Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO ... · dar um material para o aluno ler e...
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Fundação Getulio Vargas
Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO)
Projeto: História Oral do CEPED
Entrevistado: Alfredo Lamy Filho
Local: Rio de Janeiro/RJ
Entrevistadores: Gabriel Lacerda, Camilla Duarte e Tânia Abrão
Rangel
Transcrição: Joana Medrado
Data da transcrição: Término: 31 de março de 2010
Conferência de Fidelidade: Tânia Abrão Rangel
Data da Conferência: 08 de julho de 2010
Entrevista: 29.09.2009
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T.R. – Projeto de História Oral do CEPED. Hoje é dia 29 de setembro a
gente está aqui no Rio de Janeiro entrevistando o professor Alfredo
Lamy. Estão presentes os professores Gabriel Lacerda, Tânia Rangel e a
aluna Camilla Duarte.
G.L. – Podemos então começar agora. Eu tenho que seguir esse roteiro.
Primeira coisa... nome, idade, participação no projeto, posição atual e
carreira, quer dizer é uma espécie de curriculum vitae. ome é Alfredo
Lamy Filho, isso a gente já sabe. Idade o senhor fez noventa, teve missa
esse ano?
A.L. – Fiz noventa.
T.R. – Qual é a data do aniversário? Tem que colocar a data.
A.L. – 28 de agosto de 1918. É ótimo porque o oito é o número da sorte
na China.
G.L. – É o infinito.
A.L. – De maneira que eu só tenho oito do oito de 28 do 8 de 1918.
G.L. – Participação no projeto?
A.L. – Como é que eu tomei conhecimento do CEPED? Bem, eu e o Caio
convivemos juntos na Light. Eu era assistente do Gallotti, era chefe de
gabinete dele e o Caio era diretor jurídico da Light. A gente estava
sempre em contato. E o Caio é um homem muito solene nas coisas dele.
Enfim, em fazer, etc, etc. E era diretor da faculdade de Direito da UERJ.
Um belo dia, o Caio me aparece lá e diz assim: “Olha, eu estou recebendo
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uma bolsa para fazer um curso sobre reforma do ensino jurídico. Você
tem mania – porque eu tinha mania disso de reformar o ensino jurídico
– você tem mania disso, você não quer me ajudar?” Eu disse, “oh, Caio,
claro!” Caio disse: “olha, eu não quero levar ninguém lá da UERJ”. Eu
sugeri então vários nomes: o Leoni, o Lobo, que tinham sido alunos
meus e que eu achava que eram pessoas capazes de dar uma boa
contribuição. Algumas pessoas que se distinguiram sob o ponto de vista
comercial. Citei o Leoni, citei o Gabriel, citei o Lobo, que eram caras
bons. Além desses, outros.. Bem, aí o Caio, comecei a conversar com ele,
metemos um pouco na cabeça dele, que era minha mania, que era a
reforma do ensino jurídico mais do que qualquer outra coisa. E o que a
Ford propôs era realmente que se fizesse, digamos assim, quase que
uma atualização da maneira de ensinar Direito no Brasil. Como nos
Estados Unidos se ensina de forma diferente e aqui no Brasil se ensina
de uma forma que eles achavam europeia, antiquada, eles achavam que
devia haver uma reforma. Para isto eles fizeram o seguinte: organizaram
uma viagem da gente aos Estados Unidos. Acho que quem viajou comigo
foi só Wald, Arnold Wald, o Caio
G.L – O senhor, Caio, Wald e Leoni. O Leoni eu tenho um postal dele me
esnobando. Postal com o Langdel o prédio de Havard, disse “aqui
estamos não sei o que”. Enquanto eu ficava ralando no curso o Leoni
mandava postal para mim [riso]
A.L. – Então ele estava lá também Aí fizemos uma viagem para assistir
aulas nos Estados Unidos. Aí víamos em Havard, víamos em Yale, víamos
em Standford, víamos na Columbia, depois foram para outra zona, mas
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aí eu vim embora para o Rio porque aí eu já estava com compromisso
aqui. O negócio foi interessante você assistir embora, digamos, eu
achasse que não era o sistema que eu estava querendo desenvolver.
Aqui é uma pretensão minha, eu estava querendo fazer uma coisa
diferente, porque eu achava que, primeiro lugar: que o Direito, o Direito
que eu ensinava que era o Direito Comercial é um Direito que nasceu do
convívio humano, não está preso a Roma, não está preso a coisa alguma,
pelo contrário, foi sendo criado pelo comerciante ignorante. E vendo o
que dava certo, o que dava errado e foi assim apalpando a realidade.
Então se tornava imprescindível para você dar uma aula dessas, você
dar um material para o aluno ler e depois provocar discussão sobre o
material. Então foi o que nós fizemos: a gente imprimia o material,
distribuía para todos os alunos, eles liam na véspera e chegava lá a
gente dizia: “fulano faz o relatório”. Aí propunha uma questão diferente
daquela solução que estava ali no material e havia a discussão, se
aprendia a discutir Direito e aprendia portanto, digamos assim, a se
comportar como advogado. Porque você tem que sustentar pontos de
vista. Nessa entrevista no Valor Econômico eu disse a ela, eu disse que
eu tenho seis filhos com seis profissões diferentes, nenhum advogado,
cada um é um negócio diferente aqui dentro de casa. Mas o neto, quer
dizer, o neto e a neta, que hoje estão na Inglaterra. A Rita disse “não, vou
estudar Direito”. Eu digo: “olha Rita, é uma das profissões desagradáveis
porque é a única profissão que você toda vez que você exercer tem um
sujeito pago do outro lado para chamar você de burro”. [riso] Realmente
é uma profissão diferente, compreendeu? Que tem o outro lá, do contra,
para chamar você de burro. A moça botou isso no jornal, e não era isso
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propriamente que eu queria que saísse no jornal [risos]. O sistema
americano, quer dizer, de ensinar Direito, era um sistema que tinha
presente o fato de que o Direito não era apenas o Direito Romano, era
um Direito que se modificava, porque é um processo de convivência
social que ia se mudando à proporção que a sociedade vai mudando.
Isso que pra mim é a idéia central, se você, quando estudar Direito...
Estou lembrando de uma passagem curiosa que aconteceu comigo.
Indicaram meu nome ao professor ( inaudível ) pra eu ser assistente
dele. Ele me pediu pra ir lá visitá-lo. Ele era diretor do Banco do Brasil e
professor de Direito Comercial na PUC. Cheguei lá e ele disse: ‘O senhor
que é o doutor Lamy?’. ‘Sou eu sim’. ‘O senhor tem se dedicado ao
Direito Comercial?’. Eu disse: ‘Não senhor’. Disse: ‘Como não?’. ‘Não
conheço, não sei nada. Eu me formei em Direito e meu professor de
Direito Comercial lia o código Comercial. Isso eu sei ler também. Mas
realmente não...’. ‘É um negócio meio complicado. Doutor Lamy, vamos
fazer uma coisa?’. Eu disse a ele: ‘Eu não tenho condições pra dizer ao
senhor que eu vou ser o seu assistente’. Ele disse: ‘Vamos fazer uma
coisa? Eu dou aula terças e quintas, sábado eu vou pra Minas Gerais –
que ele era professor lá em Minas Gerais – e o senhor dá a aula de
sábado. Eu disse: ‘É, interessante’. Eu nunca tinha assistido uma aula
dele. Assisti a aula de terça-feira, ele começou com a ato de comércio.
Quer dizer; ‘o que constitui ato de comércio é a compra e venda ou
troca, de feitos móveis ou semoventes para revender com lucro’.
Definido o ato de comércio... Bom, quando chegou no sábado que eu
cheguei e disse: ‘Meus amigos, nós vamos ... hoje não tem aula não.
Vamos fazer uma conversa de porta de fôro. A primeira conversa é a
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seguinte. São questões, por exemplo: um sapateiro compra sola pra
revender pra botar no sapato. Você pediu a falência do sapateiro
entendendo que ele era comerciante. Vamos entender esse texto que
está no Código Comercial. Ver que a lei sozinha não resolve. Nós temos
que discutir é o porquê da lei. Você sabe que o sapateiro está vendendo
não é a sola, está vendendo o trabalho dele. Entretanto, na hora o que
está escrito na lei, a mesma coisa que aconteceu com o cabeleireiro que
comprava um produto pra botar na cabeça das senhoras, cheirar,
comprar. Começou uma discussão terrível. Pra resumir a coisa, no fim
do ano eu sei que o [inaudível] me chamou lá, dizendo: ‘Doutor Lamy,
estou sabendo que tem mais gente na sua aula que na minha’. Eu digo:
‘Não é possível. Os seus alunos lá são meus’. ‘Mas eu soube que o senhor
tem umas fichas azuis’. ‘Tenho umas fichas’. Eu tenho essas fichas até
hoje, tenho um fichário inteiro. Todas as aulas que eu dei eu fichei. De
jurisprudência. Ele disse ‘Posso ver essas fichas suas?’. Eu disse: ‘Pode’.
E dei pra ele. Leu uma só. Tinha uma porção. Ele disse ‘Ah, tá muito bem
e tal. Olha aqui, eu vou pra Belo Horizonte’. Quando chegou no fim do
ano ele disse: ‘Eu vou pra Belo Horizonte, o senhor fica no meu lugar’.
