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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – ESPM/SP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E PRÁTICAS DE CONSUMO – PPGCOM Marcelo de Andrade COMUNICAÇÃO, CONSUMO E DIVERSÃO NOS VÍDEOS UNBOXING: a publicidade e a criança conectada São Paulo 2019

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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – ESPM/SP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E PRÁTICAS DE

CONSUMO – PPGCOM

Marcelo de Andrade

COMUNICAÇÃO, CONSUMO E DIVERSÃO NOS VÍDEOS UNBOXING:

a publicidade e a criança conectada

São Paulo

2019

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Marcelo de Andrade

COMUNICAÇÃO, CONSUMO E DIVERSÃO NOS VÍDEOS UNBOXING:

a publicidade e a criança conectada

Dissertação apresentada ao PPGCOM ESPM como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo.

Orientadora: Profa. Dra. Gisela G. S. Castro

São Paulo 2019

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Autorizo a reprodução total ou parcial da minha dissertação Comunicação, consumo e diversão nos vídeos unboxing: a publicidade e a criança conectada, para fins de estudo e

pesquisa, desde que seja sempre citada a fonte.

Andrade, Marcelo de Comunicação, consumo e diversão nos vídeos unboxing : a publicidade e acriança conectada / Marcelo de Andrade. - São Paulo, 2019. 137 f. : il., color.

Dissertação (mestrado) – Escola Superior de Propaganda e Marketing,Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, SãoPaulo, 2019.

Orientador: Gisela Grangeiro da Silva Castro

1. Comunicação e consumo. 2. criança conectada. 3. publicidade infantil. 4.YouTube. 5. unboxing. I. Castro, Gisela Grangeiro da Silva. II. Escola Superiorde Propaganda e Marketing. III. Título.

Ficha catalográfica elaborada pelo autor por meio do Sistema de Geração Automático da BibliotecaESPM

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – Brasil – Código de Financiamento 001

This study was funded by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – Brasil – Finance Code 001

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Marcelo de Andrade

COMUNICAÇÃO, CONSUMO E DIVERSÃO NOS VÍDEOS UNBOXING:

a publicidade e a criança conectada

Dissertação apresentada ao PPGCOM ESPM como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo.

São Paulo, ______ de ________________ de 2019

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________ Orientadora e Presidente: Profa. Dra. Gisela G. S. Castro

Escola Superior de Propaganda e Marketing

________________________________________________________

Avaliadora Externa: Profa. Dra. Renata Tomaz Universidade Federal Fluminense

________________________________________________________ Avaliadora Interna: Profa. Dra. Tânia Hoff

Escola Superior de Propaganda e Marketing

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à minha querida esposa Ana Paula e ao meu filho Eduardo por

estarem ao meu lado em todos os momentos. Pela paciência constante e apoio incondicional,

elementos que me deram força para concretizar mais esta etapa.

A todos os meus familiares, especialmente à minha mãe, que sempre me incentivou e

compreendeu a minha ausência nos momentos em que não pude estar presente.

Aos meus sogros Raimundo e Cleuza, que com gentileza e atenção me deram suporte

nos momentos em que eu precisava me ausentar.

À professora Dra. Gisela Castro, minha orientadora que com generosidade, empenho e

dedicação compartilhou seus conhecimentos e contribuiu para despertar em mim um

pesquisador mais crítico e inquieto.

À professora Dra. Renata Tomaz que gentilmente aceitou compor minha banca de

qualificação e defesa, contribuindo generosamente com sugestões que certamente enriqueceram

esta pesquisa.

À professora Dra. Tânia Hoff por ter aceitado prontamente compor a minha banca de

defesa e participar deste momento tão especial para mim.

Ao nosso grupo de pesquisa GRUSCCO por me apresentar novas perspectivas não

apenas em relação à pesquisa acadêmica, mas à vida.

A todos os professores do PPGCOM ESPM que me ofereceram ensinamentos que

certamente levarei por toda a minha trajetória. Profissionais talentosos que me apresentaram

uma nova maneira de olhar e compreender a Comunicação e o Consumo.

À turma M17 que me permitiu estar ao lado de pessoas incríveis, talentosas e especiais,

que assim como eu, provaram das angústias e dos encantos dessa caminhada de mestrando.

E por fim, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES

que financiou e permitiu que esta pesquisa fosse realizada em uma instituição de alto nível.

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A infância tem as suas maneiras próprias de ver, pensar e sentir.

Nada mais insensato que pretender substituí-las pelas nossas. Jean-Jacques Rousseau

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ANDRADE, Marcelo. Comunicação, consumo e diversão nos vídeos unboxing: a publicidade e a criança conectada. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São Paulo, 2019.

RESUMO

Tomando-se por base de que as crianças estão progressivamente inseridas em meio aos canais de comunicação digital, tanto consumindo quanto produzindo conteúdo, a presente pesquisa teve como objetivo problematizar um tipo específico de produção midiática que vem despertando crescente atenção e angariando um conjunto significativo de novos adeptos nos últimos anos: os chamados vídeos unboxing, cuja livre tradução seria “tirar da caixa”. Em canais voltados ao público infantil em plataformas online como o YouTube, crianças apresentam brinquedos sendo desembalados paulatinamente diante da câmera, demonstrando de modo divertido e descontraído os detalhes do produto e os modos considerados “corretos” e “desejáveis” de brincar. Para refletir sobre comunicação e consumo dos modos de ser criança promovidos nessas plataformas midiáticas, analisamos neste estudo os canais de duas youtubers mirins cujas produções englobam vídeos do tipo unboxing. Entendemos os vídeos unboxing como um formato que mescla de modo inquietante o brincar e o fazer publicidade, sendo os canais dos youtubers mirins um campo fértil para a propagação de marcas e produtos. Trabalhamos com a metodologia de análise crítica, a qual descreve e interpreta o que observa no campo empírico com base na fundamentação teórico-conceitual da pesquisa. Vale lembrar que a oferta de produtos diretamente do mercado ao público infantil tornou-se complexa principalmente devido a dois fatores: o primeiro diz respeito aos limites impostos pela regulamentação da publicidade dirigida à criança no Brasil. O segundo fator está relacionado ao fato da comunicação mercadológica adentrar no cotidiano da criança sem que muitas vezes a mesma necessariamente a perceba como tal. Neste cenário turva-se a fronteira entre diversão e publicidade dificultando a distinção e, portanto, a regulação da comunicação publicitária nos espaços digitais. Embora entendamos a criança conectada não como um ser indefeso, mas como sujeito ativo que se apropria com notável desenvoltura dos ambientes online para se comunicar, socializar e se divertir, nos parece preocupante a falta de regulamentação de práticas promocionais e afins nesses ambientes.

Palavras-chave: Comunicação e consumo; criança conectada; publicidade infantil; YouTube; unboxing.

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ANDRADE, Marcelo. Comunicação, consumo e diversão nos vídeos unboxing: a publicidade e a criança conectada. Dissertation (Masters in Communications and Consumption Practices) – Postgraduate Research Program in Communications and Consumption Practices, School of Advanced Studies in Advertising and Marketing/Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São Paulo, 2019.

ABSTRACT

Based on the fact that children are progressively inserted in the digital communication channels, both consuming and producing content, the present research aimed to problematize a specific type of media production that has been attracting increasing attention and raising a significant new adepts in recent years: the so-called unboxing videos, whose free translation would be "out of the box." In child-oriented channels on online platforms such as YouTube, children display toys being unpacked gradually in front of the camera, demonstrating fun and relaxed product details and modes that are considered "right" and "desirable" to play. To reflect on communication and consumption of the ways of being children promoted in these media platforms, we analyzed in this study the channels of two young youtubers whose productions include videos of the unboxing type. We understand unboxing videos as a format that unsettles play and advertising, and the channels of youtubers are a fertile ground for the propagation of brands and products. We work with the methodology of critical analysis, which describes and interprets what it observes in the empirical field based on the theoretical-conceptual basis of the research. It is worth remembering that the offer of products directly from the market to the children's public has become complex mainly due to two factors: the first concerns the limits imposed by the regulation of advertising directed at children in Brazil. The second factor is related to the fact that marketing communication enters the daily life of the child without many times necessarily perceiving it as such. In this scenario, the border between entertainment and publicity is blurring the distinction and, therefore, the regulation of advertising communication in the digital spaces. Although we understand the connected child not as a helpless being, but as an active subject who appropriates with remarkable ease of online environments to communicate, socialize and have fun, we find worrying the lack of regulation of promotional practices and related in these environments.

Keywords: Communication and consumption; child connected; children's advertising; YouTube; unboxing

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Lista de Figuras

Figura 1: As categorias mais visualizadas no YouTube ..........................................................20

Figura 2: Unboxing feito pela youtuber mirim Lulu ................................................................21

Figura 3: Coleção L.O.L Surprise da youtuber Luiza Sayuri ..................................................69

Figura 4: O pequeno Ryan. O youtuber mais bem pago de 2018 ............................................70

Figura 5: Propagandas infantis no passado ..............................................................................78

Figura 6: Unboxing realizado pela youtuber Luluca ................................................................79

Figura 7: Vídeo patrocinado Canal da Lulu ............................................................................80

Figura 8: Merchandising PDV .................................................................................................86

Figura 9: Merchandising Editorial no Programa Carrossel Encantado, 2012 .........................87

Figura 10: Unboxing no canal Juliana Baltar ...........................................................................90

Figura 11: Abrindo L.O.L Surprise escondida na areia da praia .............................................95

Figura 12: Comentários vídeo L.O.L Surprise escondida na areia da praia ............................97

Figura 13: Abrindo L.O.L Surprise escondida na areia da pracinha .......................................98

Figura 14: Comentários L.O.L Surprise escondida na areia da pracinha ..............................100

Figura 15: Expectativa de proximidade entre o fã e a youtuber ............................................101

Figura 16: Vídeo Patrocinado – Crunch Mania .....................................................................102

Figura 17: Comentários Vídeo Patrocinado – Crunch Mania ...............................................103

Figura 18: Luluca apresentando a youtuber Júlia Moraes .....................................................105

Figura 19: Luluca ao abrir a Big LOL ...................................................................................106

Figura 20: Comprando material escolar .................................................................................107

Figura 21: Luluca demonstrando produto ..............................................................................108

Figura 22: Unboxing acessórios Our Generation ..................................................................110

Figura 23: Detalhes dos acessórios Our Generation .............................................................111

Figura 24: Comentários vídeo Our Generation .....................................................................112

Figura 25: Criança utilizando a conta da mãe ........................................................................113

Figura 26: Manifestações socioeconômicas ..........................................................................114

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Lista de Tabelas

Tabela 1: Vídeos selecionados no Canal da Lulu ....................................................................28

Tabela 2: Vídeos selecionados no canal Crescendo com Luluca ............................................28

Tabela 3: Protocolo de análise pesquisa empírica ...................................................................29

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SUMÁRIO

Introdução ...............................................................................................................................13

Capítulo 1. Afinal, quem é a criança sobre a qual estamos tratando? .........................24

1.1. Pesquisando a criança conectada ................................................................................24

1.2. A criança e a mídia: uma relação de extremos ...........................................................29

1.3. A criança contemporânea: sujeito ativo e conectado .................................................37

1.4. Estilos de vida e modos de ser criança nas lógicas do consumo ................................45

Capítulo 2. Comunicação, consumo e entretenimento na cultura digital ....................52

2.1. Experiências sociais e interação em rede ...................................................................55

2.2. O YouTube como espaço de entretenimento .............................................................60

2.3. Os youtubers mirins e os vídeos unboxing .................................................................66

Capítulo 3. A Publicidade e as “Garotas Propaganda” no YouTube ..........................76

3.1. Disputas acerca da publicidade dirigida às crianças no Brasil ...................................77

3.2. Publicidade, entretenimento e youtubers mirins: uma ligação inquietante ................85

3.3. Garotas propaganda em ação nos vídeos unboxing: análise do material empírico ....93

3.3.1. O Canal da Lulu .....................................................................................................93

3.3.2.O canal Crescendo com Luluca ............................................................................105

Referências .............................................................................................................................124

Apêndice.................................................................................................................................130

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Introdução

Nos últimos anos, observa-se que a possibilidade de acesso a plataformas digitais vem

aumentando para um número crescente de brasileiros. Segundo dados da pesquisa TIC

Domicílios1 realizada anualmente pelo Cetic.br2 (Centro Regional de Estudos para o

Desenvolvimento da Sociedade da Informação), no ano de 2007, a proporção de domicílios

com acesso à rede era de apenas 17%. Dez anos depois, no ano de 2017, esse número saltou

para 61% (CGI.BR, 2018a). Um aumento exponencial que possibilitou, entre outras coisas,

novas formas de interação, comunicação e sociabilidade entre um contingente crescente de

pessoas por meio da internet.

Apesar de considerável crescimento, precisamos tomar cuidado para não incorrer no

erro de considerar que apenas o acesso fornecido às redes já é o bastante. Gisela Castro (2012)

nos alerta que é preciso ter uma ideia menos simplista sobre a inclusão digital, uma vez que não

basta somente ter acesso ao computador e à internet para se servir das possibilidades oferecidas

pelas tecnologias. Concomitantemente com o acesso, defende a autora, faz-se necessário

investir na educação para o uso das plataformas digitais, de modo a propiciar aos usuários

conhecimentos mínimos para reconhecer as oportunidades bem como os riscos espalhados pela

rede. Do mesmo modo, cabe ressaltar que ainda há um número expressivo de pessoas cuja

oportunidade de navegar pelas tramas da internet é bastante limitada, tanto no Brasil quanto no

mundo. Não se pretende, portanto, nesta pesquisa, desconsiderar estes fatores no conjunto das

desigualdades sociais e econômicas que desafiam o Brasil atual.

Tomando por base o aumento no número de brasileiros que fazem uso das redes digitais,

nos chama atenção a significativa parcela de crianças que se apropriam desses espaços. Dados

da pesquisa TIC Kids Online3 - realizada também pelo Cetic.br – apontam que no ano de 2017

cerca de 85% das crianças e adolescentes com idade entre 9 e 17 anos acessavam a internet com

certa frequência. Esse percentual corresponde a 24,7 milhões de indivíduos conectados nessa

faixa etária (CGI.BR, 2018b). Número superior ao apresentado pela mesma pesquisa em 2016,

1 Os dados da pesquisa TIC Domicílios poderão ser acessados em: http://cetic.br/pesquisa/domicilios/ . Acesso em fev/2019. 2 O Cetic.br tem por objetivo monitorar a adoção das tecnologias de informação e comunicação (TIC), em particular, o acesso e uso de computador, internet e dispositivos móveis. Foi criado em 2005 e é um departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.br), uma entidade civil, sem fins lucrativos, que implementa decisões e projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil. 3 Os dados da pesquisa estão disponíveis em: http://www.cetic.br/pesquisa/kids-online/indicadores. Acesso em: fev/2019.

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na qual o percentual era da ordem de 82%. Refinando os dados da pesquisa com a intenção de

contemplar a menor idade referenciada pelo estudo - crianças entre 9 e 10 anos - o número de

usuários nessa faixa etária atingiu, em 2017, a marca de 74%. Percentual superior ao verificado

em 2016, que na ocasião era da ordem de 68%. De modo sintético é possível dizer que a partir

de 2017 entre 10 crianças brasileiras, 7 já possuiriam acesso à rede.

Em meio a um ambiente no qual a presença de produções audiovisuais é marcante, o

número de crianças consumindo vídeos na rede também apresentou um crescimento

considerável nos últimos anos. O percentual de crianças e adolescentes que assistem a vídeos,

programas, filmes e séries em plataformas digitais passou de 58% em 2016 para 77% em 2017

(CGI.BR, 2018b). Indicativos que nos revelam a disponibilidade das crianças em consumir

produtos audiovisuais nesse ambiente, visto que houve um acréscimo de quase 20% no número

de usuários realizando esse tipo de atividade em apenas um ano.

Seguindo uma curva ascendente que caminha na mesma direção, a disponibilidade de

conteúdo voltado ao público infantil também vem aumentando e já representa uma parcela

importante das produções disponíveis no YouTube. Estudo realizado pelo ESPM MediaLab4

no qual o intuito era observar quais tipos de conteúdo crianças com idade entre 0 e 12 anos

consumiam no YouTube Brasil, apontou que nos últimos anos houve maior oferta de produções

destinadas para as crianças nesta plataforma. Luciana Corrêa (2015b) identificou que entre os

100 canais de maior audiência no YouTube em 2015, 36 deles continham algum tipo de

conteúdo direcionado ao público infantil. No ano seguinte, ao atualizar a pesquisa, Corrêa

(2016) apontou que entre os 100 canais de maior audiência, o número de canais direcionados

ao público infantil havia saltado para 48. Ou seja, entre os canais com maior número de

seguidores na divisão brasileira do site, praticamente a metade deles possuem, em alguma

medida, conteúdo destinado ao público infantil. Um dado bastante curioso, especialmente

levando em consideração que o YouTube declara em suas políticas de uso a informação de que

para se ter uma conta na plataforma é preciso ter, ao menos, 18 anos de idade.

Ancorados nos números divulgados em ambas as pesquisas sobre as quais discorremos

acima, observa-se que tanto a participação da criança no ambiente digital quanto a oferta de

entretenimento para esse público vêm registrando um aumento progressivo nos últimos anos.

Ambos os fatores colaboram para a concretização do que nos parece se configurar como uma

4 Estudo realizado pela pesquisadora Luciana Corrêa.

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estratégia publicitária bastante intrigante na atual conjuntura: a inserção de marcas e produtos

infantis nas produções midiáticas direcionadas às crianças conectadas aos ambientes online.

Lançando mão de ações que frequentemente são pautadas pelas dinâmicas do

entretenimento, diferentes corporações de produtos infantis parecem vislumbrar nesse universo

digital um indispensável canal para dialogar, entreter e, ao mesmo tempo, cativar o público

infantil. De acordo com David Buckingham (2012, p. 211-212) o interesse das empresas em

idealizar a criança como um público consumidor caminha na mesma direção do já observado

com os adolescentes no pós-guerra. Para o autor, “assim como os adolescentes foram

aparentemente descobertos como um grupo consumidor durante a expansão econômica no pós-

guerra, agora as crianças é que se tornaram um dos alvos mais procurados pelo marketing

segmentado”.

Nessa perspectiva, a criança desempenharia um papel fundamental para o marketing,

não apenas como um público relevante por si só, mas também como forma de motivar o

consumo familiar. Alguns canais de TV a cabo, os quais são majoritariamente dedicados a

transmitir conteúdo ao público infantil, apresentam nos intervalos comerciais diferentes tipos

de anúncios que estariam mais relacionados com o universo adulto do que propriamente com o

infantil. O canal Nickelodeon5 por exemplo, já veiculou comerciais de automóveis ao longo da

sua programação. Fato que nos leva a questionar. Se não fosse a possível influência das crianças

no consumo familiar, o que levaria uma marca de automóvel a veicular um anúncio em um

ambiente em que seu público alvo não estaria presente?

A percepção da criança enquanto público consumidor fomenta e dá força a um outro

tipo de negócio cuja finalidade é observar de modo próximo o consumo infantil, visando a

segmentação fina desse público consumidor. Esse modelo de negócio é a pesquisa de mercado,

que agora não se limitaria em conhecer as preferências e gostos dos adultos, mas também

buscaria compreender, de modo direto, as perspectivas das crianças (BUCKINGHAN, 2012).

Valendo-se, em muitos casos, de métodos etnográficos para examinar com riqueza de detalhes

o cotidiano infantil, pesquisadores acompanham os rituais diários das crianças no intuito de

gerar informação e conhecer, de modo minucioso, o seu universo. Assim, estão gerando dados

que poderiam ser utilizados comercialmente, como caso de uma embalagem de shampoo que

5 Canal de TV a cabo que apresenta programas, séries e eventos relacionados ao universo da criança e adolescente. Disponível em: http://mundonick.uol.com.br/. Acesso em: fev/2019.

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foi transformada em brinquedo após pesquisadores perceberem que algumas crianças poderiam

brincar com os frascos enquanto se banhavam (SCHOR, 2009).

Diante da importância da criança para o mercado produtor, da presença infantil nos

espaços digitais, bem como da maior disponibilidade de vídeos online voltados para esse

público, podemos considerar que a plataforma do YouTube se revela um espaço valioso para

as marcas interagirem com as crianças. Vale lembrar que o YouTube também trouxe um outro

aspecto significativo para a discussão proposta por esta pesquisa: a possibilidade de visibilidade

para aqueles que, até então, figuravam no anonimato – as crianças como receptoras e também

como produtoras de conteúdo.

Para os já clássicos autores Jean Burgess e Joshua Green (2009), cujo trabalho busca

discutir o emergir do YouTube como espaço que, de certo modo, reestruturou a mídia e a

sociedade, a plataforma apresenta uma relação complexa entre consumidores e produtores na

criação de significado e valor. Segundo os autores, ao participarem ativamente da produção dos

conteúdos que circulam pelo site, os consumidores contribuem para a formação de novos

valores, sejam eles culturais, sociais ou econômicos. Não por acaso, as produções midiáticas na

contemporaneidade não mais se limitam apenas aos grandes conglomerados de TV, rádio,

revistas, jornais etc. Em paralelo com as grandes corporações, os próprios usuários da rede, até

mesmo certas crianças, passaram a produzir conteúdos e distribuí-los por meio de sites de redes

sociais.

É nesse ecossistema no qual usuários compartilham seus próprios conteúdos e onde a

presença da criança é crescentemente observada que as empresas buscariam utilizar estratégias

comunicacionais no intuito de captar a atenção e despertar a curiosidade do publico infantil.

Parece-nos que fabricantes e agências publicitárias estariam lançando mão de estratégias

altamente refinadas que, em muitos casos, tornariam imperceptíveis as fronteiras que separam

a mensagem comercial do próprio conteúdo.

Diferentemente do observado majoritariamente no modelo dito “tradicional”, nesse tipo

de formato não há necessariamente a interrupção do fluxo comunicacional para a veiculação da

publicidade. Nesta pesquisa tratamos por modelo tradicional a ação publicitária em que é

inevitável a interrupção da programação para a veiculação da mensagem comercial. Um

exemplo habitual desse tipo de formato pode ser percebido nos comerciais veiculados na TV,

nos spots de rádio, até mesmo nos anúncios que antecedem o início de um determinado vídeo

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no YouTube, em que a programação é interrompida cedendo espaço para a veiculação da

mensagem publicitária em questão.

Nesse formato tradicional, a fronteira que separa a ação publicitária e o conteúdo de

entretenimento torna-se evidente e facilmente perceptível pelo espectador, diferentemente do

observado nesse tipo de comunicação que se estabelece com o público infantil nos ambientes

online. Em muitos casos, a distinção entre a mensagem comercial e o conteúdo do programa de

entretenimento se torna imperceptível, dificultando a compreensão para qualquer pessoa,

independentemente da sua idade, localidade ou geração. A assimilação da publicidade enquanto

tal torna-se dificultosa uma vez que publicidade e entretenimento estão entrelaçados sem haver

nitidamente a sua distinção e separação.

Com o objetivo de dialogar com a criança no ambiente divertido e informal das

produções audiovisuais online voltadas para o público infantil, fabricantes e agências estariam

fazendo uso de estratégias publicitárias pautadas nas lógicas do entretenimento de modo a

inserir suas marcas e produtos nesse ambiente de maneira aparentemente natural e espontânea.

Assistimos com certa inquietação o surgimento de novas técnicas persuasivas capazes de atrair

a atenção da criança.

Para Gisela Castro (2012), as ações publicitárias na indústria cultural foram se

sofisticando, tendo como base o entrelaçamento das lógicas do consumo e as dinâmicas do

entretenimento. Segundo a autora,

Dentre outros fatores, a proliferação de canais e a concorrência da internet contribuíram para desestabilizar o modelo tradicional invasivo – que, no entanto, não desapareceu – tornando necessário também investir na sedução do consumidor por outros meios, como no caso da inserção de conteúdo mercadológico no próprio roteiro dos produtos culturais. A consolidação da mass media entertainment industry e as possibilidades abertas pela apropriação mercadológica das redes sociais digitais contribuem para desestabilizar as já tênues fronteiras entre negócios e conteúdo cultural (CASTRO, 2012, p. 136-137).

O que se torna curioso nesse cenário comunicacional em que a promoção de produtos e

a produção de entretenimento são indissociáveis é o seu aspecto aparentemente despretensioso.

Neste caso, a publicidade não coloca de modo claro as suas propostas persuasivas, mas se

manifesta como algo que está ali quase que espontaneamente ou por mero acaso. Conforme

analisa David Buckingham, “essas técnicas são em geral ‘enganadoras’ ou furtivas no sentido

de que suas intenções persuasivas não se mostram, como por exemplo, através de mensagens

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comerciais embutidas em outros conteúdos, e não são claramente identificáveis”

(BUCKINGHAM, 2012, p. 55-56, grifo no original).

É evidente que tais práticas suscitam questões éticas, pois as regulamentações vigentes

que comumente se aplicam à publicidade veiculada na TV aberta, ainda estão longe de terem o

mesmo efeito nas redes de comunicação online. No Brasil, por exemplo, há certas diretrizes

que restringem a oferta de publicidade dirigida ao público infantil, o que não quer dizer

necessariamente que tais diretrizes sejam colocadas em prática de maneira efetiva, sendo os

novíssimos ambientes em rede particularmente vulneráveis a ações que provavelmente seriam

coibidas em meios mais tradicionais.

O CONANDA (Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente), órgão que

integra a estrutura básica da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por

exemplo, publicou em 2014, a resolução 163/20146 a qual dispõe sobre a abusividade e o

direcionamento de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. Por intermédio

dessa resolução, ficaria restrita no Brasil a veiculação de qualquer tipo de material comercial

cujo foco seja ofertar produtos ao público infantil. Organizações não governamentais (ONGs)

como o Instituto Alana7 e o MILC8 (Movimento Infância Livre de Consumismo) por exemplo,

vêm se dedicando a levantar discussões acerca da publicidade dirigida à criança no Brasil,

trazendo à luz temas que contribuem para questionar as táticas publicitárias que direcionam

seus esforços para atrair a atenção da criança. Porém, mesmo tendo reconhecida relevância para

a discussão, há em ambas as organizações citadas uma compreensão da criança como um sujeito

incapaz e demasiadamente vulnerável, uma perspectiva da qual preferimos nos distanciar como

será demonstrado mais adiante neste trabalho.

Após a publicação da resolução do CONANDA em 2014, alguns efeitos foram sentidos,

sobretudo na TV aberta, ambiente midiático no qual se observa, de modo mais perceptível a

progressiva ausência da publicidade destinada à criança. Entretanto, não somente houve uma

redução drástica da publicidade dirigida à criança nesse espaço midiático, como também

diminuíram consideravelmente as ofertas de entretenimento voltado para o público infantil na

TV aberta. Uma das principais emissoras de TV no Brasil, a Rede Globo, retirou praticamente

6 A resolução está disponível em: http://dh.sdh.gov.br/download/resolucoes-conanda/res-163.pdf. Acesso em: fev/2019. 7 https://alana.org.br/. Acesso em: fev/2019. 8 http://milc.net.br/. Acesso em: fev/2019.

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todos os programas infantis da sua grade, não dispondo de nenhum conteúdo específico para

essa parcela da sociedade no momento atual.

Os motivos que levaram ao declínio na oferta de programas infantis, de certo modo,

podem estar intimamente ligados às diretrizes impostas para a veiculação da publicidade

dirigida à criança. Como é sabido, um dos principais pilares que sustentam a programação

gratuita da TV aberta é a publicidade, a qual oferece suporte financeiro para custear a

elaboração e a transmissão das grandes produções. Se não há publicidade, não há investimentos

para a programação destinada à criança. Sem a publicidade de produtos infantis para oferecer

suporte, não há como as produções se sustentarem financeiramente e, por consequência, deixam

de existir. A ausência da programação infantil na TV aberta pode ser apontada como uma das

razões que levaram centenas de milhares de espectadores infantis a buscarem conteúdos de

entretenimento em outros canais midiáticos. Em muitos casos, migrando da TV aberta para o

YouTube, o qual passou a operar como uma alternativa possível para a criança contemporânea,

a qual por sua desenvoltura e ligação com os ambientes online é aqui chamada de criança

conectada.

Vale destacar que, mesmo observando a diminuição da publicidade abertamente

destinada à criança, não se pretende, neste trabalho, afirmar que a publicidade infantil teria

desaparecido. Muito pelo contrário, procuramos demonstrar que outros espaços, outras táticas

e talvez outros formatos de conteúdo passaram a ser utilizados no tocante à promoção de

produtos destinados a este público. Um desses novos formatos que nos parecem particularmente

significativos nesse sentido são os vídeos do tipo unboxing compartilhados no YouTube por

um número crescente de produtores mirins. Termo em inglês cuja livre tradução seria “tirar da

caixa”, os vídeos unboxing apresentam produtos sendo desembalados paulatinamente diante da

câmera, demonstrando com riqueza de detalhes cada item que compõe a produção.

O unboxing tornou-se popular em meados de 2006, inicialmente para demonstrar

dispositivos tecnológicos recém-chegados ao mercado, como novos modelos de celulares e

computadores por exemplo. Atualmente produções dessa natureza apresentam uma ampla

variedade de produtos, incluindo brinquedos e utensílios pertencentes ao universo infantil e,

por isso, vêm angariando um número expressivo de espectadores mirins.

Para que possamos ter a dimensão em relação ao interesse das crianças pelas produções

unboxing, o estudo realizado pelo ESPM MediaLab ao qual nos referimos anteriormente nos

parece um importante ponto de partida. Visando acompanhar o crescimento dos canais com

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temáticas relacionadas ao público infantil no YouTube, o estudo definiu para isso 7 categorias,

dentre elas: 1) Minecraft (game que permite a construção de um mundo virtual usando blocos

de montar); 2) TV (programas infantis que são transmitidos na TV e também disponibilizados

no YouTube); 3) Não exibidos na TV (produções que são exibidas apenas no ambiente digital);

4) Unboxing (vídeos apresentando o desembalar de produtos); 5) Youtuber Teen (adolescentes

que produzem conteúdo); 6) Youtuber Mirim (crianças produzindo conteúdo) e por fim, 7)

Educativo (que apresentam experiências e curiosidade sobre o mundo).

Como conclusão de tal estudo, observou-se que entre as categorias analisadas a que

obteve maior crescimento no número de visualização foi a relacionada aos vídeos unboxing

que, só em 2016, alcançou um aumento significativo de 975% se comparado com o ano anterior,

conforme demonstrado na Figura 1.

Figura 1: As categorias mais visualizadas no YouTube

Fonte: ESPM MediaLab 20169

Vale destacar que as produções unboxing não apenas atraem um número crescente de

espectadores, mas também de produtores infantis, os chamados youtubers mirins. Neste caso,

9 Disponível em: http://www2.espm.br/sites/default/files/pagina/media-lab_luciana_correa_2016.pdf. Acesso em: fev/2019.

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entende-se por youtuber mirim a criança10 que produz e compartilha seus vídeos por meio da

plataforma do YouTube. Assim como a categoria unboxing, o estudo do ESPM MediaLab

identificou que a categoria youtuber mirim também vem abarcando números igualmente

significativos de visualizações, e é apontada como a segunda categoria com maior crescimento

em 2016.

À primeira vista, nos canais dos youtubers mirins tudo é feito por crianças e direcionado

para crianças. Porém, é sabido que grande parte dessas figuras infantis contam com o suporte e

apoio de seus pais ou até mesmo de profissionais qualificados para a produção e edição dos

vídeos que protagonizam e que são publicados online. Muitos tornam-se sujeitos altamente

conhecidos na rede, passando a angariar um público que, em alguns casos, ultrapassa a marca

de milhões de fiéis espectadores.

Figura 2: Unboxing feito pela youtuber mirim Lulu

Fonte: Canal da Lulu11 (imagem de tela feita pelo autor)

Neste contexto de forte congregação de fiéis seguidores, os youtubers mirins seriam

agentes formadores de opinião, principalmente em uma “dimensão de ser e estar interagindo

com o mundo” (PERES; TRINDADE, 2017, p. 2). Assim, tais figuras infantis passariam a ser

considerados “influenciadores”, tendo em vista o expressivo contingente de seguidores, bem

como a ampla capacidade de disseminação de conteúdo que dispõem. Por consequência, em

10 De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se criança a pessoa até doze anos de idade incompletos. Informação disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em: fev/2019. 11 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xDC37i1qJWY. Acesso em: fev/2019.

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muitos casos, seriam personalidades altamente disputadas pelas empresas, que encontram em

tais figuras a chance para endossar seus produtos perante ao público infantil. Vale salientar que

tal aproximação não é uma prática nova ou inédita por parte de empresas. De modo bastante

similar com os apresentadores infantis na televisão dos anos de 1980, Xou da Xuxa12 e o TV

Fofão13 por exemplo, os quais eram tidos pelas empresas “como estrelas que emprestavam sua

imagem para produtos e marcas” (LEÃO; PRESSLER, 2017, p. 6), na contemporaneidade, são

os youtubers mirins que estão ocupando esse posto de “autoridade”.

Assim, levando em consideração que grande parte do público infantil tem essas

“personalidades da internet” como os seus principais ídolos, fabricantes de produtos infantis ao

perceberem tal potencial de influência estariam direcionando seus esforços no intuito de

vincular produtos, marcas, como também estilos de vida à imagem de tais figuras que chegam

a envolver verdadeiras multidões de seguidores em suas redes digitais.

A inquietação que surge diante do pressuposto de que a publicidade estaria lançando

mão das produções do tipo unboxing, bem como do endosso das youtubers mirins para

promover produtos, marcas, modos de ser e estilos de vida é reforçada pelo fato de que a própria

categoria unboxing se constitui, por si só, como um produto midiático com forte apelo

comercial. Conforme nos explica Silvio Sato (2016), autor que vem estudando a presença dos

aparatos digitais no cotidiano da sociedade,

estes vídeos per si tornaram-se conteúdos de informação e entretenimento para serem consumidos nas redes sociais, com grande apelo comercial. Os produtores mais bem-sucedidos obtêm faturamento significativo com as inserções comerciais que aproveitam a enorme audiência de seus conteúdos (SATO, 2016, p. 12).

