacidade de produzir, como trabalho assalariado, um lucro para o capitalista.

“A este interessa a diferença entre o preço que ele paga por um agregado de

trabalho e outras mercadorias, e o preço que ele recebe pela mercadorias –

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sejam bens ou serviços – produzidas ou emprestadas” (BRAVERMAN, 1987).

Sendo assim, neste estudo, o trabalho realizado sob a forma de serviços,

especialmente falando da prestação de serviços de saúde, será considerado

como fazendo parte dos trabalhos produtivos.

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3 A PRODUÇÃO DO SERVIÇO DE SAÚDE E O CAPITALISMO

O enfraquecimento do sistema feudal de metabolismo social frente à

revolução observada nos costumes e no sistema de produção propriamente

dito causados em parte pelas grandes navegações ultramarinas e em parte

pelo recrudescimento do poder da Igreja Católica permitiram o

desenvolvimento das ciências num ritmo até então nunca vistos. O

renascimento produziu avanços em todas as áreas do conhecimento e deu

respaldo científico às transformações que estavam ocorrendo nas relações de

produção, dentre as quais a Medicina tem um papel importante não só no que

se refere à necessidade de higienização das cidades como também no controle

e manutenção do crescente proletariado urbano.

Nesse período, as tentativas de explicação do funcionamento do

organismo humano sofriam forte influência dos modelos utilizados nas ciências

exatas e naturais, como os sistemas de Galileu e de Descartes. Além disso, o

grande impulso produzido pelo desenvolvimento da Mecânica produziu reflexos

também na organização da prática médica ao introduzir novos instrumentos,

dentre os quais o microscópio tem destaque (CANESQUI, 2000).

Se, de um lado, o desenvolvimento das ciências naturais e exatas

produziu um grande impacto na construção de um novo olhar para o corpo

enfermo, construção esta que instrumentalizou e fundamentou a intervenção

clínica, de outro lado, a urbanização e o aglomeramento de milhares de

pessoas migradas do campo para a periferia das cidades ainda mal

estruturadas, bem como o surgimento de doenças tropicais no continente

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europeu trazidas pelos navegadores acabou por forçar o recentíssimo Estado

Nacional a tomar providências para o controle dessas epidemias. O trabalho

médico servirá também não só para fazer esse serviço higienizador, como

também terá papel fundamental no processo de adaptação do proletariado em

formação às normas do novo e nascente regime social.

Seja baseado na teoria miasmática, seja na teoria da unicausalidade

pelo agente microbiano, o Estado apresentará modelos de organização da

atenção à saúde pública que contará com os seguintes contornos:

“a melhoria dos sistemas de observação, registro e controle da morbidade e a normatização da prática e do saber médico com a criação de funcionários médicos públicos para executar tais atividades (Estado alemão); uma medicina urbana (...) baseada numa medicina do controle dos espaços, da circulação, das águas, dos ares, das condições de vida e dos meios de existência (Estado francês); e, por último, a medicina da força de trabalho (...), a partir da Lei dos Pobres, quando o crescimento do proletariado, já no começo do século XIX exige do Estado uma medicina de controle médico desse estrato social (Estado inglês). Esses três tipos de intervenção do Estado serão a base para a organização da saúde no período contemporâneo” (IBÃNEZ & MARSIGLIA, 2000).

Isso é interessante não apenas a título de curiosidade, mas demonstra

também as relações que a organização dos serviços de saúde estabelecem

com as necessidades sociais provenientes das contradições próprias de cada

modo de produção. Demonstra também a articulação entre a produção da

ciência, especificamente no que diz respeito à produção de conhecimentos que

avalizem o modelo de intervenção, às mesmas necessidades sociais.

Variando-se o período histórico, reconhece-se diferentes modalidades

de expressão das necessidades sociais de saúde. No período de transição

para o capitalismo, marcado pelo expressivo crescimento demográfico, pela

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relativa indiferenciação qualitativa da classe trabalhadora absorvida pela

indústria e pela presença assustadora do risco de grandes epidemias, a

organização da prática em saúde tem uma definição claramente coletiva, que

tenta proteger essa população - entendida como instrumento de riqueza

nacional - de uma considerável diminuição de seu número (CYRINO, 1993).

Por outro lado, à medida que o controle das epidemias era relativamente

controlado e a indústria necessitava de uma mão-de-obra progressivamente

mais qualificada, dado o desenvolvimento tecnológico e do capital fixo, a

orientação da organização do trabalho em saúde passou a ser a de

conservação de padrões adequados de produtividade do trabalho. A força de

trabalho empregada no setor produtivo passa a ser mercadoria muito valiosa e

a demandar práticas para seu efetivo controle. Além disso, o padrão de

acumulação neste período está centrado na extração da mais-valia absoluta, o

que exige uma conformação do trabalho em saúde no sentido de recuperação

da força de trabalho do desgaste gerado pela extensa jornada de trabalho.

Nesse período a assistência à saúde passa de um modo de organização do

trabalho baseado na apreensão do objeto na sua dimensão coletiva para uma

apreensão do objeto em sua dimensão individual (CYRINO, 1993).

Antes de ser um campo de atuação homogêneo, o trabalho em saúde é

extremamente diversificado, não só no que diz respeito à quantidade de

profissões e de trabalhadores não profissionais que formam seu corpo, mas

também quanto à sua divisão mais característica: de um lado a Epidemiologia e

do outro a Clínica. A primeira concentra a apreensão do seu objeto de trabalho

em corpos coletivos que ultrapassam o individual e nas relações que esses

grupos se articulam com o meio. A segunda, por sua vez, centra sua

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apreensão do seu objeto de trabalho no corpo individual, este ainda mais

restrito ao corpo biológico. Cada uma dessas formas de definição do objeto de

trabalho, ou seja, cada uma dessas definições do que representa o corpo

humano como objeto de intervenção prática criaram formas específicas de

organização do trabalho.

Embora se saiba que há entre a Epidemiologia e a Clínica diferenças

substanciais no plano do conhecimento específico de cada uma, elas não são

incompatíveis entre si, mas permitem uma interpenetração recíproca que se

manifesta essencialmente no plano do social. Entretanto, nossa análise

centrar-se-á no trabalho praticado no âmbito da Clínica, considerando o

trabalhador em saúde como um produtor direto de serviços.

3.1 Processo de Trabalho em Saúde

Os trabalhadores de saúde se inserem na divisão social do trabalho na

categoria de prestadores de serviços. Segundo Marx (2001), “um serviço nada

mais é do que o efeito útil de um valor-de-uso seja ele mercadoria ou trabalho”.

O trabalho dos profissionais de saúde também é produtor de valores-de-uso

em algumas formas e é o próprio valor-de-uso em outras formas. Apesar disso,

o trabalho desenvolvido sobre a forma de serviço respeita ainda aquela divisão

do processo de trabalho clássica feita por Marx em três componentes: atividade

adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho; a matéria a que se aplica o

trabalho, isto é, o objeto de trabalho; os meios de trabalho, isto é, o

instrumental de trabalho.

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Segundo Nogueira (1991), “de um lado tem-se um processo de trabalho,

com sua direcionalidade técnica, envolvendo instrumentos e força de trabalho

(...) mas há outra dimensão que é a do serviço (...) e tem uma especificidade”

própria disso. Esta especificidade é a de que o resultado do trabalho em saúde

é consumido simultaneamente à sua produção. Não há como separar sua

produção de seu consumo. O resultado do trabalho em saúde não pode ser

estocado em prateleiras. Além disso, o trabalho em saúde funciona como

reabilitador do elemento vivo do trabalho que cria valor e expande o capital, isto

é, reabilita o trabalhador e o coloca de volta no mundo produtivo. Dessa forma

o trabalho em saúde é, ao mesmo tempo, produtor direto e indireto de mais-

valia.

Outra característica própria do processo de trabalho em saúde é que

seus agentes são produtores que estruturam sua práxis como uma profissão.