‘Está bem’. Aí fiquei eu. Mas já com a idéia que me fascinava que era a do
Direito Comercial num processo de transformação, num processo
dinâmico, de convivência, de aperfeiçoamento das relações humanas.
Então, o Direito Comercial existia pra mim, sempre me fascinou por esse
aspecto. Inclusive, inventivo. Porque o Direito Comercial não pára, está
permanentemente em renovação porque à proporção que se vai
comerciando, se vão inventando novas formas, novas normas. Repare
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bem que não é o Direito Civil, não é o Direito Penal. ‘Matar?’. ‘Não pode
matar’. Ok. Não pode matar... desde o princípio não podia matar...
G.L. – Pois é. O senhor indiretamente está aqui... eu estou tentando
adequar esse papo livre que está ótimo e ilustrativo com o roteiro de
entrevista que tem aqui. O que o senhor está dizendo é que Trubek dá a
idéia de que é preciso melhorar o ensino do Direito. Procura Caio. Caio
procura Lamy. Como é que nós vamos iniciar um projeto cujo objetivo lá
embaixo é mudar o ensino de Direito? Aí o doutor Lamy diz: ‘Vamos
fazer um curso para empresa porque a empresa é, no Direito Comercial
e através do Direito Comercial, que o Direito ativamente interage com a
sociedade e provoca mudanças.
A.L. – Nós fizemos as visitas, viemos para o Brasil, aí o Caio disse: “bom,
vamos fazer isso na Fundação Getúlio Vargas”.
G.L. – O Caio nessa ocasião era reitor da UERJ?
A.L. – Era reitor da UERJ, mas como ele estava fazendo comigo, nós
fomos ao Simões Lopes, e eu gostava muito do Simões, era muito, muito,
muito meu amigo, eu conhecia ele de outras épocas... e aí fomos lá na
Fundação Getúlio Vargas e criamos...
G.L. – O Luis Simões Lopes?
A.L. – O Luis Simões Lopes.
A.L. – Fomos à Fundação e resolvemos fazer o curso lá.
T.R. – O Simões Lopes na época ele era quem na Fundação?
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A.L. – Era o Presidente da Fundação...tinha criado a Fundação Getúlio
Vargas.
G.L. – Criou a Fundação Getúlio Vargas.
A.L. – Ele criou a Fundação e depois dirigiu à Fundação Getúlio Vargas
porque ele era presidente do Dasp, depois foi presidente da Fundação. E
ele ficou muito entusiasmado, uma coisa engraçada, o Simões ficou
muito motivado. “Ah, vocês vão fazer isso? Então vamos fazer”. Está
certo. Nós montamos a coisa e depois fizemos a propaganda, aí várias
pessoas se inscreveram. Nós examinamos as pessoas, alguns era
impossível de aceitar, mas a maioria ficou. Um trabalho horroroso
porque nos obrigava, todo dia, a escrever uma lição para ser discutida
lá. Eu tenho esse dossiê aqui. Aí começamos as aulas.
G.L. – Participação no projeto: então o Caio chamou o senhor para
organizar esse projeto. Posição atual o senhor ainda tem escritório, está
advogando, dando parecer, aquela coisa.
A.L. – É, eu não, maneira de dizer, porque eu estou fugindo totalmente
do escritório. Por uma razão muito simples: é que eu estou com uma
deficiência na vista que não me permite ler.
T.R. – Mas a sua vinculação com o CEPED chegou a ter algum contrato?
Assim o senhor recebia também pelo CEPED?
A.L. – Ah, eles pagavam mas era um pagamento quase simbólico, porque
realmente era 600 réis, 800 réis, era um negócio assim. Por dinheiro eu
não ia lá.
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G.L. – Mas no nível que pagavam aos professores na época, eu recebia
era 300 pratas que eu recebia todo mês em cheque. O cheque chegava...
no nível que pagava aos professores era comparativamente quando
você olhava na PUC, garanto que era muito mais, pelo menos no meu
caso era.
T.R. – Não, a questão aqui é saber se tinha esse vínculo e aí o vínculo
contratual era com quem? O CEPED chegou a se constituir como uma
pessoa jurídica?
A.L. – Não chegou a ser organizado como tal não,compreendeu? Ficou
todo mundo... e o CEPED era o Venâncio sentado lá em uma sala da
Fundação.
G.L. – O Venâncio lá e mandando cheque e cobrando para entregar o
material.
A.L. – É, exatamente. Tocando o telefone, o sujeito se chateando...
G.L. – Agora a conta do cheque, que eu recebia todo mês, de quem era?
Era da UERJ não é?
A.L. –No sei não.
G.L. – Não sabia de quem era a conta. Eu acho que era uma dotação da.
Ford.
A.L. – Eu sei que a gente podia comprar coisa com ele. [riso]
G.L. – Mas era uma... eu acho que isso aqui a gente tem que ver também.
Pelo que eu me lembro, não tenho certeza era uma verba...
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A.L. – Eu acho que era uma verba.
G.L. – Dada a UERJ com um fim específico, quer dizer, só podia gastar
para aquela coisa, mas a conta era da UERJ.
A.L. – É uma pena o Caio não estar aí, se o Caio tivesse vivo aí... é que
ninguém sabe. O Caio viveu esse troço por dentro não é?
G.L. – Por dentro, mas a gente vai buscar esses dados lá. Quer dizer o
senhor dentro do CEPED era um professor assalariado, chefe da cadeira
de Direito Corporativo.
A.L. – E palpiteiro.
G.L. – Palpiteiro em termos, você foi a autoridade máxima.
A.L. – [risos]
G.L. – Não só o paraninfo da turma como o árbitro de todas as idéias, tá?
O seu papel, dr. Lamy, era esse.
A.L. – Não era isso não mas faz de conta que seja. Vamos em frente,
vamos lá.
G.L. – Qual é o seu papel indicando a época de atividade. O senhor foi de
lá do princípio ao fim, desde a concepção...
A.L. – Do primeiro ao último.
G.L. – Do primeiro ao último. Aqui é que é a pergunta mais clássica
qual...
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T.R. – Não mas espera aí Gabriel, um minutinho. Começa, aí tem a
primeira turma, depois que a primeira turma se forma, tem outra
turma?
A.L. – Umas seis turmas sucessivas.
T.R. – Ah, então ao todo foram sete turmas?
A.L. – A coisa começou a crescer, depois começaram a botar no jornal,
daí que... por que acabou? Chegou um dia a gente abre o jornal diz
assim: “precisa-se de advogado, dá-se preferência a quem tem o curso
do CEPED”. Então o sujeito vinha para CEPED...
G.L. – Para arranjar emprego.
A.L. – Para arranjar emprego, compreendeu? Eu disse não, para isso não.
“Dá-se preferência para quem tiver...”, quer dizer, vários, vários
anúncios no jornal porque o sujeito realmente que formava lá estava
bem indicado para...
G.L. – É, eu acho que foram... você sabe a data exata que acabou dr.
Lamy? Eu não me lembro.
A.L. – 73.
G.L. – 73.
A.L. – Foi de 67 até 73.
G.L. – 73 teve curso também.
T.R. – Então foram seis anos.
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G.L. – Exatamente. Eu não tenho certeza disso não. Agora aqui é que vem
a pergunta... Deixa eu lhe fazer uma pergunta antes, dentro dessa linha
de pensamento. Na minha lembrança, dr. Lamy, o projeto era reformar o
ensino, o curso de Direito de Empresas surgiu... Não era para fazer um
curso, o curso foi a cabeça de ponte, o Cavalo de Tróia, uma coisa assim,
como se fosse a idéia, o meio de atingir aquele fim.
A.L. – É, tratava-se realmente de fazer um curso e basta você apanhar o
material, quer dizer, as aulas sobre o que foi dado. Economia, Direito, eu
dei Direito Comercial que estava junto com economia.
G.L. – Contabilidade.
A.L.– O Mario Henrique Simonsen deu contabilidade e ... Era o Mario
Henrique e...
G.L. – O Augusto Jeferson.
A.L. – O Augusto Jeferson.
G.L. – Quer dizer, a idéia básica do programa na hora em que o senhor
sugere que para reformar o ensino do Direito, para melhorar a
qualidade do advogado e do ensino de Direito no Brasil o melhor
caminho, a coisa mais prática, era dar o curso de advogado de empresa.
Nessa hora o senhor já está, insensivelmente, o senhor já está passando
para o CEPED aquilo que é nossa pergunta aqui. O que é a idéia básica
do programa em termos de metodologia de ensino, conceito de Direito e
papel do advogado na sociedade. Você já disse mais ou menos tudo isso.
A pergunta, se o senhor puder responder formalmente a pergunta tal
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qual está formulada, é a seguinte: Qual, ao seu ver... Qual ou quais, a seu
ver, as idéias básicas do programa em termos de metodologia de ensino,
conceito de Direito e papel do advogado na sociedade.