Em razão do grande potencial comercial presente nos vídeos dessa natureza, somado à

ampla capacidade de divulgação pertencentes aos youtubers mirins, propomos, nesta pesquisa,

que as empresas de produtos infantis estariam vislumbrando em tal formato uma oportunidade

fértil para cativar, entreter e divertir a criança, ao mesmo tempo em que se demonstram modos

de ser criança e estilos de vida compatíveis com a oferta bens de consumo. Forja-se, desse

modo, uma espécie de “brecha” publicitária no universo infantil online, constituindo-se uma

oportunidade para dialogar com a criança conectada – mesmo diante das regulamentações que

normatizam a publicidade endereçada ao público infantil no Brasil. Pois no caso dos vídeos

12 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NLYTQYguKZM. Acesso em: fev/2019. 13 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OBIyYOhiV-0. Acesso em: fev/2019.

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unboxing a fronteira que distingue conteúdo e publicidade, em muitos casos, deixa de existir,

dificultando sua identificação e, por consequência, sua regulação.

Nos parece que esse tipo de tática publicitária estaria sendo utilizada como um modo

reestruturado de o mercado infantil colocar novamente em circulação seus bens de consumo.

Como nos lembra João Carrascoza (2016, p. 66) “a publicidade assim se capitaliza em todo e

qualquer suporte que lhe possa servir como veículo de sua mensagem”. Neste caso, entendemos

que o formato unboxing atuaria como um suporte capaz de levar a mensagem publicitária

diretamente ao cotidiano infantil. Um formato conveniente, cuja potência torna-se ainda maior

à medida que é endossado por figuras infantis altamente conhecidas nesse universo digital.

Conforme procuramos argumentar, a ação comercial orientada à criança não deixou de

existir após a publicação de diretrizes que restringem, de certa forma, a veiculação da

publicidade infantil, mas teria migrado para outros ambientes e formatos. Banida do intervalo

comercial das emissoras de TV, adentrou ao próprio conteúdo voltado ao seu público de

interesse. Se imbricando de tal maneira ao enredo das produções que qualquer pessoa

encontraria sérias dificuldades para delimitar a fronteira que separa publicidade e brincadeira,

consumo e diversão. Entendemos que na atual conjuntura, os vídeos unboxing constituiriam um

modo transfigurado de cativar a atenção da criança conectada. Trata-se de um formato no qual

a distinção entre o permitido e o proibido se oblitera do mesmo modo como se torna tênue a

fronteira entre o entretenimento e a publicidade. Trata-se, ainda, de um formato que nos permite

observar e tecer considerações sobre a criança como protagonista tanto em termos de produção

de conteúdo (notadamente no caso de canais estrelados por youtubers mirins) quanto em termos

de recepção (dado os impressionantes índices de audiência desses canais).

Esta pesquisa se debruça, portanto, sobre a inquietante temática do entrelaçamento entre

publicidade e entretenimento nos vídeos unboxing no intuito de trazer elementos que nos

ajudem a elucidar a seguinte questão-problema: diante das restrições que normatizam a prática

publicitária dirigida à criança no Brasil atual, de que modo a publicidade contemporânea se vale

das dinâmicas do entretenimento nos ambientes digitais a fim de demonstrar modos de ser e

ofertar bens de consumo para a criança conectada?

Iniciaremos esta reflexão apresentando o percurso metodológico traçado de modo a

cumprir os objetivos da pesquisa. Em seguida, discorreremos sobre os discursos que

frequentemente dividem opiniões de pesquisadores quando interpelados acerca do convívio das

crianças com as chamadas novas tecnologias.

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Capítulo 1. Afinal, quem é a criança sobre a qual estamos tratando?

1.1. Pesquisando a criança conectada

Esta pesquisa se baseia em três eixos principais: o primeiro deles diz respeito à crescente

participação da criança na rede, tanto como espectadora quanto como produtora; o segundo diz

respeito às transformações observadas na prática publicitária que, em muitos casos, passou a

imbricar-se ao próprio conteúdo midiático sem que o público necessariamente se aperceba

disso; e o terceiro diz respeito às regulamentações vigentes no Brasil sobre a prática publicitária

dirigida às crianças. Tais normas parecem estar sendo burladas diante dos novos formatos à

disposição da criança que circula, brinca e se diverte nos ambientes online.

Sem perder de vista esses três eixos, elencamos como objetivo desta pesquisa

problematizar o entrelaçamento observado entre a prática publicitária e certas produções de

entretenimento dirigidas ao público infantil. Para tanto, nos debruçamos sobre um tipo de

produção midiática que, em grande parte dos casos, não é somente direcionada às crianças, mas

seria também produzida e protagonizada por elas: os chamados vídeos unboxing apresentados

por youtubers mirins.

Ao longo do percurso de mestrado pudemos observar, por diversas vezes, pesquisadores

afirmando que, ao contrário do que inicialmente acreditamos, não encontramos nossos objetos

de pesquisa, mas são eles quem nos encontram. No caso desta pesquisa foi exatamente isso o

que ocorreu. Após me tornar pai e ter mais proximidade com conteúdos midiáticos voltados ao

público infantil, passei a perceber que meu filho, na época com 5 anos de idade, ficava

entusiasmado com alguns vídeos que ele mesmo selecionava no YouTube. Eram vídeos de um

canal específico no qual aparentemente um jovem apresentador desembalava caixas e mais

caixas de brinquedos em frente à câmera. Naquele momento, eu mal fazia ideia de que tais

produções não se limitavam apenas ao canal em questão, mas que representavam um tipo de

produção midiática que já vinha ganhando envergadura e posteriormente tornou-se um produto

midiático que de modo inquietante intercambiava a minha vida como pai e publicitário.

Por que pesquisar tal fenômeno com um olhar publicitário por meio da articulação entre

comunicação e consumo? Como bem nos lembra Maria Aparecida Baccega (2014), a

comunicação e consumo formam um todo interdependente. Estão juntos na mídia, na

comunicação interpessoal, no boca a boca, nas festas culturais, como também no discurso

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publicitário que é tradicionalmente conhecido como a ponte que liga a produção e o consumo.

Para a autora, a comunicação se relaciona com o consumo em pelo menos três âmbitos:

o consumo é, ele próprio, um código capaz de se comunicar com os sujeitos, ele tem uma linguagem que é possível identificar e compreender; no âmbito da difusão dos produtos e serviços, apresentados como necessidades nas várias esferas e revelados como índices de classificação social; e na importância que a publicidade assumiu em nossa época (BACCEGA, 2014, p. 53-54).

Desse modo, nesta pesquisa, buscamos compreender como a publicidade atrelada às

lógicas do entretenimento atua como uma esfera capaz de disseminar significados, conferir

visibilidade e demarcar hierarquias sociais por meio dos bens de consumo. Buscamos observar

as nuances da prática publicitária contemporânea que se serve dos vídeos unboxing estrelados

por youtubers mirins. Ao mesmo tempo em que brincam e demonstram os bens de consumo tal

como garotas propaganda da era cibernética, essas figuras estariam também contribuindo para

demarcar os modos considerados corretos e desejáveis de brincar e ser criança, uma vez que a

dimensão material e simbólica do consumo são indissociáveis, conforme nos explicam Gisela

Castro e Everardo Rocha (2012):

a dimensão material e a simbólica são duas faces da mesma moeda no fenômeno do consumo. Modos de ser, estilos de vida, valores e discursos são socialmente aprendidos, bem como gostos e hábitos que perfazem as rotinas diárias. A onipresença dos meios de comunicação é uma realidade. Nesse contexto, as representações midiáticas se hibridizam com as linguagens do consumo, constituindo e expressando nosso imaginário social (CASTRO e ROCHA, 2012, p. 269-270).

Para fundamentar adequadamente a discussão, fizemos uma ampla pesquisa

bibliográfica no intuito de levantar aportes teóricos que fossem suficientemente aderentes à

proposta do estudo. Uma etapa fundamental para que pudéssemos perceber que há uma

infinidade de temáticas e olhares que perpassam os estudos envolvendo a criança e a mídia.

Tendo um panorama sobre as pesquisas, autores e vertentes teóricas, passamos para a

etapa seguinte, na qual fizemos uma pesquisa exploratória com o objetivo de entender quem

eram os principais youtubers brasileiros e como eram suas articulações nos vídeos que

apresentavam o desembalar de brinquedos. Nessa etapa, utilizamos a plataforma de

monitoramento de sites de rede social SocialBrade14, a qual nos possibilitou uma rápida

compreensão dos canais mais relevantes, tanto em matéria de números (seguidores e views),

14 Para mais detalhes sobre a plataforma, vale acessar: https://socialblade.com/. Acesso em: fev/2019.

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quanto na aderência ao objeto da pesquisa. A escolha da plataforma SocialBlade se deu pela

sua simplicidade e facilidade na obtenção dos dados gerados, o que possibilitou acompanhar de

modo descomplicado e atualizado as alterações de popularidade dos principais canais no

YouTube Brasil.

Para delimitar o nosso objeto de pesquisa, levamos em consideração alguns pontos

principais que apresentaremos a seguir. Primeiramente elencamos na plataforma SocialBlade

os 200 canais brasileiros com maior número de visualizações. Nesse caso, não optamos

inicialmente pelo número de inscritos nos canais, pois entendemos que o consumo dos vídeos,

de maneira geral, não se restringe apenas aos usuários inscritos, nem tampouco aos que se

identificam para navegar na plataforma do YouTube. Ao nosso ver, não seria possível

compreender a dimensão do consumo dos vídeos analisados apenas tomando por base os

usuários cadastrados e inscritos, uma vez que o conteúdo dos canais pode e, frequentemente é

consumido por internautas que não se identificam. Assim, buscamos abarcar também os

chamados usuários “anônimos”, os quais não são categorizados como seguidores mas geram

igualmente visualizações para os canais.

Após elencarmos os 200 canais com maiores índices de visualização, extraímos desse

montante apenas os referentes aos youtubers. No entanto, não poderíamos selecionar todos os

youtubers que estivessem nesse montante de 200 canais, tendo em vista que poderiam ser

aderentes a diferentes categorias pré-estabelecida pela plataforma, como por exemplo: games,

musica, comédia, educação, pessoas e blog, entretenimento etc.

Definimos 3 critérios principais para recortar nosso objeto de pesquisa. 1) o canal

deveria ser de um youtuber mirim, ou seja, protagonizado por uma criança de até 12 anos de

idade; 2) deveria pertencer à categoria entretenimento no YouTube; 3) ter, pelo menos,

1.500.000 de inscritos. Assim, dentre os 200 canais separados inicialmente, destacamos os 10

canais que se enquadravam obrigatoriamente em tais critérios.

Analisar 10 canais ainda seria excessivo, devido à quantidade de conteúdo que cada

canal publica quase que diariamente. Por isso, utilizamos um parâmetro para afunilar ainda

mais a seleção em direção ao nosso objeto: a idade das youtubers mirins. Nessa etapa buscamos

selecionar o canal em que a idade apresentada pela protagonista fosse a menor. Assim,

chegamos ao Canal da Lulu, protagonizado por Luíza Sayuri, uma menina de 5 anos de idade

que apresenta diversos temas e brincadeiras infantis, bem como demonstra em algumas

oportunidades os vídeos do tipo unboxing em seu canal. Vale ressaltar que o Canal da Lulu não

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foi selecionado apenas por causa dos parâmetros que definimos, mas também pelo fato de que

neste canal nós observamos uma característica nada comum nos canais de youtubers.

Percebemos que em determinados vídeos nos quais brinquedos eram demonstrados de modo

informal e divertido, havia no início uma pequena faixa no canto inferior esquerdo na qual

estava escrita a seguinte informação: “Esse vídeo pode conter conteúdo promocional”. Uma

informação que posteriormente foi retirada da produção audiovisual e incluída apenas na

descrição do vídeo. Este fato nos chamou atenção pois, até então, não tínhamos observado

nenhum vídeo contendo informações dessa natureza, mesmo nos casos em que o viés

publicitário estivesse mais explicitamente manifesto.

Após definirmos o primeiro canal que seria analisado, partimos para a seleção do

segundo canal que iria compor a nossa base de análise. Para isso, passamos a observar o nome

dos canais, que neste caso poderia ser algo bastante representativo para os objetivos dessa

pesquisa. Neste percurso nos deparamos com um canal cujo nome era bastante sugestivo para

um trabalho que visa compreender, entre outras coisas, a promoção de modos de ser criança e

de crescer na cultura midiática vigente. O canal intitulado Crescendo com Luluca foi escolhido

como nosso segundo ponto de análise, uma vez que estava em conformidade com os 3 critérios

definidos inicialmente.

Terminada a etapa de seleção, os canais escolhidos para análise empírica foram o Canal

da Lulu, que conta com quase 2 milhões de inscritos e o canal Crescendo com Luluca, com

pouco mais de 4 milhões de seguidores. São números expressivos que demonstram a grande

capacidade de congregar pessoas que tais youtubers mirins dispõem. Juntos, os dois canais

somam pouco mais 1,5 bilhão de visualizações e quase 6 milhões de seguidores.

Uma vez definidos os canais que seriam analisados, partimos para a escolha dos vídeos

que iriam compor nosso corpus de análise. Primeiramente especificamos um período no qual

essas produções deveriam ter sido publicadas. Escolhemos o intervalo de um ano, iniciando em

julho de 2017 e terminando em julho de 2018.

A seleção dos vídeos foi feita de modo bastante simples. Na plataforma do YouTube

selecionamos, em cada canal, todos os vídeos publicados e listamos de acordo com o número

de visualizações, do mais visualizado para o menos visualizado. Nesse conjunto de produções

que incluem todos os vídeos compartilhados por cada youtuber mirim, observamos os vídeos

que tinham aderência ao nosso objeto empírico, ou seja, vídeos que apresentavam, de alguma

forma, o desembalar de brinquedos - unboxing -, e os separamos em um bloco à parte. Assim,

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apenas as produções que exibiam o maior índice de visualização e demonstravam as

características do unboxing integraram o nosso corpus de análise.

Na tabela abaixo estão descritos os canais e os vídeos que compõem o nosso corpus

empírico.

Tabela 1: Vídeos selecionados no Canal da Lulu

Fonte: Material elaborado pelo autor.

Tabela 2: Vídeos selecionados no canal Crescendo com Luluca

Título Visualizações Publicado em

Abrindo Big LOL caseira18 4.518.619

dezembro de 2017

Comprando meu material escolar 201819

3.507.746 janeiro de 2018

Acessórios da minha boneca Our Generation20

2.201.133 agosto de 2017

Fonte: Material elaborado pelo autor.

15 https://www.youtube.com/watch?v=yjoZaDFEk9c. Acesso em: fev/2019. 16 https://www.youtube.com/watch?v=Q12d-OoVtP0. Acesso em: fev/2019. 17 https://www.youtube.com/watch?v=HQPcqHxG88E. Acesso em: fev/2019. 18 https://www.youtube.com/watch?v=ngp8hn67WsU. Acesso em: fev/2019. 19 https://www.youtube.com/watch?v=sglRLPakTUY. Acesso em: fev/2019. 20 https://www.youtube.com/watch?v=EmNyByolqaM. Acesso em: fev/2019.

Título Visualizações Publicado em

Abrindo LOL SURPRESA no parque escondida na areia

da praia15

2.432.400

outubro de 2017

Abrindo LOL SURPRESA escondida na areia da

pracinha16

2.056.067 agosto de 2017

CRUNCH MANIA SURPRESA na cozinha da

Lulu17

405.250 novembro de 2017

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Com nosso corpus delimitado, analisamos as produções por meio da metodologia de

análise crítica, a qual busca descrever e interpretar o que se observa no campo empírico com

base na fundamentação teórico-conceitual da pesquisa.

Na tabela abaixo, apresentamos o protocolo de análise que norteou a pesquisa empírica:

Tabela 3: Protocolo de análise pesquisa empírica

Em qual ambiente se passa a produção? Interno/Externo?

Além da youtuber, há outras ou outros participantes envolvidos? Quais?

Que produtos são demonstrados no unboxing?

Há frases e/ou expressões que evidenciem a promoção do produto apresentado?

Que aspectos do produto são mais enaltecidos?

Que tipo de enquadramento de câmera é mais frequente: plano aberto / fechado

Que tipo de expressões faciais e/ou corporais são utilizadas pela youtuber para demonstrar o

produto?

Há alteração na tonalidade da imagem / voz da youtuber enquanto descreve o produto?

Fonte: Material elaborado pelo autor.

Uma vez apresentado o percurso metodológico que compõe esta pesquisa, consideramos

ser importante discorrermos sobre os discursos que frequentemente atravessam a relação das

crianças com as tecnologias midiáticas. Uma etapa fundamental para elucidar nosso

posicionamento sobre quem é a criança sobre a qual estamos tratando nesta pesquisa e à qual

denominamos como “a criança conectada”.

1.2. A criança e a mídia: uma relação de extremos

É certamente desafiador trabalhar com a temática da infância e suas particularidades.

Demanda posições claras sobre quem é a criança à qual tomamos como ponto de análise, uma

vez que há diferentes óticas pelas quais as crianças podem ser observadas. Partimos nesta

pesquisa do pressuposto de que a infância não é única, homogênea e fixa, determinada

simplesmente por aspectos biológicos e/ou cronológicos. Pelo contrário, acreditamos na ideia

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da infância enquanto uma construção social, um estágio em constante e intensa transformação.

Entendemos que o modo como a criança interpreta o mundo, bem como o modo como o mundo

a interpreta são modificados de acordo com o momento histórico e a cultural vigente.

David Buckingham (2007) autor britânico que figura como uma das principais

referências nos estudos sobre a criança em meio à cultura digital, faz uma breve, porém

importante leitura sobre essa questão. Para o autor,

a ideia de que a infância é uma construção social é hoje um lugar-comum na história e na sociologia da infância[...]A premissa central aqui é a de que ‘a criança’ não é uma categoria natural ou universal, determinada simplesmente pela biologia. Nem é algo que tenha um sentido fixo, em cujo nome se possa tranquilamente fazer reinvindicações. Ao contrário, a infância é variável – histórica, cultural e socialmente variável. As crianças são vistas – e veem a si mesmas – de formas muito diversas em diferentes períodos históricos, em diferentes culturas e em diferentes grupos sociais. Mais que isso: mesmo essas definições não são fixas. O significado de ‘infância’ está sujeito a um constante processo de luta e negociação, tanto nos discursos públicos[...] como nas relações pessoais, entre colegas e familiares (BUCKINGHAM, 2007, p. 19).

Por ser uma categoria social em constante transformação de significados e sentidos,

podemos dizer que a infância, assim como a conhecemos, nem sempre existiu. A criança

envolta por cuidados e inserida em um ambiente permeado por demonstrações de afeto e

carinho é uma visão, de certa maneira, recente, uma vez que seu início é comumente

reconhecido na modernidade.

Tal vislumbre sobre a infância como uma concepção moderna pode ser explorado, de

modo bastante detalhado, por meio dos dizeres do historiador francês Philippe Ariès (2016),

considerado um dos pioneiros nos estudos sobre a representação da infância. Em uma de suas

mais importantes obras, o autor analisa a forma com que a criança foi representada a partir das

sociedades tradicionais – especificamente na sociedade medieval – chegando até a

modernidade.

Ao argumentar sobre as modulações de sentido da infância, apoiando-se para isso em

obras de artes, Ariès (2016) nos explica que a concepção de infância que temos hoje é resultado

de uma construção histórica e, portanto, nem sempre existiu do mesmo modo. Justifica tal

argumentação revelando que nas sociedades medievais - a qual toma como ponto de partida –

esse sentimento da infância não existia. Vale destacar que o sentimento da infância ao qual

Ariès (2016) se refere não deve ser confundido ou compreendido como sinônimo de afeição

pelas crianças, mas sim correspondente

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à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem a solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes (ARIÈS, 2016, p. 99).

A falta desse sentimento da infância não quer dizer, necessariamente, que pudesse haver

uma espécie de negligência ou desprezo por parte dos adultos em relação às crianças. O que

não havia era o entendimento das particularidades que distinguiam a criança do adulto. A partir

do momento em que a criança pudesse viver de modo, um tanto mais independente, não

necessitando de cuidados essenciais para a sua sobrevivência, ela já estaria apta a partilhar dos

mesmos modos de vida dos adultos, não havendo espaço para esse período que conhecemos

hoje por infância.

O convívio das crianças com os adultos desde muito cedo tinha grande importância na

formação do sujeito, pois era por meio dessa forma de sociabilidade que as crianças adquiriam

conhecimentos para participar da vida em sociedade. Fato que foi superado em meados do

século XV pelo advento das escolas, instituições que contribuíram de modo significativo para

a construção do ideário de infância (ARIÈS, 2016).

Com o surgimento da escola a criança deixou de ser introduzida de modo precoce ao

mundo adulto e passou a integrar um ambiente separado de confinamento e aprendizagem. Um

período de preparação da criança para adentrar ao mundo adulto. Além do advento da escola

que teria separado a vida adulta e infantil, a concepção da infância não seria possível sem a

cumplicidade sentimental das famílias, que se tornou evidente devido à importância que os pais

passaram a dar para a educação de seus filhos (ibidem).

A questão da aprendizagem como forma de diferenciar adultos e crianças também foi

observada pelo crítico social norte-americano Neil Postman (1999). O autor considera que a

invenção da prensa tipográfica, também em meados do século XV, trouxe aspectos essenciais

para a concepção da infância, uma vez que teria instaurado a necessidade de um tipo específico

de aprendizagem que capacitaria o sujeito a manusear e operar a máquina. Segundo o autor, ao

estabelecer uma concepção da infância também foi necessária uma nova concepção da vida

adulta que, por definição passaria a excluir as crianças.

É óbvio que para que uma ideia como a da infância se concretize é preciso que haja uma mudança no mundo adulto. E esta mudança não deve ser apenas de considerável magnitude, mas também de natureza especial. Deve, expressamente, gerar uma nova definição de adulto. Durante a Idade Média houve várias mudanças sociais, algumas invenções importantes [...] Mas não

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ocorreu nada que exigisse que os adultos alterassem sua concepção da própria vida adulta. [...]a tipografia criou um novo mundo simbólico que exigiu, por sua vez, uma nova concepção de idade adulta. A nova idade adulta, por definição, exclui as crianças. E como as crianças foram expulsas do mundo adulto, tornou-se necessário encontrar um outro mundo que elas pudessem habitar. Este outro mundo veio a ser conhecido como infância (POSTMAN, 1999, p. 34).

Na contemporaneidade as crianças e suas infâncias encontram-se em destacado relevo

e evidência. Debates e discussões que abordam temáticas envolvendo tais sujeitos estão

acontecendo de modo frequente tanto no âmbito social mais informal e cotidiano quanto no

rigor do meio acadêmico. Entretanto, mesmo considerando que as discussões vêm se alastrando

de maneira importante, é preciso ponderar que quando os debates têm por objetivo compreender

as relações estabelecidas entre as crianças e as tecnologias, os argumentos frequentemente

recaem sobre pilares, de certo modo, antagônicos.

De um lado estão aqueles que considerariam a mídia e a tecnologia fatores

determinantes para extirpar com a inocência e a fragilidade da criança, uma vez que ela ainda

estaria em formação e, portanto, seria vulnerável e indefesa diante dos encantos da mídia. Do

outro lado estão aqueles que considerariam a criança - especialmente a nascida na era digital -

uma figura “magicamente” dotada de habilidades que as capacitariam para executar qualquer

atividade por meio dos dispositivos tecnológicos. A criança nascida após o espraiamento social

das tecnologias digitais seria vislumbrada como possuidora inerente das destrezas necessárias

para desempenhar com facilidade qualquer atividade nos ambientes de cunho tecnológico.

Diferentemente dos seus pais que, pelo contrário, seriam vistos como sujeitos ultrapassados e

desprovidos das competências fundamentais para tal exercício.

Diante dessas concepções um tanto restritas e binárias, em que de um lado apontam para

o desespero sombrio tantas vezes característico das discussões envolvendo “a morte da

infância” (POSTMAN, 1999) e, do outro, para o demasiado otimismo celebrando a suposta

nova autonomia da “geração eletrônica” (TAPSCOTT, 2008), defendemos ser de fundamental

importância explorar com a devida atenção tais perspectivas, de modo que possamos nos afastar

dos discursos um tanto simplistas que frequentemente perpassam pelo senso comum. Uma

interpretação em grande medida maniqueísta na qual a mídia e a tecnologia ou fazem bem ou

não e seu uso por crianças seria “certo” ou “errado”.

No intuito de trazer elementos que nos ajudem a ilustrar o modo como procuramos

entender a infância em meio a esses debates, cabe aqui como adendo a máxima que diz que

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“entre o preto e o branco, há uma infinidade de tonalidades de cinza”. Pois bem, são essas

tonalidades entre as duas percepções radicais e antagônicas que queremos apreender.

Para tanto, iniciaremos refletindo sobre a primeira vertente, segundo a qual a relação da

criança com a mídia seria fundamentalmente prejudicial. Tomamos como ponto de discussão

os argumentos de Neil Postman (1999), autor que demarca claramente sua posição como

defensor da tese referente ao fim da inocência que caracterizaria a infância idealizada pelo

autor. Vale destacar que mesmo tendo considerável importância nos debates que envolvem a

mídia e seus efeitos sobre a criança, e com certa frequência se destacar como referência em

diferentes abordagens acadêmicas sobre a temática, a perspectiva empregada por Postman

(1999) destoa do nosso entendimento, sobretudo, pelo fator determinista pelo qual aborda a

questão.

O autor defende que a infância, um período de inocência resguardado do acesso ao

chamado “mundo dos adultos”, estaria progressivamente desaparecendo, sendo a mídia

apontada como principal causadora para tal sumiço. Para Postman, ao “invadirem” o cotidiano

de certos grupos da sociedade, as informações que estariam sendo veiculadas pelos dispositivos

midiáticos deixariam aparentes os “segredos” que, até então, apenas os adultos teriam acesso.

Em seu entendimento, tal fenômeno criaria uma ruptura na barreira que distingue o universo

adulto do infantil. Com o advento do sistema midiático, especialmente a TV - considerando que

no momento em que o autor escreveu sua obra a televisão era o principal dispositivo no

cotidiano dos norte-americanos -, as diferenças entre as crianças e os adultos estariam

desaparecendo a uma velocidade assustadoramente veloz (POSTMAN, 1999).

O acesso aos saberes do mundo adulto pelo público infantil seria, para o autor, resultado

da crescente inserção da mídia no cotidiano da sociedade moderna. Em sua visão, além da

criança, em tese, ter acesso a informações que diziam respeito apenas ao mundo dos adultos, a

televisão por exemplo, não necessitava de nenhum conhecimento ou aprendizado prévio para

que pudesse ser utilizada, ao contrário da leitura que demandava conhecimentos específicos

para sua execução. Para obter informação por meio de um livro o sujeito necessitava

previamente das habilidades para compreender e interpretar o texto, competências que eram

negadas às crianças e que apenas os mais velhos possuíam. Já com a televisão esse aprendizado

prévio não seria mais necessário, posto que adultos e crianças, intelectuais e trabalhadores, tolos

e sábios assistiam as mesmas coisas e, portanto, compartilhariam dos mesmos saberes. Para o

autor, as evidências do “desaparecimento da infância” seriam variadas e vindas de diferentes

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fontes. Poderiam ser observadas na mídia, nos estilos de vida que seriam compartilhados entre

adultos e crianças, bem como no tipo de informação que ambos teriam acesso.

Há, por exemplo, evidência fornecida pelos próprios meios de comunicação, pois eles não só promovem a desmontagem da infância valendo-se da forma e do contexto que lhes são peculiares, mas também refletem esse declínio em seu conteúdo. Há evidência a ser observada na fusão do gosto e estilo de crianças e adultos assim como nas mutáveis perspectivas de instituições sociais importantes como o direito, as escolas e os esportes. E há evidências do tipo ‘pesado’ – cifras sobre alcoolismo, uso de drogas, atividade sexual, criminalidade, etc – que implica uma declinante distinção entre infância e idade adulta (POSTMAN, 1999, p. 134).

Outros estudiosos tratam dessa temática de maneira semelhante. Shirley Steinberg e Joe

Kincheloe (2004, p. 33), entendem que as “noções tradicionais da infância como um tempo de

inocência e de dependência do adulto foram minadas pelo acesso das crianças à cultura popular

durante o século XX”. Assim como Postman (1999), tais autores defendem que o acesso das

crianças às vitrines midiáticas teria aberto espaço para que elas pudessem conhecer o mundo

adulto, mesmo antes de serem parte integrante dele. E, por consequência, as crianças estariam

adentrando e seriam motivadas precocemente a terem contato com a cultura comercial.

O acesso das crianças contemporâneas à cultura infantil comercial [...] não apenas as motivou a se tornarem consumidoras hedonistas, mas também minou-lhes a inocência, o status resguardado das atribuições da existência adulta que as crianças vinham experimentando desde o advento da era da infância protegida na década de 1850 (STEINBERG; KINCHELOE, 2004, p. 33).

Nota-se, nesta perspectiva, que há um discurso um tanto apocalíptico relacionado à

criança e aos dispositivos midiáticos, visto que tal relação seria compreendida

fundamentalmente de modo prejudicial. A criança é vista como um ser inocente e vulnerável,

sendo os aparatos midiáticos os principais responsáveis pelo fim da distinção que deveria

caracterizar com clareza a criança e o adulto.

Não podemos deixar de afirmar que essa perspectiva nos parece problemática e carrega

suas evidentes limitações. Alinhados com os objetivos desta pesquisa, acreditamos que o

principal problema incorporado a esta visão está no pressuposto de que a criança seria um

sujeito invariavelmente vulnerável e indefeso diante da irresistível sedução da mídia. Um ponto

de vista que, a nosso ver, se coloca de modo um tanto simplista e exageradamente determinista.

Pelo contrário, entendemos que a criança não deve ser caracterizada como um sujeito

indefeso e incapaz, tampouco como receptora passiva das informações propagadas pelos meios

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de comunicação. Defendemos que é preciso compreender a criança como um agente social

ativo, capaz de interpretar e conferir significados aos textos midiáticos com os quais interage

em seu cotidiano. A ideia de resguardar a suposta inocência da criança dos efeitos

necessariamente nefastos da sedução midiática nos parece equivocada. Mais adiante

esmiuçaremos de modo detalhado essa interpretação da criança enquanto sujeito ativo, mas

antes disso faz-se necessário discutir uma outra perspectiva que frequentemente atravessa o

debate, especialmente quando relacionado a crianças que nasceram na chamada era digital.

Se no discurso tratado anteriormente havia uma conotação “apocalíptica”, o discurso

que trataremos a seguir, em contraponto, detém um viés de certa maneira “utópico”. Um dos

principais autores que evidenciam esse tipo de discurso e, possivelmente o mais contundente

na sua defesa, é o canadense Don Tapscott (2008), cujo trabalho defende que o sujeito nascido

após a popularização dos aparatos digitais seria, um ser “naturalmente” apto e desenvolto na

chamada era digital.

Mesmo partindo de lugares opostos da discussão apresentada anteriormente, a ideia

defendida por Tapscott (2008) nos parece igualmente problemática. Assim como observado em

Postman (1999), entendemos que Tapscott (2008) também compartilha do determinismo

tecnológico, porém por um viés inverso. Se Postman (1999), Steinberg e Kincheloe (2004)

partem do princípio de que a mídia, especialmente a TV, estaria abalando o ideário de infância,

Tapscott (2008) caminha pelo outro extremo, defendendo que seria por meio da mídia que as

crianças estariam adquirindo a sua emancipação. O autor argumenta que as crianças, sobretudo

as nascidas na chamada geração digital, seriam seres “naturalmente” capacitados para executar

diferentes atividades por meio das tecnologias.

Mesmo nos parecendo uma quimera, a tese defendida por Tapscott (2008) em muitos

casos paira sobre o senso comum. Não podemos deixar de enfatizar que tal perspectiva se

assemelha mais a um sonho otimista do que efetivamente à realidade. Não há modos de colocar

em linha de igualdade os indivíduos simplesmente por terem nascido em um momento histórico

no qual tal tipo de tecnologia, como a digital, estaria mais acessível. Considerar a habilidade

em manusear dispositivos digitais como uma característica natural, algo inato que fosse comum

a todas as crianças nascidas na era digital, nos parece uma afirmação altamente questionável.

Gisela Castro nos explica que seria “ingênuo supor que apenas por conviver com as redes

sociais desde que nasceu essa última geração seria ‘naturalmente’ desenvolta nos modos e

fazeres da cultura digital” (CASTRO, 2012b, p. 70, grifo no original). Principalmente levando

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em consideração as gigantescas desigualdades sociais, econômicas e culturais que perpassam

não apenas o Brasil, mas também o mundo contemporâneo.

Tapscott (2008) baseia seu argumento em duas vertentes que atuam em oposição uma a

outra. A primeira diz respeito à oposição entre as tecnologias. De um lado estaria a TV, uma

tecnologia que, segundo o autor, seria passiva, que nada faria para estimular a inteligência.

Nessa visão, a TV seria um meio que isola e apresenta apenas uma determinada visão de mundo,

a do emissor. Do outro lado, estaria a internet, que segundo Tapscott (2008), uma tecnologia

interativa que, ao invés de isolar, seria democrática e apresentaria diferentes visões de mundo.

Aqui cabe mais uma indagação a respeito dos dizeres do autor. A tese de que a internet seria

democrática e apresentaria diferentes visões de mundo, torna-se problemática à medida que a

presença dos algoritmos nos sites online mostra-se recorrente. Fato que nos leva a questionar.

Seria mesmo apresentada diferentes visões de mundo ou apenas estariam sendo apresentadas

visões e ideário de mundo que os algoritmos julgariam ideais, tendo vista os nossos perfis online

que são construídos por meio de práticas de consumo, histórico de navegação, corrente política

etc.?

Do mesmo modo com que o autor desqualifica aquilo que é considerado velho – neste

caso a tecnologia TV – como algo irrelevante, ultrapassado e até mesmo nocivo, Tapscott

(2008) caminha na mesma direção quando discorre sobre as gerações, colocando em

contraponto pais e filhos. Na sua visão, os valores defendidos pela geração TV (pais) são

compreendidos como conservadores e inflexíveis, enquanto os sujeitos pertencentes à “geração

net” (filhos) seriam ávidos por novos conhecimentos, destemidos, críticos e autoconfiantes. Ao

contrário de seus pais que, nesta visão, seriam seres incompetentes diante das novas tecnologias,

a “geração net” seria possuidora intuitiva de certas destrezas para manipular as diferentes

tecnologias que atravessam o cotidiano. Nas palavras do autor,

Enquanto as crianças da geração net assimilaram as tecnologias porque cresceram com elas, nós adultos temos que nos adaptar – um diferente e muito mais difícil processo de aprendizado. Com a assimilação, as crianças passaram a ver as tecnologias apenas como outra parte de seu ambiente, absorvendo com todo o resto. Para muitas crianças, usar as novas tecnologias é tão natural quanto respirar (TAPSCOTT, 2008, p. 18, tradução nossa)21.

