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Volumes 20/21 - Números 42/43 julho a dezembro/2015 a janeiro a junho/2016 Publicação Científica e Semestral Revista da Esmape – Recife – v. 20/21 – n. 42/43 – p. 001-204 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016 Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Pernambuco EJUD-TJPE ISSN 1415-112X

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Volumes 20/21 - Números 42/43julho a dezembro/2015 a janeiro a junho/2016

Publicação Científi ca e Semestral

Revista da Esmape – Recife – v. 20/21 – n. 42/43 – p. 001-204 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016

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Revista da ESMAPE / Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Pernambuco – EJUD-TJPE – Ano 1, n.1 (1996 – ). – Recife : Esmape, 1996 – v. Semestral ISSN 1415-112X

1. Direito-Periódico. I. Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Per-nambuco – EJUD-TJPE. II ESMAPE

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Sum

ário

contents

A questão da estabilização dos precedentes judiciais e a tutela da evidência no CPC-2015Alexandre Freire pimentel / paulo Roberto de carvalho Lyra .......13

O princípio da primazia do julgamento de mérito e as invalidades processuaisFelipe Regueira Alecrim ............................................................................. 31

Inventário e Partilha no Código de Processo Civil de 2015Fernando Antônio Sabino cordeiro ....................................................... 47

O sistema de precedentes vinculantes e o incremento da efi ciência na prestação jurisdicional: aplicar a ratio decidendi sem rediscuti-laFrederico Augusto Leopoldino Koehler ................................................ 59

A nova interpretação constitucional e o poder de revigorar a Constituição. Uma nova exegese construindo novos paradigmas Hugo Vinicius castro Jiménez .................................................................. 75

Questões importantes sobre a estabilização da tutela provisória antecedente no Novo CPCIrving William chaves Holanda ................................................................ 87

Alterações no microssistema processual dos Juizados Especiais Cíveis introduzidas expressamente pela Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015 (Novo Código de Processo Civil)José Raimundo dos Santos costa .........................................................107

Meios alternativos de solução dos confl itos no novo CPCJuvêncio Vasconcelos Viana ...........................................................117

O Modelo Processual Cooperativo: Uma análise sobre a norma simbólicaOtávio Luis Leal de Vasconcelos ..................................................................... 137

A distribuição dinâmica do ônus da prova: a tendência reformista latino-americana e o novo Código de Processo CivilRafael calheiros Bertão ..................................................................................... 155

Julgamento estendido das decisões majoritárias nos TribunaisRicardo de Oliveira paes Barreto.................................................................... 175

Procedimentos especiais no novo CPCRoberto Machado ............................................................................................... 183

Art

igos

Articles

Revista da EsmapE – Recife – v. 20/21 – n. 42/43 – p. 13-30 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016

A questão da estabilização dos precedentes judiciais e a tutela da evidência (liminar) no cpc-2015

Alexandre Freire pimentelProfessor do PPGD da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Professor da Faculdade de Direito

do Recife (FDR-UFPE). Pós-doutorado (Universidade de Salamanca – Espanha, com bolsa da CAPES).

Doutor e Mestre (FDR-UFPE). Advogado (1989-1991). Promotor de Justiça (1991-1992). Juiz de Direito

Titular da 29ª Vara Cível do Recife – TJPE. Diretor da Escola Judicial Eleitoral do TRE-PE. Desembargador

Eleitoral do TRE-PE. Membro da Associação Norte e Nordeste dos Professores de Processo (ANNEP).

Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro).

paulo Roberto de carvalho LyraAcadêmico em direito pela UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco).

Através do método bibliográfico, o presente artigo objetiva analisar a questão da estabiliza-ção dos precedentes e a tutela da evidência no CPC-2015. Será averiguado como o novo código positiva a essencialidade dos precedentes para concessão da tutela de evidência, liminarmente,

e como prolação de decisões diferentes em situa-ções fático jurídicas semelhantes revelariam uma ordem jurídica incoerente, injusta e irracional.

palavras-chaves: Precedentes. Novo Código de Processo Civil. Tutela da Evidência.

Resumo

Through literature method, this article aims to an-alyze the stabilization of the judicial precedents question and the guardianship to evidence on the CPC-2015. It will be analyzed as the new code registers precedents’ importance in the process of granting a preliminary decision, and shows

how different decisions on factually and legally similar situations would make the legal system inconsistent, unfair and unreasonable.

Keywords: Precedent. New Civil Procedure Code. Guardianship to Evidence.

Abstract

14 Alexandre Freire Pimentel / Paulo Roberto de Carvalho Lyra

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Introdução

O Código de Processo Civil de 2015, objetivando contribuir com a essencial ce-leridade processual, sem olvidar a necessária segurança jurídica, subdividiu a tu-tela jurisdicional provisória em tutelas de urgência (cautelar e antecipada) e tutela da evidência. Paripassu, outorgou posição de destaque aos precedentes judiciais, comprovando a forte influência exercida pelo direito anglo-saxão, da tradição da common law, sobre o novo ordenamento processual, o que fica claro com a deter-minação aos tribunais no sentido de que “... devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (art. 926), bem como pela regulamentação explícita das técnicas do overruling e do distinguishing (art. 489).

Acerca do uso dos precedentes, no entanto, a doutrina não tem sido uníssona, havendo quem defenda seus benefícios – como a segurança jurídica, a previsibili-dade e a uniformização das decisões –, e quem aponte os riscos de sua aplicabili-dade – análise superficial do caso concreto, equiparação de demandas diferentes.

Assim, através de uma pesquisa bibliográfica, o presente trabalho perfaz uma breve incursão na história dos precedentes, bem como sobre sua evolução ao longo do tempo para, em seguida, verificar como foi instituído o sistema do stare decisis e, ademais, especificar como os precedentes são utilizados, quais são as técnicas processuais capazes de mantê-los atualizados e como superá-los. Nesse contexto, este artigo associa a análise dos precedentes judiciais como fonte do di-reito à hipótese versada no art. 311, inciso II, do CPC-2015, o qual previu o uso dos precedentes obrigatórios como fonte jurídica apta a garantir a concessão liminar da tutela da evidência pretendida.

1 Os precedentes no direito do Estado moderno

Nos primórdios do século XVIII, iniciou-se entre os juristas, sobretudo na França, um movimento de reforma judiciária com o escopo de pôr termo ao denominado “despotismo dos tribunais”. Caberia, então, exclusivamente aos legisladores a tarefa de interpretar as leis eivadas de obscuridade, para combater o arbítrio dos juízes, que caracterizou o período do Iluminismo, vez que dada a pluralidade de jurisdições re-gionais, fomentavam-se diversas interpretações divergentes. Com o decorrer do tem-po, foram instituídos tribunais investidos da função de unificar o direito. Esses novos tribunais, os quais eram dotados de competência recursal, posteriormente passaram

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a submeter-se aos seus próprios precedentes, em prol da uniformização tanto na in-terpretação quanto na aplicação do direito. Dessa forma, as sentenças porventura contrárias à orientação adotada nos tribunais superiores, em sua maioria, seriam re-formadas, buscando assim estabelecer a segurança jurídica traçada de acordo com o stylus iudicandi – 2 julgamentos no mesmo sentido (TUCCI, 2004, pp.45-46).

No século XIX, a doutrina procedeu à distinção entre fonte material e fonte for-mal do direito, ao argumentar que os costumes e a atividade científica dos juris-tas, inclusive dos juízes, também constitui fonte do direito. A produção do direito seria confiada à elaboração dos juristas, os quais, a seu turno, representam o povo na função de criar o direito. No tocante aos precedentes judiciais, Savigny argu-mentava que a jurisprudência dos tribunais deveria ocupar o primeiro lugar no processo de integração do ordenamento jurídico. Somente após os precedentes é que deveriam ser aplicadas as leis imperiais, o direito canônico e o direito romano (SAVIGNY, apud TUCCI, 2004, p. 46).

No entanto, como bem observou Mauro Cappelletti (1999, p. 113), a criação do direito pelos juízes, através dos precedentes judiciais, requer ponderações acerca do cuidado para se evitar uma superposição do Poder Judiciário em detrimento dos demais poderes do Estado, sobretudo do Legislativo.

Desta feita, eis que no século XX, em regimes autoritários como no nazismo e no fascismo, os juízes eram vexados pela onipotência do legislador, cabendo a este último toda a prerrogativa interpretativa, enquanto os magistrados se limitavam a aplicar as leis como o parlamento ditava. Esse sistema se contrapõe ao regime do Estado de Direito, no qual a Constituição estabelece a independência dos poderes, onde o Judiciário é autônomo e está no mesmo plano do Legislativo (CAPPELLETTI, 1999, p. 114). Nesse período, os juízes deveriam abster-se de julgar em sentido con-trário ao que foi sentenciado por seus pares, vez que se abstrair de um modo comum de pensar constituiria um ato de força (TUCCI, 2004, pp. 45-46). Destarte, aí residia a importância do respeito aos precedentes nos regimes autoritários: estes retiravam o estímulo à reflexão, induzindo à aplicação mecânica dos julgados anteriores.

A seguir, será abordado o sistema de precedentes na tradição da common law, na qual se desenvolveu a técnica do stare decisis, ou seja, o sistema pelo qual os juízes devem respeitar as decisões já estabelecidas. Destacar-se-ão a importância dos precedentes, os benefícios por eles trazidos e as técnicas utilizadas – como o overruling e o distinguishing.

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2 Os precedentes na common law e a preocupação do cpc-2015 com a revogação ou alteração da ratio decidendi

Uma preocupação nuclear do sistema da common law consiste, precisamente, em evitar julgamentos contraditórios. Os primeiros juízes da common law usavam regras originárias do direito germânico, as quais serviram como base para o sistema jurídico anglo-americano. As decisões judiciais contendo o comando a ser seguido em determinados casos iam sendo catalogadas nos statute books, os quais, por sua vez, acabavam por ficar revestidos dos costumes da Corte. Dessa forma, evidente que, com o passar dos séculos, buscou-se dar maior precisão ao estudo e ao manu-seio das decisões anteriores, as quais passaram a ser encaradas como precedentes. A propósito, Edward Coke, que é considerado o fundador da teoria moderna do precedente judicial, buscava preservar os princípios jurídicos edificados pelos juí-zes, no passado, e seus respectivos julgamentos. Coke inclusive chegou a classificar os precedentes, além de ter tentado conciliar e distinguir decisões divergentes, e atribuía maior relevância aos julgados mais recentes (TUCCI, 2004, pp. 170-171).

Pois bem, foi dessa preocupação em evitar decisões conflitantes que surgiu a teoria do stare decisis, estabelecendo-se a força obrigatória dos precedentes firma-dos pelas Cortes Superiores para todas as demais Cortes e juízes inferiores. Assim, tem-se que o efeito vinculante das decisões já proferidas estava condicionado à po-sição hierárquica do tribunal que as proferia. Interessa frisar que, no sistema inglês, o efeito vinculativo do precedente tanto possui eficácia interna, vinculando a pró-pria corte, quanto eficácia externa, vinculando os órgãos jurisdicionais inferiores. Os precedentes lastreiam-se sempre numa razão de decidir (Ratio decidendi), a qual representa a essência da tese jurídica, sendo suficiente para decidir o caso concreto; é ela que vincula os julgamentos futuros. É composta por 3 elementos: indicação dos fatos relevantes, raciocínio lógico-jurídico da decisão e juízo decisório. Os juí-zes, posteriormente, examinam a ratio decidendi como precedente e dela extraem a norma legal a ser aplicada no caso concreto (TUCCI, 2004, p. 171).

Em decorrência desse relevante aspecto dos precedentes na tradição da com-mon law é que as razões das decisões devem sempre prever a repercussão futura, haja vista a observância compulsória aos precedentes. Sobre o tema da ratio deci-dendi, andou bem o CPC-2015 quando dispôs no art. 927 que a sua alteração ou rediscussão deve (embora o código use a expressão “poderá”) ser precedida de audiências públicas marcadas pela publicidade e das quais participem pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir a respeito.

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3 A estabilização da jurisprudência (no direito comparado e no cpc-2015)

Já se antecipou que o art. 926 do CPC-2015 prescreve que “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Pois bem, vários são os argumentos no sentido da incorporação da regra dos preceden-tes aos ordenamentos jurídicos, cada um com uma justificativa específica, mas, em certo ponto todos eles convergem: a busca pela estabilidade. “Argumentos baseados nos valores da confiança, da previsibilidade e na eficiência da decisão partilham de um foco na estabilização das decisões, pelo bem da estabilidade jurídica” (SCHAUER, 1987, p. 601). Ademais, é inegável que a estabilização das de-cisões acarreta uma maior segurança jurídica e, em decorrência da previsibilidade das decisões, traz certo ‘conforto isonômico’ para as partes litigantes, em razão da expectativa de resultado certo, previsível. A consolidação dos precedentes, por garantirem a certeza e a previsibilidade do direito, evitam, ainda, posteriores osci-lações e discussões no tocante à interpretação da lei (TUCCI, 2004, p. 294).

Para Fiss (2004, p. 298), a ‘virtude institucional’ da adoção dos precedentes é a definitividade derivada da interpretação do direito por meio de procedimen-tos que são exclusivos do Judiciário, enquanto não alterada a tese adotada. Po-rém, alguns julgadores questionam se a estabilização seria realmente um ponto positivo, vez que defendem a riqueza e a singularidade da experiência imediata de cada caso concreto. Os defensores dessa tese buscam a liberdade de explorar todos os fatos e argumentos que possam relacionar-se com a tomada da melhor decisão para cada caso específico, pois seria a especificidade de cada caso o mais vital. Nesse contexto extremista, os ordenamentos jurídicos poderiam – ou até, para alguns, deveriam – negar a relevância dos precedentes. Os benefícios da es-tabilização cederiam diante do desejo desses julgadores de “fazer o certo” para cada caso, e então as decisões pretéritas teriam mínima, ou nenhuma força como precedentes judiciais (SCHAUER, 1987, p. 601).

Por outro lado, há aqueles que, focando no passado e no futuro, enfatizam a recorrência dos casos face à singularidade. Nesse contexto, as decisões são com-paradas, levando em conta um limitado número de fatores, os quais tendem a se repetir com o passar do tempo. Contudo, se esta tese fosse posta em prática, terminaria por equiparar decisões similares a decisões dotadas de particularida-des, como se iguais fossem, uniformizando-as, apesar das diferenças. Na ausência de uma conclusão se a estabilização seria ou não benéfica, não se pode dizer se o uso dos precedentes é mais vantajoso ou mais prejudicial aos ordenamentos

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jurídicos. Teoricamente, pode parecer que a estabilização não causará nenhuma perda ou impedimento, quando na realidade, para atingi-la, é preciso abdicar da flexibilidade de poder explorar plena e profundamente os eventos ocorridos em cada caso concreto. Se esse é um preço a ser pago, vai depender dos objetivos que se almeja alcançar (SCHAUER, 1987, p. 602).

Como o grau de obediência aos precedentes não é fixo, mas sim, sujeito a mu-danças, e esse processo não se baseia em estritas regras pré-formuladas, mas de-pende do convencimento dos julgadores em decidir se há, ou não, similaridade em cada caso, não há que se falar na ausência de análise das minúcias. Na tradição da common law, faz-se uso da técnica do distinguishing, quando em virtude da diversidade fática entre dois casos, torna-se inadequado o uso do precedente ao caso em julgamento. A propósito, o CPC-2015 explicitamente a adotou no art. 489, cujo § 1º esclarece, a contrario sensu, que para não seguir o precedente invo-cado pela parte, o juiz deve demonstrar a existência de ‘distinção’ no caso em jul-gamento ou a superação do entendimento. Por óbvio, não é qualquer precedente que irradia efeito vinculativo, mas os previstos e citados pelo art. 927 do CPC.

Outra técnica utilizada na common law é a transformation, quando se objetiva a compatibilização da solução do caso em julgamento ao precedente adequado, transformando-o, sem fazer uso do distinguishing e sem revogá-lo (overruling).

Dessa forma, percebe-se claramente que não procede a crítica contra a estabi-lização da jurisprudência em razão da adoção de precedentes vinculativos, como se isso importasse numa impossibilidade de evolução do direito. Como esclarece René David (1997, p. 13-5), se essa crítica procedesse o direito inglês não evolui-ria. Os precedentes, sob outro aspecto, não impedem o estudo dos detalhes dos casos, – até porque, conforme afirmado acima, é possível que o caso a ser julgado mostre-se distinto do precedente que o orienta, hipótese em que seria cabível o uso do distinguishing ou da transformation –, mas facilitaram no tocante às si-milaridades, como ocorre no “Incidente de resolução das demandas repetitivas”, contribuindo para a celeridade, economia e segurança jurídicas, sem falar na pre-visibilidade das decisões.

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4 A revogação dos precedentes (overruling)

Face aos argumentos de que os precedentes acabariam por ficar desatualiza-dos, sem acompanhar a evolução política e social que, inerentemente, acompa-nham o Direito, surgiu o fenômeno do overruling. Quando estiver ultrapassado, o precedente pode deixar de ter eficácia, passando a ser substituído por uma decisão que adote diferente orientação. Importa esclarecer que a revogação do precedente compete à Corte que o instituiu, não cabendo ao juiz e aos tribunais subpostos ao que instituiu o precedente deixar de aplicá-lo sob o argumento de sua superação.

Da mesma forma que as cortes criam seus próprios ensinamentos, também po-dem rejeitá-los quando se tornarem inadequados. Não obstante esse fenômeno ocorra raramente no caso concreto, ele é de significativa importância num sistema de precedentes, vez que demonstra uma nova percepção acerca do direito, con-substanciando-se como uma ferramenta de mutação no ordenamento jurídico.

Como asseveram James F. Spriggs II e Thomas G. Hansford, a doutrina do stare decisis, segundo a qual as cortes seguem os precedentes judiciais articulados em casos anteriormente julgados, não obsta a Suprema Corte Americana de revogar esse precedente. É notório que o uso dos precedentes proporcionaria clareza, es-tabilidade e previsibilidade jurídicas, bem como serviria à eficiência, à legalidade, à justiça e à imparcialidade, mas o que justificaria então a revogação de um pre-cedente? (SPRIGGS; HANSFORD, 2001, pp. 1097).

O overruling de um precedente, apesar de não ocorrer com frequência, é um evento de relevância política, legal e social, visto que representa uma alteração no entendimento legal. Como os precedentes reduzem a incerteza jurídica, per-mitindo aos litigantes formular suas pretensões de acordo com regras até então estáveis, o overruling pode influenciar o julgamento das demandas, vez que os litigantes terão que formular suas pretensões de acordo com o novo precedente. O que motivaria essa revogação são as inclinações ideológicas dos juízes ou a mu-dança social ou crises econômicas. Além disso, é levado em conta o tratamento legal dado pela própria corte, a idade do precedente e a quantidade de juristas fa-voráveis e contrários ao precedente (SPRIGGS; HANSFORD, 2001, p. 1099). Assim, constatou-se que a decisão de revogar um precedente é parcialmente baseada em argumentos ideológicos, mas sem olvidar da influência causada pelas normas legais e das características do precedente em si.

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Spriggs e Hansford (2001, p. 1100) afirmam que o primeiro e mais óbvio fator que afeta a decisão da corte de superar um precedente é a compatibilidade ideológica entre eles. Os autores afirmam que, após décadas de pesquisa jurídica, constatou-se a conexão entre a orientação ideológica dos juízes e seus respectivos votos, e que a decisão da corte de superar um precedente depende das atitudes de seus julgado-res. Mas eles concluíram que o overruling ocorre mesmo em grande escala quando há mudanças nas orientações ideológicas da Suprema Corte, com o decorrer dos anos. Nesse sentido, expõe Benjamin Cardozo (1978, p. 141-142) que, embora ele defenda que a regra de adesão aos precedentes não deva ser abandonada, uma vez constadas alterações fáticas (históricas e sociais) deveria ser relaxada:

Penso que quando uma regra de direito, depois de devidamente provada pela experiência, é considerada inconciliável com o senso de justiça ou com o bem-estar social, deveria haver menos hesitação no franco reconhecimen-to deste fato e no completo abandono da referida regra [...] Deveria haver maior presteza em abandonar uma posição insustentável, quando não se possa razoavelmente supor tenha a regra de que se quer descartar deter-minado o procedimento dos litigantes, e particularmente quando ela foi produto, em suas origens, de instituições ou condições que adquiram nova significação com o decorrer dos anos.

No entanto, as Cortes não podem revogar os precedentes anteriores com os quais uma nova composição de magistrados integrantes do órgão colegiado dis-corda da orientação antes adotada, de forma generalizada, sob pena de compro-meter sua autoridade, sua legitimidade e reduzir a força de suas opiniões. O ex-cesso de overruling vai de encontro à própria concepção do stare decisis, afetando a estabilidade, eficácia e, sobretudo, a credibilidade dos precedentes (SPRIGGS; HANSFORD, 2001, p. 1110). Nesse sentido, como nem todos podem ser revogados, para não cometer o excesso de overruling, quanto maior a disparidade ideológica entre determinado precedente e sua Corte, maior a chance de ele ser revogado.

Constatou-se, ainda, que quanto mais a Corte trata os precedentes negativa-mente, fazendo uso do distinguishing e da transformation, maior a tendência de ele sofrer o overruling. Além disso, como o sistema norte-americano também é o dos freios e contrapesos, a corte pode levar em consideração a opinião do Presi-dente e do Congresso, no tocante à revogação. Outro fator capaz de influenciar é se a decisão judicial, que posteriormente tornou-se um precedente, não foi unâ-nime, o que a tornaria mais fraca, haja vista a existência de opiniões divergentes (SPRIGGS; HANSFORD, 2001, p. 1110).

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Assim, tem-se que inúmeros são os fatores capazes de ensejar o overruling, seja para atender às mudanças no contexto sociopolítico, seja porque não é mais o entendimento majoritário da corte, ou porque o precedente já sofreu várias trans-formações. Mas, ainda que vários sejam os fatores presentes num mesmo caso, a tendência de ocorrer a revogação de um precedente é muito pequena. Dessa forma, sem o excesso de revogações, a segurança jurídica é preservada e os pre-cedentes judiciais não correm o risco de ficarem estagnados no tempo, tornando-se obsoletos, afinal, apesar de raro, o fenômeno do overruling existe e se mostra imprescindível à renovação do ordenamento jurídico, mas há de ser a exceção e nunca a regra.

O item a seguir abarcará a tutela de evidência regulada pelo CPC-2015, em es-pecial sua comparação com a tutela de urgência, os benefícios e as desvantagens da sua concessão através do uso dos precedentes judiciais, bem como as inova-ções trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015.

5 A tutela da evidência no cpc-2015

5.1 O conceito de tutela e de provimento jurisdicional

A tutela jurisdicional é o primeiro ponto a partir do qual se pode discorrer acerca das técnicas à disposição do operador do direito a fim de solucionar as lides a ele apresentadas. A doutrina é dissonante quanto à elaboração de um conceito, po-rém segundo Cândido Rangel Dinamarco (2002, p. 797) “Tutela jurisdicional não é o mero exercício da jurisdição, ou somente a outorga do provimento jurisdicional em cumprimento ao dever estatal que figura como contraposto do poder de ação”.

Para Frederico Marques (1983, p. 152), a tutela jurisdicional representa a espé-cie de provimento judicial aplicado em cada caso concreto, visando solucionar o conflito de interesses que ensejou a demanda: “... é a tutela que o Estado exerce, processualmente, sobre relações intersubjetivas litigiosas, a fim de dar a cada um o que é seu mediante a aplicação do direito objetivo. Com isso, fica conceituada a tu-tela jurisdicional”. Não designa apenas o resultado final do processo, outrossim, traduz os meios de se alcançar tal resultado. Para Yarshell (1999, p. 189):

As formas de invocação da tutela jurisdicional – mediante o exercício da ação e consequente propositura de uma demanda – devem ser conside-

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radas atípicas, no sentido de que as garantias constitucionais da inafas-tabilidade do controle jurisdicional e da própria ação funcionam como uma cobertura geral e ampla para todas as afirmadas posições jurídicas de vantagem decorrentes do plano material (diante de lesão ou ameaça de lesão de direito).

Mas pode-se também falar em espécies de ações ou de sentenças para de-signar a essência e a espécie do provimento jurisdicional. Contudo, as sentenças e também as ações são apenas técnicas através das quais a tutela jurisdicional é prestada. Neste sentido, esclarece Marinoni (2000, p. 63):

Deixe-se claro que quando se pensa nos meios que permitem a obtenção de um resultado no plano do direito material, não é incorreto falar em ‘tutela jurisdicional’. Quando se percebe, contudo, a necessidade de distinguir os meios (que permitem a prestação da tutela) do fim a ser obtido (o resultado no plano do direito material), apresenta-se como adequada a distinção en-tre tutela jurisdicional stricto sensu e técnicas de tutela jurisdicional”.

É, portanto, possível distinguir pelo menos duas acepções sobre a tutela ju-risdicional: ora pode traduzir-se nos meios de obtenção de resultados, ora pode demonstrar-se como o próprio fim a ser obtido no âmbito do direito material. Esclarecido isso, passa-se a empregar a expressão tutela para designar a técnica de exercício do provimento jurisdicional que se alcança pelas diferentes moda-lidades de processos, sendo estes meios instrumentos pelos quais a jurisdição presta a tutela.

5.2 Das tutelas de urgência e da evidência

A mera previsão legislativa de uma alternativa à solução de dado conflito não pode ser considerada suficiente para solucioná-lo, vez que a efetividade do resultado só existe quando o provimento jurisdicional conciliar a tempestivi-dade e a segurança jurídica. Desta feita, como ressalta Humberto Theodoro Jú-nior, é salutar que a tutela jurisdicional conferida ao cidadão, pelo Estado, tenha a capacidade de cumprir efetivamente o desígnio para o qual foi estruturada (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 137). A tutela de evidência funda-se em cognição sumária, e sua concessão não se submete ao instituto da coisa julgada. Como expõe Luiz Fux (2000, p. 02):

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A expressão vincula-se àquelas pretensões deduzidas em juízo nas quais o direito da parte revela-se evidente, tal como o direito líquido e certo que autoriza a concessão do mandamus ou o direito documentado do exequente. São situações em que se opera mais do que o fumus boni juris, mas a probabilidade de certeza do direito alegado, aliada à injustificada demora que o processo ordinário até a satisfação do interesse do deman-dante, com grave desprestígio para o Poder Judiciário, posto que injusta a espera determinada.

Se o direito da parte resta manifesto e evidente, não haveria motivo para pos-tergar o seu provimento. Desta feita, a resposta do Poder Judiciário deve ser rá-pida não só nos casos em que esteja presente o periculum in mora, mas também naqueles em que as alegações da parte revelam a fumaça do bom direito, como ocorre quando o fato se fundamenta em precedente dos tribunais superiores.

Da análise dos casos práticos, é possível extrair a distinção entre a tutela satis-fativa e a cautelar: a cautelar visa garantir a justiça e a eficiência prática da futura e provável sentença, enquanto a satisfativa antecipa o bem da vida postulado pelo demandante, integrando-o no patrimônio jurídico do autor. É necessário, ainda, destacar a diferença entre a liminar cautelar e a liminar satisfativa: a primeira bus-ca proteger a eficiência e a utilidade da sentença a ser proferida na fase cognitiva (no CPC-2015, não mais por meio de um processo autônomo e sim, na mesma relação jurídica processual), enquanto a segunda realiza desde logo, provisoria-mente, a pretensão contida no processo principal (CARNEIRO, 2005, p. 87).

5.3 A tutela da evidência no cpc/2015 e a recente jurisprudência sobre o tema

O art. 273 do CPC/1973, tratando da tutela antecipada (satisfativa), impunha duas condições à sua concessão: prova inequívoca dos fatos alegados e verossi-milhança da alegação. Esses critérios, a contrario sensu dos adotados para as me-didas cautelares, exigem que haja uma quase certeza de que o querelante tem razão quanto à pretensão principal e, isso posto, é merecedor de sua antecipação.

Da análise do art. 311 do CPC/2015, é possível constatar um avanço no tocan-te à tutela de evidência, uma vez que resta dispensado o requisito do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação para sua concessão, observa-se: “Art. 311: A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de

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perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo (...)”. Essa é a grande diferença entre a tutela da evidência e a de urgência antecipada, pois apesar de ambas restarem inseridas no gênero da tutela provisória, e de se constituírem como medidas satisfativas, a tutela antecipada requer a demonstração do perigo de dano para a sua concessão.

Perceba-se, contudo, que a tutela inibitória (a qual se presta para a remoção do ilícito), regulada pelo art. 497 do CPC-2015, dispensa a ‘ocorrência’ do dano, como declara o parágrafo único do art. em questão, verbis: “Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo”.

A tutela da evidência, no entanto, representa novidade no direito processual brasileiro, no âmbito do direito legislado, no tocante à possibilidade de sua con-cessão liminar, pois o seu deferimento diante de conduta procrastinatória do réu já era admitido pelo art. 273, II, do CPC-2015. A propósito da inovação do CPC-2015 sobre a tutela de evidência, Luiz Fux (2011, p. 18) arremata que:

A novidade também se operou quanto aos direitos líquidos e certos de uma parte em face da outra. Entendeu a comissão que nessas hipóteses em que uma parte ostenta direito evidente, não se revelaria justo, ao ângulo do principio da isonomia, postergar a satisfação daquele que se apresenta no processo com melhor direito, calcado em prova inequívoca, favorecendo a parte que, ao menos prima facie, não tem razão. A tutela de evidência não é senão a tutela antecipada que dispensa o risco de dano para ser deferida, na medida em se funda em direito irretorquível da parte que inicia a demanda.

Nos quatro incisos do art. 311 do CPC-2015, o legislador buscou caracterizar o que seria a “evidência”, capaz de ensejar a prestação da tutela provisória preten-dida. Das quatro hipóteses ali dispostas, percebe-se que todas têm em comum a noção de defesa inconsistente, que é a base da tutela da evidência. No caso dos incisos II e III, a defesa inconsistente é presumida, razão pela qual o parágrafo único do mesmo artigo autoriza o juiz a decidir liminarmente apenas nessas duas hipóteses, enquanto nos demais incisos a concessão da tutela da evidência só po-derá ocorrer após a contestação (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015, 198). Especificamente, em relação ao caso regulado no inciso III, do art. 311, o Enuncia-do de nº 29, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), orienta, com total acerto, que: “Para a concessão da tutela de evidência

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prevista no art. 311, III, do CPC/2015, o pedido reipersecutório deve ser fundado em prova documental do contrato de depósito e também da mora.

Mas, em que pese a posição dos autores citados, quanto à necessidade de contestação, não é necessária a apresentação da contestação para que haja a concessão da tutela de evidência prevista nos incisos I e IV, do art. 311, pois mesmo sendo revel o réu pode abusar do direito de defesa ou demonstrar um manifesto propósito protelatório (inciso I) ou, mais ainda, por não ter apresen-tado contestação não opôs prova capaz de gerar dúvida razoável à pretensão do autor (inciso IV). Sobre a possibilidade de concessão liminar da tutela da evi-dência, dispõe o art. 9º do CPC-2015, que “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III – à decisão prevista no art. 701”. Pois bem, acerca do que seria o direito evidente, Luiz Fux (2000, p. 08) esclarece que:

[...] é evidente o direito demonstrável prima facie através de prova docu-mental que o consubstancie líquido e certo, como também o é o direito assentado em fatos incontroversos, notórios, o direito a coibir um supos-to atuar do adversus com base em “manifesta ilegalidade”, o direito calcado em questão estritamente jurídica, o direito assentado em fatos confessados noutro processo ou comprovados através de prova emprestada obtida sob contraditório ou em provas produzidas antecipadamente, bem como o di-reito dependente de questão prejudicial, direito calcado em fatos sobre os quais incide presunção jure et de jure de existência e em direitos decorrentes da consumação de decadência ou da prescrição.

É notória a inovação trazida pelo Código de 2015 ao introduzir a possibilidade de utilização dos precedentes judiciais como fonte do direito em tutela satisfativa, especificamente para a tutela da evidência fundada em tese firmada em julga-mento de casos repetitivos e em súmula vinculante, no tocante à possibilidade de concessão in limine litis. A hipótese versada no inciso I já era objeto do CPC-1973, art. 273, II, e a do inciso IV do CPC-2015, isto é, quando: “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável” consiste em outra novidade do novo código, não prevista no CPC/1973, mas que não admite a concessão de liminar.

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Da análise do art. 311, inciso II, é possível verificar a imposição de duas exi-gências pelo legislador: que os fatos alegados possam ser comprovados apenas documentalmente, e que haja tese firmada em casos repetitivos ou em súmula vinculante. Acerca desse entendimento, insta trazer à baila julgado recente do Tribunal de Justiça de São Paulo:

PLANO DE SAÚDE. Ação de obrigação de fazer, c.c. declaratória de nulida-de contratual e indenização por danos morais. Pedido de tutela provisória. Concessão. Requisitos dos artigos 300 e 311 do Novo CPC evidenciados. Recusa de custeio de material ligado ao ato cirúrgico (stent). Abusividade. Contrato de plano de saúde de trato sucessivo, que se submete ao Código de Defesa do Consumidor e da Lei nº 9.656/1998, ainda que firmado antes da vigência desses diplomas legais. Determinação para que a seguradora de saúde arque com o pagamento. Inteligência das Súmulas nºs. 93 e 100 deste E. Tribunal. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO (TJ-SP – AI: 20937081720168260000 SP 2093708-17.2016.8.26.0000, Relator: Paulo Al-cides, Data de Julgamento: 18/07/2016, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/07/2016).

Ainda que desnecessária a existência ou a comprovação do periculum in mora, uma vez ausente um dos requisitos constantes no inciso II do art. 311, será a tu-tela da evidência indeferida, como evidencia o julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal abaixo transcrito:

Prescreve o artigo 311, II, do NCPC que a tutela da evidência será concedi-da, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de ris-co ao resultado útil do processo, quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, hipótese na qual é lícito ao magistrado deferir liminarmente o pedido se presentes os requisitos (artigo 311, parágrafo único, novo Código de Processo Civil). 2.A tutela de evidência somente ocorre quando o legislador desde logo presume que a defesa será inconsistente (art. 311, II e III, cpc). (TJ-DF 20160020108843 0012150-85.2016.8.07.0000, Relator: CARLOS RODRIGUES, Data de Julgamento: 13/07/2016, 6ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Pu-blicado no DJE : 02/08/2016 . Pág.: 386/446).

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Nesse mesmo sentido, destaque-se jurisprudência do Egrégio Tribunal de Jus-tiça de Minas Gerais:

A concessão da tutela de evidência, nos termos do art. 311, inciso II do cpc/2015, demanda que os fundamentos jurídicos apresentados pela parte autora já estejam pacificados em sede de julgamentos repetitivos ou por força de súmula vinculante e que a matéria fática esteja compro-vada documentalmente. ... Tratando-se de matéria de fática não pro-vada documentalmente, e controvertida nos autos, faz-se necessária maior dilação probatória, desautorizando, portanto, a concessão da tutela de evidência, nos termos do art. 311, inciso II do cpc/2015. 5. Recurso provido (TJ-MG – AI: 10000160380820001 MG, Relator: Sandra Fon-seca, Data de Julgamento: 31/07/0016, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/08/2016).

Lucas Buril de Macedo (2014, p. 110), no entanto, em sua excelente obra “Pre-cedentes judiciais e o direito processual civil”, afirma que o CPC/2015 não deve ser interpretado restritivamente, mas sim, como um documento dotado de uni-cidade, devendo-se levar em consideração os princípios que, mesmo presentes em outros dispositivos, norteiam o texto normativo. Dessa forma, o autor propõe (com acerto) que além das teses firmadas em casos repetitivos ou em súmulas vinculantes, devem também ser respeitados os precedentes do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional. Essa proposta encontra respaldo no art. 927, do CPC/2015, que dispõe:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tri-bunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enun-ciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmu-las do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do ple-nário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Na mesma senda, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Ma-gistrados (ENFAM) editou os enunciados de nº 30 e 31, segundo os quais:

30) É possível a concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, II, do CPC/2015 quando a pretensão autoral estiver de acordo com orientação fir-

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mada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de cons-titucionalidade ou com tese prevista em súmula dos tribunais, independen-temente de caráter vinculante.

31) A concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, II, do CPC/2015 independe do trânsito em julgado da decisão paradigma.

Destarte, tem-se que o artigo 311 do CPC-2015 deve ser interpretado exten-sivamente, a fim de que, além das teses firmadas em caso de demandas repeti-tivas e em súmulas vinculantes, a tutela da evidência possa se firmar com base em qualquer precedente judicial obrigatório. Com isso, facilita-se a concessão da tutela da evidência concedida liminarmente, pois ao aumentar-se o número de precedentes e de leading cases também cresce a quantidade de lides que podem ser solucionadas tomando-os como referência.

conclusão

Após a análise histórica dos precedentes judiciais, de sua aplicação na tradição da common law e na civil law, destacando os seus benefícios e malefícios apontados por diversos doutrinadores, infere-se que os precedentes de fato evoluem junto com a História, não ocorrendo o que muitos temiam: que eles ficassem estagnados no tempo, desalinhados com o entendimento mais moderno das Cortes. Ademais, não procede o temor de que seu uso impeça a análise das minúcias de cada caso concreto, pelo contrário, a existência de julgados anteriores possibilita um julga-mento mais célere das demandas a eles similares, resguardando o tempo neces-sário à análise dos casos mais complexos. Ademais, a expressa adoção da técnica do distinguishing, pelo art. 489 do CPC-2015, presta-se, precisamente, para permitir que o magistrado de primeiro grau possa proceder a tal distinção entre a demanda sob apreço e o precedente invocado pela parte para regular a matéria.

Como defende Schauer, ordenamentos sem precedentes, nos quais o legislador pode descer às minúcias de cada caso, não passa de um ideal longínquo. No Brasil, com sua grande quantidade de demandas no Judiciário, seria impraticável ao legisla-dor criar uma lei específica para solucionar todas as lides, em todos os seus detalhes.

Igualmente, a estabilização dos precedentes garante celeridade nos julgamen-tos, precisamente através do provimento liminar da tutela da evidência, atenden-do eficazmente à necessidade do requerente, independentemente, de demonstra-

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ção de perigo de dano ao direito já respaldado em precedentes obrigatórios. O receio de que a estabilidade das decisões seja óbice à evolução de acordo com o contexto político e social não merece guarida, afinal, da mesma forma que ocorre na common law, a técnica do overruling presta-se para a superação e revogação de precedentes desatualizados.

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Referência do artigo

PIMENTEL, Alexandre Freire. LYRA, Paulo Roberto de Carvalho. A questão da estabilização dos precedentes judiciais e a tutela da evidência (liminar) no cpc-2015. Revista da ESMApE, Recife, v. 20/21 – n. 42/43 – p. 13-30 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016.

Revista da EsmapE – Recife – v. 20/21 – n. 42/43 – p. 31-46 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016

O princípio da primazia do julgamento de mérito e as invalidades processuais

Felipe Regueira AlecrimAdvogado graduado em Direito pela UFPE e se especializando em Direito Processual Civil

pela Anhanguera Uniderp e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de

Estudos Tributário – IBET.

O presente trabalho tem por objetivo discutir a classificação da norma fundamental da pri-mazia do julgamento de mérito como regra ou princípio a partir da Teoria Geral do Processo e, também, a Teoria das Invalidades Processuais – partindo da premissa de que não há nulidade sem prejuízo, que a decisão que decreta a nu-lidade é axiologicamente ruim para o proces-so, que deve prevalecer o aproveitamento dos

atos praticados, para evitar retrocessos, falta de efetividade e atraso na entrega da prestação jurisdicional, terminando por apontar regras que concretizam a norma fundamental da pri-mazia do julgamento de mérito no CPC/2015.

palavras-chave: Princípio da Primazia do Jul-gamento de Mérito, Teoria Geral do Processo, Invalidades Processuais.

Resumo

This study aims to discuss the classification of the fundamental rule of the primacy of merit judgment as a rule or principle from the process of the General Theory, and also the Theory of Procedural nullity – on the premise that there is no nullity without prejudice, which the decision pronouncing the nullity is axiologically bad for the process, which must prevail the use

of acts performed, to avoid setbacks, lack of effectiveness and delay in delivery of judicial services, ending by pointing rules that embody the fundamental rule of the primacy of judgment merit in CPC / 2015.

Keywords: Principle of Merit Judgment Primacy, General Theory of Process, Procedural nullity.

Abstract

32 Felipe Regueira Alecrim

Revista da EsmapE – Recife – v. 20/21 – n. 42/43 – p. 31-46 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016

Introdução

O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), sancionado em 16/03/2015, traz no capítulo primeiro do Livro I normas fundamentais para apon-tar qual a identidade e os princípios adotados pelo legislador e qual a conduta que se espera dos aplicadores do Direito.

Dentre outros temas, o CPC/2015 traz como norma fundamental a primazia – ou preponderância1 – do julgamento de mérito2, encartada no artigo 4º, com a seguinte redação: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”.

Sobre esse ponto, percebe-se que o novo código tem como valor caríssimo, porque posto como norma fundamental, a norma da primazia do julgamento de mérito, pela qual todos os sujeitos envolvidos no processo devem interpretar as normas processuais e praticar os atos do processo com a finalidade de se alcançar um julgamento de mérito.

Com essas considerações, é notória a primazia do novo código em (i) evitar a extinção do processo sem julgamento de mérito e, sempre que possível, (ii) enco-rajar a correção, o aproveitamento ou a rejeição de invalidades processuais que, potencialmente, poderiam anular atos processuais, para dar azo à efetividade e priorizar o julgamento de mérito, a solução do litígio, a entrega da prestação juris-dicional, incluindo a atividade satisfativa.

O presente estudo passa por discussões da Teoria Geral do Processo, calcada na classificação da norma como regra ou princípio, e da Teoria das Invalidades Processuais – partindo da premissa de que não há nulidade sem prejuízo, que a decisão que decreta a nulidade é axiologicamente ruim para o processo, que deve prevalecer o aproveitamento dos atos praticados, para evitar retrocessos, falta de efetividade e atraso na entrega da prestação jurisdicional, terminando por apon-tar regras que concretizam a norma fundamental da primazia do julgamento de mérito no CPC/2015.1 Para Zulmar Duarte, no seu “Preponderância do Mérito no Novo CPC”, disponível em <http://genjuridico.com.br/2015/01/23/

preponderancia-do-merito-no-novo-cpc/>: “Prefere-se aqui conscientemente o termo “preponderância” para expressar tal postura dominante do mérito frente aos demais temas (pressupostos processuais e condições da ação). Isso porque, prepon-derância representa melhor esse novo arranjo em que o exame do mérito não propriamente precede (prima — primazia), aos demais, mas prevalece, pelo peso, perante os últimos”.

2 O princípio também recebe a alcunha de princípio da primazia da Tutela do Mérito, por Daniel Colnago Rodrigues em seu “O princípio da primazia da tutela de mérito: uma apresentação”. In: Néstor Gutiérrez Miranda et al. (Coord.). Horizontes contemporáneos del derecho procesal. Peru: Adrus Editores, 2014.

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É nesse contexto de novidades e efervescência da produção literária sobre o Novo Código de Processo Civil que o presente estudo visa a dar uma pequena contribuição aos seus intérpretes e aplicadores.

1 primazia do julgamento de mérito: princípio ou regra?

É certo que a primazia do julgamento de mérito é uma norma fundamental elegida pelo CPC/2015, mormente por estar prevista no Capítulo I (Das Normas Fundamentais do Processo Civil). Mas desde já nasce uma discussão: trata-se de regra ou princípio?

Na autorizada opinião de Leonardo Carneiro da Cunha,

“pode-se construir do texto normativo (...) o princípio da primazia do jul-gamento do mérito, valendo dizer que as regras processuais que regem o processo civil brasileiro devem balizar-se pela preferência, pela precedên-cia, pela prioridade, pelo primado da análise ou do julgamento do mérito” 3

A norma fundamental da primazia do julgamento de mérito é, portanto, um princípio que norteia a construção de regras.

Argumentos contrários poderiam levantar a desnecessidade de criar um princípio infraconstitucional, já que a “regra” da primazia do julgamento de mé-rito poderia ser extraída de princípios constitucionais mais abrangentes, como o devido processo legal e a duração razoável do processo e tais princípios cons-titucionais já são axiologicamente suficientes para deles extrair-se tal “regra”; argumentos outros ainda poderiam aduzir que o fato de várias regras poderem ser agrupadas em um conjunto não quer dizer que, de tal agrupamento, surja um princípio4.

Ocorre que o princípio está no plano argumentativo – e tem, por isso, impor-tância retórica na concretização de regras. De um princípio mais amplo – como o devido processo legal e a duração razoável do processo – podem extrair-se regras

3 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Princípio da primazia do julgamento do mérito. Disponível em < http://www.leonardocarnei-rodacunha.com.br/opiniao/opiniao-49-principio-da-primazia-do-julgamento-do-merito/ >.

4 Por lealdade intelectual, registra-se que a construção e o aprofundamento de tais argumentos partiu do embate de ideias estrelado pelos Ilustres Professores Leonardo Carneiro da Cunha e Roberto Campos Gouveia Filho, provocado pela publicação do texto “Princípio da primazia do julgamento do mérito” por Leonardo Carneiro da Cunha.

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que primem pelo mérito, mas torna-se um esforço menor extraí-las do princípio da primazia do julgamento de mérito; afinal, é mais fácil extrair regras de um prin-cípio específico a fazê-lo de um princípio mais amplo, não havendo qualquer óbi-ce à cumulação de incidências de princípios.

É de se anotar a proposta conceitual de princípio elaborada por Humberto Ávila, segundo a qual, os princípios são “normas finalísticas, que exigem a delimi-tação de um estado ideal de coisas a ser buscado por meio de comportamentos necessários a essa realização”5.

Dessa forma, o princípio é uma norma que visa a um standard a ser atingido, não prevendo como isto será feito6, enquanto que as regras contêm a descrição das condutas a serem praticadas para concretizar seu princípio legitimador.

A existência do princípio da primazia do julgamento de mérito se justifica pela adoção de um modelo constitucional de processo, através do qual se deve ga-rantir um processo justo. E não há processo justo sem o devido processo legal. O cumprimento integral da garantia constitucional do devido processo legal na solução dos litígios, por sua vez, pressupõe a análise e a solução integral do méri-to – a extinção sem solução de mérito é anormal: o processo só será justo se inclinar, sempre que possível, pela tutela de mérito7.

Com albergue na Teoria de Ávila, a criação de um princípio específico, a par de já existir um princípio mais amplo, se justifica na medida em que quanto menos específico for o fim, menos controlável será sua realização8. Dessa forma, elevar a precedência da tutela de mérito à categoria de princípio, além de fincar as premis-sas axiológicas do CPC/2015, influencia diretamente na criação de regras a partir deste princípio e no plano argumentativo das interpretações do ordenamento jurídico realizadas pelos magistrados.

Portanto, não há dúvidas de que a norma fundamental da primazia do julga-mento de mérito é um princípio que se concretiza a partir de outras regras previs-

5 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 72.

6 RODRIGUES, Daniel Colnago. O princípio da primazia da tutela de mérito: uma apresentação. In: Néstor Gutiérrez Miranda et al. (Coord.). Horizontes contemporáneos del derecho procesal. Peru: Adrus Editores, 2014, p. 6.

7 RODRIGUES, Daniel Colnago. O princípio da primazia da tutela de mérito: uma apresentação. In: Néstor Gutiérrez Miranda et al. (Coord.). Horizontes contemporáneos del derecho procesal. Peru: Adrus Editores, 2014, p. 8.

8 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 73.

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tas no CPC/2015 e serve de baliza para a criação de novas regras e para a interpre-tação do juiz nos casos concretos.

2 Da teoria das invalidades:

Pas de nulitte sans grief. É a partir deste brocardo – não há nulidade sem prejuízo – que se deve fazer um estudo analítico da Teoria das Invalidades.

Adota-se aqui a premissa ponteana9 de que os atos jurídicos defeituosos po-dem ser nulificados em razão do deficiente preenchimento da hipótese de inci-dência, o que caracteriza a invalidação, a destruição de um ato jurídico em decor-rência de tal defeito10.