A.L. – Eu pego a palavra para te dar o artigo que eu escrevi sobre a crise
do ensino jurídico. Esse programa se traduz nas matérias que foram
dadas lá porque nós dávamos Direito propriamente dito, eu dava Direito
Comercial, Direito Empresarial, mas tinha outro que dava Economia,
tinha o Mário Henrique Simonsen que era diretor da Faculdade de
Economia da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas que
depois faltou um lugar. Nós fomos ao Simões, o Simões Lopes topou
dar... a Fundação Getúlio Vargas fornecer o local. Então Caio chamou o
Venâncio, quer dizer, todos fizeram a viagem conosco. E o grupo saiu,
fez uma viagem para instalar, pra fazer o CEPED. É curioso até, em
consciência, eu acho que derivei um pouco a idéia do Caio pra falar de
empresa, compreendeu? Que o Caio era professor do Direito
administrativo. Se é um negócio tradicional, se é um negócio
convencional, é o Direito Administrativo e a idéia que ele tinha era idéia
de professor de Direito Administrativo, e eu tinha idéia de professor de
Direito Comercial, que é uma coisa inteiramente diferente.
G.L. – É, mas aqui vem aquela coisa, voltando à perguntinha aqui. Em
termos de metodologia o senhor já falou; essa metodologia de capturar.
Em vez de capturar a lei tal como estratificada em um código ou em uma
norma, a lei que está sempre se formando e sempre se reformulando e
sendo gerada no convívio diário. Então, a metodologia...
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A.L. – No relacionamento da coisa. E, digamos assim, é a disciplina dessa
convivência social.
T.R. – Vocês chegavam a preparar algum material pro aluno antes?
A.L. – Preparávamos o material. Talvez a chave do negócio seja esse que
a senhora está perguntando. Nós preparávamos a aula. Distribuíamos
para a discussão em aula. Então o sujeito tinha que ler aquilo e discutir
aquilo. Os outros que leram pensavam diferente. Saía sempre discussão.
Mas basicamente porque era um texto dado antes para discutir.
T.R. – Aí tiveram todas as outras turmas a segunda, a terceira, a quarta,
foram todas no molde da primeira?
A.L. – Na mesma coisa, saber dar aula, aproveitando-se inclusive do
material que já tinha sido feito, dado para a coisa. Porque aquele
material deveria ser impresso como livro, como tem lá nos Estado
Unidos.
G.L. – É o case book.
A.L. – O case book lá dos Estados Unidos é isso, é o material de aula.
T.R. – Tá. O material de aula era só com casos? Ou tinha alguma coisa
escrita, teoria?
A.L.- Ah, não, sempre era um negócio duvidoso, compreendeu? O sujeito
escrevia, vinha, contava um caso, mas sempre era um negócio... vou
contar um caso como está lá, quer dizer, ah, bom, comerciante é quem
compra material para revender com lucro. Aí pediram a falência do
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sapateiro, o sujeito disse que ele comprava sola de sapato, vendia sola
de sapato, depois foram cobrar imposto do barbeiro que comprava
perfume e botava na cabeça do sujeito. Aí a jurisprudência toda no
sentido de que o predomínio da atividade não era sola de sapato, era o
trabalho, então ele não podia ser... se ele fosse comerciante ele ia para a
falência e seria condenado. E no barbeiro era a cobrança de imposto de
venda mercantil, compreendeu? Estou dando um exemplo que veio na
cabeça que...
G.L. – Do conceito de comerciante como é que explicava.
A.L. – Aí você começava a briga. A partir daquele instante, quer dizer, o
professor ficava olhando de fora, quer dizer, quando é que eles iam se
xingar, compreendeu? Porque realmente as vezes havia duas, três
opiniões diferentes e um dizendo o outro. Evidentemente são casos, mas
de todos os outros era possível você arranjar. No comércio tem sempre
um caso aberto, não é? Sob esse ponto de vista foi mais fácil digamos,
fazer uma tentativa na base do Tributário e partir para... tinha
Tributário lá também.
G.L. – É, Tributário era o Leoni e eu.
A.L. – Era você e era o Leoni.
T.R. – Mas aí nessa metodologia tem dois enfoques. Tem o enfoque onde
a preparação do professor pra aula, ele não, como o senhor disse, ele
não se prepara com base na lei, mas ele vai se preparar com base nos
casos. Aquilo que está acontecendo na sociedade. E tem o outro lado...
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A.L. – Mas eu diria, com a razão do texto. Porque os textos surgiram para
resolver esses problemas. Quer dizer, nenhum texto sobreveio na
cabeça do sujeito. Senão vão inventar ‘é proibido matar’... o texto.
T.R. – É, os problemas baseados e a maneira de resolver através da lei.
A.L. – Exatamente.
T.R. – E, por outro lado, como o senhor colocou aí nas aulas que o senhor
dava na PUC, a metodologia, ela rompe também com aquela tradição do
professor falar e o aluno escutar. Aí é o professor que leva o problema
pro aluno e o aluno procura resolver esse problema através da lei, ou
seja, uma metodologia participativa.
A.L. – Exatamente. Não me interessa a citação de autores, me interessa a
citação do porquê. Tinha aula de Direito, aula de Economia, aula de
Contabilidade e eram dadas sucessivamente, quer dizer, durante uma
semana você tinha duas aulas de Direito, tinha uma aula de economia,
aquilo era dado de maneira que fosse montando na cabeça do aluno e
aproveitando aquilo para fazer experiência do ensino falado do Direito,
em vez de ser meramente expositivo, seria um ensino dialogado, porque
entendemos que no diálogo você teria, digamos, não só uma atenção
maior, como uma compreensão mais fácil. O sujeito precisa ter uma
experiência do diálogo ali, como é que seria. Isso foi durante todo um...
Uns seis meses, oito meses.
G.L. – É, o conceito do Direito aqui.
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A.L. – O conceito é o conceito do texto. Porque, pra quê o texto, pra quê o
Direito? Quer dizer, pra chatear? ‘Não pode fazer isso’. Espera lá, ‘por
quê que eu não posso?’.
G.L. – Quer dizer, o conceito do Direito era um conceito que... uma
diferença de percepção é que é um Direito como resultado de uma ação
social.
A.L. – Processo de convivência social. É o que eu acho.
G.L. – Processo de convivência social. Que se traduz em códigos que vem
depois da convivência.
A.L. – Normas que estão em permanente reexame, digamos assim. Estão
submetidas permanentemente a um texto, ao funcionamento da prática.
G.L. – Isso, por sua vez, continuando a última parte da pergunta, o papel
do advogado na sociedade é na hora em que há - pelo que eu estou
entendendo - na hora em que há um processo de concepção do Direito
em que a sociedade vai se modificando e o advogado é quem faz quase
que o interface entre a transformação social e o Direito.
A.L. – Ele é o intérprete, é quem está na frente do negócio.
G.L. – É quem está transformando, capturando a sociedade que se
transforma e reduzindo essa transformação a normas que vão dar o
Direito codificado. Mais ou menos isso?
A.L. – Todo mundo copiou o Direito Romano porque Roma fez isso.
Grandes sujeitos lá de Roma montaram realmente um sistema... aí
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saíram copiando mas essa cópia passou na Europa toda, menos na
Inglaterra, que seguiu outro caminho e nos Estados Unidos, que
seguiram outro caminho. Aí então vinha a diferença de ensino de
Direito. Porque nos Estados Unidos, a montagem do Direito Americano
não é tradicional, é atualizada sempre. A partir da data que inventaram
a máquina, houve uma revolução no mundo, talvez foi a grande
revolução... O mundo sofreu duas grandes revoluções segundo dizem os
estudiosos. A primeira foi quando ele passou a cultivar, a habitar e a
cultivar. Mas só podia trabalhar com o que fosse produzido pela terra. A
hora que ele inventou a máquina, ele inventou como... O genro do Karl
Marx publicou um livro, teve um sucesso danado na época, dizendo, o
direito à preguiça, que a máquina tinha suprimido o direito à preguiça.
Como a máquina trabalhava de noite, trabalhava de dia, quer dizer, não
era possível, o sujeito escravizava o empregado porque dizia, não eu
quero que você trabalhe de noite ainda. Enquanto que se ele estivesse
plantando, está chovendo não tem trabalho, tem a preguiçasinha. Esse
aspecto da evolução que deu afinal de contas, digamos assim, com a
máquina, criou-se então um mundo novo porque a máquina passou a
produzir bens para serem vendidos, ao contrário da terra – antes você
só tinha a terra, tinha que plantar para receber. A máquina produz o que
você tiver na cabeça e você precisa de dinheiro para comprar a
máquina, e precisa de dinheiro para pagar o empregado. Então nessa
altura você teve a criação do capitalismo, quer dizer realmente nasceu
filho da máquina, um filho meio ruinzinho, mas...
T.R. – Está aí até hoje.
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A.L. – Nasceu o filho da máquina. Dito isto, até aqui eu estou chegando
no fim do primeiro curso, houve então vários trabalhos como eu disse,
foram revistos e discutidos nas aulas a gente levava lá para discutir,
espalhava com os outros, quer dizer os alunos ficavam meio danados
porque achavam que estavam sendo humilhados, um perto do outro,
então, mas dava para discutir a coisa gostosamente e às vezes pegava
fogo na discussão lá. No fim do curso nós solicitamos de cada um que
escrevesse o trabalho. Aí então julgamos os trabalhos escritos. Esses
trabalhos, alguns vieram muito bem feitos, outros fraquinhos. Isso ia
acontecer.
T.R. – E o tema do trabalho era livre, ou era um tema predeterminado?