21 Texto original: While Net Gen children assimilated technology because they grew up with it, as adults we have had to accommodate it—a different and much more difficult type of learning process. With assimilation, kids came to view technology as just another part of their environment, and they soaked it up along with everything else. For many kids, using the new technology is as natural as breathing.

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Os argumentos de Tapscott (2008) e Postman (1999) mesmo partindo de lugares opostos

carregam semelhanças. Se Postman (1999) coloca a leitura (boa) em contraponto com a

tecnologia TV (má), a qual seria responsável por trazer prejuízos à infância, Tapscott (2008)

percorre por oposições similares. O autor coloca de um lado o digital (bom, jovem) e do outro

a TV (ultrapassada, velha), oposição esta que, segundo o autor, traria ganhos para o sujeito

nascido na era digital.

Uma vez apresentadas as duas principais visões que, com grande frequência, dominam

as discussões sobre a criança diante das tecnologias midiáticas, podemos concluir que ambas

demonstram um forte viés de determinismo tecnológico, o que nos parece inadequado. Por isso,

no tópico a seguir, buscaremos nos distanciar de tais determinismos e apresentar efetivamente

as características que compõem a criança que estamos tomando por base neste estudo. Muito

mais do que simplesmente compreender a criança contemporânea como resultado das mudanças

empregadas no âmbito tecnológico, nosso intuito é demonstrar que as crianças são atores

construídos socialmente e, portanto, sua concepção não se restringe apenas às mudanças

tecnológicas, mas são decorrentes de negociações históricas, sociais e culturais em andamento.

1.3. A criança contemporânea: sujeito ativo e conectado

A infância pode ser compreendida de modos diversos, como olhares que oferecem,

muitas vezes, percepções distintas, as quais são resultados de processos históricos, sociais e

culturais. Basta ver que o ideário comumente compartilhado na contemporaneidade acerca da

infância é bastante diferente do observado em outros momentos históricos, como na idade

média por exemplo, período no qual tal concepção sequer existia.

Contudo, não precisamos retornar a um período histórico relativamente distante para

constatar formas distintas de compreender a infância. Como demonstrado no tópico anterior, o

momento vigente abarca olhares demasiadamente diversos. Se de um lado estão os que

defendem que a infância estaria desaparecendo por causa do acesso das crianças à mídia, do

outro estão aqueles que dizem que seria por meio da mídia que as crianças estariam ganhando

autonomia. De todo modo, são olhares que podem carregar sua relativa importância, mas que

para os objetivos dessa pesquisa figuram em uma posição da qual preferimos nos distanciar.

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Tomamos por base, neste estudo, que a infância é, acima de tudo, uma construção social

que não pode ser definida como uma simples categoria homogênea, determinada unicamente

pelos aspectos cronológicos. Defendemos que a infância é variável e está em constante processo

de negociação de sentidos e valores. Por isso, preferimos falar de infâncias ao invés de infância

no singular, uma vez que há diferenças significativas decorrentes de inúmeros aspectos, tais

como etnias, posições geográficas, período histórico e cultural, os quais impactam diretamente

na maneira como reconhecemos essa estrutura social (BUCKINGHAM, 2007; QVORTRUP,

2010). Assim, constitui-se uma pluralização dos modos de ser criança (SARMENTO, 2014).

Pensar em infância não é o mesmo que pensar em criança. Não pretendemos, neste

trabalho, tratar ambos os termos como semelhantes. Assim, nos apropriaremos das

considerações de Jean Qvortrup (2010) para demonstrar, por meio de um olhar sociológico, que

a infância, assim como a idade adulta e a velhice seria uma estrutura social permanente, sem

início e nem tampouco fim bem definidos.

Caracterizada frequentemente como um período relativo ao indivíduo, um espaço de

tempo que sinaliza o início e fim do período em que cada pessoa é criança, a infância quando

observada em termos estruturais passa a ser compreendida como uma categoria permanente de

estrutura geracional (QVORTRUP, 2010). Constitui-se um espaço que esta em constante

transformação e abarca gerações diversas de crianças, as quais carregam seus parâmetros e

valores, que contribuem para a modificação permanente dessa categoria social.

A categoria estrutural da infância na França dos anos 1920 [...] foi o resultado da interação entre parâmetros, os quais assumem certos valores nessa época e lugar. Nas décadas de 1940, 1960 e mais adiante, a infância enquanto categoria estrutural foi transformando-se conforme a modificação dos valores e as relações entre os parâmetros. Nesse sentido, a infância enquanto espaço social no qual as crianças vivem, transforma-se constantemente, da mesma forma que a idade adulta e a velhice também se modificam (QVORTRUP, 2010, p. 637).

A infância enquanto estrutura social se modifica à medida que os parâmetros e

significados pertencentes à cultura vigente também se alteram. Stuart Hall (2016) nos explica,

de modo bastante simples em palavras, mas imensamente pertinente em significados, que o

termo cultura diz respeito a “significados compartilhados” (HALL, 2016, p.17). Em outras

palavras, podemos dizer que à medida que os significados compartilhados por determinados

grupos se alteram, a categoria social infância também se modifica. Constitui-se, portanto,

infâncias, uma vez que os significados não são necessariamente compartilhados de maneira

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igual em lugares distintos. Os significados compartilhados na China são diferentes dos

compartilhados aqui no Brasil. Do mesmo modo que os significados compartilhados na Vila

Nova Conceição22, em São Paulo, são diferentes dos compartilhados no Capão Redondo23, e

assim em diante.

Partindo do pressuposto de que há diferentes fatores que contribuem para a construção

da ideia de infância, torna-se problemático, a nosso ver, conceder apenas a um fator - como por

exemplo, à presença da mídia no cotidiano infantil, ou ao uso de tecnologia por crianças – o

aspecto determinante para a mudança dessa categoria social. Outros quesitos, juntamente com

as mudanças sociotécnicas, colaboram para a construção e remodelação das infâncias. Dentre

eles, gostaríamos de chamar a atenção para um quesito em especial: os espaços de lazer

utilizados pelas crianças.

Nas últimas décadas, os espaços de lazer foram sendo progressivamente privatizados.

Foram deslocados dos espaços públicos – como as ruas e praças – para os espaços familiares –

a sala de estar – e daí para os espaços privados – o quarto de dormir. Nesse processo de

privatização, os acessórios tecnológicos deteriam um papel importante, uma vez que teriam

contribuído para transformar os ambientes privados mais divertidos. Entretanto, outros aspectos

como a preocupação com a violência, o crescimento das cidades e outras possíveis ameaças ao

bem-estar da criança encorajaram os pais a equiparem o lar, especialmente o quarto das

crianças, com diferentes equipamentos e brinquedos no intuito de transformar tal local em uma

alternativa atraente diante dos riscos do mundo externo (BUCKINGHAM, 2007). Uma

preocupação que não deixa de ser um tanto paradoxal quando levamos em consideração que

muitos casos de violência contra as crianças acontecem dentro do próprio lar24.

Mesmo considerando que houve uma mudança significativa nos espaços, bem como nas

atividades de lazer das crianças, não podemos incorrer no erro de negligenciar a sobrevivência

e a continuidade de atividades consideradas mais tradicionais, as quais não dependem

efetivamente do acesso à internet ou do uso de tecnologias para serem executadas. A leitura de

livros infantis é um bom exemplo de atividade que não demanda, majoritariamente, o uso de

aparatos tecnológicos, mesmo havendo a disponibilidade de livros em formato digital.

No entanto, as atividades de lazer passaram a ser mais individualizadas à medida que a

presença de equipamentos como TV, computador e video-games se tornou mais perceptível no

22 Bairro nobre localizado na Zona Sul da cidade de São Paulo. 23 Região periférica localizada no extremo sul da capital paulista. 24 https://jornal.usp.br/atualidades/brasil-lidera-ranking-de-violencia-contra-criancas/. Acesso em: fev/2019.

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interior dos lares. O que não quer dizer que a inserção de tais equipamentos nos domicílios

aconteça da mesma maneira e na mesma intensidade para todas as crianças. É preciso ponderar

que há diferenças significativas tanto nos âmbitos sociais quanto econômicos que desafiam o

Brasil atual.

Em meio à crescente inserção de equipamentos eletrônico nos lares, mesmo

considerando as diferenças e desigualdades que atravessam tal questão, as crianças estariam

progressivamente desfrutando do acesso à internet para desempenhar diferentes atividades, até

mesmo brincar. A pesquisa TIC Kids Online, na sua sexta edição, mostra que 85% das crianças

e adolescentes com idade entre 9 e 17 anos tinham acesso à internet em 2017. Percentual que

representa cerca de 24,7 milhões de indivíduos nessa faixa etária conectados à rede (CGI.br,

2018b). Um contingente considerável que passou a ter acesso a conteúdos variados e novas

formas de brincadeiras, interações e sociabilidade por meio da tecnologia.

Os números apresentados pelas publicações TIC Kids Online, indubitavelmente são de

grande importância para compreendermos a presença das crianças nesses espaços digitais. No

entanto, faz-se necessário avaliar que os dados poderiam, de fato, ser ainda maiores, uma vez

que o recorte da pesquisa compreende apenas crianças a partir dos 9 anos de idade. Tomando

por base outros estudos, com por exemplo os já mencionados (CORRÊA 2015; 2016) que

apontam para a presença de crianças abaixo dessa faixa etária acessando a internet, poderíamos

considerar que o percentual de crianças conectadas às redes digitais seria superior ao

apresentado pela publicação em questão.

Reconhecemos, portanto, que há um número expressivo e crescente de indivíduos

infantis no universo digital experimentando não apenas novas formas de interação,

sociabilidade e entretenimento diante das telas, mas também diferentes mecanismos para a

produção de conteúdo. Como grande parte dos envolvidos nessas tramas digitais, para além de

consumir os conteúdos que lhes são apresentados, as crianças estariam também colaborando

com a constituição de novos sentidos e valores em seus novos modos de brincar online.

Frequentemente nos deparamos com análises que tomam a criança como um espectador

indefeso e incapaz de distinguir o que é real do que é fictício. Essa é uma perspectiva da qual

não compartilhamos. Pelo contrário, defendemos que as crianças possuem capacidades de

julgamento que são resultados tanto do seu desenvolvimento cognitivo quanto da sua

experiência com o mundo da mídia. Entendemos que o significado dos textos midiáticos não é

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somente entregue ao público, mas também construído e remodelado por ele (BUCKINGHAM,

2007), até mesmo pelas crianças.

Consideramos, portanto, que as crianças são ativas na produção de significados e

capazes de compreender a seu modo os textos que perpassam a mídia. Ao perceberem, por

exemplo, técnicas de “efeitos especiais” em uma determinada produção as crianças passam a

integrar tal informação ao seu repertório e, por consequência, tornam-se progressivamente mais

capazes para tecer julgamentos sobre outras produções que são transmitidas pela mídia. Neste

caso, o significado não é visto como inerente ao conteúdo, mas como produto de uma

negociação entre o conteúdo e as crianças, que reconheceriam a sua experiência com a mídia

nos seus próprios termos e não necessariamente nos termos dos adultos.

A compreensão exercida pelas crianças diante dos textos que recebem se estende para

diversas práticas, como a publicitária por exemplo. Ao discorrer sobre as entrevistas que fez

com crianças em sua pesquisa, Renata Tomaz (2017) identificou que muitas delas reconheciam,

evidentemente à sua maneira, que os vídeos do tipo reviews ou unboxing, apresentados pelas

youtubers mirins, carregavam um apelo publicitário. Percebiam em tais produções que o

elemento comercial estava presente. É evidente que devemos tomar cuidado para não

generalizar e afirmar que as crianças são capazes de reconhecer todas as intenções presentes

nos conteúdos midiáticos, até porque, em muitos casos, esse reconhecimento se torna

problemático não apenas para as crianças, mas para qualquer pessoa independentemente da sua

idade, classe ou geração.

Ao enfatizarmos que as crianças são ativas na produção de significados, não podemos

deixar de considerar que tal perspectiva carrega suas limitações. Pensar no sujeito ativo não

quer dizer, obrigatoriamente, que esse sujeito não possa ser influenciado pelas mensagens que

recebe. Pelo contrário, em muitos casos, o sujeito ativo estaria ainda mais aberto à influência

(BUCKINGHAM, 2007). Campanhas publicitárias veiculadas na contemporaneidade, por

exemplo, lançam mão de estratégias que buscam, reiteradamente, a participação ativa do

consumidor (DUARTE, CASTRO, 2016), o qual passa a corroborar com os interesses do

mercado, em muitos casos, sem a real dimensão da sua participação. Observa-se uma crescente

disposição dos criativos em envolver as interações dos consumidores em meio aos processos

de criação de campanhas publicitárias que se fundem com as lógicas do entretenimento e, por

consequência, tornam-se mais atraentes perante ao público. Como bem argumenta Duarte

(2015, p. 124) “sem expor seus verdadeiros objetivos, mensagens publicitárias são camufladas

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por elementos que caracterizam produções espontâneas, como aquelas desenvolvidas por

internautas, bem como disfarçam interesses mercadológicos em conteúdos sociais”.

Ao destacarmos que as crianças são ativas, estamos apontando que as mensagens

transmitidas pela mídia não carregam significados fixos que serão simplesmente absorvidos por

indivíduos ingênuos e incapazes. Tais significados podem e, constantemente são modificados

pelas crianças de acordo com suas experiências cotidianas. E, em muitos casos, como bem nos

lembra Maria Aparecida Baccega o “sujeito ativo, não só interpreta, ressignificando as

mensagens da mídia, como também inclui essa ressignificação no conjunto de suas práticas

culturais, modificando-as ou não” (BACCEGA, 2009, p. 19).

As brincadeiras realizadas em frente à câmera pelas youtubers mirins, por exemplo, não

são práticas culturais que surgiram necessariamente após o advento da internet. As gerações

passadas já realizavam brincadeiras semelhantes com seus brinquedos, nas quais criavam

histórias e demonstravam a seus colegas o modo correto de manusear determinado objeto.

Renata Tomaz (2017) argumenta que a presença das crianças nas plataformas digitais não

constituiu uma infância completamente nova e distinta das gerações anteriores, mas uma

experiência que, de um lado reproduz certas concepções de infância e do outro as questiona.

Ao acessar as páginas dos canais do YouTube, as crianças não estão deixando de brincar, mas transformando o acesso que têm às redes sociais em brincadeira, e os dispositivos móveis em brinquedo. Se pensarmos em gerações anteriores, há um uso semelhante de objetos do universo adulto pelas crianças para criar novas ambiências. O relógio do pai, a bolsa da mãe, a panela da cozinha, a vassoura ou o lençol ajudam a materializar o que vai na imaginação. A diferença é que, na maior parte dos casos, tudo isso ficava no ambiente privado, e os sentidos produzidos a partir desses usos também. Diferentemente de agora, quando se pode observar como as crianças brincam, de que brincam, com o que brincam; e quando elas sabem que estão sendo observadas em tudo que fazem e falam (TOMAZ, 2017, p. 99).

A grande mudança trazida por esse ecossistema digital foi que agora, com grande

frequência, a brincadeira é realizada diante de uma câmera, transmitindo por meio da internet

determinadas práticas que, até então, eram resguardadas ao ambiente familiar e privado. O

próprio ato de fazer um vídeo e compartilhá-lo com centenas de “amigos” passou a ser uma

forma da criança brincar e interagir com o mundo ao seu redor. Uma atividade culturalmente

apreendida. Ver ou postar vídeos no YouTube passou a ser uma brincadeira característica do

que aqui estamos denominando como a criança conectada.

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O autor francês Gilles Brougère defende que o ato de brincar não é uma prática inerente

ao sujeito, mas uma dinâmica dotada de significado social que, assim como outras, necessita de

aprendizado (BROUGÈRE, 1998). Para que uma atividade seja reconhecida como um jogo ou

uma brincadeira, faz-se necessário, na visão do autor, que os sujeitos envolvidos com a

atividade a interpretem como tal. Nessa perspectiva, a atividade lúdica não seria a fonte da

cultura, mas o resultado de uma cultura preexistente, na qual seriam fornecidos aos sujeitos

diferentes aportes que lhes possibilitariam compreender determinada atividade como sendo

uma brincadeira. Assim, o educador francês propõe a existência de uma cultura lúdica,

compreendida nesse contexto como um:

conjunto de regras e significações próprias do jogo que o jogador adquire e domina no contexto de seu jogo. Em vez de ver no jogo o lugar de desenvolvimento da cultura, é necessário ver nele simplesmente o lugar de emergência e de enriquecimento dessa cultura lúdica, essa mesma que torna o jogo possível e permite enriquecer progressivamente a atividade lúdica. O jogador precisa partilhar dessa cultura para poder jogar (BROUGÈRE, 1998, p. 107).

Além de ser uma prática socialmente aprendida, a brincadeira também seria um

exercício essencial para a nossa experiência midiática, visto que brincamos com a mídia e por

meio dela. Roger Silverstone (2002) argumenta que, em meio ao mundo da mídia é possível

reconhecer a existência dessa característica brincalhona. Para o autor, brincamos com a mídia

e em volta dela, nos envolvemos com as provações do jogo de futebol ou com os romances da

TV. Brincamos na internet, baixamos jogos e interagimos com outros jogadores, os quais são

desconhecidos a não ser pelas características que assumem no mundo online.

Se de um lado as crianças reconhecem e interpretam os textos que são compartilhados

pela mídia, do outro elas também ajudam a construir novas formas de subjetivação que

igualmente são disseminadas por meio da mídia. Para constituir uma percepção cultural há a

necessidade de uma construção subjetiva que lhe dê sentido e vice-versa. Suely Rolnik, nos

explica que as paisagens subjetivas e culturais são indissociáveis, uma vez que “não há

subjetividade sem uma cartografia cultural que lhe sirva de guia; e, reciprocamente, não há

cultura sem um certo modo de subjetivação que funcione segundo seu perfil. A rigor é

impossível dissociar essas paisagens” (ROLNIK, 1997, p. 29). Diante disso, não seria possível

constituir a criança como um sujeito ativo e conectado sem um modo de subjetivação que

pudesse lhe orientar.

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Nessa perspectiva em que o ato de brincar é socialmente aprendido e as paisagens

subjetivas e culturais indissociáveis, defendemos que as crianças, principalmente representadas

neste trabalho pelas figuras das youtubers mirins, estariam consolidando um certo tipo de

subjetivação ao demonstrarem a seus milhares de espectadores como brincar, do que brincar,

com quem brincar e, sobretudo, como ser criança em meio a essa conjuntura conectada.

Constitui-se desse modo, a criança conectada como um tipo de subjetividade que é

consistentemente apresentado como um modo atual, divertido e desejável de ser criança.

Consideramos a criança conectada como um sujeito que brinca diante da câmera e também

contribui para produzir os modos de brincar e ser criança em um cotidiano permeado pelas

plataformas online. Assim, quando tratamos da criança conectada não estamos enfatizando

apenas que tal criança estaria progressivamente mais conectada aos dispositivos digitais.

Estamos defendendo, sobretudo que, para além de consumir, curtir e compartilhar diferentes

conteúdos pela rede, a criança conectada também estaria contribuindo para demarcar e difundir

estilos de vida e modos de brincar e ser criança em linha com o protagonismo dos dispositivos

conectados à internet na contemporaneidade. Por essa ótica, acreditamos que as youtubers

mirins, figuras altamente conhecidas na plataforma do YouTube, seriam também produtoras de

um tipo de subjetividade que indicaria os modos adequados e, até mesmo, bem-sucedidos de

ser criança no mundo atual. Um tipo de subjetividade em que a presença de bens de consumo é

invariavelmente marcante e, de certo modo, inquietante, tendo em vista que ao mesmo tempo

eleva aqueles que possuem determinados bens de consumo, mas por outro lado, segrega aqueles

que não têm acesso a esses bens.

Neste tópico buscamos apresentar, com a devida atenção, as características que

compõem a criança ativa e conectada, demonstrando a perspectiva que estamos propondo ao

observarmos a relação da criança com a tecnologia. Em resumo, defendemos no capítulo inicial

dessa dissertação de mestrado uma visão na qual a criança não é compreendida como um ser

incapaz ou indefeso diante das astúcias do mercado da comunicação, mas como um ator social

que consegue ser ativo diante dos textos midiáticos, uma vez que possui a capacidade de

interpretar e conferir novos significados ao conteúdo com o qual interage de várias formas nas

plataformas e redes digitais online.

No caso das youtubers mirins, aquelas que produzem e compartilham suas brincadeiras

em canais próprios no YouTube, principal plataforma de distribuição de conteúdo online na

atualidade, para além de conferir novos sentidos aos textos da mídia, tais figuras também

contribuem para disseminar novos modos de subjetivação. Neste caso, a criança que brinca

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diante da câmera também estaria demonstrando certos estilos de vida e modos de brincar nos

quais a presença de determinados bens de consumo e a destreza no manuseio de plataformas

midiáticas online se apresentam como elementos indispensáveis ao ser criança hoje.

No tópico seguinte, nos deteremos a discorrer especificamente sobre as formas como a

criança atual é convocada reiteradamente ao consumo pelos mais diversos dispositivos, além

de ser conclamada a estar e permanecer ativa e conectada às tramas digitais.

1.4. Estilos de vida e modos de ser criança nas lógicas do consumo

O consumo desempenha um papel de fundamental importância na sociedade atual, tanto

para nos relacionarmos com nossos pares, como também com o mundo ao nosso redor.

Considerar o consumo simplesmente por um viés economicista, pautado pela decisão ou pelo

ato de compra, nos parece uma visão um tanto simplista, uma vez que observamos tal fenômeno

não somente regido por questões econômicas, mas, principalmente como uma prática

sociocultural. Como bem definido por Néstor García Canclini (2015, p. 60), trata-se de “um

conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos”.

Por se tratar de uma prática sociocultural a mídia ocupa um lugar importante em meio

ao processo de consumo, pois atua como mediadora e nos auxilia na construção de significados

sobre o que, como e, muitas vezes, porque consumimos. Para Silverstone

Consumimos a mídia. Consumimos pela mídia. Aprendemos como e o que consumir pela mídia. Somos persuadidos a consumir pela mídia [...] o consumo é, ele mesmo, uma forma de mediação, à medida que os valores e significados dados de objetos e serviços são traduzidos e transformados nas linguagens do privado, do pessoal e do particular (SILVERSTONE, 2002, p 150)

Assim como outras tantas atividades que compõem a cultura, o consumo não é algo

natural, mas sim socialmente aprendido. Uma prática cujas dimensões material e simbólica são

indissociáveis. É por isso que, “modos de ser, estilos de vida, valores e discursos são

socialmente apreendidos, bem como gostos e hábitos que perfazem as rotinas diárias”

(CASTRO, 2012b, p. 61). Pelo consumo adquirimos novos gostos, conferimos valor sobre

determinadas questões e, até mesmo, elegemos certos estilos de vida como os ideais. Maria

Aparecida Baccega (2014, p. 55, grifo no original) complementa tal perspectiva enfatizando

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que o “consumo abarca o intangível, na forma de ‘experiências’ ou vivências oferecidas aos

consumidores em ambientes concretos ou virtuais”.

Em meio às práticas de consumo que caracterizam a vida cotidiana, saltam aos olhos os

inúmeros estilos de vida que emergem atrelados a bens de consumo. No entanto, faz-se

necessário, a princípio, discorrer sobre o que estamos estendendo por estilo de vida. Para Mike

Featherstone (1995) a expressão estilo de vida pensada no âmbito da cultura do consumo,

implica uma consciência de si estilizada, uma compreensão que denota individualidade. O

cuidado com o corpo, as roupas, o discurso utilizado, os programas de entretenimento, as

preferências de comida e bebida, a casa, o carro, bem como as opções de férias de uma pessoa

são vistos como indicadores da individualidade do gosto e o senso de estilo de vida do indivíduo

(FEATHERSTONE, 1995). Corroborando com tal perspectiva de modo bastante elucidativo,

João Freire Filho (2003, p. 73, grifo no original) nos explica que “o estilo de vida reflete a

sensibilidade (ou a ‘atitude’) revelada pelo indivíduo na escolha de certas mercadorias e certos

padrões de consumo e na articulação desses recursos culturais como modo de expressão pessoal

e distinção social”. Desse modo, a constituição do estilo de vida é uma prática

fundamentalmente cultural, uma vez que é formado por representações e signos que são

apresentados, em grande medida, pelos ambientes midiáticos e, em seguida, são combinados

em performances associadas a grupos específicos (FREIRE, 2003). Por essa ótica, em tese,

qualquer pessoa poderia intercambiar de um estilo para outro, bastando para isso, “mudar de

uma vitrine, um canal de televisão, uma prateleira de supermercado para outra” (Ibid., p. 74).

Assim, no estilo de vida não há posições sociais, bem como eus individuais naturalmente

organizados. Pelo contrário, os indivíduos são compelidos a escolher, construir, manter,

interpretar, negociar, exibir quem eles devem ser ou parecer, e para isso, usam uma variedade

importante de recursos materiais e simbólicos (SLATER, 2002).

Para se ter um determinado estilo de vida, para partilhar de modos específicos de ser e

viver, faz-se necessário aderir a certos bens de consumo que darão suporte para gozar de uma

vida pautada por tal estilo escolhido. Até mesmo discursos que defendem uma visão crítica em

relação aos bens de consumo, como no caso do minimalismo25 por exemplo apontam em grande

medida para estilos de vida nos quais o consumo de certos bens é frequentemente indicado. Não

por acaso, em uma busca rápida pela internet podemos encontrar diversas “personalidades” que

25 Segundo o Grande Dicionário Houaiss o termo minimalismo quer dizer: “tendência para simplificação e redução dos elementos constitutivos de algo; princípio de reduzir ao mínimo o emprego de elementos ou recursos”. Nos referimos ao termo para revelar modos e estilos de vida cuja posse de bens é, em tese, uma atitude rejeitada.

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julgam saber e, por isso, ensinariam a maneira correta para se ter uma vida seguindo os preceitos

minimalistas. O que não deixa se ser um paradoxo, tendo em vista que esse discurso

anticonsumismo acabaria se tornando um nicho mercadológico altamente rentável. São diversos

palestrantes que rodam por diferentes lugares apresentando seu estilo de vida “simples” ou

minimalista. Apartamentos minúsculos que são lançados tendo como mote principal esse

discurso, mas que em contrapartida, são altamente planejados e valiosos.

Ao discorrer sobre os antimaterialistas, Grant McCracken (2012) nos explica que tais

figuras se utilizam de determinados conjuntos de bens de consumo para definir o grupo e a

pessoa. Usam os bens para moldar a identidade do grupo, isto é, dependem da cultura material

para tornar concreta a sua cultura antimaterialista. Um exemplo apresentado pelo autor diz

respeito aos hippies, que precisavam usar determinadas vestimentas e acessórios específicos

para demonstrar sua hostilidade aos bens da cultura de consumo. Assim, na constituição de

estilos de vida a cultura material se faz presente no cotidiano de todos os atores sociais, até

mesmo daqueles que se alinham criticamente em relação a esta forma cultural.

Os casos do minimalismo e dos antimaterialistas nos parecem ser bons exemplos para

demonstrar que até mesmo estilos de vida que têm no anticonsumismo sua principal

prerrogativa acaba por constituir novas formas de consumo. É interessante que o estilo

despojado da chamada contracultura logo se transformou, ele próprio, em um segmento de

consumo, com boutiques vendendo acessórios em estilo hippie ou punk, por exemplo.

Por ser um ator social que compõe a trama cultural, as crianças também partilham de

certos estilos de vida vigentes. Participam material e/ou simbolicamente de práticas de consumo

que lhes possibilitam envolver-se em modos de viver nos quais a presença de objetos de

consumo é reiteradamente promovida.

Tomando por base os vídeos produzidos e compartilhados pelas youtubers mirins é

notável a presença e o protagonismo de determinados bens de consumo nestas produções.

Apresentam e utilizam diferentes tipos de mercadorias que contribuiriam para a constituição de

um estilo de vida característico da criança atual. Um estilo de vida pautado na apropriação de

certos tipos de objetos aspiracionais demonstrados em detalhe, bem como na destreza no

manuseio das plataformas midiáticas online.

Tanto a protagonista do canal Crescendo com Luluca, quanto a do Canal da Lulu

demonstram em suas produções uma relação íntima com os objetos de consumo. Ambas se

apropriam reiteradamente de bens que, de certa forma, passariam a operar simbolicamente

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como marcadores sociais. A esse respeito, Jurandir Freire Costa nos explica que “os objetos de

consumo agregam valor social aos portadores” (COSTA, 2003, p. 80). Segundo o autor, os

bens operariam como uma espécie de “crachá” que possibilita a identificação do vencedor em

qualquer lugar ou situação. Neste caso as youtubers mirins, ao demonstrarem seus brinquedos,

produtos e, até mesmo, o novo apartamento26 para o qual uma delas iria se mudar com a família,

estariam também demarcando sua posição social e demonstrando os modos desejáveis e bem-

sucedidos de ser criança na contemporaneidade. Nesse processo, os bens de consumo seriam as

credenciais que validariam tal estilo de vida, ensejando uma ação de hierarquização e distinção

que coloca de um lado aqueles que portam tais credenciais e, do outro, aqueles que apenas

contemplam os seus portadores.

É evidente que grande parte dos bens que são demostrados pelas youtubers estão

disponíveis a todos, porém, sabemos que não estão ao alcance de todos. A distinção que separa

aqueles que possuem dos que não acontece porque comprar é um ato econômico com

implicações sociais e “diante de atos desse tipo somos todos diferentes e desiguais” (COSTA,

2003, p. 77). Corroborando com tal perspectiva, Renata Tomaz (2017) aponta que um dos

assuntos que mais rendeu em sua análise foi referente à relação das crianças com o dinheiro. O

fato da youtuber analisada por Tomaz (2017, p. 192) “poder ir para os Estados Unidos e outros

não, por si só, mostra uma realidade econômica distinta que leva os usuários a manifestar sua

reação a uma inquestionável desigualdade”. Uma questão habitual para os parâmetros

brasileiros, uma vez que integramos uma nação em que a desigualdade socioeconômica é

demasiadamente perceptível e acachapante.

Entretanto, a distinção não acontece unicamente pautada por um viés socioeconômico,

mas também por meio de uma negociação, uma espécie de “acordo coletivo” entre os atores

sociais. Mary Douglas e Baron Isherwood (2013) nos explicam que a importância de um

determinado bem de consumo não é dada simplesmente pelo próprio objeto, características ou

usabilidade, mas é conferida pelos significados que são construídos em meio às relações sociais

e culturais. Por essa perspectiva, no caso das youtubers mirins, a diferenciação social não

acontece apenas pela posse do objeto apresentado, mas também porque cada espectador que

acompanha cotidianamente os vídeos de tais personagens, julga aquele brinquedo ou utensílio

como um objeto interessante e importante.

26 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LHtE95UKLfM. Acesso em: fev/2019.

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Ao enfatizarmos que por meio de determinados bens de consumo as youtubers mirins

estariam demarcando sua posição social, podemos igualmente afirmar que tais personagens

também estariam promovendo a si mesmas, seus estilos de vida e seus modos de ser criança.

Como bem aponta Zygmunt Bauman (2008), em uma sociedade que deixou de ser

majoritariamente de produtores e transformou-se em uma sociedade de consumidores, consumir

significa investir na afiliação social de si próprio, o que, de certo modo, traduz-se em uma

espécie de “vendabilidade”.

Andrew Wernick (2003) é outro autor que trata da promoção de si como uma

característica daquilo que denomina como cultura promocional, sobre o qual já tratamos em

texto anterior (CASTRO; ANDRADE, 2018). Em sua obra, Wernick defende a tese de que a

linguagem publicitária, que antes se restringia apenas ao âmbito relacionado ao mundo da

publicidade, teria se espraiado para quase todas as instâncias da vida em sociedade. Essa

disseminação, segundo ele inédita, nos definiria como uma sociedade eminentemente

promocional. Na cultura promocional, segundo o autor, produz-se continuamente um “eu” para

a circulação competitiva, uma projeção adequada que inclui não apenas as roupas, os discursos,

os gestos e a ação, como também toda a constituição de certos modos de ser considerados

adequados, admiráveis e bem-sucedidos. Aeron Davis (2013), autor que retoma e de certa

maneira atualiza a proposta apresentada por Wernick (2003), partilha da mesma tese do seu

precursor e enfatiza que a cultura promocional – entendida aqui como uma ênfase contínua na

autopromoção - tem se tornado a parte central e mais influente da comunicação e das relações

sociais. Segundo Davis, na contemporaneidade promove-se praticamente tudo, tanto produtos,

marcas e objetos de consumo, como também pessoas, visões de mundo e estilos de vida. A

menina que aparentemente brinca de modo espontâneo em frente à câmera é a mesma que

promove o consumo de determinados brinquedos que, nesta conjuntura, seriam destacados

como as mercadorias “certas” para gozar de uma vida tal qual a demonstrada pela youtuber

mirim em suas produções.

Essas visões de mundo, estilos de vida, bem como os produtos que, a princípio, seriam

fundamentais para sustentar tais modos de ser, encontrariam nos dispositivos midiáticos um

potente canal de propagação. José Luiz Aidar Prado (2013) nos explica que os meios de

comunicação convocam os espectadores a seguirem modos de ser que são alardeados como o

modo “correto” para se chegar a uma vida de sucesso, felicidade, bem-estar etc. Segundo o

autor, as convocações “chamam os espectadores e leitores para ensinar como viver, como ter

sucesso” (2013, p. 169). No caso das youtubers mirins, tais convocações ensinariam também

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como ser criança em um mundo majoritariamente permeado por dispositivos conectados. Seria

por meio dos vídeos publicados na plataforma do YouTube que as crianças, representadas pelas

figuras das youtubers mirins, interpelam seus espectadores a seguirem determinados modos de

brincar, com o que brincar, como brincar e, principalmente, como ser e estar criança na

atualidade. E, desse modo, estariam produzindo um tipo de subjetivação que nortearia a

constituição do modo de ser criança do nosso tempo, um tipo de subjetividade que

denominamos como criança conectada (CASTRO, ANDRADE, 2018).