Diferente do que ocorre com os trabalhos manuais diretos característicos do

mundo produtivo, a força de trabalho em saúde precisa passar por um

processo de educação formal que os capacitam como profissionais. Vale dizer

a respeito disso que “as profissões, como forma histórica de trabalho na

sociedade moderna, requerem o modo de vida da formação dos espaços

urbanos e do crescimento populacional, na típica constituição do amplo

mercado consumidor de bens e serviços das sociedades capitalistas”

(SCHRAIBER, 1993).

Medeiros & Rocha (2004) complementam esta análise afirmando que o

processo de trabalho é uma “forma essencialmente humana de sociabilidade e

de construção histórica, nas quais as determinações do passado e as

possibilidades do futuro estão presentes na tecnologia em cada momento

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desse processo”. As afirmações a respeito do conceito de tecnologia

especificamente para o processo de trabalho em saúde são trabalhados logo

abaixo tomando como base teórica os estudos de Mendes-Gonçalves (1994).

A redução do conceito da tecnologia como sendo condizente apenas aos

instrumentos materiais de trabalho utilizados como mediações entre os homens

e seus objetos de trabalho omite as relações sociais produzidas exatamente

por essa relação. Estas relações são de cunho social, ou melhor, são relações

sociais de produção estabelecidas entre os produtores e os meios de

produção, que adequam-se a um período determinado e que não só

expressam como também contribuem para a estruturação dessas relações.

É nesse sentido que pretendemos considerar o emprego da categoria

tecnologia no desenvolvimento do trabalho em saúde: como sendo a mediação

entre o produtor do serviço e seu objeto de trabalho, que ao mesmo tempo,

produz uma relação social que inclui o processo de trabalho específico dentro

do quadro de relações sociais de produção mais gerais, assumindo

manifestações particulares, mas ao mesmo tempo se adequando às

determinações mais gerais de tais relações.

O deslumbramento que a concepção de tecnologia desperta toda vez

que se ouve falar dela está intimamente articulado com a função social que ela

assumiu, enquanto a expressão que denota o progresso social, a capacidade

de invenção humana, o que muitas vezes chega a justificar idéias que

consideram a tecnologia e a ciência como sendo o verdadeiro motor da

história, além de ideologicamente divulgarem a vivacidade do sistema de

produção em continuar existindo e se aperfeiçoando cada vez mais.

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Para o setor da saúde, a situação mais comum é de crise no atual modo de organização do sistema de saúde, que não são adequados para resolverem os problemas de saúde dos usuários, tanto no plano individual quanto coletivo.

“O paradoxal desta história toda, é que não são raros os estudos e reportagens que mostram os avanços científicos – tanto em termos de conhecimentos, quanto de soluções – em torno dos problemas que afetam a saúde das pessoas e comunidades, e a existência de serviços altamente equipados para suas intervenções, o que nos estimula a perguntar, então, que crise é esta que não encontra sua base de sustentação na falta de conhecimentos tecnológicos sobre os principais problemas de saúde, ou mesmo na possibilidade material de se atuar diante do problema apresentado” (MERHY, 1997).

A inovação tecnológica está articulada à idéia de maior efetividade do

trabalho e conseqüentemente à sua maior produtividade. Em um modo de

produção em que reina a “anarquia” da produção de mercadorias para fim

único de acumulação do capital, essa idéia acaba justificando-se por si mesma.

Nas palavras de Mendes-Gonçalves (1994),

“a primeira característica do desenvolvimento tecnológico, a ‘novidade’ dos instrumentos de trabalho a ser incorporada, deve, por sua vez, ser compreendida como subordinada (...) à maior eficácia e a maior produtividade, já que é apresentada como justificando-se através dela. É evidente que instrumentos de trabalho mais desenvolvidos, no sentido da eficácia e da produtividade, só poderiam ser novos, mas essa aparente redundância se explica por aquela subordinação: o ‘novo’ é feito equivaler, nessa ideologia do progresso técnico e de suas relações com o bem-estar individual e coletivo, ao mais eficaz e mais produtivo”.

Para uma técnica ser considerada positivamente como nova ela deve

ter como resultado um efeito de maior produtividade ou de eficácia do trabalho.

Caso contrário, apesar de nova, será relegada à indiferença.

Assim como qualquer outra prática social, a aplicação do trabalho sob a

forma de produção de serviços de saúde possui no seu processo de execução

a intermediação necessária dos seus respectivos meios técnicos de trabalho.

Estes estão declaradamente articulados com os rumos da produção da ciência.

Como diz Mendes-Gonçalves (1994),

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essa esfera produtiva, a dos serviços de saúde, tem como uma de suas principais características o fato de tender a ser compreendida, ao nível das representações sociais dominantes, como profundamente ancorada na ciência e, por extensão, como privilegiadamente configurada nos seus instrumentos de trabalho materiais”.

Entretanto, a concepção restrita do conceito de tecnologia como limitada

somente à materialização técnica do ato de saúde não encontra contrapartida

real que a sustente na prática diária desse tipo específico de produção social. A

cientificidade sobre a qual está enraizada a prática dos serviços de saúde

corresponde também à esfera do saber, do conhecimento científico, que, de

certa forma, não permite reduzir esse trabalho a uma prática técnica imbuída

de fundamentos científicos, mas a uma prática que está articulada socialmente,

mesmo que essa articulação esteja sustentada pelos tais aspectos técnicos de

tal prática.

Embora a articulação com o desenvolvimento dos instrumentos de

trabalho determine de forma importante a organização não só técnica, mas

também social desse tipo específico de práxis social, o conhecimento científico,

especialmente aquele construído a partir da estruturação do objeto de trabalho

também se articula como um determinante da mesma organização.

Nesse sentido, Mendes-Gonçalves (1994) irá estruturar sua análise da

organização do processo de trabalho em saúde a partir da crítica ao modelo

positivista de assimilação do objeto de trabalho em saúde – o corpo humano –

como determinado por uma normatividade que define de forma racionalizadora

o que é normal e patológico, utilizando-se para isso de meios extremamente

quantitativos. Além disso, partindo de uma definição do patológico como sendo

não só uma disfunção quantitativa em termos fisiológicos dentro do organismo

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humano, mas também como uma estruturação do patológico como uma

relação “extrabiológica em relação ao corpo” que o toma, no nível geral das

representações culturais, como sendo “dotada de realidade própria, externa e

anterior a qualquer tipo de alteração morfofuncional nos corpos dos doentes”, o

autor irá dissertar sobre como esta apreensão do seu objeto irá subordinar a

atividade à existência desses padrões de normatividade socialmente

construídos. Isso deverá determinar sobremaneira as necessidades às quais o

trabalho em saúde deverá corresponder, subordinando-se a elas na definição

de quaisquer que sejam os possíveis fios condutores de suas atividades.

A grande especificidade do processo de trabalho em saúde reside

justamente no controle que seus agentes produtores têm sobre a definição do

seu objeto de trabalho. Embora haja uma significativa diferenciação entre os

chamados pesquisadores e os agentes que trabalham diretamente na

assistência, ambos estão mutuamente dependentes um do outro, seja para a

elaboração de hipóteses, seja pela sua comprovação ou negação na prática. A

ciência ou o conhecimento científico que fundamentam sua intervenção, porém,

não podem ser envolvidos com o adjetivo de neutralidade. A elaboração

hegemônica da normatividade médica, fundamentada na positividade das

ciências biológicas em estabelecer limites quantitativos para rotular o padrão

do que é normal e do que é patológico não só delienearam as especificidades

do trabalho em saúde, como concedeu a ele a propriedade de definir “padrões

normais de andar a vida”, correspondente a sua apreensão do objeto.

Dessa forma,

à medida que a medicina se estruturou sobre as ciências positivas, passou a crer, com um grau de confiança que não era mais técnico,

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mas científico, que apreendera definitiva e verdadeiramente seu objeto. (...) Isto é, ao fazer equivaler o conhecimento cientificamente estruturado das necessidades, (...) opera-se a transformação de medicina em prática capaz de, através de seu saber, definir o que é e o que não é legítimo, enquanto normal e patológico (MENDES-GONÇALVES, 1994).