A.L. - Não, você podia escolher o que quisesse dentro do que estava ali.
T.R. – Dentro da matéria.
A.L. – Evidentemente a maioria estava escrevendo sobre Direito, sobre
sociedade, porque Direito Comercial é um Direito que fascina mais pelo
aspecto realmente de estar sendo construído paulatinamente, ao
contrário do Direito Civil, que vem de Roma, você estuda o que está
sendo construído, foi o ontem, o que se fez, e está se fazendo todo dia.
No fim do curso nós solicitamos de cada um que escrevesse o trabalho.
Aí então julgamos os trabalhos escritos. Esses trabalhos, alguns vieram
muito bem feitos, outros fraquinhos.
T.R. – E essa primeira turma tinha uma lista de presença, uma lista de
presença para saber... Assim, se hoje a gente teria acesso a esses alunos
da primeira turma, se teve algum registro...
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A.L. – Tinha lista de presença e não tem dúvida que faziam chamada.
Mas quem deve ter essa lista é o Venâncio.
G.L. – É, o Venâncio é o outro entrevistado. Os arquivos estão na UERJ.
A.L. – Está na UERJ.
G.L. – Mas a empresa... Tá me ocorrendo uma outra coisa aqui que talvez
valesse à pena registrar nas suas palavras. É que uma novidade do
CEPED era: a empresa mostrava exatamente o Direito como um
fenômeno multidisciplinar.
A.L – E é exatamente.
G.L. – Melhor do que qualquer outra coisa. Então Economia, o Mário
Henrique dava aula como ele dava na Faculdade de Economia mas...
A.L. – Mas continua mostrando.
G.L. – Continua mostrando.
A.L. – Outro dia eu tive uma coisa engraçada. Fizeram uma homenagem
aos administradores de grandes empresas que moram aqui. Não sabia
que tinha tanto, lá no hotel Intercontinental. Aí me chamaram pra
homenagem. Eu fiquei muito comovido, uma chatice que não tem
sentido. Estavam todos lá, administradores de empresas e eu até citei o
Ripert usando rigorosamente ‘o mundo de hoje é o mundo da grande
empresa’, da sociedade anônima, dizia o Ripert, ‘a era da Sociedade
Anônima’. A frase do Ripert é essa: ‘nós estamos vivendo a era da
Sociedade por Ações’, ‘nós estamos vivendo a era do administrador de
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empresa’, nós estamos vivendo a era do homem que comanda, que tem
essas normas que estamos vivendo. O universo está todo vestido na
base da empresa. A vivência... Quer dizer, realmente, a empresa é a
forma associativa produtiva que você encontra hoje aqui.
A.L. – Deixa eu fazer um pequeno intervalo, você está me lembrando um
negócio aqui que foi básico. Quando acabou o CEPED – isso aí nós vamos
conversar depois – eu recebi uma encomenda do ministro... como era o
nome daquele ministro de Planejamento do tempo antigo?
G.L. – João Paulo dos Reis Veloso.
A.L. – Eu fui incumbido de fazer uma reforma da lei de S/A. Eu tinha sido
convidado pelo João Mangabeira que foi quem montou o primeiro
sistema de reforma do Direito. João Mangabeira me chamou lá – ele era
ministro da Justiça – disse: “eu vou nomear o senhor para...”, ministro,
eu não posso, escrevi uma carta para ele. Eu estava até aqui de trabalho.
G.L. – O senhor sempre foi advogado? Da Light e escritório. Da Icomi e...
A.L. – Da Icomi e outros lugares mais. Mas isso não vem ao caso, o que
vem ao caso é o seguinte, eu disse ao João Mangabeira não pode ser. Ele
aí nomeou o Teophilo de Azeredo Santos para o meu lugar. Foi quem
apresentou [riso] aquela parte sob o título de crédito, compreendeu? E
eu aí fiquei de fora acompanhando e chegaram aquele projeto do Miguel
Reale, que depois foi... o que é péssimo, está cheio de coisa ruim ali.
T.R. – Mas aí o projeto do Miguel Reale é o de Direito Civil não é? Do
próprio Código Civil.
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A,.L. – Isso aí é, exatamente, o novo código civil, abrangendo tudo, civil e
comercial. Porque tem a parte toda de...
T.R. – De empresa não é?
A.L. – É, é, e deu palpite errado ali... bom, não vem ao caso. Vamos tratar
aqui do que interessa.
G.L. – Quer dizer o senhor foi advogado a vida inteira?
A.L. – Fui advogado a vida inteira.
G.L. – De empresa, de dentro de empresa, como eu conheci o senhor na
Icomi, da Light e do escritório?
A.L. – Vivendo dentro de empresa a vida inteira. Empresa Light,
empresa Icomi.
G.L. – Brascan.
A.L. – Empresa Brascan, empresa... realmente eu vivi dentro de empresa.
G.L. – E o seu papel de professor, da PUC, do CEPED.
A.L. – Da PUC, do CEPED...
T.R. – Do Itamaraty.
G.L. – Vira e mexe cai sempre na mesma coisa que foi logo o início da
nossa conversa. A proposta original do CEPED era reformar o ensino do
Direito no Brasil. E a grande colaboração do doutor Lamy, nas palavras
23
que ele disse foi: ‘Para reformar o Direito no Brasil, a melhor maneira de
começar...’
A.L. – É passar por dentro da empresa.
G.L. – É passar por dentro da empresa e estudar a empresa por uma
metodologia diferente.
A.L. – Estudar a empresa para ver como ela funciona.
G.L. – Como é que ela funciona, uma metodologia diferente, um conceito
de Direito diferente e uma experiência de sucesso.
A.L. – E traumática, porque a empresa está permanentemente brigando
com os outros. O trabalho empresarial é um trabalho de conquista, ao
contrário dos outros.
T.R. – Eu lembrei de uma coisa. Quando foi montar o curso do CEPED, o
senhor chegou a conversar também com o professor David Trubek ou
conversou mais com o professor Caio Tácito?
A.L. – Não, com o Trubek eu conversei só mais tarde. Não tinha maior
intimidade com o Trubek não. O Steiner é que veio de lá mandado pra cá
e ele é um cara inteligente, aprendeu a falar português aqui e deu aulas
dentro daquela visão mais americana, que não era propriamente a visão
que nós estávamos [planejando], era parecido.
T.R. – Aí como que era essa interação com os americanos? Ou seja, em
um primeiro momento eles convidam vocês...
24
A.L. – Houve, não, porque veio um americano para aqui, professor,
aprendeu a falar português.
T.R. – Quem foi esse?
G.L. – Steiner.
A.L. – Isso... o Steiner.
G.L. – O Steiner e o Keith Rosenn, mas o Keith Rosenn já tinha...
A.L. – O Keith Rosenn não chegou a se integrar no projeto não. O Steiner
se integrou totalmente. Ele mesmo veio aqui, realmente falando
português. Então ele teve uma... realmente gostou muito, ficou... gostou
do projeto, gostou da coisa, etc. e tal.
T.R. – E ele ficou por quanto tempo mais ou menos?
A.L. – E era professor de Havard. Eu não sei se ainda é professor porque
eles trocam lá.
G.L. – Ele já está também velhinho e tal, ele mudou de clube foi para
direitos humanos foi meu professor em Harvard quem ensinou
português para ele foi a minha esposa, deu aula de português a ele, ele
foi aluno.
A.L. – Ah, é?
T.R. – Então o Steiner chega a vir para o Brasil depois do curso não é? Já
montado.
A.L. – Não, ele veio para o curso.
25
T.R. – Ele veio para o curso?
A.L. – Veio para o curso, ele foi mandado pelo curso.
G.L. – Mas o Keith Rosenn também, que eu vou entrevistar, isso a gente
vai perguntar ao Keith, mas o Keith dava muito palpite, eu não me
lembro exatamente qual era o papel do Keith. O senhor lembra?
A.L. – É. Ele não chegava a... eu, por exemplo, não tenho convívio com
Keith para saber. Tive convívio com o Steiner total, mas com o Keith não
tive convívio assim de saber qual era, quer dizer, até hoje eu não tenho
uma idéia do Keith.
G.L. – É, eu tenho boas idéias, isso é importante também. Eu estou
interrompendo muito porque uma das inovações que eu tenho, que eu
me lembro eu discutindo isso com o Keith e submetendo ao senhor e a
uma espécie de corpo deliberativo, o senhor o Venâncio, o Caio, o Mario
Henrique, que era o pessoal deliberativo. A idéia era que havia uma
única história de um projeto conjunto de uma empresa de mineração, do
setor de mineração...
G.L. – Chegamos a uma coisa crítica. Dentro daquela visão americana,
que não era propriamente a nossa, o quê que o senhor quis dizer com
isso? Qual é a diferença da visão americana e da nossa visão?
A.L. – É só você pegar os livros de Direito americanos que tem cases, um
atrás do outro, etc, etc, dá pra você tirar, dar uma olhada naquela base.
Agora, é a maneira pela qual se estuda o Direito nos Estados Unidos?
Não, eu acho que a maneira pela qual eles estudam o Direito é muito
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vinculado, digamos assim, ao case propriamente dito, é muito vinculado
a cada casinho diferente um do outro.
T.R. – E aqui no Brasil é como?