Ao observar as promoções de determinados tipos de subjetividades segundo os

imperativos daquilo que ela denomina como “coaching midiático”, Gisela Castro (2016) nos

mostra que a promoção de modos de ser e estilos de vida baseados em práticas de consumo se

daria em meio à pedagogia social desenvolvida pelos diferentes dispositivos comunicacionais

com os quais se convive hoje em dia. Por meio do coaching midiático seria possível aprender

quais bens de consumo possibilitariam a inclusão (ou a exclusão) do sujeito em um determinado

estilo de vida. Uma questão bastante emblemática uma vez que há uma modulação das

subjetividades por meio das lógicas do consumo que, por um lado, evidencia os modos de ser

que são considerados adequados e desejáveis: o jeito “certo” de ser e de viver atualmente. Por

outro lado, essas mesmas lógicas do consumo segregam aqueles que não têm acesso ao conjunto

de bens que sustentam esses modos de ser e, portanto, não adotam tais estilos de vida eleitos

como os representantes da “boa” vida.

Os modos de ser demonstrados pelas youtubers mirins seriam apontados como o jeito

“certo” de viver a infância, constituindo um ambiente cuja ascensão para o nível de uma criança

bem-sucedida passa intrinsecamente pela posse dos mesmos bens de consumo, dos mesmos

conhecimentos e das mesmas destrezas demonstradas por tais personagens tomadas como

modelos.

As próprias protagonistas tornam-se o principal produto a ser consumido. Ao

promoverem a si mesmas, seus modos de ser e estilos de vida como sendo os modos

“admiráveis” de ser criança, contribuem para um processo de subjetivação baseado nas lógicas

de consumo, no qual tanto seus hábitos quanto seus estilos de vida estão frequentemente

atrelados a objetos e práticas de consumo. Por outro lado, ao se identificarem com os estilos

demonstrados por tais personalidades, seus espectadores vislumbrariam na própria figura da

youtuber o modo desejável de ser uma criança “de sucesso”. Esse aspecto de identificação

nutrido tanto pela youtuber quanto por seus seguidores contribui para que seu público passe a

desejar levar a vida seguindo os estilos e modos de ser preconizados por elas. Amplia-se, assim,

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o número de fãs que seus canais abarcam e, consequentemente, o valor das youtubers mirins

como produto no competitivo (e, por vezes, lucrativo) mercado das “garotas propaganda”

online. É preciso reconhecer o extraordinário crescimento da popularidade das youtubers

mirins, figuras que facilmente podem ser consideradas as novas celebridades no cenário

midiático vigente. Entendemos que essas personagens estariam contribuindo para a promoção

de certos modos de ser criança em uma era crescentemente conectada.

Ao longo deste capítulo, procuramos apresentar elementos que consideramos de

fundamental importância para os estudos envolvendo a criança e sua relação com os aparatos

midiáticos, uma vez que tal relação compreende olhares distintos e variados. Procuramos

argumentar que na nossa perspectiva a criança não deve ser entendida como um sujeito

demasiadamente indefeso e incapaz, mas como um ator social que possui capacidades para

interpretar, produzir e até mesmo conferir novos significados aos textos da mídia. Tanto é que

destacamos a produção de um tipo de subjetividade que denominamos como a criança

conectada. Chamamos a atenção para o fato de que personalidades mirins altamente conhecidas

demonstram estilos de vida e modos de ser criança em seus canais no YouTube, atraindo legiões

de fãs e seguidores, constituindo o brincar online como modo de brincar da criança conectada.

No capítulo seguinte iremos discorrer sobre a comunicação, consumo e as lógicas do

entretenimento na cultura digital vigente. De modo a compreender o panorama que possibilitou

novas formas de sociabilidade e comunicação entre um conjunto crescente de usuários,

inclusive certas crianças, que estão conectados às redes computacionais online.

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Capítulo 2. Comunicação, consumo e entretenimento na cultura digital

As articulações entre comunicação e consumo compõem um âmbito indispensável para

compreender as práticas sociais, culturais e econômicas. Pensar no consumo pelo simples ato

de compra e/ou venda, nos parece superficial diante de um fenômeno com tamanha centralidade

na sociedade contemporânea. O consumo, para além da pauta econômica, deve ser

compreendido como uma prática social que assume lugar de destaque como “estruturador de

valores e práticas que regulam relações sociais, que constroem identidades e definem mapas

culturais” (ROCHA, 2005, p. 124).

Diante da centralidade do consumo, diversos teóricos das ciências sociais e humanas

denominam a nossa sociedade como “sociedade de consumo”, constatando, assim, a

importância que tal elemento desempenha na atual conjuntura. Grant McCracken (2003), por

exemplo, argumenta que o consumo é, acima de tudo, um fenômeno cultural, pois é moldado e

dirigido em todos os seus aspectos por considerações que são estruturadas pela cultura. O autor

defende que os bens de consumo seriam carregados, invariavelmente, por significados que lhes

são conferidos por meio das práticas e das relações estabelecidas no âmbito cultural. Desse

modo, os significados advindos da cultura seriam transferidos tanto para os bens quanto para

os consumidores e utilizados para expressar categorias sociais, ideias de mundo, como também

para sustentar determinados modos de ser.

Maria Aparecida Baccega defende que ambas as esferas da articulação comunicação e

consumo formam um todo inseparável e interdependente. E considera o consumo “um dos

indicadores mais efetivo das práticas socioculturais e do imaginário de uma sociedade”

(BACCEGA, 2014, p. 55), pois revela as hierarquias sociais e o poder de que se revestem.

Mike Featherstone (1995) argumenta que ao usarmos a expressão “cultura de consumo”

estamos revelando que o mundo das mercadorias e seus princípios de estruturação são

elementos centrais para compreender a nossa sociedade. Além expressarem a sua utilidade

material, os bens de consumo também comunicam significados conferidos pelas sociedades

constituídas.

Diante desses argumentos, podemos perceber que a articulação entre comunicação e

consumo ocupa um lugar de destaque, bem como demonstra ser um campo instigante para

refletir sobre as relações sociais e culturais. Por meio dessa articulação, seria possível observar

as práticas socioculturais, as relações entre nossos pares, as formas de interação e sociabilidade,

como também as mudanças nas práticas midiáticas que se transformam de tempos em tempos.

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Neste contexto, a publicidade desempenha papel importante, visto que é por meio dela,

mas não unicamente por ela, que a comunicação e consumo se entrelaçam. Entendida como

uma ponte capaz de ligar a produção e o consumo, e um dos principais discursos que nos fala

do consumo, a publicidade demonstra ser um objeto de pesquisa rico para entendermos a

intersecção comunicação e consumo. Como explica Baccega (2014) o consumo se tangibiliza

por diferentes retóricas, inclusive pela publicitária.

Ao apresentar algumas das principais representações do consumo no senso comum e na

mídia, Everardo Rocha (2005) demonstra que o consumo pode ser elencado em quatro

categorias diferentes, as quais não são excludentes entre si e podem se alterar enquanto o

discurso acontece. São as perspectivas: hedonista, moralista, naturalista e utilitária.

A visão moralista seria aquela que coloca o consumo como o grande vilão, o

responsável por todas as mazelas da sociedade. Eleito como o motivador de uma infinidade de

ações, geralmente ligadas a um viés negativo. Violência urbana, consumo desenfreado,

ganância, individualismo exagerado, entre outras questões teriam, nessa visão, suas explicações

apontadas diretamente para o consumo. No senso comum, com bastante frequência o consumo

é confundido e, muitas vezes, entendido como uma espécie de sinônimo de consumismo, o que

nos parece obviamente equivocado. De todo modo, essa visão moralista seria a que mais se

aproxima da ideia de consumismo, ou seja, do consumo excessivo, incontrolável.

Já a visão naturalista seria aquela ligada à natureza, ao biológico e ao espírito humano.

O consumo entendido por essa perspectiva seria biologicamente necessário, naturalmente

inscrito e universalmente experimentado. O fogo sempre consumirá as florestas, os seres

sempre consumirão oxigênio para sua sobrevivência, etc. Uma visão completamente diferente

daquela em que consumir está mais relacionado ao consumo de uma roupa ou de um carro por

exemplo.

A utilitarista é predominantemente a visão do marketing. Uma perspectiva que constitui

toda uma área de pesquisa de mercado, a qual compreende o consumo como uma questão

essencialmente prática vinculada aos interesses empresariais.

É evidente que todas as categorias elencadas pelo autor carregam sua importância, mas,

de acordo com Rocha (2005) a visão hedonista é, sem dúvida, a mais famosa ideologia atrelada

ao ideário de consumo, uma vez que tal categoria seria o consumo visto, principalmente, pelo

prisma publicitário. Seria a categoria mais divulgada e conhecida entre as pessoas da cultura de

massa. Pois, quando os indivíduos imersos na cultura de massa pensam no consumo, quase

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sempre subentendem que possuir determinado produto seria um caminho para buscar a

felicidade.

São cervejas que trazem lindas mulheres, carros que falam do sucesso pessoal, cosméticos que seduzem, roupas que rejuvenescem. Produtos e serviços que, agradavelmente, conspiram para fazer perene nossa felicidade. Consumir qualquer coisa é uma espécie de passaporte para a eternidade, consumir freneticamente é ter a certeza de ser um peregrino em viagem ao paraíso (ROCHA, 2005, p. 127).

Desse modo, a atividade publicitária se configura em um registro eloquente da

experiência social contemporânea, pois abarca a capacidade de traduzir a produção e nos

ensinar modos de sociabilidade enquanto explica o quê, onde, quando e como consumir

(ROCHA, 2006). Configura-se em uma das principais narrativas que dá sentido ao consumo, e,

principalmente, uma das mais relevantes produtoras de sistemas simbólicos presentes no nosso

tempo.

Essa capacidade da publicidade de traduzir e nos ensinar os modos de consumo se torna

mais complexa à medida que a prática publicitária se modifica e passa a utilizar diferentes

formatos e mecanismos para colocar em circulação suas mensagens. Na mídia vigente, observa-

se que as lógicas de entretenimento pavimentam os caminhos utilizados pela publicidade,

instituindo uma espécie de entrelaçamento entre publicidade e entretenimento. Por

consequência, enseja-se novos formatos pelos quais diferentes marcas buscam tecer conexões

para consolidar a sua relação com seu público consumidor.

Diante da saturação da publicidade no cenário atual, profissionais de comunicação que

trabalham para desenvolver novas estratégias no intuito de cativar a atenção do consumidor, se

valem de diferentes formatos para alcançar tal objetivo, inclusive fazendo uso das lógicas do

entretenimento. Torna-se possível não apenas apresentar os produtos e serviços, mas também

entreter, cativar e envolver os espectadores em um ambiente agradável, divertido e sedutor.

Como propõe Castro (2013, p. 3), em tempos de dispersão da mensagem publicitária “conseguir

a atenção do público, por si só já se configura como um árduo desafio. Para além da atenção,

importa sobremaneira aos profissionais de marketing promover um vínculo emocional com o

consumidor, levando-o a um envolvimento afetivo com a marca”. Por isso, especialistas

estariam empregando reiteradamente esforços em ações publicitárias pautadas nas dinâmicas

do entretenimento visando cativar e, principalmente constituir um laço afetivo com o

consumidor.

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Reconhecendo a intersecção comunicação e consumo como uma das esferas mais

significativas para compreender as relações socioculturais, e considerando que a publicidade se

apresenta como um dos principais discursos do consumo, neste capítulo nos deteremos a

discutir o entrelaçamento entre comunicação, consumo e entretenimento no ecossistema

midiático vigente. Discorreremos sobre a eclosão do YouTube como uma esfera de produção e

consumo de entretenimento que teria se tornado, na atualidade, um interessante e valoroso

campo de atuação também para a atividade publicitária, inclusive aquela destinada à criança. A

nosso ver, essa é uma estratégia publicitária que ganha ainda mais destaque ao passo que atua

em confluência com figuras altamente conhecidas nesse universo midiático: os chamados

youtubers mirins.

2.1. Experiências sociais e interação em rede

As últimas décadas foram marcadas por consideráveis mudanças nas práticas

comunicacionais. Juntamente com a consolidação dos aparatos digitais de comunicação e

informação que se fazem presente de modo crescente nos lares, novas formas de circulação e

distribuição de conteúdo ganharam força em meio ao atual cenário.

Com base em estudos que se voltam a analisar as transformações e as estruturações dos

meios de comunicação, Henry Jenkins (2014) argumenta que em decorrência da progressiva

convergência entre os dispositivos tecnológicos, teria ocorrido também uma significativa

mudança no modo com que os conteúdos midiáticos se dissipam. O autor defende que os

conteúdos da mídia na atual cultura digital teriam passado do modelo de transmissão para o

modelo de circulação, o que denotaria para um formato mais interativo e com grande

capacidade de participação dos indivíduos. Neste modelo de circulação o sujeito não seria

apenas compreendido como um receptor dos textos que a mídia transmite, mas também

vislumbraria novas possibilidades para produzir, compartilhar, modificar e conferir novos

sentidos aos conteúdos em larga escala.

Um movimento [...] em que o público não é mais visto como simplesmente um grupo de consumidores de mensagens pré-construídas, mas como pessoas que estão moldando, compartilhando, reconfigurando e remixando conteúdos de mídia de maneira que não poderiam ter sido imaginada antes (JENKINS, 2014, p. 24).

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56

Esse modo com que os conteúdos passaram a circular no ambiente digital contribuiu

para reorganizar o ecossistema comunicacional. Ao observar as alterações na composição da

estrutura contemporânea, Manuel Castells (2017) argumenta que passamos de uma estrutura

vertical em direção a uma estrutura horizontal. Na comunicação de massa “tradicional” na qual

a mensagem era predominantemente difundida por meios controlados por grandes corporações

como os jornais, rádio e TV, a transmissão seguia majoritariamente em um sentido vertical,

sendo a mensagem irradiada de um emissor (corporações) para muitos receptores

(consumidores).

Com a difusão da internet, uma nova forma de comunicação ganhou força, a qual

passou a ser caracterizada principalmente pela sua capacidade de conduzir as mensagens de

muitos para muitos, e não mais de um para muitos como observado no modelo anterior. Assim,

a comunicação passou a ser realizada de forma horizontal, estimulando um cenário no qual a

interação e participação dos usuários ajudam a moldar e conferir novos sentidos a mensagens

postas em circulação. Um universo no qual a interatividade foi elevada a níveis antes inéditos.

Vale ressaltar que quando discutimos sobre a interatividade trazida pelas tecnologias,

precisamos ter em mente que tal fato pode soar, por alguns motivos, como equivocado. É

comum perceber discussões que ressaltam a premissa de que a interatividade foi instaurada

somente após a grande inserção da internet e das tecnologias digitais em nosso cotidiano. Como

se o aspecto de interação não existisse antes do advento da internet. É bem verdade que as redes

digitais viabilizaram grande agilidade e um potencial de alcance jamais imaginado nos

processos comunicacionais. Mas, ao contrário do que frequentemente é posto no senso comum,

a internet não deu início a este fator interativo, uma vez que outras formas de interação já eram

observadas na comunicação de massa “tradicional”. Como nos lembra Manuel Castells (2017,

p. 100),

outras formas de interatividade podem ser acomodadas na comunicação de massa por outros meios de comunicação. Por exemplo, ouvintes/telespectadores podem fazer comentários sobre programas de rádio ou de televisão por telefone, cartas e e-mails.

Desse modo, é preciso tomar o devido cuidado e não tratar a interatividade como algo

que nasceu na era digital. Mas, por outro lado, é evidente que as redes de comunicação digital

ofereceram níveis de interatividade que estão para além dos observados nos meios ditos

tradicionais. Uma interação que vem angariando novos participantes à medida que o

contingente de pessoas conectadas às redes digitais também aumenta.

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No caso brasileiro, de acordo com dados da pesquisa TIC Domicílios27, cerca de 61%

dos domicílios possuíam acesso à internet em 2017. Número superior ao apresentado pela

mesma pesquisa no ano anterior, na qual o percentual correspondia a 54%. Se observarmos os

dados da referida pesquisa a fim de contemplar um período de tempo maior, perceberemos, de

modo contundente, o aumento no número de domicílios brasileiros acessando à rede. Em 2007,

apenas 17% dos domicílios dispunham desse acesso. Ou seja, em um intervalo de 10 anos houve

um crescimento da ordem de 37% de domicílios nos quais o acesso à internet se tornou uma

realidade (CGI.BR, 2018a).

Os dados apresentados pela pesquisa citada acima são de grande importância para

compreendermos a proporção de lares brasileiros com acesso à rede. Mas, também é preciso

levar em consideração que tal acesso nem sempre acontece da mesma forma e com o mesmo

vigor, visto que há diferenças significativas tanto na qualidade quanto na disponibilidade,

dependendo do tipo de conexão, da localidade ou região. Da mesma forma, também não

podemos desconsiderar que ainda há um percentual expressivo de brasileiros distante das

possibilidades, bem como das oportunidades oriundas desse ambiente, pois em 2017 cerca de

39% dos lares brasileiros ainda não possuía qualquer tipo de acesso à internet.

No entanto, ao mesmo tempo em que o contingente de brasileiros conectados ao

ambiente digital cresce, novas práticas e espaços informacionais se revelam. O consumidor

passou a dispor de novas oportunidades para obter informações vindas de diferentes lugares,

não mais se limitando aos grandes conglomerados midiáticos que, até então, assumiam, em

certa medida, o monopólio da transmissão da informação. De acordo com Alex Primo (2013),

até a década de 1980 a distribuição midiática era privilégio daqueles que detinham as

concessões de rádio e televisão, ou acesso aos dispendiosos meios de produção da indústria da

mídia, como por exemplo, antenas, estúdios de produção e equipamentos de áudio e vídeo. Na

cultura digital vigente, pelo contrário, o consumidor teria, em tese, a possibilidade de navegar

pelos incontáveis caminhos que a rede mundial de computadores oferece, obtendo conteúdos

vindos de fontes variadas que oferecem informações em tempo real, a qualquer hora e,

sobretudo, disponível em qualquer lugar. Além de ter a possibilidade de produzir e compartilhar

o próprio conteúdo de modo simples e relativamente barato.

Manuel Castells (2017) descreve essa mudança no ambiente comunicacional utilizando

um termo bastante elucidativo. Para o autor, o modelo atual pode ser denominado como

27 Pesquisa disponível em: https://www.cetic.br/tics/domicilios/2017/domicilios/A4/. Acesso em: fev/2019.

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“autocomunicação de massa” (mass self communication), pois, ao mesmo tempo, haveria a

presença um tanto paradoxal da comunicação de massa e da comunicação interpessoal. Pode-

se considerar que é uma comunicação de massa visto que possui uma capacidade de alcance

potencialmente global por meio da internet. Do mesmo modo, pode-se considerar uma

comunicação interpessoal na medida em que a produção da mensagem é “autogerada”,

“autodirigida” e a recepção do conteúdo é “autoselecionada” (CASTELLS, 2017). Para o autor,

esse formato de comunicação ampliaria a autonomia dos sujeitos em relação às grandes

corporações que, até então, dominavam a transmissão e a produção dos textos midiáticos. Os

usuários se tornariam, ao mesmo tempo, tanto emissores quanto receptores das mensagens.

Juntamente com a possibilidade de o internauta ser tanto receptor quanto produtor de

conteúdo, podemos ponderar que esse modelo comunicacional forneceu, em certa medida,

maior “capacidade de expressão” para os sujeitos. Apenas fazendo uma ressalva, quando

utilizamos o termo “capacidade de expressão”, estamos tratando-o no sentido de demonstrar

que o internauta passou a dispor de novas possibilidades para manifestar sua opinião que, até

então, se restringia ao âmbito privado. O que não quer dizer que tal manifestação não esteja

limitada pelas possibilidades técnicas das plataformas digitais. Por exemplo, para que um

usuário possa fazer uma reclamação via internet, manifestar toda a sua satisfação ou insatisfação

sobre um determinado produto, faz-se necessário que as plataformas digitais possuam e

ofereçam as mínimas condições técnicas para que tal reclamação seja possível. Muitos dizem

que em meio às múltiplas conexões instauradas pela comunicação em rede o consumidor

ganhou voz, fato que preferimos tratar de outra maneira. Como dito anteriormente, o

consumidor sempre pode opinar e fazer considerações sobre questões que lhe agradavam ou

não, portanto, sempre possuiu voz. Preferimos considerar que o consumidor não ganhou voz,

mas a potência e o alcance da sua voz foram aumentados de maneira exponencial no universo

digital.

Do mesmo modo com que a comunicação digital teria conferido tanto maior

interatividade quanto aumentado a capacidade de fala dos usuários, este ambiente também teria

sido apropriado por movimentos contra hegemônicos. Segundo Alex Primo (2013) alguns

movimentos de mídia alternativa formados na década de 1980 tiveram seu alcance ampliado de

modo considerável na cultura digital. Dentre os novos formatos, vídeos do tipo unboxing – que

apresentam produtos sendo desembalados frente à câmera – surgiram, inicialmente, como

produções alternativas para demonstrar os produtos recém-lançados no mercado. Uma

produção costumeiramente chamada de “caseira”, na qual o intuito era demonstrar os produtos

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como eles realmente seriam, criticando e apontando tanto as qualidades quanto os seus possíveis

problemas. Assim, seria possível retirar qualquer intervenção ou ajustes profissionais que

pudessem camuflar os defeitos dos produtos. Um processo contrário ao observado na prática

publicitária, a qual tem como premissa enaltecer as qualidades e, na medida do possível, tornar

os defeitos menos visíveis.

Por outro lado, a mesma rede que teria possibilitado a propagação de produções

alternativas - como por exemplo no caso dos vídeos unboxing -, também teria sido apropriada

pelas empresas com objetivos estritamente voltados para aumentar seu poderio mercadológico.

Como nos explica Alex Primo (2013, p. 17), não apenas os movimentos contra hegemônicos

souberam utilizar esses novos espaços midiáticos para fins comunicacionais, “como também o

próprio mercado percebeu que poderia incorporar a colaboração on-line em suas estratégias

informacionais, promocionais e de venda”. Ao se envolverem ativamente seja com a produção

ou com a circulação dos produtos culturais que consomem, as audiências também contribuem

para ensejar novos formatos que podem e, repetidamente são, apropriados pelo mercado.

Modelos comunicacionais que se tornam mais atrativos à medida que carregam uma forte

ligação com o entretenimento.

A presença das lógicas do entretenimento nas redes sociais digitais é apontada por

Jenkins (2014) como um dos principais elementos que favorecem a propagação de conteúdo. O

autor defende que o termo “propagabilidade” se refere ao “potencial – técnico e cultural – de

os públicos compartilharem conteúdos por motivos próprios, às vezes com a permissão dos

detentores dos direitos autorais, às vezes contra o desejo deles” (JENKINS, 2014, p. 26). Ao

discorrer sobre os motivos que facilitam a circulação de conteúdo no ecossistema midiático

contemporâneo, o autor argumenta que não se pode identificar uma causa isolada que leve as

pessoas a compartilharem conteúdos na rede. Mas, o gosto pela diversão, o puro entretenimento

é apontado como uma das principais motivações pelas quais um conteúdo é compartilhado. Por

esse motivo, produções com forte poderio para entreter tornam-se produtos com grande

capacidade de circulação e propagação na internet. Basta observar os inúmeros “memes” que

circulam por meio das mais diversas plataformas disponíveis no âmbito digital, congregando

em cada uma delas números astronômicos de espectadores.

Em vista da evidente adesão e participação dos internautas nas mensagens que carregam

a qualidade de entreter, do mesmo modo, a circulação da mensagem publicitária também se

potencializa à medida que adquire tal capacidade. Empresas e agências publicitárias se valem,

constantemente, de tal qualidade para colocar em circulação diferentes produtos e serviços. Ao

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invés de lançar mensagens promocionais simplesmente enfatizando seu viés comercial, as

empresas estariam também compartilhando conteúdos que, a princípio, poderiam ser

caracterizados facilmente como mensagens de entretenimento, mas que ao mesmo tempo

sustentam uma importante capacidade de promover e demonstrar bens de consumo. São

produções com grande apelo subjetivo, as quais buscam cativar e, especialmente, envolver

emocionalmente o público com o universo simbólico da marca (CASTRO, 2013).

O unboxing é um formato midiático em que se evidencia a capacidade de entreter e

informar. Trata-se de uma categoria de produção que, em muitos casos, poderia ser denominada

como uma espécie de publicidade “hibrida” que, segundo Rogério Covaleski (2015), seria

aquela mensagem publicitária que contempla ao menos quatro elementos constituintes:

capacidade de persuasão, entretenimento, interação e compartilhamento. Diante de tais

elementos que estruturam a chamada publicidade “hibrida” o unboxing integraria esse modo de

fazer publicidade, pois tem a capacidade de unir a mensagem comercial com o próprio conteúdo

de entretenimento, em um ambiente no qual a possibilidade de interação e compartilhamento é

substancial.

Com o objetivo de aumentar nossa compressão acerca do entretenimento como parte

integrante da comunicação mercadológica contemporânea, discorreremos a seguir sobre como

os sites de rede social se tornaram espaços com grande capacidade de circulação e consumo

dessa qualidade tão requerida na atual conjuntura midiática: o entretenimento. Nosso principal

intuito é observar de que modo a plataforma do YouTube se tornou em um ambiente propício

para a circulação de mensagem comercial, no qual a premissa do entretenimento se faz

majoritariamente presente. Esse aspecto parece especialmente relevante para que possamos

compreender como a imbricação entre publicidade e entretenimento atuaria perante um público

que, em tese, não poderia receber diretamente qualquer tipo de comunicação publicitária: o

público infantil.

2.2. O YouTube como espaço de entretenimento

Como vimos, no atual ecossistema comunicacional os sujeitos passaram a dispor de

maior capacidade para compartilhar conteúdos e interagir com outros usuários nas redes sociais

online. Conforme exploramos anteriormente, no modelo massivo tradicional os receptores

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dependiam principalmente dos conglomerados midiáticos para receber informações. Um

processo bastante diferente do observado na cultura digital ou na chamada cibercultura.

André Lemos, nos explica que, diferentemente da mídia de massa tradicional a qual

detém um fluxo comunicacional centralizado, o modelo praticando na cibercultura, por ter suas

bases nas novas tecnologias microeletrônicas de informação e comunicação funciona de forma

transversal e não mais vertical. Para o autor, o termo cibercultura diz respeito ao

conjunto de saberes, hábitos e discursos (sociais, políticos, econômicos, históricos, artísticos) que se assenta em torno de três princípios básicos: a liberação do polo de emissão da informação, o crescimento da conexão aberta e planetária e a reconfiguração de práticas associadas à indústria cultural de massa. Como toda cultura, é derivada de processos dinâmicos, fruto das dimensões sociais e técnicas presentes no contexto histórico de seu desenvolvimento (LEMOS, 2014, p.413).

Se no modelo das mídias de massa a informação era majoritariamente transmitida de um

polo emissor para muitos receptores, no modelo “pós-massivo” (LEMOS, 2014), a informação

passou a circular de muitos emissores para muitos receptores. Instaura-se uma estrutura mais

participativa na criação e na transmissão de conteúdos no âmbito da comunicação digital em

rede. Os chamados sites de redes sociais que frequentemente fazem parte das rotinas cotidianas

de grande parte dos internautas se revelam bons exemplos de ambientes nos quais a interação,

circulação e ressignificação dos conteúdos acontecem de modo participativo.

Antes de prosseguirmos faz-se necessário definir o que estamos entendendo por sites de

rede social. Para Raquel Recuero (2009), o termo “rede social” pode ser definido como um

conjunto composto, necessariamente, por dois elementos. O primeiro deles seria a presença dos

atores que, segundo Recuero, podem ser representados por pessoas, grupos e até mesmo por

instituições. O segundo elemento diz respeito às conexões estabelecidas pelos atores presentes

na rede. De modo pragmático, podemos apreender que “sites de rede social” correspondem

àqueles espaços nos quais os atores estabelecem suas conexões. Se as redes sociais são

formadas necessariamente pelos atores e suas conexões, os sites de redes sociais seriam os

espaços que tornariam possíveis a união dessas duas instâncias. (RECUERO, 2009).

Para Dannah Boyd e Nicole Ellison (2007), que inicialmente cunharam a expressão

“sites de rede social” (social network sites), o termo corresponde a serviços baseados na web

que permitem aos indivíduos desempenhar, ao menos, 3 atividades: 1) construir um perfil

público ou semi-público dentro de um sistema limitado; 2) articular conexões com outros

usuários; 3) ver as conexões criadas por usuários presentes no mesmo sistema. Configura-se

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como uma categoria de “softwares sociais [...] com aplicação direta para a comunicação

mediada por computadores” (RECUERO, 2009, p. 102). Diferentes plataformas e sites que

detêm grande popularidade na contemporaneidade podem ser reconhecidos como “softwares

sociais”, e, portanto, integrariam essa categoria de sites de rede social. Entre eles, vale destacar

os já bastante conhecidos Facebook, Twitter, Instagram e YouTube, por exemplo.

Alinhados com os objetivos dessa pesquisa, tomamos como objeto de análise um site de

rede social específico, o YouTube, que inicialmente emergiu como um espaço tímido, mas vem

mobilizando um contingente crescente de novos usuários tanto na criação quanto no consumo

de tipos variados de produções. Fundado por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karin, o

YouTube foi lançado no ano de 2005. No ano seguinte, em 2006, a plataforma foi adquirida

pelo Google por cerca de US$ 1,65 bilhão28. No atual momento o YouTube desponta como o

segundo29 site com maior número de acesso em todo o mundo, ficando atrás apenas do principal

site da companhia: o site de busca do Google, o qual detém o primeiro lugar nesse ranking.

Dados disponibilizados pela companhia nos mostram a extensão e a considerável

capacidade de alcance da plataforma. O YouTube conta com mais de 1 bilhão de usuários30, os

quais geram igualmente bilhões de visualizações todos os dias. Está disponível em 76 idiomas

diferentes, com versões lançadas em mais de 88 países ao redor do mundo. São números

impressionantes que apontam para a grande importância desse site de rede social na conjuntura

midiática contemporânea, bem como demonstram a grande adesão de usuários à plataforma.

Em certa medida, o YouTube simplificou e popularizou a publicação e o

compartilhamento de vídeos considerados “caseiros” na rede. Proporcionou maior visibilidade

para aqueles que, até então, figuravam em uma posição de anonimato. Ao ponderar sobre as

mudanças trazidas pela plataforma, Henry Jenkins (2009) defende que o site representa um

ponto fundamental para a produção e distribuição de conteúdo, principalmente, quando

relacionado à mídia alternativa. Para o autor, o YouTube simboliza uma espécie de “marco

zero” na ruptura das operações comerciais da mídia de massa, movida pelo surgimento de novas

formas de cultura participativa. Essa espécie de “ruptura” só seria possível, segundo o autor,

devido a três pontos:

Em primeiro lugar, o YouTube representa o encontro entre uma série de comunidades alternativas diversas, cada uma delas produzindo mídia

28 Matéria do Jornal Folha de São Paulo sobre a aquisição do YouTube pelo Google. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1010200602.htm. Acesso em: fev/2019. 29The top 500 sites on the web. Disponível em: https://www.alexa.com/topsites. Acesso em: fev/2019. 30 Dados disponíveis em: https://www.youtube.com/intl/pt-BR/yt/about/press/. Acesso em: fev/2019.

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independente há algum tempo, mas agora reunidas por esse portal compartilhado [...] Em segundo lugar, o YouTube funciona como um arquivo de mídia onde curadores amadores esquadrinham o ambiente à procura de conteúdos significativos, trazendo-os a um público maior (por meios legais e ilegais) [...] Em terceiro lugar, o YouTube funciona em relação a uma série de outras redes sociais (JENKINS, 2009, p. 348-349).

Em vista das questões elencadas acima podemos considerar que o YouTube inaugurou

uma espécie de transformação que está para além da capacidade de interação, produção e

consumo. As contribuições trazidas por tal site de rede social representam uma reorganização

mais ampla, uma reestruturação ao mesmo tempo cultural, social e econômica que possibilitou

aos usuários gerar e apreender novos significados de modo coletivo. O consumo dos vídeos não

seria mais visto necessariamente como o ponto final, mas como uma possibilidade de os

usuários ressignificarem, ou não, os textos que circulam pela rede. Como defendem os já

clássicos autores Jean Burgess e Joshua Green (2009), o YouTube apresenta uma relação cada

vez mais complexa entre consumidores e produtores na criação de significado e valor. Ao

participarem ativamente da produção dos conteúdos que circulam pelo site os consumidores

estariam também contribuindo para a formação de novos valores culturais, sociais e

econômicos. Luciana Corrêa (2015a) considera que a plataforma abriu espaço e oportunidade

para novos produtores antes desconhecidos ganharem visibilidade.

Com uma interface de fácil usabilidade e comandos simples e intuitivos, o site de rede

social aqui evidenciado, juntamente com toda a mudança observada no ecossistema

comunicacional trazida pelo modelo “pós-massivo” (LEMOS, 2014), teriam proporcionados

aos usuários, inclusive para certas crianças, a possibilidade de ocupar um posto de destaque

que, até então, pertencia apenas àquelas personalidades amplamente difundidas nas mídias de

massa tradicional.

Embora o Google apresente em suas políticas de uso a informação de que no Brasil a

idade mínima para criar uma conta no YouTube é de 18 anos31, o que se vê é a crescente

expansão de canais cujo conteúdo é direcionado especificamente ao público infantil. Uma

amostra desse aumento pode ser observada no estudo realizado pelo ESPM Media Lab sobre o

consumo de vídeos por crianças de 0 a 12 anos no YouTube. O estudo identificou que entre os

100 canais de maior audiência na plataforma, 36 deles tinham conteúdos voltados a crianças

nessa faixa etária, chegando a 17 bilhões de visualizações em 2015 (CORRÊA, 2015b). No ano

seguinte, o estudo apontou um crescimento significativo nas produções com conteúdos

31 Informações disponíveis em: https://www.youtube.com/t/terms. Acesso em: fev/2019.

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condizentes ao universo infantil. Entre os 100 canais de maior audiência em 2016, o número de

canais direcionados ao público infantil saltou para 48, atingindo o montante de 50 bilhões de

visualizações (CORRÊA, 2016). Os dados apresentados por essas pesquisas revelam que

mesmo o YouTube sendo, em tese, um espaço midiático direcionado a pessoas acima de 18

anos, a oferta de entretenimento e diversão para pequenos usuários vem aumentando de modo

significativo nos últimos anos.

É bem verdade que não se pode atribuir uma única razão para a expansão de conteúdo

infantil no YouTube, como também para a sucessiva presença da criança como usuária nesse

ambiente midiático, produzindo e consumindo conteúdo. Entre as muitas razões que podem

contribuir para esse aumento, uma delas certamente diz respeito à baixa incidência de conteúdos

infantis em mídias consideradas tradicionais. Se observarmos especialmente a TV aberta

brasileira, constataremos que a programação destinada ao público infantil diminuiu até

praticamente desaparecer. A Rede Globo, uma das principais emissoras do país, concedia quase

todo o seu horário matutino para a programação destinada à criança. Programas como Xou da

Xuxa32, TV Colosso33, dentre outros, marcaram presença no cotidiano de grande parte das

crianças que viveram em meados das décadas de 1980 e 1990. Atualmente, pelo contrário, a

emissora deixou de oferecer qualquer tipo de entretenimento destinado ao público infantil. Na

atual conjuntura, restam poucos horários nos quais a programação infantil ainda sobrevive em

emissoras como SBT e TV Cultura.

