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ESCRITOS de minha juventude

diegoSABÁDO

ESCRITOS de minha juventude diegoSABÁDO

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Todos os direitos e responsabilidades desta publicação reservados à Limoeiro Edições.

SABÁDO, Diego. Escritos de minha juventude. Belém: Limoeiro Edições/PerSe, 2014.

ISBN: 978-85-8196-994-7 Série: Filosofia.

Limoeiro Edições Editora PerSe

ESCRITOS de minha juventude diegoSABÁDO

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diegoSABÁDO

ESCRITOS de minha juventude

Belém-PA

2014

ESCRITOS de minha juventude diegoSABÁDO

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para: Reno Mendes

Que com sua amizade renova em mim a leveza e a liberdade do pensar

ESCRITOS de minha juventude diegoSABÁDO

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ÍNDICE

Algumas palavras introdutórias......................................................................................................05

Da deliberação Aristotélica e do Homem enquanto causa de sua felicidade........................06

A relação entre Ética, Política e Educação, no pensamento de Platão...................................10

Felicidade é vida política, segundo Aristóteles............................................................................14

Conhecimento e Política: cotejo entre Platão e Aristóteles......................................................19

Justificação do Imperativo Categórico e Reino dos Fins na filosofia de Kant....................22

Kant e o voto obrigatório................................................................................................................27

Demarcação entre ciência e metafísica segundo Carnap e Popper..........................................36

Unidade de método nas ciências: uma proposta popperiana...................................................43

Como a ciência do concreto pode ajudar na interpretação das culturas................................55

A ilogicidade da “existência” mítica e religiosa como parte inerente da percepção humana e da expressividade linguística que significam e dão sentido ao mundo................................60

O Problema da apresentação da Realidade no Tractatus de Wittgenstein..........................63

A relação entre as concepções de Tempo em Aristóteles e Kant............................................69

Organização universal e espírito racional diante de Deus na Mônadologia de Leibniz.....72

Sobre Tales e a origem da filosofia...............................................................................................79

Peter Pan e o Narcisismo.................................................................................................................81

Um amigo me perguntou: como fazer para saber quem sou Eu?............................................84

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Algumas palavras introdutórias

O livro que vocês têm em mãos traz, como já anuncia o título, escritos feitos

ainda na minha adolescência. São trabalhos da universidade, do curso de filosofia, do

curso de psicologia, do curso de letras no qual me aventurei por um breve período sem

dar continuidade. Todos eles foram solicitados por professores, e após a entrega ficaram

guardados em meu computador e em folhas avulsas dentro de pastas pelo quarto, e ao

longo dos anos eu retornava a eles, corrigindo algumas coisas, mudando a redação,

adaptando as ideias. Percebi que seria interessante entregá-los ao leitor, e durante a revisão

para esta edição percebi que melhor do que reescrevê-los seria mantê-los como estão, com

seu pensamento embrionário fermentando ainda, mantê-los como sementes do que viria a

se tornar meu pensamento e minhas reflexões.

E foi assim que, ao longo do percurso de preparação da edição que agora

chega ao leitor, deparei-me com o pensamento de um Diego em desenvolvimento de sua

filosofia, ainda imaturo, sem muita fundamentação, por vezes até ingênuo em suas

colocações. Entretanto encontrei nesta mesma movediça construção das ideias um prazer

e uma elegância de leitura que me encantaram. O Diego de hoje teria escrito tudo de uma

forma bem diferente, mas aí então não seriam mais os escritos de minha juventude.

Espero que vocês gostem do resultado final desta reunião de textos, trabalhos,

de escritos. Há um pouco de política, um pouco de ética, um pouco de teoria do

conhecimento, de filosofia da ciência, de metafísica, de teologia, de antropologia e

psicologia, e é apenas um pouco de cada coisa mesmo, o pouco que conseguiu alcançar

meu “Eu” juvenil. Espero que lhes agrade.