A.L. – Teórico. Aqui no Brasil o sujeito dá a norma geral: ‘meus amigos,
se divirtam com isso’. E faziam uma bela.. O melhor professor meu,
professor Philadelfo Azevedo, já morreu, que era ministro do Supremo e
que era um professor formidável. Mas ele chegava, dava o Código Civil
pápápá... até a voz dele era absolutamente monótona. Você, pra chegar
ao fim da aula dele, pra você não dormir, tinha que fazer um esforço
muito grande.
G.L. – Mas elabora um pouco mais isso doutor Lamy, desculpe a
insistência. Qual é a diferença que a percepção americana do Steiner, the
case method, socratic method, na hora que esse método vem sido
transportado pro Brasil, em quê que este método conflita e em quê que
ele ajuda?
T.R. – No CEPED.
G.L. – Porque é bem diferente, o senhor falou: ‘aula dialogada’. Sim, a
aula tradicional da faculdade de Direito era monologada. O aluno,
quando muito, tinha direito a fazer uma pergunta que o professor
respondia lhe dizendo qual era a resposta certa. A aula dialogada, o
professor e o aluno, o professor desce um pouco do seu pedestal e se
comunica com o aluno e os dois conversam.
A.L. – Convivem com o caso.
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G.L. – Convivem com o caso. Agora, o senhor falou, dentro daquela visão
americana, que é diferente da nossa. Isso é uma coisa, um tema clássico
do CEPED. Até que ponto as idéias clássicas americanas estabelecidas
centenariamente lá naquela época, do método socrático, do método do
caso, eram adaptáveis? Que adaptações foram necessárias fazer no
método?
A.L. – O processo não é adaptação. É que eram diferentes, eram diversas,
pela razão muito simples que nós dávamos aula sabendo que ia acabar
na norma. Enquanto que o americano não vai acabar na norma.
G.L. – Ecco! Então havia uma coisa que os americanos nunca perceberam
muito bem que era exatamente isso.
A.L. – Nunca perceberam muito bem não. O troço sempre entornava na
norma, que o juiz entornava na norma, que o ensino do Direito.
G.L. –E agora acho que nós colocamos o dedo na ferida, quer dizer, havia
metodologia. O Steiner discorria sobre o que era o método do caso,
como deve ser apresentado o caso, etc, etc e tal. O caso, estudar o Direito
a partir do caso ajuda a estabelecer um diálogo entre aluno e professor e
a compreender o fenômeno jurídico, não como uma emanação de cima
pra baixo, mas como uma coisa que surge da sociedade.
A.L. – Estou gostando do que você está dizendo. Tudo subscrevo.
G.L. – O caso serve, mas no Brasil não pode se deixar de chegar na
norma.
A.L. – Exatamente, tem que bater na norma.
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G.L. – Tem que bater na norma. O fim do trajeto. Em vez de você
começar pela norma, você pode começar pelo caso, mas você começa
pelo caso e chega na norma, mas você não sai da norma pra chegar no
caso.
A.L. – É um negócio fascinante, porque realmente você cria uma
mentalidade diferente na cabeça do aluno.
T.R. – Você ensina o aluno a pensar.
A.L. – Ensina o aluno a pensar. E a pensar juridicamente. Quer dizer,
pensar porque caminhou para aquela norma, quais são as razões que
levaram a se adotar aquilo como uma imposição de convivência social.
G.L. - Até que ponto as idéia, essas idéias, representavam uma novidade
no meio jurídico brasileiro? De que forma o contato com a cultura
jurídica americana influenciou essas idéias básicas?
A.L. – Influenciou pouco. Vamos dizer, no meu modo... a mim me
influenciou pouco porque eu tive essa idéia e era fascinado por ela,
porque eu achava que devia se ensinar nessa base.
G.L. – Quer dizer, em vez do ritual, a base eu acho que... Vê se o senhor
está de acordo comigo. O americano tinha, naquela época, o método do
caso. A diferença é que o senhor transformou o que era o método do
caso no diálogo, ou seja, o professor dialoga com o aluno. Não precisa
ser com o caso. O que havia, na minha percepção, eu não sei se o senhor
concorda comigo. Na minha percepção, a aula tradicional da Faculdade
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de Direito era uma aula magistral em que o professor falava e não
dialogava com o aluno.
A.L. – Não dialogava. E o método que nós queríamos era um método de
aula justamente com o aluno. Quer dizer, fazer nascer da idéia do aluno,
fazer a idéia pra ele sentir os limites da norma e a eficácia da norma.
T.R. – Mas o senhor quando começa com essa abordagem, com as suas
fichas azuis, com os problemas, o senhor percebe que o senhor é um
inovador, ou seja, o que o senhor fazia...
A.L. – Não disse isso. Não me julgava inovador, eu achava que eu estava
certo.
T.R. – Sim, perfeito.
A.L. – Eu fui muito besta. Se eu não estou pensando diferente, ok.
T.R. – Mas o senhor percebia que a maior parte das outras aulas, das
disciplinas e tudo, inclusive até a própria matéria de Direito Comercial
era dada como o professor Gabriel falou, do método expositivo. E aí o
senhor apresenta um método novo e logo com sucesso. Aí vai pros
Estados Unidos e percebe que lá eles também faziam isso. De uma outra
maneira.
A.L. – Aí você já está me atribuindo um mérito que eu realmente não
tenho. [risos] Quer dizer, que eu inventei e fui conferir nos Estados
Unidos... aí eu cheguei lá e ‘Ah, é esse método mesmo’. Não. Apenas eu
lia, via as coisas e sentia como advogado. Realmente, cada caso era um
caso que você tinha que estudar.
30
T.R. – O senhor leva a experiência do senhor na advocacia pra dentro da
sala de aula.
A.L. – Levo pra dentro da sala de aula. E a advocacia é um negócio
engraçado. Tive uns casos curiosíssimos de Direito Penal. Um sujeito foi
preso porque realmente ele levava um facão e com o facão na mão. Aí
cheguei lá, provei que, disse pro juiz ‘Ah, mas está com o facão’. Eu disse
‘Mas o facão é instrumento de trabalho dele porque ele faz negócio de
cortar solas’. Era mentira. ‘Precisa dessa faca pra poder trabalhar. E ele
foi absolvido. O outro foi preso porque estava com uma faca na Central
do Brasil na hora do rush. Esse eu mostrei que ele precisava daquilo,
amas não consegui, ele foi condenado a dois anos, a pesar de... essas
coisas, quer dizer, essa vivência que eu tive...
G.L. – A percepção da norma como um instrumento que varia com a
circunstância.
A.L. – E continua. Que essa é que é a finalidade do CEPED. Essa que é a
finalidade básica da coisa, pra você entender Direito, entender Direito...
G.L. – Não é saber norma.
A.L. – Não, é conhecer, é saber porquê.
G.L. – Saber porquê, como o processo do Direito se forma. E a advocacia
de empresa é a melhor maneira de você passar ao aluno essa percepção.
A.L. – Pela razão muito simples de que não vem do Direito Romano nem
vem de coisa nenhuma. Quer dizer, é criado diariamente pelo...
31
G.L. – Ele vem da vida.
A.L. – ...pelo prático. O prático inventa, vamos dar um jeito aqui e dá o
jeito. Isso que eu acho um negócio formidável, isso que me fascina no
Direito.
A.L. – Basicamente eu acho que o que influenciou, o ponto de partida foi
o artigo do San Tiago Dantas. Esse artigo você tem?
G.L. – Tenho. Está lá na revista da Fundação, na minha pasta
A.L. – Esse artigo é fundamental, realmente ele lançou o...Eu tinha mania
de San Tiago, ia para a casa dele conversar com ele, ele era uma figura,
era o maior conversador do mundo, eu me julgava inteligentíssimo, se
dava um palpite ele dizia: “como diz o Lamy...” aí dizia uma frase, eu
dizia, fui eu quem disse isso? [riso] Realmente era o maior conversador
que eu tenho lembrança na vida, não tem ninguém igual ao San Tiago.
Bom, mas vamos em frente então.
T.R. – Só para esclarecer aqui. A idéia começa com o San Tiago, com o
grupo de brasileiros que vêem nisso uma necessidade de reformar o
ensino...
A.L. – O San Tiago fez um discurso, foi um discurso de paraninfo o do
San Tiago. Ele faz o discurso sustentando a necessidade de se fazer um
ensino do Direito na base do diálogo. Evidentemente a idéia se publicou
e ninguém mais falou nisso. Então os que se motivaram por aquilo, se
reencontraram no CEPED.
32
T.R. – Ah, tá. E aí qual foi a participação americana, seja na origem dessa
idéia, seja na...
A.L. – Porque na origem da idéia tem a Ford Foundation que concorreu e
que chamou os professores para irem. Nós fomos nos Estados Unidos
correr lá, ver como é que eles faziam, compreendeu?
G.L. – É uma das coisas que parece talvez, fazia-se, o americano, como eu
vejo, assim, queria uma coisa, e o brasileiro captou o dinheiro
americano, capturou um pouco daquela idéia e fez o que mais ou menos
o que queríamos. A idéia do pensamento, o pensamento, não havia...
A.L. – Você não pode ensinar Direito como nos Estados Unidos, porque
realmente são tipos juridicamente...