É certo que nem todo ato passível de nulificação deve ser invalidado: o ato jurídico defeituoso pode ser substituído por outro ato jurídico válido, o defeito pode ser considerado irrelevante ou pode ser aproveitado em razão de ter o ato jurídico alcançado a sua finalidade ou por não causar prejuízo11.

Embora todo ato processual inválido seja defeituoso, nem todo ato processual de-feituoso será decretado inválido12, e mais, não há defeito processual que não possa ser sanado13, é a premissa que se extrai do sistema brasileiro de invalidades processuais14.

Pontes de Miranda já alertava que o capítulo de nulidades do CPC/1973 re-presentava uma disciplina de salvação das imperfeições, não só pela ausência de prejuízo, mas também pelo alcance da finalidade pela qual foi praticado o ato e pela superação do descompasso formal15. O CPC/2015 repete, integralmente, o capítulo de nulidades do CPC/1973.

9 Sobre o tema o Tomo IV do Tratado de Direito Privado de Pontes de Miranda.

10 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V 1. 1. 14 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 284.

11 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V 1. 1. 14 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 285.

12 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V 1. 1. 14 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 286.

13 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V 1. 1. 14 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 292.

14 É importante anotar que o tema das invalidades é tormentoso na doutrina como alertou Fredie Didier (Curso de Direito Processual Civil. V 1... p. 300-303).

15 MIRANDA, Pontes. Comentários ao código de processo civil:tomo III (art. 154-281). Atualização legislativa de Sério Bermudes. 3. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 353 apud OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Eficácia consuntiva do Novo CPC e os recursos augustos e angustos, in Novas Tendências do Processo Civil. Estudo sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Org. FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER Jr., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Salador: JusPodivm, 2013, p. 671.

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A atmosfera do CPC/2015 promove o valor pela boa-fé objetiva, pela coopera-ção entre os sujeitos processuais, pelo contraditório irrestrito e pela primazia das decisões de mérito, dentre outros, a fim de afastar a prática de atos procrastina-tórios, atos ilícitos e atos de má-fé processual, que são como pragas para a efeti-vação da justiça social, da efetividade da prestação jurisdicional e da atividade satisfativa dos provimentos jurisdicionais.

Se não houver relevante prejuízo para a parte prejudicada, que de tal forma fulmine seu direito de defesa ou ofenda as demais garantias constitucionais, o ato processual a priori inválido deve ser aproveitado, corrigido ou rejeitado – “consun-ção processual” 16 –, sempre que possível, a fim de evitar a extinção dos feitos sem resolução do mérito e concretizar o princípio da primazia ou da preponderância da resolução de mérito do conflito.

A relação entre o princípio da primazia do julgamento de mérito e a Teoria das Invalidades aflora quando aquele princípio baliza premissas interpretativas, quando dele são extraídas regras como a do máximo aproveitamento dos atos do processo17.

A partir da conjugação da nova axiologia trazida pela reforma da lei processual e da noção de aproveitamento, correção ou rejeição das invalidades processuais, o que se espera é uma maior efetividade, consubstanciada na resolução dos con-flitos entre as partes, evitando-se, assim, um processo truncado e infindável.

Para Leonardo Carneiro da Cunha, “O juiz deve, sempre que possível, supe-rar os vícios, estimulando, viabilizando e permitindo sua correção ou sanação, a fim de que possa efetivamente examinar o mérito e resolver o conflito posto pelas partes.” 18

No mesmo sentido é o enunciado nº 278 do Fórum Permanente de Processua-listas Civis – FPPC, realizado no ano de 2014, em Belo Horizonte/MG, que trata sobre o art. 4º do CPC/2015: “O CPC adota como princípio a sanabilidade dos atos processuais defeituosos. (Grupo: Competência e invalidades processuais)”.

16 OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Eficácia consuntiva do Novo CPC e os recursos augustos e angustos, in Novas Tendências do Processo Civil. Estudo sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Org. FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER Jr., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Salador: JusPodivm, 2013, p. 673.

17 THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON, Flávio. Novo Código de Processo Civil: Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2015, p. 19.

18 CUNHA, Leonardo Carneiro da. op. cit.

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Eis que surge a necessidade e a oportunidade de se optar por um “formalismo democrático”, fundado em premissas de um modelo constitucional de processo19, apto a afastar a jurisprudência defensiva, os atos protelatórios das partes ou o arsenal de hipóteses de arguição de nulidade do processo.

Isso tudo porque, de forma pragmática, um processo que é extinto sem reso-lução de mérito, em decorrência de alguma invalidade que poderia ser sanada, portanto decorrente de mero formalismo ritual, custa tempo, dinheiro20 e pro-voca retrabalho, além de não estar em sintonia com as garantias de um modelo constitucional de processo, que visa à cooperação entre os atores processuais e à eficiência21.

O CPC/2015, portanto, “procura atribuir uma responsabilização de todos os su-jeitos processuais, mediante uma matriz cooperativa/comparticipativa, de modo a viabilizar uma análise de suas técnicas e das formas processuais, segundo as bases fundamentais constitucionais”22 ou ainda “um formalismo constitucional-mente adequado vocacionado a defesa e a manutenção dos direitos funda-mentais, em perspectiva normativa”23.

Portanto, por ser o processo de construção de uma decisão judicial um pro-cesso dinâmico – visto que composto por atos praticados sucessivamente, em irrestrito contraditório – as invalidades só podem ser constatadas e decretadas no âmbito de cada relação processual, e só serão – afastamento da “eficácia consun-tiva” – se o prejuízo causado for tão grave ao ponto de repercutir ou interferir na higidez do ambiente dialético do processo24.

19 NUNES, Dierle; CRUZ, Clenderson Rodrigues da e DRUMMOND, Lucas Dias Costa. Novo CPC, Formalismo democrático e Súmula 418 do STJ: a primazia do mérito e o máximo aproveitamento. Disponível em <http://justificando.com/2014/09/18/novo-cpc-formalismo-democratico-e-sumula-418-stj-primazia-merito-e-o-maximo-aproveitamento/>.

20 OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Preponderância do Mérito no Novo CPC. Disponível em <http://genjuridico.com.br/2015/01/23/preponderancia-do-merito-no-novo-cpc/>.

21 NUNES, Dierle; CRUZ, Clenderson Rodrigues da e DRUMMOND, Lucas Dias Costa. Novo CPC, Formalismo democrático e Súmula 418 do STJ: a primazia do mérito e o máximo aproveitamento. Disponível em <http://justificando.com/2014/09/18/novo-cpc-formalismo-democratico-e-sumula-418-stj-primazia-merito-e-o-maximo-aproveitamento/>

22 NUNES, Dierle; CRUZ, Clenderson Rodrigues da e DRUMMOND, Lucas Dias Costa. Novo CPC, Formalismo democrático e Súmula 418 do STJ: a primazia do mérito e o máximo aproveitamento. Disponível em <http://justificando.com/2014/09/18/novo-cpc-formalismo-democratico-e-sumula-418-stj-primazia-merito-e-o-maximo-aproveitamento/>.

23 NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Por um novo paradigma processual. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas. Pouso Alegre, ed. 26, p. 79-78, jan/jun. 2008. p. 84 apud NUNES, Dierle; CRUZ, Clenderson Rodrigues da e DRUMMOND, Lucas Dias Costa, op. cit.

24 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades do processo moderno: contraditório, proteção à confiança e validade prima facie dos atos processuais. 2. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 275 apud OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Eficácia consuntiva do Novo CPC e os recursos augustos e angustos, in Novas Tendências do Processo Civil. Estudo sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Org. FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER Jr., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Salador: JusPodivm, 2013, p. 670.

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3 Da concretização do princípio da primazia do julgamento de mérito no cpc/2015:

O antigo código de Processo Civil, sancionado no ano de 1973, deu lugar ao primeiro código de processo produzido em um Estado Democrático de Direito, fruto de discussões dialógicas e com interferência não só dos operadores do di-reito, mas de toda sociedade civil que atuou na longa estrada percorrida durante o trâmite do projeto nas casas legislativas, proporcionando a instituição de um modelo constitucional de processo25.

Fruto dessa reforma, o novo código traz em seu primeiro capítulo, mas não se limitando a ele, os valores sobre os quais deve ser construída a prestação jurisdicional, dentre eles a primazia da decisão de mérito sobre as demais deci-sões, tais como, mas não se limitando às que extinguem o processo sem julga-mento de mérito e às que decretam nulidade. Para Fredie Didier Jr., inclusive, a sentença sem resolução de mérito é um fracasso!26 É, portanto, por assim dizer, um desfavor ao processo enquanto procedimento em contraditório voltado para a solução de conflitos.

Ponto forte do CPC/2015 é, portanto, a preponderância pela “solução integral de mérito” sobre os demais temas submetidos ao juiz no processo27, haja vista não ser o processo um fim em si mesmo28, mas o meio para concretização da justiça material e da pacificação social29, que tem como objetivo a resolução de conflitos de interesses30, nos moldes do modelo constitucional de processo.

Dessa forma, a fim de se alcançar o “formalismo democrático”, deve-se tomar cuidado para que questões meramente formais não embaracem a finalidade maior do processo31; afinal, o processo não é mera técnica, mas técnica imbuída

25 THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON, Flávio. Novo Código de Processo Civil: Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2015, p. 19.

26 DIDIER Jr., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação. São Paulo: Saraiva, 2005.

27 OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Preponderância do Mérito no Novo CPC. Disponível em <http://genjuridico.com.br/2015/01/23/preponderancia-do-merito-no-novo-cpc/>.

28 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O fonnalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. Revista de Processo, RT, n. 137, p. 7-31, agosto 2006 apud DIDIER Jr., Fredie e ZANETI Jr., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. V. 4, 9ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014, p. 121.

29 DIDIER Jr., Fredie e ZANETI Jr., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. V. 4, 9ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014, p. 121.

30 OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Eficácia consuntiva do Novo CPC e os recursos augustos e angustos, in Novas Tendências do Processo Civil. Estudo sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Org. FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER Jr., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Salador: JusPodivm, 2013, p. 659

31 DIDIER Jr., Fredie e ZANETI Jr., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. V. 4, 9ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014, p. 122.

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de valores32, no caso em espécie, a primazia ou a preponderância da decisão de mérito e o máximo aproveitamento dos atos processuais.

Nesse contexto, o princípio da primazia do julgamento de mérito, que decorre do princípio da instrumentalidade das formas, tem como premissas a superação da ausência de pressupostos de validade processual33 e de meras deformações processuais, bem como a superação do inútil formalismo34 e a “solução integral do mérito”, inclusive a atividade satisfativa.

É importante se anotar que o “formalismo democrático” não implica o abando-no da forma, afinal, a forma é elemento indispensável à estabilização, segurança do direito, imprimindo uma ideia de ordem, ordenamento, permanência, coerência35. O “formalismo democrático” assume a posição de conduzir o processo – ordenar os atos processuais, atribuindo previsibilidade ao procedimento, como forma de garantir a isonomia formal no processo36 – ao seu fim maior: a concretização da justiça material e a resolução de conflitos de interesses.

Portanto, o processo pode ser dispensado em face do direito material quando esteja presente valor que justifique tal deferência37, como a norma fundamental encartada no princípio da primazia do julgamento de mérito e o máximo aprovei-tamento dos atos processuais.

Com essas considerações, partindo da premissa de que processo é procedi-mento em contraditório38 – não refutando os demais posicionamentos – pode

32 DIDIER Jr., Fredie e ZANETI Jr., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. V. 4, 9ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014, p. 123.

33 DIDIER Jr., Fredie e ZANETI Jr., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. V. 4, 9ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014, p. 121.

34 OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Eficácia consuntiva do Novo CPC e os recursos augustos e angustos, in Novas Tendências do Processo Civil. Estudo sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Org. FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER Jr., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Salador: JusPodivm, 2013, p. 659.

35 OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Eficácia consuntiva do Novo CPC e os recursos augustos e angustos, in Novas Tendências do Processo Civil. Estudo sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Org. FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER Jr., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Salador: JusPodivm, 2013, p. 668.

36 OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Eficácia consuntiva do Novo CPC e os recursos augustos e angustos, in Novas Tendências do Processo Civil. Estudo sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Org. FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER Jr., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Salador: JusPodivm, 2013, p. 668.

37 OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Eficácia consuntiva do Novo CPC e os recursos augustos e angustos, in Novas Tendências do Processo Civil. Estudo sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Org. FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER Jr., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Salador: JusPodivm, 2013, p. 670.

38 OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Eficácia consuntiva do Novo CPC e os recursos augustos e angustos, in Novas Tendências do Processo Civil. Estudo sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Org. FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER Jr., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Salador: JusPodivm, 2013, p. 666.

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se concluir que o irrestrito respeito à forma só deve ser observado em razão do contraditório, a fim de garantir a ampla compreensão do processo39 e oportunizar às partes influenciarem no convencimento do magistrado, para que se tenha uma adequada “solução integral do mérito”, resguardando-se a participação e a coo-peração, como elementos indissociáveis do modelo constitucional de processo.

Com tais fundações axiológicas, o CPC/2015 é carregado de regras que concretizam o princípio da primazia do julgamento de mérito, como se de-monstrará a seguir – sem a pretensão de exaurir todas as hipóteses de concre-tização de tal princípio.

O princípio da primazia do julgamento de mérito tem como cariz a solução integral do mérito da demanda. O CPC/2015 traz outros dispositivos que concreti-zam tal princípio: o art. 6º, que trata da cooperação processual como instrumento útil à obtenção, em tempo razoável, de decisão de mérito justa e efetiva40.

No plano dos deveres, poderes e responsabilidades do magistrado, o art. 139, IX, aduz que cabe ao juiz determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais41; enquanto que o art. 317 dispõe que antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício42; com espeque no art. 321, o juiz de-terminará a emenda da petição inicial que apresente defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado; o art. 351 impõe que sempre que o réu alegar preli-minares de mérito (inexistência ou nulidade da citação; incompetência absoluta e relativa; incorreção do valor da causa; inépcia da petição inicial; perempção; litis-pendência; coisa julgada; conexão; incapacidade da parte, defeito de representa-ção ou falta de autorização; convenção de arbitragem; ausência de legitimidade ou de interesse processual; falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar; indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça, den-tre outras), o juiz determinará a oitiva do autor no prazo de 15 (quinze) dias, permi-tindo-lhe a produção de prova e o art. 352 determina que caso verifique a existência

39 OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Eficácia consuntiva do Novo CPC e os recursos augustos e angustos, in Novas Tendências do Processo Civil. Estudo sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Org. FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER Jr., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Salador: JusPodivm, 2013, p. 671.

40 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. V 1. 17 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 136.

41 CUNHA, Leonardo Carneiro da. op. cit.

42 CUNHA, Leonardo Carneiro da. op. cit.

41O princípio da primazia do julgamento de mérito e as invalidades processuais

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de irregularidades ou de vícios sanáveis em decorrência das alegações da parte ré, o juiz determinará sua correção em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias43; por fim, o juiz deve intimar as partes para suprir a negligência em deixar de impulsionar o processo por mais de 1 (um) ano e por abandono da causa por mais de 30 (trinta) dias, a fim de evitar a extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, §1º).

Da mesma forma, o CPC/2015 garante que a petição inicial não será indeferida se carecer de alguma das informações de qualificação das partes (nomes, o esta-do civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Ca-dastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu), desde que seja possível a citação da parte ré (§ 2º do art. 319), bem como será possível a substituição da parte ré, caso seja procedente a sua alegação em sede de contestação de ile-gitimidade passiva ad causam ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado (art. 338) e, caso o juiz verifique incapacidade processual ou irregularidade da representação da parte, suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício (art. 76); de outro modo, no caso de extinção em razão de litispendência, indeferimento da petição inicial, ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, ausência de legi-timidade ou de interesse processual e existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência, a propositura da nova ação depende da correção do vício que levou à extinção da sentença sem resolução do mérito (§1º do art. 486).

Primam pelo julgamento de mérito os dispositivos que tratam da preservação dos efeitos da litispendência e das decisões, a despeito da incompetência: o siste-ma da translatio iudicii44 (arts. 64, 240 e 968, §§5º e 6º).

No âmbito recursal, também estão previstas regras que concretizam o princí-pio da primazia da decisão de mérito, a saber: no juízo de admissibilidade, deve o relator conceder prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível45 (parágrafo único do art. 932); se constatado vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tri-

43 CUNHA, Leonardo Carneiro da. op. cit.

44 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. V 1. 17 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 136.

45 CUNHA, Leonardo Carneiro da. op. cit.

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bunal ou em primeiro grau de jurisdição46, intimadas as partes, prosseguindo-se posteriormente, se possível, no julgamento do recurso (§§1º e 2º do art. 938); da mesma forma, a insuficiência ou inexistência de preparo não é causa de deserção imediata do recurso, caso em que a parte será intimada a complementar ou fazer o recolhimento – apenas nesse segundo caso em dobro – no prazo de 5 (cinco) dias e, da mesma forma, o equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará deserção, devendo o relator intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias (art. 1007, §§2º, 4º e 7º); em caso de falta da cópia de qual-quer peça ou de algum outro vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, aplica-se a regra do parágrafo único do art. 932 acima exposta (art. 1017, §3º); nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito pre-vistos no art. 485 do CPC/2015, acaso interposta apelação, será facultado ao ma-gistrado retratar-se no prazo de 5 (cinco) dias (art. 485, §7º); o STF e o STJ poderão desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave47 (art. 1029, §3º); caso se entenda que o recurso especial ver-sa sobre questão constitucional (STJ) ou que o recurso extraordinário aduza ques-tão reflexa à ofensa à Constituição, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado (STF), deverá o relator, no primeiro caso, conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional, remetendo os autos ao STF e, no segundo caso, os autos devem ser remetidos ao STJ para julgamento como recurso especial (arts. 1032 e 1033).

Outra regra processual que concretiza o princípio da primazia do mérito é a de que será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo (art. 218, §4º). Tal regra é de suma importância, pois supera48 o enunciado n. 418 da Súmula do STJ49. Tal entendimento é corroborado pelas regras extraídas do art. 1024, §§4º e 5º: em caso de acolhimento dos embargos de declaração – que

46 CUNHA, Leonardo Carneiro da. op. cit.

47 CUNHA, Leonardo Carneiro da. op. cit.

48 NUNES, Dierle; CRUZ, Clenderson Rodrigues da e DRUMMOND, Lucas Dias Costa. Novo CPC, Formalismo democrático e Súmula 418 do STJ: a primazia do mérito e o máximo aproveitamento. Disponível em <http://justificando.com/2014/09/18/novo-cpc-formalismo-democratico-e-sumula-418-stj-primazia-merito-e-o-maximo-aproveitamento/>.

49 “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.Reforçando tal premissa, colacionam-se os enunciados 22 e 23 do III Fórum Permanente de Processualistas Civis ocorrido no Rio de Janeiro em 2014:Enunciado n. 22: (art. 218, § 4º; art. 1.016) O Tribunal não poderá julgar extemporâneo ou intempestivo recurso, na instância ordinária ou na extraordinária, interposto antes da abertura do prazo. (Grupo: Ordem dos Processos no Tribunal, Teoria Geral dos Recursos, Apelação e Agravo)Enunciado n. 23: (art. 218, § 4º; art. 1.037, § 4º) Fica superado o enunciado 418 da súmula do STJ após a entrada em vigor do NCPC (“É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”).(Grupo: Ordem dos Processos no Tribunal, Teoria Geral dos Recursos, Apelação e Agravo)

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implique modificação da decisão embargada – o recurso interposto anteriormen-te pode ser complementado ou podem ser alteradas as suas razões, nos exatos limites da modificação; caso rejeitados os embargos ou não alterem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independen-temente de ratificação!

Importante anotar as normas que ratificam a íntima relação entre o princí-pio da primazia do julgamento de mérito e a teoria das invalidades: quando a lei prescreve determinada forma, se o ato for realizado de outra forma que possa ser aproveitado e alcance a sua finalidade, não há nulidade (art. 277 c/c art. 283); ao pronunciar a nulidade, o juiz deve especificar os atos atingidos e determinar as providências necessárias para que os atos sejam repetidos ou retificados (art. 282); o ato não será repetido, nem terá sua falta suprida ou, ainda, poderá ser aproveitado, caso não enseje prejuízo às partes (art. 282, §1º c/c 283); “quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta” 50(§ 2º do art. 282); desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual extinção do processo sem re-solução de mérito51 (art. 488) e, nos casos em que o Ministério Público não for intimado em processo que deva intervir, “A nulidade só pode ser decretada após a intimação do Ministério Público, que se manifestará sobre a existência ou a inexis-tência de prejuízo” (art. 279, §2º), ou ainda, mesmo a decisão prolatada por juízo absolutamente incompetente não é nula ipso facto, conservando-se seus efeitos até que outra decisão seja proferida pelo juízo competente, se for o caso, salvo decisão judicial em sentido contrário (art. 64, §4º).

No âmbito dos Tribunais: quando ajuizada ação rescisória contra decisão res-cindenda que tiver sido substituída por decisão posterior, em caso de incompe-tência do tribunal para julgá-la, a parte autora será intimada para emendar a peti-ção inicial com a finalidade de adequar o objeto da ação rescisória52 (art. 968, §5º, II); ou se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal – em sede de apelação, recurso ordinário – deve decidir desde logo o mérito quando: refor-mar sentença extinta sem resolução de mérito; decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; cons-

50 CUNHA, Leonardo Carneiro da. op. cit.

51 CUNHA, Leonardo Carneiro da. op. cit.

52 CUNHA, Leonardo Carneiro da. op. cit.

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tatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação53 (art. 1013, §3º c/c 1027, §2º); ou ainda, quando o Tribunal reformar sentença que reconheça a deca-dência ou a prescrição, deverá, sempre que possível, julgar o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau (art. 1013, §4º).

considerações finais

O princípio da primazia do julgamento de mérito é, enquanto norma funda-mental de um código de processo civil discutido e aprovado em regime democrá-tico, uma baliza para a criação de regras e interpretações do ordenamento jurídico para concretizar o que se chama de “formalismo democrático”, albergado em um modelo constitucional de processo, com vias a garantir uma adequada “solução integral do mérito”, inclusive a atividade satisfativa, como forma de efetivação do devido processo legal.

Uma das premissas do devido processo legal é o processo justo, e não há como pensar em um processo justo sem uma solução adequada e integral do mérito, afinal, a extinção sem resolução de mérito é um fracasso, uma anomalia, uma de-cisão axiologicamente ruim para o processo.

Dessa forma, é essencial o papel do magistrado no sentido de aplicar corre-tamente os dispositivos do Título III do Livro IV do novo código de processo civil, que trata das nulidades, interpretados sistematicamente com as demais regras que concretizam o princípio da primazia da tutela do mérito. Como dito, a teoria das invalidades é a disciplina de salvação das imperfeições do processo, devendo o ato processual, sempre que possível, ser aproveitado, corrigido ou repetido, desde que haja ausência de prejuízo e alcance da finalidade pela qual foi praticado, supe-rando o formalismo pelo formalismo e primando pela “solução integral do mérito”.

E o novo código de processo civil está recheado de regras que concretizam o princípio da primazia do julgamento de mérito, evidenciando o modelo constitu-cional de processo como procedimento em irrestrito contraditório voltado para a solução integral de mérito dos conflitos levados ao Poder Judiciário.

53 CUNHA, Leonardo Carneiro da. op. cit.

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Referência do artigo

ALECRIM, Felipe Regueira. O princípio da primazia do julgamento de mérito e as invalidades processuais. Revista da ESMApE, Recife, v. 20/21 – n. 42/43 – p. 31-46 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016.

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Inventário e partilha no código de processo civil de 2015

Fernando Antônio Sabino cordeiroEspecialista em Direito Público e Privado pela Faculdade de Direito do Recife-UFPE.

Graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Pernambuco-UFPE.

Juiz de Direito Titular da Vara de Sucessões e Registros Públicos de Jaboatão dos Guararapes-PE.

Juiz Eleitoral da 101ª Zona Eleitoral-Jaboatão dos Guararapes-PE.

As modificações trazidas pelo Código de Pro-cesso Civil de 2015, no tocante às normas do inventário e partilha, apresentam matizes de ordem processual e material, razão pela qual se revela necessária a interpretação e o exame da compatibilidade normativa. Noutro aspecto, as mudanças introduzidas revelaram-se ainda insatisfatórias porque não atendem o anseio do jurisdicionado no tocante à rápida tramita-ção do processo de inventário, de cunho pre-dominantemente administrativo. Procurou-se

consolidar algumas práticas já adotadas, bem como incorporaram-se normas da legislação extravagante. A legislação, relativa ao proce-dimento adotado, precisa de outras modifica-ções a fim de que a celeridade processual al-mejada seja alcançada. O aperfeiçoamento das normas deve considerar o acesso à justiça de forma ampla.

palavras-chave: Processo Civil. Inventário. Modificações.

Resumo

The modifications on the Code of Civil Process of 2015 relative to the standards of the inventory present characteristics of processual and material order, it reveals necessary the interpretation and the examination of the compatibility. In another aspect the introduced changes revealed still unsatisfactory because they do not attend the longing of the jurisdicionado regarding the quick tramitação of the process of inventory, of predominantly administrative mark. It tried to consolidate

some already adopted practices, as well as there were incorporated standards of the extravagant legislation. The legislation relative to the adopted proceeding, needs other modifications so that the longed processual celerity is reached. The improvement of the standards must consider the access to the justice of spacious form.

Keywords: Civil process. Inventory. Modifi-cations.

Abstract

48 Fernando Antônio Sabino Cordeiro

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1 Introdução

O novo Código de Processo Civil, Lei nº13.115, de 16 de março de 2015, com entrada em vigor em 17 de março de 2016, trouxe alterações no rito processual e no Código Civil, em relação ao inventário1 e à partilha de bens.

O novel instrumento normativo tem como escopo a celeridade processual e a eficácia da prestação jurisdicional, não obstante, em termos de processo de inventário, as inovações trazidas revelam-se ainda precárias, principalmen-te, quando prevalece no inventário o caráter predominantemente administra-tivo. Destarte, a adoção do inventário extrajudicial, também incorporado ao Código de Processo Civil, exclui as situações em que há herdeiros incapazes, o que não se justifica, dada a possibilidade de poder ser introduzida no orde-namento jurídico norma autorizadora da atuação do Ministério Público nesta espécie de inventário.

Quanto à questão de recolhimento de tributos, poderia ter sido objeto de al-teração normativa, determinando-se a comunicação do óbito à Fazenda Pública, pelo cartório do registro civil, para fins de lançamento tributário, condicionando-se o registro de formal de partilha e liberação de valores no sistema financeiro bancário-bancário, a “posteriori”, somente a partir da apresentação de certidão negativa de débitos, desincumbindo-se o Judiciário da fiscalização deste ônus inerente às Fazendas Públicas.

Dentro dessa visão, caberia apenas ao Judiciário o julgamento das lides rela-cionadas à divisão dos bens propriamente dita, às contendas, evitando-se, dessa forma, a judicialização excessiva.

Apresentamos em iniciais e breves considerações as principais modificações introduzidas, abstendo-nos de comentar dispositivos normativos incorporados ao Código de Processo Civil de 2015, já existentes na legislação extravagante.

1 NCPC-Livro Complementar. Disposições finai e transitórias, art. 1068 do NCPC, dá nova redação do art. 2027 do Código Civil.

49Inventário e Partilha no Código de Processo Civil de 2015

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2 Modificações

2.1 colação

O art. 2.004. do Código Civil dispõe:

O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.

§ 1o Se do ato de doação não constar valor certo, nem houver estimação feita naquela época, os bens serão conferidos na partilha pelo que então se calcular valessem ao tempo da liberalidade.

§ 2o Só o valor dos bens doados entrará em colação; não assim o das ben-feitorias acrescidas, as quais pertencerão ao herdeiro donatário, correndo também à conta deste os rendimentos ou lucros, assim como os danos e perdas que eles sofrerem.

O novo Código de Processo Civil, sobre a matéria, prescreve no art. 639:

“Parágrafo único. Os bens a serem conferidos na partilha, assim como as aces-sões e as benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão.”

Preciso é o comentário de Flávio Pereira Lima sobre o tema (2015, online):

[...] se as doações importam adiantamento de legítima e a colação existe para igualar as quotas hereditárias de cada herdeiro, nada mais natural que o valor dos bens colacionados corresponda ao valor dos bens ao tempo da abertura da sucessão. Desse modo, fixa-se um marco único para avaliação de todos os bens do espólio, a fim de que a comparação entre eles seja real-mente equivalente. A escolha pela data da abertura de sucessão como o momento em que se deve calcular o valor do bem objeto da colação torna a solução de algumas questões comuns em inventários bastante lógicas.

A atualização monetária do valor do bem trazido à colação deve ser conside-rada desde o momento da doação até a data do falecimento; dessa forma igua-lam-se os parâmetros de fixação dos bens do acervo hereditário, considerando-se para tal o valor dos bens ao tempo da abertura da sucessão. Preserva-se, assim, o princípio da equivalência do valor do patrimônio, objeto do inventário, além do

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que, se ao reverso o bem sofreu desvalorização, o valor do bem no momento da sucessão é que deve ser considerado para fins de colação. Se o donatário reali-zou benfeitorias às próprias custas, logicamente, essas benfeitorias não devem ser trazidas à colação, pois, em si as benfeitorias não integram o patrimônio deixado.

Quanto aos frutos percebidos, duas situações devem ser consideradas:

1 − Frutos percebidos, entre a doação e a abertura da sucessão pertencem ao donatário, não devem ser objeto de colação, porque neste caso deve-se aplicar o art. 1214 do Código Civil:

“O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. ”

2 − Frutos obtidos após o momento da sucessão devem ser trazidos à colação, porque integram o patrimônio hereditário.

2.2 Inventário

competência

O Código de Processo Civil de 2015, dispõe:

Art. 48. O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocor-rido no estrangeiro.

Parágrafo único. Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente:

I − o foro de situação dos bens imóveis;(grifo nosso) II − havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes; III − não havendo bens imó-veis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio.

O foro do último domicílio do autor da herança é o foro competente para o inventário de modo geral, com exceção dos casos em que o domi-cílio era incerto.

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Destaca-se como inovação o fato de que o inciso I, do parágrafo único, do art. 48 do Código de Processo Civil de 2015, refere-se a bens imóveis, diferentemen-te do Código de Processo Civil de 1973, que se referia “ao foro de situação dos bens”2; outra alteração refere-se aos casos em que não há bens imóveis perten-centes ao espólio, passando a ser competente o local de qualquer dos bens do espólio, diferentemente do que dispunha o Código de Processo Civil de 1973, em que a competência era o local onde ocorreu o óbito3.

Abertura

Quanto à legitimidade para o pedido de abertura do inventário, foi acrescenta-do o companheiro ou companheira “supérstite”, como legitimados:

Art. 615. O requerimento de inventário e de partilha incumbe a quem esti-ver na posse e na administração do espólio, no prazo estabelecido no art. 611. Parágrafo único. O requerimento será instruído com a certidão de óbito do autor da herança.

Art. 616. Têm, contudo, legitimidade concorrente − o cônjuge ou compa-nheiro supérstite (grifo nosso); II − o herdeiro; III − o legatário; IV − o tes-tamenteiro − o cessionário do herdeiro ou do legatário; VI − o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança; VII − o Ministério Público, ha-vendo herdeiros incapazes; VIII − a Fazenda Pública, quando tiver interesse; IX − o administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou do cônjuge ou companheiro supérstite.

Não há previsão no Código de Processo Civil de 2015 da abertura de inventário de inventário “ex ofício”, tal como dispunha o Código de Processo Civil de 19734

Reproduzo o ensinamento de Antônio Claúdio Machado da Costa, quanto à legitimidade para o pedido de abertura de inventário (1973, p.1503) também apli-cado ao novo Código de Processo Civil:

[…] o elenco [...] é taxativo ou numerus clausus, razão por que não admite interpretação ampliativa, o que não quer dizer, entretanto, que o inventá-

2 Art.96, CPC/73: Parágrafo único. É, porém, competente o foro: I − da situação dos bens, se o autor da herança não possuía domicílio certo;

3 Art.96, CPC/73: Parágrafo único. É, porém, competente o foro: I; II-do lugar em que ocorreu o óbito se o autor da herança não tinha domicílio certo e possuía bens em lugares diferentes.

4 Art. 989, CPC/73: O juiz determinará, de ofício, que se inicie o inventário, se nenhuma das pessoas mencionadas nos artigos antecedentes o requerer no prazo legal.

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rio não será aberto se um terceiro não arrolado for o único interessado na sua instauração.

Nas situações em que o terceiro interessado não se encontre no rol dos le-gitimados para requerer a abertura do inventário, cabe ao “terceiro interessado” requerer ao juiz a abertura do inventário, naturalmente com os fundamentos per-tinentes ao pedido. A interpretação desta exceção ao “numerus clausus” deve ser levada em consideração porque o terceiro interessado, de certa forma, é credor do espólio ou do autor da herança.

Inventariante

Dispõe o Código de Processo Civil de 2015:

Art. 617. O juiz nomeará inventariante na seguinte ordem:

I − o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse conviven-do com o outro ao tempo da morte deste;

II − o herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio, se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados;

III − qualquer herdeiro, quando nenhum deles estiver na posse e na admi-nistração do espólio;

IV − o herdeiro menor, por seu representante legal (grifo nosso);

V − o testamenteiro, se lhe tiver sido confiada a administração do espólio ou se toda a herança estiver distribuída em legados;

VI − o cessionário do herdeiro ou do legatário (grifo nosso);

VII − o inventariante judicial, se houver;

VIII − pessoa estranha idônea, quando não houver inventariante judicial.

Parágrafo único. O inventariante, intimado da nomeação, prestará, dentro de 5 (cinco) dias, o compromisso de bem e fielmente desempe-nhar a função.

53Inventário e Partilha no Código de Processo Civil de 2015

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O herdeiro “menor”, por seu representante, e o cessionário do herdeiro ou do legatário poderão ser nomeados inventariantes, esta é uma inovação trazida pela nova legislação processual civil.

3 Incidente de remoção do inventariante

Houve aumento do prazo para a apresentação da defesa; no Código de Pro-cesso de 2015 é de quinze dias, enquanto no anterior era de cinco dias;

“Art. 623. Requerida a remoção com fundamento em qualquer dos incisos do art. 622, será intimado o inventariante para, no prazo de 15 (quinze) dias, defen-der-se e produzir provas. Parágrafo único. O incidente da remoção correrá em apenso aos autos do inventário. ”

O inventariante removido, a partir do novo código de processo, poderá ser sancionado, punido, com multa fixada pelo juiz. A norma do art. 625 introduz a sanção por multa, fixada pelo juiz no valor igual ou inferior a três por cento do valor dos bens inventariados, além da responsabilidade por outros prejuí-zos constatados.

Art. 625. O inventariante removido entregará imediatamente ao substituto os bens do espólio e, caso deixe de fazê-lo, será compelido mediante man-dado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de bem móvel ou imóvel, sem prejuízo da multa a ser fixada pelo juiz em montante não superior a três por cento do valor dos bens inventaria-dos (grifo nosso).

4 citações

O Código de Processo Civil de 2015 prescreve a citação do cônjuge, compa-nheiro, herdeiros, legatários pelos correios, independentemente do domicílio do herdeiro ou do local em que se processa o inventário.

A citação por edital será usada somente para conhecimento de eventuais inte-ressados, bem como no caso de herdeiros com endereço desconhecido.

Dispõe o novo Código de Processo Civil:

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Art. 626. Feitas as primeiras declarações, o juiz mandará citar, para os termos do inventário e da partilha, o cônjuge, o companheiro, os herdeiros e os legatários e intimar a Fazenda Pública, o Ministério Público, se houver her-deiro incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se houver testamento.

§ 1o O cônjuge ou o companheiro, os herdeiros e os legatários serão citados pelo correio, observado o disposto no art. 247, sendo, ainda, publicado edi-tal, nos termos do inciso III do art. 259.

Anteriormente, a citação era feita por oficial de justiça, quanto aos herdeiros residentes no local em que tramitava o inventário, e a citação para os demais her-deiros era por edital. Houve também a ampliação do prazo de dez para quinze dias (grifo nosso), a partir da última citação, para a manifestação e impugnações sobre as primeiras declarações:

“Art. 627. Concluídas as citações, abrir-se-á vista às partes, em cartório e pelo prazo comum de 15 (quinze) dias, para que se manifestem sobre as primeiras de-clarações […].”

5 Uso de bens do acervo hereditário

Poderá o herdeiro usar e fruir de bem componente do acervo hereditário, antes do julgamento da partilha, desde que haja autorização do juiz do inven-tário, com a condição de que tal bem passe a integrar o quinhão do herdeiro, e assumindo o herdeiro os ônus e bônus decorrentes do exercício antecipado da posse da pretensa cota da herança. A inovação encontra-se na norma inserta do art. 647 do Código de Processo Civil de 2015:

Art. 647. Cumprido o disposto no art. 642, § 3o, o juiz facultará às partes que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, formulem o pedido de quinhão e, em seguida, proferirá a decisão de deliberação da partilha, resolvendo os pedidos das partes e designando os bens que devam constituir quinhão de cada herdeiro e legatário.

Parágrafo único. O juiz poderá, em decisão fundamentada, deferir ante-cipadamente a qualquer dos herdeiros o exercício dos direitos de usar e de fruir de determinado bem, com a condição de que, ao término do inventário, tal bem integre a cota desse herdeiro, cabendo a este, desde o deferimento, todos os ônus e bônus decorrentes do exercício daque-les direitos (grifo nosso).

55Inventário e Partilha no Código de Processo Civil de 2015

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6 partilha

Quanto ao procedimento da partilha, o Código de Processo Civil de 2015 esta-beleceu que na divisão dos bens fossem levadas em consideração a prevenção de litígios futuros, a igualdade dos quinhões de cada herdeiro e a comodidade dos herdeiros e coerdeiros, cônjuge e companheiro.

Art. 648. Na partilha, serão observadas as seguintes regras: I − a máxima igualdade possível quanto ao valor, à natureza e à qualidade dos bens; II − a prevenção de litígios futuros; III − a máxima comodidade dos coerdeiros, do cônjuge ou do companheiro, se for o caso.

Quando não for possível a divisão dos bens destinados ao cônjuge ou compa-nheiro supérstite, ou ainda ao quinhão dos herdeiros, deverá ser feita a alienação judicial, repartindo-se os valores apurados conforme a divisão; não obstante, fica ressalvado, se houver acordo quanto ao condomínio do bem entre os herdeiros, a adjudicação, assim dispõe o novo Código de Processo Civil:

Art. 649. Os bens insuscetíveis de divisão cômoda que não couberem na parte do cônjuge ou companheiro supérstite ou no quinhão de um só her-deiro serão licitados entre os interessados ou vendidos judicialmente, par-tilhando-se o valor apurado, salvo se houver acordo para que sejam adjudi-cados a todos.

Quanto ao nascituro, dispõe o art. 650 do Código de Processo Civil de 2015, a reserva do quinhão hereditário, sob a administração do inventariante, o qual será o depositário e responsável pela entrega do quinhão ao responsável legal quan-do do nascimento do herdeiro.

“Art. 650. Se um dos interessados for nascituro, o quinhão que lhe caberá será reservado em poder do inventariante até o seu nascimento. ”

6.1 pagamento de impostos e julgamento da partilha

O novo Código de Processo Civil possibilita o julgamento da partilha mesmo diante da existência de dívidas para com a Fazenda Pública, desde que haja ga-rantia do pagamento do tributo.

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Art. 654. Pago o imposto de transmissão a título de morte e juntada aos autos certidão ou informação negativa de dívida para com a Fazenda Pú-blica, o juiz julgará por sentença a partilha. parágrafo único. A existência de dívida para com a Fazenda pública não impedirá o julgamento da partilha, desde que o seu pagamento esteja devidamente garantido (grifo nosso).

7 Arrolamento

O Código de Processo Civil de 2015 prevê a possibilidade de arrolamento co-mum, quando a herança for de pequeno valor, isto é, quando for igual ou menor a mil salários mínimos, mesmo com interessado ou herdeiro incapaz, desde que haja anuência do Ministério Público e de todas as partes.

Art. 664. Quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a 1.000 (mil) salários mínimos, o inventário processar-se-á na forma de arrolamento, cabendo ao inventariante nomeado, independentemente de assinatura de termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribuição de valor aos bens do espólio e o plano da partilha.

Art. 665. O inventário processar-se-á também na forma do art. 664, ainda que haja interessado incapaz, desde que concordem todas as partes e o Mi-nistério Público.

Prevalecem, todavia, as normas relativas ao arrolamento sumário, no que se refere à restrição quando da existência de incapaz. Neste aspecto o Código de Processo Civil de 2015 poderia ter ido além, contemplando também a possi-bilidade de partilha amigável, desde que houvesse manifestação favorável do Ministério Público.

“Art. 659. A partilha amigável, celebrada entre partes capazes, nos ter-mos da lei, será homologada de plano pelo juiz, com observância dos arts. 660 a 663.”

57Inventário e Partilha no Código de Processo Civil de 2015

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8 conclusão

As modificações introduzidas no Código de Processo de 2015 quanto ao inventário e partilhas consolidam práticas processuais e entendimentos ju-risprudenciais já existentes. A legislação, relativa ao procedimento adotado, precisa de outras modificações a fim de que a celeridade processual almejada seja alcançada.

As normas referentes à adoção do inventário extrajudicial precisam ser aper-feiçoadas de modo que seja incentivada a opção pela via extrajudicial. A prote-ção dos interesses das Fazendas Públicas e dos direitos dos incapazes poderiam ser ampliadas com a participação das procuradorias fazendárias e do Ministério Público, de forma mais intensa e desburocratizada nos processos de inventário, restringindo-se ao Judiciário somente os casos litigiosos.

A burocracia no cálculo e recolhimentos de impostos de transmissão “causa mortis” e mesmo a precariedade da divulgação dos procedimentos pelos ór-gãos públicos interessados penalizam o cidadão comum, afrontando de ma-neira prática o texto constitucional, no tocante ao acesso à justiça de modo amplo, porque nega o direito e, na maioria das vezes, traz prejuízos patrimo-niais para os herdeiros.

Sugere-se que, ocorrido o óbito, o fato deva ser de imediato comunicado ao órgão arrecadador do tributo; ato contínuo, proceder-se-ia ao lançamento tribu-tário, com a comunicação aos herdeiros, em tese, no endereço do último domicí-lio do falecido, ou no endereço de localização, ou outros endereços comerciais, a fim de que os tributos pudessem ser pagos. Providências desta monta serviriam para que o desenrolar do inventário fosse mais dinâmico. Claro que as mais diver-sas exceções também seriam objeto de aperfeiçoamento normativo, mas afasta-riam a excessiva burocratização do processo.

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Referências

ALMADA, Ney de Mello. Petição de herança no Novo Código civil. Revista Literária de Direito. São Paulo. v. 42, 2002.

Furst, Marcela Marial. Do inventário “arrolamento comum” e o Novo cpc. Disponível em: http://www.armador.com.br/wp-posts/do-inventario-arrolamento-comumeo-novo-cpc>. Acessado em: 6 jan. 2016.

LIMA, Flávio Pereira Lima. Reflexões sobre o novo cpc: o vai e vem da colação. Jota. Disponível em: <http://jota.info/reflexoes-sobre-o-novo-cpc-o-vai-e-vem-da-colacao>. Acessado em: 4 ago. 2015.

MACHADO, Antônio Claúdio da Costa. código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 4. ed. Barueri: Manole,2004,1893p.

Referência do artigo

CORDEIRO, Fernando Antônio Sabino. Inventário e Partilha no Código de Processo Civil de 2015. Revista da ESMApE, Recife, v. 20/21 – n. 42/43 – p. 47-58 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016.

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O sistema de precedentes vinculantes e o incremento da eficiência na prestação jurisdicional:

aplicar a ratio decidendi sem rediscuti-la

Frederico Augusto Leopoldino KoehlerMestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

Membro e Secretário-Adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP.

Membro e Diretor da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP.

Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.

Juiz Federal.

O presente artigo analisa como o sistema de precedentes vinculantes pode tornar o proces-so civil brasileiro mais racional, resultando em uma prestação jurisdicional mais eficiente. Isso decorrerá da simplificação do ônus argumen-tativo do juiz ao transpor para o caso concreto a ratio decidendi contida no precedente. Com isso, economiza-se o tempo que o magistrado

perderia enfrentando novamente toda a argu-mentação jurídica que já fora apreciada no mo-mento de formação do precedente, o que será especialmente útil nas demandas de massa.

palavras-chave: Direito Processual Civil. CPC/2015. Precedentes obrigatórios. Motiva-ção. Eficiência. Razoável duração do processo.

Resumo

The present article analyzes how a system of binding precedents can make the Civil Procedure in Brazil more rational, resulting in a more efficient Justice making. This will come from the simplification of the argumentative burden of the judge when applying the ratio decidendi of the precedent in a particular case. In this way, judges will save time they would otherwise lose facing the same legal

reasoning that has already been defined and consolidated in the construction of the precedent, which will be specially helpful in repetitive claims.

Keywords: Civil Procedure. New Brazilian Code of Civil Procedure. Binding precedents. Reasons for judgment. Efficiency. Reasonable duration of the process.

Abstract

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1 Introdução

Com a entrada em vigor do NCPC, surgem vários questionamentos da comu-nidade jurídica, especialmente sobre sua real contribuição para uma maior efeti-vidade da prestação jurisdicional e para que a tramitação dos processos se dê em prazo razoável, cumprindo-se, afinal, a determinação do art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal.

O presente artigo visa a analisar o impacto positivo que o sistema de prece-dentes vinculantes pode trazer para o processo civil brasileiro. O foco será a análi-se do momento de aplicação dos precedentes – não o de sua formação –, a fim de aferir se há algum aumento de eficiência derivado dessa nova sistemática.

Procederemos a uma análise, portanto, de como a fundamentação da decisão, nos casos de aplicação de precedente obrigatório, difere da motivação elaborada em um processo em que não haja a vinculação a precedente, e como isso irá im-pactar o trabalho cotidiano dos magistrados brasileiros.

2 A fundamentação das decisões judiciais no cpc/2015 (o art. 489, §1º)

A questão que se coloca nesse artigo é a seguinte: a prolatação de uma decisão judicial baseada em precedente obrigatório exige o mesmo nível de fundamen-tação de uma decisão que não esteja aplicando um precedente dessa natureza?

Formulando de outra maneira: ao transpor para um caso concreto a ratio deci-dendi contida no precedente, deve o magistrado enfrentar a argumentação jurídi-ca que já fora apreciada no momento de sua formação?

Vejamos.

O art. 489, §1º, do CPC/2015, prescreve:

“§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela in-terlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

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II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julga-mento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”

Como se vê, houve uma enorme preocupação do legislador em explicitar, de forma detalhada, os equívocos que uma decisão judicial não deve cometer, sob pena de considerar-se não fundamentada e, portanto, nula, com base no art. 93, inc. IX, da CF/1988 e no art. 11 do CPC/2015.

Boa parte da magistratura nacional receia que o dispositivo transcrito traga mais demora à tramitação dos feitos, na medida em que exigirá um maior tra-balho de fundamentação, acompanhado de um possível aumento da oposição de embargos declaratórios1. É o que demonstra o teor de alguns dos enunciados aprovados no seminário “O Poder Judiciário e o novo CPC”, realizado pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados2: “Enunciado 47: “O art. 489 do CPC/2015 não se aplica ao sistema de juizados especiais”; Enun-ciado 9: “É ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC/2015, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula”; Enunciado 12: “Não ofende a norma extraível do inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC/2015 a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame tenha ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante”.

1 Defendendo a inaplicabilidade do art. 489, §1º, ao sistema dos juizados especiais, confira-se: OLIVEIRA, Eduardo Perez. O dever de motivação das sentenças no Novo CPC – impacto no microssistema dos juizados especiais (cíveis, federais e da Fazenda Pública). In GAJARDONI, Fernando (coord.). Magistratura. Coleção Repercussões do Novo CPC, vol. 1. Salvador: Juspo-divm, 2015, p. 101-103.