Boa leitura!

Belém, 22 de maio de 2014.

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Da deliberação Aristotélica e do Homem enquanto causa de sua felicidade O ser humano é o único ser que pode adquirir virtudes, que pode ser virtuoso.

É também o único ser que pode escolher os meios para chegar a um fim desejado. Só o ser humano é capaz de ser feliz e somente de cada ser humano depende o ser ou não ser feliz em sua vida. A felicidade de um homem só depende dele mesmo. Chega de redundâncias, pergunto: de que maneira a felicidade de cada indivíduo depende dele mesmo? A partir das deliberações que faz no decorrer de sua vida o homem torna-se feliz ou não.

Mas de que modo pode o homem, cada homem individual, a partir do procedimento deliberativo, tornar-se causa de sua própria felicidade, inscrevendo-se assim no rol das causas que formam e movem os efeitos de seu existir?

É esta questão que procuraremos responder. Tendo por base a obra “Ética à Nicômaco” de Aristóteles. Comecemos por analisar o que seria, para o filósofo grego, a deliberação.

Deliberar é refletir antes de decidir, pressupõe o pensar acerca das possibilidades de escolhas antes da tomada de decisão. Há que se deliberar, escolher o melhor caminho após um bom exame e segui-lo. Só através dos meios pode-se chegar ao fim desejado. E pobre do tolo homem que, sem deliberação alguma, toma o primeiro caminho que lhe aparece e quando se dá conta, está no norte, quando desejava ir ao sul. O procedimento deliberativo aqui é a segurança que temos, após árdua análise, de escolher os meios certos para alcançar o fim desejado.

Toda ação humana tende a um fim, e esse fim, enquanto fim, pressupõe meios que levem o indivíduo até ele. Desejamos algo e escolhemos como conseguir este algo. Eis a diferença entre o desejo e a escolha, que Aristóteles explicita muito claramente no livro III de sua Ética, no capítulo 2 diz: “o desejo relaciona-se com o fim, e a escolha com os meios”. Disto conclui-se que, desejamos os fins, mas escolhemos os meios. De que modo os escolhemos?

De muitas formas, porém a mais sensata e “verdadeira” maneira de escolher é a partir de um exame atento de todas as possibilidades, ou seja, de cada meio capaz de levar-nos ao fim que se deseja. Este exame atento é o que Aristóteles nomeia deliberação, e a escolha dos melhores meios para alcançar o fim após essa deliberação é a escolha deliberada (e aqui temos a diferença entre a escolha comum e a escolha deliberada).

Creio que nos está claro que não se delibera sobre qualquer coisa, mas sim apenas sobre o que um homem sensato pode deliberar, ou seja, apenas sobre o que se é possível deliberar. Não deliberamos sobre os três lados de um triângulo, ou sobre o nascer do sol, ou sobre o movimento dos corpos, como exemplifica o próprio Aristóteles, e tão pouco se delibera sobre todos os assuntos humanos, por exemplo, sobre as escolhas de outrem.

A deliberação diz respeito ao meu existir, ao meu desejar e ao meu escolher os caminhos para alcançar meus fins desejados. Sobre a deliberação e os seus possíveis objetos, diz Aristóteles, ainda no livro III, capítulo 3:

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Deliberamos sobre as coisas que estão ao nosso alcance e podem ser realizadas, e essas são efetivamente as que restam. Porque como causas admitimos a natureza, a necessidade, o acaso e também a razão e tudo que depende do homem. Ora, cada classe de homem delibera sobre as coisas que podem ser realizadas pelos seus esforços.

Desta afirmação, além do conhecimento de que só podemos deliberar sobre o que é possível para nós como caminhos, retiramos também outro conceito, de que o homem, sua razão e tudo o que depende dele, é também admitido por Aristóteles como causa, junto de todas as outras. Temos então o homem enquanto causa, mas causa de quê?