T.R. – Sistemas jurídicos não é?
A.L. – A formação da cabeça do aluno é inteiramente diferente, quer
dizer, não dá.
G.L. – Não dá.
A.L. – Agora o que nós tentamos foi fazer a passagem de uma coisa para
outra.
G.L. – Exatamente. E captou o dinheiro americano e a idéia americana,
quer dizer, uma aula dialogada em Havard é uma experiência
inesquecível. Tem até um filme lá que o Joaquim quer que eu passe que
é uma coisa que você quando vê não esquece. E aí continua a idéia, quer
dizer. Mas até que ponto essas idéias eram novidade no meio jurídico
33
brasileiro? Quer dizer, o artigo do San Tiago Dantas, que é seu ponto de
partida, como é que...
A.L. – O artigo do San Tiago repercutiu, foi publicado, era um discurso de
paraninfo, que você lê e vai em frente, compreendeu? Não creio que
tenha tido grande repercussão apesar de ser muito bem feito. Teve
repercussão por exemplo em mim, eu achei um negócio formidável, teve
repercussão... e o Caio não podia se opor, aí é que a coisa pegou.
G.L. – O Caio [riso]... mas a idéia toda, eu sinto, e eu queria ouvir o
senhor sobre isso, que o grupo do CEPED, a imagem que eu faço – não
sei se o senhor conhece o Asterix?
T.R. – E Obelix.
A.L. – Conheço.
G.L. – Pois é, é que o grupo do CEPED era aquela aldeia que resistia ao
ambiente, o senhor era o druida Paranormix, eu era o Obelix, o Joaquim
era o Asterix – o Joaquim entrou primeiro que eu. Quer dizer, aquele
grupo de idéias representava, no meu modo de ver, e queria ouvir a sua
opinião, alguma coisa que não era confortável ao establishment do
ensino de Direito no Brasil.
A.L. – Não, de jeito nenhum, o sujeito não aceitava aquilo, tanto assim
que houve uma conferência aqui em que o Reale falou, o Miguel Reale e
outros, sobre a reforma de ensino jurídico e ele falou uma porção de
coisa que eu achei bobagem, compreendeu? Então não é de estranhar
não.
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G.L. – Não, não é, quer dizer, o senhor concorda, que eu queria... eu acho
isso, agora o entrevistado aqui... eu vou ter a minha entrevista mas o
entrevistado é o senhor. O senhor também percebia muito – mais velho
que eu naquela ocasião, muito mais reputado – que aquelas idéias
causavam uma resistência.
A.L. – Mais velho eu sou até hoje, não é naquela ocasião não.
G.L. – É. É aquela coisa o senhor era muito mais velho [risos] hoje o
senhor é um pouco mais velho.
T.R. – E essa resistência que existia a essa idéia de vocês, como é que ela
se manifestava, se é que ela se manifestava?
A.L. – Eu acho que ela só se manifestava, digamos assim, no fato de ser
olhada pelos professores à distância. Primeiro porque realmente para
dar este tipo de aula dá um trabalho danado você montar uma aula, ou
montar um livro sucessivo. Segundo lugar você tem que se adaptar a
coisa. Ora, quem está acostumado a chegar lá e fazer a dissertação, não
há nada melhor que você chegar para dar uma aula, falar: “meus amigos,
pá, pá, pá, pá, pá...”, o sujeito bate palma, vai embora e acabou a aula.
G.L. – Quer dizer havia resistência. Aquele episódio que eu estava
lembrando, o senhor lembra quando veio o pessoal de São Paulo da USP
aqui, o Buzaid, o Américo Lourenço Lacombe e outros para assistir aulas
aqui, a primeira aula que eles assistiram que era a minha, ficaram
indignados, eu estava lembrando desse episódio, para mim é
inesquecível. Eles vieram, isso eu não lembro, mas havia resistência.
35
A.L. – E grande.
G.L. –E grande. As idéias novas o quê que eram: aula dialogada, ausência
do dogma não é?
A.L. – E sobretudo o seguinte, o material previamente distribuído para
fazer a atenção do aluno, e motivar o aluno, quer dizer, rigorosamente
era uma maneira de você pegar o aluno e ver um problema e ser posto
diante de um problema, que é a vida do advogado. Não se faz outra coisa
a não ser enfrentar problema. Então o interesse que havia era o
interesse de você dar um material que significa realmente a motivação
do aluno.
T.R. – E nesse curso você tinha basicamente advogados? Não tinha
magistrado, promotor, ninguém, só advocacia mesmo?
A.L. –Só advogado. Incrível, e não era aconselhável não.
T.R. – Não? Por quê?
A.L. – Não, porque era preciso que a pessoa tivesse na mesma linha de
pensamento, senão não teria...
G.L. – E só os advogados estavam nessa linha de pensamento?
A.L. – Só. Claro que tem que ser um advogado, porque um juiz senta lá
naquela coisa, acha formidável, ele se admira pra burro, acaba de dar
uma sentença e vai lamber aquilo, horroroso.
G.L. –[risos] Exatamente. Está respondendo a sua pergunta não é Tânia?
Não, e aqui tem uma pergunta cruel dr. Lamy.
36
A.L. – Eu confesso.
G.L. – Confessa. Muito cuidado hein? Pode ser grave. De que forma,
idéias e prática já existentes à época em determinados nicho de atores
do Direito, verbi gratia o jurídico da Light ou o escritório do Bulhões,
influenciaram as atividades do CEPED?
A.L. – Eu acho que não nos influenciaram. Quem influenciou as
atividades do CEPED foi o artigo do San Tiago Dantas. Foi o único
motivador, o único sujeito que se aproximou do problema e que trouxe
uma afirmação... eu acho que esse artigo do San Tiago é o grande
motivador.
G.L. – Vê se o senhor está de acordo comigo. O americano tinha, naquela
época, o método do caso. A diferença é que o senhor transformou o que
era o método do caso no diálogo, ou seja, o professor dialoga com o
aluno. Não precisa ser com o caso. O que havia, na minha percepção, eu
não sei se o senhor concorda comigo. Na minha percepção, a aula
tradicional da Faculdade de Direito era uma aula magistral em que o
professor falava e não dialogava com o aluno.
A.L. – Não dialogava. E o método que nós queríamos era um método de
aula justamente com o aluno. Quer dizer, fazer nascer da idéia do aluno,
fazer a idéia pra ele sentir os limites da norma e a eficácia da norma.
T.R. – Mas o senhor quando começa com essa abordagem, com as suas
fichas azuis, com os problemas, o senhor percebe que o senhor é um
inovador, ou seja, o que o senhor fazia...
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A.L. – Não disse isso. Não me julgava inovador, eu achava que eu estava
certo.
T.R. – Sim, perfeito.
A.L. – Eu fui muito besta. Se eu não estou pensando diferente, ok.
T.R. – Mas o senhor percebia que a maior parte das outras aulas, das
disciplinas e tudo, inclusive até a própria matéria de Direito Comercial
era dada como o professor Gabriel falou, do método expositivo. E aí o
senhor apresenta um método novo e logo com sucesso. Aí vai pros
Estados Unidos e percebe que lá eles também faziam isso. De uma outra
maneira.
A.L. – Aí você já está me atribuindo um mérito que eu realmente não
tenho. [risos] Quer dizer, que eu inventei e fui conferir nos Estados
Unidos... aí eu cheguei lá e ‘Ah, é esse método mesmo’. Não. Apenas eu
lia, via as coisas e sentia como advogado. Realmente, cada caso era um
caso que você tinha que estudar.
T.R. – O senhor leva a experiência do senhor na advocacia pra dentro da
sala de aula.
A.L. – Levo pra dentro da sala de aula. E a advocacia é um negócio
engraçado.
G.L. – A percepção da norma como um instrumento que varia com a
circunstância.
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A.L. – E continua. Que essa é que é a finalidade do CEPED. Essa que é a
finalidade básica da coisa, pra você entender Direito, entender Direito...
G.L. – Não é saber norma.
A.L. – Não, é conhecer, é saber porquê.
G.L. – Saber porquê, como o processo do Direito se forma. E a advocacia
de empresa é a melhor maneira de você passar ao aluno essa percepção.
A.L. – Pela razão muito simples de que não vem do Direito Romano nem
vem de coisa nenhuma. Quer dizer, é criado diariamente pelo...
G.L. – Ele vem da vida.
A.L. – ...pelo prático. O prático inventa, vamos dar um jeito aqui e dá o
jeito. Isso que eu acho um negócio formidável, isso que me fascina no
Direito.
T.R. – E aí essas experiências que vocês tinham no jurídico da Light
como advogados elas foram trazidas para dentro da sala de aula não é?
A.L. – É, como nós tínhamos na vida profissional. Porque a gente tinha a
profissão de... a advocacia da Light era de manhã cedo, o sujeito ia
embora, o resto do dia estava...
G.L. – Não, e no meu caso a Light era a Icomi também não é?
A.L. – A Icomi, é.
G.L. – Eu conheci o senhor... me arranjou um emprego no grupo Antunes.
Ou seja, não teve influências. Esse que era um dos pontos questionáveis
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aqui. Bom, texto escrito sobre a experiência o senhor já nos deu aqui
não é?
A.L. – Já.