2 A ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados promoveu o seminário “O Poder Judiciário e o novo CPC”, com a participação de cerca de 500 juízes estaduais e federais de todo o país, no período de 26 a 28 de agosto de 2015, em que foram aprovados 62 enunciados interpretativos sobre o NCPC. O quórum de aprovação era de 2/3 (dois terços) dos participantes.

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Entendemos, contudo, que tal receio não se justifica.

O art. 489, §1º, do CPC/2015, na verdade, apenas esmiuça os deveres de funda-mentação que todo magistrado já deveria ter sob a égide do CPC/1973. O inc. IV – de longe, o que mais polêmica tem gerado –, que prevê a nulidade para a decisão que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”, nada inova em relação à sistemática do CPC/1973, uma vez que o magistrado jamais poderia deixar de enfrentar um argumento capaz de infirmar a conclusão da sua decisão.

3 A fundamentação das decisões judiciais com base em precedentes obrigatórios

Avançando para responder à pergunta central do presente artigo, podemos afirmar: não há sentido em obrigar que, no instante em que aplica o precedente vinculante, o juiz novamente – e sempre – tenha que (re)enfrentar toda a argu-mentação jurídica que já fora apreciada no momento de formação do precedente.

O enunciado 524 do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC dis-põe exatamente nesse sentido3: “O art. 489, §1º, IV, não obriga o órgão julgador a enfrentar os fundamentos jurídicos deduzidos no processo e já enfrentados na forma-ção da decisão paradigma, sendo necessário demonstrar a correlação fática e jurídi-ca entre o caso concreto e aquele já apreciado”.

O enunciado 13 da ENFAM segue a mesma senda: “O art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015 não obriga o juiz a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido enfrentados na formação dos precedentes obrigatórios”.

Fique bem claro, no entanto, que não se está defendendo que o funcionamen-to de um sistema de precedentes seja menos complexo do que o sistema atual. Pelo contrário, os cuidados necessários na formação e na aplicação dos preceden-tes são inúmeros.

3 O FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis consiste em um encontro semestral (a partir de 2016 será anual) que conta com a participação de professores de processo de várias carreiras jurídicas (no último encontro, em Curitiba, estiveram presentes mais de 300 participantes de todo o país), e que tem como objetivo a elaboração de enunciados interpretativos sobre o NCPC. Para aprovação de um enunciado, exige-se a concordância da unanimidade dos participantes.

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Defende-se, isto sim, que, em um sistema abarrotado de demandas repeti-tivas e de conflitos de massa, o ganho operacional em virtude da aplicação do sistema de precedentes é inegável. Poupa-se retrabalho em todos os processos em que o juiz teria que reforçar a argumentação já enfrentada e esgotada pela corte superior.

Importante a lição de Marinoni, de que é imprescindível justificar-se sempre a aplicação de um precedente, impondo-se identificar a ratio decidendi, isto é, os fundamentos determinantes do precedente que se deseja aplicar, bem como os fatos subjacentes no precedente, a fim de verificar-se a correlação fática e jurídica entre o paradigma e o caso concreto4.

Corroborando o afirmado, colhe-se o enunciado 19 da ENFAM: “A decisão que aplica a tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos não precisa enfrentar os fundamentos já analisados na decisão paradigma, sendo suficiente, para fins de atendimento das exigências constantes no art. 489, § 1º, do CPC/2015, a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no incidente de solução concentrada”.

Note-se que examinar a correlação fática e jurídica do caso concreto nem sem-pre é tarefa fácil, pois cada processo singular possui peculiaridades e ostenta si-tuações diferenciadas. Porém, um campo onde esse mister é facilitado é o das demandas de massa, as quais, via de regra, tratam de situações idênticas e de fácil cotejo com o paradigma.

Perceba-se que o art. 489, §1º, inc. V, do CPC/2015 visa a combater a prá-tica das pseudofundamentações, isto é, das decisões que, a pretexto de ana-lisarem as razões que ensejaram a aplicação dos precedentes, limitam-se a mencionar apenas ementas de julgados ou de enunciados de súmulas, sem fazer a imprescindível correlação fática e jurídica do caso paradigma com o caso concreto5.

Quando o precedente vinculante é aplicado de forma tecnicamente correta, o julgamento torna-se mais rápido, sendo até mesmo possível que seja feito

4 MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao art. 926 do CPC/2015. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et all (Coords.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 2077.

5 CAMBI, Eduardo; HELLMAN, Renê Francisco. Os precedentes e o dever de motivação no Novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 654.

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por decisão monocrática do relator, conforme previsto no art. 932, inc. IV e V do CPC/20156. Gustavo Nogueira fornece o relato de Benjamin Cardozo, Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos da América entre 1932 e 1938, de que o trabalho dos juízes seria imensamente maior caso não pudessem assentar suas decisões em precedentes em que já houve discussão exaustiva dos argumentos pertinentes à causa7.

Como visto, a aplicação da tese firmada em precedente vinculante (a exem-plo do julgamento de casos repetitivos8) retira a necessidade de argumentação complementar em relação aos fundamentos que formam a ratio decidendi. É por isso que o CPC/2015 cria os princípios da comparticipação, coerência, integrida-de, estabilidade e da busca do resgate da efetiva colegialidade na formação do precedente para, com esta medida, evitar-se o retrabalho no momento de sua aplicação. O cuidado na formação do precedente evita reanálises dos tribunais, como ocorre atualmente, em que constantemente se impõe o exame de argu-mentos negligenciados no momento de formação da ratio decidendi9. Ou seja, um precedente formado às pressas, sem a atenção devida e sem o respeito ao contraditório ampliado, não terá esse efeito positivo de redução do retrabalho no momento de aplicação da ratio decidendi.

De fato, motivação é o núcleo forte do sistema de precedentes – até porque é nela que reside a ratio decidendi – o que impõe maior qualidade no momento da elaboração dos precedentes10.

Daí a grande relevância de se distinguir um sistema de precedentes funcionan-do corretamente de um mero sistema de elaboração e aplicação de enunciados de súmulas, tal como ocorreu até hoje no processo brasileiro. Não se pode olvidar

6 “Art. 932. Incumbe ao relator:(...).IV – negar provimento a recurso que for contrário a:a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;V – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;”

7 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e brasileiros. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 89.

8 Conforme o art. 928, a expressão “julgamento de casos repetitivos” abrange os recursos extraordinários e especiais julgados em regime de recursos repetitivos e o julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR.

9 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Franco Melo; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: funda-mentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 298.

10 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. Vol. 2. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 470.

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que, por mais que se tente esgotar a discussão a partir de um enunciado de sú-mula, o fato é que este é um texto e, como tal, possui o mesmo pathos da lei: estão sempre sujeitos à interpretação no momento de aplicação11.

A aplicação de um precedente não consiste em uma operação subsuntiva com uma submissão mecânica e cega. Não se dispensa, por óbvio, algum grau de interpretação para a aplicação do acórdão paradigma. Lênio Streck e Geor-ges Abboud alertam sobre os perigos de uma aplicação dos precedentes de forma dedutiva-subsuntiva-mecânica, como um silogismo, e alertando ser in-dispensável – e inescapável –, também nesses casos, a intepretação por parte do julgador. As decisões que utilizarão como base a ratio decidendi de um pre-cedente vinculante não serão frutos de silogismo. Pelo contrário, elas também constituem atos hermenêuticos12.

Há que se ter sempre o cuidado de não se utilizar os precedentes de forma irrefletida, isto é, sem que se faça a comparação dos fatos do caso concreto com a situação fática que compõe a ratio decidendi. Viola a igualdade o comportamento do tribunal que aplica um precedente a uma situação substancialmente distinta daquela que gerou a ratio decidendi. Por isso o NCPC prevê a técnica da distinção (arts. 489, §1º, V e VI, e 927, §1º), por meio da qual o julgador deve verificar se há similitude fática entre o caso paradigma e o caso em julgamento, de modo a fazer incidir ou não a ratio decidendi. Deve o julgador delinear, também, e de forma explícita, a tese jurídica adotada para se chegar à conclusão exposta na parte dis-positiva. Isso para que as partes possam submeter a aplicação da ratio decidendi a eventual controle recursal13.

Logo, não se afirma aqui que o magistrado deva seguir os precedentes de for-ma acrítica. Apesar da possibilidade de uma fundamentação mais concisa nesse caso, tal fato não exime o magistrado de, como dito acima, comprovar a correla-ção fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no processo para-digma. Em verificando não existir essa correlação fática e jurídica, deverá o julga-

11 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Franco Melo; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: funda-mentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 298.

12 STRECK, Lênio; ABBOUD, Georges. O NCPC e os precedentes – afinal, do que estamos falando. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 175-182. Com a mesma preocupação, confira-se: SEDLACEK, Federico D. Misceláneas argentinas del precedente judicial, y su relación con el nuevo CPC de Brasil. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 380-381.

13 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. Vol. 2. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 469 e 471.

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dor operar a distinção, desvinculando a solução do caso concreto daquela solução obtida no precedente.

Nesse sentido, dispõe o enunciado 306 do FPPC: “O precedente vinculante não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir o caso sob julgamento, demons-trando, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fáti-ca distinta, a impor solução jurídica diversa” e o enunciado 20 da ENFAM: “O pedido fundado em tese aprovada em IRDR deverá ser julgado procedente, respeitados o contraditório e a ampla defesa, salvo se for o caso de distinção ou se houver supera-ção do entendimento pelo tribunal competente”.

Sobre o tema, pede-se vênia para transcrever um trecho esclarecedor de arti-go de Dierle Nunes14:

“Julgar melhor para julgar menos à medida que um precedente que abor-de todos os fundamentos, favoráveis ou contrários (dever de consideração: artigo 489, §1º, IV), em contraditório amplo, com participação de amici curiae, oitiva de argumentos em audiências públicas e respeito a um dever de con-gruência entre o que se fixou para julgamento e o que se efetivamente julgou, poderá induzir uma efetiva redução do retrabalho e, inclusive, diminuição da litigiosidade pela existência de uma verdadeira opinião da corte sobre o caso, de modo a se assegurar uma jurisprudência coerente, íntegra e estável (artigo 926).

Este precedente serviria como fundamento de julgamento (artigo 489, §1º, V e VI) em: a) julgamentos liminares de improcedência (artigo 332); b) tutelas antecipadas da evidência (artigo 311, II); c) decisões monocráti-cas (artigo 932, IV e V); d) resolução de conflitos de competência (artigo 955, parágrafo único, I e II); e) obtenção de executividade imediata de sentenças (artigo 1.012, V); f ) impedimento de reexame necessário (artigo 496, §4º, II). Não se olvidando de potenciais funções rescindentes (artigos 525, §15 e 535, §§5º e 8º).” (grifou-se)

Como visto, há inúmeras situações processuais – como o julgamento liminar de improcedência (artigo 332), a tutela antecipada de evidência (artigo 311, inc. II), e as decisões monocráticas (artigo 932, inc. IV e V) – em que a existência de precedentes vinculantes poderá abreviar o trâmite processual e tornar a jurisdi-ção mais eficiente.

14 NUNES, Dierle. Proposta de reforma do novo Código de Processo Civil apresenta riscos. Revista Consultor Jurídico, 26 de no-vembro de 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-nov-26/dierle-nunes-proposta-reforma-cpc-apresenta-riscos>. Acesso em: 03 fev. 2016.

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No que tange ao julgamento liminar de improcedência do pedido, por exem-plo, é permitida a sua aplicação desde que embasada na existência de preceden-tes vinculantes, e desde que não seja necessária a produção de provas sobre os fatos alegados pelo autor, o que resultará na prolatação imediata da sentença, com a dispensa da citação do réu15.

Fenômeno análogo ocorrerá com o julgamento de demandas de massa em-basadas em um precedente formado no âmbito do incidente de resolução de de-mandas repetitivas – IRDR, o que deverá contribuir para a razoável duração dos processos. O juiz, com respaldo no precedente, irá transpor ao julgamento do caso concreto a razão de decidir já assentada, podendo: a) julgar a demanda limi-narmente improcedente, com base no art. 332, inc. III, do CPC/2015; ou b) conce-der liminarmente a tutela de evidência, com espeque no art. 311, inc. II, quando as alegações de fato puderem ser comprovadas integralmente pela via documental. Tal sistemática, como se nota, abreviará a resolução do processo16. A propósito, o enunciado 31 da ENFAM propõe que: “A concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, II, do CPC/2015 independe do trânsito em julgado da decisão paradigma”.

A aplicação dos precedentes vinculantes também contribui para combater uma péssima praxe solidificada em nosso direito, qual seja, a coexistência de julgamen-tos díspares para situações idênticas, em afronta à igualdade, imparcialidade e à segurança jurídica. De fato, o Poder Judiciário não pode ser reduzido à soma dos va-lores e opiniões individuais de seus membros, não se podendo olvidar que os juízes e tribunais fazem parte de um só sistema e Poder, o que caracteriza o aspecto insti-tucional das decisões judiciais. O juiz não está submetido apenas à lei em abstrato, mas também à norma jurídica que os tribunais extraem da lei ao interpretá-la17.

O desafio do momento é a superação do individualismo nas decisões judiciais, avançando-se para um modelo mais institucionalista, obedecendo-se ao dever de autorreferência, ou seja, de um maior respeito aos precedentes. Só isso permitirá que os litigantes sejam tratados de forma isonômica, com maior previsibilidade e segurança jurídica18.15 CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente e resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 469.

16 STEINBERG, José Fernando. Impacto do NCPC na uniformização de jurisprudência nos juizados especiais. In: REDONDO, Bruno Garcia; SANTOS, Welder Queiroz dos; SILVA, Augusto Vinícius Fonseca e; VALLADARES, Leandro Carlos Pereira. Juizados Especiais. Coleção Repercussões do Novo CPC, vol. 7. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 563.

17 MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao art. 926 do CPC/2015. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et all (Coords.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 2073.

18 PEIXOTO, Ravi. A recepção legislativa e o stare decisis – um breve estudo dos desafios rumo ao desenvolvimento de uma teo-ria brasileira dos precedentes a partir do CPC/2015. In: SANTANA, Alexandre Ávalo; ANDRADE NETO, José de (coord.). Novo CPC: análise doutrinária sobre o novo direito processual brasileiro, vol. 3. Campo Grande: Contemplar: 2016, p. 311.

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O solipsismo (julgamento autocentrado, sem observância à doutrina e à ju-risprudência), o panprincipiologismo (uso exacerbado de princípios, sem a fun-damentação adequada) e o sistemático desrespeito aos precedentes, no Brasil, têm comprometido o próprio Estado de Direito, na medida em que as coisas passam a ocorrer como se houvesse várias leis regendo a mesma conduta, o que gera um clima de insegurança jurídica e ausência de previsibilidade19. Esse estado de coisas é o que Eduardo Cambi chamou de jurisprudência lotérica20.

A jurisprudência lotérica afronta a coerência jurídica e a integridade do Direi-to e deslegitima a prestação jurisdicional, uma vez que as normas são aplicadas de maneira diferente para casos similares. A isonomia só será cumprida quando situações análogas forem decididas da mesma maneira. Caso contrário, teremos imprevisibilidade, instabilidade e dificuldade do cidadão em saber como se por-tar em suas relações jurídicas21.

Os precedentes não são formados tão somente para a solução do caso concre-to, mas sim de todos os casos em situação análoga, conferindo a todo o sistema, assim, um controle de racionalidade decorrente da regra de universalização22. O afastamento da regra de universalização deve ser feito apenas, excepcionalmen-te, e tem que ser fortemente justificado.

Aí que entra a ideia de uma argumentação qualificada, uma espécie de ônus argumentativo do órgão julgador para quando seja o caso de se apartar do pre-cedente. Tal ônus não está presente quando seja o caso de seguir o precedente, hipótese em que a tarefa de fundamentação estará facilitada.

Chaim Perelman leciona sobre o princípio da inércia, segundo o qual um pre-cedente somente pode ser modificado se existirem razões suficientes, pesando em seu favor o ônus argumentativo. O princípio da inércia não é a principal jus-tificação racional para o sistema de precedentes, cabendo tal lugar de destaque à regra de universalização, acima mencionada. A inércia vale apenas como ônus argumentativo, ou seja, a presunção a favor dos precedentes23.

19 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues. Precedentes e fundamentação no NCPC. In: SANTANA, Alexandre Ávalo; ANDRADE NETO, José de (coord.). Novo CPC: análise doutrinária sobre o novo direito processual brasileiro, vol. 3. Campo Grande: Contemplar: 2016, p. 323.

20 CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. RT 78/108-128. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr. 2001, p. 111.

21 CAMBI, Eduardo; MARGRAF, Alencar Frederico. Casuísmos judiciários e precedentes judiciais. In: SANTANA, Alexandre Ávalo; ANDRADE NETO, José de (coord.). Novo CPC: análise doutrinária sobre o novo direito processual brasileiro, vol. 3. Campo Grande: Contemplar: 2016, p. 363.

22 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 353.

23 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 357.

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O princípio da inércia argumentativa é concretizado no art. 489, §1º, incisos V e VI, do CPC/2015, cujo conteúdo consiste em dispensar de uma ampla argu-mentação o magistrado que, no julgamento de caso posterior, segue preceden-te firmado em caso análogo. Por outro lado, exige-se uma carga argumentativa qualificada ao magistrado que pretenda se afastar da ratio decidendi de prece-dente aplicável ao caso em julgamento. Exige-se do julgador uma fundamen-tação qualificada, com pesado ônus argumentativo, do qual se desincumbirá apenas se demonstrar superação (overruling) do precedente – o que só poderá ser feito pelo tribunal que formou o precedente ou por tribunal superior – ou a distinção (distinguishing)24.

O juiz pode – e isso é desejável, sempre que possível – acrescentar novos ar-gumentos para seguir o precedente, mas não desafiá-lo em sua ratio decidendi. As partes podem trazer argumentos novos na tentativa de superar o precedente – e isso costuma acontecer bastante nas demandas de massa – mas quem terá de enfrentá-los é somente e, se for o caso, o tribunal que criou o precedente. A superação, repita-se, só pode ser feita por quem criou o precedente ou por tribu-nal superior. O papel mais importante, nos casos de aplicação de precedentes, é verificar se é ou não o caso de distinção, essa sim uma atribuição de todos os ma-gistrados que julgarem o feito, mesmo que não componham o órgão responsável pela formação do precedente25.

Portanto, a obrigatoriedade de obediência ao precedente isenta o juiz de res-ponsabilidade pelo teor da decisão paradigma. O julgador, ao aplicar o preceden-te, pode, justificadamente, diminuir a carga de argumentação jurídica emprega-da no caso concreto. Como diz Frederick Schauer, o produto líquido disso será uma redução substancial no esforço decisório e é precisamente aí que a eficiência pode justificar a adoção de um sistema de precedentes vinculantes26.

Além de evitar o retrabalho, a aplicação da ratio decidendi dos precedentes vinculantes possui, ainda, um outro fator positivo. Isso porque o costume atual

24 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes e fundamentação no NCPC. In: SANTANA, Alexandre Ávalo; ANDRADE NETO, José de (coord.). Novo CPC: análise doutrinária sobre o novo direito processual brasileiro, vol. 3. Campo Grande: Con-templar: 2016, p. 345.

25 Nesse sentido, confira-se: GOUVEIA, Lúcio Grassi de; BREITENBACH, Fábio Gabriel. Sistema de precedentes no novo Código de Processo Civil brasileiro: um passo para o enfraquecimento da jurisprudência lotérica dos tribunais. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 513; PEIXOTO, Ravi. Aspectos materiais e processuais da superação de precedentes no processo brasileiro. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 546.

26 SCHAUER, Frederick. Precedente. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 80.

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dos tribunais, de sempre reenfrentar a mesma questão jurídica, leva a frequentes mudanças de entendimento, até pela tentação de cada novo julgador querer ree-xaminar a questão com sua própria ideologia27.

Note-se que o juiz, embora não esteja autorizado a realizar a superação, pode-rá, sem sombra de dúvidas, influenciar a corte formadora do precedente por meio da técnica de ressalva de entendimento. Tal técnica consiste em curvar-se ao posi-cionamento cristalizado no precedente sem abrir mão de argumentar de acordo com o ponto de vista contrário, possibilitando ao tribunal, no momento adequa-do, realizar eventual superação.

A propósito, colaciona-se o enunciado 172 do FPPC: “A decisão que aplica pre-cedentes, com a ressalva de entendimento do julgador, não é contraditória”.

Por fim, conclui-se que a paz social não se atinge por um utópico consenso em torno das decisões estatais, mas sim, pela imunização contra os ataques dos contrariados, ou seja, os jurisdicionados precisam se conformar com a respos-ta dada pelo Poder Judiciário. Essa resignação se dá em virtude da obediência ao devido processo legal e à possibilidade de exaurimento de todas as instân-cias, mesmo quando a decisão for contrária aos seus interesses imediatos28. A imunização, portanto, ocorre no momento da fixação do precedente vinculan-te, ocasião em que contraditório deve ser ampliado, de modo a permitir am-pla participação da sociedade nesse instante fundamental. Não caberá, assim, a rediscussão do precedente em casos futuros, pois o litígio em questão já se encontra imunizado.

4 conclusão

Conclui-se que o sistema de precedentes obrigatórios, se corretamente aplicado, representará, além da concretização da isonomia e de mais seguran-ça jurídica na aplicação da norma – o que não foi o tema central deste ensaio –, uma prestação jurisdicional mais efetiva e uma redução no tempo de trami-tação dos processos.

27 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p. 136-8.

28 CAMBI, Eduardo; HELLMAN, Renê Francisco. Os precedentes e o dever de motivação no Novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 654.

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Isso decorrerá, como visto, da racionalização do ônus argumentativo do juiz no momento do julgamento, com a transposição para o caso concreto da ratio decidendi contida no precedente. Com isso, economiza-se o tempo que o magis-trado perderia enfrentando novamente toda a argumentação jurídica que já fora apreciada no momento de formação do precedente.

Como doutrina Frederick Schauer, a subordinação aos precedentes acarreta uma padronização e uma estabilidade de decisões e um consequente aumento da consistência interna do sistema jurisdicional, emprestando maior credibilida-de ao Poder Judiciário, o que o fortalece como instituição29.

José Henrique Mouta Araújo, por sua vez, leciona que estamos diante de um caminho sem volta, qual seja, a otimização do tempo e das decisões dos tribu-nais, especialmente em matérias repetitivas, que geralmente envolvem litigantes habituais. A liberdade de criação dos juízes estará restringida nos casos análogos já julgados em precedentes vinculantes, estimulando-se a fundamentação per re-lationem. Há, neste sentido, a necessidade de ser repensado o próprio princípio da motivação judicial e, consequentemente, o papel do juiz e sua liberdade na criação e aplicação do direito30.

Estamos cientes, entretanto, de que o pleno funcionamento do sistema de precedentes no Brasil deve demorar alguns anos, até que se modifique a cul-tura atual de formação e aplicação da jurisprudência das cortes judiciárias em nosso país.

Referências

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ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. As demandas de massa e o projeto de novo código de processo civil. In: FREIRE, Alexandre et al (org.). Novas Tendências do

29 SCHAUER, Frederick. Precedente. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 81.

30 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Os precedentes vinculantes e o Novo CPC: o futuro da liberdade interpretativa e do processo de criação do direito. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 431 e 435.

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Referência do artigo

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A nova interpretação constitucional e o poder de revigorar a constituição

Uma nova exegese construindo novos paradigmas

Hugo Vinicius castro JiménezJuiz de Direito Titular da 3ª Vara Cível de Vitória de Santo Antão/TJPE.

Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Professor de Teoria do Estado e Ciência

Política e Teoria da Argumentação da Faculdade Osman Lins/FACOL/Vitória de Santo Antão/PE.

O presente trabalho visa tratar do poder ineren-te à própria Constituição, em caso particular, a Carta Fundamental do Brasil de, em constância e sem a necessidade de reformas, manter em seu núcleo a capacidade, por assim dizer, de se reinventar e revigorar sua força, sobremaneira, no aspecto de Constituição Material. Para tanto

os novos instrumentos de ordem hermenêutica, que sejam os Princípios Constitucionais, aliados aos métodos concretizadores, embasam sus-tentáculo para o papel em ênfase.

palavras-chave: Constituição. Revigorar. Prin-cípios. Hermenêutica.

Resumo

This Work/Paper aims at approaching the potency, by the way, inherent in the Constitution Itself, the so-called, properly Brazilian “Carta Magna”, Its power – it must be said, again, of persistently, independently of any type of reforms, of maintaining, in Its own “Nucleus” the competency, so to say, of reiterating and reinvigorating its full power, overall in the side regarding to material

Constitution. In this perspective, the new instruments concerning the hermetic order, i.e., the Constitutional Principles, together with the methods which are used to make real, provide a concrete base for the role under analysis.

Keywords: Constitution. To Reinvigorate. Principles. Hermeneutics.

Abstract

76 Hugo Vinicius Castro Jiménez

Revista da EsmapE – Recife – v. 20/21 – n. 42/43 – p. 75-86 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016

Introdução

O Elemento a toda prova almejado, no presente propósito, enseja velar pelo exercício da interpretação constitucional em face de uma nova realidade à luz da construção de novos paradigmas do Direito Constitucional.

Muitos foram, portanto, os que propalaram, já desde Roma, o lugar comum de onde encontrar-se o homem, aí encontrar-se-ia a sociedade e então, o direito. Portanto, contextualizando uma visão mais panorâmica, nada mais atual que a “agnominada” Nova interpretação constitucional e a capacidade ínsita a esta de tutelar e, por que não dizer, “revigorar” a própria Constituição.

Neste plano, então, muitos são os métodos ou os meios para tal, como a exem-plo da concretização constitucional edificada, ora nos pronunciamentos de Kon-rad Hesse, ora nos pronunciamentos de Friedirich Müller.

Portanto, trilha o presente trabalho superar a hermenêutica tradicional pela Nova interpretação constitucional, depois descortinar o método de interpretação conhecido como concretização, muito embora não poucos diferenciem interpre-tação de concretização.

Após, vislumbra-se a atividade jurisdicional com bases firmadas em nova her-menêutica como campo fértil e pronto para a atividade criativa e interpretativa do Direito. Por consequente, é de se analisar porquanto a atividade criativa e in-terpretativa do Juiz seja ou não de fato interpretativa ou parte do próprio sistema constitucional em análise.

Por fim, encerrando o trabalho presente encontra-se um feixo a condensar os aspectos aqui mencionados.

1 A interpretação tradicional e a nova interpretação constitucional

A abrangência primeira encontra-se no desiderato de observar a superação de métodos tradicionais de hermenêutica jurídica, a fim de, transportado tal ponto, inserir-se em um novo contexto de interpretação constitucional marcadamente separado por novos paradigmas.

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Assim, nas palavras e na análise de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, que alertou em obra de cunho recente1:

O fato de que a estrutura institucional das leis básicas enquanto constituti-vas do estado de Direito provém do século XIX e se aplica a uma realidade que não mais existe na atualidade não nos permite ater-nos a certas fórmu-las de rigor formalista, sem que nos obriguemos a abrir inúmeras exceções.

Portanto, no ambiente em que proliferam as novas Cartas Fundamentais, como ponderou Tércio Ferraz Júnior (em mesma oportunidade), recorria-se a uma formalidade constitucional, que conferia à mesma uma transparência2 e estabilidade indispensáveis, e que graças a ela as constituições puderam sub-meter-se às regras usuais de interpretação por tal intermédio3; aliás, chegava-se ao sentido e se controlava a eficácia das cartas magnas, cuja estabilidade decorria, igualmente, não obstante as mudanças na realidade, das limitações colocadas pelas referidas regras.

Sendo assim, o mencionado autor alardeia sobre a metódica tradicional, lite-ralmente, o seguinte4:

Na tradição do século XIX europeu, as regras usuais de interpretação corres-pondiam à fixação dos sentidos vocabular (método gramatical), proposicio-nal (método lógico), genético (método histórico) e global (método sistemá-tico), conforme as lições de Savigny e outros autores clássicos”.

E continua vaticinando o ilustre autor em comentário sereno5:

Para efeito de uma hermenêutica constitucional voltada para o Estado de Di-reito concebido, na visão liberal, como um estado mínimo, reduzido em suas funções, a interpretação tinha o que se poderia chamar de uma orientação de bloqueio-interpretação de bloqueio, na qual os princípios de legalidade e estrita legalidade eram peças nucleares da constitucionalidade. Não se pode

1 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito constitucional. Liberdade de Fumar. privacidade. Estado. Direitos Humanos e outros temas. Barueri: Manole. 2007. p. 3/4. Obra de cunho recente na qual o autor aborda diversos temas e procura preser-var o principio hermenêutico-constitucional da unidade da Constituição.

2 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito constitucional. Liberdade de Fumar. privacidade. Estado. Direitos Humanos e outros temas. Barueri: Manole. 2007. p. 3/4. Obra de cunho recente na qual o autor aborda diversos temas e procura preservar o principio hermenêutico-constitucional da unidade da Constituição.

3 Idem; op. cit. p. 4

4 Idem; Ibidem

5 Idem; Ibidem

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desconhecer, contudo, que a norma constitucional continha elementos jurí-dicos que a diferenciavam das demais normas, de cujas características, por-tanto, um normativismo hermenêutico, rigorosamente neutro e acrítico, não chegava a dar conta. Aqui entrava em cena a ordem política global do estado constitucional, que obrigava à realização de certas correções e especificações.

A posição acima explanada é oriunda do pensamento do mais que conhecido jus-filósofo pátrio; em verdade, abarca a necessidade de explicitar, que os méto-dos tradicionais, lugar-comum, conhecidos através de nomes, a exemplo de Sa-vigny, necessitaram de superação ante realização ou a realidade vigente de que a Carta Constitucional, há muito, deixou de ser uma mera carta de intenções, ou pedaço de papel na discussão oriunda desde Ferdinand Lassalle e passou a ser um caminho de inter-relação de estruturas a superar a antiga concepção de que a Constituição é hierarquicamente superior como norma e nada mais.

Em verdade, o que aqui se enfatiza é que o Constitucionalismo Contemporâ-neo e a nova interpretação não prescindem de princípios hermenêuticos de re-levância indiscutível como a unidade da Constituição, mas ao contrário sugerem, como pensa o próprio Tércio Ferraz Júnior6, um complexo de normas que come-çam a ser vistas como um sistema de normas coordenadas e inter-relacionadas que se condicionam reciprocamente.

Acompanhando a nova hermenêutica, e por que não dizer quanto aos princí-pios, não mais existe o afastamento dos mesmos como antes. Ou a atribuição de uma mera função integrada, como ocorria com os “princípios gerais de Direito” como na opinião de Ruy Samuel Espíndola7, para passar hoje a desvendar o real sentido ante tecido complexo de relações jurídicas.

A leitura contextual do ora supracitado caminha no mesmo passo ou palmilhar da observação de Dayse Vasconcelos Mayer quando, transladando para o âmbito do Direito Público, ressaltou a primazia da realidade e sua aplicação, acarretando, assim, a presença da verdade substantiva, que se limita de tal modo à navalha de Ockham, princípio lógico irradiado do pensamento do franciscano Guilherme de Ockham no século XVI8.

6 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito constitucional. Liberdade de Fumar. privacidade. Estado. Direitos Humanos e outros temas. Barueri: Manole. 2007. p. 3/4. Obra de cunho recente em que o autor aborda diversos temas e procura preservar o principio hermenêutico-constitucional da unidade da Constituição, p. 5.

7 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. conceito de princípios constitucionais. Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 33.

8 MAYER, Dayse de Vasconcelos. O formalismo moderado no Direito Administrativo disciplinar e a navalha de Ockham. Revista da Esmape,Recife,v.19,n.39,p.52,jun.2014, p. 52.

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A esse respeito, o autor citado aqui de forma extenuante, Tércio Sampaio Fer-raz Júnior, alertou outrora, sob a égide da hermenêutica tradicional9.

O sentido das normas vem, assim, desde o seu aparecimento, “domesticado” mesmo quando, no caso de lacunas, integramos o ordenamento (por equi-dade, por analogia, etc.) dando a impressão de que o intérprete está guian-do-se pelas exigências do próprio real concreto, o que se faz, na verdade, é guiar-se pelas próprias avaliações do sistema interpretado.

O referenciando acima parece contraditório, mas se contextualiza com o aqui alardeado.

2 A interpretação constitucional como ponte para uma “concretização”

O enfoque abordado nesta etapa da discussão, que tende ou busca o poder de revigorar a Constituição, destina-se àquilo que a Doutrina Constitucional contem-porânea costuma chamar de concretização constitucional.

Em verdade, ao propor a interpretação constitucional como ponte para uma “concretização”, poder-se-ia afirmar, quiçá, uma contradição, ou redundância, vez que a concretização seria, sem arremedos, uma espécie muito peculiar de inter-pretação constitucional.

Ao abordar o tema, J.J Gomes Canotilho10 antes tratou que: “realizar a consti-tuição significa tornar juridicamente eficazes as normas constitucionais”.

Em seguida, complementa sobre a interpretação11 que:

Interpretar uma norma constitucional consiste em atribuir um significado a um ou vários símbolos linguísticos escritos na Constituição com o fim de se obter uma decisão de problemas práticos normativos – Constitucional-mente fundada.

Portanto, munido de tais conceitos que são antecedentes, J. J Canotilho na eminência de seu pensamento pondera e conceitua12:

9 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. Técnica, Decisão, Dominação. 4 ed. São Paulo: Atlas. 2003. p. 308.

10 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e Teoria da constituição. 9 ed. Coimbra: Almedina. 2003. p. 1200.

11 Idem; Ibidem.

12 Idem, ibidem, p. 1201

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concretizar a constituição traduz-se, fundamentalmente, no processo de densificação de regras e princípios constitucionais. A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta – Norma Jurídica – que, por sua vez, será apenas resultado intermédio, pois só com a descoberta da Norma de Decisão para a solução dos casos jurídico-constitucionais te-remos o resultado final da concretização. Esta “Concretização Normativa” é, pois, um trabalho técnico-jurídico, é no fundo, o lado “técnico” do pro-cedimento estruturante da normatividade. A concretização, como se vê, não é igual à interpretação do texto da norma, é sim, a construção de uma norma jurídica.

Observe-se, portanto, que o autor em referência, particularmente, não traba-lha a mesma noção, a que poderia se induzir, de que a concretização constitu-cional propriamente dita ensejaria um processo interpretativo. Mas, ao suscitar a ideia de densificação das normas, explica que densificar13 uma norma significa preencher, completar e precisar o espaço normativo de um preceito constitucio-nal, especialmente carecido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse preceito dos problemas concretos.

Em sua obra de natureza dissertativa14 Bruno Galindo esclarece que apesar das críticas o método da tópica jurídica de Viehweg inspirou a criação dos métodos concretistas da interpretação constitucional.

Assim, com base anterior também em Canotilho e sua concretização-densifi-cação, Bruno Galindo15 arremata:

Como se percebe da lição de Canotilho, a concretização constitucional é ao mesmo tempo um método e um processo. Método porque estabe-lece diversos parâmetros hermenêuticos para a interpretação da cons-tituição, processo quando se estabelece a utilização prática do método proposto.

Com tal arrimo, então, Galindo16 sugere a concretização em Konrad Hesse e Friedirich Müller.

13 Idem; Ibidem

14 GALINDO, Bruno. Direitos Fundamentais. Análise de sua concretização constitucional. Curitiba: Juruá. 2005. p. 142

15 Idem; Ibidem

16 Idem; Ibidem. p. 143

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Assim, Konrad Hesse, professor da Universidade de Freiburg, em sua teoria da concretização, parte da mesma premissa de Lassalle, de que a Constituição é mais que um pedaço de papel e que dentro de si possui uma força própria motivadora e ordenadora da vida do Estado. É o que se convencionou chamar de hermenêu-tica concretizante.

Outro aspecto interessante é a influência decisionista de Carl Schimitt em sua força normativa, quando coloca os limites na mesma. As palavras do próprio Kon-rad Hesse alertam17:

Contatam-se os limites da força normativa da Constituição quando a orde-nação constitucional não mais se baseia na natureza singular do presente (induelle Beschaffeinheit der Gegenwart). (...) Em determinada medida, re-side aqui a relativa verdade da conhecida tese de Carl Schimitt segundo a qual o estado de necessidade configura ponto essencial para caracterização da força normativa da Constituição.

O outro método concretizador reside na agnominada metódica estrurante do direito, adivinda do contributo do ora professor da Universidade de Heidel-berg, Friedirich Muller.

A metódica de Muller recebe forte influência de Gadamer e Heidegger, rom-pendo com os postulados do modelo cartesiano clássico.

João Mauricio Adeodato,18 ao tratar o tema pontua que Muller observa que o juiz exerce uma coação fundamentada e que a interpretação do mesmo re-sulta em uma norma e, até mesmo, em seu conteúdo. Logo depois, observa que em tal interpretação são levados em conta métodos como gramatical, sistemático e o subjetivo, em nenhum tempo sem desconsiderar os aspectos dos processos sociais.

Por fim, o próprio Muller19 considerou importante em sua metódica os elemen-tos de política constitucional, quando alerta:

17 HESSE, Konrad. A Força Normativa da constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor. 1991. p.24

18 ADEODATO, João Mauricio. Ética e Retórica. Para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva. 2002. p.236/237

19 MULLER, Friedirich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução: Peter Naumann. 2 ed. São Paulo: Max Limonade. 2000. p97.

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O trabalho do direito constitucional está embebido em pontos de vista de política constitucional. Mas com isso nem o caráter vinculante do direito constitucional, lá onde ocorreu uma pré-decisão normativa, nem a racio-nalidade e objetividade exigidas pelo Estado de Direito, até onde ela é em princípio possível na ciência jurídica devem ser questionados.

Ressoa, portanto, na opinião do teórico em epígrafe o fato de que a Carta Constitucional deve sempre se aproximar da realidade social em voga, trazendo em seu bojo uma força revigorante e mesmo normativa a aproximar, nesse senti-do, os parâmetros concretistas de Muller e Hesse.

3 Nova interpretação constitucional e a construção de novos paradigmas

A motivação do presente item reside no foco de que a nova interpretação constitucional abrange novos objetivos, como revigorar a Constituição.

Portanto, alheios aos critérios objetivos de classificação das constituições é que se edificou uma nova hermenêutica constitucional e, portanto, ante um novo cenário composto pela teoria da argumentação, dos princípios de ponderação da proporcionalidade e razoabilidade, se conquistou um novo modelo para enfren-tar os casos difíceis.

Assim, destacado fica pelo viés interpretativo da proporcionalidade, por exem-plo: a atividade de realização e criação do direito como já observara o trabalho dissertativo de Lúcio Grassi20.

Caminhos para a solução em síntese foram apresentados. Todavia os métodos de interpretação concretistas procuram preservar o sentido ou atribuir força de fidelidade à Constituição, com uma contemporaneidade toda peculiar.

A interpretação conforme, por exemplo, procura revigorar a força normativa, sem perder o rumo dos acontecimentos sociais, fenômeno hoje observado com a mutação constitucional, enquanto instituto.

20 GOUVEIA, Lúcio Grassi. O ativismo judicial como garantia de paridade de armas no processo civil. In: SEVERO NETO, Manoel. (Org) Direito, cidadania e processo. Recife: Fasa. 2006.v.3.p.196.

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Considerando a abertura de muitas Cartas, é possível citar a ponderação de Peter Häberle21 “toda atualização da Constituição, por meio da atuação de qual-quer individuo, constitui ainda que parcialmente uma interpretação constitu-cional antecipada”.

Portanto, ante a complexidade apresentada num mundo globalizado, se necessita de novos instrumentos para solucioná-los. Para tanto, a ciência constitucional, em parceria com a teoria do direito, vem implementando no-vos mecanismos para encontrar soluções devidamente adequadas, de modo que, a impassibilidade de tantos ordenamentos não conseguirem uma previ-são absoluta, induz mesmo os sistemas mais fechados a recorrerem à prática dos precedentes jurisprudenciais.

Não somente isto, o ativismo judicial, como é conhecido, aumentou de forma considerável e mais, ante tais complexidades, criou a cultura de acionar o Judiciá-rio por tudo e findou numa sobrecarga que, muitas vezes, compromete a qualida-de da prestação de um serviço tão difícil.

Destarte, as tentativas mesmo do Judiciário, no papel de intérprete, de se apro-ximar da realidade, não supre a lacuna do teor da letra da Carta Fundamental que, nas palavras de André Vicente Pires Rosa, faz com que o Estado ainda se comporte de forma distante do sentimento do povo brasileiro22.

A recorrência aos princípios ao invés das regras traduz esta nova mentalidade e a capacidade judicial de abarcar uma realização constitucional, necessariamen-te, de natureza aberta.

21 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos Intérpretes da Constituição. Contribuição para a Interpretação pluralista e Procedimental da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor. 2002. p.13/14.

22 Na avaliação de André Rosa o Estado/República desde as primeiras Constituições brasileiras até o estágio atual, não se comporta em suas palavras, ignorando que o dono do mesmo (O Estado Brasileiro) tivesse como seu ‘dono’ o povo. (PIRES, André Vicente. A república e a Carta de 1988. Revista da Esmape, Recife, v.19, n.39, jun. 2014, p.30)

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considerações finais

A guisa das notas conclusivas, neste trabalho observou-se a nova interpretação constitucional, em face do poder de revigorar a Constituição e pontuou-se:

Que há um nova hermenêutica constitucional, contextualizada por um novo cenário composto em ênfase pela teoria da argumentação jurídica, precipícios de ponderação com viés interpretativo, como proporcionalidade e razoabilidade.

Que, no contexto aludido, criaram-se novos paradigmas e mecanismos a rom-per com os métodos tradicionais, ao exemplo clássico cartesiano.

Que dentro desta nova perspectiva a interpretação constitucional ganhou por si novos ares, como ponte para surgimento da concretização.

Que para a solução dos casos difíceis prevalece a interpretação mais fiel à Constituição e a sua unidade, revigorando e tutelando sua força normativa.

Que, independentemente, da linha seguida, a concretização se impõe como so-lução para as relações complexas que não admitem pelo Judiciário o “ non liquet.

Referências

ADEODATO, João Mauricio. Ética e Retórica. Para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva. 2002.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e Teoria da constituição. 9 ed. Coimbra: Almedina. 2003.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. conceito de princípios constitucionais. Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002.

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito constitucional. Liberdade de Fumar. privaci-dade. Estado. Direitos Humanos e outros temas. Barueri: Manole. 2007.

________. Introdução ao Estudo do Direito. Técnica, Decisão, Dominação. 4 ed. São Pau-lo: Atlas. 2003.

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GALINDO, Bruno. Direitos Fundamentais. Análise de sua concretização constitu-cional. Curitiba: Juruá. 2005.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos Intérpretes da Constituição. Contribuição para a Interpretação pluralista e Procedimental da Constitui-ção. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor. 2002.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor. 1991.

MAYER, Dayse de Vasconcelos. O formalismo moderado no Direito Administrativo discipli-nar e a navalha de Ockham. Revista da Esmape, Recife, v. 19, n. 39, jun. 2014.

MULLER, Friedirich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução: Peter Naumann. 2 ed. São Paulo: Max Limonade. 2000.

PIRES, André Vicente. A república e a Carta de 1988. Revista da Esmape, Recife, v.19, n. 39, jun. 2014.

Referência do artigo

JIMÉNEZ, Hugo Vinicius Castro. A nova interpretação constitucional e o poder de revigorar a Constituição. Uma nova exegese construindo novos paradigmas. Revista da ESMApE, Recife, v. 20/21 – n. 42/43 – p. 75-86 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016.

Revista da EsmapE – Recife – v. 20/21 – n. 42/43 – p. 87-106 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016

Questões importantes sobre a estabilização da tutela provisória antecedente no Novo cpc

Irving William chaves HolandaAssessor Técnico Judiciário do Desembargador Jorge Américo Pereira de Lira. Ex-Assessor

Jurídico da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco – TJPE. Ex-Parecerista da Consultoria Jurídica do TJPE. Pós-graduando em processo civil contemporâneo pela Universidade

Federal de Pernambuco – UFPE. Pós-graduado em penal e processo penal pela Faculdade Damásio de Jesus – FDJ. Bacharel em direito pela Universidade Católica de Pernambuco – UCP.

O foco do presente estudo é a análise tópi-ca e sistemática do art. 304 do novo Código de Processo Civil – NCPC, Lei n. 13.105 de 16.03.2015, que erigiu no ordenamento jurí-dico brasileiro o instituto da estabilização da tutela provisória antecedente, por influência do direito europeu, notadamente o italiano e o francês, através da incorporação do mi-

crossistema da técnica monitória ao direito processual pátrio. O ensaio, por oportuno, propõe também soluções aos problemas imbrincados, identificados e soerguidos do estudo do tema.

palavras-chave: Tutela provisória. Estabili-zação. Monitorização.

Resumo

Abstract: The focus of the study is the topical and systematic analysis of article 304 of the New Civil Procedure Code – NCPC, Law n. 13.105 of 16 of March of 2015, which erected on the Brazilian legal system the stabilization of the ‘previous interim protection’, through the influence of European law, notably Italian and French, by the incorporation of the

micro-system of the monitoring technique

to Brazilian procedural law. This essay, by

appropriate, also proposes solutions to

hidden identified problems and uplifted from

the subject of study.

Keywords: Interim protection. Stabilization.

Monitoring.

Abstract

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Introdução

A proposta do presente ensaio, além – é claro – de analisar o fenômeno da es-tabilização da tutela provisória antecedente, com análise tópica do art. 304, caput, e §§, do NCPC, é responder algumas questões importantes que surgiram com a criação deste novo instituto.

A estabilização, como cediço, foi introduzida no direito brasileiro pela Lei n. 13.105/2015, mas conhecida como o novo Código de Processo Civil – NCPC, e tem nítida influência do direito europeu, notadamente do direito italiano e francês.

Para responder aos questionamentos pertinentes, serão vistos breves aponta-mentos sobre o procedimento geral da tutela provisória, e – logo após – acerca da tutela provisória antecedente, para só então adentrar no cerne deste estudo, qual seja: a estabilização da tutela provisória antecedente (satisfativa).

O trabalho, porém, só termina com a proposta de soluções para as preditas ques-tões importantes imbrincadas, identificadas e soerguidas pelo estudo do tema.

1 Do procedimento da tutela provisória no Novo código de pro-cesso civil

Logo à saída, diga-se que o Novo CPC de 2015 unificou tutela provisória satis-fativa com tutela provisória cautelar. Então, se a parte quer uma tutela provisória com base no novo código, pouco importa se a natureza é de tutela cautelar ou satisfativa, o regramento é o mesmo. Foi, neste sentido, uma feliz tentativa de simplificar o rito para concessão da tutela provisória lato sensu.

Mas, é evidente que a unificação não quer dizer que tutela cautelar e sa-tisfativa sejam – a partir de agora – sinônimos. Não, não são. Os pressupostos da tutela satisfativa não coincidem com os pressupostos da tutela cautelar. Porém, o regime de processamento e concessão de ambas as medidas é basi-camente o mesmo.

Veja-se, inclusive, que o NCPC deu ao Livro V o nome “Da tutela provisória”. É um gênero, do qual fazem parte a tutela satisfativa e a cautelar. Note-se, ainda, que o novo código, ao invés de usar o termo “tutela satisfativa” (mais escorreito)

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usou o termo “tutela antecipada”. E aqui, talvez, nasça um nó górdio, por causa de possível confusão semântica.

A solução desse nó, porém, é de fácil deslinde. Basta, apenas, que no CPC de 2015, onde há “tutela antecipada”, leia-se “tutela satisfativa”. Estes termos signifi-cam a mesma coisa.

Outro ponto que merece destaque é quanto ao tipo de tutela provisória, que pode ser incidente ou antecedente. Esta é a tutela pedida ao Juiz antes mesmo de se pensar em fazer o pedido da tutela definitiva; aquela é requestada con-comitantemente ao pedido definitivo ou depois, no curso do processo, tudo cf. NCPC, art. 299.

Então, é preciso ter atenção a isso: o Novo CPC prevê a possibilidade de a parte ir a Juízo apenas (e tão somente) para pedir a concessão da tutela provisória (que é antecedente ao pedido definitivo). Isso é que é pedir uma tutela provisória ante-cedente, pois sequer se fez o pedido da tutela definitiva. A propósito:

A tutela de urgência satisfativa (antecipada) antecedente é aquela reque-rida dentro do processo em que se pretende pedir a tutela definitiva, no intuito de adiantar seus efeitos, mas antes da formulação do pedido de tu-tela final. O legislador prevê, para sua concessão, um procedimento próprio, disciplinado no art. 303 e seguintes do CPC (...)1.