Devido à diminuição na oferta de conteúdo destinado à criança em ambientes midiáticos

que até então eram utilizados de modo majoritário, o YouTube teria despontado também como

um ambiente disponível para o consumo de entretenimento por essa parcela do público. Além

de possibilitar o compartilhamento de conteúdos produzidos pelos próprios usuários, o site se

torna ainda mais interessante para o consumo de entretenimento infantil visto que também

possibilita a visualização de produções que inicialmente foram desenvolvidas para outras

plataformas. Um bom exemplo para elucidar essa questão está na possibilidade de o usuário

fazer o upload34 de um filme, um desenho animado ou um seriado infantil. A bela e a fera35 por

exemplo, inicialmente desenvolvida como uma produção cinematográfica, hoje pode ser

encontrada facilmente no YouTube. Episódios de diversos desenhos animados que por muito

tempo foram transmitidos nas manhãs infantis das emissoras brasileiras também estão

32 https://www.youtube.com/watch?v=dvcApLo6ZAA. Acesso em: fev/2019. 33 https://www.youtube.com/watch?v=cjK205-q3E4. Acesso em: fev/2019. 34 Transferir um arquivo de um computador para um servidor. 35 https://www.youtube.com/watch?v=Tm4HLAHNhv8. Acesso em: fev/2019.

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disponíveis no YouTube, ao alcance de qualquer criança que disponha do acesso à internet. Não

por acaso, o que se vê no momento é a crescente oferta de entretenimento para a criança que

navega pelos incontáveis canais das plataformas de redes sociais online: a criança conectada.

Se de um lado o YouTube possibilita a visualização de filmes, desenhos e outros

conteúdos que inicialmente não foram pensados para serem veiculados nesse espaço, do outro,

o site se destaca à medida que facilita a produção de vídeos pelos próprios usuários, inclusive

pelas crianças. É nessa conjuntura que emergem os chamados youtubers mirins. Figuras infantis

que produzem e compartilham seus vídeos com as centenas de milhares de seguidores que

muitos dos seus canais abarcam.

Diante da importância dos youtubers mirins para os objetivos dessa pesquisa

dedicaremos o próximo tópico para discorrer acerca do surgimento dessa categoria que vem

ganhando espaço e popularidade. Tornam-se atores sociais marcantes para refletir sobre a

produção e o consumo infantil nesse cenário digital, bem como para pensar sobre a

problemática apropriação de tais figuras pelo mercado publicitário. Diferentemente dos

principais apresentadores de TV que dialogavam com o público infantil, no caso das youtubers

mirins percebe-se que, pelo menos em tese, não é o adulto que fala com a criança, mas é a

própria criança que dialoga com seus pares, conferindo à prática comunicacional e, sobretudo

mercadológica, ainda mais autoridade, uma vez que se trata de crianças dialogando diretamente

com outras crianças.

Diante do grande número de crianças que utilizam o YouTube para assistir desenhos,

filmes e, até mesmo, interagir com suas “amigas” – no caso das youtubers mirins – a plataforma

se revela como um efervescente espaço de entretenimento apropriado pelas crianças. Vale

enfatizar que de modo algum estamos querendo afirmar que o YouTube substituiu outras

formas de entretenimento, pois as crianças ainda permanecem tendo acesso a conteúdos infantis

por meio de TV por assinatura, sites de streaming36, dentre outras possibilidades. O que

queremos demonstrar é que o YouTube teria emergido como mais uma opção para a criança

consumir e produzir entretenimento. Uma opção de certo modo interessante tendo em vista que

tanto o número de crianças conectadas quanto o volume de produções infantis se multiplicam

em um ambiente que, a priori, não seria indicado para elas, mas teria sido apropriado por elas.

Tal espaço midiático não estaria apenas viabilizando novas formas de interação, sociabilidade

e entretenimento para o público infantil, mas também promovendo novas formas de

36 Transmissão contínua de vídeos. Uma tecnologia que prescinde do download do vídeo para a sua reprodução.

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subjetivação que, conforme argumentamos acima, caracterizariam a criança do nosso tempo

como a criança conectada.

2.3. Os youtubers mirins e os vídeos unboxing

A apropriação do YouTube como um espaço no qual pessoas anônimas vislumbram a

possibilidade de produzir e compartilhar conteúdo fez emergir uma terminologia específica para

denominar tais produtores. São os chamados youtubers. Entende-se por youtuber o internauta

que cria e publica seu vídeo na rede utilizando como suporte o site do YouTube. Quando o

youtuber é uma criança37, dá-se a esse agente o nome de youtuber mirim. Categoria peculiar de

produtores de conteúdo que vem ganhando destaque e despertando atenção nos últimos anos.

Só em 2016, de acordo com os dados da pesquisa de Corrêa (2016), a categoria youtuber mirim

apresentou um crescimento de 564% em relação ao ano anterior. Um sinal de que há crescente

disponibilidade por parte das crianças em participar e interagir com outros usuários por meio

do site de rede social atuando não somente como espectadores, mas, em muitos casos, também

como produtores de conteúdo.

Segundo Tomaz (2017), as primeiras notícias apresentadas pela grande imprensa

brasileira acerca dos youtubers mirins surgiram no ano de 2015, muito por causa do aumento

progressivo de crianças que reuniam em seus canais milhares de inscritos. Ao discorrer sobre o

deslocamento das crianças para uma posição de destaque na cena midiática atual a autora indica

que a presença dos youtubers mirins pode ser considerada, ao menos, sob duas situações.

Uma diz respeito ao reconhecimento da voz das crianças, vinculado a uma configuração de elementos históricos e socioculturais, que possibilitam conceber a participação das crianças na vida social. A outra condição está relacionada a um espaço disponível para que elas possam manifestar essa presença, em particular a mídia. (TOMAZ, 2017, p. 36).

Acompanhando a perspectiva indicada acima podemos considerar que os sites de redes

sociais, neste caso mais especificamente o YouTube, se revela como um espaço disponível e

37 De acordo com o artigo 2º do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) considera-se criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm. Acesso em: fev/2019.

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acessível para que as crianças possam manifestar sua presença e ganhar visibilidade. Um espaço

no qual a criança, de certo modo, ganhou voz e trouxe para o âmbito público suas experiências,

brincadeiras, como também uma variedade de temas condizentes ao seu cotidiano.

É curioso notar que em grande parte das produções nas quais as youtubers mirins

demonstram suas brincadeiras e situações cotidianas, há de modo recorrente a presença de bens

de consumo. Objetos que não apenas contextualizam as produções exibidas, mas também

contribuem para evidenciar hierarquias sociais e demonstrar estilos de vida que são

invariavelmente atrelados a tais objetos. Como nos lembram Douglas e Isherwood (2013), os

bens atuam como mediadores da experiência social, pois transmitem valores e tornam evidentes

as hierarquias sociais. Ao salientar determinados bens de consumo que carregam seus valores

e sentidos culturalmente constituídos, as youtubers mirins estariam se valendo de tais

competências atribuídas aos objetos para compor a sua própria persona, ensejando uma atitude

performática na qual a vida privada estaria se tornando progressivamente pública.

Ancorado nas reflexões apresentadas pelos trabalhos de Erving Goffman, Roger

Silverstone nos explica que

a vida social é vista como uma questão de administração da impressão. Nosso mundo é um mundo de aparência visível. Vivemos numa cultura apresentacional em que a aparência é a realidade. Indivíduos e grupos apresentam suas faces ao mundo em cenários onde administram sua performance com mais ou menos confiança: palcos em que o que fazemos é para mostrar, para impressionar os outros e definir e manter nosso senso de nós mesmos, um senso de identidade, fora da visão de nossa audiência, podemos preparar a maquiagem, a transformação (SILVERSTONE, 2002, p. 132.)

Diante dessas considerações podemos observar que as youtubers mirins, ao

desempenharem suas performances diante da câmera, fazem isso de modo que a vida

demonstrada nas telas se configure na aparente vida “real” de tais personalidade, até mesmo,

nos casos em que a realidade seria bastante diferente. Afinal, como argumenta Silverstone

(2002), em uma cultura apresentacional a aparência se tornaria a própria realidade.

Em meio a esse contexto de forte presença de objetos e atitudes performáticas, uma

categoria peculiar de vídeos ganha destaque entre as produções das youtubers. Uma produção

de notável capacidade de demonstrar bens de consumo diretamente à criança conectada. Os

chamados vídeos unboxing, termo em inglês cuja livre tradução seria “tirar da caixa”, são

frequentemente exibidos pelos youtubers, sejam eles mirins ou não. Produções dessa natureza

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apresentam produtos sendo desembalados de maneira informal ao mesmo tempo em que são

demonstrados todos os seus detalhes e modos considerados “corretos” de uso.

Com sua popularização em meados do ano de 2006, o unboxing tinha como

característica principal apresentar dispositivos tecnológicos recém-chegados ao mercado, como

novos modelos de celulares, computadores, games etc. Atualmente produções dessa natureza

abarcam uma ampla variedade de produtos, incluindo até mesmo brinquedos e utensílios

destinados ao universo infantil. Não por acaso, as produções unboxing vem despertando

interesse e angariando um número expressivo de espectadores mirins. De acordo com Luciana

Corrêa (2016), o número de visualizações desse tipo de conteúdo representou, em 2016, o maior

crescimento entre as 7 categorias elencadas em sua pesquisa, chegando a marca de 975%

quando comparando ao ano anterior. Um crescimento expressivo de um formato que teria se

tornado muito representativo também para o campo publicitário, uma vez que tem a capacidade

de demonstrar tanto as características técnicas dos produtos, quanto as formas de uso e as

experiências proporcionadas por eles. Constitui-se, ao mesmo tempo, em um produto midiático

capaz de demonstrar bens de consumo, estilos de vida e sustentar hierarquias sociais.

O caso das bonecas L.O.L Surprise38 é bastante elucidativo. Lançada em 2016, a

pequena boneca colecionável que praticamente cabe na palma da mão se tornou uma “febre”

não apenas entre os brasileiros, mas também entre crianças espalhadas ao redor do mundo. Nos

Estados Unidos, por exemplo, foi o brinquedo mais vendido em 2017, comercializando cerca

de 2,5 milhões de unidades pelo mundo em apenas cinco meses (FELDMAN, 2017).

Além de ter utilizado as redes sociais, inclusive o unboxing, como vetores principais de

divulgação, o que impressiona no caso desta boneca são os valores dos itens que fazem parte

da trama de acessórios. Para se ter uma ideia, os valores variam de R$ 80,00 para as bonecas

menos custosas e se aproximam ao patamar de quase R$ 3.000,00 para a casinha da boneca que

abrigaria a coleção. A youtuber mirim Luíza Sayuri, protagonista do Canal da Lulu por

exemplo, exibe em um dos seus vídeos39 a sua “coleção de L.O.L raras e ultra raras”. Desse

modo, nos vídeos unboxing a simples posse de determinado produto seria, por si só, o suficiente

para revelar as categorias sociais e demarcar suas hierarquias.

38 Para mais detalhes sobre o produto acessar http://www.candide.com.br/lol/. Acesso em: fev/2019. 39 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=v5-somvmfUI. Acesso em: fev/2019.

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Figura 3: Coleção L.O.L Surprise da youtuber Luiza Sayuri

Fonte: Canal da Lulu (imagem feita pelo autor)

Ao enfatizarem determinadas brincadeiras que necessitam de certas mercadorias para

serem executadas, as youtubers mirins contribuem para eleger certos modos de brincar como

sendo os mais desejáveis, divertidos e apreciados. Tendo em vista que os youtubers se

transformaram, na atual conjuntura, em “agentes de formação de opinião” (PERES e

TRINDADE, 2017, p. 2) sobre uma dimensão de ser e estar no mundo, tais figuras estariam se

valendo desse posto de autoridade para revelar os modos adequados e, até mesmo, bem-

sucedidos de ser criança em uma contemporaneidade conectada.

Esse posto de referência conferido aos youtubers mirins por parte de seus seguidores é

observado com atenção e interesse também pelo mercado de produtos infantis. Devido à ampla

visibilidade e capacidade de disseminação de conteúdo que os youtubers mirins detêm, diversas

empresas de produtos infantis vislumbrariam em tais figuras uma oportunidade valiosa para

tornar públicas as mercadorias que produzem. Especialmente, considerando que a geração

consumidora da mídia digital tem essas “personalidades da internet” (LEÃO e PRESSLER,

2017) como os seus principais ídolos.

Diante desse posto de referência, não é por acaso que diferentes empresas buscam

vincular suas marcas e produtos ao cotidiano das youtubers. Para além de demonstrarem

produtos e modos de uso, as youtubers mirins também contribuem para um processo de

subjetivação que o coaching midiático ajuda a promover. Um modo de ser criança que tem nas

redes sociais online um de seus principais vetores. Segundo Gisela Castro (2016, p. 7), a

expressão coaching midiático diz respeito à “promoção de modos de ser e estilos de vida

baseados em práticas de consumo na pedagogia social desenvolvida pelos mais diversos

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dispositivos midiáticos”. Assim, consideramos os mais populares youtubers como agentes na

promoção de modos de ser e estilos de vida pautados pelas lógicas do consumo. Atuam na

consolidação de um modo de ser criança no qual o ato de estar sempre conectado à internet se

torna um imperativo preponderante e indispensável para se gozar de uma boa vida. Uma vida

tal qual a performada pelas youtubers mirins, com seus brinquedos e sua invejável

popularidade.

Há sempre uma ocasião na qual essas personalidades infantis convocam seus

espectadores a permanecerem conectados aos seus canais, assistirem aos próximos vídeos de

uma determinada série criada pela youtuber e, até mesmo, deixarem seu recadinho nos

comentários. Como nos explica Renata Tomaz (2017, p. 56), há uma convocação reiterada por

parte das youtubers para “assistirem seus vídeos, dizerem se gostaram (‘dá um like’), deixarem

seus comentários e serem parte dessa rede de amigos”. Uma convocação que não acontece

apenas para tornar tais figuras infantis e suas brincadeiras ainda mais conhecidas, mas também

para aumentar o “valor” mercadológico dos próprios canais. É sabido que alguns youtubers

mirins monetizam seus canais enquanto brincam em frente à câmera para legiões de seguidores

no YouTube. Tal fato pode ser observado de modo contundente por meio do youtuber mirim

Ryan, protagonista do Canal Ryan ToysReviews40. Esse é um garoto de apenas 7 anos de idade

que possui cerca de 17 milhões de seguidores e seus vídeos já foram visualizados

aproximadamente 26 bilhões de vezes.

Figura 4: O pequeno Ryan. O youtuber mais bem pago de 2018

Fonte: Canal Ryan ToysReview (imagem feita pelo autor)

40 Canal Ryan ToysReview. Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UChGJGhZ9SOOHvBB0Y4DOO_w. Acesso em: fev/2019.

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O caso deste menino é bastante emblemático pois em 2018 ele se tornou o youtuber

mais bem pago do ano, segundo a Revista Forbes41, faturando um montante da ordem de US$

22 milhões com vídeos nos quais demonstra e analisa novos lançamentos da indústria de

brinquedos. Não é à toa que os vídeos unboxing se tornam muitas vezes tão rentáveis, pois este

formato possibilita demonstrar e promover de modo descontraído e natural, já que é uma criança

que brinca e comenta sobre o brinquedo diretamente para outras crianças. Uma estratégia

valiosa que ganha ainda mais relevância para o mercado à medida que as interações online

deixam rastros digitais que podem e, frequentemente são utilizados pelas empresas para

segmentar detalhadamente seus públicos de acordo com os perfis de consumo. Como bem nos

lembra Castro,

nossas andanças cotidianas pela web são passíveis de serem rastreadas e alimentam gigantescos bancos de dados, os quais, por sua vez, recebem sofisticados tratamentos estatísticos e informacionais visando embasar os mais diversos tipos de estratégias comerciais (CASTRO, 2011, p. 176).

No marketing vigente, o consumidor não é segmentado apenas levando em consideração

características que, até então, eram suficientes para demarcar os grupos e segmentos, como por

exemplo idade cronológica, classe social, região em que mora etc. O consumidor passou a ser

categorizado de modo mais refinado, considerando especialmente seus hábitos e estilos de

consumo. Gisela Castro (2008) denomina esse fenômeno como “hipersegmentação”42. Isto é, a

classificação dos consumidores pautada em diversos aspectos, desde suas faixas etárias,

gêneros, tipo de esporte preferido, grupo socioeconômico ao qual pertence, páginas em que

navega, o que gosta e o que não gosta, entre outros pontos, contribuem para formar segmentos

cada vez mais homogêneos e estreitos. Logo, cada perfil tão finamente categorizado

corresponde a um segmento ou nicho de consumo cujo potencial o mercado procura explorar.

Fernanda Bruno (2013) explica que os fluxos de informação que circulam no

ecossistema digital se tornam foco privilegiado de monitoramento por diferentes setores,

inclusive pelo publicitário. Interações desempenhadas cotidianamente nesse ambiente estariam

progressivamente mais sujeitas à coleta, registro e classificação. Em posse de uma variedade

41 https://forbes.uol.com.br/listas/2018/12/10-youtubers-mais-bem-pagos-de-2018. Acesso em: fev/2019. 42 Para Castro (2008) “hipersegmentação” diz respeito à crescente classificação e segmentação dos consumidores pautados em diversos aspectos, desde suas faixas etárias, gêneros, grupo ao qual pertence, entre outros. Cada perfil categorizado corresponde a nichos cujo potencial o mercado procura explorar, como neste caso, o nicho do público infantil.

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de informações com base nos rastros digitais dos internautas, muitas empresas empregam

esforços em diferentes estratégias comunicacionais no intuito de otimizar a comunicação entre

as marcas e seu público de modo que pareça personalizada.

No entanto, sabemos que não é bem assim. Softwares43 que gerenciam campanhas de e-

mail marketing por exemplo, apresentam ao consumidor mensagens que, a princípio, parecem

ter sido feitas exclusivamente para ele: uma espécie de propaganda sob medida. São códigos

embutidos nos e-mails que, quando interligados com bancos de dados, podem parabenizar o

consumidor pelo seu aniversário, tratá-lo pelo nome ou apelido se assim preferir, oferecer uma

nova viagem de férias para um destino totalmente distinto do ano anterior e, até mesmo,

acompanhar os caminhos percorridos pelo usuário após o click em determinado lugar da

mensagem. Algoritmos inseridos em meio a diversos sites acompanham o deslocamento dos

usuários, apreendendo os estilos de consumo, e, por consequência, oferecendo gradativamente

ofertas publicitárias que, a princípio, parecem ideais. Uma rápida busca sobre um determinado

produto no Google, por exemplo, é o suficiente para iniciar um processo automático de ofertas

publicitárias baseadas nos termos buscados. Se estiver procurando por uma geladeira,

fatalmente receberá mensagens publicitárias em que os principais produtos ofertados serão

geladeiras ou correlatos.

Além das empresas fazerem uso de ferramentas que buscam gerar uma certa intimidade

com o consumidor, também estão atentas às produções culturais que surgem no intuito de

assimilar novos caminhos para cativar a atenção do seu público. Neste quesito, inclui-se

também a busca por estratégias capazes de atrair a atenção – e o coração – do público infantil.

O vídeo unboxing é um exemplo, visto que nesse tipo de produção há uma linha bastante tênue

entre publicidade e entretenimento, tornando possível o diálogo direto com o público infantil

no ambiente online, driblando as limitações à veiculação de publicidade dirigida às crianças

nos grandes meios de comunicação.

Diante de um cenário no qual as youtubers possuem uma capacidade considerável de

reunir um enorme contingente de espectadores, estando imersos em um ambiente no qual o

monitoramento e o processamento de dados são fáceis e frequentes, tomá-las como garotas

propaganda para a indústria de brinquedos se revela uma medida eficiente para aumentar o valor

de seus canais e colocá-los entre os preferidos no já disputado mercado das youtubers mirins

no Brasil. Apenas para elucidar a capacidade de congregar seguidores que tais figuras infantis

43 Há uma grande variedade de sistemas que enviam e gerenciam campanhas de e-mail marketing. Apenas para citar algumas delas, destacamos Mailchimp, E-Goi, Virtual Target e Aweber.

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dispõem, o canal brasileiro “Planeta das Gêmeas”44, protagonizado pelas irmãs Melissa e

Nicole, foi criado em novembro de 2015 e atualmente conta com mais de 10 milhões de

inscritos. Um conjunto expressivo de pequenos consumidores que as marcas buscam conquistar

se vinculando com as youtubers mirins e suas produções.

Com vídeos divertidos e descontraídos publicados quase diariamente, essas pequenas

personalidades não estariam apenas reunindo uma importante quantidade de espectadores, mas

também constituindo um contingente crescente de fãs. Em artigo publicado em 2012, Gisela

Castro faz uma reflexão sobre a constituição do consumidor-fã nas redes sociais online. A

autora entende por consumidor-fã aquele indivíduo que além de consumir os produtos, também

compartilha conteúdos, participa de discussões e rege sua vida pelo estilo de vida proposto pela

marca em questão. Com a grande necessidade de direcionar esforços para a sedução do

consumidor de certo modo já saturado de mensagens publicitárias, o fator de identificação passa

a ser perseguido pelas empresas no intuito de “transformar clientes em fãs, o consumidor em

um colaborador e principal divulgador da marca” (CASTRO, 2012).

Mobilizando tais argumentos para pensar os youtubers mirins, observa-se que nas

produções de tais personagens isso não é diferente. A todo momento buscam gerar o

reconhecimento entre o produtor (youtuber) e o consumidor (o espectador). De maneira

calculada para parecer divertida e informal, as youtubers procuram se portar como uma criança

comum, como qualquer outra da sua idade. E, fazem isso, se valendo de um artifício

reiteradamente presente nas produções: o erro. Ao invés de ser editado e deixado de fora da

versão final, o erro ganha um papel de destaque objetivando conferir autenticidade ao conteúdo

veiculado como uma produção infantil, caseira.

Em grande parte dos vídeos, inclusive no unboxing, há sempre uma ocasião na qual o

erro é explicitado, sendo praticamente impossível passar despercebido. A imagem modifica

suas tonalidades e, no momento em que o erro é marcado, o vídeo deixa suas cores e passa para

tons de preto e branco, simulando uma espécie de making of ou cenas de bastidores. Um recurso

que contribui para expor a youtuber mirim como uma garota comum que, evidentemente,

também erra. Neste caso, o erro aparece como um artifício cuidadosamente pensado para

potencializar a identificação e o vínculo afetivo entre a youtuber e seus consumidores-fãs.

Ao discorrerem sobre os motivos que levam os youtubers a abarcarem um gigantesco

grupo de seguidores, Peres e Trindade (2017, p. 15) argumentam que o componente de

44 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCqqGXzmJn6biINRt5OILmRQ. Acesso em: fev/2019.

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amadorismo e informalidade presente nas produções dessas figuras “sugere que estes

indivíduos são semelhantes ao seu público. Esta aura amadora traz espontaneidade,

descontração, empatia que possibilita o vínculo identitário com o público – o youtuber é como

eu”. Estabelecem, assim, um ambiente no qual o espectador passa a se constituir como seguidor

e divulgador do canal: um consumidor-fã, (CASTRO, 2012).

Observando que crianças estão consumindo e também produzindo conteúdo nessas

plataformas online, o objetivo de diversas empresas infantis, além de ofertar uma gama

expressiva de bens de consumo é fazer isso ao mesmo tempo que entretêm e divertem as

crianças. Se bem executado, esse investimento da publicidade contemporânea em entreter e

divertir faz com “que o consumidor esteja o maior tempo em interação positiva com as marcas”

(CARRASCOZA, 2014, p. 60). Assim, “quanto mais tempo uma marca estiver na vida de uma

pessoa, melhor” (Idem). Por essa perspectiva, o unboxing seria um formato midiático

conveniente para a publicidade dirigida à criança, pois tem a capacidade de colocar um

determinado produto ou marca em contato com a criança pelo maior tempo possível enquanto

ela brinca e se diverte. Defendemos, portanto, que unboxing constitui um formato de grande

valia para a veiculação de publicidade dirigida ao público infantil. Configura-se como um

formato midiático eficaz cuja potência torna-se ainda maior à medida que marcas e brinquedos

são endossados por figuras infantis altamente difundidas no universo digital: os youtubers

mirins.

Ao longo deste capítulo, buscamos ressaltar elementos que contribuíram para

reorganizar o ecossistema comunicacional, conferindo aos usuários, inclusive às crianças,

maior capacidade para produzir, consumir e compartilhar conteúdos na rede. No entanto, se por

um lado podemos dizer que na cultura digital o consumidor dispõe de maior capacidade para

receber e distribuir conteúdos, por outro lado, não podemos ser ingênuos a ponto de endossar

um discurso no qual os usuários não estariam mais expostos a um ambiente controlado por

grandes corporações, enaltecendo um certo aspecto de liberdade dos internautas. Pelo contrário,

podemos observar que diferentes sites e plataformas, ao se destacarem no cenário digital, são

reiteradamente adquiridas por grandes conglomerados empresariais, tais como Google e

Facebook, por exemplo. O caso do Facebook é bastante elucidativo. Em 2012, ao perceber o

crescente interesse dos internautas por uma plataforma que possibilitava colocar filtros nas

fotos antes de publicá-las, a empresa adquiriu o Instagram. Em 2014, de maneira parecida, a

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companhia comprou uma outra plataforma que se destacava. Por cerca de US$ 22 bilhões45, o

Facebook concretizou a aquisição do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp. Assim,

ao invés do universo digital se tornar um ambiente livre dos grandes conglomerados midiáticos,

como é muitas vezes enaltecido pelos usuários, podemos dizer que tais corporações estaria se

tornando os grandes mediadores e, até mesmos, os curadores das informações que circulam pela

rede. Algoritmos que trabalham em meio às plataformas rastreiam as informações que deixamos

ao percorrermos os diferentes espaços digitais, criando diversos filtros que variam de acordo

com os nossos gostos e estilos de navegação. Assim, grandes conglomerados midiáticos, em

muitos casos, estariam se tornando os curadores dos assuntos pelos quais seremos impactados,

escolhendo e selecionando cada tema de acordo com nossas práticas de consumo nas redes

online.

Por outro lado, é notável que mesmo com seus problemas e, até mesmo, limitações, o

universo digital possibilitou e potencializou maneiras colaborativas de circulação e distribuição

dos textos midiáticos. Tornou-se em um espaço no qual a junção entre comunicação, consumo

e entretenimento se caracteriza como uma das principais razões pelas quais um conteúdo é

consumido e compartilhado pelos internautas. Não é à toa que a publicidade busca inserir

sistematicamente em seus materiais elementos ligados ao universo do entretenimento,

objetivando ofertar e demonstrar bens de consumo ao mesmo tempo em que divertem seus

consumidores, inclusive as crianças.

45 Disponível em: http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2014/10/preco-de-compra-do-whatsapp-pelo-facebook-sobe-us-22-bilhoes.html. Acesso em: fev. 2019

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Capítulo 3. A Publicidade e as “Garotas Propaganda” no YouTube

Como dissemos, nos últimos anos houve uma impressionante ascensão no número de

pessoas conectadas aos diferentes aparatos tecnológicos, inclusive as crianças, as quais também

participam de modo ativo dos processos de produção na mídia. Tomando como ponto de

observação a plataforma do YouTube observa-se um expressivo contingente de crianças que se

apropriam desse espaço como um ambiente disponível tanto para a produção e o consumo de

entretenimento, como também para promoção de novas formas de subjetivação, as quais

enfatizam modos específico de ser criança em uma era conectada.

Atualmente os youtubers mirins se tornaram personalidades que demonstram, ensinam

e ao mesmo tempo, promovem modos de ser criança, os quais invariavelmente estão atrelados

a bens de consumo. Configuram-se personagens que abarcam certa importância para as marcas

de produtos infantis, especialmente para empresas cuja principal atividade é a produção e

comercialização de brinquedos. Vale destacar que não estamos generalizando e afirmando neste

estudo que todos os youtubers mirins estariam sendo apropriados por diferentes empresas para

promover seus produtos diante do público infantil. Nosso objetivo é lançar luz sobre a

perspectiva na qual tais personagens estariam despertando a atenção de um mercado que se

depara com regulamentações que, a princípio, normatizam o diálogo com as crianças.

O interesse das marcas pelos youtubers tem como uma de suas bases a capacidade que

tais personagens exibem em atrair pessoas. Dados fornecidos pela plataforma SocialBrade

indicam que youtubers mirins integram a lista dos canais mais populares dentre os 50 canais

com maior número de seguidores no YouTube Brasil. Os canais Planeta das Gêmeas46, Bela

Bagunça47 e Juliana Baltar48 se destacam devido ao grande número de seguidores e

visualizações. Juntas, as três youtubers mirins citadas representam um conjunto da ordem de

25 milhões49 de seguidores. Além disso, suas produções somam mais de 5 bilhões de

visualizações. Assim, não podemos negar que, se de um lado as crianças ganham voz e trazem

ao âmbito público questões pertencentes ao universo infantil, do outro, diversas empresas

vislumbram em tais personalidades um grande potencial para chamar a atenção da criança

46 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCqqGXzmJn6biINRt5OILmRQ. Acesso em: fev/2019. 47 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UChYWDADhmWJU6_X7Vm7FzDw. Acesso em: fev/2019. 48 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCqDauP_ke8Lwt8Hg3Xv-8Iw. Acesso em: fev/2019. 49 Dados atualizados em: fev/2019.

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conectada, uma vez que seus canais detêm um importante contingente de possíveis

consumidores.

Tendo em vista que no Brasil há certas regulamentações que não permitem a

indiscriminada veiculação de publicidade endereçada ao público infantil, entendemos que a

presença dos youtubers mirins na cena midiática vigente teria se revelado como uma brecha

valiosa para a atuação da atividade publicitária. No tópico seguinte nos deteremos a discorrer

sobre as disputas que envolvem a regulamentação da publicidade infantil no Brasil, para que

desse modo possamos compreender como a criança que brinca diante da câmera se torna um

relevante produto para o mercado publicitário.

3.1. Disputas acerca da publicidade dirigida às crianças no Brasil

No Brasil atual, a atividade publicitária dirigida ao público infantil possui diferentes

entraves que não permitem sua veiculação de maneira irrestrita e de modo deliberado. Embora

não haja uma lei específica que trate da publicidade infantil no país, existem diversas diretrizes

que norteiam a promoção de produtos para as crianças.

O uso de diferentes recursos pela publicidade visando dialogar com o público infantil

não é novidade. Em outros momentos eram veiculadas campanhas com apelos um tanto

discutíveis. Em meados dos anos 1990, por exemplo, foram ao ar anúncios que seriam

certamente rechaçados pelas regras da cultura midiática vigente. O clássico comercial

elaborado para promover uma linha de tesouras infantis intitulado Eu tenho, você não tem50,

bem como o igualmente famoso comercial que promovia um produto de uma grande fabricante

de chocolates, intitulado Compre Baton51, são bons exemplos.

50 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zMFqTzH_dn0. Acesso em: fev/2019. 51 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sBWu7ibZDVg. Acesso em: fev/2019.

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Figura 5: Propagandas infantis no passado

Fonte: YouTube (imagem feita pelo autor)

Mesmo que propagandas desse tipo não sejam mais veiculadas, ainda assim é preciso

trazer à luz a percepção de que estamos caminhando a passos lentos quando o assunto é a

efetividade e a aplicabilidade das regulamentações diante de grande parte das corporações que

comercializam produtos destinados às crianças no Brasil. As normas vigentes se fazem valer

majoritariamente em formatos midiáticos tradicionais, como a TV aberta, por exemplo, que em

função das limitações regulamentares diminuiu drasticamente a veiculação de propaganda

dirigida ao público infantil. Por outro lado, no universo digital tais regulamentações não são

apreendidas do mesmo modo. Ao defendemos ser este um debate de fundamental importância,

apresentamos elementos que corroboram nossa inquietação com o cenário em vigor.

Partindo do pressuposto de que a criança estaria em um processo de formação e,

portanto, poderia ser mais facilmente influenciada pelos anúncios publicitários, o Código de

Defesa do Consumidor (CDC)52 dispõe em seu artigo 37 sobre a proibição de toda publicidade

enganosa e abusiva. Nesse caso, entende-se por publicidade enganosa qualquer modalidade de

informação ou comunicação de caráter publicitário capaz de induzir o consumidor ao erro sobre

a natureza, característica, qualidade, quantidade, origem e quaisquer outros dados acerca do

produto ou serviço. É considerada abusiva a publicidade que incite à violência, explore o medo,

se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança. No artigo 36 do CDC

também está previsto que a prática publicitária deve ser veiculada de tal forma que o

consumidor fácil e imediatamente a identifique como tal. Este tipo de identificação se torna um

tanto mais dificultosa devido à proliferação de produções que entrelaçam publicidade e

entretenimento.

52 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. Acesso em: fev/2019.

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Trazendo os vídeos unboxing produzidos por youtubers mirins para pensar sobre esta

questão, podemos notar que o fator comercial que, muitas vezes, estaria embutido em tais

produções nem sempre é demonstrado de modo evidente e claro para o consumidor. Desse

modo, torna-se difícil seu reconhecimento não apenas pelas crianças, mas também por parte de

qualquer pessoa que esteja em contato com tal produção.

O vídeo intitulado Escola da minha boneca Our Generation com novos acessórios53,

publicado no canal Crescendo com Luluca, não exibe nenhuma informação de que tal produção

pode envolver elementos comerciais. Pelo contrário, tudo leva a crer que se trata apenas de mais

uma brincadeira desempenhada pela criança frente à câmera. No entanto é evidente que

apresentam os brinquedos nos mínimos detalhes e demonstram os modos divertidos de brincar.

Ainda que possam ter sido produzidos de modo espontâneo, sem a interferência do patrocínio

comercial, é inquietante o modo como tais produções contribuem para promover bens de

consumo no cotidiano da criança conectada.

Figura 6: Unboxing realizado pela youtuber Luluca

Fonte: Canal da Luluca (imagem feita pelo autor)

Mesmo naquelas produções que explicitam suas intenções comerciais, tal informação

ainda nos parece ser secundária e insuficientemente clara para o público infantil. A youtuber

mirim Luíza Sayuri, protagonista do Canal da Lulu, apresenta no vídeo Hatchimals

53 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KopDbwxgNck. Acesso em: fev/2019.