Não obstante essas críticas ao modelo hegemônico de apreensão do

objeto de trabalho específico da produção de serviços em saúde e

reconhecendo a importância que isso tem no modelo de organização do

trabalho em saúde, este trabalho não tem por objetivo se estender mais neste

ponto específico. Na verdade, o estudo do processo de trabalho em saúde

fundamentado na análise da teoria do conhecimento escapa às limitações

inerentes a este estudo, que tem como objetivo principal estabelecer as

relações que o trabalho em saúde, enquanto atividade produtiva, estabelece

em comum com as outras áreas do trabalho social no modo de produção

capitalista atual. Portanto, não nos estenderemos mais nestas questões. Isto

torna-se necessário na medida em que entende-se

o processo de trabalho em saúde como processo articulado às demais práticas em cada momento histórico, em cuja práxis se constrói dinamicamente, deve contemplar as necessidades sociais do coletivo em sua totalidade e singularidade, superando a concepção de assistência natural e universal, ideologicamente preconizada” (MEDEIROS E ROCHA, 2004).

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4 TRANSFORMAÇÃO DA BASE DE PRODUÇÃO DO SERVIÇO DE SAÚDE: DO MODELO LIBERAL AO MODELO EMPRESARIAL

É preciso antes de continuar o desenvolvimento deste estudo salientar

que as afirmações até aqui feitas sobre o modelo de organização das práticas

de saúde são feitas tendo a organização da prática médica como substrato

nuclear de análise. Não por conta do status que a profissão médica ainda tem

sobre as outras profissões da saúde, mas porque historicamente é a partir dela

que estrutura a atenção à saúde. Por isso, a análise da estrutura

organizacional das práticas de saúde tem como base a profissão médica.

Como nos diz Nogueira (1991),

sabemos que uma determinada categoria, não algumas mas uma única, controla o processo de trabalho a partir de sua autoridade técnica e social: os médicos. Mesmo quando não são proprietários dos meios de produção – donos de clínicas ou de hospitais – os médicos têm a faculdade de comandar o ato técnico em saúde, no que se diferenciam dos demais trabalhadores.

Nesse sentido, as afirmações que serão feitas a seguir a respeito do

caminho percorrido pela profissão médica da sua base de produção “artesanal”

executada no consultório particular para a produção em larga escala executada

em grandes empresas e as conseqüências que essas transformações

causaram na condição dos trabalhadores de saúde. Tais afirmações serão

feitas de acordo com o que se leu a respeito da mesma trajetória na profissão

médica. Não se quer com isso uma transposição mecânica e acrítica do

percurso de uma profissão específica para todo um complexo heterogêneo

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quer forma a totalidade da força de trabalho em saúde. Entretanto, optou-se

por esta alternativa devido à escassez desta abordagem especificamente para

outras profissões, exceto para a enfermagem.

4.1 A Medicina Liberal

No Brasil, a profissão médica existe e funciona numa base

essencialmente liberal dos anos de 1890 até 1930. Esta conformação liberal do

trabalho médico tem como características o consultório particular como centro

da assistência, no qual o médico é um pequeno produtor particular e

independente, que trabalha “artesanalmente” produzindo serviços como

“unidades inteiras e independentes de produção” (MARX, 2001), na forma de

uma consulta para cada paciente e de cada vez. Durante este período existiam

poucos recursos tecnológicos e havia pouco uso (inclusive resistência por parte

das pessoas) de hospitais, principalmente pelo risco de infecção e pela falta de

alternativas medicamentosas para a cura (SCRAIBER, 2000).

Uma característica importante do modelo de pratica médica do tipo

artesanal/liberal é que sua lógica se fundamentava em duas ideologias: a da

livre iniciativa e dos valores individuais de cada homem e a dos princípios da

filantropia cristã. Desse modo, o médico liberal prestava serviços a quem podia

compra-los, contando para isso com a ampliação da classe média que surge no

Brasil com a expansão cafeeira e crescente industrialização. Se com a venda

de seu serviço ele conseguisse um volume determinado de clientes que com os

honorários pagos pudessem torna-lo economicamente independente de outras

formas de mediação, poderia, a partir daí dedicar parte de seu tempo à

assistência aos pobres (DONNANGELO, 1975).

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Vale salientar que a medicina liberal, por seu mecanismo de captação

informal da clientela sob o controle do médico, que também decidia sobre o

preço do seu trabalho, justamente por esta vertente “elitista” reservava à

grande parcela da população uma impossibilidade de acesso aos serviços de

saúde por esta via. Articulando as pressões exercidas pelo proletariado urbano

ascendente necessitado de atenção sanitária, bem como a responsabilidade de

controlar esse estrato da população brasileira, o Estado brasileiro funciona

como o maior financiador da produção de serviços de saúde durante todo o

período de vigência desse modelo de organização do trabalho médico.

A incapacidade de se formar um mercado consumidor que fosse capaz

de sustentar a produção em larga escala dos serviços médicos em bases

liberais, dadas pelo modo característico da inserção da elite brasileira

concentradora de riquezas e de um Estado Nacional que entra na ordem

capitalista numa situação tardia e de dependência, fez com que “a medicina

liberal desde cedo, na sociedade brasileira, [convivesse] com formas

institucionalizadas pelo Estado de organizar a produção dos serviços médicos”

(SCHRAIBER, 1993).

Da década de 1930 à de 1960, o Brasil vive um momento de transição

para a organização do trabalho médico e também se assiste a uma nova

estruturação do oferecimento dos serviços de saúde. Durante esse período, há

uma intensa e progressiva atuação do Estado na organização dos serviços,

com o surgimento de formas mais sofisticadas de medidas previdenciárias.

Acompanhando esse processo, há o surgimento de novas disciplinas científicas

e profissões clínicas que se desmembram da medicina, dentre as quais a

fisioterapia tem um papel importante. Deve-se ressaltar que esse período de

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transição é o mesmo momento em que o sistema capitalista procura se

reestruturar das duas guerras mundiais e no Brasil vive-se sob a ideologia de

governos populistas e sob o signo do desenvolvimentismo.

4.2 A Medicina Empresarial

A partir de 1970, acontece na profissão médica a consolidação de uma

tendência que vinha se fortalecendo no seio das transformações sociais da

prática médica, que é o fortalecimento da chamada “medicina empresarial”

(Schraiber, 2000). Esta conformação da prática médica tem como

características a prestação de assistência centralizada no hospital, com

consultórios funcionando como subordinados a ele e acoplados na forma de

microempresas com vistas à capitalização. O deslocamento do centro da

assistência do consultório particular para o hospital é acompanhado da intensa

incorporação da tecnologia médica no cotidiano de prática, chegando a ponto

de ser considerado impossível a prática de uma “boa” medicina que renegue

essa extrema dependência da assistência médica ao não acompanhamento

das altamente rápidas evoluções tecnológicas (Schraiber, 2000; Schraiber,

1993).

Há, então, a transformação da base de trabalho do consultório particular

e independente na base de trabalho hospitalar ou de clínicas ambulatoriais,

com conformação de trabalho coletivo multiprofissional decorrente da

diferenciação e excessiva especialização do trabalho médico, cuja organização

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dependerá da estrutura empresarial da instituição e que terá interferências de

condições e imposições do tipo gerencial.

A especialização dos serviços médicos, não só na multiplicidade de

profissões que tem como objeto de trabalho o corpo humano, como também a

especialização fragmentadora do processo de trabalho dentro de uma única

corporação profissional, foi e continua sendo acompanhada pela incorporação

da tecnologia no cotidiano do trabalho. De acordo com Donnangelo (1975), “a

especialização, como uma forma de divisão técnica do trabalho, aparece como

resultado mais imediato da inovação técnico-científica”. Magraw (apud

DONNANGELO, 1975) completa esse pensamento dizendo que ”os

especialistas tendem a definir as necessidades dos pacientes em termos do

que eles próprios têm para oferecer”.

A associação desses dois fatores – a especialização e a tecnologização

- traz algumas conseqüências maléficas já facilmente observadas: o

encarecimento dos custos dos serviços, o questionamento quanto a eficácia de

cada ato médico individualizado, o acelerado ritmo do desenvolvimento de

novas tecnologias materiais que subordina a conduta técnica de cada produtor

e diminui o seu valor (por reduzir o tempo necessário para a produção de cada

ato de saúde (DONNANGELO, 1975; SCHRAIBER, 1993; SCHRAIBER, 2000).