Essa distinção é importante, pois, destaque-se que a tutela provisória inciden-te não tem custas, cf. NCPC, art. 295: “A tutela provisória requerida em caráter in-cidental independe do pagamento de custas”. Sobre essa distinção (entre tutela provisória antecedente e incidente), encontramos o posicionamento de JAQUE-LINE MIELKE SILVA:

(...) nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do pro-cesso.” (art. 303, “caput”). Neste sentido, deve o autor demonstrar na petição inicial a ação que pretende ajuizar, veiculando o pedido de tutela antecipa-da. Não há necessidade de na petição inicial, exaurir os fundamentos para a

1 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. curso de Direito processual civil – Teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. Vol. 02. 10ª ed. cf. as Leis n. 13.015/2014 (Recurso de Revista Repetitivos) e 13.058/2014. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 602.

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procedência da ação, bastando a demonstração da probabilidade do direito afirmado, por uma simples e incontestável razão: o autor deverá aditar a petição inicial posteriormente, complementando sua argumentação. A in-dicação do pedido de tutela final na petição inicial se revela fundamental, de modo a que o magistrado tenha condições de verificar o(s) efeito(s) da sentença que o autor pretende antecipar2.

Observe-se, pois, se a parte entra com uma tutela antecedente cautelar, o re-gime é um (cf. NCPC, art. 305 e ss.) e, se ela entra com uma tutela antecedente satisfativa, o regime é outro completamente diferente, vd. NCPC, art. 303 e ss.

Por fim, é sempre bom recordar que a tutela de urgência e tutela de evidência são espécies de tutelas provisórias distintas, e a diferença se estabelece a partir do fundamento que autoriza a própria concessão da medida que se espera seja antecipada. Neste sentido, tutela de urgência é aquela que se funda em perigo. E a tutela da evidência? É aquela que independe de urgência, simples assim. E essa é a terminologia do próprio NCPC, art. 3113.

Agora, impende destacar, ainda: a tutela provisória de urgência pode ser satis-fativa ou cautelar, porém a tutela de evidência é sempre satisfativa, pois o peri-go é sempre pressuposto da tutela cautelar, e o mesmo não ocorre com a tutela provisória satisfativa, cf. o novo CPC, em seu artigo 2944. De bom alvitre, ainda, a transcrição do NCPC, art. 296: “A tutela provisória conserva sua eficácia na pen-dência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada”.

No caput podemos extrair 2 (duas) conclusões, a primeira é que, em sendo deferida a tutela provisória – de regra – irradiará seus efeitos enquanto houver litispendência (pendente de julgamento definitivo o processo). A segunda coisa é que ela poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo.

Um outro ponto digno de nota é a possibilidade de revogação da tutela pro-visória. É bom deixar assentado e sedimentado que ela pode, sim, ser revogada ou modificada durante o curso do processo, porém somente por decorrência de fatos supervenientes. Assim, podemos concluir que, ressalvado o caso de o Juiz

2 SILVA, Jaqueline Mielke. A tutela provisória no novo Código de Processo Civil. In: RUBIN, Fernando; REICHELT, Luis Alberto (orgs). Grandes Temas do Novo código de processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 115

3 Para um estudo mais detalhado, consulte-se: CIANCI, Mirna. A tutela de evidência e a urgência no novo Código de Processo Civil. In: coleção Grandes Temas do Novo cpc – Tutela provisória. Vol. 06. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 403 e ss.

4 Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. Parágrafo único. A tutela provisória de urgên-cia, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

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julgar a demanda improcedente, a revogação depende de prévio requerimento da parte, pois opera-se preclusão pro iudicato. Isto quer dizer que o Juiz não pode revogar a tutela provisória ex officio.

Em outras palavras: a decisão que concede a tutela é impugnável por meio de recurso (agravo de instrumento), portanto – se a parte não a impugnar – a decisão deverá permanecer a mesma até a cognição exauriente, com a prolação da sen-tença, quando poderá ser confirmada ou revogada5.

O art. 297 do novo Código é importantíssimo para a eficácia das decisões inter-locutórias, pois confere ao Juiz um poder geral de efetivação da tutela provisória6. Observe-se que o Magistrado poderá determinar medidas que visem efetivar a tutela provisória concedida, valendo-se de qualquer meio executivo/coercitivo, seja ele típico ou atípico. Este dispositivo tinha redação semelhante no CPC de 1973, porém restrito às obrigações de fazer e não fazer (CPC/73, art. 461, § 5º).

Agora, com o NCPC, a redação foi generalizada, servindo à eficácia de qualquer tutela provisória, permitindo que o Juiz efetive a medida por qualquer meio. E, nem se esqueça, esse dispositivo se encaixa a outro – o que entremostra a har-monia sistêmica proposta pelo novo Código de Processo – qual seja: ao art. 5367, que se encontra inserido dentro da parte das obrigações de fazer e de não fazer.

É de se destacar a parte final do referido dispositivo (NCPC, art. 536) que afirma: “o Juiz poderá (...) determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente”. Isso mostra que os artigos 297 e 536 pretendem a mesma coisa. O Juiz tem agora um poder geral de efetivação, seja para que se cumpra a decisão que concede a tu-tela provisória, seja na execução, para fazer cumprir a obrigação de fazer e não fazer.

Não se pode fechar os olhos, ainda, para o parágrafo 1º do art. 536, que es-miúça esse poder geral de efetivação do Juiz8, estabelecendo um rol de me-

5 Não se olvide que a decisão que concede a tutela provisória produzirá efeitos inclusive enquanto estiver suspenso o proces-so, cf. parágrafo único do art. 296 do NCPC.

6 Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. Parágrafo único. A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber.

7 Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.

8 § 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.

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didas que podem servir para a efetivação da tutela de fazer e não fazer. Esse dispositivo, é verdade, também é aplicado aos casos de concessão da tutela pro-visória, até por força do NCPC, parágrafo único do art. 2979. Note-se que esse referido rol não é taxativo (numerus clausus), senão meramente exemplificativo, pois o Juiz poderá adotar essas medidas “entre outras” que entender convenien-tes para a efetivação da medida.

Portanto, não é segredo que o parágrafo único do art. 297 do NCPC quer dizer muito mais do que aquilo que está escrito. Observem que ele diz “observará as normas referentes ao cumprimento provisório de sentença, no que couber”. Ora, isto não quer dizer, apenas, que os dispositivos do cumprimento de sentença são aplicáveis ao regramento da tutela provisória. Não, não é apenas isso. Quer dizer, também, que a concessão da tutela provisória se dá sob a responsabilidade obje-tiva do beneficiário da medida. E isto é esquecido por muitos.

Mas, qual a relevância prática disso? Significa dizer que se – ao final do pro-cesso – a parte beneficiada pela medida não tiver razão, os prejuízos que a con-cessão vier a causar à parte contrária – todos eles – haverão de ser ressarcidos em responsabilidade objetiva pela parte beneficiária, cf. art. 302, e incisos, do NCPC10. A ideia acima, diga-se ao propósito, não é nova, pois já era prevista no CPC de 1973, art. 461, § 1º.

Diga-se mais. Houve ainda outra mudança digna de registro. Ela não está es-crita, foi, pois, uma mudança omissiva/silenciosa. É que o novo Código deixou de reproduzir as providências previstas no art. 797 do CPC de 73, que dizia: “Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medi-das cautelares sem a audiência das partes”.

Em uma leitura mais atenta, é de se notar que o dispositivo, acima transcrito e sem vigência a partir de 16.03.2016, previa a possibilidade de concessão ex officio de tutela cautelar pelo Juiz. Esse dispositivo, notem, não foi repetido no novo Có-digo, de modo que não haverá mais a possibilidade de concessão de tutela pro-visória (satisfativa ou cautelar) de ofício; agora, tutela provisória só se concede a

9 Parágrafo único. A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber.

10 Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I – a sentença lhe for desfavorável; II – obtida liminarmente a tutela em caráter ante-cedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.

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pedido da parte, o que é deveras importante até por conta do regime da respon-sabilidade objetiva. A esse respeito, colha-se o escólio de FREDIE DIDIER JR et allie:

É vedada a tutela provisória ex officio. Trata-se de exigência decorrente da regra da congruência (...), adotada pelo nosso Código nos arts. 2º, 141 e 492. De mais a mais, o art. 295 do CPC dispõe claramente: a tutela provisória será requerida. Há casos, contudo, em que o pedido de concessão da tutela provisória se reputa implícito, como, por exemplo, o pedido de fixação de alimentos provisórios em ação de alimentos (art. 4º da Lei n. 5.478/1968) (...) a efetivação da tutela provisória dá-se sob responsabilidade objetiva do beneficiário da tutela, que deve arcar com os prejuízos causados ao adver-sário, se for cassada ou reformada a decisão. Assim, concedida ex officio, sem pedido da parte, quem arcaria com os prejuízos, se a decisão fosse revista? A parte que se beneficiou sem pedir a providência? É preciso que a parte requeira a sua concessão, exatamente porque, assim, conscientemente as-sume o risco de ter de reparar a outra parte, se restar vencida no processo11.

Ou seja, para que a parte arque com os eventuais prejuízos que o deferimento da medida antecipatória vier a causar é preciso que ela requeira a concessão. As-sim, ao Juiz passa a ser vedada a concessão de qualquer tipo de tutela provisória (satisfativa ou cautelar) de ofício. O art. 298 do NCPC prescinde de maiores disqui-sições. Aliás, prevê o óbvio – que o Juiz deverá motivar, de forma clara e precisa, a decisão que conceder a tutela – o que se amolda com a previsão do art. 489, § 1º, incisos I e II, do CPC de 2015.

2 Algumas notas pontuais indispensáveis sobre a nova disciplina da tutela provisória de urgência no Ncpc

A explanação deste ponto principia pelo NCPC, art. 300. Aqui, pela simples leitura, visualizamos os novos pressupostos para a concessão da tutela de ur-gência, são eles: I) probabilidade do direito e II) perigo de dano ou risco ao re-sultado útil do processo.

Mas, há um silêncio neste segundo pressuposto da tutela provisória de urgên-cia que precisa ser preenchido. É que a concessão pode se fundar em perigo de dano ou de ilícito. Às vezes, a parte pretende ingressar com uma ação inibitória, que é uma ação em face de um ilícito. Portanto, às vezes não se tem perigo de 11 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. curso de Direito processual civil – Teoria da prova,

direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. Vol. 02. 10ª ed. cf. as Leis n. 13.015/2014 (Recurso de Revista Repetitivos) e 13.058/2014. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 593.

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dano, mas de ilícito. Neste mesmo viés, consulte-se – por oportunas – as lições de FREDIE DIDIER JR, PAULA SARNO e RAFAEL OLIVEIRA:

A tutela provisória de urgência pode ser cautelar ou satisfativa (antecipa-da). Em ambos os casos, a sua concessão pressupõe, genericamente, a de-monstração da probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como “fumus boni iuris) e, junto a isso, a demonstração do perigo de dano ou de ilí-cito, ou ainda do comprometimento da utilidade final que a demora do pro-cesso representa (tradicionalmente conhecido como “periculum in mora”) (art. 300, CPC)12.

Nada obstante, também salta aos olhos que o legislador – sutilmente – aca-bou com alguns requisitos (antes necessários) para o deferimento da tutela sa-tisfativa, previstos no art. 273 do CPC de 1973, quais sejam: “prova inequívoca”, e “verossimilhança das alegações”, que agora não mais se exigem. O § 1º do art. 300 do NCPC prevê uma regra geral da caução, que – por sinal – já estava previs-ta no CPC de 1973, art. 804, mas apenas na parte de tutelas cautelares, que era chamada de contracautela.

O § 2º, do art. 300, do novo Código, por seu turno, consagra a possibilidade de concessão de tutela provisória liminar, esta entendida como aquela deferida sem a ouvida do réu (inaudita altera parte). Isto quer dizer – definitivamente – que a tutela de urgência pode ser liminar. A novidade é a generalização da audiência de justificação prévia (com prova oral que demonstre a existência dos pressupostos – probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do proces-so), da qual o Juiz poderá se valer antes de deferir a medida.

O § 3º, do NCPC, art. 300 também não traz nenhuma novidade, pois – é certo – o CPC de 1973, art. 273, § 2º, já previa a vedação de concessão de tutela anteci-pada quando houver fundado risco/perigo de irreversibilidade da decisão.

Noutro giro, o art. 301 do novo CPC é importante, pois possui um conteúdo histórico. Ele contempla o vetusto, porém sempre necessário, “poder geral de cau-tela do Juiz” – sim ele continua previsto no NCPC. Ou seja, o 301 está para o NCPC, como o art. 798 está para o CPC de 1973. Não é ocioso dizer, adrede, que tal posi-cionamento acabou sendo encampado pelo Fórum Permanente de Processualis-tas Civis – FPPC, enunciado n. 31: “O poder geral de cautela está mantido no CPC”.12 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. curso de Direito processual civil – Teoria da prova,

direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. Vol. 02. 10ª ed. cf. as Leis n. 13.015/2014 (Recurso de Revista Repetitivos) e 13.058/2014. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 594.

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O que o NCPC acabou foi com a disciplina das medidas cautelares típicas, pois não há mais artigo sobre arresto, sequestro, arrolamento de bens etc. Isto não quer dizer que essas tutelas cautelares foram extintas, o que não há mais é um regramento especifico, pois a concessão deve se guiar pela regra geral.

3 Da estabilização da tutela provisória de urgência antecedente e alguns problemas

Como cediço, uma das grandes novidades trazidas pelo Novo CPC – e alvo deste ensaio – é a estabilização da tutela provisória antecedente. Até aqui, trace-jamos meras considerações aptas à maior compreensão deste tema. É hora, pois, de enfrentá-lo. Vamos lá.

O sistema da estabilização foi erigido com inspiração em sistemas jurídicos estrangeiros, notadamente o direito italiano e o francês, com ênfase na monitori-zação do processo civil brasileiro13. A esse respeito, DIERLE NUNES:

O novo CPC trilhou enriquecedora linha da evolução da tutela sumária, encontrada nos direitos italiano e francês: admitiu a desvinculação entre a tutela de cognição sumária e a tutela de cognição exauriente, ou seja, per-mitiu a chamada autonomização e estabilização da tutela de urgência na modalidade antecipada14.

Porém, há alguns anos o legislador pátrio já vinha buscando métodos que per-mitissem implementar essa técnica de monitorização do direito processual, com vistas a alcançar essa (tão sonhada) estabilização da tutela provisória, consoante se extrai do Projeto de Lei do Senado n. 166/201015.

Mas, o que vem a ser essa “monitorização”? Este termo nos remete à palavra monitória, que por sua vez deriva do vernáculo monição. DE PLÁCIDO E SILVA afir-ma que monitório significa ordem ou mandado judicial16. Já, segundo o dicioná-

13 Para uma maior e melhor compreensão sobre os aspectos históricos, confira-se, por todos: THEODORO JÚNIOR, Tutela ante-cipada. Evolução. Visão comparatista. Direito brasileiro e direito europeu, RePro 157/2008, p. 131-132.

14 ANDRADE, Érico; NUNES, Dierle. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. In: coletânea Novo cpc: Doutrina Selecionada. FREIRE, Alexandre; BARROS, Lucas Buril de Macedo; PEIXOTO, Ravi (Org.) Salvador: Juspodivm, 2015, p. 15 e ss.

15 THEODORO JÚNOR, Humberto. A autonomização e a estabilização da tutela de urgência no projeto do código de pro-cesso civil. São Paulo: RePro 206/2012, p. 13-59.

16 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atual: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 926.

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rio Aurélio, significa advertência. Porém, quem mais se aproximou do significado real de monitória foi JOÃO ROBERTO PARIZATTO que, em obra específica sobre o tema, asseverou:

Monitória deriva da palavra monição, do latim monitio, de monere (advertir, avisar), na significação jurídica, e em uso antigo, era o aviso ou convite para vir depor a respeito de fatos contidos na monitória. A monitória, assim, era a carta de aviso ou de intimação para depor. Monição. Na terminologia do Direito Canônico, é advertência feita pela autoridade eclesiástica a uma pes-soa, para que cumpra certo dever ou não pratique um ato, a fim de que evite sanção ou penalidade a que está sujeita, pela ação ou omissão indicados17.

Diante desta lição, podemos afirmar que o NCPC instituiu o fenômeno da mo-nitorização do direito brasileiro18, que – dentre outras consequências – confluiu para a estabilização da tutela provisória. Não é segredo que a monitorização, tal como concebida, tem estreita influência do Direito Canônico, Italiano e Francês, ao passo em que visa – com sua concessão – advertir o réu para que cumpra certo dever (ou não pratique determinado ato), a fim de evitar a incidência de uma san-ção que lhe é cominada em caso de descumprimento, no caso: ensejará a convo-lação de uma decisão sumária em espécie de título executivo (técnica monitória satisfativa secundum eventum defensionis)19.

Entenda: permanecendo o réu inerte diante da decisão proferida por cognição sumária, é dado ao autor um título executivo que autoriza a imediata e rápida efe-tivação da tutela reclamada. Ou seja, a inércia do réu, no caso, convola/transforma a decisão sumária e não exauriente em uma espécie de título executivo, ao qual o legislador conferiu estabilidade.

O NCPC, art. 304, previu, assim, que a tutela antecipada (rectius: provisória sa-tisfativa de urgência), requerida de forma antecedente (ou seja, através de uma demanda ajuizada apenas para obter a antecipação da medida urgente, cf. NCPC, art. 303) tornar-se-á estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.

17 PARIZATTO, João Roberto. Ação Monitória. 6ª ed. rev. e atual. Ouro Fino-MG: Edipa, 2004, p. 2.

18 Acerca das tendências do uso das técnicas monitórias no Brasil desde a década de 1990, consulte-se SILVA, Ovídio Baptista da. A antecipação da tutela na recente reforma processual, in: Reforma do cpc. coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Saraiva, nº 8, São Paulo, 1996.

19 ANDRADE, Érico; NUNES, Dierle. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. In: coletânea Novo cpc: Doutrina Selecionada. FREIRE, Alexandre; BARROS, Lucas Buril de Macedo; PEIXOTO, Ravi (Org.) Salvador: Juspodivm, 2015, p. 15 e ss.

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Sobre o rito específico da tutela provisória antecedente, pode-se asseverar: proposta a demanda, e deferida a medida pelo Juiz, o autor deve aditar a peça exordial, complementando a sua argumentação, juntando novos documentos e requestando a confirmação da tutela ao final, no prazo de 15 dias úteis, cf. art. 212 do NCPC. O referido aditamento – que independe de novas custas – será feito nos autos do próprio processo, cf. § 3º do art. 303. E, em não sendo realizado o adita-mento, o processo será extinto sem resolução do mérito, ex vi art. 303, § 2º, NCPC.

O réu, por seu turno, será citado e intimado para comparecer à audiência de conciliação ou mediação, vd. art. 334 do NCPC. Deverá, ainda, o réu interpor o respectivo recurso (rectius: impugnação), com vistas a infirmar/alijar a formação da estabilização da tutela provisória antecedente.

Caso não entenda suficientemente demonstrados os requisitos para conces-são da tutela antecipada (rectius: satisfativa), o Juiz deverá intimar o autor para emendar a inicial, em 5 (cinco) dias úteis, sob pena de indeferimento e conse-quente extinção do processo sem resolução de mérito. Porém, o alvo do presente estudo enfoca na estabilização da tutela provisória.

Então, deferida a tutela, se o réu não oferece resistência, ocorrerão duas coisas: 1) o processo será extinto (NCPC, art. 304, § 1º); 2) a decisão provisória ficará esta-bilizada (irradiando efeitos extra autos).

Isto quer dizer que, muito embora o processo tenha fim, a eficácia da de-cisão continuará ativa. Diante desse panorama, surgem algumas questões deveras importantes sobre a estabilização da tutela provisória no Novo CPC. Passemos a nos debruçar sobre cada uma dessas indagações, tentando res-pondê-las especificadamente.

3.1 poderia não haver a estabilização se o réu, por acaso, não interpu-sesse o agravo de instrumento mas impugnasse o procedimento?

A doutrina nesse ponto ainda se divide. Para o professor DANIEL ASSUMPÇÃO, o NCPC criou uma hipótese estrita para o impedimento da estabilização da tutela provisória antecedente, de modo que apenas com a interposição do recurso res-pectivo (no caso, o Agravo de Instrumento) é que a estabilização não se formaria. Nesse sentido, colha-se:

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A maior novidade certamente vem prevista no art. 304 do Novo CPC. Se-gundo o caput do dispositivo, a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso. Só lamento que a única conduta do réu para impedir a estabilização da tutela antecipada seja a necessária interposição de agravo de instrumento. Poderia o dispositivo prever qualquer espécie de resistência, inclu-sive a meramente incidental oferecida perante o juízo que concedeu a tutela. De qualquer forma, não havendo a interposição de recurso, o processo será extinto (§ 1º) e a tutela antecipada concedida será estabilizada podendo qualquer das partes demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada (§ 2º) no prazo de dois anos conta-do da ciência da decisão que extinguiu o processo (§ 5º)20.

No mesmo viés seguem DIERLE NUNES e ÉRICO ANDRADE:

Da análise inicial, se poderia adotar a interpretação calcada na literalidade do art. 304 do novo CPC, no sentido de que apenas a interposição do “re-curso” contra a decisão que conceder a tutela de urgência, na modalidade antecipada, no âmbito do procedimento preparatório (art. 303, novo CPC), seria hábil a evitar a estabilização. E recurso, no caso, do ponto de vista da legislação processual, tem um sentido específico, nos termos do art. 994 do novo CPC, e significa, no caso, interposição do recurso de agravo de instru-mento (art. 1015, I, novo CPC)21.

Porém, FREDIE DIDIER, PAULA SARNO e RAFAEL OLIVEIRA entendem de modo diverso. Segundo sustentam, a intenção do NCPC foi de emprestar ao termo “re-curso” um sentido ampliativo, de modo a contemplar qualquer forma de impug-nação, aumentando, assim, as hipóteses de impedimento da estabilização da tu-tela provisória antecedente. Senão vejamos:

A estabilização da tutela antecipada ocorre quando ela é concedida em caráter antecedente e não é impugnada pelo réu, litisconsorte ou assistente simples (por recurso ou outro meio de impugnação). Se isso ocorrer, o pro-cesso será extinto e a decisão antecipatória continuará produzindo efeitos, enquanto não for ajuizada ação autônoma para revisá-la, reformá-la ou in-validá-la. Nesse caso, não há, obviamente, resolução do mérito quanto ao pedido definitivo – até porque a estabilização se dá num momento em que esse pedido sequer foi formulado.

20 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil – Lei n. 13.105/2015. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015, p. 200.

21 ANDRADE, Érico; NUNES, Dierle. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. In: coletânea Novo cpc: Doutrina Selecionada. FREIRE, Alexandre; BARROS, Lucas Buril de Macedo; PEIXOTO, Ravi (Org.) Salvador: Juspodivm, 2015, p. 16.

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É digno de registro, inclusive, que a posição ampliativa, acima encartada, é também adotada pelo professor DANIEL MITIDIERO, que chegou a defender que a apresentação de contestação, ao invés do Agravo de Instrumento, deveria obstar a formação da estabilização. É como se lê:

É claro que pode ocorrer de o réu não interpor agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo – ou, ainda, manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização da audiência de conciliação ou de mediação. Nessa situação, tem-se que entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da tutela. Essa solução tem vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a de-vida relevância à manifestação de vontade constante na contestação ou no intento de comparecimento à audiência. Em ambas as manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o pros-seguimento do procedimento22.

Ademais, apenas para registro, de se salientar que o processualista RAVI PEIXO-TO também parece adotar tal entendimento ampliativo, cf. se depreende em arti-go específico nominado: “Por uma análise dos remédios jurídicos processuais aptos a impedir a estabilização da tutela antecipada antecedente de urgência”23.

Com a devida vênia aos que pensam de modo diverso, e ciente de que a derra-deira orientação ainda será definida (rectius: pacificada) pela jurisprudência, en-tendemos salutar comungar da interpretação ampliativa do termo recurso, pro-pugnada pelos professores Fredie Didier, Daniel Mitidiero, Ravi Peixoto e outros, de modo que é razoável o entendimento de que qualquer meio de impugnação (rectius: resistência) – a exemplo da contestação, reclamação, pedido de suspen-são de liminar – possa obstar a formação da estabilização. Tal ideia, inclusive, além de consentâneo com o espírito lógico do NCPC, também é mais justo do ponto de vista harmônico do sistema processual brasileiro (inclusive com a ideia de contra-ditório e ampla defesa, cf. CRFB, art. 5º, inciso LV).

22 MITIDIERO, Daniel. Autonomia e estabilização da antecipação da tutela no novo código de processo civil. In: Revista Ele-trônica da Escola Judicial do TRT da 9ª Região – Edição especial: Novo Código de Processo Civil. Vol. 4 – n. 39 – Abril de 2015.

23 PEIXOTO, Ravi. Por uma análise dos remédios jurídicos processuais aptos a impedir a estabilização da tutela antecipada ante-cedente de urgência. In: coleção grandes temas do novo cpc – Tutela Provisória, vol. 06, COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa; GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 243 e ss.

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3.2 Há vantagem para o réu em permanecer silente, no caso da esta-bilização da tutela antecipada?

Vantagem não, mas existe – por outro lado – uma minoração dos custos pro-cessuais. Ao não oferecer resistência, o réu não pagará, por exemplo, parte das despesas processuais, assim garantidas: isenção das custas processuais (cf. § 1º do art. 701 do NCPC, aplicada aqui por conta da interatividade entre os sistemas monitórios – microssistema da técnica monitória), e pagamento de apenas 5% de honorários advocatícios, a título de ônus da sucumbência (vd. art. 701, caput, NCPC também aplicado aqui por analogia)24.

3.3 Existe coisa julgada na estabilização da tutela provisória?

A doutrina maciça entende que não há formação de coisa julgada, interpreta-ção esta que decorre da simples leitura do NCPC, art. 304, § 6º25.

3.4 Depois que escoa o prazo de 2 (dois) anos para interpor a ação do Ncpc, art. 304, § 5º, é possível desconstituir a estabilização formada pela decisão? pode-se ingressar com ação rescisória?

Há ainda uma preclara perturbação na doutrina quanto a esse ponto, porém a corrente majoritária defende que não seria possível o ajuizamento de ação rescisó-ria em face da decisão que forma a estabilização. A razão adotada leva em especial apreço o § 6º do art. 304, que conta: a decisão que gera a estabilidade não forma coisa julgada; deste modo restaria inviável ingressar com a Ação Rescisória. Será?

Há quem defenda a viabilidade do manejo de Ação Rescisória – mesmo após o decurso do prazo de 2 (dois) anos para o ingresso da ação que visa rediscutir a estabilização – a exemplo de DANIEL ASSUMPÇÃO:

24 Defendendo a mesma ideia, porém entendendo as consequências da inércia do réu como verdadeira vantagem, consulte-se, por todos, DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. curso de Direito processual civil – Teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. Vol. 02. 10ª ed. cf. as Leis n. 13.015/2014 (Recurso de Revista Repetitivos) e 13.058/2014. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 605.

25 NCPC, Art. 304. (...) § 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.

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No § 6º do art. 304 do Novo CPC, o legislador deixa claro que a decisão que concede a tutela antecipada não fará coisa julgada, confirmando a necessi-dade de cognição exauriente para tanto, mas prevê que a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou inva-lidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º do mesmo artigo. Durante o prazo de dois anos para a propositura de referida ação, a inexistência de coisa julgada da decisão que antecipa a tutela ante-cipada que se estabiliza por ausência de recurso da parte sucumbente não chega a ser um problema, e o mesmo não se pode dizer do momento poste-rior ao decurso do prazo. Nesse caso, a previsão expressa de que não há coi-sa julgada afasta o cabimento de ação rescisória contra tal decisão, de forma que teremos uma decisão de mérito no sistema que jamais será impugnável por ação rescisória, ainda que definitiva. Se a parte quiser alegar um dos vícios previstos no art. 966 do Novo CPC, poderá se valer da ação prevista no § 2.º do art. 304. Entretanto, após esse prazo, os vícios, que só poderiam ser alegados por meio de ação rescisória, já não podem mais sê-los porque essa espécie de meio de impugnação depende de coisa julgada. A única saída possível é uma interpretação ampliativa do § 2.º do art. 966 do Novo CPC. Se-gundo o dispositivo legal, cabe ação rescisória contra decisão terminativa (ou seja, que não resolva o mérito), desde que ela impeça a nova propositura da demanda ou a admissibilidade do recurso correspondente. Apesar de se tratar de situação distinta, já que a decisão que antecipa a tutela é indiscutivel-mente de mérito, pode-se alegar que a decisão terminativa também não faz coisa julgada e ainda assim pode, respeitadas determinadas exigências, ser impugnada por ação rescisória. A ausência de coisa julgada, portanto, teria deixado de ser condição sine qua non para a admissão de ação rescisória, o que poderia liberar o caminho para a conclusão de cabimento de tal ação contra a decisão que concede tutela antecipada estabilizada depois de dois anos de seu trânsito em julgado (grifos apostos)26.

Ora, é bem verdade que o NCPC criou uma hipótese excepcional/especial de formação da coisa julgada, apta a sustentar o ajuizamento de eventual ação resci-sória, diga-se ao propósito: agora é possível desconstituir, por meio da rescisória, questão prejudicial (aquela que não enfrenta diretamente o mérito da causa), cf. NCPC, art. 503, § 1º.

Essa possibilidade tem, inclusive, ocasionado as mais diversas críticas e suges-tões, sendo – vez por outra – alvo de análise e achaques de vários articulistas. Por todos, consulte-se: MARCELO PACHECO MACHADO, Professor da Faculdade de Direito de Vitória (ES), em seu ensaio: “Novo CPC: Que coisa julgada é essa?”27.

26 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil – Lei n. 13.105/2015. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015, p. 200.

27 MACHADO, Marcelo Pacheco. Novo cpc: Que coisa julgada é essa? In: Revista Jota, disponível em: <http://jota.info/novo-cpc-que-coisa-julgada-e-essa>. Acesso: 30.12.2015.

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Porém, com a máxima vênia, não concordamos com o posicionamento do pro-fessor DANIEL ASSUMPÇÃO, porque, ao fim e ao cabo, ficam muitas questões em aberto, de modo que – aos nossos olhos – resta incompossível compatibilizar o seu entendimento com a sistemática do processo civil atual. Ademais, é de se in-dagar: por que o prazo para a ação rescisória somente iniciaria após o decurso do prazo de 2 (dois) anos para interposição da ação ordinária prevista no NCPC, art. 304, § 5º28? Entendemos que tal posição acabaria por desvirtuar a nobre finalida-de da ação rescisória.

A solução que se logra aqui é bem mais simples, verdade. Entendemos que a eventual desconstituição da estabilização, após esgotadas as vias ordinárias de revisão, pode ser alvo de negócio processual entre as partes.

Esta é a solução que restaria para desconstituir a decisão estabilizada. Aliás, nada mais justo diante da manifesta e patente inércia do réu, que deixou trans-correr in albis o prazo para recurso/impugnação (mesmo cônscio de que sua inação resultaria na estabilização da tutela provisória) e, ainda por cima, perma-neceu acomodado pelo prazo de 2 (dois) anos, sem ajuizar a ação revisional da decisão de estabilidade.

Temos, ainda, que tal solução é por demais adequada ao espírito do novo CPC, e se encontra na mesma linha dos Enunciados nos. 32 e 33, ambos do V Fórum Permanente de Processualistas Civis – V FPPC29.

O mesmo raciocínio foi firmado no enunciado n. 27 da Escola Nacional de For-mação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM30. De posse destas ideias, é possível passar à conclusão.

28 Art. 304 (omissis). § 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º.

29 FPPC, enunciado n. 32: (art. 304) Além da hipótese prevista no art. 304, é possível a estabilização expressamente nego-ciada da tutela antecipada de urgência antecedente. (Grupo: Tutela Antecipada; redação revista no V FPPC-Vitória); FPPC, enunciado n. 33: (art. 304, §§) Não cabe ação rescisória nos casos estabilização da tutela antecipada de urgência. (Grupo: Tutela Antecipada)

30 ENFAM, enunciado n. 27: Não é cabível ação rescisória contra decisão estabilizada na forma do art. 304 do CPC/2015.

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conclusão

Em suma, pode-se extrair do presente estudo que a estabilização da tutela provisória antecedente se originou a partir da influência do direito europeu, que marcou o processo brasileiro com uma nítida autonomia da tutela provisória em face da definitiva.

A referida estabilização, é lídimo afirmar, somente foi possível pela incorpo-ração no ordenamento pátrio do microssistema da técnica monitória no pro-cesso civil instaurado pelo NCPC (monitorização do processo civil brasileiro). A consequência da assimilação deste microssistema, diga-se ao propósito, resulta na convolação da decisão sumária em uma espécie de título executivo, que irra-dia seus efeitos para fora do processo (o qual é extinto ante a inércia do réu, cf. NCPC, art. 304, § 1º).

Com a constatação da viabilidade da estabilização da tutela antecedente, sur-gem algumas questões importantes que reclamam por soluções. Das indagações lançadas neste estudo, entremostraram-se razoáveis as seguintes conclusões:

1) Não é, em absoluto, necessário interpor o recurso stricto sensu contra a deci-são com vistas a obstar a formação da estabilização dos efeitos da tutela provisó-ria antecedente. É razoável, pelo espírito sistêmico e lógico do novo código pro-cessual, emprestar um sentido alargado ao termo recurso, em ordem a permitir que a contestação, o pedido de suspensão de liminar, a reclamação, ou qualquer outra forma eficaz de impugnação, impeça a sua formação.

2) Não logramos que réu obtenha uma real vantagem em se permanecer iner-te. Há, porém, indubitável minoração dos custos processuais, tal como a isenção das custas e fixação de honorários advocatícios de forma reduzida (em 5%, a título de ônus da sucumbência).

3) Não existe coisa julgada na estabilização da tutela provisória antecedente, cf. exegese do NCPC, art. 304, § 6º.

4) Ao largo da inexistência de coisa julgada, e mesmo que o novo Código ex-cepcionalmente permita o manejo da ação rescisória para desconstituir decisão que não analise o mérito (NCPC, art. 503, § 1º), conclui-se ser incompossível o manejo de ação rescisória em face da decisão de estabilização dos efeitos da tu-

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tela provisória de urgência, mormente porque já existem os remédios adequados para a revisão/invalidação/reforma da decisão, seja por meio de resistência, ou mesmo de ação a ser proposta no prazo de 2 (dois) anos após a extinção do pro-cesso que concedeu a medida estabilizada.

Ademais, a ideia de permitir o manejo de uma ação rescisória após o decurso do prazo de 2 (dois) anos para ingresso da ação prevista no NCPC, art. 304, §§ 4º e 5º, ao que parece, é incompatível com a lógica sistêmica e harmônica pro-posta pelo NCPC.

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Referência do artigo

HOLANDA, Irving William Chaves. Questões importantes sobre a estabilização da tutela provisória antecedente no Novo CPC. Revista da ESMApE, Recife, v. 20/21 – n. 42/43 – p. 87-106 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016.

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Alterações no microssistema processual dos Juizados Especiais cíveis introduzidas

expressamente pela Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015 (Novo código de processo civil)

José Raimundo dos Santos costaMestre em Gestão Pública. Mestrando em Direito Constitucional (FDUL).

Especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil.

Professor de Direito Processual Civil da UNIVERSO/Recife.

Juiz de Direito da Comarca do Recife-PE.

O presente artigo pretende expor de forma sucinta as nossas modestas conclusões de-correntes da interpretação dos artigos 1.062 a 1.066 da Lei 13.105 de 16 de março de 2015 (novo Código de Processo civil), que introdu-ziu modificações expressas no microssistema processual da Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis). Buscou-se explicar as hipóte-ses de cabimento do incidente de desconside-ração da personalidade jurídica nos Juizados Especiais Cíveis, o seu processamento e as con-sequências jurídicas da decisão que defere tal

pedido. Em seguida, foram explicados os moti-vos da manutenção da vigência do inciso II do artigo 275 do atual CPC, exclusivamente, para aferição de competência dos Juizados Espe-ciais Cíveis e, por fim, procurou-se demonstrar as consequências das alterações introduzidas nas regras do recurso de embargos de declara-ção contra decisões proferidas no microssiste-ma processual da Lei nº 9.099/95.

palavras-chave: Alterações. Juizados Espe-ciais. Novo CPC.

Resumo

This article aims to explain succinctly my modest conclusions arising from interpretation of Articles 1062 to 1066 of Law 13 105 16 2015 packet (new Civil Procedure Code), which introduced expressed changes in procedural microsystem of Law No. 9.099 / 95 (Law of Small Claims Courts). He attempted to explain the assumptions of the appropriateness of the incident disregard of legal personality in the Small Claims Courts, the processing and the legal consequences of the

decision granting such a request. Then explained the reasons for maintaining the validity of item II of Article 275 of the current CPC only for measuring competence of Small Claims Courts and, finally, sought to demonstrate the consequences of changes to the rules of the requests for clarification feature against decisions handed down in procedural microsystem of Law No. 9.099 / 95.

Keywords: Change. Special Courts. New CPC.

Abstract

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Introdução

A lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que entrou em vigor em 16 de março de 2016, além de introduzir um novo sistema processual civil no ordenamento jurídico pátrio, trouxe também alterações em outras leis esparsas, tais como no Código Civil, na Lei de Registros Públicos, na Lei da Assistência Judiciária, no Códi-go Eleitoral e na lei dos Juizados Especiais Cíveis (Lei nº 9.099/1995).

O presente artigo pretende interpretar os dispositivos legais do novo Código de Processo Civil, cujos comandos serão adotados pelo sistema processual dos Juizados Especiais Cíveis.

Vale ressaltar que o novo CPC trouxe regras expressas a serem incorporadas na Lei nº 9.099/95 que modificaram ou acrescentaram regras ao Sistema dos Jui-zados Especiais Cíveis, mas também haverá aplicação subsidiária e decorrente de regras implícitas, dos novos procedimentos introduzidos pelo novo código de ri-tos. Mesmo não sendo expressas a esse respeito, mas as principais regras contidas na parte das normas fundamentais do processo civil, igualmente, são aplicáveis ao microssistema processual dos Juizados Especiais Cíveis.

Por razões decorrentes de limitações de ordem técnica, concentraremos a nos-sa análise apenas na aplicação ao microssistema dos Juizados Especiais Cíveis das normas expressas do novo CPC contidas nos artigos 1.062 a 1.066, que integram o Livro Complementar que contempla as disposições finais e transitórias.

1 Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Estabelece o artigo 1.062 do novo cpc:

Art. 1.062. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se ao processo de competência dos juizados especiais.

O novo CPC criou um procedimento próprio para a tramitação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica1inexistente atualmente, estabelecen-

1 Resumidamente desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade significa determinar que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Jurisprudencialmente tem se admitido a denominada desconsideração inversa da personalidade jurídica, quando o executado for o sócio e estiverem presentes os requisitos do artigo 50 do CC.

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do as regras formais do processamento, o que irá facilitar o enfrentamento dessa questão pelos aplicadores do direito.

Esse procedimento deverá ser observado na justiça comum assim como nos Juizados Especiais cíveis, mesmo que envolva questão de alta complexidade. Para Cassio Scarpinlla Bueno, como o incidente de desconsideração da personalidade jurídica trata de intervenção de terceiros, essa modificação consiste em “inicia-tiva de impacto a ser bem estudada pela doutrina e pela jurisprudência diante da vedação naqueles juizados – Cíveis, Federal e da Fazenda Pública –, até agora vigorante de intervenção de terceiros.2

Há duas situações que contemplam as hipóteses legais em que poderá ser arguido o incidente de desconsideração da personalidade jurídica nos Juizados Especiais Cíveis. A primeira quando a questão posta em juízo refere-se a uma rela-ção jurídica de natureza cível e a segunda quando se refere a uma relação jurídica de natureza consumeirista.

Na relação jurídica de natureza cível, o incidente de desconsideração da perso-nalidade jurídica encontra-se disciplinado no artigo 50 do Código Civil.

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo des-vio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a reque-rimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Do enunciado do dispositivo legal acima transcrito extrai-se que diante de uma relação jurídica de natureza cível, para que seja desconsiderada a persona-lidade jurídica da sociedade em relação a um dos sócios, é necessário que esteja caracterizado o “abuso da personalidade jurídica” através da prova de “desvio de finalidade” ou pela “confusão patrimonial”.

Por outro lado, em se tratando de relação de consumo, os requisitos de cabi-mento da desconsideração da personalidade jurídica estão previstos no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor.

2 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo código de processo civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 700.

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Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurí-dica provocados por má administração.

Na relação de consumo, como visto acima, para a desconsideração da perso-nalidade jurídica exige-se a demonstração de que “em detrimento do consumi-dor” esteja havendo “abuso de direito”, “do excesso de poder”, “infração à lei”, “fato ou ato ilícito”, violação dos estatutos ou contrato social”, quando houver “falência”, “estado de insolvência”, “encerramento ou inatividade da pessoa jurídica”, desde que provocada por “má administração”.

O § 5º do artigo 28 do CDC traz outra hipótese que pode ensejar a desconside-ração da personalidade jurídica quando a personalidade seja “de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.3

O procedimento do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica está previsto do artigo 133 a 137 do CPC e prevê, expressamente, a possibilidade da desconsideração inversa da personalidade.4

Tem legitimidade para requerer a instauração do incidente de desconsidera-ção da personalidade jurídica a parte credora ou o Ministério Público, nas hipóte-ses em que tiver interesse para intervir no processo.5

Conforme o artigo 134 do CPC, o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

Com a instauração do incidente, o processo principal será suspenso até a de-cisão do incidente.

3 § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

4 Art. 133. § 2º – Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica. Consi-dera-se desconsideração inversa da personalidade, quando ela é determinada para alcançar o patrimônio da sociedade ante a insolvência do sócio em relação às suas obrigações pessoais.

5 Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Públi-co, quando lhe couber intervir no processo.

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O requerimento de desconsideração da personalidade jurídica deve de-monstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsi-deração da personalidade jurídica, conforme se tratar de hipótese do artigo 50 do Código Civil ou do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, não basta para a instauração do incidente, deve o pedido estar fundamentado em alguma das hipóteses legais e não apenas na impossibilidade de adimplemento da obrigação pelo devedor.

Apresentado o requerimento, o procedimento previsto no artigo 135 do CPC determina que o sócio6 ou a pessoa jurídica7 seja citado para manifestar-se e re-querer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias, após o qual poderá o juiz decidir se não houver necessidade de produção de provas. No entanto, havendo necessidade de produção de provas orais ou pericial o juiz deve decidir por deci-são interlocutória após a conclusão da instrução (CPC, art. 136).

Como não cabe recurso de agravo de instrumento no sistema de Juizados Es-peciais Cíveis, a decisão que julga o incidente de desconsideração da personali-dade jurídica interposto na fase de conhecimento do processo poderá ser impug-nada no mesmo recurso interposto contra a sentença que encerra essa fase8 e se interposto na fase de cumprimento de sentença, a decisão poderá ser impugna-da, por meio de mandado de segurança, uma vez que se trata de decisão judicial que não cabe recurso com efeito suspensivo.9 Por outro lado, se o incidente de desconsideração for requerido no curso do processo de execução de títulos exe-cutivos extrajudiciais, a decisão que o julgar poderá ser impugnada por meio de mandado de segurança ou no caso de ser extinta a execução por ausência de bens penhoráveis, poderá ser impugnada como preliminar do recurso contra a sentença de extinção, conforme § 4º do artigo 53 da Lei nº 9.099/95.10

6 No caso de desconsideração da personalidade jurídica para alcançar o patrimônio do sócio quando o devedor é a pessoa jurídica.

7 Na hipótese da desconsideração da personalidade jurídica com a finalidade de alcançar o patrimônio da sociedade empre-sária quando o devedor for o sócio.

8 Não havendo recurso contra decisões interlocutórias no microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, não há preclusão das decisões interlocutórias, podendo as mesmas, inclusive as proferidas em incidentes processuais, serem impugnadas como preliminar do recurso cabível contra a sentença que encerra a fase de conhecimento.

9 Lei nº 12.016/2009, Art. 5o Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I – de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II – de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; III – de decisão judicial transitada em julgado.

10 Art. 53. A execução de título executivo extrajudicial, no valor de até quarenta salários mínimos, obedecerá ao disposto no Código de Processo Civil, com as modificações introduzidas por esta Lei. (...); § 4º Não encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoráveis, o processo será imediatamente extinto, devolvendo-se os documentos ao autor.

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A consequência jurídica da decisão que desconsidera a personalidade jurídica consiste na responsabilização do patrimônio do sócio (no caso da desconsidera-ção direta) ou da sociedade (se se tratar de desconsideração inversa) pela obri-gação materializada no título em execução. Também acarretará na ineficácia da alienação ou da oneração de bens, havida em fraude de execução, em relação ao requerente (CPC, art. 137).

Poderá, todavia, ser desconsiderada a personalidade jurídica sem que seja ins-taurado o respectivo incidente, na hipótese prevista no Parágrafo Único do artigo 134 do CPC, quando o pedido de desconsideração for formulado na petição inicial do processo de conhecimento ou de execução de título extrajudicial, hipótese em que também será citado o sócio (na desconsideração direta) ou a pessoa jurídica (quando se tratar de desconsideração indireta).11 Nesse caso o pedido de descon-sideração não seria um incidente processual, pois seria parte da pretensão inicial, motivo pelo qual tanto o sujeito passivo, quanto o sócio ou a pessoa jurídica12 seriam citadas para se defenderem também da pretensão de desconsideração.

2 Da continuação da vigência do inciso II do artigo 275 do cpc de 1973

O artigo 1.063 do CPC estabelece o seguinte:

Art. 1.063. Até a edição de lei específica, os juizados especiais cíveis previs-tos na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, continuam competentes para o processamento e julgamento das causas previstas no art. 275, inciso II, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

O artigo 1.063 do CPC “mantém a competência dos juizados Especiais Cíveis para julgamento (exclusivo) das causas que, na origem, deveriam tramitar sob o procedimento sumário, extinto pelo novo CPC”.13

O novo Código de Processo Civil extinguiu o procedimento comum sumário, que, ressalvados os procedimentos especiais, instituiu como único procedimento para o processo de conhecimento o denominado “procedimento comum”. Ocorre que o in-ciso II do artigo 3º da Lei nº 9.099/95 estabelece como sendo competência dos Juiza-11 § 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial,

hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

12 A depender da natureza da desconsideração da pessoa jurídica pretendida, a direta ou indireta.

13 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p.700.

113Alterações no microssistema processual dos Juizados Especiais Cíveis introduzidas expressamente...

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dos Especiais Cíveis a conciliação, o processamento e o julgamento das causas cíveis de menor complexidade, enumeradas no inciso II, do artigo 275 do CPC de 197314. Para não inviabilizar a aplicação do inciso II do artigo 3º da Lei n 9.099/95, o novo CPC manteve em vigência o inciso II do artigo 275 do CPC-1973, até que nova lei ordiná-ria seja editada para reformar e atualizar a Lei nº 9.099/95 em relação à competência dos Juizados Especiais, definida no inciso II do artigo 3º da Lei Especial.

Assim, enquanto não for editada lei incorporando ao texto da Lei nº 9.099/95 as hipóteses de competência elencadas no inciso II do artigo 275 do atual CPC, este dispositivo legal continuará em vigor.

3 Das alterações introduzidas nos embargos de declaração

O novo Código de Processo Civil também alterou a disciplina especial contida na Lei nº 9.099/95 em relação ao recurso de embargos de declaração tanto em matéria cível como criminal.

A primeira alteração ocorreu em relação às hipóteses de cabimento do recur-so de embargos de declaração. Segundo o artigo 48 da Lei nº 9.099/95, “cabe-rão embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida”, ressalvando que os erros materiais poderão ser corrigidos de ofício (Parágrafo Único do art. 48 da Lei nº 9.099/95).