G.L. – Produziu texto escrito na época? Produziu também. Produziu
texto posteriormente? Agora, em caso afirmativo até que ponto esses
textos foram influenciados por essa experiência, quer dizer, na sua obra
escrita o senhor reconhece, identifica alguma coisa em que o CEPED
tenha influenciado, modificado o seu modo de pensar, ou gerado alguma
idéia...
A.L. – Eu confesso a você que às vezes o sujeito faz isso e fica meio besta.
Eu acho que eu não mudei, que o pensamento meu é aquele que estava
lá. Será mesmo? Quer dizer, ou eu... evidentemente que eu tive a
experiência de sentir o aluno, do sujeito reclamar, de não gostar, etc.,
etc., mas, a experiência da gente, quer dizer, a gente... então é ele que
não fez. E é tão fácil você convencer o sujeito, compreendeu? Evidente
que a superioridade que tem um advogado na experiência da vida que o
cara que está começando não tem, não é? É tão mais fácil.
G.L. – Não, mas essa resposta aqui é aquela de...
T.R. – Mas, a experiência toda do CEPED, como que o senhor viu isso, ou
seja, as seis, sete turmas que fizeram?
A.L. – Achei interessantíssimo, achei utilíssimo, inclusive para a vida
como professor, para a vida profissional, achei que realmente trouxe...
Eu até hoje penso: por que é que se parou o CEPED? Quer dizer, parou
40
em um determinado momento em que nós cansamos, isso é que é
verdade. O Caio, “olha Lamy esse ano agora não vamos fazer mais não”.
Então está bom.
G.L. – Segundo o Trubek parou porque quem tomou o poder na
Fundação Ford foi a turma dos Direitos Humanos.
A.L. – É possível.
G.L. – Então queriam botar dinheiro, em vez de botar dinheiro da
Reforma jurídica queriam botar dinheiro nos Direitos Humanos e
fechou a torneira do dinheiro.
A.L. – Isso eu não sabia.
G.L. – Isso o Trubek que me disse.
A.L. – Não, mas deve ser.
G.L. – É claro.
A.L. – Deve ser. É bem verdade que o Caio não sentiu isso, ou melhor,
sentiu e ficou quieto porque ele não falou comigo isso aí não. Você está
me dizendo um negócio que é a primeira vez que eu ouço.
G.L. – Estou dizendo o que eu ouvi do Trubek. [riso]
A.L. – Não, mas faz sentido total na minha cabeça. Não tenho dúvida
nenhuma sobretudo porque havia uma turma grande, mesmo lá nos
Estados Unidos, que achava que devia mudar a maneira de ensinar, que
a maneira de ensinar, a exposição, era muito mais inteligente para o
41
advogado do que o questionamento. Então nós entendíamos que você
questionando você chegava a exposição. Essa a diferença fundamental
do ensino. Agora, tinha uma turma grande que sustentava isso, devia
partir... porque era a maneira tradicional com que se ensinava Direito na
Europa.
G.L. – É, isso aqui é aquela questão do dedutivo e indutivo que foi outro
tema muito... o ensino jurídico tradicional era dedutivo, do geral para o
particular.
A.L. – Do geral para o particular.
G.L. – E a grande modificação da metodologia de ensino americana – e
isso a gente pegou muito dos Estados Unidos – era do particular para o
geral, do concreto para o abstrato.
A.L. – Era fazer o sujeito pensar, que rigorosamente o que eu estava
querendo era que o camarada pensasse no problema e dissesse: “bom,
por quê que é assim? Está certo ser assim?”
G.L. – É, e ao invés de confrontar e dar a teoria ao sistema abstrato...
A.L. – Eu estava dando esses dois exemplos aqui, quer dizer, teoria
comercial, prática diária de comércio, você comprou sola, comprou para
vender? Para vender. Então você é comerciante você vai pra falência.
Não é comerciante, que o homem, coitado, estava lá batendo sola, ele
estava era fazendo sola de sapato.
G.L. – E essa diferença metodológica é fundamental. O ensino clássico e
uma das idéias básicas também do artigo de San Tiago Dantas é isso: se
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você vai do geral para o particular, você vai da abstração para o real e a
idéia é o contrário, do particular para o geral, do real, do cotidiano
para...
A.L. – Por isso que eu estava dizendo, o artigo do San Tiago é o ponto de
partida, o ponto, realmente que engravidou a cabeça da gente, não é?
G.L. – Eu vou reler lá.
T.R. – Tem um outro ponto também que o senhor coloca aqui no seu
artigo, que eu só li o resuminho e que é uma coisa que a gente debate
muito, é que o senhor via na época a insuficiência que é o ensino
enciclopédico, ou seja, já naquela época era inviável que se ensinasse
tudo de Direito para o aluno e aí a necessidade de ele saber lidar com o
problema não é?
A.L. – Totalmente certo, totalmente procedente, é isso mesmo. Quer
dizer, esse negócio do ensino enciclopédico satisfaz o professor, porque
ele vai para lá faz um negócio bonito, o sujeito fica olhando aquilo sem
tomar muito conhecimento, sem ser motivado mas sai de lá fascinado,
professor formidável, mas o chato não te acrescentou nada na cabeça.
A.L. – Participei da PUC, quer dizer, de outros...
G.L. – De outros projetos.
A.L. – Participei do Itamarati, que eu lecionei lá no Itamarati para
diplomatas. Maneira minha de lecionar é apenas essa que nós estamos
conversando aqui.
43
T.R. – Teve o curso também no Bulhões, não teve? Que o senhor ajudou?
A.L. – O Bulhões quis manter o curso CEPED quando acabou. Eu convivi
com o Bulhões trinta anos. Nós almoçávamos quase toda terça-feira. A
gente almoçava junto, eu adorava o Bulhões. Eu o considerava
realmente com uma capacidade extraordinária. E ele era muito meu
amigo, quer dizer, nós nos dávamos muito bem. Evidentemente nos
xingávamos muito também. Fizemos um projeto de lei. Me lembro uma
ocasião, onze horas da noite toca o telefone. Eu estou deitado com
minha mulher. E eu não podia dizer palavrão ali na frente da minha
mulher. Doido pra dizer palavrão pro José Luiz. Toca o telefone, o José
Luiz: ‘Lamy, eu tive pensando naquele negócio’. ‘Ô Zé Luiz, vai pensar no
raio que o parta, compreendeu?’. [risos]. Isso era o Zé Luiz, mas que era
uma figura extraordinária. Acho o Zé Luiz uma das maiores figuras que
eu conheci na vida.
G.L. – Mas nós estamos nas experiências posteriores. O José Luiz fez uma
experiência posterior, que eu participei também daquele curso. A
experiência da PUC também.
T.R. – Teve também o curso da CVM, não é?
G.L. – O curso da CVM, queria que o senhor falasse um pouco. Eu sei que
o senhor permite conduzir a resposta e até certo ponto eu posso
conduzir. Eu sei que o senhor, doutor Lamy, participou de duas
experiências de ensino de Direito, ou três, das quais eu também
participei, renovadoras e que estão na esteira do CEPED que foi: a PUC,
o curso da CVM e o curso do Zé Luiz.
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A.L. – O Zé Luiz, não tenha dúvida.
G.L. – Descreva um pouco, na sua visão, o que foram essas três
experiências. CVM, Curso do Zé Luiz.
A.L. – Três experiências sem ter muito a noção de missão. Quer dizer,
não era para ensinar, era para quem estava interessado em conhecer
Direito. Quer dizer, a visão que se traduzia de pós-graduação, era um
aprofundamento do Direito e não um entendimento do Direito. É bem
verdade que através dessa busca pelo aprofundamento você fazia o
entendimento, mas não se vendia isso propriamente dito. Quer dizer, o
aluno que chegava lá, que participava da aula e às vezes saía discussões
terríveis lá dentro ... me lembro de umas discussões grandes lá no
escritório do Bulhões. Discutia por discutir com a norma... digamos
assim, com a armadura do passado.
G.L. – Isso no curso do Bulhões?
A.L. – No curso do Bulhões.
G.L. – Agora, a PUC. Fale um pouquinho da experiência. Eu vou lhe dizer
o que eu vejo, o senhor me corrija ou sobretudo acrescente a sua
experiência. Na PUC, num curso de graduação, depois no mestrado
pegou-se muito do que se discutia, do que se dizia do ideário, por assim
dizer, do CEPED, e foi transplantado para a graduação da PUC.
A.L. – Isso é verdade.
G.L. – O quê que o senhor lembra daquela época?
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A.L. – Eu lembro de me dar um trabalho danado [risos]. É só o que eu
lembro. Eu achava que aquele negócio era um negócio... minha vida
profissional estava cada vez crescendo mais.
G.L. – Agora aqui tem uma pergunta que é crítica.
A.L. – Você só arranja pergunta crítica Gabriel.
G.L. – Ah, todas, porque é o sumo, o resto é papo. A pergunta é: você
conhece alguma outra experiência posterior que possa ser considerado
como sendo marcadamente influenciada pelo CEPED? Qual?
A.L. - Não, não conheço.
G.L. – O curso da CVM? O curso do Bulhões?
A.L. – O curso da CVM, isso é verdade, houve sim, o curso da CVM...
G.L. – O curso do José Luis (Bulhões)?