Além desses aspectos podemos citar ainda o acelerado processo de

assalariamento da classe médica, que vem acompanhado, de forma geral, de

uma perda da propriedade e ou controle, pelo produtor direto, dos meios de

produção. Segundo Donnangelo (1975),

o assalariamento constitui, porém, a forma mais característica de alteração do trabalho independente nos mercados sujeitos à

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ampliação do controle estatal, o qual ocorre, predominantemente, nas sociedades periféricas e resulta da incapacidade de compra direta do consumidor, aliada ao aumento das tensões sociais expressos nas pressões por consumo. (...) O assalariamento através do próprio setor público tem sido o efeito mais imediato dessa conjugação de fatores.

De acordo com o que se pode presumir pelo relatado da origem do

assalariamento como forma de atuação do profissional médico na sua prática

social, o setor público (leia-se Estado) foi diretamente seu principal

responsável. Devemos lembrar que na época em que a autora escreveu essa

afirmação estava passando-se definitivamente do modelo de prática de base

liberal para o modelo de prática de base empresarial, em cuja transição o

Estado brasileiro teve mesmo papel fundamental de catalisador dessa

mudança.

Ao mesmo tempo em que acontece isso, ocorre um crescimento

acelerado do setor privado de serviços de saúde institucionalizado, que

aproveita o ponta-pé inicial dado pelo Estado no processo de assalariamento

para fundamentar também nele sua estrutura de funcionamento. Vale lembrar

que o assalariamento da força de trabalho foi a condição imprescindível para o

funcionamento do capitalismo e isso pode ser aplicado também para o trabalho

médico. À medida que se institucionaliza, o produtor passa a depender das

relações de produção que viabilize a existência da empresa, à qual vende sua

força de trabalho, num mercado altamente competitivo. O assalariamento

torna-se, portanto, a melhor forma de relação estabelecida entre o médico e a

instituição empregadora.

É claro que esta forma não se torna hegemônica desde o princípio e que

ainda hoje verifica-se uma combinação entre a forma assalariada e a forma de

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produção independente no consultório particular. Entretanto, mesmo quando se

salva do assalariamento,

a separação entre o produtor direto e os instrumentos de trabalho (...) subordina-os às estruturas burocráticas e aos mecanismos conseqüentes à monopolização de parcelas do mercado por grupos profissionais – em geral os especialistas – no topo da hierarquia médica (DONNANGELO, 1975).

A passagem da prática médica enquanto atividade de tipo

liberal/artesanal para a prática médica institucionalizada nas empresas públicas

ou privadas de prestação de serviços médicos, associadas ao processo de

assalariamento da forma de entrada do produtor nas relações sociais de

produção marcam a perda de autonomia da conduta técnica médica, bem

como possibilita uma aproximação das conseqüências disso com as

conseqüências já verificadas próprias das relações de trabalho no mundo

diretamente produtivo.

4.3 Relações do Mundo do Trabalho Diretamente Produtivo com o Mundo do Trabalho na Produção dos Serviços de Saúde

A divisão manufatureira do trabalho, fundamentada no princípio da

cooperação, específica do modo capitalista de produção de mercadorias,

acaba evidenciando seu sentido e, mais do que isso, sua necessidade, pois ela

está intimamente articulada com o imperativo da produtividade. Este tipo de

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divisão do trabalho só teve êxito e funcionalidade dentro do modo de produção

capitalista, pois diminuira significativamente o tempo de trabalho gasto

improdutivamente com o transporte e o deslocamento dos diversos produtos de

um lugar para o outro durante uma jornada de trabalho. Isso porque o trabalho

dividido desta forma pressupõe também o agrupamento de grande quantidade

de trabalhadores sobre o teto de um mesmo capital.

À medida que um trabalhador necessitava executar rápida e

repetidamente apenas parte fragmentada de um trabalho total que resultaria

num produto final acabado; à medida que vários trabalhadores parciais são

concentrados num mesmo local com este mesmo objetivo; à medida que a

fragmentação do trabalho imposto pela manufatura se associa com a

cooperação desses trabalhadores parciais; toda essa combinação de fatores

permite um aumento na produtividade do trabalho, pois elimina

progressivamente as lacunas do trabalho improdutivo.

Este aumento da produtividade vem acompanhado da transformação do

trabalhador individual em um trabalhador social; do trabalho individual em

trabalho social. Torna-se trabalho social por ser apenas parte de um todo. Por

assumir essa conformação de trabalho parcial, não possui seu produto uma

forma acabada de um valor-de-uso qualquer que seja. Por isso, fica

impossibilitado para o trabalhador parcial exigir para si o fruto do seu trabalho,

pois não terá para ele serventia nenhuma. A divisão parcelar do trabalho não

só conseguiu elevar o nível de produtividade do trabalho, como também

intensificou o processo de alienação do trabalhador. Além de expropriar os

trabalhadores dos seus meios de trabalho, o sistema de produção do capital

conseguiu impedir que eles exigissem para si pelo menos o fruto de seus

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trabalhos. De que adiantaria ter um trabalhador a propriedade de várias

cabeças de alfinetes frutos de seu trabalho. Iria trocá-las com o trabalhador que

alongaria o fio, mas não teria mesmo assim o alfinete por inteiro.

O conceito de trabalho social não diz respeito somente a que um ramo

específico do trabalho humano compõe parte de todo um complexo produtivo

que dê conta de atender todas as necessidades materiais e imateriais dos

seres humanos. Isso sempre existiu em todas as fases da história humana. No

entanto, o que o capitalismo inaugura é a criação de um novo tipo de trabalho

social, de um novo tipo de trabalhador social. Ao dividir o processo de trabalho

em ações extremamente fragmentadas, ao impedir o trabalhador de executar

todas as etapas do processo de trabalho para produzir o total de um produto, o

capitalismo impõe a cooperação de muitos trabalhadores parciais para a

consecução de um único produto final. Com isso ele cria um organismo social

que trabalha em cooperação.

É fácil imaginar o que isso significa pensando em um ambiente fabril

olhado do teto da fábrica. Não se consegue isolar apenas um trabalhador para

colocar em movimento todo o processo de produção. Todos devem estar

trabalhando juntos, sob pena de que o processo de trabalho se interrompa com

a falta de um único trabalhador responsável por uma etapa desse processo.

Cria-se dessa forma um organismo social que trabalha em cooperação, no

qual o trabalhador individual perde seu autonomia e deve subsumir-se às leis

do capital. Marx algumas vezes chama este segundo tipo de trabalho social de

trabalho coletivo e a cooperação dos trabalhadores individuais em organismo

coletivo. E diz que “o organismo coletivo que trabalha, na cooperação simples e

na manufatura, é uma forma de existência do capital. Esse mecanismo coletivo

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de produção composto de numerosos indivíduos, os trabalhadores parciais,

pertence ao capitalista” (MARX, 2001).

As análises que podem ser feitas a partir destas reflexões podem ser

aproveitadas para se esclarecer algumas nuances especificamente para o

modo de organização do processo de trabalho em saúde atualmente vigente,

bem como para as tendências de mudanças. Isso porque, como nos lembra

Antunes (1999), “é necessário lembrar que as mutações organizacionais e

tecnológicas, as mudanças nas formas de gestão, também vêm afetando o

setor de serviços, que cada vez mais se submete à racionalidade do capital”.O

setor da saúde, sendo parte do chamado setor de serviços concorre com as

transformações do mundo do trabalho no setor produtivo. Dessa forma, por

exemplo, pode-se pensar no imperativo da equipe multiprofissional e

interdisciplinar para o trabalho em saúde como sendo a manifestação da

transformação de um processo de trabalho tradicionalmente de moldes

artesanais para um processo de trabalho que considera cada especialista com

um componente do organismo coletivo que trabalha e que deve contribuir com

sua parte para a produção do produto final.