O artigo 1.064 do novo CPC atribuiu nova redação ao artigo 48 da Lei dos Jui-zados Especiais, equiparando suas hipóteses de cabimento às mesmas previstas para os procedimentos regulados pelo Código de Processo Civil.

Art. 1.064. O caput do art. 48 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 48. Caberão embargos de declaração contra sentença ou acórdão nos casos previstos no Código de Processo Civil.”

14 Art. 3º da Lei nº 9.099/95 – O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I – as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do código de processo civil; III – a ação de despejo para uso próprio; IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo. Art. 275 do CPC – Observar-se-á o procedimento sumário: I – nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo; II – nas causas, qualquer que seja o valor: a) de arrendamento rural e de parceria agrícola; b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução; f ) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial; g) que versem sobre revogação de doação; h) nos demais casos previstos em lei. Parágrafo único. Este procedimento não será observado nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas.

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O novo CPC relacionou as hipóteses de cabimento do recurso de embargos de declaração no seu artigo 1.022.

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judi-cial para:

I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III – corrigir erro material.

O dispositivo legal supra mencionado melhorou consideravelmente a redação do artigo 535 do CPC de 1973 e acrescentou ao rol existente uma outra hipótese de cabimento, cuja doutrina e a jurisprudência já admitiam, que é para corrigir “erro material”.15 Da mesma forma resolveu normatizar situação já definida na jurispru-dência da possibilidade de se opor embargos de declaração contra qualquer deci-são judicial e não apenas contra aquelas descritas no inciso I do artigo 535.

Assim, a partir da vigência do novo CPC caberão embargos de declaração contra “qualquer decisão judicial” para “esclarecer obscuridade”, “eliminar contra-dição”, "suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento” e “corrigir erro material”. Essas passarão a ser as mesmas hipóteses de cabimento de embargos de declaração no microssistema processual dos Juizados Especiais Cíveis, suprimindo, assim, a hipótese da “dúvi-da”, atualmente em vigor.16

A segunda alteração consistiu na unificação do efeito interruptivo atribuído aos embargos de declaração. É que no atual e no novo CPC, a oposição dos em-bargos de declaração “interrompem” o curso do prazo processual para a interpo-sição de outro recurso.17Da mesma forma o artigo 1.026 do novo CPC deixou claro que o recurso de embargos de declaração possui “efeito suspensivo”.

15 Art. 535. Cabem embargos de declaração quando: (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994): I – houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição; (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994); II – for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.

16 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p.700. O art. 1.064 modifica a Lei dos Juizados Especiais Cíveis (Lei nº 9.99/1995) para uniformizar (finalmente) as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração daquele microssistema com as do código de Processo Civil, com a expressa supressão da “dúvida” como fun-damento para a apresentação daquele recurso.

17 Art. 538. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes. Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso.

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A redação atual do artigo 50 da Lei nº 9.099/95 estabelece que os embar-gos de declaração “suspendem o prazo” para interposição de outro recurso quando opostos “contra sentença”, significando que quando opostos contra decisão interlocutória ou contra acórdão de turma recursal, “interrompem o prazo para a interposição de outro recurso, conforme regra do artigo 538 do CPC, aplicável subsidiariamente.18

A redação dada ao artigo 50 da Lei dos Juizados Especiais pelo artigo 1.065 do novo CPC estabelece que os embargos de declaração “interrompem” o prazo para interposição de outro recurso, qualquer que seja a decisão por eles impugnada.19

Por fim, observamos que o artigo 1.066 do novo CPC atribui nova redação ao artigo 83 da Lei nº 9.099/95, elencando as hipóteses de cabimento de embargos de declaração contra sentença ou acórdão proferidos no procedimento dos Juiza-dos Especiais Cíveis Criminais.20

conclusão

Ao longo de nossa explanação podemos constatar que o novo CPC trouxe re-gras expressas para alteração de várias legislações, tais como o Código Civil, o Código eleitoral e a Lei dos Juizados Especiais, dentre outras. Ao microssistema processual da Lei nº 9.099/95 a Lei nº 13.105, de 16.03.2015 trouxe modificações expressas, contidas nos artigos 1.062 a 1.066 e várias outras modificações não expressas. Das modificações expressas ressaltamos que a aplicação ao microssis-tema dos Juizados Especiais Cíveis do incidente de desconsideração da perso-nalidade jurídica, primeiro deverá enfrentar debates doutrinários acerca de sua inconstitucionalidade ante a impossibilidade da intervenção de terceiros, por acrescentar ao procedimento complexidade incompatível com sua natureza.

A manutenção da vigência do inciso II do artigo 275 do CPC de 1973 resolveu, provisoriamente, a questão da competência prevista no inciso II, do artigo 3º da Lei nº 9.099/95, até que seja editada lei própria reformando o referido dispositivo legal. Da mesma forma, foram pertinentes e necessárias as alterações introduzidas

18 Art. 50. Quando interpostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para recurso.

19 Art. 1.065. O art. 50 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 50. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso.” (NR).

20 Art. 1.066. O art. 83 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 83. Cabem embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição ou omissão.

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no recurso de embargos de declaração no microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, na medida em que unificaram hipóteses de cabimento, bem como eleitos jurídicos processuais, há tempo reclamados pela doutrina e pela jurisprudência.

Podemos dizer, afinal, que as reformas introduzidas nos juizados especiais pe-las regras expressas trarão melhor efetividade e melhor segurança jurídica ao pro-cedimento do microssistema processual dos Juizados Especiais Cíveis.

Referências

BUENO, Cássio Scarpinella. Novo código de processo civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p.700

Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 19995, disponível no site www.planalto.gov.br

Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, disponível no site www.planalto.gov.br

Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, disponível no site www.planalto.gov.br

Referência do artigo

COSTA, José Raimundo dos Santos. Alterações no microssistema processual dos Juizados Especiais Cíveis introduzidas expressamente pela Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015 (Novo Código de Processo Civil). Revista da ESMApE, Recife, v. 20/21 – n. 42/43 – p. 107-116 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016.

Revista da EsmapE – Recife – v. 20/21 – n. 42/43 – p. 117-136 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016

Meios alternativos de solução dos conflitos no novo cpc

Juvêncio Vasconcelos Viana Procurador Geral do Estado do Ceará

Professor da Faculdade de Direito da UFCE.

Doutor em Direito Processual pela USP

As conhecidas (e históricas) fórmulas de so-lução das lides continuam existindo no di-reito vigente, tendo sido “chanceladas”, de alguma forma, pela ordem jurídica atual. Modernamente, o operador de Direito, não obstante uma formação mais adversarial

(treinado para litigância pura), deve ter olhos abertos para citada situação de “convivência de meios”

palavras-chaves: Processo Civil. Meios Alter-nativos. Novo CPC.

Resumo

The known (and historical) formulas to solve conflicts still exist on the currente law, and have been “sealed”, somehow, by the actual politic order. Modernly, the law practitioners, regard-less of an adversary formation (pure litigation

training) must pay attention to the quoted situ-ation of “environment common living”.

Keywords: Civil Process. Alternative Ways. New CPC.

Abstract

1 Introdução

Sem dúvida, o NCPC, comparativamente ao CPC/1973, faz um maior investi-mento em tais formas alternativas de solução dos conflitos.

O NCPC, em capítulo relativo às normas fundamentais do processo civil, inicia1 recordando a garantia constitucional de que não se excluirá da apreciação jurisdi-cional ameaça ou lesão a direito.2

1 Art. 3º

2 Ver art. 5º, inciso XXXV, Const.

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Mas, logo de seguida, o código exorta e abre espaço para todos aqueles meios alternativos, ao dizer que:

a) é permitida a arbitragem, na forma da lei – o que nos levará, portanto, a toda aquela disciplina traçada pela Larb (Lei n. 9.307/1996) – v. infra;

b) o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos;

c) a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de con-flitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial – perceba-se que não só a “conhecida” via da conciliação, mas todos os meios alternativos de solução dos conflitos estão admitidos e, mais que isso, devem ser incentiva-dos pelos protagonistas do processo (o que vai exigir desses uma mentalidade mais “aberta” a tais técnicas compositivas, seja em momento pré-processual, seja já no curso do processo.

A colocação – logo na parte introdutória do NCPC, destaque-se – de normas dessa natureza bem confirma a ideia de “convivência” daqueles meios.

Alguns, às vezes, se apressam em arguir inconstitucionalidade na previsão le-gal desses ADR’s, mas esquecem que esses chegam ao sistema não para inibir acesso à jurisdição, mas sim como uma opção livre e consciente das partes. Os su-jeitos vão até aqueles meios alternativos não porque a lei lhes impõe, mas por sua livre vontade e opção.

“O Estado moderno possui sempre o monopólio da jurisdição. No Brasil é o que solenemente proclama a Constituição Federal, no art. 5º., XXXV. Fora do poder estatal estão todas as formas de resolução alternativa de conflitos (RAC). A utilização dos meios alternativos, contudo, repousa na autonomia da vontade dos interessados, de maneira que não se exclui como consequência do mono-pólio da jurisdição pelo Estado. Nada impede que o Estado as regule, mas a re-gulagem estatal jamais esgotará as formas de resolução alternativa de conflitos (RAC). A lei que reja uma de suas formas significará, apenas e tão somente, o preenchimento normativo de um caminho alternativo de soluções de contro-vérsias, por procedimento a ser observado pelos interessados, porque norma-tivizado pelo Estado e, portanto, a partir de então, obrigatório. Mas restarão,

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sempre, outras formas em aberto à espera da utilização particular direta ou da superveniência de normação estatal”.3

Vale rememorar que nem sempre tivemos o Estado com sua atual configura-ção, na qual pudéssemos observar com nitidez sua tríplice atuação (legislativa, administrativa e jurisdicional) em relação ao agrupamento social.

No que tange, especialmente, ao papel estatal de solução dos conflitos, é per-feitamente possível localizarmos, na evolução organizativa dos agrupamentos sociais, diversas formas de solução das lides, tomada aqui a noção traçada por Carnelutti,4 qual seja, “o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro”.5

Passando a uma análise evolutiva de tais formas solucionadoras de conflitos, encontramos a autotutela (também denominada autodefesa), modalidade de solução da lide que, decerto, manifestou-se em tempos primórdios da evolução humana, consistente na extirpação do conflito com base na força. Por tal via solu-cionadora do conflito, a parte que fosse mais forte ou mais sagaz resolveria a seu favor a lide, fazendo valer a sua pretensão.

Fácil perceber, a autotutela não garantia a “justiça” da solução do conflito. Trazia como um de seus traços marcantes a imposição da decisão por uma das partes à outra.

Veio também a autocomposição, forma de solução pacífica e consensual para o conflito, manifestando-se em suas várias modalidades (desistência, transação, etc.).

Até aí, o que se pode perceber é que nenhuma dessas formas de solução da lide contava com a presença de “terceiros desinteressados”. Eram as próprias par-

3 BENETI, Sidnei Agostinho. Resolução Alternativa de conflitos e constitucionalidade, in Constituição Federal de 1988 – dez anos, coord. Antonio Carlos Mathias Coltro, São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 512.

4 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Sistema di Diritto Processuale Civile, v. 1, Padova: Cedam, 1936, p. 40. Acerca da conceituação de lide, cf. TUCCI, Rogério Lauria. “Lide: diversificações conceptuais”, in Temas e problemas de Direito Processual, São Paulo: Saraiva, 1983, p. 123-124.

5 Lide e processo são termos que trazem entre si profunda implicação recíproca; aquela se projeta para dentro desse, o qual deverá cuidar de sua adequada composição. Com muita eloquência, já dizia Alfredo Buzaid: “O processo não é a lide, mas a reproduz, ou a representa perante o juiz. A lide não é o processo, mas está no processo. Deve estar no processo, se este serve para compô-la. Sem o processo, a lide é como uma tela sem o quadro. A lide é certamente um pressuposto do processo, como a natureza é pressuposto da pintura que a retrata. Mas é também o objeto dos atos, em que consiste o processo, onde não se poderia conhecer a composição do processo, se não se conhecesse, antes de tudo, o que seja a lide. Por isso entre lide e processo há um relação de continente e conteúdo” (Do agravo de petição, São Paulo: Saraiva, 1956, p. 94).

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tes envolvidas no conflito que chegavam, por seus meios – amigáveis ou não –, à composição daquele.

Começaram a se verificar, contudo, situações em que as partes buscavam a resposta ao seu problema no julgamento de um terceiro, eleito por elas mesmas (árbitros), normalmente, escolhidos entre pessoas respeitáveis da coletividade, v.g., sacerdotes ou anciões.

Aparece, por fim, o Estado, forma de organização político-jurídica da socieda-de, que toma para si três “tarefas” mínimas (funções) a desempenhar, tudo no viso de prover os fins maiores para os quais foi criado. Dentre tais funções, encontra-mos uma destinada à solução das lides: a Jurisdição.

Duas observações merecem ser feitas: a) não houve – como possa aparentar – essa rigorosa sucessão linear entre tais técnicas de pacificação; e b) conforme veremos a seguir, todas aquelas técnicas de solução das lides continuam existindo no tempo presente, mesmo diante do advento do Estado de Direito.

2 Em torno dos “meios alternativos”

As conhecidas (e históricas) fórmulas de solução das lides continuam existin-do no direito vigente, tendo sido “chanceladas”, de alguma forma, pela ordem jurídica atual.

Modernamente, o operador do Direito, não obstante uma formação mais ad-versarial (treinado para litigância pura – v. supra), deve ter olhos abertos para cita-da situação de “convivência de meios”.

A autotutela, a autocomposição e a arbitragem colocam-se, ainda nos dias de hoje, como meios de solução dos conflitos,6 embora se possa perceber que, algu-mas vezes, a jurisdição será a única forma adequada para a solução da lide, v.g., anulação de casamento (“processos necessários”).

Existem, pois, vias autônomas e heterônomas para solução dos conflitos.

6 Quanto a esses, Carnelutti fala no que convencionou denominar de “equivalentes jurisdicionais”, haja vista que consistem em medidas que atingem aquela mesma finalidade a que se destina a jurisdição (Sistema di diritto processuale civile, v. I, p. 154).

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Essa é uma classificação doutrinária que toma por critério a titularidade do po-der de decidir o conflito.

Assim, se “o titular do poder de decidir são as partes, individual ou conjunta-mente, temos a autonomia [autotutela; autocomposição: negociação, conciliação, mediação]. Se o titular desse poder é um terceiro, temos a heteronomia. ... A he-teronomia é modo de tratamento dos conflitos em que a decisão é produto de um terceiro, que não auxilia nem representa as partes em conflito [arbitragem e jurisdição estatal]”.7

3 Autocomposição

Quanto à autocomposição – via alternativa que, eventualmente, encon-trará algumas barreiras na indisponibilidade do direito em debate (v.g., Fa-zenda Pública, direitos de personalidade) – sempre tivemos, historicamente, muitas manifestações:

a) na Constituição (seguindo uma tradição de Cartas anteriores), atribuição de poderes conciliatórias aos juízes de paz (art. 98, II);

b) no CPC/1973, reforço do poder conciliador do juiz, permitindo a lei que o julgador possa, a qualquer tempo, tentar a conciliação (art. 125, IV);8 9

c) ainda no CPC/1973, previsão de audiências preliminares (com fases concilia-tórias) nos procedimentos ordinário e sumário (arts. 277 e 331);10

d) Advento dos Juizados Especiais, os quais têm como um de seus objetivos a obtenção da conciliação ou da transação (art. 2º, final, Lei 9.099/95),11 com a previsão, inclusive, de um auxiliar para a fase conciliatória (art. 7º).12 Tais Juizados, hoje, destinam-se, inclusive, à solução, dentro de sua competência, de conflitos 7 ROCHA, Jose de Albuquerque. Teoria Geral do Processo, 7a. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 28-29.

8 Não apenas isso, mas ainda permitindo compor a lide amplamente, mesmo sobre pontos não trazidos para o processo.

9 Sem deixar de registar, por exemplo, hipóteses de termo do processo nos casos de reconhecimento do pedido, transação, renúncia ou mesmo de desistência da ação (arts. 269, incs. II, III, V e 267, VIII, todos do CPC/1973).

10 Mantida a conhecida tentativa de conciliação quando da abertura dos trabalhos da audiência de instrução e julgamento (arts. 447 e 448, CPC/1973).

11 De certo, o grande avanço da Leis dos Juizados Especiais foi a introdução, na seara do processo penal, de medidas autocompositivas e endoprocessuais, até então impossíveis, v.g., acordo civil, transação penal e suspensão do processo.

12 Convém recordar que a figura do conciliador também existe em sede de juízo comum, nas causas de procedimento sumário (§ 1º, art. 277, CPC/1973).

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envolvendo a Fazenda Pública, trazendo as pessoas jurídicas de Direito Público para o contexto das medidas autocompositivas.

Não podemos esquecer um passo normativo muito importante para a conci-liação (e mediação), qual seja, o advento da Resolução n. 125/2010 do CNJ, a qual instituiu a “política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses”. Dentre vetores fundamentais dessa Resolução, podemos destacar: a) mudança de paradigma de serviços judiciários, fazendo-os abrangentes também dos mecanismos de solução consensual dos conflitos; b) busca de serviços de qualidade, exigindo que conciliadores e mediadores sejam devidamente capaci-tados e treinados; c) centralização dos serviços de conciliação, mediação e orien-tação, com organização de Centro de Resolução de Conflitos e de Cidadania.13

4 Os meios alternativos e o Ncpc

O NCPC segue essa linha evolutiva e traz incrementos para o tema da autocomposição.

Observe-se, por exemplo, a previsão do instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública e pelos advo-gados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado pelo tribunal no rol dos títulos executivos extrajudiciais do NCPC.

A norma do NCPC14 reproduz – com maior alcance – o que previsto no inc. II, art. 585, parte final do CPC/1973.

Normas dessa natureza servem para demonstrar que o advogado, moderna-mente, precisa estar também preparado para esse tipo de atuação autocomposi-tiva, em mesas de negociação, etc.

Os advogados se preparam, normalmente, para a advocacia contenciosa.

Pior, em algumas situações, até tendem a tomar para si o litígio das partes. Esquecem que a busca de uma solução amigável ao conflito é também papel seu, como bem enfatiza o Código de Ética da Advocacia. Consta ali que constitui dever

13 Cf. WATANABE, Kazuo. Mediação como política pública social e judiciária. Revista do Advogado, n. 123, AASP, agosto/2014, p. 37.

14 Art. 784, IV.

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do advogado “... estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios” (art. 2º, parágrafo único, VI).

O advogado deve estar preparado, modernamente, para esse novo tipo de ad-vocacia, lidando com os meios alternativos de resolução de conflitos, algo que exige, de igual, novo paradigma de conduta.

É preciso que o advogado estude técnicas de negociação. Buscar uma via au-tocompositiva não significa estar despreparado para tratar o conflito. Da mesma forma, quando vai entrar em juízo, também tem que se estar preparado tecnica-mente para o manejo da negociação.15

É importante saber transmitir ao cliente as vantagens da negociação, que bus-cá-la não significa, de forma alguma, sinal de fraqueza. É conveniente ainda mos-trar ao cliente, inclusive, que a bem sucedida negociação virá como algo fruto do trabalho do profissional.16 O NCPC, naquela possibilidade da transação, se refere não somente aos advogados privados, mencionando também: a) os advogados públicos, os quais, sem dúvida, terão que rever bastante seus modelos de atuação, para o fim daquela norma; b) o Ministério Público, o qual há muito já vem atuando em momentos como este (v.g., acordos celebrados e referendados em sede de PROCONs); c) a defensoria pública, a qual terá que se preparar para exercer esse papel extrajudicial, haja vista que, em muitos cantos do nosso país, a mesma não consegue – por limitações que lhe são indevidamente opostas – ir além de seu papel de assistência judiciária.17

5 A conciliação

Seguindo, vamos à conciliação. Essa é antigo instituto do direito processual. Mais do que nunca, o legislador tem-se preocupado em mostrar que aquela cons-titui relevante papel entregue ao Judiciário, que o juiz tem participação funda-mental e conclusiva em tal atividade.

15 Cf. NASCIMENTO, Alessandra Gomes do. Técnicas de Negociação para Advogados, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 12-13.

16 Até para mostrar-se o cabimento da adequada remuneração. Vale notar que tabelas de honorários de algumas Seccionais da OAB-CE precisam ser revistas para conter norma mais atual e específica acerca dessa advocacia autocompositiva. Há, em algumas normas, quando muito, cláusula genérica de “intervenção para a solução amigável de qualquer pendência”. Em termos práticos, o que importa é que tal remuneração seja proporcional ao benefício (resultado satisfatório, celeridade na solução do conflito) que a atuação do advogado traz para o cliente.

17 Embora a Constituição Federal, há muito, assegure a essa (Defensoria) um relevante papel também extraprocessual.

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Quanto à conciliação, convém lembrar toda uma evolução do instituto, desde a previsão legal de um momento único na fase inicial da audiência de instrução e julgamento, até a possibilidade moderna de tentá-la a qualquer momento.

Observe-se, na linha do que já havia feito a reforma do CPC da década de no-venta (art. 125, IV, CPC/1973), a moderna explicitação dos Poderes conciliatórios do magistrado. A previsão chega no NCPC com maior amplitude.

Diz o NCPC18 que caberá ao juiz promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais

Doravante, fala-se no gênero autocomposição e ainda se ratifica a possibilida-de (preferencial) do auxílio de conciliadores e mediadores.

Haverá toda uma seção do NCPC, no contexto dos auxiliares do juiz, para a disciplina dos conciliadores e mediadores.

Quanto ao modo de agir de um e outro auxiliar, o NCPC,19 buscando fixar “cam-pos” de atuação desses, dispõe: a) o conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir solu-ções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem; e b) o mediador, que atuará preferencial-mente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

As citadas normas, ao mesmo tempo que cuidam da atuação de um e outro auxiliar, ajudam a colocar algumas balizas de diferenciação entre tais formas de solução do conflito. Voltaremos a esse tema (v. infra).

Há a previsão de uma audiência (prévia) de conciliação e mediação.

Ainda naquela linha de incentivar ao máximo os meios autocompositivos, o NCPC traz para o procedimento comum a previsão de uma audiência prévia de

18 Art. 139, V.

19 §§ 2º e 3º, art. 165.

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conciliação e mediação.20 Ou seja, uma audiência designada logo no momento inicial do processo, no deflagrar de sua fase postulatória, lembrando, de alguma forma, o que era previsto para o procedimento sumário do CPC/1973.

Esse empenho do código em, ao máximo possível, resolver consensualmente o conflito é tão sério que o não comparecimento do autor ou do réu a essa au-diência é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça.21

Assim, no NCPC,22 se a petição inicial receber despacho liminar positivo, ad-mitindo-a, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antece-dência mínima de trinta dias, devendo ser citado o réu com pelo menos vinte dias de antecedência.

Atuarão nessa audiência, necessariamente, os auxiliares (conciliadores e me-diadores – v. supra).

A audiência não ocorrerá sempre. Há hipóteses legais em que a mesma poderá ser dispensada. São elas: a) quando ambas as partes manifestarem, expressamen-te, desinteresse na composição consensual.23 Havendo litisconsórcio, o desinte-resse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes; e b) no processo em que não se admita a autocomposição. Alcançada a autocom-posição, essa será reduzida a termo e homologada por sentença.

No NCPC, a conhecida audiência preliminar do art. 331, CPC/1973, mantém-se, mas, claramente, como ato eventual e que ficará predominantemente para o saneamento do processo.

Alcançado o êxito em qualquer da medidas judiciais autocompositivas, ter-se-á extinção de mérito e a formação de título executivo judicial.

Está bem clara, no NCPC, a possibilidade de compor ampla e amigavelmen-te o conflito.

20 Vale anotar, poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não excedentes a dois meses da primeira, desde que necessárias à composição das partes. A recomendação final é interessante para que não se façam novas designações desnecessárias dessa audiência, gerando dilações desnecessárias para o processo.

21 Sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

22 Art. 334.

23 O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu, por petição, apresentada com dez dias de antecedência, contados da data da audiência.

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Ora, como esquecer, ainda no CPC/1973, a previsão da sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo, como título executivo judicial (art. 475-N, III, CPC/1973).

Essa foi uma previsão, à época, bem útil e interessante. Evitava-se que, solu-cionada que fosse a lide em uma parcela sua, as mesmas partes voltassem, mais uma vez, perante o Judiciário para “duelar” por outros pontos da mesma lide, não apresentados no processo extinto.

Compondo-se a lide integralmente mediante o ato transacional, devidamente homologado, evita-se que aquelas mesmas partes voltem a demandar por outros aspectos e fundamentos que não estivessem naquela ação proposta.

Com toda essa amplitude conciliatória, evita-se a perpetuação do conflito por um ou outro ponto específico e, mais importante, alcança-se, com eficiência, o escopo pacificador da jurisdição.

Não havia como se dispensar tudo isso (e até ir um pouco além na explicita-ção do alcance dessa possibilidade autocompositiva). Assim, o NCPC24 foi mais à frente e afirmou que: a autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo. Assim, fica bem nítido que as sentenças homologatórias podem envolver sujeitos e ma-térias novas ao processo; outros sujeitos e outras parcelas da lide que, ali, ainda não estavam.

O CPC/1973 traz, em meio aos seus títulos executivos judiciais, ainda, o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente.

Essa sempre foi uma previsão oriunda de uma boa experiência, ainda, nos Jui-zados de Pequenas Causas.25

A ideia foi mantida na Lei dos Juizados Especiais (art. 57, LJE) e, depois, repeti-da, como visto, no CPC/1973 (art. 475-N, V).

24 Art. 515, § 2º.

25 Foi uma grande inovação à época (década de 80) porque, na disciplina comum (CPC), somente se conhecia a homologação de acordo trazido na pendência do processo, para extingui-lo “com julgamento de mérito” (incs. II, III e V, art. 269).

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A “transposição” da norma para o código já havia lhe trazido amplitude e, ago-ra, no NCPC,26 investe-se, de novo, em seu máximo alcance.

O NCPC27 prevê, doravante, como título, a decisão homologatória de autocom-posição judicial.

Fica claro que o ato trazido à homologação poderá ter diferentes conteúdos (renúncia, concessões recíprocas). Poderá ser um acordo de qualquer natureza ou valor.

A homologação de tal acordo vale como título executivo judicial.28 Isso naturalmente diminui as possibilidades de impugnação oponíveis em sua execução.

6 conciliação em procedimentos especiais

Além das regras gerais e da previsão de uma audiência previa no procedimen-to comum, temos ainda regras específicas em sede dos procedimentos especiais trazidos pelo NCPC, no caso:

a) em sede das ações possessórias – naquelas ações possessórias29 envolvendo litígios coletivos, antes de apreciar a medida liminar pugnada, o juiz designará audiência de mediação. De igual, concedida a liminar, se essa não for executada no prazo de um ano, a contar da distribuição, também caberá ao juiz designar audiência de mediação.30 Alguns atos cientificatórios serão necessários: I) do Mi-nistério Público; II) da Defensoria Pública, sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça; III) de órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado ou do Distrito Federal, e de Município onde se situe a área objeto do litígio, a fim de se manifestarem sobre seu interesse na causa e a existência de possibilidade de solução para o conflito;

26 Art. 515, III.

27 Art. 515, II.

28 É claro, desde que traga os requisitos para isso: uma prestação a cumprir; obrigação com certeza, liquidez etc.

29 Não somente em ações possessórias, mas também aplicável em ações petitórias, com fundamento exclusivo na propriedade do imóvel.

30 Art. 565.

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b) nas ações de família – este é um território por demais sensível.31 Na verdade, historicamente, as ações de família sempre foram “solo fértil” à previsão de medi-das de autocomposicão. Como esquecer, por exemplo: a) a Lei n. 968, de 10-12-1949, prevendo fase preliminar de conciliação ou acordo nas causas de “desquite litigioso” e de alimentos; b) a ação de alimentos, em que é obrigatória uma au-diência de conciliação (art. 6º., Lei n. 5478/1968); e c) a Lei nº 6.515/1977 (art. 3º., § 2º.), quando diz que o juiz deve “promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou transijam”.32

O NCPC traz um novo procedimento especial, qual seja, “das ações de família”. Cuida-se de um procedimento de jurisdição contenciosa para os casos de divór-cio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. A ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, sendo aplicáveis a es-ses, no que couber, as disposições do procedimento especial do NCPC.

Na verdade, é um procedimento especial exatamente por um trato específico quanto ao momento da tentativa de solução consensual do conflito.33 Diz o NCPC que, naqueles procedimentos (de família), todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia.34

Aqui, poderão funcionar não apenas aqueles auxiliares previstos na parte ge-ral (conciliadores e mediadores), mas também profissionais de outras áreas de conhecimento (v.g., psicólogos, assistentes sociais). Exatamente por todo aquele “esforço” frisado pelo legislador, a audiência de mediação e conciliação poderá di-vidir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução con-sensual.35 Esse empenho em prol da solução amigável poderá se projetar mesmo para fora do processo, admitindo-se a paralisação do feito para que as partes se submetam a uma mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar. 31 “Qualquer profissional do Direito de Família sabe que o acordo numa lide originária de separação, sobretudo quando

resultado de uma conciliação mal conduzida, conquanto possa dar um fim ao processo, tende a significar uma intervenção desastrosa na relação entre aquelas pessoas. Esse é, por sinal, um exemplo crasso de tratamento da disputa processual, e não do conflito; capaz mesmo de introduzir, na separação, uma dimensão conflituosa até então inexistente” (FREITAS JR., Antonio Rodrigues de. Sobre a relevância de uma noção precisa de conflito. Revista do Advogado, n. 123, AASP, agosto/2014, p. 12).

32 Em levantamento sobre o tema da conciliação nas ações de família, cf. OLIVEIRA, Euclides de. O percurso entre o conflito e a sentença nas questões de família, Revista do Advogado, n. 62, AASP, março/2001, p. 103-108.

33 Há alguma crítica quanto a esse procedimento. É que, recebida a inicial, marcada a audiência de conciliação-mediação, o mandado de citação sairá com apenas alguns dados essenciais, sem cópia da petição inicial. “Tal previsão soa desarrazoada por gerar um desequilíbrio no processo, comprometendo a isonomia e a publicidade de que também o réu é destinatário: como ele poderá comparecer à audiência para negociar sem nem saber o teor do que é pedido?” (TARTUCE, Fernanda. Normas e projetos de lei sobre mediação no Brasil, Revista do Advogado, n. 123, AASP, agosto/2014, p. 31).

34 Art. 694.

35 Art. 696.

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Esse tom multidisciplinar não é difícil de localizar em procedimentos dessa na-tureza. Aliás, o Direito sempre buscou ajuda em outros campos do conhecimento como a Sociologia, Antropologia, Psicologia e Psicanálise.36

7 Um obstáculo: a “cultura da sentença”

Como visto, tivemos toda uma trajetória em favor da conciliação e o NCPC chega dando seguimento (com mais disposições e ampliando alcance do meio alternativo) a essa.

Mas, é preciso que o magistrado tenha a consciência e a habilidade necessárias no emprego desses amplos poderes.

Muitos desses operadores são bacharéis oriundos daquela formação adver-sarial de que falamos. É fundamental que o juiz (ou mesmo o conciliador que o auxilia) não trate o momento da conciliação como uma “perda de tempo”. Já se disse no passado que “tanto maior é a possibilidade de êxito na conciliação quan-to maior é a autoridade da pessoa que a tenta” (Chiovenda).

Há, contudo, o problema da “cultura da sentença”. (Kazuo Watanabe).

“Há mesmo, o que é lastimável, um certo preconceito contra esses meios alter-nativos, por sentirem alguns juízes que seu poder poderá ficar comprometido se pessoas não pertencentes ao Poder Judiciário puderem solucionar os conflitos de interesses. E há, ainda, a falsa percepção de que a função de conciliar é atividade menos nobre, sendo a função de sentenciar a atribuição mais importante do juiz. Não percebem os magistrados que assim pensam que a função jurisdicional con-siste, basicamente, em pacificar com justiça os conflitantes, alcançando por via de consequência a solução do conflito. ... Um outro fato que reduz o entusiasmo dos juízes pela conciliação é a percepção que eles têm, e muitas vezes com ra-zão, de que seu merecimento será aferido pelos seus superiores, os magistrados de segundo grau que cuidam de suas promoções, fundamentalmente pelas boas sentenças por eles proferidas, não sendo consideradas nessas avaliações, senão excepcionalmente, as atividades conciliatórias, a condução diligente e correta dos processos, a sua dedicação à organização da comarca e sua participação em

36 Acerca dessa relação com outros campos, cf. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e Psicanálise – uma prática interdisciplinar, Revista do Advogado, n. 62, AASP, março/2001, p. 27-28.

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trabalhos comunitários... Disso tudo nasceu a chamada cultura da sentença, que se consolida assustadoramente. Por todas as razões acima citadas, os juízes prefe-rem proferir sentença, ao invés de tentar conciliar as partes para obter a solução amigável dos conflitos. Sentenciar é mais fácil e cômodo, para alguns juízes, do que pacificar os litigantes”.37

Se não for revista (e combatida) essa “cultura”, muito pouco adiantará todo o incremento que a via conciliatória vem recebendo no plano do direito positivo. Todo aquele “poder conciliatório” estará destinado a não operar eficazmente.

8 Mediação

A mediação, por sua vez, é a atividade técnica exercida por terceiro imparcial que, escolhido ou aceito pelas partes interessadas, as escuta, orienta e estimula, sem apresentar soluções, com o propósito de lhes permitir a prevenção ou solução de con-flitos de modo consensual.38

“A virtude da mediação é a de substituir a lógica do ganhador-perdedor do en-frentamento judicial que radicaliza o conflito, em desenvolvimento de diálogo e reconhecimento do outro”; o mediador é “um profissional qualificado que possui as técnicas que permitem facilitar a comunicação e que domina um processo estrutu-rado, ou seja, ritualizado, apoiando-se em referências teóricas comprovadas”.39

É, como dito, uma “atividade técnica”, algo que revela o aspecto profissional da função.

Há um terceiro imparcial (mediador), mas não é esse que profere a solução do conflito;40 esse não tem poder de decisão acerca do conflito, apenas ajuda os envolvidos a alcançarem a tal solução.

Envolve todo um procedimento voluntário e confidencial, com método pró-prio e informal.

37 WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença e cultura da pacificação, Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, org. Flávio Luiz Yarshell e Maurício Zanoide de Moraes, São Paulo: DPJ Editora, 2005, p. 686-687.

38 Conceito extraído de anterior projeto de lei específico sobre o tema.

39 GANANCIA, Daniele. Justiça e Mediação familiar: uma parceria a serviço da co-parentalidade, Revista do Advogado, n. 62, AASP, março/2001, p. 11.

40 Não necessariamente apenas um terceiro. Conforme a situação, pode haver uma “co-mediação”, o auxilio de um outro mediador (especialista).

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A mediação propriamente dita conta com:

“Abertura – ... Faz-se a colocação das regras do procedimento. O mediador ouve cuidadosamente os mediandos.

Investigação – aqui aborda-se profundamente o conflito, buscando suas cau-sas e genealogia.

Levantamento das opções – ... Levantam-se as necessidades e os desejos de cada um, sem haver, num primeiro momento, compromisso com a aplicabilidade das alternativas.

Negociação das opções – ... É o momento em que aspectos da realidade e da possibilidade de cada mediando são levados em consideração. Concessões são feitas dentro do espírito de ganhos mútuos.

Agenda – compromissos parciais e provisórios podem ser feitos com o objetivo de testar se as alternativas acordadas realmente funcionam na prática.

Fechamento – testadas as alternativas na prática (quando for o caso), é feito o acordo e o caso volta aos advogados, que farão a redação e o adequado encami-nhamento jurídico”.41

Vê-se, pois, que cabe ao mediador investigar, levantar opções e proceder nego-ciação (negociação das opções levantadas; verificação da exequibilidade dessas).42

O mediador é um terceiro imparcial que não detém nenhum “poder”; seu úni-co poder advém das partes, livres para prosseguir ou não na mediação, caminho essencialmente voluntário. Os acordos alcançados são obras das próprias partes envolvidas.43 A mediação, pois, “apresenta vantagens importantes em compara-ção com outras formas de condução de conflitos como a negociação e a arbitra-gem, pois propicia a retomada da autodeterminação das pessoas com relação às próprias vidas”.44

41 NAZARETH, Eliana Riberti. Mediação: algumas considerações, Revista do Advogado, n. 87, AASP, setembro/2006, p. 132.

42 Observe-se que a negociação acaba sendo meio de consecução da mediação; técnicas daquela chegam em prol dessa.

43 GANANCIA, Daniele. Justiça e Mediação familiar: uma parceria a serviço da co-parentalidade, Revista do Advogado, n. 62, AASP, março/2001, p. 11.

44 NAZARETH, Eliana Riberti. Psicanálise e mediação – Meios efetivos de ação, Revista do Advogado, n. 62, AASP, março/2001, p. 55.

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No NCPC, a mediação: a) como visto, aparece com uma via (meio) alternativa a ser estimulada; b) dentre os auxiliares da justiça é dedicada uma detalhada seção aos mediadores (além dos conciliadores) com disciplinas alinhadas à conhecida Resolução n. 125 do CNJ; c) apesar de receber nota distintiva da conciliação, em diversos momentos, os institutos são tratados conjuntamente.45

Num arremate, podemos concluir que a mediação “é a intervenção de terceira pessoa (mediador), neutra e qualificada para uma escuta especializada, que se apresenta com uma postura não adversarial, com a missão de esclarecer os limi-tes das pretensões de cada um, focalizando os pontos controvertidos, levando as partes ao restabelecimento do diálogo que, muitas vezes, os mediandos consta-tam que nunca haviam experimentado, ao longo de um convívio”.46

Há certa confusão entre conciliação e mediação. Alguns vão dizer que simples-mente não há qualquer diferença ou que essa é pura filigrana. Outros vão dizer que uma e outra servem a modalidades diferentes de conflitos. A conciliação seria voltada mais para conflitos “pontuais”; mediação, uma via mais adequada para conflitos “permanentes”, que se projetam no tempo (v.g, direito de família, parce-rias comerciais, sociedades).

Há também quem encontre diferenças a partir de critérios de finalidade, mé-todo e vínculos:

“Quanto à finalidade, observa-se que a mediação visa resolver com abran-gência o conflito entre os envolvidos, ou na linguagem de CARNELUTTI, visa por fim à lide sociológica. Por seu turno, a conciliação possui escopo me-nos ambicioso, contentando-se em resolver o litígio conforme seus pontos elementares, ou seja, as posições apresentadas pelos envolvidos. ... Quanto ao método, em poucas palavras pode-se afirmar que o conciliador assume posição mais participativa, podendo chegar a apresentar uma fórmula de autocomposição, ou seja, pode sugerir às partes os termos em que o acordo poderia ser realizado, dialogando abertamente com elas a este respeito. Já o mediador jamais interfere nos termos do acordo, devendo abster-se de to-mar qualquer iniciativa de proposição, procurando não se manifestar sobre as propostas apresentadas pelos envolvidos. ... Por último, o critério dos vín-culos, em que se avalia a eventual ligação de determinado mecanismo com alguma estrutura preexistente. Por esse critério distinguem-se mediação e conciliação, porquanto esta é uma atividade inerente ao Poder Judiciário,

45 TARTUCE, Fernanda. Normas e projetos de lei sobre mediação no Brasil, Revista do Advogado, n. 123, AASP, agosto/2014, p. 30-31.

46 BARBOSA, Águida Arruda. Justiça e Mediação: “a clínica do direito”, Revista do Advogado, n. 62, AASP, março/2001, p. 46-47.

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sendo realizada pelo próprio juiz togado, por juiz leigo ou por alguém que exerce a função específica de conciliador. ... Por outro lado, a mediação é atividade privada, livre de qualquer vínculo, não fazendo parte da estrutura de qualquer dos poderes públicos”.47

De qualquer sorte, há para elas, como visto no NCPC, um tratamento simultâ-neo, sempre se dizendo, num ou noutro dispositivo, que se tentará a conciliação e a mediação etc.

Diz o NCPC que a conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da in-dependência, da imparcialidade, da normalização do conflito, da autonomia da vonta-de, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.

A neutralidade chegou a ser prevista como um princípio da conciliação e da mediação em uma das versões anteriores do projeto do NCPC; foi substituída pelo princípio da imparcialidade.

“Alguns estudiosos criticavam a previsão do princípio da neutralidade, por entenderem que com ele se exigia a ausência de preconceitos e experiências prévias nos assuntos a serem negociados, o que seria impossível de ser exigida, justamente por sermos um conjunto de conceitos e experiências adquiridos du-rante nossa vida”.48

Sim, melhor falar em imparcialidade. Neutralidade é expressão que passa ideia de “passividade” e isso é algo que, efetivamente, não se quer. A imparcialidade, melhor, é principio que afeta toda a atividade jurisdicional e há de ser aferido não somente no atuar do juiz mas também daqueles que o auxiliam.

9 Arbitragem

Dentre as formas heterônomas, contamos com a arbitragem, munida, hoje, da disciplina que lhe foi trazida pela lei 9.307, de 23 de setembro de 1996 (LArb), que revogou o tratamento existente para o instituto no Código Civil e no Código Bu-zaid de Processo (art. 44).

47 CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 111-112.

48 AMORIM, Samira Macêdo Pinheiro de. A conciliação e a Mediação no futuro Código de Processo Civil. in O Projeto do Futuro CPC: tendências e desafios de efetivação, org. Juvêncio Vasconcelos Viana, Gretha Leite Maia e Ana Cecília Bezerra de Aguiar, Curitiba: Editora CRV, 2013, p.117.

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Vale rememorar que o sistema anterior do juízo arbitral do CPC/1973 sofria diversas críticas, em especial, aquelas referentes à ineficácia da cláusula compro-missória – cuja inobservância levava-nos à mera busca por perdas e danos – e à necessidade de homologação do laudo arbitral – circunstância que prejudicava as principais vantagens do instituto: sigilo, custo menor, celeridade –.49

Esses eram “pontos de estrangulamento” do velho sistema, os quais foram vencidos.

Recordemos que a cláusula arbitral (ou cláusula compromissória) consiste no dispositivo contratual no qual as partes estabelecem que resolverão eventuais litígios nascidos daquele negócio através da arbitragem. Ao lado dessa, existe o compromisso arbitral, o qual constitui “a base da arbitragem”. A cláusula arbitral (compromissória) já nasce, pois, com o contrato, diverso do que ocorre com o compromisso arbitral, o qual sucede ao litígio. Modernamente, vale a expressão, adotada legalmente – “convenção de arbitragem” – terminologia mais ampla, abrangente das duas espécies: cláusula compromissória e compromisso arbitral. Ambas, com a LArb, são capazes de gerar a exclusão da jurisdição estatal na sua função de composição de lides e solução de controvérsias. Deu-se um tratamento melhor ao instituto, equiparando a eficácia de tais figuras.

Hoje, também, se adota a desnecessidade de posterior homologação judicial da “sentença arbitral” – essa é a moderna terminologia, que entra em substituição à anterior: “laudo arbitral” –, possuindo a eficácia de título executivo judicial (arts. 18 e 31 LArb).

Mas, não foi apenas uma mudança terminológica.

O art. 31, LArb, vem para dizer que a sentença arbitral produz “os mesmos efei-tos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário”. Afirmar isso significa dizer que uma e outra (sentença arbitral e sentença judiciária) “têm a mesma es-sência jurídica: ambas são declarações de vontade do Estado, no caso concreto, formuladas pelos magistrados judiciais ou pelos árbitros, estes últimos agentes privados no exercício da função jurisdicional”.50

49 Ao andar nessa linha (exigindo a homologação), o velho sistema não seguia o que havia de mais moderno acerca do tema da arbitragem. Estava na mão contrária do que demonstrava o direito comparado, onde tal homologação judicial era desnecessária.

50 ROCHA, José de Albuquerque. A lei de arbitragem, São Paulo: Malheiros, 1998, p. 116.

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O NCPC traz seus pontos de intersecção para o instituto da arbitragem e, é cla-ro, manteve-se fiel à moderna sistemática (fala da convenção de arbitragem; não mais homologação a posteriori da decisão do árbitro; emprega o vocábulo senten-ça arbitral, elencando-a como título executivo).51 Afinal, tratar diferentemente o instituto seria dar “passos para trás” quanto a algo que custou a evoluir, positiva-mente, na realidade brasileira.

Começa o NCPC, como vimos, “abrindo espaço” para a arbitragem, ao lado via jurisdicional estatal (v. supra).

Essa posição do NCPC demonstra claramente a adoção ao entendimento de que a via da arbitragem é constitucional, não implicando violação à garantia do acesso à jurisdição.

No direito brasileiro, mesmo considerada em seu modelo anterior (segundo regras do CC/1916 e do CPC/1973), nunca foi pacífica a questão acerca da consti-tucionalidade da arbitragem.

Questionava-se se a lei, ao estabelecer a instauração do juízo arbitral, estaria excluindo da apreciação do Poder Judiciário a lesão ao direito da parte, negando-lhe acesso aos órgãos originariamente investidos de jurisdição. Haveria, pois, vio-lação às garantias constitucionais do devido processo legal, do acesso à jurisdição e do juiz natural?

É preciso colocar a questão em seus devidos termos. Não é a lei que exclui a lide da apreciação do Poder Judiciário, mas sim, a vontade das partes. A lex magna apenas garante (não obriga) o acesso ao Judiciário. A parte não vai “coagida” para a via do juízo arbitral52. Tal via não lhe é obrigatória. É uma opção a mais posta a serviço dos jurisdicionados. Vai ao juízo arbitral porque quer e porque demons-trou, anteriormente, com a celebração da convenção, expressamente, vontade de fazê-lo. A vedação do art. 5º, XXXV é dirigida ao legislador e não aos sujeitos que precisam resolver o litígio. É fundamental lembrar que tal técnica alternativa de

51 A rigor, considerando que a arbitragem é uma via alternativa e de consenso; que a confiança norteia esse negócio jurídico processual; que as partes vêm dizer que se submeterão à decisão de um árbitro, seria de se esperar, diante de tudo isso, que o cumprimento voluntário sempre viesse, uma vez findo o procedimento. Contudo, proferida a sentença arbitral, não observada voluntariamente, essa será levada ao juízo comum para execução, segundo as regras do cumprimento da sentença, abraçado amplamente pelo NCPC.

52 Mesmo à época da antiga técnica de juízo arbitral, comentando-a à luz do então § 4º., art. 153, CF, Hamilton de Moraes Barros defendia que “ao prever o juízo arbitral e ao discipliná-lo, não está a lei excluindo a lesão ao direito individual, ou pessoal, da apreciação do Poder Judiciário. Está apenas oferecendo às pessoas mais um meio – facultativo – de acertarem as suas relações” (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IX, Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 464).

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solução dos conflitos somente será utilizada por partes capazes e em casos de direito patrimonial disponível (art. 1º, LArb).53 Inconstitucional seria a lei se colo-casse a arbitragem como caminho obrigatório das partes.54

Acolhida que seja a alegação de convenção de arbitragem, o processo judicial será extinto sem resolução de mérito.

53 São limites que se colocam ao instituto. Portanto, não é qualquer causa que poderá ser objeto de solução arbitral. Prestigia-se, ao máximo, o princípio da autonomia da vontade, daí a possibilidade, inclusive, da escolha pelas partes das regras de direito, material ou processual, a serem aplicadas (arts. 2º, §§, 5ºº, 13, §3º).

54 Cf. ROCHA, José de Albuquerque. A Lei de Arbitragem, São Paulo: Malheiros, 1998, p. 29. Ainda, destaca o autor que o acesso ao Judiciário é forma de exercício dos direitos, bem como que a arbitragem tem por objeto direitos disponíveis, daí “se o titular do direito pode renunciar ao direito (princípio da autonomia da vontade), com maior razão pode renunciar ao exercício eventual por intermédio do Poder Judiciário” (op. cit., p. 30).

Referência do artigo

VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Meios alternativos de solução dos conflitos no novo CPC. Revista da ESMApE, Recife, v. 20/21 – n. 42/43 – p. 117-136 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016.