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Colleggtibles série 354 uma pequena mensagem no corpo da descrição do vídeo informando que

se trata de uma produção patrocinada. Mas, se considerarmos apenas a produção audiovisual,

deixando de lado a sua descrição, a percepção de que é ou não uma produção patrocinada se

torna demasiadamente problemática. Ao longo dos quase 10 minutos do vídeo a youtuber não

somente apresenta o produto e suas características, mas faz isso enquanto brinca e

aparentemente se diverte com ele, tornando imprecisa a fronteira que delimita a publicidade e

o entretenimento.

Figura 7: Vídeo patrocinado Canal da Lulu

Fonte: Canal da Lulu (imagem feita pelo autor)

Em abril de 2014 foi publicada a resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da

Criança e do Adolescente (CONANDA)55, órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos

da Presidência da República, que dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade

e comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. Segundo esta resolução que de certo

modo reforça as normativas que já eram evidenciadas no artigo 37 do CDC, entende-se por

comunicação mercadológica toda e qualquer atividade de comunicação comercial, inclusive

publicidade, para a divulgação de produtos e serviços, marcas e empresas, independentemente

do suporte, da mídia ou do meio utilizado. É considerada abusivo o direcionamento da

comunicação mercadológica com a intenção de persuadir a criança para o consumo de serviço

54 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l0Uobh5xzCc&list=PLtvGuQV9Ghf302ZFbKeQErf_JvcKeybwr. Acesso em: fev/2019. 55 Disponível em: http://www.direitosdacrianca.gov.br/conanda/resolucoes/163-resolucao-163-de-13-de-marco-de-2014/view. Acesso em: fev/2019.

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ou produto, utilizando para isso qualquer dos 9 elementos elencados na resolução, sendo eles:

1) linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores; 2) trilhas sonoras de músicas infantis

ou cantadas por vozes de crianças; 3) representação de criança; 4) pessoas ou celebridades com

apelo ao público infantil; 5) personagens ou apresentadores infantis; 6) desenho animado ou de

animação; 7) bonecos ou similares; 8) promoção com distribuição de prêmios ou de brindes

colecionáveis ou com apelo ao público infantil; 9) promoção com competições ou jogos com

apelo ao público infantil.

A princípio, a validade dessa normativa se estenderia para todos os ambientes, sejam

eles tradicionais ou digitais, incluindo eventos, espaços públicos, páginas de internet, spots de

rádio, canais televisivos e assim por diante. Independentemente do horário de veiculação. No

entanto, cabe ponderar que as normas que regulamentam a publicidade dirigida às crianças no

país não pretendem bani-la, mas, em tese, conter seus abusos. Por essa perspectiva, uma vez

que uma empresa exerce seu direito de fazer publicidade, seria obrigada, em contrapartida, a

respeitar os princípios que regeriam tal prática na atual conjuntura brasileira.

A resolução 163 do CONANDA não foi bem recebida pelo mercado. A discussão sobre

o controle ou não da publicidade dirigida à criança no Brasil acontece de forma polarizada. De

um lado estariam os defensores da garantia dos direitos das crianças diante dos efeitos da

publicidade; do outro estariam aqueles que defendem a não regulamentação por parte do Estado,

argumentando que tal regulamentação acarretaria uma espécie de censura à liberdade de

expressão (CRAVEIRO; BRAGAGLIA, 2017).

Após a publicação desta resolução houve diversas manifestações de entidades ligadas

ao mercado apresentando uma espécie de repúdio em relação à normativa. Uma das

demonstrações de insatisfação mais contundente aconteceu por meio de uma nota pública56

assinada pela ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) bem como

por outras entidades que congregam o mercado57 de comunicação brasileiro. Em nota, deixou-

se explícita a insatisfação sob alegação de que as entidades não reconheciam que a publicação

do CONANDA possuía força de lei, uma vez que reconhecem o poder legislativo, exercido

pelo Congresso Nacional, como o único foro com legitimidade para legislar sobre a publicidade

56 Disponível em: https://www.abert.org.br/web/index.php/notmenu/item/22580-nota-publica-publicidade-infantil. Acesso em: fev/2019. 57 Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA), Associação Brasileira de Rádio e Televisão (ABRATEL), Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e Central de Outdoor.

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comercial no país. As entidades argumentaram ainda sobre o fato de já existir uma

autorregulamentação publicitária, exercida pelo CONAR. O modelo de autorregulamentação é

apontado pelas entidades como o melhor e mais eficiente caminho para o controle de práticas

abusivas em matéria de publicidade comercial no Brasil (ABERT, 2014).

O CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) entidade sem fins

lucrativos formada por iniciativa da sociedade civil, tem como objetivo fiscalizar as campanhas

publicitárias que são veiculadas em território nacional. Conforme consta no próprio site da

entidade, “é uma organização não-governamental que visa promover a liberdade de expressão

publicitária e defender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial” (CONAR,

2018). No entanto, mesmo carregando sua devida importância para a publicidade e atuando

como uma organização que buscaria defender os interesses do mercado publicitário, não

podemos deixar de questionar que há alguns problemas na sua estruturação e com seu modus

operandi. A autorregulamentação exercida pelas próprias entidades ligadas ao mercado visando

estabelecer diretrizes aos publicitários, anunciantes e veículos de comunicação sobre o modo

de se comunicar com as crianças, e, consequentemente, orientá-los a aderirem uma postura

aceitável pelo conjunto de signatários dos compromissos, pode ser descrito, de modo

pragmático, como uma espécie de “acordo de cavalheiros” (KARAGEORGIADIS, 2017) com

objetivo de minimizar questões concorrenciais.

No Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária58 (CBARP), aplicado pelo

CONAR, na sessão 11, art. 37 está descrito o seguinte texto:

Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo à criança (CONAR, 2018).

No inciso 3 do mesmo artigo 37 do CBARP, a entidade condena a ação de

merchandising ou publicidade que empregue crianças, elementos do universo infantil ou

artifícios com a deliberada finalidade de captar a atenção da criança, independentemente do

veículo de comunicação que seja utilizado para isso. Uma condenação um tanto paradoxal por

parte da entidade, visto que diversas youtubers mirins são patrocinadas por empresas, atuando

como garotas propagandas de marcas infantis.

58 Disponível em: http://www.conar.org.br/. Acesso em: fev/2019.

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Mesmo o CONAR sendo responsável por aplicar o Código Brasileiro de

Autorregulamentação Publicitária (CBARP), e por ser uma entidade formada por integrantes

da sociedade civil, tal instituição não possuiria poder jurídico na implementação de suas

decisões, uma vez que a aplicabilidade e a força de suas recomendações são baseadas

exclusivamente na adesão dos seus associados, os quais escolhem voluntariamente seguir ou

não as decisões deliberadas pelo conselho de ética da entidade.

Além da falta de aplicabilidade de suas decisões, cabe aqui levantar algumas outras

questões que emanam quando tratamos do modo como é exercida a autorregulamentação

publicitária no país. É evidente que não pretendemos oferecer respostas, o que foge ao escopo

dessa pesquisa, mas, faz-se necessário problematizar a questão. Dentre os pontos controversos

destacam-se: a celeridade na apuração das denúncias em relação ao tempo de veiculação da

publicidade, os possíveis interesses envolvidos nas decisões e a validade das sanções apenas

para os associados da entidade.

Devido aos altos custos cobrados para a veiculação de uma peça publicitária no Brasil,

especialmente nos veículos tradicionais como a TV por exemplo, o tempo de duração de uma

campanha não é muito extenso. Desse modo, o período que decorre entre o CONAR receber a

denúncia, analisar e aplicar as sanções que julga necessário, com bastante frequência, é maior

do que o período em que a propaganda efetivamente é veiculada no ambiente midiático: um

processo complexo diante da agilidade e dinamismo da atividade publicitária.

O conflito de interesses em meio às decisões da entidade é outra questão que não seria

possível deixar de pontuar. Por ser uma entidade que admite a participação no seu Conselho de

Ética somente de representantes e associados vinculados a agências de publicidade, veículos de

comunicação e anunciantes, o CONAR encontra, a priori, certa dificuldade em legislar sobre

queixas e reclamações que são dirigidas a empresas cujos representantes, em muitos casos,

fazem parte do conselho deliberativo da entidade. Evidentemente, não estamos afirmando sobre

a parcialidade ou algum tipo de favorecimento nas decisões deferidas pelo órgão, porém nos

parece problemática a imparcialidade no trato das denúncias por uma entidade cujas medidas

ficam a cargo dos próprios profissionais do campo, que nesta conjuntura dariam o veredito final.

Do mesmo modo, nos parece problemática a abrangência de tais decisões, uma vez que se limita

apenas às empresas que são associadas ao CONAR. Além das decisões da entidade funcionarem

como uma espécie de “acordo de cavalheiros” por não possuírem efetivamente poder jurídico,

também são restritas ao âmbito dos associados, o que não abarca evidentemente o mercado

como um todo.

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As disputas acerca do tema empregam diferentes visões. De um lado, as empresas

defendem um formato de autorregulamentação nas questões relacionadas à regulação da

publicidade comercial no país. Do outro lado, estão algumas diretrizes como CDC e

CONANDA que serviriam de guia para a ação publicitária, sobretudo, dirigida à criança.

Somando-se a isso, desde dezembro de 2001 tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei

5.92159. De autoria do Deputado Luiz Carlos Hauly, o projeto propõe acrescentar um parágrafo

no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor no intuito de tornar explicitamente proibida

a publicidade de produtos infantis no Brasil. Tendo em vista que o Projeto de Lei ainda não foi

votado, podemos esperar que independentemente de qual seja o seu resultado a queda de braço

entre a publicidade e as entidades defensoras dos direitos das crianças ainda pode revelar novos

capítulos nos próximos anos.

De todo modo, em meio às disputas sobre publicidade dirigida às crianças e seus efeitos,

não podemos carregar um olhar ingênuo e conceder apenas à publicidade a causa única para os

problemas que estariam surgindo no cotidiano infantil. Em sua pesquisa sobre a relação das

crianças com a mídia e o consumo de produções jornalísticas na TV, Maria Isabel Orofino

(2015) nos lembra que, enquanto estamos nos preocupando apenas com a publicidade como se

esta fosse a causadora de todos os males da vida contemporânea, estaríamos deixando de olhar

para o conjunto de programas de TV e outras produções midiáticas que, em grande medida,

seriam inapropriados para o público infantil (OROFINO, 2015). Para a autora, o problema é

maior e mais complexo que a proibição única e exclusiva da publicidade destinada à criança,

uma vez que não irá tirá-las da frente de apelos sedutores aos quais estão expostas em diferentes

esferas da vida. Pelo contrário, a autora defende que a proibição poderia, na realidade,

prejudicar as crianças, pois a falta de publicidade afetaria as cotas de patrocínio e apoio cultural

destinados a esse público, resultando no encolhimento progressivo da oferta de conteúdo

voltado para as crianças.

Tais tensões são recorrentes e demandam cautela para sua solução. No entanto, possuir

diretrizes que sirvam, de maneira efetiva, como guias nos parece um pressuposto razoável para

a prática publicitária. Tornar a propaganda evidente aos olhos do público deveria ser uma

premissa plausível objetivando informar o consumidor sobre o que de fato está em jogo. Porém,

como demonstramos, as ações publicitárias inseridas em meio às produções de entretenimento

acabam por embaçar, de modo considerável, as fronteiras que separam a atividade comercial

59 Para mais detalhes acessar: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=43201. Acesso em fev/2019.

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da atividade de entretenimento. Uma junção inquietante que é observada de modo recorrente

nas publicações das youtubers mirins.

3.2. Publicidade, entretenimento e youtubers mirins: uma ligação inquietante

Com a proliferação de plataformas de comunicação digital, novos canais passaram a

integrar as estratégias comunicacionais das empresas com o objetivo de apresentar seus

produtos e serviços ao público consumidor. Emergiram não apenas novos espaços midiáticos

que possibilitaram variadas formas de interação, como também diferentes formatos

publicitários.

Até então, a atividade publicitária majoritariamente se definia a partir da ideia do

intervalo comercial, da noção da interrupção da programação para a veiculação da mensagem

promocional. Uma técnica que não acabou e ainda é utilizada de maneira recorrente em diversas

campanhas publicitárias, especialmente nas veiculadas em mídias “tradicionais” como a TV,

rádio, revista, jornais entre outros. No entanto, a publicidade praticada na contemporaneidade

para além dos intervalos comerciais também emprega um outro aspecto curioso. Procura não

realizar a interrupção, mas se inserir em meio as próprias produções de entretenimento. A

interrupção do fluxo comunicacional como um aspecto que definia a ação publicitária e

marcava o início e o fim da mensagem deixa de existir quando a própria mensagem comercial

se insere como parte integrante do conteúdo.

Vale ponderar que a inserção de mensagens comerciais em ambientes de entretenimento

não é uma novidade, nem tampouco seu início é decorrente do surgimento das mídias digitais.

Outros formatos como merchandising, merchandising (editorial) e product placement por

exemplo já têm por característica inserir o apelo comercial em formatos que não

necessariamente seriam publicitários. O que nos chama a atenção no cenário midiático vigente

é que a possibilidade de inserir conteúdos mercadológicos em meio a produções de

entretenimento teria se ampliado, encontrando novos caminhos capazes de expandir tal junção.

Antes de prosseguirmos faz-se necessário conceituar os termos merchandising,

merchandising (editorial) e product placement, visto que carregam uma relativa similaridade,

mas são aplicados de modos distintos. Armando Sant’anna (2002) considera como

merchandising todos os aspectos de venda de produtos ou serviços ao consumidor prestados

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por meios que não sejam os veículos de publicidade. De modo mais pragmático, Juan Droguett

e Bruno Pompeu (2012) classificam como merchandising as “ações de comunicação feitas no

ponto de venda” que podem ser realizadas utilizando-se de cartaz, faixa de gôndola, adesivos

de chão, banner, display etc. Outros autores nomeiam essa prática de merchandising (editorial)

ou product placement.

Regina Blessa (2006 apud BEZERRA, 2014, p. 34) argumenta que quando falamos de

merchandising (editorial), falamos das aparições sutis de produtos em meio a diferentes

produções midiáticas, como por exemplo: um simples refrigerante que aparece na cena de uma

novela, numa demonstração de produto dentro de um programa de auditório, etc. Segundo a

autora, no Brasil o termo merchandising acaba englobando uma variedade de ações,

descaracterizando o sentido da palavra que está associado com a promoção de mercadorias nos

pontos de venda. Desse modo, a autora argumenta que o merchandising seria “o conjunto de

técnicas responsáveis pela informação e apresentação destacada dos produtos na loja, de

maneira tal que acelere sua rotatividade” (BLESSA, 2006 apud BEZERRA, 2014, p. 34).

Figura 8: Merchandising PDV60

Fonte: marketingmoderno.com.br

Diante da perspectiva apresentada por Blessa (2006 apud BEZERRA, 2014) o

merchandising e merchandising editorial carregam suas diferenças e não possuem o mesmo

60 Sigla para Ponto de Venda. Termo utilizado de modo recorrente entre os profissionais de marketing e publicidade.

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sentido. O primeiro diz respeito à promoção de produtos em PDV conforme apresentado na

Figura 8, e o segundo estaria mais relacionado à inserção estratégica de marcas em conteúdo de

entretenimento. Na figura a seguir há uma demonstração do merchandising (editorial) realizado

no programa Carrossel Encantado no ano de 2012.

Figura 9: Merchandising Editorial no Programa Carrossel Encantado, 2012

Fonte: YouTube.com.br61

A estratégia do product placement, também conhecida e frequentemente confundida

com merchandising, possui características bastante parecidas com as observadas no

merchandising (editorial). O objetivo também é inserir marcas, produtos ou serviços em meio

às produções de entretenimento, sejam elas telenovelas, filmes, programas de TV, noticiários,

entre outros. No entanto, conforme argumentam Raul Santa Helena e Antônio Pinheiro (2012),

há certa distinção entre tais nomenclaturas e, principalmente, no seu processo de atuação.

Enquanto no Merchandising (editorial) há de certa forma, a mesma mentalidade da publicidade convencional, de interromper o fluxo natural do conteúdo de entretenimento, no Product Placement a ideia é que essa presença ocorra de forma fluida, mais sutil e gerando menos repulsa por parte dos telespectadores (SANTA HELENA e PINHEIRO, 2012, p. 157).

Beatriz Braga Bezerra (2014, p. 38) resume as três categorias da seguinte forma:

merchandising diz respeito a “ações no ponto de venda que visam promover marcas, produtos

61 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DHbwDa87_NQ. Acesso em: fev/2019.

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e serviços”. O merchandising (editorial) diz respeito a “inserções de produtos e marcas em

conteúdo de entretenimento de forma invasiva, ou seja, interrompendo o fluxo imersivo e

seguindo a lógica do break publicitário”. E a categoria product placement diz respeito à

“inserção de produtos e marcas em conteúdo de entretenimento sem interromper o fluxo

imersivo. O discurso publicitário se integra à trama ou informação que o leitor consumia”.

Como visto, a inserção de produtos em meio às produções de entretenimento não é uma

prática que teve seu início somente na cultura digital, mas já se fazia presente de modo

contundente em produções veiculadas nas chamadas mídias tradicionais. Por outro lado,

também podemos notar que diante de um cenário no qual a audiência se encontra espalhada por

diferentes canais de comunicação, restaria a publicidade se adaptar aos meandros para que

pudesse despertar o interesse de um público diluído pelas múltiplas plataformas online. Não

por acaso, as produções que realçam conteúdos de entretenimento se revelam um importante

caminho para abordar os consumidores em um mercado substancialmente saturado.

Scott Donaton (2007) explica que essa motivação da publicidade em se inserir nos

roteiros dos programas de entretenimento não teria acontecido simplesmente pelo desejo das

empresas em estabelecer um diálogo mais amigável com o consumidor, mas principalmente

devido ao medo de que os famosos comerciais de trinta segundos se tornassem obsoletos diante

das tecnologias digitais. Para designar o entrelaçamento entre publicidade e entretenimento,

Donaton (2007) utilizou a expressão Madison & Vine: uma alusão às avenidas Madison (em

Nova York) e Vine (em Hollywood). Essa ideia foi bastante difundida e posteriormente

ampliada para Madison, Vine & Valley, sendo este último elemento uma referência às

contribuições tecnoculturais advindas do Vale do Silício (Silicon Valley).

O autor argumenta que em decorrência das mudanças tecnológicas, especialmente em

relação à televisão digital, o consumidor que já não se deixava enganar agora teria a seu favor

meios para banir as propagandas invasivas na programação do seu dia-a-dia. Em vista disso,

seria necessária uma mudança de mentalidade do mercado publicitário que trocaria o modelo

de intrusão para o modelo de convite. Segundo Donaton (2007), nos últimos cem anos a

propaganda se baseou no modelo de intrusão, um formato que quase nunca foi muito bem-vindo

mas teria sido aceito pelo consumidor como um mal necessário, um preço a pagar pelo rádio e

pela TV gratuitos. No entanto, nos últimos anos o consumidor teria mais instrumentos à sua

disposição para “driblar” os intervalos comerciais. Assim, “uma vez que os anunciantes perdem

os meios para invadir os lares e a mente dos consumidores, vão ter de resignar-se a aguardar

um convite para entrar” (DONATON, 2007, p. 37).

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À medida que se torna mais fácil para o consumidor se esquivar das mensagens

publicitárias, torna-se também urgente para o mercado publicitário encontrar novas maneiras

de chamar a atenção do público. E o entretenimento, evidentemente, seria um artifício valioso

para tal finalidade. João Carrascoza (2008) argumenta que é estratégico

esse investimento da publicidade contemporânea nas construções retóricas voltadas menos para as qualidades dos produtos e mais para a emoção que provocam, objetivando levar ao leitor campanhas mais divertidas, que lhe proporcionem entretenimento. A publicidade acompanha o desenvolvimento da sociedade de consumo e, uma vez que os produtos se tornam cada vez mais commodities, [...] cambia também a maneira de melhor apresentá-los (CARRASCOZA, 2008, p. 222).

A ideia da imbricação da mensagem comercial ao próprio conteúdo de entretenimento

é por si só uma questão bastante interessante. Mas, quando a ação promocional baseada nesses

termos é direcionada efetivamente às crianças, em um cenário no qual existem regulamentações

que normatizam a publicidade dirigida ao público infantil, esse tema se torna ainda mais

candente e digno de discussão.

A princípio, os vídeos unboxing integrariam facilmente a categoria de entretenimento.

No entanto, ao se levar em conta o patrocínio de youtubers mirins; os “mimos” e presentes que

tais personagens recebem de diferentes empresas de brinquedos; bem como o grande número

de espectadores e o expressivo potencial de alcance que seus canais abarcam, tais vídeos se

revelam, em muitos casos, como um formato publicitário atrelado às lógicas do entretenimento.

Tornam-se uma opção vantajosa para a promoção de produtos infantis driblando as

regulamentações que normatizam a prática publicitária no Brasil.

Lançando mão desse tipo de produção, diferentes empresas de produtos infantis

estariam vislumbrando nesse formato midiático, ainda sem regulação, um ambiente favorável

não apenas para dialogar com as crianças, mas principalmente para oferecer, cativar e convocar

o público infantil a consumir seus produtos. Cabe destacar que em tais produções não há apenas

a interpelação dos consumidores infantis para o consumo dos bens na sua materialidade. Para

além dos brinquedos demonstrados, também se consomem estilos de vida e modos de ser

criança preconizados pelas youtubers mirins e sustentados pela posse de certos produtos. Como

nos ensina Everardo Rocha (2010), em um anúncio publicitário mais do que consumir os

produtos, consumimos estilos de vida e visões de mundo.

Se compararmos o fenômeno do consumo de anúncios e o de produtos, iremos perceber que o volume do consumo implicado no primeiro é infinitamente

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superior ao do segundo. O consumo de anúncio não se confunde com o consumo de produtos. Podemos até pensar que o que menos se consome num anúncio é o produto. Em cada anúncio vendem-se estilos de vida, sensações, emoções, visões de mundo, relações humanas, sistemas de classificação, hierarquia em quantidades significativamente maiores que geladeiras, roupas ou cigarros. Um produto vende-se para quem pode comprar, um anúncio distribui-se indistintamente (ROCHA, 2010, p. 32).

Desse modo, o que torna inquietante na categoria de vídeos unboxing diante da

publicidade destinada às crianças reside principalmente no fato de não haver uma diferenciação

clara entre o conteúdo de entretenimento e a mensagem promocional. Se observarmos, por

exemplo, o vídeo da youtuber mirim Juliana Baltar62 (Figura 10), uma das principais figuras

infantis no YouTube Brasil, não saberemos ao certo se tal produção tem ou não um viés

comercial. Mas, por outro lado, é evidente seu viés promocional. O vídeo intitulado “Presentes

dos Estados Unidos”63 nos dá uma amostra da indistinta fronteira entre a promoção dos

produtos e diversão.

Figura 10: Unboxing no canal Juliana Baltar

Fonte: Canal Juliana Baltar no YouTube (imagem feita pelo autor)

Neste exemplo, a youtuber apresenta todos os brinquedos que sua irmã teria trazido dos

Estados Unidos especialmente para ela. Se esta e outras produção parecidas contém ou não

algum aporte financeiro como recursos de patrocínio, não saberemos ao certo. Mas, ao

62 O canal da youtuber mirim Juliana Baltar conta atualmente com cerca de 8 milhões de inscritos e o número de visualizações dos seus vídeos ultrapassa a marca de 1.6 bilhão. O canal está disponível em: https://www.youtube.com/user/Juliana1846/. Acesso em: jan/2019. 63 O vídeo está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gc2y7d8bNqw. Acesso em: jan/2019.

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desembalar paulatinamente todos os brinquedos como se fosse uma grande brincadeira, é

evidente que, patrocinada ou não pelas marcas infantis que exibe, a promoção dos produtos

acontece. Também, como discutimos anteriormente, é de conhecimento que muitas youtubers

mirins monetizam seus canais enquanto demonstram brinquedos em frente à câmera. Portanto,

podemos interpretar que tais figuras infantis já atuam como garotas propaganda para diversas

empresas cujos consumidores integram o contingente de seguidores dos canais infantis.

Em meio às regulamentações da publicidade dirigida às crianças no Brasil, a ação

promocional se efetiva no caso dos vídeos unboxing ao passo que menos se parece com a prática

publicitária, embora não se apresentem explicitamente como tal. Segundo Covaleski,

A mensagem publicitária, da maneira como é compreendida hoje – paradoxalmente – ganha sobrevida quanto mais deixa de se parecer consigo mesma, quanto menos faça uso dos elementos tradicionais que constituem o discurso publicitário convencional. Apresenta-se, de forma crescente, inserida e camuflada no entretenimento; transvestida de diversão, mas não destituída de sua função persuasiva, mesmo que dissimulada (COVALESKI, 2010, p. 21).

A apropriação desse tipo de produção pelo mercado publicitário se revela bastante

problemática quando se dissimula para driblar as diretrizes pertencentes ao regulamento que,

em tese, regeria a prática no país. Como discutimos anteriormente, o Código Brasileiro de

Autorregulamentação Publicitária (CBARP) condena a “ação de merchandising ou publicidade

indireta contratada que empregue crianças, elementos do universo infantil ou outros artifícios

com a deliberada finalidade de captar a atenção desse público específico, qualquer que seja o

veículo utilizado”64. Não é difícil perceber os vídeos unboxing estrelados por crianças como

uma flagrante violação dessa norma. Esse novo formato midiático torna evidentes as limitações

da autorregulamentação da publicidade no Brasil.

A imprecisa fronteira que distingue a publicidade e o conteúdo de entretenimento nos

vídeos dessa natureza também vai de encontro ao art. 36 do CDC, segundo o qual qualquer

prática publicitária “deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente,

a identifique como tal”. De acordo com esta norma, seria considerada irregular a veiculação de

publicidade sem que a mesma seja nitidamente reconhecida como uma ação publicitária, fato

que está se tornando mais impreciso à medida que a atividade se atrela a conteúdos com forte

apelo à diversão e ao entretenimento, como no caso dos vídeos unboxing. Não por acaso, os

64 Sessão 11, art. 37, inciso 3.

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vídeos unboxing se tornaram uma solução altamente engenhosa, constituindo um cenário no

qual a ausência de demarcações aparentes sobre o que seria publicidade e o que seria

entretenimento dificultaria a identificação e, portanto, sua regulação. Vale lembrar que a

dificuldade em identificar a ação publicitária imbricada aos vídeos unboxing não diz respeito

apenas ao público infantil, como se o sujeito pelo simples fato de ser uma criança não pudesse

identificar tal prática. Vídeos dessa natureza poderiam ser utilizados como uma forma

transfigurada de fazer publicidade para qualquer público, adultos ou crianças, jovens ou não,

porém torna-se ainda mais inquietante ao serem estrelados por crianças e dirigidos ao público

infantil.

Além de se tornar um formato interessante por unir publicidade e entretenimento, os

vídeos unboxing ganham autoridade à medida que são apresentados e endossados por youtubers

mirins, as quais atuam como “celebridades endossadoras” dos produtos apresentados em tais

produções. Para Grant McCracken (2012), a celebridade endossadora é definida como aquele

indivíduo que se aproveita do reconhecimento público e que usa tal reconhecimento em nome

de um determinado bem de consumo ao aparecer em um anúncio publicitário. O processo de

endosso depende das propriedades simbólicas da celebridade endossadora, acionando um

conjunto de significados que são culturalmente constituídos.

A eficiência do endossador depende, em parte, dos significados que ele ou ela trazem para o processo de endosso. O número e variedade de significados contidos nas celebridades é muito grande. Distinções de tipo de status, classe, gênero, idade, personalidade e estilo de vida são representados no conjunto de celebridades disponíveis (McCRACKEN, 2012, p. 114).

Considerando a “transferência de significados” por meio desse processo de endosso, vê-

se que as propriedades simbólicas conferidas culturalmente às celebridades seriam transferidas

destas para o bem de consumo e, em eventualmente, do bem de consumo para o consumidor.

Por esse motivo, o processo de endosso realizado por celebridades ganha ampla força se

comparado ao realizado por modelos anônimos, como nos explica o autor.

Modelos anônimos carregam informações demográficas, como as distinções de gênero, idade e status, mas esses significados úteis são relativamente imprecisos e turvos. As celebridades oferecem todos esses significados com precisão especial. Além disso, celebridades oferecem uma gama de significados de personalidade e estilo de vida que o modelo não pode oferecer. Finalmente, celebridades oferecem configurações de significados que os modelos jamais poderiam possuir (McCRACKEN, 2012, p. 119).

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Diante dos argumentos levantados ao longo deste tópico defendemos que, na atual

conjuntura, os vídeos unboxing constituem um formato midiático no qual diferentes marcas

estariam se valendo da ausência de regulação específica e da dificuldade de distinção entre

conteúdo comercial e entretenimento para interpelar o público infantil com a persuasão da

mensagem publicitária. Forja-se uma “brecha” que possibilitaria às empresas de brinquedos

apresentarem produtos e demonstrarem estilos de vida que são condizentes com o universo

simbólico da marca em questão. Narrativas que se tornam ainda mais sedutoras à medida que

são endossadas por personagens altamente difundidas no universo online: as youtubers mirins.

Tais figuras atuam como celebridades endossadoras em um formato no qual a fronteira entre o

permitido e o proibido se oblitera do mesmo modo como a fronteira entre o entretenimento e a

publicidade.

No intuito de observar as youtubers mirins em plena atividade, no tópico seguinte

iremos apresentar o corpus empírico da pesquisa. Nosso objetivo é demonstrar de que modo as

pequenas personalidades atuam, se relacionam e apresentam uma variedade de produtos ligados

ao universo infantil.

3.3. Garotas propaganda em ação nos vídeos unboxing: análise do material empírico

3.3.1. O Canal da Lulu

Criando em fevereiro de 2015, o Canal da Lulu é protagonizado pela youtuber mirim

Luíza Sayuri, que apresenta com desenvoltura diferentes tipos de vídeos ligados ao cotidiano

da criança que brinca e se diverte online. Atualmente o canal possui cerca de 2 milhões de

inscritos e seus vídeos já foram visualizados quase 600 mil vezes.

Antes de iniciarmos a análise dos vídeos que compõem o nosso corpus, podemos

observar já na descrição do canal alguns aspectos interessantes. A seguir disponibilizamos um

trecho do texto informado na descrição para demonstrar tais aspectos.

Oi, gente! Nesse canal a Lulu, uma menininha fofa de 6 anos, com a ajuda da sua irmãzinha Nicole de 1 ano e 8 meses irão mostrar vídeos de brincadeiras, desafios, tutoriais de brinquedos, maquiagens e muitas novidades! Aproveitem para se inscrever, comentar e compartilhar nossos vídeos. Um

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beijinho da Lulu!! Fazemos tudo junto com minha mãe Patrícia, meu pai Ivan e minha irmãzinha Nicole65.

O primeiro elemento que nos chamou a atenção diz respeito à idade da protagonista do

canal, como a de sua “irmãzinha” Nicole, 4 anos mais nova. Assim como apontado nos estudos

de Corrêa (2015, 2016) comprova-se a presença e a apropriação de crianças abaixo de 12 anos

consumindo e produzindo conteúdo na plataforma do YouTube. Outro ponto de atenção diz

respeito às convocações direcionadas às crianças espectadoras para que permaneçam

conectadas ao canal da youtuber. Como bem argumenta Renata Tomaz (2017), observa-se

reiterada presença de elementos convocando o espectador a interagir, consumir e compartilhar

as diferentes produções disponibilizadas pelas youtubers. O terceiro elemento está mais

relacionado à presença e ao envolvimento de outros membros ou mesmo de toda a família no

canal da youtuber. Neste caso, o Canal da Lulu se torna uma vitrine não apenas para a menina

Luíza, mas também para os demais integrantes da sua família.

O primeiro vídeo analisado chama-se Abrindo LOL SURPRESA no parque escondida

na areia da praia brincadeiras de férias de verão66. Neste vídeo, a youtuber Lulu aparece em

uma praia na companhia de sua mãe e sua irmã. Vê-se uma espécie de “caça ao tesouro” na

areia, mas ao invés de procurar um tesouro qualquer, Lulu procura por uma boneca L.O.L

Surprise67 que estaria escondida em algum lugar da praia.

65 Trecho disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCgdDy-fpitMcI39TEfxDl0g/about. Acesso em: fev/2019. 66 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yjoZaDFEk9c. Acesso em: fev/2019. 67 Boneca colecionável que necessita de 7 etapas para abrir a embalagem.

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Figura 11: Abrindo L.O.L Surprise escondida na areia da praia

Fonte: Canal da Lulu no YouTube (imagem feita pelo autor)

Alguns aspectos se revelam neste vídeo. O mais curioso é que diferentemente de outras

produções analisadas, neste caso a protagonista aparenta um certo desinteresse em desembalar

o produto e participar da brincadeira. Há momentos em que não é ela quem retira as inúmeras

camadas da esfera que envolve a boneca, mas sim sua mãe, que tenta dar o tom do vídeo ao

falar sobre os detalhes que a youtuber teria deixado de comentar, explicando de qual série de

bonecas LOLs esse produto faz parte e indicando para Lulu o que ela deveria fazer, por

exemplo: “mostra para as crianças” ou “agora põe a roupinha” na boneca.

A presença da mãe de Lulu executando um papel de destaque no vídeo pode ser

problematizado por alguns motivos. Em primeiro lugar pelo fato da mãe contribuir para a

melhora da performance da youtuber mesmo em momentos em que ela aparentemente fraqueja.

É evidente que pensar no formato unboxing como um modo de fazer publicidade requer, antes

de tudo, que tal produto midiático seja suficientemente atraentes perante o público infantil,

aumentando constantemente a taxa de fãs. Do contrário as marcas não teriam interesse em um

formato que abarcasse uma insignificante presença do público pretendido. Assim, no intuito de

manter os vídeos sempre atrativos perante ao público consumidor, a mãe de Lulu entra em cena

como uma espécie de animadora que, ao perceber o aparente desinteresse da youtuber trata logo

de elevar os níveis de entusiasmo apresentado por Lulu enquanto realiza as brincadeiras

propostas.

O segundo motivo pelo qual a participação da mãe da youtuber é marcante, diz respeito

à rentabilidade do canal. Ao passo que a mãe de Lulu tenta animar a produção ela faz isso

chamando os espectadores a participarem da brincadeira. Convoca exaustivamente os fãs a

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comentarem, curtirem e dizerem o que acharam do produto apresentado. Aspecto que se revela

como um importante artifício utilizado pelos canais de youtubers para elevar o patamar de

seguidores e, consequentemente, o valor do canal perante a possíveis empresas patrocinadoras.