A.L. – É uma experiência diferente. No curso do José Luis nós fizemos
uma advocacia para os advogados, mas dentro desse sistema mesmo.
Para os advogados que trabalhavam lá em volta, que eram o César de
Andrade, o Roland, era aquele grupo todo do gabinete do José Luis
(Bulhões).
G.L. – Como é que o José Luis escolheu os participantes daquele curso
dele? O senhor lembra?
A.L. – Fomos nós que escolhemos.
G.L. – Nós, o senhor e ele?
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A.L. – Eu e ele [riso].
G.L. – E o Caio Tácito?
A.L. – E o Caio Tácito exatamente [riso]
G.L. – Mas o curso do José Luis, por exemplo foi influenciado pela... até
certo ponto foi.
A.L. – Não, foi mais do que influenciado, foi uma repetição, quer dizer,
foi realmente... tomou-se como modelo o CEPED para dar uma aula para
os advogados. E então foi dada a aula para os advogados que
participaram, aliás, que gostaram muito, que gostaram do curso.
G.L. – Da experiência.
T.R. – E isso foi feito em que ano? Esse curso do José Luis?
A.L. – Foi logo depois que se parou.
T.R. – Então foi em 74.
A.L. – 73, 74, é.
G.L. – Não, esse foi o curso que o José Luis deu que eu fui aluno. Eu, o
Jorge Hilário, Marilda Rosado...
A.L. – Não foi em 74?
G.L. – Foi mais tarde. Eu me lembro que o primeiro curso que eu fui
assistente do José Luis foi o ano em que eu comecei a trabalhar no
Veirano. Foi 80.
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A.L. – É, possivelmente não foi imediato então. Mas foi na base do
modelo do...
T.R. – Do CEPED.
G.L. – Mas, quer dizer, a experiência da PUC, o senhor tem alguma... além
de ter lhe dado trabalho o senhor tem alguma?
A.L. – A experiência da PUC ficou muito pouco na minha cabeça.
G.L. – Pouco.
A.L. – A experiência do CEPED ficou bem na minha cabeça porque eu vivi
oito anos lá. A experiência da PUC foi bem menos tempo.
G.L. – E o curso da CVM?
T.R. – Que foi logo no começo, que a CVM, ela abre um edital pra
contratar e aí as pessoas aprovadas no concurso tinham que passar por
esse curso para começarem a trabalhar lá na CVM, na parte jurídica e
tudo.
A.L. – Eu não tenho propriamente experiências da CVM.
G.L. –Então deixa.
T.R. – O senhor lembra de ter ido pra algum outro Estado brasileiro para
falar sobre o CEPED? Para falar sobre esse método?
A.L. – Não, nem aceitaria. Quer dizer, como eu estava no meio da briga.
Trabalhar de manhã num mês. Evidentemente eu não ia arranjar coisa a
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mais. Eu procurava fazer as coisas que eu podia dentro daquilo. Mas
limitado.
G.L. – Agora outra coisa assim de hoje, se o senhor vê alguma coisa hoje
da coisa. Porque o que eu me lembro é isso, é o curso do José Luis, o
curso da CVM, o curso que o Jorge Hilário organizou na PUC para os
advogados do Ministério de Minas e Energia.
T.R. – O mestrado lá da PUC.
G.L. – O mestrado lá da PUC, isso aí foi logo depois. O Joaquim na PUC, o
mestrado na PUC, o curso do Ministério de Minas e Energia que o Jorge
Hilário...
A.L. – O Joaquim lá na Fundação Getúlio Vargas como é que ele vai
naquele troço lá?
T.R. – É, também é a... a base é o CEPED.
G.L. – Bom, eu acho que o que está me faltando dr. Lamy, talvez o senhor
me ajude...
T.R. – A base metodológica é o CEPED.
A.L. – Ah é?
G.L. – É, nós fomos até homenageados ganhamos aquele almoço,
ganhamos aquela placa e tal. O que está me faltando, o que eu vejo na
minha cabeça que eu fui advogado, ganhar dinheiro e eu me afastei
desse meio é o que que aconteceu depois. Aquela influência produziu o
que? Uma geração de advogados bem formados que saiu para ganhar
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dinheiro? Ou manteve? Eu vejo influência sobre o ensino jurídico hoje
na Fundação Getúlio Vargas. Vejo no curso do José Luis, vejo no curso da
CVM...
A.L. – O que você está dizendo realmente você tem razão. Quer dizer,
hoje tem uma influência da Fundação Getúlio Vargas e realmente, quer
dizer, passou-se a ter um modelo que o sujeito pode copiar.
G.L. – Agora nesse período, entre o curso da CVM, que foi a última coisa
que eu citei, e a Fundação Getúlio Vargas, o senhor não identifica em
alguma outra coisa a não ser na geração de ouro que a gente formou lá,
alguma outra coisa que você possa botar o dedo e dizer, está aqui. A
Fundação Getúlio Vargas hoje é claro. Você pega o curso, pega o aluno
da Fundação Getúlio Vargas você (Camilla) está ouvindo o dr. Lamy está
dizendo você está sentindo exatamente isso no curso que você está
fazendo, sobretudo se você comparar com pessoas da sua geração de
outras faculdades.
C.D. – Claro, sobretudo com relação ao material, como a gente discute
antes o caso.
A.L. – Ah, é?
C.D. – É, é bem... é que eu estou sem o material didático aqui na bolsa.
A.L. – É o Joaquim que comanda isso não é? Joaquim Falcão?
C.D. – Isso. E aí a gente discute muito, a gente não chega com nada
pronto. Foi o que o senhor disse a gente chega e aprende a raciocinar
sobre o caso.
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A.L. –É fundamental para mim, para a vida do advogado, para a
profissão, o exercício da profissão e o entendimento do Direito
exatamente o sujeito aprender a raciocinar. Rigorosamente com um
conjunto de regras imposta pelo bom senso.
C.D. – E assim que a gente tem trabalhado.
A.L. – Todos inteligentes.
G.L. – Agora o que está me faltando, que eu preciso desesperadamente
ver, é exatamente isso. Eu reconheço, quando a Camilla fala eu
reconheço que hoje, em 2009 na Fundação Getúlio Vargas, eu posso
traçar isso até 66 e verificar que as idéias, o básico metodológico, a
filosofia da instituição como método de ensino é aquela mesma de 66.
Consigo ver isso no curso do José Luis e no curso de Minas e Energia, na
PUC, no mestrado. Agora, nesse período de 80 a 2000 eu não vejo nada,
quer dizer, onde é que ficou? Não houve nenhuma coisa nesse período
que tivesse sido influenciada que o senhor saiba? Deve ter havido.
A.L. – Que eu saiba não. Pode ser que tenha havido, mas que eu saiba
não.
G.L. – Agora vem a outra pergunta, que nós temos que terminar. É ‘a
influência...’. Porque o tema crítico do CEPED que aparece no
memorando é que tem uma corrente que diz que o CEPED foi um
verdadeiro fracasso, que não foi muito bem sucedido porque produziu
uma elite muito bem qualificada que ia ajudar até o Governo Ditatorial.
E que não influenciou, fracassou na sua proposta básica e ideal de
reformar o Ensino do Direito no Brasil. Isso é uma afirmativa. Agora, a
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idéia é traçar, discutir essa proposição: o CEPED fracassou em reformar
o Ensino de Direito no Brasil? Contribuiu pra reformar o Ensino de
Direito no Brasil? Ajudou? Que influência teve o CEPED sobre o modo
geral de ensinar Direito no Brasil? Houve algum caso posterior? Houve
processo de educação de Direito? Que influência teve o CEPED na
educação jurídica no Brasil?
A.L. – Confesso a você que eu teria que pensar nisto porque não sei te
dar uma resposta de que influência teve. Na época nós tivemos a
influência, como estava dizendo aqui, das pessoas botarem anúncio no
jornal: ‘Precisa-se de um advogado. Dá-se preferência a quem tenha
feito curso no CEPED’.
G.L. – Agora, essa experiência vai de acordo com o cara que diz: ‘Não,
isso aqui não é reforma do Ensino, isso aqui é produção de uma elite’.
A.L. – Produção do advogado e do entendimento de Direito. Essa
propaganda é engraçada, tem algumas que eu cortei até. Eu tinha em
casa, eu acho que eu tenho em casa, não sei se tenho, mas eu tinha esses
anúncios que davam preferência a quem fez o curso do CEPED. Aquilo
parecia grego para 80% do pessoal que viu aquele anúncio. O quê que é
CEPED? Não sei.
G.L. – E o senhor lembra, doutor Lamy, porque o CEPED deixou de
existir?
A.L. – No meu modo de entender, pelo que eu perguntei ao Caio, é que
ele tinha uma subvenção que deixou de ter, que era dada pela Ford
Foundation.
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G.L. – É. Agora, por que quê a Fundação Ford deixou de dar essa
subvenção o Caio não...
A.L. – No fim de sete anos não sei. Porque realmente o Steiner inclusive
era um entusiasta do curso. Ficou entusiasta aqui no Brasil, aprendeu a
falar português, era um cara inteligente.
G.L. – Eu acho que aqui a gente já cobriu tudo não é Tânia?
T.R. – Já. Professor, muito obrigada então pela entrevista.
[FINAL DO DEPOIMENTO]