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Cenário: O Novo Código de Processo Civil, ins-tituído através da Lei n. 13.105, de 16 de mar-ço de 2015, trouxe como técnica legislativa a inclusão de uma Parte Geral, que reserva, em seu título único, um capítulo específico sobre as normas fundamentais do Processo Civil. Foi nesta perspectiva que, precisamente em seu artigo 6°, se instituiu o que parte da dou-trina afirma ser a viragem valorativa para um modelo processual cooperativo no Direito Brasileiro. Objetivo: Analisar a produção cien-

tífica que tratou das características do modelo processual cooperativo para compreender as vertentes e possíveis implicações de sua ado-ção como norma fundamental no novo Código de Processo Civil. Método: O método utilizado será o indutivo, a partir da análise de artigos, doutrina e jurisprudência sobre o tema.

palavras-chave: novo código de processo ci-vil, normas fundamentais, modelo cooperativo de processo.

Resumo

Scenario: The new Civil Procedure Code, introduced by Law No. 13,105, of March 16, 2015, brought as a legislative technique to include a general section, which allows in his only title, a chapter on the fundamental rules of civil procedure. It was against this background that, precisely in its Article 6, was instituted what some legal claims to be the evaluative turning to a cooperative process model in the Brazilian law. Objective: To analyze the scientific

production that dealt with the characteristics of the cooperative model to understand the procedural aspects and implications of his adoption as a fundamental rule in the new Code of Civil Procedure. Method: The method used will be inductive, based on the analysis of articles, doctrine and jurisprudence on the subject.

Keywords: new Code of Civil Procedure, fundamental rules, cooperative model process.

Abstract

O Modelo processual cooperativo: uma análise sobre a norma simbólica

Otávio Luis Leal de VasconcelosPós-Graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça do Estado

de Pernambuco. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco − UNICAP e

Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco − TJPE.

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Introdução

Tradicionalmente, o modelo processual adotado no Brasil variou entre o ad-versarial e o inquisitivo. A aplicação do modelo cooperativo tinha como fonte os princípios, sobretudo o da cooperação, ou ainda, pela tese defendida por parte da doutrina que o via como fruto de uma leitura constitucional do processo, ou seja, com fundamento constitucional.

Com o advento da Lei n. 13.105, de março de 2015, defende-se que o modelo cooperativo de processo foi incluído como norma fundamental do processo civil brasileiro, realizando uma viragem no que pertine à aplicação das normas de pro-cesso em nosso ordenamento.

É neste cenário, que o presente trabalho tem como objeto, a partir dessa aná-lise histórica, doutrinária e jurisprudencial do modelo cooperativo no Brasil, ques-tionar se a sua inclusão como norma positivada no Código de Processo terá eficá-cia de realizar essa viragem tão propagada pelos que participaram da elaboração do novo código, bem como ultrapassar a própria barreira de um sistema jurídico historicamente baseado no modelo adversarial e inquisitivo de processo para um modelo fundamentado na organização do processo como cooperação entre os sujeitos participantes.

Assim, buscou-se a análise do instituto nos moldes em que se deu o presente estudo, para uma abordagem mais ampla, abarcando, inclusive, a análise da apli-cação do modelo cooperativo processual entre as partes entre si, matéria pouco ou quase nada explorada pela doutrina.

1 Os modelos processuais: uma leitura sobre cultura e tradições jurídicas

Um sistema processual civil é que proporciona à sociedade a efetivação e rea-lização dos direitos que foram ameaçados ou violados e serve como instrumento para concretização de um Estado Democrático de Direito. A partir desta máxima que representa, na verdade, a síntese de uma construção teórica que se traduziu no caráter instrumental do processo pode-se iniciar o estudo dos modelos de di-reito processual existentes.

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A doutrina é pacífica no reconhecimento de dois modelos processuais: o mo-delo dispositivo e o modelo inquisitivo. Há, ainda, um terceiro modelo que é apre-sentado como um modelo de processo cooperativo.1

Ocorre que, antes de se adentrar especificamente no tema dos modelos pro-cessuais, é preciso estabelecer algumas construções teóricas que contribuirão para a formação da estruturação lógica que o presente trabalho se propõe. A primeira delas é a relação entre a estruturação do processo e as características culturais de cada sociedade, que acaba por resvalar na função que cada sujeito processual exercerá na condução do processo.

Sobre o tema, a lição de Daniel Mitidiero ao destacar que embora o direito processual civil possua uma estruturação técnica, não prescinde do caráter cultu-ral do próprio formalismo do processo, viés que para ele acaba condicionando a eleição deste ou daquele caminho a seguir na organização do tecido processual e conclui: “O direito processual civil não escapa à sorte do direito em geral: compete à autonomia do humano, sendo fruto dessa percepção de mundo.”2

Não é outro o entendimento de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira para quem o direito processual como fenômeno cultural “forma-se pela confluência de ideias, projetos sociais, utopias, interesses econômicos, políticos e estratégias de poder reinantes em determinada sociedade.”3

Assim, ao se analisarem os modelos processuais, é forçoso reconhecer as influên-cias que cada modelo recebe da cultura local. Contudo, estas influências não se dão de maneira hermética, porquanto o direito como um todo sofre influxos dos diversos sistemas que o compõem, revelando muitas vezes características que se aplicam a determinado ordenamento e, no entanto, não se mostram eficazes em outros.

No Brasil, muito embora a maioria da doutrina veja no civil law a base da tradi-ção jurídica de seu ordenamento, não é possível dizer que se trate de um modelo absoluto. Desta feita, embora tenha sofrido forte influência na família romano-germânica, hoje apresenta aspectos significativos da tradição anglo-saxônica4, sobretudo no controle de constitucionalidade.

1 DIDIER JUNIOR, FREDIE. Os três modelos de direito processual: Inquisitivo, Dispositivo e cooperativo.

2 MITIDIERO, DANIEL. Bases para construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teóri-co do formalismo valorativo. p. 14

3 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. poderes do Juiz e Visão cooperativa do processo. P. 1

4 BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Op.cit,. p 45.

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Assim, é possível estabelecer que as tradições jurídicas não são sistemas fecha-dos, o que poderia levar à simplificação de estruturas conceituais dos modelos processuais tais como a de que o modelo inquisitivo designa um processo em que se atribui ao órgão judicial mais poderes, enquanto o modelo dispositivo indicaria aquele em que se lhe impõem limitações mais acentuadas, cabendo às partes o papel de protagonistas.5

Portanto, a caracterização dos modelos processuais não constitui um caminho unívoco como explica Barbosa Moreira:

(...) a divisão do trabalho entre órgão judicial e as partes não suscita um único problema, senão, muito ao contrário, uma série de problemas distintos, para os quais é possível adotar soluções também diferenciadas. Por exemplo: fala-se de princípio dispositivo a propósito de temas como a iniciativa de instauração do processo, o da fixação do objeto litigioso, o da tarefa de coletar provas, o da pos-sibilidade de autocomposição do litígio, o da demarcação da área coberta pelo efeito devolutivo do recurso, e assim por diante. Nada força o ordenamento a dar a todas essas questões, com inflexível postura, respostas de idêntica inspi-ração. Daí, proclamar a generalidade dos estudiosos que não existe processo puramente “inquisitivo”, nem processo puramente “dispositivo” 6

Desta feita, tendo em vista as bases teóricas afirmadas no sentido de que não existe um modelo de processo puramente inquisitivo ou dispositivo se analisará precisamente o modelo cooperativo de processo.

2 O modelo processual cooperativo

A origem do modelo cooperativo de processo vem do direito alemão, em que onde o princípio da cooperação corresponde ao direito de perguntar do juiz (Fragerecht), que corresponde a um dever de perguntar e esclarecer (Frege und Auklärungsplicht).7

Também no direito processual civil português, no que a doutrina convencio-nou de modernização-publicização do processo civil mundial, há um poder-dever ou dever funcional de os juízes e tribunais de colaborarem com as partes.8

5 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Reformas processuais e poderes do Juiz. p.1.

6 Ibidem.

7 Cf. GOUVEA, Lúcio Grassi de. cognição processual civil: Atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. P. 370

8 Cf. GOUVEA, Lúcio Grassi de. Ob. cit. P. 372.

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Há no Brasil, atualmente, um levante por parte da doutrina que defende o sur-gimento de um novo modelo processual, cooperativo, com base em uma leitura constitucional do processo. Nesta perspectiva, a ciência processual seria incom-patível com os conhecidos modelos inquisitorial e adversarial, visto que não mais suportariam um processo em que haveria uma contraposição entre os papéis das partes, advogados e juízes.

O protagonismo de qualquer dos sujeitos processuais seria, nessa perspec-tiva, incompatível com uma leitura de processo democrático e pluralístico. Essa pluralidade seria uma verdadeira garantia no sentido de uma participação de vários sujeitos no curso do processo, como forma de dar legitimidade nas deci-sões judiciais.

A ideia de cooperação tem como justificativa uma possível deficiência dos mo-delos tradicionais de processo, ora com protagonismo das partes, ora com prota-gonismo dos juízes. Segundo Carlos Alberto Alvaro de Oliveira haveria a necessi-dade de se instalar um caráter isonômico no processo.9

Para Fredie Didier Junior, o modelo cooperativo de processo teria como base os princípios do devido processo legal, da boa-fé processual e do contraditório. Assim, para a instalação de um modelo cooperativo seria desnecessária a exis-tência de regras jurídicas expressas, isto porque seria este o modelo de direito processual civil adequado à cláusula do devido processo legal e do regime de-mocrático. Desse modo, com base no princípio da cooperação, seriam devidos comportamentos necessários à obtenção de um processo leal e cooperativo.10

Corroborando a ideia de que o princípio da cooperação seria um princípio or-denador do direito civil, tem-se a lição de Leonardo Carneiro da Cunha:

No Brasil, não há previsão legal do princípio da cooperação, mas ele tem base constitucional, sendo extraído da cláusula geral do devido processo legal bem como do princípio do contraditório. Se o contraditório exige par-ticipação e, mais especificamente, uma soma de esforços para melhor so-lução da disputa judicial, o processo realiza-se mediante uma atividade de sujeitos em cooperação.11

9 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. poderes do Juiz e visão cooperativa do processo. P. 8

10 Cf. DIDIER JUNIOR, FREDIE. Os três modelos de direito processual: Inquisitivo, Dispositivo e cooperativo

11 CUNHA, Leonardo Carneiro da. O princípio do contraditório e a cooperação no processo.

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O modelo cooperativo estaria fundado em bases ligadas à Constituição ou, mais precisamente, a um Estado Constitucional que teria como característica a submissão ao Direito e a participação social na sua gestão. Nesta senda, fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição Federal) e com obje-tivo de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I da Constituição Federal) o ordenamento jurídico brasileiro consagraria uma sociedade contem-porânea como um empreendimento de cooperação mútua.12

Não obstante o entendimento de que seria irrelevante a existência de uma norma, positivando o princípio da cooperação processual para que o modelo cooperativo de processo tivesse eficácia no ordenamento jurídico brasileiro, a Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o novo Código de Processo Civil, em seu artigo 6º previu: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si, para que se obtenha em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”13

Parte da doutrina passou a associar o artigo supracitado como um novo para-digma no processo civil brasileiro, visto que representará uma verdadeira viragem valorativa no que pertine aos modelos processuais, o que, em última instância, implicaria uma releitura sobre o papel dos sujeitos processuais.

Contudo, a referida análise deve ser feita com a cautela que qualquer norma recém editada pelo legislador merece. Isto porque, em que pese o argumento de abalizada doutrina no sentido de que o modelo cooperativo de processo dispen-saria a normatização expressa e, portanto, teria sua aplicação baseada no princí-pio da cooperação, com supedâneo na Constituição, entende-se que, como os próprios defensores de sua utilização sem norma expressa afirmam, o instituto, no Brasil, não teve uma aplicação uniforme, mas sim, tímida e incipiente, fruto de um novo pensar processual baseado numa leitura constitucional de processo,14 ou neoprocessualismo.

Nem mesmo na doutrina portuguesa é pacífico o entendimento de que a re-forma processual que positivou naquele país o princípio da cooperação se trataria de novo modelo processual. Há quem entenda que se trataria de mera reprodu-ção de modelos anteriormente existentes, no caso, o inquisitorial.15

12 MITIDIERO, DANIEL. Bases para construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teóri-co do formalismo valorativo. p. 14

13 Código de Processo Civil – Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015/ supervisão editorial Jair Lot Vieira – São Paulo. EDIPRO, 2015.

14 BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Fundamentos constitucionais do Modelo cooperativo no Direito Brasileiro. p. 82

15 BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Ob Cit. p. 121

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Sobre o problema da concretização e eficácia desse movimento de reformas processuais, ocorrido em vários países, atinente ao papel dos sujeitos processuais, corrobora o entendimento a lição de Barbosa Moreira, para quem:

Como é natural, têm variado com o tempo e com o lugar os efeitos práticos das aludidas reformas. É um dado da experiência que, infelizmente, não bas-ta editar normas para alcançar o objetivo que as inspira. Numerosos fatores influem na transfusão dos textos legais para o mundo dos fatos: alguns con-tribuem para torná-la efetiva, ao passo que outros, ao contrário, a dificultam ou impedem. Será grande ingenuidade supor que, para assegurar o exercí-cio eficaz dos poderes pelos juízes, basta que as leis lhos atribuam. Por outro lado, com frequência se reconhece que atribuir-lhos é condição necessária, embora não suficiente, para concretizar aquele propósito.16

Está aqui o cerne do presente trabalho, uma vez que ao reverso dos que enten-dem que o artigo 6º da Lei n. 13.105/2015, que positivou o princípio da coopera-ção representa, na verdade, a viragem de paradigma para um modelo processual cooperativo, entende-se tal qual afirmou Barbosa Moreira, que há uma distância grande entre a edição da norma e sua efetiva concretização. Sobretudo, diante da tradição cultural brasileira de, ainda, estar baseada em uma cultura do litígio, seja na literatura jurídica, seja na legislação, seja na própria formação dos operadores de direito, com um currículo acadêmico que pouco privilegia os modelos consen-suais e alternativos de solução dos conflitos e pouco incentiva o papel colaborati-vo entre os operadores do direito durante a marcha processual.

O próprio autor traz uma leitura que traduz bem esse aspecto e não se coadu-na com esse dever de cooperação tão propagado pela doutrina.

Ora, o que normalmente quer cada uma das partes é sair vitoriosa, tenha ou não razão: pouco lhe importa, em regra, que se mostre justo o resultado, desde que lhe seja favorável; e quando não tem razão, importa-lhe de ordinário retardar o desfecho do pleito.17

Assim, a partir da análise do que representa o modelo processual cooperati-vo, buscar-se-á traçar quais as suas principais características para as partes, para o juiz e tecer algumas críticas sobre a possibilidade de ser o artigo 6º da Lei n. 13.105/2015, NCPC, uma norma simbólica na linha da doutrina de Marcelo Neves.

16 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Neoprivatismo no processo civil. p. 345.

17 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ob cit. p. 345.

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2.1 características do Modelo cooperativo de processo

Para Fredie Didier Junior, o modelo cooperativo de processo caracteriza-se pelo redimensionamento do princípio do contraditório, com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual sem protagonismos.18 Para referido autor, surgem deveres de conduta tanto para as partes como para o ór-gão jurisdicional. No entanto, o juiz assumiria dupla posição: paritário na condu-ção do processo e assimétrico no momento da decisão.

Logo, a diferença entre o modelo cooperativo de processo para o modelo au-toritário/inquisitorial residiria em que, neste último, haveria uma assimetria na condução do processo na posição entre partes e juiz, assimetria essa que não existe no modelo cooperativo no que diz respeito à condução do processo, ou seja, toda parte instrutória caberia a todos os sujeitos processuais, numa relação de cooperação; o juiz, nesta fase, estaria em paridade com as partes, só assumin-do uma posição de poder no momento de proferir a decisão.

O modelo cooperativo de processo estaria lastreado numa perspectiva de uma democracia mais participativa, no entanto, isto só seria possível através de um fortalecimento dos poderes das partes, por uma participação mais ativa no processo de formação da decisão, em detrimento de uma leitura autoritária do papel do juiz e mais contemporânea quanto à divisão do trabalho entre o órgão judicial e as partes.19

Neste sentir, as partes deixam de ser “simples objeto” do pronunciamento ju-dicial e passam a ter garantido o direito de atuar de modo crítico e construtivo sobre o andamento do processo e seu resultado. O fundamento desse direito es-taria na dignidade da pessoa humana e nos valores intrínsecos da democracia, principalmente, no respeito ao contraditório, compreendido no sentido de não apenas fazer parte do debate mas, ao reverso, exercer efetivamente a formação do convencimento do juiz.20

Com base no princípio da cooperação que está calcado num diálogo judiciário e na participação dos sujeitos processuais e no contraditório, o modelo em exame legitima, inclusive, com o fito de atingir este estado ideal das coisas, a adoção de

18 Cf. DIDIER JUNIOR, FREDIE. Os três modelos de direito processual: Inquisitivo, Dispositivo e cooperativo. p.212

19 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. poderes do Juiz e visão cooperativa do processo. p. 8

20 Ibidem. p. 10

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meios atípicos, ainda que não disciplinados pelo legislador21, rompendo com o formalismo excessivo na linha do pensamento de Daniel Mitidiero22.

Verifica-se, já aqui, na lição de Fredie Didier Junior e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, uma preocupação inicial de fortalecimento do papel das partes desde a formação do processo até a construção dialética do convencimento do juiz, não apenas respeitando o velho conceito formal de contraditório, mas reforçando um caráter participativo de processo com uma participação efetiva no convencimen-to do órgão julgador. Demais disso, nota-se uma horizontalização do papel entre as partes e o juiz, à medida que há um forte viés de estabelecimento de paridade entre as partes e o julgador na condução do processo.

Da análise apresentada, pode-se perceber que o modelo cooperativo de pro-cesso tem como principal característica essa paridade entre os sujeitos proces-suais na condução do processo.

2.2 Os deveres de cooperação: esclarecimento, lealdade, consulta e proteção

A doutrina elencou os deveres que são recíprocos, ou seja, aplicáveis a todos os sujeitos processuais, partes e juízes, e que devem ser implementados na práti-ca, na efetivação do processo, quais sejam: esclarecimento, lealdade e proteção. Vejamos quais as implicações da adoção desse modelo processual numa leitura cooperativa de processo.

O dever de esclarecimento para as partes pode ser exemplificado na obrigação de os demandantes redigirem com clareza e coerência a sua demanda sob pena de inépcia (art. 295, I, parágrafo único, do CPC/1973).23 O NCPC, em seu artigo 330, manteve a possibilidade de indeferimento da petição inicial quando esta for inep-ta.24 Acresça-se, ainda, o dever de prestar esclarecimentos ao juiz, sempre que por este exigido, o dever de comparecimento, sempre que instado, e a redução do dever de sigilo ou confidencialidade.25

21 BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Fundamentos constitucionais do Modelo cooperativo no Direito Brasileiro. p. 139.

22 MITIDIERO, DANIEL. Bases para construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teóri-co do formalismo valorativo

23 DIDIER JUNIOR, FREDIE. Os três modelos de direito processual: Inquisitivo, Dispositivo e cooperativo. p.214.

24 Código de Processo Civil – Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015/ supervisão editorial Jair Lot Vieira – São Paulo. EDIPRO, 2015.

25 BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Ob cit. p. 140.

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Quanto ao dever de lealdade em relação às partes, tem-se a vedação à liti-gância de má-fé (art. 17 do CPC/73), além da observância da boa-fé processual (art. 14, II, CPC/73).26

Ainda em relação às partes, tem-se o dever de proteção no sentido de que não podem causar danos à parte adversária; neste sentido, seria exemplo a respon-sabilidade objetiva do exequente nos casos de execução injusta nos termos do artigo 475-O e I, e 574 do CPC/73).27

Como já visto, é em relação ao órgão julgador que o modelo cooperativo de processo perpetrou as principais mudanças em relação à condução do processo. Ao reformular o papel do julgador durante a marcha processual, o referido mode-lo trouxe, assim como para as partes, deveres de cooperação. Vejamos.

O dever de lealdade do órgão jurisdicional decorre do princípio da boa-fé processual.28

O dever de esclarecimento resulta para o magistrado a obrigação de esclare-cer dúvidas das partes sobre alegações, posições ou pedidos realizados em juízo. Fredie Didier Junior aponta como exemplo que se o magistrado estiver em dúvida quanto ao preenchimento de um requisito processual de validade, deverá provi-denciar esclarecimento da parte e não apenas determinar a consequência previs-ta em lei para esse ilícito processual (extinção do processo, por exemplo). Sobre o dever de esclarecimento há ainda o dever do juiz de esclarecer os seus próprios pronunciamentos para as partes.29

Por fim, há ainda o dever de consulta que consiste numa variante do dever de informação; não pode, portanto, o órgão jurisdicional decidir com base em ques-tão de fato ou de direito ainda que possível ser conhecida de ofício, sem que as partes tenham se manifestado sobre elas.30

Por fim, tem-se aquele que talvez seja a maior mudança em relação aos mode-los processuais tradicionais (inquisitorial e adversarial), no que diz respeito ao pa-pel do órgão julgador que está compreendido no dever de proteção e prevenção.26 DIDIER JUNIOR, FREDIE. Ob cit. p.214.

27 Ibidem. p. 214.

28 Ibidem. p.214

29 Ibidem. p.214

30 Ibidem. p.214

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Consiste o dever de prevenção numa variante do dever de proteção, na qual o juiz teria a obrigação de apontar as deficiências das postulações das partes para que possam ser supridas.31 O dever de prevenção tem ainda um caráter mais am-plo, no sentido de que deve ser utilizado sempre que o êxito da ação para qual-quer das partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo.32

Nesse toar, resta claro que o modelo cooperativo de processo impõe, tanto às partes como ao órgão julgado, novos deveres durante o processo. No entanto, se percebe de maneira bastante cabal que a verdadeira mudança está no que diz respeito ao papel do julgador uma vez que sai da perspectiva verticalizada do modelo inquisitorial para assumir um papel equânime junto com as partes.

Delineadas, portanto, as características do modelo cooperativo de processo, bem como os principais deveres decorrentes pela sua adoção, serão analisadas as críticas quanto a sua aplicação no ordenamento brasileiro, bem como a sua incorporação como norma fundamental do processo civil com a sua inclusão na Lei n. 13.105/2015.

2.3 A inclusão do princípio da cooperação na Lei n. 13.105/2015: uma crítica inicial quanto à aplicabilidade em relação às partes entre si

A grande indagação que se faz com a inclusão da cooperação processual no NCPC está atrelada a sua relação quanto às partes entre si. Explique-se.

Como já demonstrado, os estudos atinentes ao modelo de cooperação proces-sual se concentraram, essencialmente, no papel das partes em relação aos juízes, bem como de maneira reversa, a relação dos juízes com as partes, sem maiores questionamentos ou embargos. Contudo, uma leitura atenta do artigo 6º do NCPC lembra que a referida norma é direcionada a todos os sujeitos processuais, para que cooperem entre si para uma decisão de mérito justa e efetiva. Portanto, a norma está, também, direcionada para a relação entre as partes (autor e réu).

Seria uma atitude deveras simplista acreditar que os princípios da boa-fé pro-cessual junto com o princípio cooperativo seriam suficientes para que as partes abandonem seus próprios interesses, em busca de um processo justo e célere;

31 Ibidem. p.214

32 Ibidem. p.214

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seria o ideal, mas não o é, como bem exposto, ilustrando-se o pensamento de Bar-bosa Moreira sobre a cultura do embate entre as partes. A simples normatização do princípio da cooperação processual não é suficiente para que se possa concluir por sua plena aplicabilidade ou eficácia social.

Ora, como será a aplicação do modelo de cooperação entre as partes litigan-tes? O Brasil possui uma tradição jurídica pautada num modelo adversarial e, principalmente, há aqui uma cultura do litígio, em que os modelos consensuais e alternativos de resolução de conflitos ainda são pouco ou quase não são explora-dos no meio processual e extraprocessual.

Sobre essa visão quanto à aplicação do modelo cooperativo entre as partes, temos a lição de Streck, Delfino, Dalla Barba e Ferreira Lopes:

Então agora as partes deverão cooperar entre si? Parte e contraparte de mãos dadas a fim de alcançarem a pacificação social... Sem ironias, mas parece que Hobbes foi expungido da “natureza humana”. Freud também. O novo CPC aposta em Rousseau. No homem bom. Ou seja, com um cane-taço, num passe de mágica, desaparece o hiato que as separa justamente em razão do litígio. Nem é preciso dizer que o legislador pecou ao tentar desnudar a cooperação aventurando-se em setor cuja atuação merece ficar a cargo exclusivo da doutrina. E o fez mal porque referido texto legislativo está desacoplado da realidade, espelha visão idealista e irrefletida daquilo que se dá na arena processual, onde as partes ali se encontram sobretudo para lograr êxito em suas pretensões. Isso é, digamos assim, natural, pois não? Disputar coisas é uma coisa normal. Não fosse assim não haveria “direi-to”. Direito é interdição. É opção entre civilização e barbárie. Desculpem-nos nossa franqueza.33

Há, portanto, um campo não explorado pela doutrina no que pertine à apli-cação do modelo de cooperação processual atinente às partes entre si. Se to-pograficamente o legislador optou por incluí-lo no Capítulo das Normas Fun-damentais do Processo Civil, pode-se dizer que se trata de uma garantia. Assim, por se tratar de uma garantia, seria possível obrigá-las a cooperarem entre si e de instituir em favor do juiz poderes para, contra a vontade delas, atuarem cooperativamente.34

33 STRECK, Lênio et al. A cooperação processual no novo cpc é incompatível com a constituição.

34 STRECK, Lênio et al. Ob. cit.

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Sobre essa dificuldade tem-se:

É um modelo que não deve ser pensado à distância da realidade, sem consi-derar que no processo há verdadeiro embate (luta, confronto, enfrentamento), razão pela qual as partes e seus advogados valem-se – e assim deve ser – de todos os meios legais a seu alcance para atingirem um fim parcial. Não é crível (nem constitucional), enfim, atribuir aos contraditores o dever de colabora-rem entre si a fim de perseguirem uma “verdade superior”, mesmo que con-trária aquilo que acreditam e postulam em juízo, sob pena de privá-los da sua necessária liberdade para litigar, transformando-os, eles mesmos e seus ad-vogados, em meros instrumentos a serviço do juiz na busca da tão almejada “justiça”. Inexiste um tal espírito filantrópico que enlace as partes no âmbito processual, pois o que cada uma delas ambiciona é resolver a questão da me-lhor forma possível, desde que isso signifique favorecimento em prejuízo do adversário. Aliás, quando contrato um advogado, é para que ele lute por mim, por minha causa. Não quero que ele abra mão de nada. Os direitos são meus e meu advogado deles não dispõe. Se meu advogado for obrigado a coope-rar com a outra ou com o juiz, meu direito constitucional de acesso à justiça estará sendo violado. Além de meu direito à propriedade e todo o elenco de direitos personalíssimos de que disponho.35

Sob esse cenário percebe-se que a aplicação do modelo cooperativo de pro-cesso para as partes requer um maior aprofundamento por parte da doutrina, ou ao menos que se dê a interpretação do artigo 6º do NCPC para, como já dito por parcela da doutrina, apenas às relações entre juízes e partes como já foi feito36, e não das partes para com elas mesmas, visto que parece, a princípio, uma alterna-tiva de pouca efetividade.

3 Modelo cooperativo de processo e norma simbólica

O presente capítulo buscará analisar a inclusão do modelo cooperativo de proces-so como norma fundamental do processo civil através do artigo 6° do NCPC e através de uma possível relação como norma simbólica na linha traçada por Marcelo Neves.

Como visto, os estudos do princípio cooperativo e dos modelos processuais sempre tomou como base a relação entre órgão julgador e as partes, no entanto, não há quase nenhuma literatura que questione a aplicação do instituto entre as partes (autor e réu em um litígio).

35 STRECK, Lênio et al. Ob. cit.

36 STRECK, Lênio et al. Ob. cit.

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A literalidade da norma posta na Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, versa que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Vê-se, da sua leitura, que o dever de cooperar se refere a todos os sujeitos do processo com o intuito de coo-perarem entre si, seja relação juiz-partes, partes-juiz, partes-partes.

Analisar-se-á, portanto, o que Marcelo Neves trata como norma simbólica e se traçar um possível paralelo com o modelo cooperativo de processo instituído no NCPC.

Para Marcelo Neves, quando uma nova legislação constitui apenas mais uma tentativa de apresentar o Estado como identificado com os valores ou fins por ela formalmente protegidos, sem qualquer novo resultado quanto à concretização nor-mativa, se está diante de um caso de legislação simbólica. Para Neves, seguindo o modelo tricotômico proposto por Kindermann, o conteúdo da legislação simbólica pode ser: a) confirmar valores sociais, b) demonstrar a capacidade de ação do Es-tado e c) adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios.37

A confirmação de valores sociais quer dizer que grupos sociais se encontram envolvidos em debates ou lutas pela prevalência de determinados valores e veem a vitória legislativa como uma forma de reconhecimento da superioridade ou pre-dominância social de sua concepção valorativa.38 Aqui, a inclusão do modelo coo-perativo de processo pode assumir essa característica de confirmar valores sociais de determinado grupo, visto que ficou devidamente demonstrado que o referido modelo está pautado numa posição de paridade entre as partes e o órgão julgador. Muito se discutiu quando dos debates sobre o projeto de lei que instituiu o NCPC sobre grandes embates entre o posicionamento dos advogados e dos membros da magistratura, no sentido de que os primeiros buscavam uma redução dos poderes dos juízes na condução processual; a inclusão dessa ideologia cooperativa de pro-cesso pode estar assentada na confirmação desses valores sociais.

A segunda característica da norma simbólica que será analisada à luz do artigo 6° do NCPC é a atinente à norma álibi. Neste sentido, o legislador, muitas vezes sob pressão, elabora normas para satisfazer às expectativas dos cidadãos, sem que com isso haja o mínimo de condições de efetivação das respectivas normas.39

37 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF M. Fontes, 2007. p. 33.

38 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF M. Fontes, 2007. p. 33

39 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF M. Fontes, 2007. p. 33

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Nessa toada, tem-se a crítica já conduzida em relação à aplicação do modelo coo-perativo de processo em relação às partes entre si, porquanto, como já exposto na visão de Barbosa Moreira e Lenio Streck, não há como vislumbrar uma eficácia normativa no sentido de que as partes cooperem entre si, uma vez que se vive em um ordenamento que foi pautado na cultura do litígio.

Por fim, tem-se a norma simbólica no sentido de revelar um compromisso dila-tório que seria no sentido de servir para adiar a solução de conflitos sociais. Sobre esse ponto, a visão de Lênio Streck, para quem o legislador depositou nas partes a responsabilidade para condução de um processo célere:

Posto no novo CPC, o art. 6º diz que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Sugere o dispositivo, numa primeira leitura, que a obtenção de decisões justas, efetivas e em tempo razoável – diretrizes relacionadas umbilicalmente com o que está previsto nos incisos XXXV e LXXVIII do arti-go 5º da Constituição – não seria propriamente direito dos cidadãos brasilei-ros e estrangeiros residentes no país, mas também deveres a eles impostos. É o legislador, de modo sutil, depositando sobre as costas do jurisdicionado parcela imprevisível do peso da responsabilidade que compete ao Estado por determinação constitucional. Uma “katchanga processual”. Você quer uma decisão justa, efetiva e tempestiva? Então, caro utente, para o fim de consegui-la deverá cooperar com o juiz e sobretudo com a contraparte, e esperar igual cooperação de ambos.40

Ante todo o exposto pode-se perceber que há características presentes na in-clusão do modelo cooperativo de processo como uma norma simbólica, em qual-quer dos três contextos.

conclusão

O modelo cooperativo de processo, muito embora tenha sido aplicado pela doutrina, inicialmente, com base na Constituição, foi normatizado e passou a ter previsão normativa no art. 6° do NCPC; contudo, a inclusão no plano normativo não é sinônimo de eficácia social como bem defendido por Barbosa Moreira.

A partir da análise apresentada foi possível perceber a possibilidade de o mo-delo de cooperação processual ser uma norma simbólica na linha sustentada por

40 STRECK, Lênio et al. A cooperação processual no novo cpc é incompatível com a constituição

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Marcelo Neves em qualquer das suas três vertentes: a) confirmação de valores sociais; b) norma álibi; c) ou apenas como dilação de compromissos sociais.

Foi possível, também, perceber que não há por parte da doutrina um estu-do aprofundado, analisando as implicações da adoção de um modelo processual cooperativo em relação às partes; nesta senda, percebe-se que a doutrina apenas direcionou o estudo para a relação juiz-partes e partes-juiz.

Referências

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BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Fundamentos constitucionais do Modelo coope-rativo no Direito Brasileiro

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CUNHA, Leonardo Carneiro da. O princípio do contraditório e a cooperação no processo

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NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF M. Fontes, 2007.

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STRECK, Lênio et al. A cooperação processual no novo cpc é incompatível com a constituição.

RAMOS, Glauco Gumerato. Ativismo e Garantismo no processo civil: Apresentação do debate.

Referência do artigo

VASCONCELOS, Otávio Luis Leal de. O Modelo Processual Cooperativo: uma análise sobre a norma simbólica. Revista da ESMApE, Recife, v. 20/21 – n. 42/43 – p. 137-154 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016.

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A distribuição dinâmica do ônus da prova: a tendência reformista latino-americana

e o novo código de processo civil

Rafael calheiros BertãoMestrando em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP).

Pós-graduando em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP).

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco (FDR-UFPE).

Advogado. Área do Direito: Processual; Civil.

O Código de Processo Civil de 2015 positiva, ex-pressamente, em seu art. 373, §1º, a possibilida-de da distribuição dinâmica do ônus da prova, desde que haja impossibilidade ou excessiva dificuldade de uma das partes em cumprir seu ônus probatório conforme previsto estatica-mente no caput do artigo. Há, pois, a adoção de um novo instituto de forma subsidiária à regra anterior. Tal novidade no sistema brasileiro, no entanto, não é inédita em termos de direito comparado, em especial quando estudados

os sistemas latino-americanos, em que vários países, embasados na doutrina argentina, pas-saram a adotar o sistema dinâmico de distri-buição. Há uma verdadeira onda reformista do sistema de distribuição do ônus probatório e, assim como no Brasil, tem-se adotado a distri-buição dinâmica de forma subsidiária.

palavras-chaves: distribuição dinâmica do ônus da prova; sistemas latino-americanos; novo código de processo civil.

Resumo

The brazilian Civil Procedure Code regulates, ex-plicitly in the art. 373, §1º, the possibility of a dy-namic burden of proof distribution, provided that there is an impossibility or an excessive difficulty of the party that has to accomplish the static dis-tribution fixed in the first part of the article. There is, therefore, the introduction of a new institute in a subsidiary way to the ancient rule. This new-ness, however, is not a real innovation when ana-lyzed in a comparative law, especially in the Latin

American systems, in which several countries, grounded Argentine doctrine, have adopted the dynamic burden of proof distribution. There is a real reformist wave of the burden of proof distru-tion and, whereby Brazil, the dynamic distribu-tion has been adopted in a subsidiary wave.

Keywords: dynamic burden of proof distribu-tion; Latin American systems; Brazilian new procedure code.

Abstract

156 Rafael Calheiros Bertão

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1 O art. 373 do Novo código de processo civil: a nova sistemática de distribuição do ônus probante

O legislador do novo Código de Processo Civil, influenciado pela teoria da car-ga dinâmica da prova,1 que já fundamentava a distribuição judicial definida pelos tribunais,2 optou por adotar a distribuição dinâmica do ônus da prova.3 No §1º do novo diploma, assim, prevê a dinamização da prova em determinados casos. Note-se, contudo, que o caput do artigo expõe uma distribuição estática, perma-necendo esta como regra.4

Há, assim, ao mesmo tempo, a adoção da teoria da carga dinâmica probató-ria,5 pelo §1º, como exceção, enquanto que persiste a distribuição estática como regra,6 nos moldes da teoria chiovendiana.7 Dessa forma, em casos em que as particularidades da causa, das partes e do objeto da controvérsia tornam impos-sível ou excessivamente difícil a uma das partes a produção de prova a que ela

1 A teoria da carga dinâmica da prova, cujo estudo foi bastante aprofundado pela doutrina processual argentina, em especial pelos estudos realizados por Peyrano (PEYRANO, Jorge W. (coord.). cargas probatorias dinámicas. Santa Fe: Rubinzal-Cul-zoni, 2008), consiste na ausência de critérios preestabelecidos para a distribuição da carga probatória, ou seja, a lei, abstrata-mente, opta por legar ao juiz o poder de estabelecer a quem incumbe o ônus probante.

2 PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. Perspectiva sistemática do momento de inversão do ônus da prova: do CDC ao CPC. Revista Jurídica. ano. 55. n. 351. Porto Alegre: Notadez, jan. 2007, p. 43-55, p. 50-51.

3 “Art. 373. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2o A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. § 3o A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I – recair sobre direito indisponível da parte; II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4o A convenção de que trata o § 3o pode ser celebrada antes ou durante o processo”.

4 “O legislador perdeu uma oportunidade histórica de seguir com a atribuição de maiores poderes ao juiz na condução do processo, mantendo o sistema estanque do ônus da prova”. (MACHADO, Marcelo Pacheco. Ônus estático, ônus dinâmico e inversão do ônus da prova: análise crítica do projeto de Novo Código de Processo Civil. Revista de processo. n. 208. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 295-316, p. 309).

5 A doutrina já influenciava, a certo tempo, a jurisprudência. Natural, assim, que a mudança do código positivasse tal ideo-logia. Nesse sentido, ilustrativamente o mais antigo, sem detrimento do reconhecimento de muitos outros mais recentes: “Responsabilidade civil. médico. clínica. culpa. prova. 1. não viola regra sobre a prova o acórdão que, além de aceitar implici-tamente o princípio da carga dinâmica da prova, examina o conjunto probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus. 2. legitimidade passiva da clínica, inicialmente procurada pelo paciente. 3. juntada de textos científicos determinada de oficio pelo juiz. regularidade. 4. responsabilização da clínica e do médico que atendeu o paciente submetido a uma operação cirúrgica da qual resultou a secção da medula. 5. inexistência de ofensa à lei e divergência não demonstrada. recurso especial não conhecido”. (STJ – REsp: 69309 SC 1995/0033341-4, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 18/06/1996, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 26/08/1996 p. 29688).

6 Note-se a manutenção da regra do art. 333 CPC/73, traduzida ao art. 373 do CPC/15.

7 Chiovenda foi o primeiro que, com sua teoria (CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzione di Diritto processuale civile. 2. ed. Napa-li: E. Jovene, 1960, p. 103.), conseguiu uma sistematização objetiva das regras de distribuição do ônus probatório. Partindo da ideia clássica, de que cabe à parte alegante provar o alegado, inovou ao criar categorias para facilitar a aplicação da regra, sendo elas os fatos constitutivos, impeditivos, extintivos e modificativos do direito. Estes últimos, aliás, Chiovenda sugere, inicialmente, que deveria ficar a cargo do autor provar a sua inexistência, o que, ao perceber se tratar de tarefa herculana, repensou, de modo a defender a distribuição solidária de tal ônus (AZÁRIO, Márcia Pereira. Dinamicização da distribuição do ônus da prova no processo civil brasileiro. Dissertação de Mestrado defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2006, p. 50).

157A distribuição dinâmica do ônus da prova: a tendência reformista latino-americana e o novo Código...

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aproveita e, ainda, reste demonstrada a maior facilidade da parte adversa para a instrução, pode o juiz dinamizar o ônus probatório.8

Algumas considerações merecem ser feitas.

De início, importante ressaltar a excepcionalidade da dinamização. A sua inclu-são nos parágrafos do art. 373, mantendo-se a regra estática no caput, deixa claro se tratar de uma exceção,9 não sendo ao julgador permitido decidir, livremente, quem deve ser onerado pelo ônus probatório.10 Há, assim, um ônus argumentativo do jul-gador, que deverá justificar fundamentadamente sua decisão, nos termos previstos.

Não há qualquer problema na convivência do sistema estático, a regra, com hi-póteses excepcionais de relativização de sua rigidez. É o que ocorre, por exemplo, na previsão legislativa do Código de Defesa do Consumidor que, em seu art. 6º, VIII, prevê a possibilidade de inversão do ônus da prova diante de suposta debi-lidade da parte para a produção de prova, presumível em face do consumidor.11

É imperioso, e não se trata apenas de mero preciosismo científico, estabelecer a correta diferenciação entre inversão e dinamização do ônus da prova. Em sínte-se, este se refere à distribuição ope judicis do ônus da prova, diante da ausência de fixação legal, enquanto que aquele, a partir de uma distribuição realizada pela lei, refere-se à modificação, casuística, pelo juiz, apenas alterando os polos.12

As diferenças, no entanto, não se limitam às questões conceituais apontadas. O critério para a aplicação dos institutos, talvez, seja a mais relevante diferença entre os dois.

8 YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. A distribuição dinâmica do ônus da prova no novo Código de Processo Civil brasileiro. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). coleção novo cpc – Doutrina Selecionada. v. 3. Processo de Conhecimento – Provas. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 457-496, p. 487.

9 MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi Medeiros. Ônus da prova e sua dinamização. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 232-233.

10 NEVES, Daniel Amorim. Novo código de processo civil – lei 13.105/2015. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 264.

11 RODRIGUES, Daniel Colnago; MONTEIRO NETO, João Pereira. Reflexões sobre a distribuição dinâmica do ônus probatório. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). coleção novo cpc – Doutrina Selecionada. v. 3. Processo de Conhecimento – Provas. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 401-431, p. 409.

12 Há, no entanto, aqueles que defendem ser a dinamização apenas uma inversão mais intensa, sem distinção pela natureza. É que, para tais autores, a diferenciação entre os dois institutos de flexibilização se dá pela intensidade, a potencialidade, com que se altera a oneração. Nesse sentido: SILVA NETO, Francisco de Barros e. Dinamização do ônus da prova no novo Código de Processo Civil. Revista de processo. ano. 40. v. 239. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan. 2015, p. 407-420, p. 409. Não se concorda. “É que, enquanto a primeira é uma via de mão-dupla, dependente da análise criteriosa das condições fáticas das partes, a segunda, muito embora dependa do caso concreto, é uma via de mão única, é dizer, a inversão só pode ser feita uma única vez e em um único sentido” (MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi Medeiros. O CPC/2015 e a dinamização do ônus da prova: aspectos essenciais para a compreensão das mudanças. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Ale-xandre (org.). coleção novo cpc – Doutrina Selecionada. v. 3. Processo de Conhecimento – Provas. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 497-510, p. 498).

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Isso porque, tratando-se da inversão do ônus da prova, prevista na legislação consumerista, devem ser verificados critérios objetivos para a aplicação do meca-nismo.13 Por outro lado, a dinamização exige a análise de critérios subjetivos, haja vista seu escopo de aplicação da “justiça ao caso concreto”,14 sendo certo que se houver requisitos taxativos legais, para a aplicação de tal norma, de modo a restrin-gir a sensibilidade do magistrado, perde-se o objetivo propugnado pela doutrina.15

1.1 Requisitos da dinamização

Da leitura do §1º do art. 373 do CPC/15, é possível extrair requisitos materiais e processuais para que o magistrado, em decisão que deve ser fundamentada, pos-sa ignorar as regras de distribuição estática e alocar o ônus da prova como melhor entender, com critérios subjetivos.

Nesse contexto, como requisito material à concessão, deve a parte onerada pelo caput ter excessiva dificuldade para a produção da prova. Ademais, deve de-monstrar que a parte adversa possui melhores condições para a sua produção, seja por deter conhecimentos técnicos específicos, seja por deter informações específicas sobre os fatos, ou, ainda, por apresentar maior facilidade para a reali-zar.16 Basta, pois, a demonstração da hipossuficiência da parte onerada, de modo a permitir, assim, a dinamização.17

Perceba-se, no entanto, conforme a leitura do §2º do artigo em comento, que, em caso de prova diabólica para ambas as partes, não poderá o magis-trado dinamizar o ônus, de sorte que é vedada a técnica em tais hipóteses.18

13 “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Entende Sica, em virtude de a hipossuficiência do consumidor decorrer da assimetria informacional, que os requisitos da verossimilhança da alegação e da hipossuficiência são alternativos (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões velhas e novas sobre a inversão. Revista de processo. a. 32. n. 146. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr. 2007, p. 49-67, p. 57-58). Em sentido diverso: LEONARDO, Rodrigo Xavier. Imposição e inversão do ônus da prova. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 272.

14 PEYRANO, Jorge W. cargas probatorias dinámicas... cit., 20-22.

15 RODRIGUES, Daniel Colnago; MONTEIRO NETO, João Pereira. Reflexões sobre a distribuição dinâmica do ônus probató-rio... cit., p. 421.

16 MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi Medeiros. O cpc/2015 e a dinamização do ônus da prova: aspectos essenciais para a compreensão das mudanças... cit., p. 500-501.

17 GARCIA, André Almeida. A distribuição do ônus da prova e sua inversão judicial no sistema processual vigente e no projeta-do. Revista de processo. ano. 37. n. 208. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 2012, p. 91-124, p. 112.

18 “O importante é que com a dinamização do ônus da prova não se consagre uma probatio diabólica reversa” (CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do ônus da prova) – exegese do artigo 373, §§ 1º e 2º do NCPC. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). coleção novo cpc – Doutrina Selecionada. v. 3. Processo de Conhecimento – Provas. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 433-456, p. 448).

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Deve-se aplicar, aqui, a regra da inesclarecibilidade, ou seja, ao perceber a impossibilidade de se provar o fato, onerar a parte que assumiu o risco da situação de dúvida insolúvel.19

A grande dificuldade, sem dúvida, será identificar, na prática, tais critérios, uma vez que nem toda a dificuldade probatória enseja o direito à dinamização. Haverá a ne-cessidade de uma análise conjunta dos requisitos demonstrados, sempre buscando identificar as hipóteses em que há efetiva hipossuficiência de uma das partes.20

Em relação ao requisito formal, nos termos do §1º, do art. 373, a decisão que conceder a dinamização do ônus probatório deverá oportunizar, às partes, desin-cumbirem-se do ônus que lhes fora atribuído. Em outras palavras, não poderá o magistrado modificar as disposições sobre o ônus probante na sentença, mas o deverá fazer em decisão interlocutória, de modo a permitir, ao novo onerado pela ausência da prova, sua produção.

A nova normativa elucida a problemática largamente debatida acerca do mo-mento processual a ser relativizada a distribuição, ou inversão,21 do ônus da pro-va. Por um lado, há aqueles que defendem, ante ser o mecanismo uma técnica de julgamento, a necessidade de se exaurir toda a fase instrutória para que se possibilite a aplicação.22 Dessa forma, somente com toda a instrução probatória finalizada, seria possível ao magistrado analisar a pertinência ou não da inversão, de sorte que a deve proclamar apenas na sentença.23

Essa posição, contudo, não parece a mais adequada. O princípio constitucio-nal do contraditório, em sua interpretação mais moderna, não mais se resume à garantia formal de manifestação e participação das partes na formação dos atos

19 MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi Medeiros. O cpc/2015 e a dinamização do ônus da prova: aspectos essenciais para a compreensão das mudanças... cit., p. 501.

20 Há quem defenda a necessidade de requerimento expresso das partes para possibilitar a dinamização (YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. A distribuição dinâmica do ônus da prova no novo código de processo civil brasileiro... cit., p. 488). Essa posição, contudo, parece diminuir o instituto, enquanto fruto de uma adoção do sistema cooperativo, haja vista do dever do magistrado de assistência, bem como sua posição, enquanto sujeito processual, de colaborador processual. Defende-se, ainda, a necessidade de uma previsão expressa acerca da impossibilidade de dinamização da prova quando a dificuldade de obtenção da prova é fruto da atuação da parte que, com a mudança, restará desonerada (Ibidem). Não parece necessário, contudo, em virtude da previsão da boa-fé objetiva, art. 5º do NCPC, que já torna tal ato ilícito (MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi Medeiros. O cpc/2015 e a dinamização do ônus da prova: aspectos essenciais para a compreen-são das mudanças... cit., p. 502).

21 Não como sinônimos, mas a discussão é aplicável aos dois institutos.

22 MATOS, Cecília. O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do consumidor. n. 11. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./set. 1994, p. 161-169, p. 167.