Longe de assumir-se aqui uma visão pessimista a respeito dos

resultados advindos da organização da atenção à saúde sob o imperativo da

equipe multiprofissional, o que se pretende atentar aqui é que isso não é

apenas exigência da maneira extremamente complexa que se apresenta as

necessidades de saúde de um dado grupo populacional, mas também que

esse imperativo surge também como uma necessidade do capital para a

administração dessa nova força de trabalho que paulatinamente se incorpora

sob seu controle.

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O fenômeno de institucionalização do trabalho em saúde em firmas de

características marcadamente capitalistas é o pondo de partida para uma

“organização mais global do trabalho cooperativo de muitos, para um

desenvolvimento mais amplo de seus poderes materiais, isto é, para a

transformação progressiva de processos de trabalhos isolados, realizados de

maneiras habituais, me processos de trabalho combinados e cientificamente

administrados” (MARX, 2001).

À medida que o trabalho em saúde se incorpora à racionalidade do

capital, a conduta de cada trabalhador se aproxima muito das determinações

do mundo diretamente produtivo de bens materiais ou da grande indústria.

As formas singulares e particulares de trabalho são subsumidas pelo trabalho social, geral e abstrato que se expressa no âmbito do capitalismo mundial, realizando-se aí. Da mesma maneira que as mais diferentes formas singulares e particulares do capital são levadas a subsumir-se ao capital em geral, que se expressa no âmbito do mercado mundial, algo semelhante ocorre com as mais diversas formas e significados do trabalho (IANNI, 1989).

Talvez isso possa se explicar pela importância que a característica

social, abstrata do trabalho assume frente a característica concreta, específica

do mesmo trabalho neste modo de produção. Nele, o mais importante é que o

tempo de trabalho executado para um fim não pode em hipótese alguma

ultrapassar o tempo médio de trabalho socialmente necessário fixado para

esse fim. A tendência é a redução global do valor das mercadorias, o que

implica na redução do tempo médio necessário para sua produção, o que não

significa também redução da jornada de trabalho, mas antes uma intensificação

do trabalho e um aumento da extração da mais-valia relativa.

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Quando ficava relativamente à margem das determinações da produção

capitalista, pode-se dizer que o trabalho em saúde era compatível com sua

organização do tipo artesanal, se adequava a ela. Ao tempo em que os frutos

do trabalho em saúde são incorporados ao mecanismo de ampliação do capital

geral, social, a organização deste trabalho passa a ter como uma das suas

finalidades a redução do seu tempo necessário para reprodução. A

organização do tipo artesanal eleva muito o valor da produção, o que pode ser

comprovado com o alto custo que ainda existe para um atendimento em

consultório particular.

Este alto custo de produção passa a não ser compatível com as leis de

acumulação do capital quando se aumenta sobremaneira, não só a demanda

por serviços, mas também o número de servidores e a elevação da

complexidade da atenção dada pela diversidade de profissões. Isso força,

senão o gradativo desaparecimento, pelo menos a secundarização da

organização da atenção sob o modelo artesanal e a conseqüente absorção

dessa responsabilidade produtiva às empresas do ramo, das quais os grandes

hospitais (públicos ou privados) e os convênios de saúde são os maiores

exemplos.

O expressivo imbricamento facilmente visível hoje (na Era do Mercado

Universal) entre o chamado setor produtivo e o chamado setor de serviços

remonta já às décadas de 60 e 70. Não acidentalmente, esta época marca a

transição da organização tecnológica do trabalho médico do tipo

liberal/artesanal para a organização tecnológica do tipo empresarial. Neste tipo,

há um aumento da produtividade (seja de ordem quantitativa como qualitativa)

dos serviços médicos, de modo que um universo maior de agravos à saúde

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começa a ter espaço na atenção. Além disso, esses serviços estão sendo

oferecidos sob uma lógica institucionalizada, em grande escala, uma produção

de massas (SCHRAIBER, 2000).

É interessante notar como a organização e a regulação do processo de

trabalho pelo capital, embora o faça primeira e inevitavelmente no setor

diretamente produtivo, à medida que esgota ali suas fontes de exploração,

estende-as para os outros setores da economia capitalista. Poder-se-ia dizer

que o setor produtivo é o ambiente de testagem das melhores tentativas

organizacionais para exploração do trabalho se não fosse esse o núcleo

estrutural da economia capitalista. Entretanto, o setor dos serviços,

especialmente aqui o setor da saúde, não tem despertado a atenção do capital

como alvo de exploração senão recentemente. Isso se deve não somente ao

expressivo aumento da produção do excedente social que permitiu ao capital

uma olhada panorâmica sobre toda as áreas de produção econômica, como

também ao relativo equilíbrio que a intervenção do Estado social-democrata

exercia na economia como um todo.

À medida que esse Estado sucumbe, o sistema de metabolismo social

do capital fica entregue a uma crise crônica sem precedentes, da qual a

reestruturação produtiva, o toyotismo e o desemprego estrutural são

manifestações, o capital deve exercer influências e controlar o trabalho de

todas as áreas onde ele se organiza pela cooperação. Nenhuma área do

trabalho social deve ser poupada. E assiste-se a uma imposição organizacional

do trabalho cronologicamente atrasadas nessas novas áreas se comparadas

com as que estão ocorrendo no mundo do trabalho diretamente produtivo.

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Por exemplo, enquanto no mundo produtivo os encarregados do capital

procuram novas formas de exploração do trabalho, das quais o sistema

toyotista é a melhor expressão, no setor da saúde o trabalho passa por um tipo

de organização e controle pautados numa racionalidade técnica de desenho

taylorista/fordista, marcada pela

extensão dos serviços, com progressiva especialização; (...) a prática médica é muito dependente da tecnologia e suas indústrias; há a gerência da empresa, controlando médico e outros profissionais; (...) aumento do caráter rotineiro do trabalho; aumento da jornada de trabalho; (...) há diferenciais de vínculos, estabilidade e permanência do trabalho (SCHRAIBER, 2000).

Além disso, o grande abalo das relações entre médicos e pacientes e

destes com o restante da equipe de saúde, marcado caracteristicamente pela

falta de humanização e pela excessiva tecnologização da assistência é uma

manifestação proveniente das conseqüências da incorporação dessa área de

produção aos domínios do capital. Aquilo que Marx (2001) dizia quando

afirmava que

as relações entre os homens, nas quais se afirma o caráter social dos seus trabalhos, assumem a forma de relação social entre os produtos do trabalho (...) numa sociedade em que a forma mercadoria é a forma geral do trabalho e, em conseqüência, a relação dos homens entre si como possuidores de mercadorias é a relação social dominante

pode explicar, de certa forma, a maneira como uma prática

tradicionalmente marcada pela “conhecida relação bem pessoal e direta do

médico com o seu paciente” passou a ser uma “atuação mais ligada a

estabelecer tratamentos do que a realizar cuidados propriamente ditos”

(SCHRAIBER, 2000).

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O trabalho cooperativo evidenciado na prática médica a partir da sua

concentração em espaços institucionalizados e burocratizados, como os

hospitais, era, no princípio, alvo de um controle gerencial que enfocava mais a

racionalização do uso coletivo dos instrumentos do trabalho do que os

aspectos propriamente técnicos fundamentais do processo de trabalho. Além

disso, a cooperação estabelecida entre os atores do processo de trabalho

nessas instituições se dava mais de maneira informal, não havendo uma

associação direta entre os produtores no que condiz à sua participação coletiva

referente às decisões técnicas tomadas sobre o objeto comum de trabalho.

Contudo, à medida que a incorporação do novo contingente da força de

trabalho em saúde se dá maciçamente via essas organizações burocráticas

que adotam modos de organização do trabalho cada vez mais distantes do que

tradicionalmente se via na produção deste serviço, o controle técnico que o

profissional tinha sobre seu trabalho acaba também sendo transferido, em

parte, para a gerência. Não se quer afirmar que a gerência determinará qual a

melhor conduta técnica para um tipo específico de doença, por exemplo. Mas,

uma vez que a gerência controla o acesso aos meios de trabalho e este

encontra-se extremamente dependente destes meios de trabalho (tecnologia),

a gerência acaba impondo ao profissional uma adaptação de sua conduta à

condição limitante característica do seu controle racionalizador. Ao invéz do

controle gerencial se adaptar às exigências técnicas que pressupõe um

atendimento de qualidade para cada caso específico, acontece o contrário,

ficando a autonomia do profissional restrita ao controle burocrático de redução

de custos de produção da instituição à qual está ligado (DONNANGELO,

1975).