Como já dissemos, esse formato midiático teria pavimentado um importante caminho

para as marcas dialogarem com as crianças. Assim, torna-se notável que o valor do canal se

multiplica à medida que tem maior capacidade de congregar e atrair a atenção de possíveis

consumidores. Neste caso, a presença da mãe da youtuber pode ser vista não apenas como uma

participação espontânea e despretensiosa, mas como uma forma de manter o canal sempre

atraente e figurando entre os mais vislumbrados por diferentes empresas fabricantes de

brinquedos.

Nota-se que não apenas a interferência da mãe de Lulu é cuidadosamente pensada, mas

também o posicionamento da câmera que apresenta o brinquedo. Há um mix de enquadramentos

que variam entre o plano aberto e o fechado. No momento em que Lulu sai à procura da boneca,

supostamente escondida em um lugar que não é do seu conhecimento, o movimento de câmera

permanece sempre em plano aberto. Percebe-se o esforço em apresentar o cenário (a praia) e a

brincadeira de caça ao tesouro como atividades divertidas. Uma brincadeira que se torna ainda

mais interessante diante do público infantil visto que a busca não se trata por um tesouro

qualquer, mas por uma boneca específica: a boneca colecionável LOL Surprise.

À medida que a pequena youtuber encontra e começa a desembalar cada camada que

compõe o brinquedo, ao contrário do observado anteriormente, vigora o plano fechado. A

premissa de enaltecer o maior número de detalhes do produto apresentado, característico da

atividade publicitária, é observada de modo contundente na produção. Cada peça retirada da

embalagem é demonstrada ao público por diferentes ângulos, sempre focando o produto e

enaltecendo seus aspectos de qualidade. Por essa capacidade em demonstrar minimamente os

bens de consumo, o unboxing teria se tornado um formato valioso diante das ações publicitárias

dirigida às crianças.

Nos pouco mais de 1200 comentários disponíveis na página do vídeo é possível observar

que a promoção do brinquedo demonstrado se confirma. Diversos seguidores apresentaram nos

comentários o interesse em adquirir um produto tal qual o demonstrado pela youtuber. São

comentários querendo saber onde Lulu comprou a boneca, outros falando sobre como acham

Lulu uma “fofa”, como adoram seus vídeos, e também pedindo para que a youtuber presenteie

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um de seus seguidores com um brinquedo igual. A seguir destacamos alguns comentários

retirados da página.

Figura 12: Comentários vídeo L.O.L Surprise escondida na areia da praia

Fonte: Canal da Lulu no YouTube (imagem feita pelo autor)

Em meio a uma variedade de comentários, alguns nos chamam a atenção. Para além do

desejo manifestado pelas crianças espectadoras em ter o brinquedo apresentado pela youtuber,

também se confirma o aspecto do consumidor-fã (CASTRO, 2012). No primeiro comentário

disponibilizado na imagem acima fica evidente que a convocação dos espectadores para

curtirem, comentarem e se inscreverem no canal, que inicialmente foi realizada pela mãe da

youtuber, se estende e passa a ser desempenhada pelos seus seguidores fãs. Neste caso, tornam-

se também nos principais divulgadores e defensores do canal.

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Seguindo a mesma narrativa apresentada pelo vídeo anterior, na produção intitulada

Abrindo LOL Surpresa no parque escondida na areia da pracinha68 Lulu também realiza a

brincadeira de caça ao tesouro em busca de mais um produto da linha de bonecas LOL. Curioso

observar que nos dois vídeos com maior número de visualizações no Canal da Lulu, ambos

apresentam a brincadeira de caça ao tesouro em que o produto escondido é a boneca em questão.

Uma coincidência que não é por acaso, mas fruto de uma estratégia mercadológica que se valeu

inclusive das produções unboxing realizadas por influenciadores digitais para promover as

bonecas colecionáveis (FELDMAN, 2017).

Com pouco mais de 2 milhões de visualizações, ao contrário do primeiro vídeo

analisado, a pequena youtuber demonstra dessa vez um pouco mais de entusiasmo enquanto

segue as pistas para encontrar o local no qual estaria escondido o brinquedo.

Figura 13: Abrindo L.O.L Surprise escondida na areia da pracinha

Fonte: Canal da Lulu no YouTube (imagem feita pelo autor)

Após encontrá-lo a youtuber começa a retirar todas as camadas que compõem a

embalagem. Enquanto isso, faz uma série de expressões que vão desde euforia, observada no

momento em que encontra o produto, até frustração, como quando descobre que se trata de uma

boneca que já integraria a sua coleção. Mesmo sendo, em tese, um exemplar repetido, a mãe de

Lulu não deixa de apresentar os mínimos detalhes do brinquedo. Assim como observamos no

primeiro vídeo analisado, neste caso também é evidente a participação ostensiva da mãe da

youtuber na produção, tomando à frente nos momentos em que supostamente a pequena Lulu

68 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Q12d-OoVtP0. Acesso em: jan/2019.

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se sente desmotivada a continuar. Podemos dizer que a atitude desempenhada pela mãe se torna

fundamental para manter a brincadeira divertida, ao menos para os espectadores, visto que após

descobrir qual exemplar da boneca está dentro da embalagem a youtuber passa a se interessar

por outros atrativos disponíveis no local, como por exemplo, brincar com a sua irmã. A mãe de

Lulu, pelo contrário, continua descrevendo todos os acessórios que equipam o brinquedo.

Enfatiza o nome da boneca surpresa, as roupas e, até mesmo, faz referência a uma grande rede

de cafeteria. “A Leading Baby vem com um par de óculos vermelhos, um par de sapatinhos

combinando, um vestido branco brilhoso e o copinho que parece do Starbucks”. Como

dissemos anteriormente a verba publicitária se revela uma importante fonte para monetizar os

canais, e essa capacidade se destaca no trecho que selecionamos. Ao apontar o nome da boneca

e enaltecer seus acessórios, bem como inserir em meio ao contexto do vídeo a marca Starbucks

é notável a capacidade de promover produtos que tal formato dispõe. É evidente também que,

no caso da cafeteria, não podemos afirmar o recebimento de incentivos para inserir a marca no

contexto, mas por outro lado, poderíamos estar diante de manifestações publicitária que

facilmente seriam utilizadas para rentabilizar o canal. Por isso, torna-se tão inquietante esse

produto midiático quando apropriado pelo mercado publicitário.

Para que o canal seja relevante perante às marcas que poderiam patrociná-lo, faz-se

necessário congregar um contingente significativo de possíveis consumidores. Para isso, os

seguidores são convocados incessantemente a participarem e permanecerem conectados. A

recorrência desse tipo de chamamento dos espectadores a participarem é observada em todos

os vídeos analisados. Neste caso em específico, a mãe de Lulu chama os fãs do canal a

colocarem nos comentários os locais nos quais gostariam de ver o unboxing das bonecas LOL.

Aqui podemos entender o modo estratégico utilizado pelo canal para manter os seguidores

interessados e consumindo os vídeos que serão disponibilizados. Como já dissemos, a boneca

apresentada obteve uma ascensão gigantesca como um produto de desejo por parte do público

infantil, inclusive no Brasil. Tendo em vista que os vídeos apresentando esse brinquedo são os

mais visualizados no canal, a mãe de Lulu anuncia a seus seguidores que fará uma série de

unboxing das bonecas colecionáveis e, para isso, interpela os fãs a participarem. Desse modo,

além de gerar uma certa proximidade entre o canal e seus seguidores, uma vez que são os

espectadores quem apontarão o local no qual será realizado o vídeo, a mãe da youtuber mantém

o interesse do público ao antecipar que uma série de vídeos dessa natureza será realizada,

criando uma certa expectativa no seu público diante de uma produção que gera milhares de

visualizações.

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Nos comentários disponíveis na página do vídeo, os espectadores prontamente atendem

ao pedido. Os internautas mirins imediatamente oferecem diversas sugestões de lugares que

poderiam ser utilizados para abrir a boneca e integrar a nova série de vídeos.

Figura 14: Comentários LOL Surprise escondida na areia da pracinha

Fonte: Canal da Lulu no YouTube (imagem feita pelo autor)

No entanto, um fato nos chamou bastante atenção nos comentários: alguns seguidores

consideraram Lulu como uma amiga próxima, resultado da aparente proximidade gerada entre

os youtubers e seus seguidores. No comentário visto na imagem abaixo, uma seguidora se

declara “muito fã” de Lulu e pede para a youtuber ir até o seu prédio para brincar e, quem sabe,

dormir em sua companhia. Neste caso, é nítida a expectativa de intimidade no convívio entre a

fã e Lulu. O componente de amadorismo e informalidade presente nas produções das youtubers

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mirins “sugere que estes indivíduos são semelhantes ao seu público” (PERES; TRINDADE,

2017, p. 15), e, por consequência, constitui-se um ambiente de empatia no qual há aparente

vínculo entre a youtuber e seus fãs. A busca por constituir um ambiente divertido e informal,

capaz de gerar intimidade entre os atores presentes neste enredo, ao nosso ver, é parte integrante

dos quesitos que deixariam os canais entre os mais desejados perante o público. O sentimento

de que bem ali do outro lado da tela estaria uma criança como qualquer outra faz com que os

espectadores do canal se coloquem não apenas como seguidores, mas como fãs que enxergam

na figura da youtuber um jeito desejável de ser criança.

Figura 15: Expectativa de proximidade entre o fã e a youtuber

Fonte: Canal da Lulu no YouTube (imagem feita pelo autor)

Se nos outros vídeos analisados a diferenciação entre a criança brincando em frente à

câmera e a garota propaganda em ação se torna turva, uma vez que não há claramente a

informação de se tratar de uma ação patrocinada, no terceiro vídeo analisado tal identificação

se manifesta de maneira aberta. O vídeo intitulado Crunch Mania Supresa na cozinha da Lulu69,

apresenta na sua descrição a informação de que se trata de um vídeo patrocinado, confirmando

a tese de que há aportes empresariais que rentabilizam a produção do canal. No entanto, vale

destacar que mesmo possuindo a informação do patrocínio, consideramos que ainda é

insuficiente para informar o público, visto que só aparece na descrição do vídeo e não no próprio

conteúdo audiovisual.

A presença da informação apenas na descrição pode ser apontada como parte da

estratégia utilizada pelo canal. No momento em que estávamos selecionando nosso corpus de

análise, o Canal da Lulu nos chamou a atenção por ser, até então, um dos poucos que

apresentavam a informação de conteúdo patrocinado. Mas, na ocasião, tal informação era

inserida no próprio vídeo, apresentada na abertura da produção audiovisual. Havia no início

uma pequena faixa no canto inferior esquerdo na qual estava escrita a seguinte frase: “Esse

vídeo pode conter conteúdo promocional”. Atualmente, pelo contrário, tal informação deixou

69 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HQPcqHxG88E. Acesso em: fev/2019.

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de ser parte integrante do vídeo e foi realocada para a descrição. Assim, torna-se possível

ponderar que a publicidade inserida em meio ao suposto conteúdo de entretenimento se torna

ainda mais eficiente à medida que menos se parece com uma ação comercial (COVALESKI,

2010) e mais se aproxima de uma produção divertida e informal.

Figura 16: Vídeo Patrocinado – Crunch Mania

Fonte: Canal da Lulu no YouTube (imagem feita pelo autor)

Aparentemente em seu quarto, a youtuber mirim desenvolve uma narrativa na qual o

produto é inserido de modo contextualizado. A presença dos brinquedos é notada pela youtuber

à medida em que ela se levanta da cama e começa a ouvir alguns barulhos que, supostamente,

seriam feitos pelos “bichinhos” de pelúcia. Ao encontrá-los ela faz uma grande expressão de

surpresa, dizendo não acreditar que tais “bichinhos” invadiram a sua cozinha de brinquedo.

Enquanto Lulu retira cada uma das seis pelúcias das caixas, descrevendo todos os

detalhes, ela também procura demonstrar como eles são “legais”. Salienta os modos de brincar

e manusear o brinquedo, bem como demonstra o jeito certo de guardar a pelúcia, tendo em vista

que a caixa do produto contém acoplada a ela um carregador de bateria.

Após organizar todas pelúcias em fila diante da câmera, Lulu as apresenta com a

seguinte frase: “E esses são os meus amigos da Crunch Mania!”; e complementa indagando

seus espectadores: “Vocês sabem como eles vieram parar aqui dentro da minha casa quando eu

fui fazer compras?”. Essa indagação funciona como um “gancho” para inserir no vídeo a

narrativa proposta pela marca. Uma história na qual os bichinhos de pelúcias teriam invadido

um supermercado e comido tanto que ficaram no formato da caixa. Assim, podemos observar

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a garota propaganda em ação. Ao contar a história das pelúcias e demonstrar como seria

divertido brincar com eles, a pequena youtuber contribui tanto para promover o produto como

também inserir os espectadores no universo simbólico da marca. Sem manifestar a intensão

persuasiva, Lulu age e manipula os brinquedos como se estivesse em uma grande brincadeira

em seu quarto, mas, neste caso é notório que a criança que brinca diante da câmera é também a

garota propaganda que demonstra com desenvoltura os produtos de empresas que ajudam a

tornar seu canal ainda mais rentável.

Mesmo havendo a informação do conteúdo patrocinado, observamos que nos

comentários muitas crianças consideram que Lulu teria comprado o produto e não que seria

fruto de uma ação publicitária. Não por acaso, alguns internautas buscam saber onde Lulu teria

comprado o brinquedo. Por se tratar de uma produção cujo intuito é aumentar a venda dos

produtos anunciados, a youtuber responde aos comentários informando que o produto pode ser

encontrado em qualquer loja de brinquedos.

Figura 17: Comentários Vídeo Patrocinado – Crunch Mania

Fonte: Canal da Lulu no YouTube (imagem feita pelo autor)

Em um anúncio publicitário veiculado na TV, por exemplo, conseguimos observar

alguns pontos basilares: a aparição dos produtos, os personagens que os demonstram, a ênfase

nas suas qualidades, bem como o local onde tal item pode ser encontrado. No vídeo analisado

o roteiro é praticamente o mesmo. Lulu apresenta o produto, demonstra em detalhes os itens e

seus modos de uso, enaltece suas qualidades e indica o local em que poderia ser adquirido. Com

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a diferença de que todo esse processo acontece de modo despojado e afetivo no vídeo da

youtuber.

Em todos os vídeos analisados no Canal da Lulu a youtuber e sua mãe buscam descrever

nos mínimos detalhes os brinquedos e os acessórios que compõem as embalagens. Diante de

um considerável número de seguidores demonstram os ambientes e, principalmente,

brincadeira que poderiam ser realizadas para tornar o uso dos produtos anunciados mais

divertido. No entanto, um aspecto se sobressai: a presença da mãe da youtuber nas produções.

Com exceção do terceiro vídeo Crusch Mania, o qual é claramente patrocinado, nos outros dois

vídeos analisados a participação da mãe é contundente. Com bastante frequência a mãe de Lulu

rouba a cena. Indica para a youtuber o que ela deveria fazer, pede para Lulu mostrar o produto

para as crianças (espectadores), bem como convoca o público a participar de modo ativo nos

comentários e compartilhamentos. Não seria exagero dizer que por várias vezes é a mãe de Lulu

quem assume o posto de protagonista.

A aparente falta de entusiasmos demonstrada pela youtuber em alguns momentos,

especialmente no primeiro vídeo analisado, não poderia deixar de ser problematizada. Em meio

a um cenário que discute até que ponto a atividade exercida pelas youtubers pode ser

considerada um tipo de trabalho infantil70, o aparente desinteresse demonstrado por Lulu e a

constante interferência de sua mãe nos chama atenção. Como observamos ao longo desta

análise, a presença da mãe de Lulu nos vídeos poderia ser apreendida como uma forma de

assegurar que a mensagem publicitária seria efetivamente realizada. Não deixando de

demonstrar e enaltecer as qualidades dos produtos mesmo quando a protagonista do canal

supostamente perde o interesse. É evidente que não podemos indicar se há algum tipo de

insistência ou interferência por parte dos pais para que a pequena youtuber grave seus vídeos.

Mas, por outro lado, o entusiasmo demonstrado e a reiterada convocação dos espectadores a

consumirem, curtirem e compartilhares os vídeos do canal nos revelam que a presença da mãe

de Lulu seria uma forma estratégica de manter e, possivelmente, aumentar o valor e,

consequentemente, a rentabilidade do canal.

70 Para mais informações sobre o tema trabalho infantil acessar: http://www.fnpeti.org.br/noticia/1878-os-riscos-do-youtube-para-criancas-e-adolescentes.html%201/3. Acesso em: fev/2019.

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3.3.2. O canal Crescendo com Luluca

Criado em agosto de 2015, o canal Crescendo com Luluca é protagonizado por Luíza,

uma menina de 9 anos de idade moradora da cidade de São Paulo, mais conhecida como Luluca.

O canal conta com cerca de 4.5 milhões de inscritos e está atingindo a marca de 820 milhões

de visualizações. São números impressionantes que demonstram o interesse das crianças em

consumirem conteúdos apresentados pelas youtubers mirins. Para se ter uma dimensão do

crescimento do canal, em artigo escrito em meados de junho de 2018 (CASTRO; ANDRADE,

2018), o canal contava com aproximadamente 2.8 milhões de inscritos. Com mais de um novo

vídeo toda semana, as produções apresentadas por Luluca demonstram uma presença marcante

de bens de consumo ligados ao universo infantil. Assim, analisamos três vídeos do canal nos

quais a presença de produtos é notável e, até mesmo, enaltecida.

Intitulado Abrindo Big LOL caseira71 o primeiro vídeo que analisamos foi publicado em

dezembro de 2017 e apresenta números expressivos em matéria de acesso. Possui até o

momento cerca de 4.4 milhões de visualizações e pouco mais de 4.500 comentários. No vídeo

Luluca aparece recebendo, a princípio, um presente de outra youtuber mirim chamada Júlia

Moraes. Esta com menos seguidores do que Luluca, cerca de 770 mil.

Figura 18: Luluca apresentando a youtuber Júlia Moraes

Fonte: Canal da Luluca no YouTube (imagem feita pelo autor)

71 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ngp8hn67WsU. Acesso em: fev/2019.

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A presença de outras youtubers mirins integrando o vídeo no canal analisado acontece,

ao nosso ver, como uma espécie de colaboração entre pares. De um lado para tornar as figuras

que, a priori, seriam menos conhecidas do que Luluca, mais conhecidas diante do grande

público que o canal abarca. Do outro, para consolidar a notoriedade de Luluca, a qual ocuparia

um posto de referência perante as outras youtubers que também estariam buscando se destacar

nesse cenário. Neste caso, Luluca atua como um tipo de “madrinha”, incentivando seus

seguidores a conhecerem, curtirem e consumirem os canais de outras youtubers ao mesmo

tempo em que se consolida como uma referência.

Após esse momento de parceria Luluca começa a desembalar a Big LOL que teria

recebido de sua amiga. Retira cada camada do presente enquanto faz muitas expressões

tentando demonstrar surpresa e alegria ao descobrir o que há dentro da esfera gigante.

Diferentemente da youtuber Lulu, a qual analisamos anteriormente, Luluca se mostra

surpreendentemente à vontade diante da câmera. Como apresenta na descrição do seu canal, ela

“adora dar vida a novos personagens”. Neste caso, a própria figura de Luluca é a personagem

que Luíza dá vida.

Figura 19: Luluca ao abrir a Big LOL

Fonte: Canal da Luluca no YouTube (imagem feita pelo autor)

Cada peça que é descoberta e apresentada para a câmera se torna um momento de pura

euforia para a youtuber. A distinção entre “palco” (front region) e “bastidores” (back region)

apresentada por Goffman (1969, p. 109 apud THOMPSON, 2018, p. 25) nos parece pertinente

para compreender a performatividade exercida por Luluca. Neste caso, a performance sempre

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acontece dentro de uma estrutura interativa, e o indivíduo adaptará seu comportamento a ela no

intuito de projetar uma imagem compatível com aquela que deseja transmitir. As ações e

atitudes que o indivíduo busca acentuar é o que Goffman chama de “palco” e as que o sujeito

julga inadequadas perante à imagem que deseja transmitir são colocados nos “bastidores”.

Assim, a imagem projetada por Luluca, trazida ao “palco”, diz respeito a uma menina

descontraída e irreverente que apresenta diferentes bens de consumo com tamanha naturalidade

e destreza. Tudo que não for compatível com tal aparência divertida é cuidadosamente deixado

de fora e colocado nos “bastidores”. Diante dessa percepção é possível compreender como a

construção da youtuber é estratégica. Para tornar o canal divertido e atraente diante do público

infantil seria necessário, antes de tudo, que a figura de Luluca fosse uma menina cujo aspecto

de diversão e espontaneidade estivesse sempre presente.

Vale lembrar que esse não seria apenas um comportamento desempenhado pelas

youtubers. De certo modo todos nós performamos de diferentes formas dependendo do lugar,

espaço social ou público com o qual temos contato. Do mesmo modo, as youtuber ao criarem

uma persona que, a princípio, conquista a atenção do seu público, passa a deixar de fora tudo

aquilo que possa prejudicar ou contrariar sua imagem.

O segundo vídeo analisado no canal Crescendo com Luluca diz respeito a um tipo de

produção bastante compartilhada por youtubers mirins, especialmente quando o início das aulas

escolares está chegando. Intitulado Comprando meu material escolar 201872 o vídeo se passa

em dois ambientes. O primeiro seria a própria loja que vende os produtos; o segundo parece ser

a residência da youtuber. Nesta produção, alguns aspectos nos chamam atenção, especialmente,

relacionados à variedade dos produtos apresentados.

Figura 20: Comprando material escolar

Fonte: Canal da Luluca no YouTube (imagem feita pelo autor)

72 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sglRLPakTUY. Acesso em: jan/2019.

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Na primeira parte do vídeo, na qual a youtuber percorre a loja em busca dos produtos

que farão parte do seu material, torna-se notável a disposição da produção em dar ênfase em

determinados produtos. Como podemos observar na Figura 20, algumas marcas se sobressaem

e ganham especial atenção da youtuber. Cabe a nós questionar se esse destaque para certas

marcas seria uma atitude espontânea ou faria parte de uma estratégia mercadológica? Essa é

uma resposta que ao certo não saberemos, pois é justamente esse o motivo que torna os vídeos

dessa natureza tão inquietante. Por outro lado, é perceptível que ao demonstrar certos bens de

consumo para um considerável contingente de fãs, a promoção dos produtos acontece.

Como argumentamos anteriormente, as youtuber se tornaram agente formadores de

opinião sobre modos de ser e estar no mundo. Ao mesmo tempo em que demonstra os bens de

consumo tal como garota propaganda, Luluca também contribui para elevar e demarcar o seu

estilo de vida. Como nos lembra João Freire Filho (2003) o estilo de vida reflete a atitude

demonstrada pelo indivíduo na escolha de certas mercadorias e práticas de consumo,

articulando esses recursos culturais como modelos de expressão pessoal. Ao demonstrar certos

produtos Luluca contribui para elencar tais objetos como os ideais para se ter uma vida tal qual

a performada pela youtuber, começando neste caso pela escolha de algo corriqueiro na vida de

grande parte das crianças: o material escolar.

Há momentos em que Luluca revela, de modo mais nítido, seu lado garota propaganda,

evidenciando os diferentes aspectos e qualidades que os produtos possuem, atuando como uma

“celebridade endossadora” (McCRACKEN, 2012).

Figura 21: Luluca demonstrando produto

Fonte: Canal da Luluca no YouTube (imagem feita pelo autor)

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No caso das canetas da marca Stabilo Boss Original (Figura 21), torna-se manifesta a

atuação da garota propaganda demonstrando de modo entusiasmado a ampla variedade de

cores. Antes de escolher a sua cor favorita a youtuber percorre todo o display73 em que o produto

está exposto, apresentando com aparente euforia quais são as cores disponíveis e frisando de

modo constante a quantidade de opções a escolher. Faz diferentes expressões enquanto a

tonalidade do vídeo se altera no momento em que busca dar ênfase na aparente dificuldade em

adquirir apenas uma cor diante da ampla gama de opções proposta pela marca. Neste caso

podemos confirmar a nossa percepção de que a alteração das tonalidades do vídeo é um artifício

significativo para chamar a atenção do público, retirando o espectador da inércia com um

“choque” de tonalidades que se altera dependendo da intenção. Para ressaltar algo que teria

dado errado frequentemente é utilizado as tonalidades de preto e branco como uma forma de

simular uma espécie de cenas de bastidores. Outras tonalidades mais coloridas e chamativas

buscam ressaltar os momentos de surpresa, alegria e euforia, como também para criar um certo

suspense antes de apresentar o produto.

Já em um ambiente interno, supostamente sua casa, a youtuber começa a demonstrar a

seus seguidores todos os itens que teria acabado de comprar. Nessa etapa do vídeo ela apresenta

cuidadosamente todos os produtos, retira das caixas e fala como eles poderiam ser utilizados.

Nos chamou atenção a presença quase que majoritária de três marcas entre as apresentadas por

Luluca. Dentre elas, se destacam a marca Faber-Castel que integra toda a linha de tintas, lápis,

lápis de cor e canetinhas; Pritt para as colas, adesivos e corretivos; e Tilibra para toda a linha

de caderno. Essas três marcas representam praticamente todos os produtos que são apresentados

por Luluca.

Ao descrever cada item é perceptível a ênfase que a youtuber dá sobre as qualidade e

modos de uso. Enaltece a variedade de cores que a caixa de lápis de cor Faber-Castel oferece;

fala sobre a necessidade de utilizar o corretivo Pritt para aqueles que, assim como ela, estariam

aprendendo a usar caneta, bem como faz elogios às canetinhas coloridas Faber-Castel, as quais

segundo Luluca oferecem, diferentemente das outras, uma ponta que não afunda ao ser

utilizada. Uma informação bastante parecida com a observada na retórica publicitária, a qual

tem a intenção, entre outras, de enumerar os features dos produtos anunciados, demonstrando

como seriam melhores do que os concorrentes. No caso de Luluca não é diferente.

73 Display são espaços personalizados para a apresentação de produtos em um PDV (Ponto de Venda). No caso deste vídeo o display é uma prateleira especificamente desenvolvida para a exposição das canetas marca texto. Demonstrando assim todo as opções de cores que tal produto dispõe.

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Curioso perceber que entre os seis vídeos que compõem o nosso corpus de análise

apenas essa produção de Luluca desativou os comentários. Por que isso teria acontecido não

temos como afirmar, mas frequentemente comentários são desativados para não abrir espaços

a criticas. Não podemos ser ingênuos e apresentar uma razão específica para isso, mas um

indício nos possibilita especular o motivo. Se compararmos os três vídeos analisados no canal

Crescendo com Luluca perceberemos que a produção na qual a youtuber demonstra o material

escolar é o que tem maior taxa de “dislike” se comparado com os “like”, ou seja, tem o maior

número de seguidores que não gostaram do vídeo. Será que teria havido um grande número de

críticas e os gerenciadores do canal resolveram desativar os comentários? Será que já estavam

inabilitados desde o início? Exatamente não saberemos, mas nos parece curioso o fato de apenas

este vídeo não abrir espaço para a participação dos espectadores, tendo em vista que tal

interação com o público é exaustivamente requerida por essas personalidades infantis em suas

produções.

O terceiro vídeo analisado é um dos mais enfáticos na descrição dos brinquedos e seus

detalhes. Intitulada Acessórios da minha boneca Our Generation74 a produção busca enaltecer

os diferentes acessórios que deixariam a boneca ainda mais divertida.

Figura 22: Unboxing acessórios Our Generation

Fonte: Canal da Luluca no YouTube (imagem feita pelo autor)

74 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EmNyByolqaM. Acesso em: fev/2019.

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Antes de iniciar efetivamente a retirada do produto da caixa a youtuber tenta

transparecer como estaria ansiosa. Ao desembalar o primeiro pacote que contém as novas

roupas da boneca, Luluca busca interagir com seus espectadores dizendo o quanto gostou

daqueles itens e convida-os a dizerem o que acharam nos comentários. Diferentemente do vídeo

anterior, aqui o chamamento dos seguidores é realizado de maneira constante. “Gente, vocês

amaram essas coisas como eu? Escreve aqui embaixo nos comentários”. Uma convocação

prontamente atendida por seus fãs.

Luluca continua desembalando os itens ao mesmo tempo em que brinca com cada novo

elemento que surge. Interessante notar como a youtuber enfatiza a qualidade e a suposta

preocupação do fabricante com os detalhes. Após revelar expressões de surpresa devido à

qualidade do produto, Luluca diz que está de “boca aberta porque quem fez não esqueceu de

nenhum detalhezinho. É perfeito, parece até que é de verdade” e continua dizendo o quanto está

“encantada” com o produto. Esse aparente encantamento pode ser compreendido como uma

estratégia cuidadosamente articulada pela pequena youtuber para apresentar o brinquedo. Ao

criar sua persona como uma criança que abarca grande desenvoltura no trato dos bens de

consumo é notável que a figura da criança que brinca de modo a intensificar a promoção de

certos brinquedos, se torna também um atrativo para possíveis patrocinadores cujos produtos

são destinados ao público infantil. Como já argumentamos, muitos youtubers buscam monetizar

seus canais, e este seria um caminho para isso. Como argumentos o executivo da empresa

fabricante da boneca LOL, houve uma época em que colocava o brinquedo em um comercial

de TV e o brinquedo vendia. Esses dias acabaram (FELDMAN, 2017).

Figura 23: Detalhes dos acessórios Our Generation

Fonte: Canal da Luluca no YouTube (imagem feita pelo autor)

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Diante das regulamentações que normatizam a veiculação de publicidade dirigida à

criança no Brasil, este tipo de formato estaria ganhando força e se tornando parte de estratégias

mercadológicas cujo intuito é atrair a atenção do público infantil. Os argumentos levantados

pelo executivo é um forte indicativo que o mercado está atento e olhando constantemente para

essas figuras mirins, especialmente, como sujeitos capazes de endossar seus produtos para

milhares de fiéis seguidores. Ao demonstrar os produtos que, em tese, fariam parte da rotina da

youtuber, se torna evidente que a promoção do produto efetivamente desperta o interesse dos

espectadores pelo brinquedo apresentado. Assim como já pudemos observar em outros vídeos

analisados, os espectadores questionam sobre o lugar no qual a youtuber teria comprado o

produto. Um indicativo de que pelo menos o interesse pelo produto apresentado se revela.

Figura 24: Comentários vídeo Our Generation

Fonte: Canal da Luluca no YouTube (imagem feita pelo autor)

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Ao longo dos mais de 4 mil comentários nota-se que muitas pessoas perguntam onde

foi que a youtuber teria comprado o brinquedo. É claro que não podemos enfatizar que se tratam

de crianças perguntando, mas principalmente pelo modo como escrevem os comentários,

devido aos erros de escrita, podemos considerar que seriam crianças que, em muitos casos,

estariam utilizando a conta dos pais para comentarem os vídeos. Uma percepção que se

confirma em um dos comentários, no qual a espectadora diz estar usando a conta da sua mãe

para interagir.

Figura 25: Criança utilizando a conta da mãe

Fonte: Canal da Luluca no YouTube (imagem feita pelo autor)

Interessante é que no caso das youtubers mirins o produto não é apenas enaltecido por

suas características, qualidades ou usabilidade. Mas, contribui para constituir um estilo de vida,

um modo de ser criança cuja posse de certos tipos de brinquedos torna-se um imperativo para

gozar de uma vida como a demonstrada pela youtuber. Por outro lado, também se revela uma

outra questão importante, principalmente considerando a diferença socioeconômica que aflige

o nosso país. No comentário disponível na Figura 25 a suposta criança diz estar triste porque

sempre quis ter uma boneca igual, mas ao menos pelo que parece não tem. Um tipo de

manifestação social que se apresenta de maneira recorrente nos demais comentários.

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Figura 26: Manifestações socioeconômicas

Fonte: Canal da Luluca no YouTube (imagem feita pelo autor)

Como argumentamos anteriormente, vídeos dessa natureza contribuem para demarcar

hierarquias sociais e sustentar estilos de vida. É possível apreender como os bens de consumo

possibilitam a inclusão (ou a exclusão) do sujeito em um determinado estilo de vida. Uma

questão bastante emblemática uma vez que os modos de ser demonstrados pelas youtubers, os

quais são sustentados por determinados bens de consumo seriam considerados os adequados e

desejáveis perante seus fãs. Por outro lado, acabam segregando aqueles que não têm acesso ao

conjunto de bens que sustentam esses modos de ser e, portanto, não adotam tais estilos de vida

eleitos como os representantes da “boa” vida (CASTRO, 2016).

Diante das análises realizadas nas produções que compõem nosso corpus, observamos

que alguns elementos repetidamente integram as produções, tornando perceptível a presença e

a atuação da garota propaganda diante da criança conectada. Em todas as produções as

youtubers elencam de maneira divertida e descontraída diversos aspectos sobre o brinquedo

apresentado, tais como: beleza, qualidade e variedade. Utilizando-se movimentos de câmera

em plano fechado, há frequente preocupação em salientar tanto os detalhes dos produtos como

também as expressões apresentadas pelas pequenas celebridades. Expressões que na maioria

das vezes são reforçadas pelas mudanças de tonalidades e efeitos sonoros presentes nos vídeos.

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Com frequência a tela modifica suas cores no intuito de criar um tipo de ruptura em meio à

produção, conferindo particular importância para aquele momento em específico.

Dentre as diversas similaridades que podem ser encontradas nas produções analisadas,

uma delas se sobressai. A contínua convocação do público a permanecer conectado ao canal é

evidente em diferentes momentos. No caso da youtuber Lulu, a primeira analisada,

majoritariamente é sua mãe quem convoca os espectadores a participarem de modo ativo dos

vídeos. Chamando-os a interagirem nos comentários e enviarem sugestões para as próximas

produções. Um pedido que rapidamente é atendido pelo contingente de seguidores. No caso da

youtuber Luluca é a própria youtuber quem realiza esse chamamento. Com uma notável

desenvoltura no trato com os bens de consumo que exibe, Luluca interpela seus seguidores a

dizerem o que acharam dos produtos, a curtirem e compartilharem seus vídeos. Constituindo

um modo de ser Luluca que tem por base certos habilidades e bens de consumo que lhe

possibilitaria ser uma criança conectada, assim como seus espectadores.