23 PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 120 e ss.

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judiciais, mas exige um verdadeiro diálogo entre os sujeitos processuais, sendo dever do juiz garanti-lo.24

Essa característica do contraditório é ainda mais destacada pela doutrina da cooperação processual, de modo a ser, também, garantia de influência nas deci-sões e vedação de decisões surpresas. 25 Nesse contexto, achou por bem o novo diploma prever, expressamente, o dever do juiz de zelar pelo efetivo contraditó-rio, nos termos do art. 7º, bem como de proibir a prolação de decisão sem a oitiva prévia das partes, nos termos do art. 9º.

Fez bem o legislador do novo código, ao prever, no §1º do artigo em análise, a necessidade de se oportunizar à parte onerada espaço para a produção probató-ria. Há quem defenda, aqui, que se consolidou a tese de que o ônus da prova não é mera regra de julgamento, mas, ainda, uma regra de procedimento.26 Apesar de pouca repercussão prática, não parece ser o melhor entendimento. O ônus da prova permanece uma técnica de julgamento, mas que, sem embargo, exige uma dilação procedimental, para que se oportunize às partes a participação na cons-trução decisória, mote do modelo cooperativo de processo.27

Há, ainda, quem defenda, ao criticar a normativa final do §1º do art. 373, que o novo CPC impõe uma dilação probatória desarrazoada, violando o princípio da duração razoável do processo, haja vista a necessidade de valoração do conjun-to probatório para se decidir pela utilização do mecanismo.28 Tal crítica, contu-do, não merece prosperar, ante a necessidade de oportunizar, à parte onerada, a chance de impugnar a utilização da técnica ou produzir a prova, sob pena de se violar o contraditório e o art. 9º do novo CPC.

24 Esse é posicionamento defendido há algum tempo por Dinamarco, que explora essa ampliação dos direitos inerentes do contraditório (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 220 e ss.).

25 É, assim, “direito de participação na construção do provimento, sob a forma de uma garantia processual de influência e não surpresa para a formação das decisões” (THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo cpc – fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 93).

26 Nesse sentido: REDONDO, Bruno Garcia. Ônus da prova e distribuição dinâmica: lineamentos atuas. MOREIRA, Alberto Ca-miña; ALVAREZ, Anselmo Pietro, BRUSCHI, Gilberto Gomes (coord.). panorama atual das tutelas individual e coletiva: estudos em homenagem ao professor Sérgio Shimura. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 210-226, p. 226; MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi Medeiros. O cpc/2015 e a dinamização do ônus da prova: aspectos essenciais para a compreensão das mudanças... cit., p. 502-503.

27 “A solução aqui proposta não nega que as normas de imposição e inversão do ônus da prova sejam regras de julgamento. Com efeito, quando o juiz analisa o conjunto probatório colhido, para verificar sua suficiência ou não, já está julgando o litígio, muito embora esse raciocínio lógico acabe não se transformando em um provimento judicial” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões velhas e novas sobre a inversão do ônus da prova... cit., p. 63). Concorda-se plenamente. Apenas o novo CPC, acertadamente, prevê a necessidade de mais uma etapa para a prolação da sentença, oportunizando às partes evitar a oneração.

28 GARCIA, André Almeida. A distribuição do ônus da prova e sua inversão judicial no sistema processual vigente e pro-jetado... cit., p. 118.

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2 A distribuição do ônus da prova em sistemas latino-americanos

Compreender como a teoria da dinamização do ônus da prova influenciou outros ordenamentos, ajuda a entender a onda reformista que alcançou o Bra-sil, bem como a justifica. Dessa forma, destacam-se, para tais fins, os ordena-mentos da Argentina, do Chile, da Colômbia, do Peru, do Paraguai, da Costa Rica e da Guatelama.

2.1 Argentina

Doutrina e previsão normativa

A Argentina foi precursora do estudo e fundamentação da teoria da carga dinâmica do ônus da prova. Foram os estudos de Peyrano, nesse sentido, mar-co importante de sua estruturação e disseminação.29 Ademais, há forte adesão doutrinária no país, de modo que a corrente influencia, fortemente, as reformas legislativas processuais.30

Apontam os doutrinadores, no entanto, que a previsão expressa normativa não é essencial à aplicação do instituto.31 Entendem, pois, que basta uma inter-pretação flexível do art. 377 e seguintes do Código Procesal Civil y Comercial de la Nation, com uma adoção praeter legem do instituto.32

Essa, em verdade, é uma tendência, não apenas na Argentina, mas em vários outros ordenamentos.33 Mesmo antes da evolução legislativa, vários países ado-taram o sistema, através de decisões das mais altas cortes, todas fundamentadas em uma flexibilização da distribuição estática do ônus probatório, em atenção aos princípios e garantias constitucionais.34

29 DALL’AGNOL JUNIOR, Antônio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista Jurídica. v. 4. n. 280. Porto Alegre; Notadez, fev. 2001, p. 5-20, p. 11.

30 Nesse sentido, apresentando uma lista enorme de juristas argentinos: VARGAS, Abraham Luis. cargas probatorias diná-micas. Sus perfiles actuales y algunas respuestas para sus críticos. Disponível em http://www.acaderc.org.ar/doctrina/articulos/cargas-probatorias-dinamicas. Consultado em 22 de outubro de 2015, p. 68-72.

31 Em sentido diverso, ao defender a inaplicabilidade da dinamização do ônus probante sem previsão normativa e que, em tais casos, apenas seria possível onerar a parte adversa mediante a utilização do princípio da cooperação: GIANNINI, Leandro J. principio de colaboración y carga dinámica de la prueba. Disponível em https://www.academia.edu/4982453/Prin-cipio_de_colaboraci%C3%B3n_y_carga_din%C3%A1mica_de_la_prueba_una_distinci%C3%B3n_necesaria_. Consultado em 22 de outubro de 2015.

32 VARGAS, Abraham Luis. cargas probatorias dinámicas. Sus perfiles actuales y algunas respuestas para sus críticos... cit., p. 111.

33 Como restará demonstrado em itens infra.

34 VARGAS, Abraham Luis. cargas probatorias dinámicas. Sus perfiles actuales y algunas respuestas para sus críticos... cit., p. 111.

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Entretanto, em países de tradição romanística, como é o caso das nações estu-dadas neste trabalho, é comum que novos institutos, mesmo compatíveis com o sistema vigente, imponham uma mudança legislativa. É que, em virtude da cul-tura jurídica embasada em textos normativos, a previsão e regulamentação legal permitem a eficácia dos novos mecanismos, mesmo que desnecessárias.35

A previsão normativa processual argentina, a despeito do que ocorre no Brasil, divide-se num diploma nacional, o Código Procesal Civil y Comercial de la Nation, e códigos processuais civis provinciais, que complementam a normativa federal. Dessa forma, cada uma das vinte e três províncias argentinas, bem como a cidade autônoma de Buenos Aires, possuem códigos processuais próprios. Para fins das análises empreendidas neste trabalho, analisar-se-á o diploma nacional e os das províncias de La Pampa, Formosa, Corrientes e Tierra del Fuego.

A atual previsão normativa da distribuição do ônus da prova, no Código Pro-cesal Civil y Comercial de la Nation, adota a sistemática estática da distribuição do ônus da prova.36 Nesse sentido, cabe à parte alegante o ônus probatório, de modo a ser a onerada pela ausência da prova.

Não obstante, desde 2004, há um projeto de reforma37 do art. 377 do diplo-ma processual nacional argentino, com o intuito de positivar a adoção da carga dinâmica probatória. Nesse sentindo, pretende a reforma acrescentar ao texto normativo uma parte final, que versa: “si las circunstancias especiales del caso lo justifican, el juez puede distribuir la carga de la prueba de la culpa, o de haber actuado com diligencia, ponderando cuál de las partes está em mejor situación para aportarla”. Apresenta-se, assim, de forma subsidiária a possibilidade de dina-mização do ônus da prova.

Há, no entanto, alguns códigos provinciais argentinos que já preveem a dis-tribuição dinâmica da carga probatória. São os casos de La Pampa,38 Formosa,39

35 CASADO FILHO, Napoleão. Arbitragem e acesso à justiça: o novo paradigma do Third party Funding. Tese de Doutorado defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 2014, p. 165.

36 “Art. 377. – Incumbirá la carga de la prueba a la parte que afirme la existencia de un hecho controvertido o de un precepto jurídico que el juez o el tribunal no tenga el deber de conocer. Cada una de las partes deberá probar el presupuesto de hecho de la norma o normas que invocare como fundamento de su pretensión, defensa o excepción. Si la ley extranjera invocada por alguna de las partes no hubiere sido probada, el juez podrá investigar su existencia, y aplicarla a la relación jurídica materia del litigio”

37 Período 122. 23/03/2004 – (TP 17) 1041-D-04. Proyecto de Ley de Senado y Cámara de Diputados.

38 Código Procesal Civil y Comercial de La Pampa (2000): “Artículo 360º. – CARGA DE LA PRUEBA. – Incumbirá la carga de la prueba a la parte que afirme la existencia de um hecho controvertido o de um precepto jurídico que el juez o el tribunal no tengan el deber de conocer (...) Sin perjuicio de ello, tendrá la carga de probar los hechos, aquel que por las circunstancias del caso, se encuentre em mejores condiciones de arrimar a conocimiento del tribunal, el esclarecimento de los mismos”.

39 Código Procesal Civil y Comercial de Formosa (2003): “Artículo 374. – CARGA DE LA PRUEBA. – Incumbirá la carga de la

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Corrientes40 e Tierra del Fuego.41 Percebe-se, em todas, as positivações da teoria da carga dinâmica da prova, todas de forma excepcional à regra geral da distri-buição estática.

Jurisprudência

A jurisprudência argentina, com forte influência dos estudos doutrinários de-senvolvidos no país, vem já há algum tempo aplicando a dinamização do ônus probatório. Para fins deste trabalho, destacar-se-ão algumas decisões aplicadas pela Corte Suprema de Justicia de la Nación – República Argentina.42

A bem da verdade, antes mesmo do início dos estudos de Peyrano, a corte argentina já havia decidido pela relativização da distribuição estática do ônus da prova. É o que se extrai do caso (Péron, Juan D.), de 21.06.1957, em que o tribu-nal decidiu que a previsão normativa não era absoluta, mas apenas indicações gerais que deveriam ser relativizadas, caso constatada a melhor aptidão da parte adversa para a produção de prova que o sujeito onerado encontra dificuldade ou impossibilidade de produzir.43

Com os estudos de Peyrano, a partir da década de 90, várias decisões do tri-bunal argentino seguiu a doutrina, dinamizando o ônus probatório. Destaque-se, aqui, os casos “Corones c/Marval y O’Farrel” (03.07.90),44 “Vincinguerra, Antonio c/

prueba a la parte que afirme la existencia de um hecho controvertido o de um precepto jurídico que el juez o el tribunal no tengan el deber de conocer (...) Las directivas contenidas en esta norma se adecuarán al deber de colaboración de las partes, si, por razón de la habitualidad, especialización u otras condiciones, la atención de la carga ha de entenderse que es a la parte contraria a quien corresponde según las particularidades del caso”.

40 Código Procesal Civil y Comercial de Corrientes (2000): “Artículo 377. CARGA DE LA PRUEBA. Incumbirá la carga de la prueba a la parte que afirme la existencia de um hecho controvertido o de um precepto jurídico que el juez o el tribunal no tengan el deber de conocer (...) Las directivas contenidas en esta norma se adecuarán al deber de colaboración de las partes, si, por razón de la habitualidad, especialización u otras condiciones, la atención de la carga ha de entenderse que es a la parte contraria a quien corresponde según las particularidades del caso”.

41 Código Procesal Civil, Comercial, Laboral y Minero de Tierra del Fuego (1994): “Artículo 375.- Carga de la prueba. 375.1. Incumbirá la carga de la prueba a la parte que afirme la existencia de um hecho controvertido o de um precepto jurídico que el juez o el tribunal no tengan el deber de conocer (...) 375.2. La distribuición de la carga de la prueba no obstará a la iniciativa probatoria del Tribunal ni a su apreciación, conforme con las reglas de la sana crítica, de las omissiones o deficiencias de la prueba”.

42 Não se pretende, aqui, ignorar ou negar importância aos julgados de tribunais provincianos. Apenas por racionalidade, e com vistas a não fugir dos objetivos do trabalho, limitar-se-á o estudo à corte suprema argentina. Reconhece-se, no entanto, a existência de várias, a exemplo da decisão da Suprema Corte de Justicia de la Provincia de Buenos Aires, causa “Acosta” (“J.A. 1993-6): que decidiu pela adoção da teoria da carga dinâmica da prova, ao definir que cabe a quem tem melhores condições de produzir a prova, fática, técnica, jurídica e economicamente, o ônus da prova.

43 VARGAS, Abraham Luis. cargas probatorias dinámicas. Sus perfiles actuales y algunas respuestas para sus críticos... cit., p. 89-90.

44 “A los fines del funcionamiento de la garantia del art. 56 de la ley 21.256, la carga de la prueba debe recaer sobre ambas as partes, doctrina de la prueba dinámica que estabelece que quien está en mejor condición de probar debe contribuir a establecer la verdad objetiva más allá de lo dispuesto por el art. 377 del Código Procesal Civil y Comercial de la Nación (Voto del Dr. Adolfo Roberto Vázquez)” apud Ibidem.

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BCRA s/ Cobro de Australes” (17.03.1998)45 e “Denenberg, Roberto c/ Buenos Aires, Provincia de s/ Cobro de Pesos” (14.12.1999).46

Percebe-se, assim, que, já há algum tempo, a Corte Suprema argentina aplica a dinamização do ônus probatório, a despeito da ausência de legislação federal que a normatize. Essa é a tendência da jurisprudência argentina, atenta às inovações doutrinárias, que relativiza o art. 377 do código processual nacional, dinamizando a distribuição do ônus da prova.

2.2 chile

2.3 Doutrina e previsão normativa

No Chile, a distribuição do ônus da prova está prevista no Código Civil, em seu art. 1.698, que versa: “Incumbe probar las obligaciones o su extinción al que alega aquéllas o ésta”. Há, assim, a adoção da regra estática de distribuição do ônus pro-batório, cabendo ao alegante o ônus de provar o alegado.

Há, entretanto, em virtude das situações em que, objetivamente, a imposi-ção da regra estática gera injustiças, a previsão, em legislação especial, tanto da inversão do ônus da prova, quanto de distribuição estática especial.47 Tem-se, por exemplo, o art. 493 do Código del Trabajo, em que cabe ao denunciado explicar os fundamentos das medidas adotadas e sua proporcionalidade, en-quanto que o trabalhador deve apenas afirmar a ofensa a um direito que lhe é fundamental.

Ainda assim, tramita no legislativo chileno o Proyecto de Nuevo Código Procesal Civil, que prevê, em seu art. 294, regras de distribuição do ônus da prova.48 Man-

45 “La doctrina de la prueba dinámica establece que quien está em mejor condición de probar debe contribuir a establecer la verdad objetiva más allá de lo dispuesto por el art. 377 del código procesal civil y comercial de la nación (Voto del Dr. Vázquez)” apud Ibidem.

46 “El concepto de ‘carga dinámica de la prueba’ o ‘prueba compartida’, que se emplea habitualmente cuando los extremos son muy dificil comprobación, consiste en hacer recaer dicha carga em quien se halla em mejor situación de aportar los elemen-tos tendientes a obtener la solución del caso, más allá de lo dispuesto por el art. 377 del Código Procesal Civil y Comercial de la Nación (Disidencia de los Dres. Eduardo Moliné O’Connor y Adolfo Roberto Vázquez” apud Ibidem, p. 90-91.

47 É o que faz Vélez defender a desnecessidade da adoção da dinamização do ônus da prova pelo sistema chileno. A previsão estática, mais justa e segura, possui mecanismos legais para superar os casos injustos, de forma a tornar desnecessária qual-quer reforma. (VÉLEZ, Diego Palomo. Las cargas probatorias dinámica: ¿Es indispensable darse toda esta vuelta? Revista lus et praxis. año. 19. n. 2. Talca: Universidad de Talca, 2013, p. 447-464, p. 454-455).

48 “Artículo 294. – CARGA DE LA PRUEBA. Corresponde la carga de probar los fundamentos de hecho contenidos em la norma jurídica a la partes cuya aplicación le beneficie, salvo que una disposición legal expressa distribuya com criterios especiales

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tém-se, pois, a previsão estática como regra, mas respeitam-se as diversas distri-buições impostas por leis especiais. Entretanto, adota-se a dinamização como ex-ceção, em casos em que haja maior disponibilidade e facilidade da parte contrária para a produção da prova.

Há quem, no entanto, aponte que a nova normativa, com a adoção excepcio-nal da dinamização, surge apenas para tornar mais complexa a atividade jurisdi-cional, haja vista inexistirem problemas práticos em virtude da previsão estática chilena. É, pois, a importação de um modelo de direitos estrangeiros que, em ver-dade, não é necessário para o ordenamento chileno.49

Critica-se, ainda, que uma norma processual altera a sistemática civil de forma tão sensível, de modo a afetar vários institutos do direito substancial. Deveria o diploma processual, para tais críticos, apenas regular peculiaridades do procedi-mento probatório, mas as normas e os princípios gerais são de competência legis-lativa do diploma civil.50

A despeito das críticas, fato é que há uma tendência reformista no país, com a pretensão de positivar a dinamização do ônus da prova. A proposta é pela adoção do sistema de distribuição estático, como regra, mas com a permissão da dinami-zação por parte dos juízes em casos específicos.

2.2.2 Jurisprudência

Como exposto no tópico anterior, não há no Chile um histórico de adoção do instituto da dinamização da carga dinâmica probatória, de sorte que se defende inexistirem problemas com a adoção da teoria estática no país. A ju-risprudência chilena, nesse sentido, aplica sem ressalvas a oneração estática, apenas aplicando as técnicas previstas em legislações especiais de modifica-ção da distribuição.

diferentes la carga de probar los hechos relevantes entre las partes. El tribunal podrá distribuir la carga de la prueba conforme la disponibilidad y facilidad probatoria que posea cada uma de las partes em el litigio (...)”

49 “no se ve cuál concreto problema práctico-forense, propio de nuestro país, requiera revisar el artículo 1.698 inciso primero del Código Civil para sustituirlo por otras fórmulas generales” (CARVAJAL, Patricio-Ignacio. Non Liquet! Facilidad probatoria en el proyecto de un nuevo Código Procesal Civil. Revista chilena de Derecho. v. 39. n. 3. p. 565-604. Disponível em http://www.scielo.cl/pdf/rchilder/v39n3/art01.pdf. Consultado em 24 de outubro de 2015, p. 598).

50 TÉLLEZ, Julio Alvear; CUEVAS, Ignacio Covarrubias. Observaciones constitucionales al proyecto de nuevo Código Procesal Civil. Revista Actualidad Jurídica. n. 27. Desarrolo: Universidad del Desarrolo, enero 2013, p. 29-61, p. 36-37. Disponível em http://derecho-scl.udd.cl/investigacion/files/2013/09/Obsevaciones-constitucionales-1.pdf. Consultado em 24 de outubro de 2015.

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2.3 colômbia

2.3.1 Doutrina e previsão normativa

Na Colômbia, prevalece normatizada a regra de distribuição estática do ônus da prova. É o que dispõe o art. 177 do Código de Procedimiento Civil, que versa: “incumbe a las partes probar el supuesto de hecho de las normas que consagran el efecto jurídico que ellas persiguen”.

A teoria da carga dinâmica da prova, no entanto, encontra forte aceitação dou-trinária, que aponta a necessidade de flexibilização, em determinados casos, das normas rígidas de distribuição do ônus probatório. Destaca-se o trabalho de Juan Trujillo Cabrera, que defende, com base na análise econômica do direito, que a fle-xibilização das regras estáticas de distribuição do ônus da prova diminui os custos de transação dos processos judiciais.51

Influenciados pela doutrina, não apenas colombiana, mas a de Peyrano, surgiu a proposta de Proyecto de Nuevo Código General del Proceso, que mantém a regra estática já prevista, mas acrescenta a dinamização de forma excepcional.52 Assim, continua o ônus da parte de provar os fatos a cujos efeitos jurídicos lhe bene-ficiam, mas pode o juiz, percebendo a maior facilidade da parte adversa para a instrução, dinamizar o ônus da prova.

2.3.2 Jurisprudência

A jurisprudência colombiana, bastante influenciada pela doutrina, vem apli-cando, desde a década de 90, a dinamização do ônus da prova. Destacam-se, em verdade, os casos de responsabilidade da administração pública em casos médi-cos. É que, para fundamentar a ação de responsabilização, cabia ao demandante provar os fatos alegados, de modo que ao lesado só fazia jus à indenização se comprovasse a falha médica que a ensejasse.53

51 CABRERA, Juan Trujillo. La carga dinámica de la prueba. Apud VARGAS, Abraham Luis. cargas probatorias dinámicas. Sus perfiles actuales y algunas respuestas para sus críticos... cit., p. 84.

52 “Artículo 164. – Carga de la prueba. Incumbe a las partes probar el supuesto de hecho de las normas que consagran el efecto jurídico que ellas persiguen. No obstante, cuando a una de las partes le resulte más fácil probar determinados hechos, corresponde a ella demostrarlos”.

53 RESTREPO, Juliana Pérez. La carga dinámica de la prueba en la responsabilidad administrativa por la actividad médi-ca – decaimiento de su aplicabilidad. Disponível em <https://aprendeenlinea.udea.edu.co/revistas/index.php/red/article/download/11386/10399>. Consultado em 24 de outubro de 2015, p. 210.

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Apenas a partir da década de 90, com a tese que foi confirmada em 1992, em decisão paradigma sobre o tema no país,54 o Conselho de Estado colombiano modificou o entendimento, de sorte que entendeu pela flexibilização da regra de distribuição do ônus da prova. Ainda, em 1995, passou o Conselho a adotar a premissa de que, por presunção, o ente público falhara na prestação do serviço médico, de sorte a ser seu o ônus da prova.55

Críticas se seguiram ao Conselho de Estado, que superou, a bem da verdade, uma sistemática rígida legal contrária aos pacientes para uma, rígida e jurispru-dencial, sistemática contrária aos médicos.56 A partir dos anos 2000, contudo, em especial pelos votos do Conselheiro Dr. Alier Hernández Enríquez,57 passou-se à aplicação correta da teoria da carga dinâmica probatória, com a análise casuística de quem tem melhores condições para realizar a prova.58

Na Colômbia, portanto, a despeito de a ter utilizado equivocadamente por muito tempo, aplica-se jurisprudencialmente a teoria das cargas dinâmicas pro-batórias desde a década de 90. Influenciados pela doutrina, pois, têm os tribunais aplicado o instituto.

54 Sentencia del 30 de julio de 1992, Consejero Ponente Dr. Daniel Suárez Hernández, la Sección Tercera del Consejo de Estado. “Sin embargo, con mucha frecuencia se presentan situaciones que le hacen excesivamente dificil, cuando no imposible, las comprobaciones respectivas, tal el caso de las intervenciones médicas, especialmente quirúrgicas, que por su propia naturaleza, por su exclusividad, por la privacidad de las mismas, por encontrarse em juego intereses personales e institucionales, etc., en un momento dado se constituyen barreras infranqueables para el paciente (...) a la demonstración de las fallas em los servicios y técnicas cientificas prestadas por especialistas, fueren éstos los que por encontrarse em las mejores condiciones de conocimiento técnico y real por cuanto ejecutaron la respectiva conducta profesional, quienes satisficieran directamente las inquietudes y cuestionamientos que contra sus procedimentos se formulan (...)”.

55 VARGAS, Abraham Luis. cargas probatorias dinámicas. Sus perfiles actuales y algunas respuestas para sus críticos... cit., p. 102.

56 Ibidem, p. 103.

57 “En relación com esta posición, reiterada por la jurisprudencia de esta Sala a partir de la expedición del fallo citado, se considera necesario precisar que, si bien tiene origen em el llamado principio de las cargas probatorias dinámicas – cuya aplicación, aunque no tiene sustento en nuestra legislación procesal, puede decirse que encuentra asidero suficiente em las normas constitucionales que relevan el principio de equidad – há resultado planeteada términos tan definitivos que se há puesto em peligro su propio fundamento (...). Habrá que valorar, em cada caso, si éstas se encuentran presentes o no. Así, habrá situaciones en las que, sin duda, es el paciente quien se encuentra en mejor posición para demostrar ciertos hechos relacionados com la actuación de la entidad respectiva. Allí está, precisamente, la explicación del dinamismo de las cargas, cuya aplicación se hace imposible ante el recurso obligado a la teoria de la falla del servicio presunta, donde simplemente se produce la inversión permanente del deber probatório”. Apud Ibidem.

58 Ibidem.

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2.4 peru

2.4.1 Doutrina e previsão normativa

A doutrina processual peruana, bastante influenciada pela teoria desen-volvida na Argentina, possui adeptos da teoria da carga dinâmica probatória. Aponta Sánchez, nesse sentido, apresentando vários doutrinadores do país, que há uma forte corrente pela adoção da flexibilização das regras rígidas, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência, sendo uma questão de tem-po uma positivação do instituto.59

Atualmente, no entanto, não há uma positivação expressa da teoria. O art. 196 do Código Procesal Civil peruano,60 assim, prevê uma distribuição estática do ônus da prova, ao estabelecer que cabe à parte alegante provar os fatos que em-basam sua pretensão.

No entanto, entende a doutrina que o diploma processual peruano, ao prever expressamente dever de cooperação,61 permite a oneração da parte que, se per-cebida melhor posicionada para a produção probatória, não a faz. No entanto, a previsão do art. 282 não permite uma dinamização do ônus da prova, mas, em verdade, uma avaliação do juiz da conduta da parte, com o estabelecimento de indícios probatórios contra tal.62

59 “Estos hechos, demuestran que, em nuestro médio nacional, la doctrina de las cargas probatorias dinámicas ya tiene un recorrido exitoso em el camino de la jurisprudencia, de la doctrina e incluso de la legislación procesal civil (como sucedâneo); entonces, poco falta para que sea plasmada expressamente, y em su cabal dimensión, al interior del Código Procesal Civil” (SÁNCHEZ, Pedro Donaires. Aplicación jurisprudencial de la doctrina de las cargas probatorias dinámicas. Disponível em http://www.derechoycambiosocial.com/revista035/APLICACION_JURISPRUDENCIAL_DE_LA_DOCTRINA_DE_LAS_CARGAS_PROBATORIAS_DINAMICAS.pdf. Consultado em 27 de outubro de 2015, p. 13).

60 “Artículo 196. – Salvo disposición legal diferente, la carga de probar corresponde a quien afirma hechos que configuran su pretensión, o a quien los contradice alegando nuevos hechos”.

61 “Artículo 282. – El Juez puede extraer conclusiones en contra de los intereses de las partes atendiendo a la conducta que éstas asumen en el proceso, particularmente cuando se manifiesta notoriamente en la falta de cooperación para lograr la finalidad de los medios probatorios, o con otras actitudes de obstrucción. Las conclusiones del Juez estarán debidamente fundamentadas”.

62 MURILLO, Walter Eduardo Campos. Aplicabilidad de la teoría de las cargas probatorias dinámicas al proceso civil peruano. Apuntes iniciales. Revista Oficial del poder Judicial. año. 6-7. n. 8 y 9. 2012/2013. Disponível em https://www.pj.gob.pe/wps/wcm/connect/23d6910047544a5fbf0bff6da8fa37d8/11.+Campos +Murillo.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=23d6910047544a5fbf0bff6da8fa37d8. Consultado em 27 de outubro de 2015, p. 212.

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2.4.2 Jurisprudência

A jurisprudência peruana, influenciada da mesma forma pela doutrina da car-ga dinâmica probatória, aplica a flexibilização das regras rígidas de distribuição do ônus da prova.63 Nesse sentido, entende-se que, em determinados casos, a aplicação da regra de que incumbe ao alegante provar os fatos não é preferível, de modo a optar pela dinamização, para que, assim, onere-se a parte que tenha mais condições de provar o alegado.

2.5 projetos de reforma: paraguai, costa Rica e Guatemala

É importante destacar, ainda, três países que, a despeito de possuírem regra-mentos que preveem normas estáticas de distribuição do ônus da prova, também são influenciados pela doutrina argentina, de modo a possuir projetos de reforma legislativa que incluem a dinamização do ônus da prova. São os casos, além da Ar-gentina, Chile e Colômbia, estudados em tópico próprio, do Paraguai, Costa Rica e Guatemala que aderem à onda reformista em matéria probatória.

No Paraguai, destaca-se o anteprojeto do novo código de processo civil que, em seu art. 116,64 positiva o dever de cooperação em função da prova e, além, prevê a imputação de presunções contra a parte que não coopera. Não se tra-ta, a bem da verdade, de técnica de dinamização, mas de relativização da norma estática em função de uma presunção, a partir da ausência de cooperação. No entanto, é uma regra de flexibilização da distribuição rígida, de modo a merecer destaque pela pretensão de correção de seus vícios.

Na Costa Rica, o projeto de reforma do Código de Processo Civil prevê, ao art. 41, parágrafo que relativiza a distribuição estática prevista, ao adotar a dinamiza-

63 “La controversia no debe resolverse bajo el esquema que al actor le incumbe probar los hechos constitutivos y al demandado acreditar los hechos modificativos, impeditivos y extintivos inveocados en su propio mecanismo: sino que em materia de simulación, la doctrina reconoce la llamada carga probatoria dinámica, la que se encuentra referida a situaciones jurídicas, esto es, situaciones de expectativa, esperanza de la conducta juríica que há de producirse, según la cual, la carga probatoria se traslada a quien se encuentra em mejores condiciones para producirla” apud VARGAS, Abraham Luis. cargas probatorias dinámicas. Sus perfiles actuales y algunas respuestas para sus críticos... cit., p. 105.

64 “Artículo 116. – (Cooperación em la prueba. Carga de la prueba). 116.1. Todos los litigantes y el juez o tribunal deben cooperar lealmente en el esclarecimiento de los hechos controvertidos y relevantes, procurando arribar, em lo posible, a la verdad objetiva. 116.2. Si pese al esfuerzo probatorio, aquellos hechos no fueren esclarecidos, en todo o en parte, el litigio podrá ser resuelto según el seguiente principio, de la carga de la prueba. 116.3. Cada una de las partes tiene la carga de probar el presupuesto fáctico de la norma o normas aplicables a su pretensión, defensa o excepción. 116.4. La negativa de una parte a aportar alguna probanza que estuviere en su disponibilidad, constituirá una presunción simple contra su posición en el litigio”.

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ção como regra excepcional.65 Trata-se de uma flexibilização a partir da dinami-zação, haja vista prever que o juiz deve atentar para eventual maior facilidade da parte adversa para prova, de acordo com a natureza da matéria.

Por fim, na Guatemala, destaca-se o Proyecto de reforma al Código Procesal Ci-vil y Comercial. O projeto, em seu art. 148, prevê a flexibilização excepcional das regras estáticas,66 de modo a onerar a parte que apresente maior facilidade e dis-ponibilidade para provar o fato controverso.

considerações finais

Em toda a américa latina, influenciada profundamente pela doutrina de Peyra-no, há um movimento de flexibilização do sistema estático de distribuição do ônus da prova. Já há algum tempo os tribunais veem aplicando a teoria, relati-vizando a normativa legal. A tendência jurisprudencial e doutrinária tem reper-cutido em movimentos processuais reformistas nos ordenamentos latino-ame-ricanos, de modo a adotar normas gerais que permitem a dinamização do ônus probatório pelo juiz.

Assim, os novos diplomas processuais preveem normas estáticas de distribui-ção do ônus da prova, como regra, e a dinamização em casos excepcionais. Parece uma tendência inevitável, tratando-se, como visto, de um movimento que ganha cada vez mais força em toda a América Latina.

No Brasil, em consonância com seus vizinhos, o legislador optou pela mesma técnica: a distribuição estática, como regra, mas oportunizando-se a dinamização em casos excepcionais. O novo Código de Processo Civil, fundamentado no novo modelo processual, o cooperativo, prevê, em seu art. 373, como se dará a distri-buição do ônus probatório. Em regra, conforme a previsão pouco inovadora do caput, incumbe à parte alegante o ônus de provar o alegado.

65 “Para la aplicación de lo dispuesto en los incisos anteriores de este artículo se deberá tener presente la disponibilidad y facilidad probatoria que corresponde a cada una de las partes, de acuerdo con la naturaleza de lo debatido”.

66 “Artículo 148. Carga de la prueba. (...) 148.3. Para la aplicación de lo dispuesto en los numerales anteriores el tribunal deberá tener presente la disponibilidad y facilidad probatoria que corresponda a cada una de las partes del litigio”.

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Referência do artigo

BERTÃO, Rafael Calheiros. A distribuição dinâmica do ônus da prova: a tendência reformista latino-americana e o novo Código de Processo Civil. Revista da ESMApE, Recife, v. 20/21 – n. 42/43 – p. 155-174 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016.

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Julgamento estendido das decisões majoritárias nos Tribunais

Ricardo de Oliveira paes BarretoDesembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE); Professor de Direito Processual civil

licenciado da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); Doutor em Direito pela Faculdade de

Direito do Recife/Universidade Federal de Pernambuco (FDR/UFPE)

Introdução

O art. 942 do CPC traz uma alteração substancial em hipóteses recursais de decisões majoritárias nos tribunais, que venham, ou não, a desafiar subsequente convocação de novos julgadores para a devida integração nos moldes propostos, pondo fim aos então cabíveis embargos infringentes.

Com esse novo procedimento, denominado julgamento estendido, ampliado ou em etapas sucessivas, buscou o legislador dar maior segurança e maior debate a respeito do tema controvertido, objeto do julgado quando não unânime e nas adequações propostas, não obstante aparentemente demandar mais tempo para se chegar à solução definitiva da questão.

Essa nova técnica de julgamento, como se vê, não constitui recurso, exatamen-te por ausência de necessidade de requerimento, visto que o julgamento iniciado e então majoritário deverá ser suspenso de ofício para convocação de dois outros juízes, sendo o caso, independendo, assim, da vontade das partes.

1 previsão de regência

Assim prescreve o citado dispositivo de lei, in verbis:

Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no

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regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

§1º. Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura compo-nham o órgão colegiado.

§2º. Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por oca-sião do prosseguimento do julgamento.

§3º. A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:

I – ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;

II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

§ 4º. Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:

I – do incidente de assunção de competência e ao de resolução de deman-das repetitivas;

II – da remessa necessária;

III – não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.

O texto, aparentemente singelo, na verdade carrega em si uma complexa car-ga de hipóteses que vão demandar diversos enfrentamentos na doutrina e em especial na formação da jurisprudência unificadora nos tribunais.

2 A decisão não unânime e a necessidade de ampliação do julgamento

O caput do artigo especifica que se “o resultado da apelação for não unâ-nime”, deverá ser suspenso o julgamento, com a convocação de dois outros julgadores especialmente para esse fim, exceto se o colegiado for compos-to de mais de 3 (três) julgadores originariamente, e havendo outros 2 (dois) presentes, estes já poderão participar da integração de imediato, na forma prevista no § 1º.

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Embora não conste, explicitamente, o cabimento dessa regra quando do julgamento majoritário em agravo interno, se o apelo interposto foi trancado monocraticamente pelo relator e dessa decisão houve a devida integração atra-vés de agravo interno e, no seu julgamento, a decisão for majoritária, também caberá sua aplicabilidade, exatamente porque o agravo interno, no caso, faz as vezes da apelação.

No mais, é comum a composição de câmaras ou turmas originárias com 3 (três) membros, mas há casos em que há 5 (cinco) deles, daí a possibilidade de imediata integração, isso sempre que possível, como já afirmado. Não sendo, ha-verá de ser suspenso o julgamento com a convocação de 2 (dois) outros julgado-res para o julgamento estendido, portanto, como regra geral.

O § 2º prevê a possibilidade de os julgadores que votaram, originariamente, num determinado sentido, reverem “seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento”. Esse posicionamento já encontrava agasalho nos regimentos dos tribunais, pois a qualquer tempo antes do anúncio do resultado do julgamento, quaisquer dos votantes pode refluir de sua posição anterior e adotar outra que entenda mais adequada à solução efetiva do caso concreto.

Como se vê no dispositivo inicial, bastaria a decisão ser não unânime em sede de apelação para que se faça necessária a integração do julgamento com outros 2 (dois) julgadores. Não há sequer indicação de que essa técnica só se aplicaria nas hipóteses de reforma, mas pela literalidade do texto, aparenta ser adequada a integração em qualquer caso, seja por manutenção dos termos do julgado, seja por anulação, seja por reforma, desde que a decisão inicial seja por maioria de votos.

3 A utilização da técnica nas ações rescisórias e nos agravos de instrumento

Já no § 3º, a legislação processual aponta que “a técnica de julgamento previs-ta neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em” “ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno”, e em “agravo de instrumento, quando houver reforma da de-cisão que julgar parcialmente o mérito”.

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Aqui o legislador especificou que a técnica de integração só seria cabível nas hipóteses de julgados originariamente majoritários, seja em ação rescisória, seja em agravo de instrumento, porém exige cumulativamente a rescisão do julgado ou a reforma da decisão agravada.

Há doutrina, como também precedentes jurisprudenciais, no sentido de só admitir a continuação integradora quando houver reforma majoritária nas apela-ções, afastando as manutenções e as anulações majoritárias, isso em obediência ao princípio da simetria com relação ao previsto no § 3º, já que tanto nas ações rescisórias, quanto nos agravos de instrumento, há cumulativa necessidade de reforma meritória do julgado.

Pensamos que não, e mesmo que o tempo venha a construir uma convicção em sentido contrário, entendemos que se faz premente respeitar a literalidade do previsto pelo legislador ordinário, no sentido de que qualquer que seja a hipótese de decisão majoritária em julgamento de apelação, por manutenção, por reforma ou por anulação, caberá ser estendido o julgamento.

Prevalecendo a tese limitadora, se for o caso, não negamos sua utilidade práti-ca, no sentido de dar maior celeridade às decisões anulatórias e de manutenção, senão aplicando a extensão naquelas hipóteses de reforma, embora, repetimos, vá de encontro ao prescrito na norma que prestigia o maior debate nas decisões majoritárias nos apelos.

Nos agravos de instrumento, essa regra só terá cabimento se o voto vencido versar acerca de tema relacionado ao mérito da causa, afastando o cabimento quando em discussão matéria eminentemente processual, exatamente diante das restrições impostas pela nova sistemática dos julgamentos relativos a essa modalidade recursal.

A complementação do julgamento só se verificará nas ações rescisórias se a decisão majoritária houver rescindido a decisão impugnada, caso em que o se-guimento se dará perante o órgão de maior composição previsto no regimento interno do respectivo tribunal, para onde será redistribuído o feito, mantendo-se a relatoria originária, isso se possível nos termos do regimento.

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4 Exceções à regra extensiva de regência

Já o § 4º excepciona a aplicação dessa mesma regra de integração quando do julgamento do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas, da remessa necessária e quando de decisão não unânime proferida, nos tribunais, por seu plenário ou pela sua corte especial.

Quando do julgamento majoritário do incidente de assunção de competência (IAC) e do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), fica claro não ser admissível a integração prevista na cabeça do artigo de regência, porém nas demais hipóteses é preciso fazer algumas ressalvas, pois poderá ocorrer determi-nados casos concretos em que se fará necessária a expansão do julgamento.

Vejamos por exemplo a hipótese em que a sentença foi submetida ao reexame oficial. Essa submissão revisional pode se dar isoladamente, e aí não claramente não há adequação para aplicação da regra de extensão, como também a remessa oficial pode vir acompanhada de apelo da parte e, às vezes, juntamente com re-curso de apelo adesivo da parte adversa, caso em que se o reexame necessário for julgado por maioria de votos, seja por manutenção, por reforma ou por anulação, deverá ser suspenso o julgamento, procedendo-se com a oportuna extensão in-tegradora, mesmo que se declare prejudicado o recurso voluntário.

Por fim, indica-se igualmente não caber essa regra quando de decisão não unânime proferida, nos tribunais, por seu plenário ou pela sua corte especial, e aqui é preciso fazer o registro do não cabimento mesmo quando possa ser pro-cessada ação rescisória em quaisquer desses órgãos, pois suas composições não podem ser alargadas, como exige o § 3º, I, da norma de regência.

Assim, quando não admissível a regra excepcional de integração, só haverá cabimento, sendo o caso, a interposição de recursos excepcionais subsequentes, recurso especial e/ou recurso extraordinário, havendo adequação.

5 Anúncio inadequado do julgamento majoritário

Caso ocorra equívoco por parte da presidência do órgão julgador, mesmo em tese, e sejam, desde logo, declarados os termos do julgamento majoritário, quando ade-quada a aplicação da regra de ampliação prevista no art. 942 do CPC, quaisquer das

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partes, ou mesmo o Ministério Público, poderá interpor embargos de declaração, ou mesmo atravessar petição nos autos, indicando o erro material configurado, se for o caso, para a devida correção e designação do seguimento do julgamento em sessão oportuna, desconsiderando-se o anúncio terminativo tecnicamente indevido.

Outra questão que surge diz respeito à necessidade, ou não, do esgotamen-to da instância para fins de admissão oportuna dos recursos excepcionais. Se a decisão é majoritária e é adequado o juízo de integração estendido e ele não é formalizado, eventual recurso especial e/ou extraordinário diante do acórdão ma-joritário publicado seria admissível?

O acórdão anuncia um julgamento tecnicamente defeituoso, incompleto, sem observar regra de competência funcional integradora que não foi observada. Consideramos que seria o caso de a Corte excepcional competente, que primei-ro tomar conhecimento do erro procedimental, após oportunizar contraditório nos moldes do art. 10 do CPC, e uma vez que devidamente configurado, anular o julgado do tribunal ordinário, baixando os autos para a necessária integração e seguimento do processo em seus ulteriores termos.

6 Limitação funcional dos novos julgadores

Outras questões relevantes surgem quando da convocação dos novos julga-dores e não são poucas.

A primeira delas é a limitação funcional que eles terão no seguir do julgamen-to, se estariam adstritos a julgar o caso apenas nos limites da divergência. A apa-rência é em sentido contrário, de que seria lícito aos novos julgadores apreciar todas as questões em julgamento, já que se trata da continuação do mesmo jul-gamento então suspenso, à falta de vedação legal.

Afinal, não se poderia cogitar que, em um mesmo julgamento, novos integran-tes, chamados a compor o mesmo órgão colegiado, só possam apreciar parte da matéria objeto, por exemplo, de recurso de apelação, que parte da turma julga-dora apreciou em sua inteireza.

Esse raciocínio deve ser aplicado como regra, mas como em toda regra, usual-mente, há exceções, aqui não será diferente.

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Vejamos o caso em que o colegiado, inicialmente, acolha a decadência ou a prescrição de direito material por maioria de votos. As demais questões de mérito não foram analisadas quando da suspensão do julgamento.

Os novos julgadores agasalham a tese minoritária e agora, por maioria de vo-tos, afastou-se a decadência ou a prescrição, fazendo-se necessário seguir o julga-do para apreciar as demais matérias devolvidas ao conhecimento do colegiado. Todos os 5 (cinco) votarão ou apenas os 3 (três) julgadores originários?

Observamos o caso em que os julgadores pioneiros, por maioria de votos, fi-xam uma determinada indenização por danos morais, enquanto que um deles re-jeita o pedido ou mesmo fixa um valor maior ou menor que aquele determinado pela maioria. Os novos julgadores convocados estarão limitados a seguir uma das teses debatidas?

Em se sustentando a regra geral acima especificada, todos poderiam votar com as mesmas limitações funcionais dos julgadores originários, pois, como já dito, o que se dá é uma continuação do mesmo julgamento, não se tratando de julgamento de causa nova ou julgamento novo propriamente dito.

Outra controvérsia surge quando a divergência, por exemplo, venha a desa-parecer antes mesmo da participação dos julgadores convocados, quando aque-le que votou em sentido minoritário resolve anunciar que pretende alterar sua convicção originária e acompanhar a maioria dos votantes, o que é tecnicamente possível; desfaz-se a convocação e anuncia-se o resultado unânime ou os convo-cados irão complementar o julgamento?

Acreditamos que nesta hipótese deverá se desconsiderar a convocação dos novos julgadores e o presidente anunciar a decisão unânime da turma originária, exatamente diante da superveniente inadequação da regra excepcional de ne-cessidade de extensão do julgamento.

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7 A sustentação oral superveniente

Também surgem diversas controvérsias quanto à sustentação oral nesse pro-cedimento complementar.

A norma assegura às partes, ao Ministério Público e, mesmo, a eventuais ter-ceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

Primeiramente, vejamos o caso de continuação imediata do julgamento; já que presentes os novos julgadores que irão complementá-lo, haverá direito à sus-tentação oral, considerando que esta ou já ocorreu no início do julgamento, ou a parte específica renunciou ao seu direito de fazê-lo? Entendemos que não, posto que todos, sem exceção, tiveram acesso às arguições eventualmente sustentadas.

Já quando suspenso o julgamento, no seu seguimento oportuno, a legislação oportuniza novas sustentações orais em tese, direcionadas aos novos julgadores, e aqui pouco importa se houve, ou não, sustentação oral pioneiramente, quando na verdade a sustentação oral servirá não só para os novos julgadores, senão para todos indistintamente.

conclusão

Em conclusão, fica patente que o dispositivo processual de regência vai de-mandar enfrentamentos de casos concretos e muitos estudos para sua efetiva consolidação como instrumento garantidor da amplitude dos debates, nas hipó-teses de adequação ali previstas, mas é uma regra instrumentalizadora do proces-so que não pode ser afastada e, por isso mesmo, reclamará esse aprofundamento temporal para que se chegue à exaustão de sua real aplicabilidade.

Referência do artigo

PAES BARRETO, Ricardo de Oliveira. Julgamento estendido das decisões majoritárias nos Tribunais. Revista da ESMApE, Recife, v. 20/21 – n. 42/43 – p. 175-182 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016.

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procedimentos especiais no novo cpc

Roberto MachadoDesembargador Federal. Vice-Presidente do TRF5.

O ensaio aborda alguns aspectos dos pro-cedimentos especiais no novo Código de Processo Civil, no propósito de mostrar o que mudou, de fato, em relação ao Código de 1973. A partir da clássica lição da doutri-na, segundo a qual o direito de ação se ex-pressa no processo, sendo o procedimento sua forma extrínseca, mostra-se que o novo Código, conquanto haja abolido os proce-dimentos ordinário e sumário, manteve a dicotomia procedimental: ao lado do uni-ficado procedimento comum, preservou, pela necessidade de técnica diferenciada, os procedimentos especiais, preservando, também, a nomenclatura jurisdição voluntá-ria, apesar da tentativa, durante o processo legislativo, de substituí-la por jurisdição não contenciosa. E, sempre pontuando os concei-tos de jurisdição contenciosa e voluntária, demonstra que, apenas quando há atividade jurisdicional substitutiva, opera-se a coisa julgada material e formal. Depois de acen-

tuar que tais procedimentos corporificam, em nosso sistema processual, as ações nomi-nadas, porque a própria lei dita seu nomen juris e delimita seu objeto, o ensaio formata quadros elencando, praticamente, todos os procedimentos especiais regulados no Có-digo e em diversas Leis Especiais, debruçan-do-se, também, sobre os princípios e regras que distinguem os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa dos procedimen-tos especiais de jurisdição voluntária, reser-vando um último capítulo para, ainda que superficialmente, anotar que o novo Código, ao preservar a maioria, aboliu uns e criou ou-tros procedimentos especiais.

palavras-chave: Código de Processo Civil. Dicotomia: jurisdição contenciosa e juris-dição voluntária. Procedimentos Especiais no novo Código e em Leis Especiais. Ações nominadas. Princípios e regras que os dis-tinguem.

Resumo

The essay deals with some aspects of the spe-cial procedures in the new Civil Procedure Code, in order to show what has changed, in fact, in relation to 1973. Code From the classic lesson of doctrine according to which the right

of action is expressed in the process, and the procedure its extrinsic form, to show that the new Code, although there is abolished the or-dinary procedures and summary, maintained the procedural dichotomy: next to the unified

Abstract

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1 considerações preliminares

O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) está em pleno vigor e eficácia desde 28 de março de 2016, depois de cumprir sua vacatio legis de um ano. Resultou de anteprojeto, entregue ao Senado Federal em meados de 2010, elaborado por uma comissão de juristas presidida pelo Ministro Luiz Fux, hoje com assento no Supremo Tribunal Federal.