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A mesma autora afirma ainda que, embora o trabalho cooperativo

organizado permita uma larga margem de autonomia e independência técnica

se comparado aos efeitos da gerência em outras áreas de produção, o

profissional médico tende a identificar a burocratização como uma limitação da

mesma independência pessoal e profissional “o que constitui um elemento

significativo das alegações [desses profissionais] contra a estrutura das

organizações” (idem).

A atuação do profissional de saúde como um produtor direto e

independente no mercado de trabalho – modelo da organização social do

trabalho de molde liberal – encontra-se vinculado “a posse dos meios de

produção, aí compreendidos o domínio da informação e dos recursos materiais

necessários para a execução do trabalho, mas principalmente a captação de

uma clientela difusa” (Donnangelo, 1975). A separação do trabalhador da

saúde dos seus meios de produção, caracterizados pela sua incorporação às

organizações burocráticas, é a primeira fase da sua progressiva perda de

autonomia profissional. Posteriormente, essa autonomia vai paulatinamente

sendo minada pelo controle racionalizador direcionado pela gerência, que, se

no começo era voltada para os meios de trabalho, com o tempo acaba

atingindo mesmo os aspectos técnicos do processo de trabalho.

Na verdade, o que acontece é que todo o processo de trabalho médico

tradicionalmente erigido sob os signos da competência técnica, da autonomia e

da independência profissional atualmente só escapam dos malefícios da sua

organização dentro dos limites da empresa capitalista apenas do que diz

respeito aos aspectos econômicos e ideológicos. Embora a compensação

econômica e o status social ainda permanecem presentes, um crescente

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descontentamento pela perda de autonomia profissional vem gerando um

movimento de resistência que questionam os modelos administrativos de

controle da produção dos serviços especialmente naqueles institucionalizados.

Apesar disso, o aumento do número de formados nos diversos cursos da

área da saúde, em especial pelo crescimento vertiginoso das escolas

particulares, vem contribuindo para a ampliação quantitativa da força de

trabalho. Esses novos produtores são muito mais flexíveis às novas pressões

do tipo organizacional citado acima, uma vez que não experimentaram outros

modelos de organização tecnológica do seu trabalho, além de terem como

complicador a ferrenha concorrência pelos escassos postos de trabalho

oferecidos.

Nas palavras de Donnangelo (1975), essa nova força de trabalho é

“mais receptiva a novas modalidades de competição instaladas no interior de

um sistema que contrapõe ao produtor isolado duas alternativas polares de

participação no mercado: o assalariamento ou a condição de empregador”.

Esse quadro tende a se expandir se distanciando cada vez mais dos

princípios ideológicos que, apesar de ainda presentes, não encontram uma

contrapartida material na organização prática da produção dos serviços. Uma

das conseqüências decorrentes disso é o prolongamento da jornada de

trabalho, que para a classe médica já na década de 80 era, para a região da

Grande São Paulo, de uma média de 47,6 horas semanais, sendo que mais de

60% dos entrevistados trabalhavam mais de 40 horas e um outro número

significativo – 22,5% - trabalhavam mais de 61 horas (COHN e

DONNANGELO, 1982 apud SCHRAIBER, 2000).

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5 DIVISÃO DO TRABALHO EM SAÚDE E A FISIOTERAPIA

A divisão social do trabalho originalmente fundou-se por meio das

relações de trocas dos excedentes produzidos entre as tribos e famílias, para

cujo excesso de produção correspondia um sistema econômico fundamentado

na divisão sexual do trabalho. Por serem tribos diferentes, de condições

geoclimáticas diferentes e com características culturais diferentes, por

conseguinte, seus modos de produção assumiam conformações diferenciadas

e a divisão social do trabalho se realizava ou tornava-se visível no momento da

troca dos produtos oriundos dessa mesma diversidade. A troca, por si só, não

cria a divisão social do trabalho, mas permite uma interdependência entre os

ramos de produção diversos que se aproximam por intermédio dela.

No modo de produção capitalista, a divisão parcelar do trabalho num

mesmo ofício pressupõe uma divisão social do trabalho com um certo grau de

desenvolvimento, pois os meios de trabalho e as matérias-primas de cada

etapa de um determinado processo de produção são provenientes de

processos de trabalhos distintos, que exigem também uma especialização não

só do seu instrumental de trabalho como do objeto de seu trabalho que é

resultado de uma série de pequenos trabalhos executados anteriormente.

Da mesma forma, reciprocamente, a divisão parcelar do trabalho acaba

por dar um impulso ao desenvolvimento da divisão social do trabalho, na

medida em que novos processos de trabalho parcelares e específicos devem

dar suporte (na forma de produtos mais ou menos acabados) a outros

processos de trabalho. Cada novo posto de trabalho criado num processo de

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trabalho por meio da divisão manufatureira do trabalho poderá causar, com o

tempo, o surgimento de uma atividade específica para a produção do

instrumental e para a adaptação da matéria-prima específica a esta nova

função. Portanto, pode-se afirmar que as limitações impostas pela divisão

manufatureira no processo de trabalho levam a uma necessidade ampliada da

divisão do trabalho na sociedade. Além disso, evidencia-se também aquilo que

Marx afirmava ao dizer que ao despotismo da divisão manufatureira

correspondia uma anarquia da divisão social. E a anarquia aqui não atrapalha

ao capitalista, pois cada novo ramo de produção deve ser levado a cabo pelas

leis de produção e apropriação do capital, ou seja, pelas leis ditadas pelos

próprios capitalistas.

A relação que a divisão manufatureira do trabalho estabelece com a

divisão do trabalho na sociedade pode ser um dos componentes explicativos

do surgimento de novas profissões da saúde a partir de profissões já

consagradas pela tradição. Por exemplo, vamos olhar para o surgimento da

fisioterapia.

Uma especialidade médica antiga, conhecida como fisiatria, era

responsável pela etapa da atenção à saúde delimitada pela fase de reabilitação

de um indivíduo frente a um agravo físico que ele tivesse sofrido. E fazia isso

usando, além dos medicamentos, meios físicos como o calor, o frio, a

eletricidades, entre outras modalidades terapêuticas. A própria característica de

ser uma especialidade, com suas inerentes limitações, associadas ao aumento

da demanda por serviços de reabilitação física, especialmente após as duas

grandes guerras, foram os principais responsáveis pelo progressivo

aparecimento dessa nova profissão. As características específicas do processo

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de trabalho do fisiatra somadas ao aumento expressivo da demanda de

serviços de reabilitação não permitiam que esse volume de atendimento fosse

realizado satisfatoriamente com um impacto positivo na qualidade de vida

dessa população dentro dos limites históricos da própria prática médica. Não

se quer dizer aqui que a medicina enquanto prática social não era competente

para solucionar esse grande problema epidemiológico. Quer inferir-se tão-

somente que a complexidade das necessidades de saúde surgida com as

conseqüências do pós-guerra não poderiam ser supridas com a prática médica

tal como estava estruturada na época. Por isso, uma nova profissão, diferente

da médica mas radicada nela, com potencialidade de desenvolvimento para

além dos limites característicos da prática médica ia surgindo com a finalidade

de assumir parte dessa responsabilidade, dividindo com a medicina o fardo

pesado da reabilitação.

O surgimento da fisioterapia está, portanto, associado a um processo de

“esgotamento” das possibilidades de uma especialidade médica (dentro dos

limites de sua própria prática construída historicamente) em dar conta do

aumento expressivo da demanda por serviços de saúde, não só de ordem

quantitativa, mas também qualitativa, em reabilitação física. Longe de ser

depreciativo ou de ter um sentido negativo para a profissão médica, este foi um

processo histórico resultado das tensões causadas pelas limitações impostas

pela característica especialista da organização da prática associada a uma

necessidade social que atendesse ao aumento da complexidade do

atendimento a saúde. É um processo característico do desenvolvimento do

mundo do trabalho no modo de produção capitalista. O mesmo esquema

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analítico pode ser usado para se pesquisar o surgimento da Terapia

Ocupacional a partir da Fisioterapia.