Em ambos os canais a convocação do público para consumir e interagir não acontece

por acaso, mas seria parte de uma estratégia que visa, entre outras coisas, agregar mais

seguidores aos canais para que possam ser ainda mais atraentes perante às empresas que

poderiam monetiza-los. Como demonstramos, ficou evidente, sobretudo em uma das produções

analisadas, que a presença de aportes financeiros que rentabilizam os canais é uma efetivada.

Por outro lado, mesmos para aquelas produções que não são aparentemente patrocinadas nota-

se que a mobilização de brinquedos e afins contribuem para a promoção das marcas, produtos,

e principalmente de certos modos de brincar e ser criança em uma contemporaneidade

conectada.

O entretenimento se tornou uma linguagem eficiente para cativar a atenção e despertar

o interesse do espectador, inclusive das crianças. Diante disso, os vídeos unboxing apresentados

por pequenas celebridades se revelam um formato conveniente para a inserção de marcas e

utensílios destinados às crianças, aumentando o tempo que a criança permanece em contato

com a marca em questão. Diante de um cenário no qual há regulamentações que normatizam a

publicidade dirigida ao público infantil no Brasil, especialmente nos meios tradicionais, a

criança que brinca em frente à câmera e agrega legiões de seguidores mirins, se torna, ela

própria, um relevante produto para o mercado infantil ao assumir o papel da garota propaganda

que dialoga diretamente com a criança conectada enquanto simultaneamente se apresenta como

modelo de criança bem-sucedida.

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Considerações finais

Por diversas vezes passamos por situações que nos tiram da zona de conforto e nos

levam para outros caminhos, os quais podem ser desafiadores e turbulentos, mas também

libertadores. A pesquisa apresentada nessa dissertação teve origem em uma situação desse tipo.

Observar cotidianamente o modo como uma peça publicitária, sobretudo, audiovisual, atraia a

atenção de uma criança de 5 anos – idade que meu filho tinha na época – me fez questionar

sobre o modo com que a publicidade interpela o público infantil. Como publicitário e pai queria

entender como as crianças se inseriam em um ambiente midiático crescentemente formado por

canais digitais. Compreender como e quais eram as estratégias utilizadas para conquistar a

atenção da criança. Esses eram questionamentos que o campo mercadológico no qual atuava

como publicitário dificilmente responderia, pelo menos naquele momento. Tendo em vista que

pesquisar é um processo que não fazemos sozinhos, as contribuições de todos os colegas e

professores do PPGCOM da ESPM, em especial do nosso grupo de pesquisa GRUSCCO, foram

substanciais para tornar concreta esta pesquisa. Desse modo, visando responder tais

inquietações nos debruçamos sobre um tipo de produção que, em grande parte dos casos, não é

somente direcionada às crianças, mas também produzida e protagonizada por elas: os chamados

vídeos unboxing apresentados por youtubers mirins.

Antes de apresentarmos nossas considerações sobre o que observamos, gostaríamos de

salientar que não pretendemos propor ideias definitivas sobre uma temática que, como já

dissemos, pode ser observada por diferentes ângulos e investigada por múltiplos caminhos.

Nossa proposta, pelo contrário é contribuir com um debate que atravessa tanto a informalidade

das conversas cotidianas quanto o rigor do campo acadêmico. Para isso, inicialmente

retomaremos o nosso problema de pesquisa e os objetivos traçados, para que desse modo

possamos compreender até que ponto conseguimos ou não esclarecê-los.

A pesquisa se apoiou em três eixos principais: o primeiro deles diz respeito à crescente

participação da criança na internet, tanto como espectadora quanto como produtora; o segundo

está relacionado às transformações observadas na prática publicitária que passou a imbricar-se

ao próprio conteúdo midiático sem que o público necessariamente se aperceba disso; e o terceiro

diz respeito às regulamentações vigentes no Brasil sobre a prática publicitária dirigida às

crianças. Sem perder de vista esses três eixos fundadores, elencamos como objetivo desta

pesquisa problematizar o entrelaçamento observado entre a prática publicitária e certas

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produções de entretenimento dirigidas às crianças, com o intuito de responder a seguinte

questão-problema: diante das restrições que normatizam a prática publicitária dirigida à criança

no Brasil atual, de que modo a publicidade contemporânea se vale das dinâmicas do

entretenimento nos ambientes digitais a fim de demonstrar modos de ser e ofertar bens de

consumo para a criança conectada?

Algumas considerações podem ser ressaltadas após a conclusão deste trabalho. Uma

delas diz respeito às disputas presentes nos debates envolvendo as crianças e a mídia. Com

bastante frequência, reflexões sobre a criança inserida na conjuntura midiática recaem em

visões deterministas, as quais integram pilares antagônicos. De um lado estão aqueles que

consideraram a mídia fator determinante para acabar com a inocência e a fragilidade das

crianças, conferindo a tais sujeitos uma posição demasiadamente vulnerável frente aos encantos

que a mídia possuiria. Do outro lado estão aqueles que consideraram as crianças da era digital

como figuras “naturalmente” providas de habilidades para lidar com os aparatos tecnológicos

e suas linguagens e formatos. Ambos os discursos podem ser facilmente apreendidos em

conversas rotineiras, como quando os mais velhos enfatizam a destreza de suas crianças em

manusear um tablet ou smartphone. Por outro lado, discursos de ONGs que visam defender os

direitos das crianças frente aos interesses de mercado, discorrem sobre uma perspectiva na qual

a criança é entendida como um sujeito vulnerável e incapaz de se defender de mirabolantes

táticas comerciais embutidas nas produções midiáticas. É evidente que os pontos de vista que

incluímos nesta conversa não são os únicos, mas ambos aparecem com tamanha recorrência em

meio aos discursos que tratam dessa relação complexa.

No intuito de nos afastar de interpretações deterministas achamos por bem conceituar a

criança pela nossa ótica. Demonstrar por qual perspectiva estávamos tratando tais atores sociais

neste trabalho. Partimos, portanto, do pressuposto de que a infância não é única, homogênea e

fixa. Defendemos a ideia da infância enquanto uma construção social, um estágio em constante

e intensa transformação, no qual as crianças são ativas como receptoras e produtoras, inclusive

constituindo novas formas de subjetividades. Capazes de interpretar e conferir novos sentidos,

visto que o significado é produto de uma negociação entre os textos e as crianças.

Se de um lado consideramos que as crianças são capazes de reconhecer, interpretar e

ressignificar os textos midiáticos, do outro elas também contribuem para colocar em circulação

novas formas de brincar e ser criança em uma era conectada. Como discorremos ao longo do

trabalho, o espraiamento dos aparatos digitais contribuiu para modificar o ambiente

comunicacional. Em meio a essa mudança os usuários adquiriram a capacidade de produzir e

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colocar em circulação seus próprios conteúdo. Uma competência disponível e acessível

inclusive para muitas crianças.

Percebemos que as crianças, representadas nesta pesquisa pelas figuras das youtubers

mirins, estabelecem um certo tipo de subjetivação ao demonstrarem a seus milhares de

espectadores como brincar, do que brincar, com quem brincar e como ser criança na era das

conexões. Defendemos a emergência de um tipo de subjetividade que é apresentado como um

modo atual, divertido e desejável de ser criança, um modo o qual nesta pesquisa nomeamos

como a criança conectada. Figuras que demonstram bens de consumo e ao mesmo tempo

contribuem para demarcar os modos considerados “corretos” de brincar e ser criança, uma vez

que a dimensão material e simbólica do consumo são duas faces da mesma moeda, conforme

nos explicam Gisela Castro e Everardo Rocha:

Modos de ser, estilos de vida, valores e discursos são socialmente aprendidos, bem como gostos e hábitos que perfazem as rotinas diárias. A onipresença dos meios de comunicação é uma realidade. Nesse contexto, as representações midiáticas se hibridizam com as linguagens do consumo, constituindo e expressando nosso imaginário social (CASTRO; ROCHA, 2012, p. 269-270).

Diante das regulamentações vigentes no Brasil notamos que diferentes empresas infantis

vislumbrariam na atuação dessas celebridades mirins um caminho fértil para demonstrar

produtos, bem como os modos de ser condizentes a eles. Em tempos de dispersão e saturação

da mensagem publicitária (CASTRO, 2013), não bastaria às empresas apenas demonstrarem os

features dos produtos, mas teria se tornado indispensável envolver o consumidor em um

ambiente de afeto e diversão. Para isso, o entretenimento se revelou uma importante linguagem

que quando atrelada à publicidade é capaz de levar a mensagem comercial de modo informar e

descontraído, e, por consequência, capaz de atrair a atenção tão fragmentada do consumidor

diante das múltiplas telas.

Ao analisar nosso material empírico constatamos que há youtubers mirins que são

claramente patrocinadas por certas empresas, mesmo que tais corporações afirmem o contrário.

Tanto é que em um dos vídeos que analisamos no Canal da Lulu há a informação, embora

inserida de modo secundário na descrição do vídeo, de que se trata de uma produção

patrocinada. Nos demais vídeos analisados não é possível afirmar com certeza se as youtubers

receberam ou não algum tipo de remuneração para discorrerem sobre os produtos que

apresentam, mas é evidente que o roteiro dessas produções segue a mesma lógica da produção

patrocinada. Apresentam em riqueza de detalhes os produtos, enfatizam a qualidade e,

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principalmente, demonstram como seria divertido brincar com tais brinquedos. Assim, foi

possível confirmar a hipótese que norteou o início deste estudo. Constatamos que os vídeos

unboxing apresentados por youtubers mirins se revelam um formato midiático pelo qual

diversas corporações infantis estariam colocando novamente em circulação seus apelos

publicitários voltados para as crianças. Um inquietante formato comercial em que a delimitação

entre publicidade e entretenimento se torna imprecisa. E, portanto, sua regulamentação

problemática.

Além da materialidade dos produtos, em tais produções também se consomem estilos

de vida e modos de ser criança, os quais são preconizados pelas youtubers mirins e sustentados

pela posse de certos bens. Como nos explica Everardo Rocha (2010) em um anúncio mais do

que consumir os produtos consumimos também visões de mundo. Ao contrário dos produtos

que se vendem apenas para aqueles que poderiam comprar, um anúncio se distribui

indistintamente. Mesmo os espectadores que não poderiam adquirir o produto acabam por

consumir os modos de ser e brincar propostos pelos vídeos em que pequenas garotas

propaganda desembalam caixas e mais caixas de brinquedos.

Para que o consumo das produções seja disseminado de maneira crescente, faz-se

necessário que os canais abarquem um grande contingente de seguidores. Não por acaso, a

convocação da criança conectada para participar de modo ativo nos canais é empreendida de

maneira incessante. A necessidade de angariar um conjunto significativo de participantes se

torna, a nosso ver, um quesito indispensável não apenas para posicionar os canais entre os

maiores, mas também para tornar as youtubers mirins figuras ainda mais valiosas diante do

mercado já concorrido das celebridades infantis. Likes, comentários, número de inscritos e

visualizações, neste caso, tornam-se critérios de valorização dos canais perante a possíveis

patrocinadores.

Além da constante disputa para tornar os canais mais atraentes, os vídeos disponíveis

no universo digital contribuem de modo significativo para um ponto de maior interesse das

empresas: o monitoramento dos hábitos e modos de conduta do público conectado às redes

online visando a segmentação fina dos perfis de consumo. Como nos lembra Fernanda Bruno

(2013) as redes de comunicação distribuída, como a internet, ampliaram de modo contundente

as possibilidades de monitorar, coletar e classificar tanto os dados pessoais quanto as práticas

de consumo dos usuários. Um rastreamento fundamental para as empresas, inclusive de

produtos infantis, penetrarem em um ambiente no qual os usuários mirins participam e

interagem com as celebridades protagonistas e a legião de fãs dessas produções. Para Alex

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Primo (2015) trata-se de uma “industrialização da amizade”, um conjunto de estratégia que se

baseia na interação entre os usuários para gerar padrões de consumo, transformando a

participação espontânea dos internautas em dados que podem ser comercializados para futuras

estratégias mercadológicas.

Diante dessa perspectiva em que empresas direcionam certos tipos de comunicação

mercadológica ao público infantil, mesmo em um cenário no qual há regulamentações vigentes

que, a princípio, normatizam tal atividade, entendemos ser pertinente trazer para o debate

questões relacionadas à literacia digital. Sonia Livingstone (2011) entende a literacia como um

conceito capaz de agrupar um conjunto de habilidades tanto básicas quanto avançadas, as quais

possibilitariam aos sujeitos, inclusive às crianças, identificarem os riscos bem como as

oportunidades do universo digital. A autora argumenta que pensar na efetivação de tais

capacidades é fundamental, considerando que pesquisas empíricas revelam a falta de destreza

dos jovens para desempenhar criticamente certas atividades na rede, refutando a utopia presente

na ideia referente à emergência de uma suposta “geração digital”.

Corroborando tal perspectiva, Pamela Craveiro (2017) argumenta que em um cenário

como o brasileiro é primordial discutir sobre a educação para a recepção crítica da publicidade.

Uma discussão que se torna urgente à medida que a publicidade direcionada ao público infantil

estaria mais centrada em práticas lúdicas, divertidas e atreladas às dinâmicas do entretenimento.

Práticas que buscam tornar a publicidade mais interessante e atraente aos olhos dos

consumidores, como observado no caso dos vídeos unboxing. Portanto, como nos explica

Gisela Castro (2012b, p. 73), a desenvoltura para avaliar de modo crítico as informações, resulta

do “aprendizado contínuo que deve ser guiado e estimulado por uma educação de qualidade

que interaja criticamente com esse novo cenário digital”.

Diante dos argumentos levantados ao longo desta dissertação, concluímos que a prática

publicitária dirigida ao público infantil no Brasil teria encontrado nos conteúdos de

entretenimento, especificamente nos vídeos unboxing, uma inquietante brecha para chegar até

a criança conectada. Diante das regulamentações vigentes no país, as ações publicitárias lançam

mão de estratégias como os vídeos unboxing, constituindo assim um formato transfigurado de

fazer publicidade ao público infantil que ganha ainda mais relevância perante ao consumidor à

medida que é endossado por celebridades mirins.

Produções dessa natureza não têm apenas a capacidade de driblar as regulamentações

vigentes ao utilizar crianças para demonstrar bens de consumo para o público infantil, mas

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também se constitui como um formato midiático capaz de propagar estilos de vida, modos de

brincar e ser criança em uma contemporaneidade conectada. Conforme argumenta Tomaz

(2018) mesmo o YouTube não sendo, a princípio, um espaço para crianças – como aquele que

é pensado para elas -, é possível compreender que a plataforma se constitui como um espaço

das crianças, uma vez que é apropriado por elas, colocando em circulação temáticas

pertencentes ao universo infantil. Desse modo, as crianças ganham voz e tornam-se

participantes ativas das narrativas que constroem as infâncias contemporâneas.

A inquietação que deu início a esta pesquisa sobre como a publicidade estaria se

apropriando das produções protagonizadas pelas youtubers mirins que desembalam diferentes

brinquedos, vem despertando novos debates na mídia atual. No começo do mês de janeiro de

2019, o Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação civil pública contra o Google,

empresa dona do YouTube, em que defendia a retirada do ar de uma série de vídeos de

youtubers mirins que estariam fazendo propaganda velada de produtos para o público infantil.

Segundo matéria de Mônica Bergamo publicada pela Folha de São Paulo em 02 de janeiro de

2019, o Ministério Público alega que “diversas empresas, aproveitando-se da

hipervulnerabilidade tanto da criança youtuber como da criança espectadora, passaram a enviar

seus produtos a esses influenciadores digitais para que eles os desembrulhassem, apresentassem

como verdadeiros promotores de vendas” (BERGAMO, 2019). Trata-se de uma prática bem

conhecida: o uso de celebridades (nesse caso, mirins) como garotas propaganda.

Igualmente conhecidas são as respostas proferidas pelas empresas anunciantes quando

interpeladas a respeito. Com certa frequência dizem não comentar um caso em específico ou,

quando comentam, destacam que desconhecem ou afirmam não realizar tais práticas. Neste

caso, a resposta do Google quando questionado sobre essa atividade não foi diferente: a empresa

disse não comentar casos específicos, mas teria ressaltado que “o YouTube é uma plataforma

destinada a adultos e seus usos por crianças deve ‘sempre ser feito num contexto familiar e em

companhia de um adulto responsável’” (PADRÃO, 2019, grifo no original). Mesmo o YouTube

se tratando, a princípio, de uma plataforma destinada ao público adulto conforme argumenta a

empresa, por outro lado o que se vê na conjuntura midiática é diferente. Os dados apresentados

pelo ESPM Media Lab disponíveis em Corrêa (2015; 2016) nos revelam um panorama no qual

a presença de crianças com idade entre 0 e 12 anos é constante, evidente e crescente,

demonstrando que não somente os adultos, mas também as crianças se apropriam desse espaço

digital para colocar em circulação temas que dizem respeito ao seu cotidiano.

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É bem verdade que as regulamentações vigentes têm por objetivo normatizar a

publicidade direcionada à criança. Mas, por outro lado, nos cabe questionar o motivo pelo qual

tais regulamentações não se fazem valer no universo digital, ao contrário do observado nos

meios tradicionais como a TV, por exemplo. Vale salientar que mesmo a TV não acompanha

tais normativas de modo uniforme. Se compararmos a TV aberta e os canais fechados veremos

uma diferença significativa. Na TV aberta, especialmente após a publicação da resolução do

CONANDA, houve uma redução exponencial de propagandas destinadas à criança, chegando

em alguns casos a inexistência. Nos canais a cabo, pelo contrário, ainda é notório a presença

constante de anúncios publicitários que interpelam de modo recorrente o público infantil.

Ações como a movida pelo Ministério Público de São Paulo entre outras que buscam

coíbem a publicidade infantil abrem um debate que contribui para trazer à luz questões

relacionadas às normativas que vigoram no país. Se atitudes como estas trarão ou não alguma

mudança no modo como a atividade publicitária interpela o público infantil, ainda não sabemos.

Mas, é evidente que por enquanto as empresas parecem ter encontrado um caminho capaz de

dialogar com as crianças mesmo diante de um cenário que discute a efetividade das

regulamentações vigentes, sobretudo, no âmbito digital. Uma prática que também vem sendo

incentivada pela plataforma do YouTube. Tanto é assim, que o próprio Google ressalta em sua

comunicação como os youtubers se tornaram fundamentais para as empresas na atual

conjuntura midiática e publicitária. Em fevereiro de 2019, a companhia elencou em uma

publicação75 voltada aos seus clientes diferentes características que tornariam os youtubers

figuras altamente estratégicas para associar marcas e produtos. O texto destaca principalmente

a capacidade de influência dos youtubers que só ficaria atrás dos familiares e amigos dos

sujeitos que compõem o público alvo. A publicação enaltece ainda o aspecto de identificação

nutrido entre youtubers e seus seguidores, o que colaboraria também para tornar as marcas mais

próximas de seus consumidores.

Como dissemos, nosso intuito foi contribuir para o debate sobre comunicação e

consumo do ponto de vista das estratégias publicitárias voltadas para as crianças conectadas. É

evidente que alguns temas correlatos emergiram ao longo desta caminhada, alguns dos quais

não pudemos nos aprofundar. Em um futuro doutoramento, esperamos poder dar continuidade

a esse estudo de modo a constituir uma argumentação consistente acerca da necessidade de se

adotar medidas relacionadas à formação crítica dos usuários no intuito de fomentar a literacia

75 Disponível em: https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/advertising-channels/v%C3%ADdeo/creators-connect-o-poder-dos-youtubers/. Acesso em: fev/2019.

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midiática e publicitária frente às múltiplas interseções da comunicação digital com as lógicas

de consumo. Encerramos esta dissertação com a clareza de que, na atual conjuntura, o público

infantil está inserido em um cenário no qual comunicação, consumo e diversão se articulam de

modos nem sempre explícitos ou, talvez, nem mesmo lícitos, para atrair e cativar a atenção tão

fugaz da criança conectada.

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Apêndice

Protocolo de análise – Canal da Lulu Vídeo 1 – Abrindo LOL SURPRESA no parque escondida na areia da praia brincadeiras de férias de verão.76 – 2.430.810 views – duração: 8m38s. Em qual ambiente se passa a produção? Interno/Externo? Ambiente externo. Em uma praia.

Além da youtuber, há outras ou outros participantes envolvidos? Quais? Sim, há outros participantes. A mãe de Lulu e a sua pequena irmã Nicole.

Que produtos são demonstrados no unboxing? A boneca L.O.L Surprise

Há frases e/ou expressões que evidenciem a promoção do produto apresentado? Sim. A youtuber descreve as cores dos itens que enfeitam a boneca, como por exemplo, a bola, a chupeta, a mamadeira e a roupa nos mínimos detalhes. Esclarece que a boneca L.O.L que está demonstrando compõe a série 1 da linha de bonecas. Pratica uma espécie de interação com o público perguntando a seus seguidores “Quem já sabe qual é essa boneca” enquanto vai retirando as primeiras camadas e dicas no intuído de enfatizar ao final o nome da boneca encontrada.

Que aspectos do produto são mais enaltecidos? Especialmente os acessórios da boneca. Mas, percebe-se que a mãe da youtuber fica a todo momento fazendo referência a outros tipos de bonecas da mesma fabricante. Falando para a youtuber mostrar o brinquedo para as crianças.

Que tipo de enquadramento de câmera é mais frequente: plano aberto / fechado Há momentos em que o enquadramento que predomina é o aberto, principalmente para demonstrar a brincadeira de caça ao tesouro que a youtuber realiza em busca da sua boneca L.O.L Surprise escondida. Mas, quando se trata em demonstrar o produto efetivamente sendo desembalado o enquadramento predominante é o fechado. Buscando demonstrar os mínimos detalhes do produto.

Que tipo de expressões faciais e/ou corporais são utilizadas pela youtuber para demonstrar o produto? Enquanto a youtuber retira todas as camadas da embalagem e vai demonstrando o produto, neste vídeo especificamente, ela tenta fazer uma cara de surpresa e animada com a brincadeira, mas é perceptível que em diversos momentos a própria mãe da

76 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yjoZaDFEk9c. Acesso em: fev/2019.

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youtuber é que realiza a tarefa de desembalar o brinquedo. Por repetidas vezes ao longo desse vídeo, Lulu demonstraria um certo desinteresse com a brincadeira.

Há alteração na tonalidade da imagem / voz da youtuber enquanto descreve o produto? Sim, principalmente em momentos nos quais acontece algo inesperado, como no pedido de ajuda à sua mãe para vestir a boneca, como também quando a youtuber Lulu descobre que a boneca que acabou de abrir é repetida. Ou seja, percebe-se que em momentos nos quais é preciso dar ênfase, tanto a tonalidade da voz quanto a tonalidade do vídeo são artifícios utilizados para chamar a atenção do público.

Vídeo 2 – Abrindo LOL Surpresa no parque escondida na areia da pracinha77 - 2.029.758 views – duração: 4m50s Em qual ambiente se passa a produção? Interno/Externo? Ambiente externo. Em uma praça.

Além da youtuber, há outras ou outros participantes envolvidos? Quais? Sim. Aparente no vídeo podemos perceber a presença da mãe e da irmã da youtuber. Mas, também é possível notar a presença do pai que aparentemente esta filmando a produção. No entanto a imagem do pai não aparece, apenas a sua voz enquanto fala com Lulu.

Que produtos são demonstrados no unboxing? A boneca L.O.L Surprise.

Há frases e/ou expressões que evidenciem a promoção do produto apresentado? Sim, após a youtuber desembalar e montar a boneca com todos os acessórios, a mãe de Lulu descreve o produto da seguinte maneira: “a Leading Baby vem com um par de óculos vermelhos, um par de sapatinhos combinando, um vestido branco brilhoso e o copinho que parece do Starbucks”. Enfatizando na beleza dos acessórios.

Que aspectos do produto são mais enaltecidos? Os acessórios que compõem a boneca L.O.L

Que tipo de enquadramento de câmera é mais frequente: plano aberto / fechado

77 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Q12d-OoVtP0. Acesso em: fev/2019.

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A maior parte do tempo o enquadramento é fechado, demonstrando de modo detalhado tanto os produtos quanto as expressões de surpresa que a youtuber mirim realiza.

Que tipo de expressões faciais e/ou corporais são utilizadas pela youtuber para demonstrar o produto? Geralmente expressões de surpresa e euforia. Mas, algumas vezes faz expressões de desapontamento e frustação, como quando descobre que a boneca que teria acabado de desembalar já integraria sua coleção. Seria repetida.

Há alteração na tonalidade da imagem / voz da youtuber enquanto descreve o produto? Não há nenhuma alteração significativa. Há momentos em que a produção busca dar foco para determinada situação repetindo a mesma imagem inúmeras vezes de modo bastante rápido. Buscando conferir à cena um leve tom de humor. Como no caso em que a youtuber mirim cai na areia do parquinho.

Vídeo 3 – Crunch Mania Supresa na cozinha da Lulu78 - 403.760 views – duração: 5m33s - Vídeo Patrocinado Em qual ambiente se passa a produção? Interno/Externo? Interno. Aparentemente dentro do quarto da youtuber Lulu

Além da youtuber, há outras ou outros participantes envolvidos? Quais? Não. Neste vídeo aparece apenas a youtuber e os brinquedos que retira das caixas.

Que produtos são demonstrados no unboxing? Pelúcias Crunch Mania

Há frases e/ou expressões que evidenciem a promoção do produto apresentado? Sim. Enquanto a youtuber retira cada uma das seis pelúcias das caixas e apresenta seus nomes, também tenta demonstrar como eles são legais. No momento em que todas as seis pelúcias já estão organizadas em frente à câmera, a youtuber diz a seguinte frase: “E esses são os meus amigos da Crunch Mania!”. E continua com a seguinte indagação: “Vocês sabem como eles vieram parar aqui dentro da minha casa quando eu fui fazer compras?”. Em seguida a youtuber conta a narrativa

78 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HQPcqHxG88E. Acesso em: fev/2019.

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proposta pela marca em seu comercial na qual os bichinhos invadem um supermercado e comem tanto que acabam ficando no formato da caixa. Para finalizar a youtuber diz: “Aí quando eu fui fazer minhas compras eu acabei comprando esses animais”.

Que aspectos do produto são mais enaltecidos? A pelúcia é fofinha e, principalmente que é um brinquedo colecionável.

Que tipo de enquadramento de câmera é mais frequente: plano aberto / fechado O formato que predomina é o plano fechado, especialmente para demonstrar as expressões de surpresa da youtuber ao descobrir que os brinquedos estavam em seu quarto, como também ao final do vídeo quando apresenta, em fila, todas as seis pelúcias desembaladas ao longo do vídeo.

Que tipo de expressões faciais e/ou corporais são utilizadas pela youtuber para demonstrar o produto? Surpresa e celebração ao encontrar os brinquedos em seu quarto.

Há alteração na tonalidade da imagem / voz da youtuber enquanto descreve o produto? Não, mas há momentos nos quais percebemos a presença de elementos sonoros como “risadinhas” por exemplo, que seriam utilizados para exaltar o aspecto de diversão do produto.

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Protocolo de análise – Crescendo com Luluca Vídeo 1 – Abrindo Big LOL caseira79 – 4.381.985 views – duração: 10m02s. Em qual ambiente se passa a produção? Interno/Externo? Ambos, mas principalmente interno.

Além da youtuber, há outras ou outros participantes envolvidos? Quais? Sim. No início do vídeo além da youtuber Luluca também participam outras duas youtuber mirim. Após esse momento inicial no qual Luluca convida seus espectadores a conhecerem também os canais das youtubers que ali estão, apenas Luluca aparece. Mas, também é possível perceber que sua mãe está presente, visto que a youtuber comenta sobre o brinquedo com ela por algumas vezes.

Que produtos são demonstrados no unboxing? Big LOL caseira. Um presente que supostamente teria sido feito por uma das youtubers que aparecem no momento inicial do vídeo.

Há frases e/ou expressões que evidenciem a promoção do produto apresentado? Sim. Enquanto a youtuber vai desembalando a Big LOL que, a princípio, teria ganhado de sua amiga, ela demonstra todos os acessórios nos mínimos detalhes. Fala sobre os sapatos, as roupas e, sobre a LOL pet que também estaria dentro da esfera surpresa.

Que aspectos do produto são mais enaltecidos? A todo momento a youtuber tenta demonstrar como é divertido brincar com as bonecas. Apresenta os produtos e fala sobre a beleza deles. Ao final do vídeo Luluca diz: “Realmente é uma LOL única, uma LOL rara que não tem como você comprar em nenhuma loja”. Pois, supostamente, teria sido fruto da combinação realizada por sua amiga.

Que tipo de enquadramento de câmera é mais frequente: plano aberto / fechado Ambos os enquadramentos são utilizados. Mas é predominante a presença do enquadramento fechado tanto direcionado para o rosto da youtuber buscando captar as expressões, quanto para o produto enquanto o desembala.

Que tipo de expressões faciais e/ou corporais são utilizadas pela youtuber para demonstrar o produto? Nos parece que a youtuber Luluca faz quase que automaticamente diferentes expressões que se alteram entre excitação, alegria e entusiasmo por abrir o brinquedo.

79 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ngp8hn67WsU. Acesso em: fev/2019.

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Cada peça que é descoberta e apresentada diante da câmera se torna um momento de pura euforia para a youtuber. Antes de apresentar o item principal, que é a boneca, a youtuber tenta criar um rápido momento de suspense utilizando frases como: “Que rufem os tambores!” e ao ver a boneca diz o quanto amou e quão divertido é o brinquedo.

Há alteração na tonalidade da imagem / voz da youtuber enquanto descreve o produto? Sim, quando a youtuber começa a perceber que é a “bola dourada” as tonalidades do vídeo se alteram e começa a tocar uma música enquanto a youtuber faz uma grande expressão de surpresa. Além disso, a tonalidade de voz de Luluca se altera por todo o vídeo, mas sempre demonstrando uma expressiva felicidade e empolgação.

Vídeo 2 – Comprando meu material escolar 201880 – 3.486.829 views – duração: 16m57s. Em qual ambiente se passa a produção? Interno/Externo? Ambos. No início do vídeo em uma papelaria na qual, em tese, Luluca teria comprado seus materiais. No momento seguinte supostamente em seu quarto, onde se passa grande parte do vídeo.

Além da youtuber, há outras ou outros participantes envolvidos? Quais? Não. Apenas a youtuber Luluca aparece na produção.

Que produtos são demonstrados no unboxing? Diversos materiais escolares os quais majoritariamente são representados por 3 marcas bastante conhecidas: Faber-Castel para toda a linha de tintas, lápis, lápis de cor e canetinhas; Pritt para colas, adesivos e corretivo; e Tilibra para os cadernos.

Há frases e/ou expressões que evidenciem a promoção do produto apresentado? Sim. Ao apresentar os produtos a youtuber demonstra em detalhes diferentes aspectos de cada item. Fala sobre variedade de cores que a caixa de lápis oferece, a necessidade de ter o corretivo para aqueles que, assim como ela, estão aprendendo a usar caneta, bem como enaltece a qualidade da ponta das canetinhas Faber-Castel.

Que aspectos do produto são mais enaltecidos? O principal aspecto enaltecido diz respeito à qualidade dos produtos. No momento em que a youtuber fala sobre as canetinhas da Faber-Castel por exemplo, ela as

80 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sglRLPakTUY. Acesso em: fev/2019.

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descreve como um produto de alta qualidade, especialmente considerando a ponta da canetinha que, segundo Luluca, não afunda.

Que tipo de enquadramento de câmera é mais frequente: plano aberto / fechado Ambos, mas é frequente o uso do plano fechado para apresentar os detalhes dos produtos.

Que tipo de expressões faciais e/ou corporais são utilizadas pela youtuber para demonstrar o produto? Majoritariamente expressões de entusiasmos e euforia diante dos produtos.

Há alteração na tonalidade da imagem / voz da youtuber enquanto descreve o produto? Sim. Por diversas vezes a youtuber aumenta seu tom de voz antes de apresentar o produto. Faz gestos rápidos como se estivesse ansiosa com os novos materiais. A tonalidade da imagem se altera por diversas vezes ao decorrer do vídeo, especialmente nos momentos em que ela diz errar bastante. Por exemplo, ao demonstrar o corretivo Pritt Luluca diz que precisa do corretivo porque “Erra bastante”. Neste momento a tonalidade da imagem se altera, revelando que se trataria de um momento de “sinceridade” por parte da youtuber.

Vídeo 3 –Acessórios da minha boneca OUR GENERATION81 – 2.169.375 views – duração: 10m20s. Em qual ambiente se passa a produção? Interno/Externo? Ambiente interno.

Além da youtuber, há outras ou outros participantes envolvidos? Quais? Não. Apenas a youtuber Luluca participa.

Que produtos são demonstrados no unboxing? Acessórios da boneca Our Generation

Há frases e/ou expressões que evidenciem a promoção do produto apresentado?

81 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EmNyByolqaM. Acesso em: fev/2019.

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Sim. A youtuber utiliza de modo recorrente expressões como “Eu estou de boca aberta porque quem fez não esqueceu de nenhum detalhezinho. É perfeito, parece até que é de verdade!”e “estou encantada, gente!”. Demonstra nos mínimos detalhes os acessórios, bem como os modos que podem ser utilizados para tornar a brincadeira, em tese, ainda mais divertida.

Que aspectos do produto são mais enaltecidos? Aspectos principalmente ligados à qualidade do produto. Enfatiza por diversas vezes sobre a suposta preocupação com os detalhes dos acessórios da boneca. Os quais tornariam, segunda a youtuber, o produto tão perfeito que até parece de verdade.

Que tipo de enquadramento de câmera é mais frequente: plano aberto / fechado Ambos. Há uma mistura entre o plano fechado e o aberto. Como observado nos outros vídeos há majoritariamente a presença do plano fechado, especialmente em momentos nos quais os produtos são demonstrados.

Que tipo de expressões faciais e/ou corporais são utilizadas pela youtuber para demonstrar o produto? Luluca utiliza muitas expressões faciais buscando demonstrar que está empolgada e ansiosa com o brinquedo em questão. Utiliza frases como “Ai que ansiedade gente, vamos logo abrir!” e “gente, vocês amaram essas coisas como eu? Escreve aqui em baixo nos comentários”.

Há alteração na tonalidade da imagem / voz da youtuber enquanto descreve o produto? Sim. Com bastante frequência há alteração no tom de voz utilizado pela youtuber que na maioria das vezes nos parece acontecer para chamar a atenção do espectador antes de demonstrar o produto. Já as mudanças de tonalidade da imagem geralmente são mais perceptíveis, neste caso, nos momentos aparentes de descontração da youtuber, como por exemplo, quando fala algo engraçado.