É voz corrente: o Código de Processo Civil de 1973 foi um símbolo de seu tem-po. Não durou muito e restou claro que o direito substancial continuava em se-gundo plano. O que se viu foi a perpetuação do domínio de sua majestade, o processo, como um fim em si mesmo.

A partir do início da década de noventa do século XX, vieram as múltiplas re-formas processuais, capitaneadas pela Escola Nacional da Magistratura, tendo à frente desta o Ministro Sálvio de Figueiredo, de saudosa memória. A promessa de efetividade do processo, entretanto, continuou uma miragem. Daí a concepção de um novo Código, que tem como mola mestra harmonizá-lo às garantias cons-titucionais de um Estado Democrático de Direito, segundo revela a exposição de motivos do anteprojeto.

O novo Código é inovador em múltiplos aspectos. Aqui, nos limitaremos a al-gumas considerações sobre seus PROCEDIMENTOS ESPECIAIS.

common, preserved by the need to differenti-ated technical, procedures special, also pre-serving the nomenclature voluntary jurisdic-tion, despite the attempt during the legislative process, to replace it with non-contentious jurisdiction. And always punctuating the con-cepts of contentious and voluntary jurisdiction, it shows that only when substitute judicial ac-tivity, operates the formal and material judged thing. After stress that these embody proce-dures in our procedural system, the nominated actions because the law itself dictates his juris nomen and defines its object, the test format frames elencando virtually all special proce-

dures laid down in the Code and several Spe-cial Laws, leaning If, also, on the principles and rules that distinguish the special procedures of contentious jurisdiction of the special proce-dures of voluntary jurisdiction, reserving a final chapter to, albeit superficially, to note that the new Code, while preserving most abolished and created a other special procedures. Keywords: Civil Procedure Code. Dichotomy: contentious jurisdiction, voluntary jurisdiction. Special Procedures in the new Code and Spe-cial Laws. nominated actions. Principles and rules that distinguish them.

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2 Jurisdição, ação, processo e procedimento

A busca pela tutela jurisdicional do Estado se impõe quando alguém lesa ou ameaça de lesão direito subjetivo de outrem (interesse juridicamente tutelado), resistindo a qualquer tentativa de composição extrajudicial; ou quando a própria lei, em nome da prevalência do interesse público, exige a demanda em juízo, a despeito da inexistência de qualquer divergência ou conflito de interesse qualifi-cado por pretensão resistida1.

De qualquer sorte, estabelecido o conflito de interesse, nasce para o litigante outro interesse, diverso daquele: a pretensão, definida por CARNELUTTI como a exigência de subordinação de um interesse de outrem ao próprio. Ocorrendo o conflito, portanto, nasce para o prejudicado o direito de fazer valer aquela preten-são por intermédio do Estado (que reservou para si a função de dirimir conflitos – princípio da universalidade da jurisdição – artigo 5º, XXXV, CF/88). O direito de fazer valer aquela pretensão – de pedir a prestação jurisdicional ao Estado – de-nomina-se direito de ação, que não se confunde com o denominado direito de petição, exercitável junto a órgãos da Administração Pública, tendo base constitu-cional diversa (artigo 5º, XXXIV, a, CF/88).

Diz-se, com bastante atualidade, que o direito de ação, conquanto autônomo frente ao direito subjetivo, mantém com este verdadeira relação de instrumenta-lidade2. O mesmo dá-se entre o direito de ação e o processo. Este é instrumento daquele. O direito de ação se expressa no processo. Mas como o conceito de pro-cesso3 é puramente científico, o que se revela aos nossos sentidos, na sua forma extrínseca e empírica, é o procedimento4. Logo, como o processo se movimenta, no plano exterior, obedecendo a determinados ritos ou procedimentos, previstos em lei5, caberá ao advogado, que encaminha a postulação, e ao juiz, que processa e julga a demanda, verificar, em primeiro lugar – a partir da análise da natureza

1 - O interesse processual, como condição de ação, justifica-se ora em nome de divergência/conflito de interesse qualificado por pretensão resistida, ora em virtude de imposição legal. Logo, não é científico afirmar-se que o Judiciário só intervém diante de pretensão resistida. Termos “in rebus”. Há certas pretensões que, a despeito da plena acordância entre as partes,

não dispensa o ingresso em juízo, senvindo-nos de exemplo, dentre outros, a alienação de bens de incapazes. 2 - Segundo teoria vigente, o Direito de Ação é direito público, subjetivo e autônomo. Quer dizer: conquanto também direito

subjetivo, não se confunde nem tem a mesma natureza jurídica do direito subjetivo lesado ou ameaçado, como queriam os civilistas, para quem a ação era o próprio direito em movimento, sem autonomia (Savigny).

3 - Processo é um conjunto de atos coordenados e encaminhados para um fim específico – a composição da lide (Santos, Moacir Amaral – Primeiras Linhas de Processo Civil, Forense, 1990, 1º vol., pág. 12).

4 - Santos, Moacir Amaral – citando João Mendes Junior (“processo é o movimento em sua forma intrínseca; procedimento é este mesmo movimento em sua forma extrínseca, tal como se exerce pelos nossos órgãos corporais e se revela aos nossos sentidos”), in Primeiras Linhas de Processo Civil, Editora Forense.

5 - Consequência do princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88).

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jurídica da própria tutela de direito material pretendida – qual o tipo de processo cabível: se o processo de conhecimento ou o de execução; e, dentre estes, qual o tipo de procedimento próprio para a resolução da lide.

Assim, se a titularidade do direito ou da obrigação torna-se litigiosa, a ponto de exigir acertamento entre os contendores, a composição do litígio faz-se pela via do denominado processo de conhecimento, hoje processo sincrético6, seja pelo rito comum (o novo Código unificou os antigos procedimentos ordinário e sumário do CPC/73), seja pelo rito especial: procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, previstos no Código e em diversas leis especiais, a exemplo da lei da ação civil pública e da lei do mandado de segurança; e procedimentos especiais de jurisdição voluntária, previstos no Código e em algumas leis especiais, espe-cialmente no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei dos Registros Públi-cos. Se, ao contrário, a titularidade do direito e da obrigação já constar de acerta-mento em título executivo específico, dispensa-se o processo de conhecimento, utilizando-se, de logo, o processo de execução, para quem o Código de Processo Civil e diversas leis especiais estabelecem procedimentos os mais diversos, con-forme a espécie do titulo executivo, a qualidade do titular do crédito, ou a nature-za da obrigação. Finalmente, se o direito, cuja satisfação depender do manejo do processo de conhecimento ou de execução, estiver sitiado por alguma situação de perigo, a parte haverá de lançar mão de medidas antecipatórias ou cautelares, para as quais, diferentemente do Código caduco, dispensa-se o ajuizamento de Processo Cautelar autônomo, abolido pelo vigente sistema processual.

3 Dicotomia procedimental

Historicamente, o processo de conhecimento foi servido por dois tipos de pro-cedimento: o comum, subdividido em ordinário e sumário; e o especial, subdi-vidido em procedimentos especiais de jurisdição contenciosa e procedimentos especiais de jurisdição voluntária. No Código de 1973, manteve-se a dicotomia, sendo que a maioria das ações, em face da complexidade das provas, tomava o rito ordinário, sujeito a plena e exaustiva cognição7. Aludido procedimento tinha 6 - Desde a reforma processual na década de noventa do século XX, instituiu-se o denominado “processo sincrético”, ocorrendo

a fusão do processo de conhecimento e do processo de execução de sentença. O processo sincrético é constituído da fase de conhecimento e da fase de cumprimento da sentença, inaugurado por um só ato citatório. A fase de conhecimento do processo é dotada de técnicas de cognição variadas: plena, sumária e limitada a um evento probante (v. nota 8, abaixo).

7 - “A técnica da cognição permite a construção de procedimentos ajustados às reais necessidades de tutela. A cognição pode ser analisada em duas direções: no sentido horizontal, quando a cognição pode ser plena ou parcial; e no sentido vertical, em que a cognição pode ser exauriente, sumária e superficial” (Luiz Guilherme Marinoni – A Antecipação da Tutela, Malheiros, 3ª edição, 1997, pág. 28).

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redobrada importância, porque suas regras aplicavam-se, subsidiariamente8, aos demais tipos de processo e de procedimento, a teor do disposto no parágrafo único do artigo 272 do CPC/1973, norma reproduzida no novo Código (parágrafo único do artigo 318). A propósito, o Código em vigor unificou o procedimento comum, abolindo apenas a interna dicotomia “procedimento ordinário” e “proce-dimento sumário” (artigo 318), extinguindo também os procedimentos cautela-res típicos (fruto do denominado Poder Cautelar Especial), porque a evolução do direito processual e a prática forense demonstraram que o Poder Cautelar Geral do Juiz é suficiente e apto para a garantia de direitos sitiados por qualquer situa-ção de perigo. Mas, ao lado do unificado PROCEDIMENTO COMUM, o novo Códi-go mantém os PROCEDIMENTOS ESPECIAIS, mantendo, quanto a estes, a mesma dicotomia: Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa e Procedimentos Especiais de Jurisdição Voluntária.

4 procedimentos especiais

4.1 Razões da dicotomia procedimental

As mesmas razões que, na sistemática processual de 1973, justificaram, ao lado do PROCEDIMENTO COMUM (ordinário e sumário), a existência dos PROCEDIMEN-TOS ESPECIAIS, justificam sua manutenção no novo Código. O processo serve ao direito material, sendo o procedimento sua manifestação extrínseca. No intuito de regular o processo, o Código dispõe sobre os procedimentos na forma de atos lógicos e cronológicos, visando a uma rápida, justa e funcional solução da lide. Mas não é a exigência de celeridade que justifica, objetivamente, a adoção de tais procedimentos especiais. Eles se justificam, distinguindo-se do rito comum, em virtude das características e da natureza do litígio submetido à apreciação juris-dicional, capaz de exigir técnica diferenciada. O procedimento é especial porque se procura ajustar a forma ao objeto da demanda, garantindo correspondência entre as fases processuais e o direito material que se quer tutelar. Basta ter-se em mente exemplos como o inventário e a partilha e a divisão e demarcação de terras particulares, para se perceber que esses tipos de tutela (de direito material) não se coadunariam com o procedimento comum, formatado com as clássicas fases petitória, probatória e decisória, próprias para a prestação de tutela de natureza predominantemente declaratória/condenatória.

8 - O denominado “princípio da subsidiariedade”.

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4.2 Jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária

O Código de Processo Civil de 19739 fez expressar, logo em seu artigo 1º, que a jurisdição civil, exercida em todo território nacional pelos juízes, subdividia-se em contenciosa e voluntária. O novo Código, durante sua tramitação no Congresso Nacional, pretendeu substituir a nomenclatura “jurisdição voluntária” por “jurisdi-ção não contenciosa”, em virtude dos reclamos de parte da doutrina, para quem a jurisdição voluntária nem seria jurisdição, por se afastar de sua primordial natu-reza substitutiva, nem seria voluntária, porque, a rigor, é forçada 10, especialmente nos casos em que a lei, a despeito de inexistência de conflito ou divergência de interesse qualificada por pretensão resistida, impõe o ajuizamento da demanda, a exemplo das alienações judiciais de bens de incapazes (artigo 1.748, IV, do Códi-go Civil) e da alteração do regime de casamento (§ 2º do artigo 1.639 do Código Civil). O Projeto do novo Código, iniciado no SENADO, aludia apenas à “jurisdição civil” (artigo 16), abandonando a dicotomia “jurisdição contenciosa” e “jurisdição voluntária” expressa no CPC/73 (artigo 1º), optando pelo título “DOS PROCEDI-MENTOS NÃO CONTENCIOSOS” (PARTE ESPECIAL, LIVRO II, TITULO III, CAPÍTULO X). Na CÂMARA DOS DEPUTADOS, depois de embates de correntes doutrinárias, até se chegar à versão final do novo Código, prevaleceu o teor de seu artigo 16 (aludindo apenas à jurisdição civil), verificando-se, a partir de então, uma verda-deira antinomia em face da definitiva opção do novo Código, uma vez promul-gado e em vigor, pelo título “DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS” (PARTE ESPECIAL, LIVRO I, TÍTULO III) e do subtítulo “DOS PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO VOLUN-TÁRIA” (PARTE ESPECIAL, LIVRO I, TÍTULO III, CAPÍTULO XV).

De qualquer sorte, seja no antigo ou no Código atual, é inegável que os pro-cedimentos especiais desafiam os vetustos conceitos de “jurisdição contenciosa” e “jurisdição voluntária”, pondo em relevo que a primeira é atividade jurisdicional eminentemente substitutiva. Quer dizer: havendo conflito qualificado por preten-são resistida, a sentença prolatada pelo estado-juiz se impõe, afastando a vontade das partes. Na jurisdição voluntária, a par da inexistência de conflito de interesse, senão mera divergência (e às vezes nem isso, senão mera imposição legal para a demanda em juízo), tem-se atividade jurisdicional meramente integrativa, de tal

9 - É a lei federal ordinária que rege o processo civil brasileiro, sendo aplicável subsidiariamente aos processos regulados por leis especiais. É a CF, em todo caso, a fonte do Direito Processual, nela estando previstos os princípios fundamentais que regem o processo civil, dentre os quais o da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV), da proibição de juízos de exceção (art. 5º, XXXVII), do juízo natural (art. 5º, LIII), do devido processo legal (art. 5º, LIV), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV), da proibição da prova obtida por meio ilícito (art. 5º, LVI), da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX) e da igualdade processual (art. 5º, caput).

10 - Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery – Código de Processo Civil Comentado, RT, 2ª edição, pág. 313.

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sorte que a sentença do estado-juiz tem por finalidade apenas garantir a eficácia e validade dos negócios jurídicos privados, em regra dos hipossuficientes.

4.3 procedimentos especiais e coisa julgada

Na jurisdição contenciosa, há coisa julgada material e formal. Na jurisdição voluntária, apenas coisa julgada formal, porque é possível, em nova demanda, a modificação daquilo que ficou estatuído na sentença. É certo que o Código vigente não reproduziu o teor do disposto no artigo 1.111 do CPC/73. De qual-quer forma, é possível, como sempre também o foi na jurisdição contenciosa, a revisão do estatuído da sentença, a despeito da coisa julgada formal, quando se cuide de relação jurídica continuativa, sempre que lhe sobrevém modificação no estado de fato ou de direito (artigo 471, I, CPC/73; artigo 505, I, NCPC). Isso sempre foi comum, por exemplo, nas relações jurídicas tributárias, em que o contribuinte, a salvo do pagamento de determinado tributo por força de deci-são judicial que o considerara inconstitucional, fica obrigado ao seu futuro pa-gamento em nome de lei impositiva com vigência e eficácia posteriores à coisa julgada, acarretando verdadeira modificação, no estado de direito, daquela re-lação jurídica11, até porque a eficácia da sentença declaratória somente perdura enquanto estiver em vigor a lei em que ela se fundamentou, interpretando-a12. Assim ocorre, também, nas relações de direito de família, quando, fixados ali-mentos por sentença transitada em julgado, ocorre diminuição ou aumento nos ganhos do alimentante ou na necessidade do alimentado; ou mesmo quanto à guarda de filhos, de menores sob tutela ou de interditos sob curatela, quando fato ulterior exija a substituição da pessoa encarregada da guarda, da tutela ou da curatela, ou o próprio levantamento da interdição, quando cessar a causa que a determinou (art. 756, NCPC). Essa modificação superveniente no estado de fato da relação jurídica primitiva, de nítido caráter continuativo, admite a revisão do que foi estatuído na sentença, visando adequá-la à realidade fática presente, embora exija, repita-se, nova decisão em nova demanda, para que nesta se forme nova coisa julgada formal.

11 - RTJ ns. 89/344, 117/516 e 117/1000 e RSTJ 60/367, apud CPC, Theotônio Negrão, 27ª edição, pág. 338, nota 6d ao art. 471;

12 - RSTJ 8/341, apud CPC, Theotônio Negrão, 27ª edição, pág. 338;

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4.4 procedimentos especiais e ações nominadas

É de domínio dos que lidam com o Direito que as ações de rito comum são inominadas. A propósito, historicamente, e até mesmo na vigência do Código de 1973, tais ações confundiam-se, no ambiente acientífico da prática forense, com o nomen juris de seus procedimentos: ação ordinária, ação sumária... etcetera.

Além do erro de nomenclatura (a ação não era ordinária ou sumária e, sim, seu rito), aludida prática nunca foi de boa técnica, porque, a rigor, as ações de rito comum devem receber títulos a partir de seus próprios objetos, ditados pela necessidade de cada caso concreto. Tome-se o exemplo de alguém que demande reparação por dano moral. Não há, no sistema processual, ação típi-ca para esta específica pretensão. Logo, salvo a hipótese de pedido de pouca monta, capaz de desafiar a competência dos Juizados Especiais, é intuitivo que tal ação deva submeter-se ao rito comum, merecendo o nomen juris dita-do por seu objeto: AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL. Por outro lado, se, por vício de vontade, alguém pretenda a desconstituição de um negócio jurídico, deverá ajuizar, pelo rito comum, AÇÃO ANULATÓRIA, podendo pro-por AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO, se escudar sua pretensão em inexecu-ção contratual... etcetera.

Mas é certo que, ao contrário das ações de rito comum, os procedimentos es-peciais, notadamente os de jurisdição contenciosa, corporificam, no nosso siste-ma processual, as verdadeiras ações nominadas, porque é a própria ordem jurídi-ca positiva (o CPC e as Leis Especiais) que dita, expressamente, o objeto de cada demanda e seu nomen juris.

Portanto, se alguém, descrevendo um conflito de interesse, comparece a juízo e deduz contra outrem uma pretensão resistida (de direito material), capaz de exigir acertamento entre os contendores, a análise da natureza jurídica da tutela de direito material deduzida em juízo revelará que o exercício desse direito de ação desafiará a jurisdição contenciosa do estado-juiz e, portanto, a utilização do processo de conhecimento, hoje processo sincrético.

A partir daí, há de se definir o tipo de procedimento próprio para a resolução da lide. Se a ação e seu objeto já estiverem disciplinados em lei, o procedimento certamente será o especial. Assim é que, se o devedor pretende satisfazer sua obrigação de pagar ou entregar coisa, ajuizará AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PA-

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GAMENTO, procedimento especial de jurisdição contenciosa regulado nos arti-gos 539 e seguintes do NCPC. Por outro lado, se alguém for ameaçado, turbado ou esbulhado em sua posse, desde que essa ameaça ou violação à posse resulte de força nova, de menos de ano e dia, ajuizará AÇÃO POSSESSÓRIA (Interdito Proibitório, Manutenção ou Reintegração de Posse), procedimentos especiais de jurisdição contenciosa regulados nos artigos 554 e seguintes do NCPC, sem prejuízo da possibilidade de ajuizamento de AÇÃO POSSESSÓRIA, de rito co-mum, para caso de violação de posse resultante de força velha, de mais de ano e dia (art. 558 e seu parágrafo único do NCPC). Por sua vez, se o proprietário (ti-tular do domínio) pretende obrigar o seu confinante a estremar os respectivos prédios, para fixar novos limites entre eles, ou aviventar os já apagados, promo-verá AÇÃO DE DEMARCAÇÃO, cabendo AÇÃO DE DIVISÃO ao condômino que pretenda obrigar os demais consortes a estremar os quinhões, procedimentos especiais de jurisdição contenciosa regulados nos artigos 569 e seguintes do NCPC, sem prejuízo da opção legal de efetuarem a demarcação e/ou a divisão extrajudicialmente, via escritura pública, desde que haja consenso entre partes capazes (art. 571, NCPC).

É também procedimento especial de jurisdição contenciosa o INVENTÁRIO E PARTILHA, cabível quando alguém falece deixando bens, havendo testamen-to ou interessado incapaz (artigo 610 usque 658 do NCPC), ou, ainda, em caso de divórcio ou dissolução de união estável sem consenso entre partes capazes (artigo 731, parágrafo único, do NCPC). É certo que, antes de abrir o inventário, se o falecido deixou testamento, caberá ao interessado ajuizar procedimento autônomo, de jurisdição voluntária, visando à ABERTURA E REGISTRO DE TES-TAMENTO, cerrado ou público, para fins de seu cumprimento (artigo 735 e se-guintes do NCPC), aplicando-se o mesmo procedimento ao codicilo e aos tes-tamentos marítimo, aeronáutico, militar e nuncupativo (§ 3º, art. 737, NCPC). É possível também o INVENTÁRIO E PARTILHA, sob o rito de ARROLAMENTO CO-MUM, quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a um mil (1.000) salários mínimos, ainda que haja interesse de incapaz (art. 664 e 665, NCPC). O rito será de ARROLAMENTO SUMÁRIO, este verdadeiro procedimento de jurisdi-ção voluntária, quando, qualquer que seja o valor dos bens do espólio, houver pedido de adjudicação formulado por herdeiro único, ou quando todos os her-deiros, maiores e capazes, resolverem pedir a homologação judicial, de plano, de partilha amigável (art. 659, NCPC), embora, neste caso, também tenham os interessados capazes a faculdade de fazer o inventário e a partilha, extrajudicial-mente, via escritura pública (§ 1º, art. 610, NCPC).

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Outro exemplo de procedimento especial de jurisdição contenciosa: se al-guém que, não sendo parte no processo, sofrer ameaça de constrição, ou for alvo de constrição judicial de bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá propor EMBARGOS DE TERCEIRO, para inibir a ameaça ou desfazer a constrição (artigo 674 e seguintes do NCPC). Por outro lado, será cabível AÇÃO MONITÓRIA, também procedimento espe-cial de jurisdição contenciosa, quando alguém demanda contra devedor capaz, inclusive a Fazenda Pública, com base em prova escrita sem eficácia de titulo executivo, afirmando ter direito de exigir-lhe pagamento de quantia em dinhei-ro; a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel; ou o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer (artigo 700, NCPC). De res-to, o caso será de AÇÃO DE INTERDIÇÃO (procedimento especial de jurisdição voluntária previsto nos artigos 747 e seguintes do NCPC) daquele que, revelan-do-se incapaz para reger sua pessoa e/ou administrar seus bens, estiver sujeito à curatela nos termos da Lei Civil.

Acima, apenas exemplificativamente, elencamos alguns procedimentos espe-ciais de jurisdição contenciosa e voluntária previstos do Código de Processo Civil, com seus respectivos objetos, para categorizar que tais procedimentos represen-tam as ações nominadas no nosso sistema processual.

4.5 procedimentos especiais no código e em leis especiais

Os procedimentos especiais estão regulados no Código de Processo Civil e em um ror de Leis Especiais (v. quadros adiante). A propósito, nenhuma co-dificação poderia abranger todos os procedimentos especiais, até porque são inúmeras as relações de direito material passíveis de lesão ou ameaça a direi-to e sujeitas à tutela jurisdicional do Estado. O mesmo ocorre com a própria codificação civil, que nunca dispensou a regulação de direitos substantivos também em leis especiais. A evolução dos tempos e a complexidade da vida moderna impõem a necessidade da edição, pelo Estado, de leis materiais e processuais capazes de garantir a tutela de direitos além do que é regulado nos Códigos.

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Seguem os quadros, conquanto aqui não se pretenda exauri-los, a saber:

Quadro I – procedimentos especiais de jurisdição contenciosa:

I) – Regulados no cpc: 1) ação de consignação em pagamento (artigos 539/549); 2) ação de exigir contas (artigos 550/553); 3) ações possessórias: manutenção/rein-tegração de posse/interdito proibitório (artigos 554/568); 4) – ação de divisão e de demarcação de terras particulares (artigos 569/598); 5) ação de dissolução parcial de sociedade (artigos 599/609); 6) inventário e partilha (artigos 610/658); 7) arrola-mento não sumário (artigos 664/667); 8) – embargos de terceiro (artigos 674/681); 9) Oposição (artigos 682/686); 10) habilitação (artigos 687/692); 11) – ações de fa-mília (artigos 693/699); 12) ação monitória (artigos 700/702); 13) ação de homolo-gação de penhor legal (artigos 703/706); 14) ação de regulação de avaria grossa (artigos 707/711); 15) ação de restauração de autos (artigos 712/718);

II) – Regulados em Leis Especiais: 1) mandado de segurança (Lei nº 12.016/2009); 2) ação popular (Lei nº 4.717/65); 3) ação civil pública (Lei nº 7.347/85); 4) ação de im-probidade administrativa (Lei nº 8.429/92); 5) ação discriminatória de terras devolutas da união (Lei nº 6.383/76; 6) ação de busca e apreensão de bens objetos de alienação fiduciária (DL nº 911/69); 7) ação de alimentos (Lei nº 5.478/68); 8) ação de desapro-priação por utilidade e necessidade públicas e interesse social (DL nº 3.365/51 e Lei nº 4.132/62); 9) ação de desapropriação, por interesse social, de imóveis rurais, para fins de reforma agrária (DL nº 554/69); 10) ação de falência (Lei nº 11.101/2005); 11) ação de recuperação judicial (Lei nº 11.101/2005); 12) ação de despejo de pré-dios urbanos (Lei nº 8.245/91); 12) Ação renovatória de locação de prédios ur-banos (Lei 8.245/91); 13) ação de despejo de prédios de propriedade da União (DL nº 9.760/46); 14) ação de adjudicação compulsória de imóveis urbanos (DL nº 58/37 e Lei nº 6.766/789); 15) ação de usucapião especial rural (Leis nº 6.969/81) e urbano (10.257/2001).

Quadro II – procedimentos especiais de jurisdição voluntária:

I) – Regulados no cpc: 1) emancipação; 2) sub-rogação; 3) alienação, arren-damento ou oneração de bens de crianças ou adolescentes, de órfãos e de in-terditos; 4) alienação, locação e administração da coisa comum; 5) alienação de quinhão em coisa comum; 6) extinção de usufruto, quando não decorrer da mor-te do usufrutuário, do termo da sua duração ou da consolidação; 7) extinção de

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fideicomisso, quando decorrer de renúncia ou quando ocorrer antes do advento que caracterizar a condição resolutória; 8) expedição de alvará judicial; 9) homo-logação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor (artigos 725, NCPC); 10) notificação judicial (artigo 726, NCPC); 11) interpelação judicial (artigo 727, NCPC); 12) alienação judicial de bens, nos casos expressos em lei ou depositados em juízo (artigo 730, NCPC); 13) separação e divórcio consensuais e extinção consensual de união estável (artigo 731/733); 14) alteração do regime de bens do casamento (artigo 734, NCPC); 15) abertura, registro, arquivamento e cumprimento de testamentos e codicilos (artigos 735/737, NCPC); 16) arreca-dação de herança jacente e declaração de sua vacância (artigos 738/743); 17) ar-recadação e curatela dos bens dos ausentes e sua sucessão provisória (artigos 744/745, NCPC); 18) depósito e alienação judicial das coisas vagas: coisas alheia perdidas (artigo 746, NCPC); 19) interdição e curatela de incapaz e levantamento da interdição (artigos 747/758, NCPC); 20) compromisso e remoção de tutor ou de curador (artigos 759/763, NCPC); 21) organização, fiscalização e extinção das fundações privadas (artigos 764/765, NCPC); 22) ratificação de protestos maríti-mos e processos testemunháveis formados a bordo (artigos 766/770, NCPC); 23) – arrolamento sumário (artigos 659/633, NCPC), embora, topologicamente, esteja em capítulo reservado a procedimentos de jurisdição contenciosa.

II) – Regulados em Leis Especiais: 1) alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento, para levantamento de valores devidos pelos emprega-dores aos empregados e os montantes das contas individuais do FGTS e PIS-PA-SEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares (artigo 1º, Lei nº 6.858/80); 2) alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento, para levan-tamento de tributos indevidamente recolhidos e não restituídos em vida aos res-pectivos contribuintes, desde que não administrados pela Receita Federal (artigo 2º, Lei nº 6.858/80 c.c. DL nº 2.292/86); 3) alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento, para levantamento de saldos bancários, de contas de poupança e de fundos de investimento (à exceção do fundo 157 – v. DL 2.292/86) de valor até quinhentas (500) OTN, desde que inexistam outros bens sujeitos a inventário (artigo 2º, Lei nº 6.858/80); 4) alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento, para levantamento de valores devidos e não recebi-dos em vida pelos segurados da previdência social (artigo 112, Lei nº 8.213/91; 5) pedidos de colocação de criança ou adolescente em família substituta: guarda e remoção desta, tutela e adoção (ECA); 6) suprimento de capacidade ou de con-sentimento para o casamento (ECA); 7) pedidos de justificação para suprimento, restauração e retificação de registro civil de nascimento, casamento e óbito (arti-

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gos 109 a 112 c.c. § 3º do art. 46, § 2º do artigo 52, parágrafo único do artigo 55, parágrafo único do artigo 58 e artigo 88 e seu parágrafo único, todos da LRP); 8) habilitação para o casamento (artigos 67 e seguintes, LRP); 9) justificação para registro de casamento em iminente risco de vida (artigos 76 e §§, LRP); 10) susci-tação de dúvida para o registro civil de pessoas naturais, registro civil de pessoas jurídicas, registro de títulos e documentos e registro de imóveis (artigo 296 c.c. artigos 198 a 204, parágrafo único do art. 115 e parágrafo único do art. 156, todos da LRP); 11) retificação de registro imobiliário, sem prejuízo a terceiro (artigos 212 e 213 e § 6º, LRP), salvo a retificação do artigo 216 da LRP, sujeita ao procedimento comum do CPC.

4.6 princípios e regras que distinguem os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa e voluntária

Assim como o caduco, no novo Código prevalecerão princípios e regras pro-cessuais capazes de estabelecer diferenças ontológicas entre os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa e os procedimentos especiais de jurisdição voluntária, a saber:

1 – cumulação de pedidos. Sabe-se que, como regra geral do procedimento comum, é lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vá-rios pedidos, ainda que entre eles não haja conexão, desde que preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos nos incisos I, II e III do § 1º do artigo 327 do NCPC (art. 292 do CPC/73), quais sejam: pedidos compatíveis entre si; competên-cia do mesmo juízo para conhecer deles; e que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento. No inciso III, sob destaque, reside a normatividade que nos interessa aqui. É dizer: a teor daquele comando normativo, nos procedimentos especiais (de jurisdição contenciosa ou voluntária), salvo expressa previsão legal, é vedada a cumulação de pedidos diversos daqueles já previstos em lei para cada tipo de procedimento especial13. Só são procedimentos especiais porque a lei já lhes definiu estritamente o objeto.

A título de exemplo, não é cabível, na ação consignatória de rito especial, seja no Código de 1973, seja no Código vigente, a cumulação de pedido con-signatório com a anulação do contrato ou de cláusula contratual, ou qualquer

13 - Como exemplo, a ação possessória de rito especial (de jurisdição contenciosa) admite expressa cumulação de pedidos, mas nos limites elencados em lei (art. 921, CPC).

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outra pretensão expressamente não cogitada na norma processual que esta-belece o estrito objeto da ação consignatória de rito especial: consignação de quantia ou coisa devida (art. 539, NCPC), técnica também aplicável a qualquer outra demanda também de rito especial. Na verdade, quando houver previ-são de ritos diferentes para os pedidos que se pretende cumular, somente é possível a cumulação se o autor empregar o rito comum, renunciando à espe-cialidade de um dos pedidos (§ 2º, artigo 327, NCPC; § 2º, art. 292, CPC/73)14, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as regras do procedimento comum (§ 2º, artigo 327, NCPC).

Portanto, quando, no capítulo do Código, ou na lei especial que disciplinar de-terminado procedimento especial de jurisdição contenciosa ou voluntária, não houver expressa previsão legal, a cumulação de pedidos estranhos àquele proce-dimento deve ser rejeitada de plano, recebendo-se a inicial apenas para o conhe-cimento dos pedidos inerentes àquele procedimento especial ajuizado, a menos, repita-se, que o autor resolva empregar o rito comum.

Não se descarte, contudo, a hipótese de cumulação subsidiária de mais de um pedido, a exemplo, na jurisdição voluntária, da interdição cumulada com pedido subsidiário de tutela do mesmo menor, para que o juiz o submeta ao ins-tituto da tutela, caso não seja possível sujeitá-lo à curatela (artigo 289, CPC/73; artigo 326, NCPC) 15. A propósito, a cumulação subsidiária, antigamente denomi-nada pela doutrina de cumulação eventual, é expressamente prevista no novo Código, aplicando-se a qualquer tipo de procedimento (artigo 326), consistindo na possibilidade de se formular mais de um pedido, em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior, se não acolher o anterior, daí porque o § 3º do art. 327 dispõe que “O inciso I do § 1º não se aplica às cumulações de pedidos de que trata o art. 326”.

2 – princípios Dispositivo e da congruência. Nos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, como sói acontecer no rito comum, ao juiz não cabe alterar ex officio o objeto e/ou a causa de pedir da demanda, em respeito aos

14 - CPC Comentado – Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, RT, 7ª edição, 2003, pág. 677, nota 2 ao § 2º do art. 292.

15 - Na cumulação sucessiva, a rejeição do primeiro pedido importa rejeição do segundo pedido sucessivamente formulado (ex: investigação cumulada com alimentos); na cumulação eventual, o acolhimento do primeiro prejudica o conhecimento do segundo, ou a rejeição do primeiro importa em conhecimento do segundo. Sobre o assunto v. A Técnica de Elaboração da Sentença Civil, Nelson Agnaldo Moraes dos Santos, Saraiva, 1996, pág. 177.

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princípios “dispositivo” 16 e da “congruência” 17 (artigos 141 e 492, NCPC; artigos 128 e 460, CPC/73).

O mesmo não se dá quanto aos procedimentos de jurisdição voluntária, nos quais o juiz é legalmente autorizado a adotar, em cada caso, a solução que re-putar mais conveniente ou oportuna (artigo 1.109, CPC/73, norma reproduzida no parágrafo único do artigo 723 do NCPC). Logo, se o autor pede para alienar um imóvel de agente incapaz, o juiz poderá deferir apenas seu arrendamento, ou vice-versa. Noutro exemplo de jurisdição voluntária, a tutela de um menor pode ser deferida, a despeito da falta de pedido expresso, ainda que o único pedido formulado pelo autor haja sido o da curatela, não havendo que se falar em julga-mento extra petita. E, se o autor pede sua nomeação para o exercício da curatela de incapaz, nada obsta que, na sentença, o juiz nomeie outro curador, conforme lhe pareça melhor consultar os interesses do curatelado. Arriscamo-nos a dizer que, na sentença, em casos que tais, o juiz suprirá a omissão dos próprios pedidos de interdição e curatela, bastando que o interessado, na petição inicial, especifi-que os fatos que demonstrem a incapacidade do interditando (artigo 749, NCPC; artigo 1.180, CPC/73), ainda que se limite a pedir, genericamente, a adoção das providências cabíveis, porque, repita-se, nos procedimentos de jurisdição volun-tária não há lugar para a ampla e irrestrita aplicação dos princípios “dispositivo” e da “congruência” 18. Isto ocorria no Código de 1973 e assim o será no novo Código.

3 – princípios da imutabilidade objetiva e subjetiva do processo. princípio da estabilização do processo. A nomenclatura “jurisdição contenciosa” sempre desafiou a atividade substitutiva do estado-juiz. Excluída a jurisdição voluntária, atividade estatal meramente integrativa, vigora em juízo o exercício da denomi-nada jurisdição substitutiva em qualquer procedimento contencioso, seja ele de rito comum ou especial.

Os princípios da imutabilidade objetiva e subjetiva do processo, previstos no artigo 264 do vetusto CPC/73, sempre se aplicaram a todas as demandas sujeitas à jurisdição contenciosa, estivessem elas submetidas ao procedimento comum (ordinário e sumário) ou aos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa.

16 – Como regra, pelo menos na jurisdição contenciosa, é o autor, na inicial, quem fixa os limites objetivos (objeto e causa de pedir) e subjetivos (agentes passivos) da lide. Cabe-lhe escolher o que quer e contra quem quer demandar.

17 – Na jurisdição contenciosa deve haver correlação entre pedido e sentença, sendo defeso ao juiz decidir citra, extra ou ultra petita.

18 – Os princípios “dispositivo” e da “congruência” não são de aplicação ampla na jurisdição voluntária (v. Nelson Nery Junior, CPC Comentado, RT, 7ª edição, pág. 1.216).

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No que pertine, especificamente, ao princípio da imutabilidade objetiva do processo, o novo Código, no mesmo modelo do CPC/73 (art. 264), continua facul-tando ao autor alterar o pedido ou a causa de pedir até a citação do réu, indepen-dentemente do consentimento deste. Também não inovou quando, entre a data da citação e o saneamento do processo, permitiu o aditamento ou a alteração do pedido, com o consentimento do réu, embora deixando implícito que esse con-sentimento pode ser tácito, ao exigir prévia manifestação deste (artigo 329, I e II, NCPC), cujo silêncio pode ser como tal considerado.

Relativamente à alteração subjetiva do processo, o CPC/73 simplesmente a vedava, uma vez consumada a citação do réu indicado na inicial, em respeito ao princípio da imutabilidade subjetiva do processo (artigo 264, CPC/73), de tal sorte que, reconhecida a ilegitimidade passiva e, sendo defeso ao autor, depois da citação, alterar o polo passivo na demanda, o processo era simplesmente extinto sem resolução do mérito (artigo 267, VI, CPC/73). No Código vigente, há uma inovação quanto ao ponto: ao autor é facultado, no prazo de réplica à contestação, substituir o réu que alegar sua ilegitimidade passiva (artigo 338, NCPC), sendo certo que a este caberá, sempre que tiver conhecimento, indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida, sob pena de arcar com as despe-sas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação (artigo 339, NCPC). Se o autor aceitar a indicação e optar por substi-tuí-lo, o réu será excluído do processo e reembolsado de despesas processuais e honorários advocatícios (parágrafo único, artigo 338, NCPC), citando-se o novo réu, contra quem o processo prosseguirá. É certo que o autor pode optar por incluir o indicado apenas como litisconsorte passivo (artigo 339, § 2º, NCPC). Mas se, na réplica, o autor insistir que o réu primitivo, depois de contestar essa qualidade, permaneça sozinho no polo passivo, caberá ao juiz, convencido da alegação de ilegitimidade passiva ad causam, proferir julgamento conforme o estado do processo, expedindo sentença de extinção do feito sem resolução do mérito, pondo fim à sua fase cognitiva (artigo 354 c.c. artigo 485, VI e § 1º do artigo 203, todos do NCPC); em caso contrário, a relação subjetiva do processo se estabilizará com as mesmas partes indicadas na inicial, prosseguindo-se o feito até a decisão de mérito da demanda, porque a sistemática processual, a teor do princípio da estabilização do processo, exige que, a partir de sua fase de saneamento, o processo já esteja perfeitamente ordenado, além de delimitadas todas as questões de fato e de direito (artigo 357, NCPC). Quer dizer: a partir da fase de saneamento, o processo se estabiliza pela imutabilidade do pedido, da causa de pedir e das partes.

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Aqui uma importante distinção: tais princípios não prevalecem nos procedi-mentos de jurisdição voluntária, que se regem por princípio próprio relativamen-te aos limites objetivos (objeto e causa de pedir) e subjetivos (partes) da deman-da. Não vinculado à legalidade estrita, o juiz pode adotar, em cada caso, a solução que reputar mais conveniente ou oportuna (parágrafo único do artigo 723 do NCPC; artigo 1.109, CPC/73). Quer dizer: na jurisdição voluntária, o juiz não fica adstrito ao cumprimento de normas processuais, podendo permitir, a qualquer tempo, a alteração das partes, do objeto e causa de pedir da demanda, o que, em última análise, significa dizer que poderá julgar citra, ultra ou extra petita, desde que assim o faça no intuito de aplicar a justiça do caso concreto, coisa que não possa fazê-lo, repita-se, quando processar e julgar demandas sujeitas à jurisdição contenciosa: procedimentos comum e especiais de jurisdição contenciosa.

4.7 criação e extinção de alguns procedimentos especiais pelo Novo código

O novo Código de Processo Civil (2015) aboliu uns e criou outros procedimen-tos especiais de jurisdição contenciosa e voluntária. Perdem a condição de pro-cedimentos especiais de jurisdição contenciosa: a ação de depósito; a ação de anulação e substituição de título ao portador; a ação de nunciação de obra nova; a ação de usucapião e a ação de busca e apreensão em caso de venda a crédito com reserva de domínio.

Justificável a exclusão da Ação de Usucapião como procedimento especial de ju-risdição contenciosa, porque seu rito já estava, praticamente, ordinarizado, desde a reforma do antigo Código pela Lei 8.951/94, que aboliu a fase de justificação prévia.

Por outro lado, talvez não tenha sido uma boa ideia abolir a Ação de Nunciação de Obra Nova como procedimento especial. Conquanto ação petitória, não tendo caráter possessório, guarda similitude procedimental com as ações possessórias de rito especial, inclusive quanto à possibilidade de justificação prévia, sem pre-juízo do embargo extrajudicial passível de ratificação em juízo.

As possessórias de força nova, sim, talvez devessem perder sua condição de procedimentos especiais, porque atualmente já é processualmente possível, nas ações possessórias de rito comum, quando se trate de violação de posse de mais de ano e dia, a concessão de tutela provisória, seja de urgência, seja de

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evidência, inclusive com realização de audiência de justificação prévia para a prova da posse e a data de sua violação (artigos 294, 300, 303 e 311, NCPC). Se é possível, numa ação possessória de rito comum, a concessão de tutela antecipa-da, porque a reserva de uma ação de rito especial para uma mesma possessória que, tão logo se decida pela concessão ou não do mandado liminar, seguirá o rito comum (artigo 566, NCPC)?

Ressalte-se que o novo Código cogita de novas ações como procedimentos es-peciais de jurisdição contenciosa, a saber: oposição; ações de família; ação inibitó-ria; ação de remoção de ilícito; ação de dissolução parcial de sociedade e ação de regulação de avaria grossa. As duas últimas já eram previstas no Código de 1939 e haviam sido mantidas pelo Código de 1973 (artigo 1.218). Contudo, não vemos justificativa plausível para a OPOSIÇÃO (verdadeira ação proposta pelo terceiro contra autor e réu da ação originária) transformar-se em procedimento especial de jurisdição contenciosa (artigos 682 e seguintes do NCPC), tanto que, distribuída por dependência, tramitará, uma vez admitida, conexa e simultaneamente à ação originária, sendo ambas julgadas pela mesma sentença, quando se sabe que a pretensão nela deduzida investe contra partes que já se digladiam pelo mesmo direito ou coisa objeto de ação de rito comum.

O mesmo diga-se em relação às denominadas AÇÕES DE FAMÍLIA (artigos 693 a 699, NCPC), inovação introduzida no Projeto do Código durante sua tramitação na CÂMARA DOS DEPUTADOS. Quanto ao ponto, a inovação peca até no nomen juris do capítulo. O correto seria AÇÕES DE ESTADO, porque envolvem o estado das pessoas. Nelas demandam-se o reconhecimento ou a negação de filiação ou de união conjugal, ou a dissolução do casamento ou de outro vínculo familiar entre as partes. A complexidade da prova da existência dessas relações jurídicas sempre exigiu do Poder Judiciário uma exaustiva fase probatória, impondo-se um proce-dimento com ampla cognição. Melhor o procedimento comum. Como o fato está consumado, porque já em vigor o novo Código e em uso aludido procedimento especial, há de se indagar: – por que não permitir que nele seja possível dedu-zir qualquer pretensão capaz de se incluir no conceito de AÇÕES DE ESTADO, a exemplo da negatória de paternidade ou maternidade, ou a reclamatória de esta-do, dentre outras questões de família? Por que a aparente restrição de seu objeto, se, como já se viu, este é um dos principais traços que determinam a criação, pelo legislador, de procedimentos especiais? Temos que a solução está em se reconhe-cer que o rol do art. 693 do NCPC é meramente exemplificativo. Também não se pode deixar de anotar que a criação desse procedimento especial, ao que tudo

201Procedimentos especiais no novo CPC

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leva a crer, mirou no atendimento dos reclamos da doutrina e da própria socieda-de, que há muito esperavam a implantação, no Poder Judiciário, notadamente na área do Direito de Família, de técnicas de solução consensual das controvérsias, com o juiz dispondo do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento, para fins de mediação e conciliação (artigo 694, NCPC), tanto que a audiência para tais providências poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual do conflito (artigo 696, NCPC), só retomando o juiz togado a condução do processo, já agora sob o rito comum, uma vez não realizado qualquer acordo, quando só então se iniciará a contagem de prazo para o réu exibir contestação (artigo 697 c.c. 335, ambos do NCPC).

Quanto aos procedimentos de jurisdição voluntária, anotamos que o novo Código praticamente reproduziu o que, sobre o assunto, já dispunha o Código de 1973, embora não possamos deixar de observar que, relativamente a alguns procedimentos topologicamente dispostos, por equívoco, no Código caduco, a nova codificação colocou as coisas nos seus devidos lugares. Falamos das notifica-ções e interpelações, que constavam no Livro III (PROCESSO CAUTELAR) do antigo Código, quando, em verdade, nunca tiveram natureza cautelar. No Código novo, tais procedimentos migram para a PARTE ESPECIAL, LIVRO I, TÍTULO III, CAPITULO XV, que cuida dos PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. A propósito, o professor Galeno Lacerda, o maior responsável pela redação do LIVRO III do CPC/1973, distinguia as cautelares jurisdicionais das cautelares voluntárias, asse-gurando que apenas as primeiras exigiam, quando preparatórias, o ajuizamento de ação principal, não prevalecendo tal exigência para as segundas, porque estas, a rigor, não tinham natureza cautelar, a exemplo da produção antecipação de pro-va, de efeito puramente conservativo, não antecipatório; da justificação judicial, cuja finalidade é a mera documentação, sem conteúdo assecuratório; e os pro-testos, notificações e interpelações, porque têm por objeto a mera conversação e ressalva de direitos. O juízo competente para tais demandas não se torna preven-to para uma opcional e futura ação, porque não há relação de acessoriedade entre tais demandas e o processo principal.

De resto, se o Código de 1973 estabeleceu, como procedimento de jurisdição voluntária, a separação consensual (artigo 1.120), o novo Código, duvidando da extinção do instituto da separação judicial pela EC 66, limitou-se a ampliar o pro-cedimento especial, alcançando também o divórcio e a extinção da união estável, quando consensuais, além da alteração do regime de bens do casamento (artigos 731 e seguintes do NCPC), dispensando, salvo no último caso, homologação judi-

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cial, bastando que as partes optem por dissolver seus vínculos mediante escritura pública, desde que não haja nascituro ou filhos menores (artigo 733, NCPC).

A propósito, como o Código Civil de 2002 permitiu, mediante autorização judi-cial, a alteração consensual do regime de bens depois do casamento (§ 2º, artigo 1.639), o novo Código de Processo Civil cria um procedimento especial de juris-dição voluntária próprio para solucionar esse tipo de questão familiar, apurando-se, ali, a procedência das razões invocadas, ressalvados os direitos de terceiros, demonstrando mais uma vez que é a exigência legal, e não apenas a divergência qualificada por pretensão resistida, que determina o interesse processual para se demandar em juízo uma pretensão sujeita à jurisdição voluntária. É o interesse público que determina a obrigatoriedade da intermediação judicial, mesmo em casos, como esse, em que não há conflito nem divergência de interesse entre as partes. Ao contrário, a lei civil pressupõe consenso entre os cônjuges para a alte-ração do regime de bens depois do casamento.

Referência do artigo

MACHADO, Roberto. Procedimentos especiais no novo CPC. Revista da ESMApE, Recife, v. 20/21 – n. 42/43 – p. 183-202 – jul. a dez./2015 a jan. a jun./2016.

Esta revista foi composta com a fonte Myriad Pro, corpo 11/15. O papel utilizado para o miolo foi o off-set 75 g/m2 e para a capa supremo 250 g/m2.

Impressa no parque gráfico da CCS Gráfica e Editora.Outubro, 2016.