A fisioterapia enquanto profissão que atua num campo específico da

divisão do trabalho compreendido pelo amplo setor produtor de serviços de

saúde tem uma história relativamente recente. Mesmo que alguns autores

considerem que as raízes da fisioterapia podem ter como referência práticas de

saúde utilizadas há muitos anos – como o uso de peixes elétricos para

estimular o corpo do doente, ou o uso de banhos quentes na sociedade

romana, ou ainda o uso da fricção da pele (massagem) depois de lesões pelos

atletas gregos – a fisioterapia só pode ser classificada como uma profissão que

conta com um campo de saber sistematizado, instrumentos de trabalho

específicos e definição do seu objeto de trabalho, senão, no caso brasileiro, a

partir de um processo iniciado no final do século XIX e começo do século XX.

Importante salientar também que presença de um grande espectro de

profissões que atuam na produção de serviços de saúde, hoje tão comum aos

olhos de todos, tem uma raiz comum que converge para a profissão médica. É

a partir dela que criam-se ramificações que posteriormente vão dar origens às

mais variadas profissões. É interessante notar que a evolução da medicina,

bem como o desenvolvimento das necessidades humanas decorrentes do

desenvolvimento das forças produtivas de cada período histórico são

responsáveis pela diferenciação hoje percebida na divisão social do trabalho

em saúde.

Como diz Nogueira (apud SCHRAIBER, 1993),

o mundo das profissões pode ser representado por um círculo em cujo centro estão as ‘profissões típicas’ – o direito e a medicina -, e, em diferentes pontos, ao longo dos raios, outras ocupações. (...) outro aspecto significativo da técnica profissional é a responsabilidade que

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envolve: quanto mais o exercício implicar num sentimento de responsabilidade, mais próxima do centro estará a ocupação. (...) Quando a ocupação implica numa técnica intelectual especializada, fatalmente dá origem a uma nova profissão; quando se trata de técnica generalizada, como freqüentemente ocorre com as atividades comerciais, o aparecimento da profissão dependente do desenvolvimento de um senso de responsabilidade comum capaz de estreitar o fraco laço criado pela posse de uma técnica comum, porém mal definida.

Evidencia-se do citado acima que a criação de uma nova profissão

oriunda das chamadas “típicas” decorre da associação entre a profunda

especialização de uma técnica e a geração de um senso de responsabilidade

que, no nível supra-estrutural, une os militantes como um todo ao redor de uma

ética comum.

A fisioterapia esteve, desde suas origens, vinculada à prática médica e

especificamente à prática da reabilitação de indivíduos com limitações físicas

e/ou funcionais. Outra marca característica de sua origem foi a de

subordinação formal à prática médica, visto que o fisioterapeuta era antes um

técnico de um profissional. Se atualmente ela encontra um certo grau de

autonomia frente àquele profissional, esta só pode ser entendida como relativa

e posta em situação comparativa com a condição experimentada anteriormente

no início do seu processo de estruturação.

Não se pode afirmar que, por exemplo, a fisioterapia tenha sido em

algum momento uma profissão de base exclusivamente liberal, uma vez que,

como se falará posteriormente, sua consolidação enquanto prática profissional

se dará num período em que a própria categoria da qual ela se dissocia

definitivamente passa por um processo de mudança desta base liberal para a

base empresarial.

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Além disso, deve-se registrar que é ainda mais relativa a autonomia da

fisioterapia na estrutura de poder existente na produção de serviços de saúde

se considerarmos que a as inter-relações profissionais dentro do setor de

saúde, bem como o modelo assistencial é centrado na figura do médico. Esta

centralidade ganha ainda mais importância se levarmos em consideração o

processo de coletivização da organização da produção de serviços de saúde,

conforme descrita no capítulo anterior. Numa época em que a organização

tecnológica do serviço de saúde avança sob os moldes e o controle postos pela

institucionalização do processo de trabalho em empresas de características

marcadamente capitalistas (sejam públicas, privadas ou filantrópicas) e da

configuração da cooperação entre essa diversidade de profissões na forma de

um organismo coletivo que trabalha; numa época em que se assiste a isso, a

estabilização de uma profissão como sendo o elemento fulcral da assistência e

das relações de poder contrabalança a perda de autonomia experimentada

pela transformação de sua base de atuação pelo surgimento de uma

autonomia relativa frente às outras profissões a ela “subordinadas”.

Se, conforme descrevemos no capítulo anterior, a consolidação da

produção dos serviços de saúde dentro dos moldes da produção

caracterizados atualmente pela lógica da reestruturação produtiva reflete-se

numa perda de autonomia e liberdade, uma visão não muito otimista pode ser

feita para o futuro das outras profissões que se subordinam formal e

informalmente à profissão médica.

Retomando o que se dizia a respeito do trabalho em fisioterapia, este

esteve sempre vinculado ao tratamento de desordens físicas e funcionais com

vistas à reabilitação dos indivíduos, dando a eles a possibilidade de retornarem

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a sua vida social e produtiva. No começo do século XX e principalmente depois

das duas grandes guerras, essa função não só ganhou importância moral, mas

também se tornou uma necessidade econômica, no sentido de que o sistema

de sociometabolismo do capital precisava se reestruturar para continuar

existindo. Contava para isso de um elevado contingente de força de trabalho,

não só para seu emprego direto com também para a manutenção de um

importante exército de reserva.

Percebe-se com isso, que a delimitação tanto do objeto de trabalho da

fisioterapia como seu objetivo específico nasceram articulados com uma

necessidade mundial de reestruturação industrial no sistema capitalista, no

sentido de que ela contribui para a manutenção da força de trabalho ativa. É

claro que essa articulação não se vê exclusivamente no campo de atuação da

fisioterapia, mas reflete um comportamento comum dentro das ocupações

referentes ao setor da saúde. Porém, para a fisioterapia ela ganha uma

importância fundamental, pois contribuirá para perpetuar o estigma da

reabilitação sobre a prática desta profissão.

Esta correlação carrega consigo uma carga política importante, uma vez

que

partindo do pressuposto da não perturbação do sistema social vigente e predominante, o desenvolvimento das profissões do campo da saúde, por muitas vezes parece Ter sido orientado a trilhar caminhos sem mesmo levar em conta os conhecimentos científicos já produzidos e disponíveis. Como exemplo disso, vale notar que, muito embora as teorias da unicausalidade das doenças tenham sido superadas e, na década de 1960, já estivesse desenvolvido o conceito da multicausalidade desses fenômenos, os fatores mais enfaticamente abordadas foram aqueles que possuíam menor probabilidade de sugerir alterações que comprometessem o sistema social, independente do seu potencial de determinação nas condições de saúde da população (REBELATTO e BOTOMÉ, 1999 apud STRAUB, 2003).

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O desenvolvimento da fisioterapia contaria com a ajuda de um outro

fenômeno a partir da década de 50: a epidemia de poliomielite. Esta epidemia

veio a reafirmar o caráter reabilitador da profissão. Na verdade, a fisioterapia

ampliará consideravelmente seu campo de trabalho com a mudança do perfil

epidemiológico mundial com a entrada em voga das doenças crônico-

degenarativas e da incidência das seqüelas de doenças congênitas. Mesmo

assim, a cultura formada em torno da fisioterapia a vincularia sempre ao

estigma reabilitador.

É somente a partir de 1969 que a fisioterapia será considerada

legalmente como uma profissão de nível superior não mais dependente da

profissão médica. A esta conquista associa-se também uma maior definição do

objeto de trabalho da fisioterapia, que segundo o Conselho Federal de

Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) é:

uma ciência da Saúde que estuda, previne e trata o distúrbios cinéticos funcionais intercorrentes em órgãos e sistemas do corpo humano, gerados por alterações genéticas, por traumas e por doenças adquiridas. Fundamenta suas ações em mecanismos terapêuticos próprios, sistematizados pelos estudos da Biologia, das ciências morfológicas, das ciências fisiológicas, das patologias, da bioquímica, da biofísica, da biomecânica, da cinesia, da sinergia funcional, e da cinesia e patologia de órgãos e sistemas do corpo humano e as disciplinas comportamentais e sociais (STRAUB, 2003).

Fica claro a partir do exposto que a definição do objeto de trabalho da

fisioterapia segue o esquema da normatividade biológica na definição das

doenças instaladas no corpo humano, objeto de intervenção. Não bastasse

isso, a extrema definição das suas fontes de conhecimento científico biológico

em comparação com a generalidade imposta às influências que as “disciplinas

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comportamentais e sociais” podem ter sobre a prática, lançam as bases para

sua intervenção e constituem desde já um direcionamento político. Ainda pode-

se perceber que ao se falar da área do conhecimento relativo à biologia, suas

especialidades são tratadas como ciências, ao passo que a parte relativa ao

comportamento e às determinações sociais é tratada como apenas disciplinas.

Estas definições legais, ao mesmo tempo em que são consideradas

como um avanço no processo de institucionalização da profissão,

possibilitando também uma abertura específica no mercado de trabalho e na

produção dos serviços de saúde para esta nova variante qualitativa da força de

trabalho em saúde, impõe a ela, desde o começo, limitações quanto ao campo

de atuação profissional (REBELATTO e BOTOMÉ, 1999).

Pode-se afirmar, pelo exposto até aqui, que, apesar de a fisioterapia

ainda estar procurando uma melhor definição do seu objeto de trabalho,

principalmente com o crescimento da chamada fisioterapia preventiva e

também a busca de formação profissional nos campos da Saúde Coletiva pelos

fisioterapeutas, ela sempre esteve vinculada à reabilitação física e funcional.

Ainda hoje a fisioterapia cumpre papel fundamental na reintrodução dos

indivíduos no mundo produtivo e na vida social, podendo atuar também como

um serviço de prevenção de agravos de saúde por conseqüência do trabalho.

O salto qualitativo para a fisioterapia pode ser retomado ao início da

década de 70, período em que definitivamente ocorre a substituição da

hegemonia liberal pela hegemonia empresarial na organização da base de

produção dos serviços médicos. Não é, por acaso, então, que a organização do

processo de trabalho em fisioterapia tenda a adotar formas relativamente

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parecidas com àquelas vias de aperfeiçoamento vistas na prática social da

medicina no período.

Além disso, apesar da conformação “profissional” que envolve os

diferentes trabalhos em saúde, volta-se a afirmar que tal heterogeneidade

tende a tornar-se mais homogênea - no que diz respeito à organização

tecnológica do processo de trabalho, bem como às formas de inserção no

mercado de trabalho – à medida que eles se juntam cooperativamente num

mesmo espaço institucional que os condiciona a funcionarem como um

organismo produtor coletivo.

Uma vez integrado ao sistema produtor e ampliador do capital geral, do

capital social, as diferenças qualitativas entre os trabalhos concretos tendem a

desaparecer frente à força produtora de valor e de valor excedente pelo

trabalho humano abstrato. Do ponto de vista do capital, a melhor organização

do trabalho é aquela que mais lhe auto-reproduz e amplia. Estando ele no

controle do processo de trabalho, tende ele a estender essas formas para o

máximo possível de espaços produtores de mais-valia, sejam eles no âmbito

do mundo do trabalho diretamente produtivo ou no mundo do trabalho

indiretamente produtivo, como é o caso dos serviços de saúde, dentre os quais

se encontra a fisioterapia.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho em saúde tem uma grande importância no sistema social d

produção por dois motivos básicos. Primeiro, porque ele é um trabalho do qual

pode-se extrair valor excedente (mais-valia). Segundo, porque é um trabalho

cujo resultado idealmente é a conservação das condições físicas, mentais e

sociais ótimas para que o homem possa pôr em prática a sua atividade laboral,

contribuindo, portanto para a manutenção e recuperação da força de trabalho.

É, de um lado, fonte direta de extração de mais-valia, e, de outro, dá condições

para que essa mais-valia seja mais amplamente extraída por todo o espaço

social.

Por características óbvias é um trabalho específico que resulta num

produto específico. Em alguns momentos ele pode resultar num valor-de-uso

exterior e em outros momentos ele mesmo pode ser o valor-de-uso. É

considerando esse aspecto, o de ser um trabalho útil específico, que ele possui

uma identidade que o conserva, mesmo existindo uma dinâmica íntima própria

e que está continuamente em expansão.

Por outro lado, o trabalho em saúde também é considerado

naturalmente como parte do trabalho humano abstrato, pois é gasto tempo na

produção do seu efeito útil e como trabalho abstrato é gerador de valor. Essa

segunda natureza do trabalho em saúde não é sua específica, mas é comum a

todos os outros trabalhos sociais. Entretanto, a importância dessa segunda

natureza para a organização do trabalho em saúde não é senão recente, visto

que, por exemplo no caso brasileiro, a base artesanal da produção de serviços

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de saúde só se incorpora definitivamente na lógica de acumulação do capital

social a partir da década de 60.

À medida que isso acontece, a característica concreta, específica do

trabalho perde espaço para sua característica abstrata, no que diz respeito à

sua organização técnica e social, porque sob os auspícios do capital, sua

condição de produtor de valor torna-se extremamente importante para as

diretrizes que conduzirão tal arranjamento social da profissão. Torna-se então

efetivada a subordinação da natureza concreta do trabalho em saúde pela

natureza abstrata, o que o introduz nas exigências sociais da produtividade.

Além disso, outro fator que contribui para essa subordinação é a

extrema fragmentação do processo de trabalho encontrada devido à

especialização profissional. Ocorre mesmo um processo de “tribalização” da

prestação de serviços. Essas tribos se conformam em grupos fechados de

especialistas organizados corporativamente na defesa radical de seus

interesses específicos, chegando a casos de não divulgação dos

conhecimentos produzidos por eles para a comunidade em geral, apenas para

aqueles que pagarem uma fortuna em suas escolas de formação. Casos assim

podem referidos à técnica Rolfing, à Osteopatia, a Quiropraxia, a técnica

Bobath, o Isso-Stretching, entre outras.

Uma conseqüência disso é que a especialização gera a necessidade da

cooperação formal entre os diversos especialistas, não só numa mesma área

profissional, mas entre as diversas áreas para que se complete a produção do

efeito útil final. A cooperação, antes informal, agora torna-se necessária uma

vez que as diversas especialidades estão trabalhando juntas sob o teto de um

mesmo capital, formando desta forma um organismo social que trabalha, do

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qual se extrai o máximo possível de valor excedente, uma vez que a força de

trabalho empregada passa a ser progressivamente assalariada.

Observa-se já algumas conseqüências disso para a prática de saúde

como um todo. A rotinização do trabalho, a produção em larga escala, a

medicalização da sociedade como forma de extensão da cobertura

assistencial, a perda de autonomia para a gerência das instituições, a

separação dos produtores de seus meios de trabalho, bem como a ultra-

dependência daqueles em função do desenvolvimento destes, o encarecimento

da produção em escala social, a perda da característica ética que identificava

os produtores entre si e os usuários, gerando uma crise na relação profissional-

usuário, enfim, uma crise no setor de saúde, cuja culpa freqüentemente é

direcionada à formação da força de trabalho, deixando de lado as

conseqüências das condições de trabalho.

Na Era do Mercado Universal, o caráter socializado do capital impõe um

estreitamento das relações entre o mundo do trabalho industrial (diretamente

produtivo) e o mundo do trabalho dos serviços (indiretamente produtivo),

enquadrando também o setor de serviços, que antes desfrutava de uma

relativa autonomia frente aos movimentos de crise de capital, numa condição

de um imprescindível foco de exploração para responder à necessidade viciosa

de auto-expansão do capital que se reflete numa condição de precariedade

crônica do trabalho, atingindo frontal e decisivamente a trabalho em saúde.

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