De fato, podemos afirmar com muita propriedade que, se um homem não delibera acerca dos meios para atingir determinado fim, e escolhe um, sem nenhum critério “sólido”, dentre os muitos meios possíveis que lhe aparecem, estará este homem sujeito às invertidas do acaso, as surpresas da natureza e as “obrigações” das necessidades, de modo que este homem pode muito bem não chegar ao fim desejado e sim a outro que sequer previra. Este tal homem que, se tivesse deliberado bem e escolhido os meios certos, chegaria talvez facilmente a seu fim, ao fazer uma escolha não deliberada, pode perder-se no caminho e alcançar efeitos que nem esperava.

Falamos em deliberar bem, surge então a questão: será que se delibera bem ou mal, ou a deliberação não é suscetível de tal julgamento? Aristóteles diz que sim, há tanto a boa quanto a má deliberação. Sendo a boa aquela que consegue levar o indivíduo ao fim através dos meios escolhidos com mais certeza e frequência. E a má deliberação aquela que leva o indivíduo a fazer más escolhas e consequentemente, errar, e não alcançar o fim que se esperava.

Mas o que é preciso para se deliberar bem? Aristóteles responde a seguinte questão no livro VI de sua ética, capítulo 7, quando, após falar dos tipos de sabedoria nos capítulos anteriores (conhecimento científico, sabedoria nas artes e sabedoria prática), explica como a sabedoria prática atua no campo da deliberação:

A sabedoria prática versa sobre as coisas humanas, e coisas que podem ser objetos de deliberação; pois dizemos que essa é acima de tudo a obra do homem dotado de sabedoria prática: deliberar bem.

Por este trecho fica fácil compreender que, um homem dotado de sabedoria prática (sabedoria adquirida com a experiência de vida), pode muito mais sabiamente deliberar, e deliberar bem sobre suas escolhas.

Logo, de acordo com a passagem acima, em Aristóteles, um jovem não pode jamais, e isso por ser exatamente jovem, possuir sabedoria prática (visto que não viveu o suficiente para ter grande experiência de vida e esta sabedoria prática se adquire exatamente através da experiência de vida). Disto se poderia concluir apressadamente, e de maneira falha, que, um jovem nunca poderá deliberar bem? Não! Essa afirmativa generalizada não é concebível na filosofia aristotélica, pois que é muito possível um jovem deliberar bem (mesmo sem possuir sabedoria prática), claro, se este jovem for um jovem virtuoso. Voltando ao livro III, no 1° parágrafo do capítulo 5, encontramos a seguinte

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afirmação: “Sendo, pois, o fim aquilo que desejamos, e o meio aquilo acerca do qual deliberamos e que escolhemos, as ações relativas ao meio devem concordar com a escolha e ser voluntárias. Ora, o exercício da virtude diz respeito aos meios.” Nesta última frase temos a resposta e logo outra pergunta. Um jovem pode deliberar bem desde que seja virtuoso?

A deliberação, sendo a análise dos meios possíveis para se escolher o melhor dentre eles, e o exercício da virtude, por dizer respeito aos meios (ao agir virtuosamente), nos leva a uma resposta positiva para a pergunta. Se um jovem, não possuidor de sabedoria prática, for um jovem virtuoso, e viver no exercício da virtude (pois ser virtuoso é viver continuamente nessa atividade virtuosa), logo, é improvável que ele delibere mal, pois não deliberará acerca de meios viciosos e vis, e sim acerca de meios onde possa chegar ao fim pelo exercício contínuo de sua virtude, assim o meio que escolherá jamais será um meio vil. Porém há que se atentar para algo. É fato que um jovem pode deliberar bem, tanto quanto é fato que ele pode deliberar mal, mesmo sendo virtuoso, pois o exercício da virtude em si leva à sabedoria prática, mas em seu contínuo exercício no decorrer dos anos, e um jovem, embora virtuoso não possui sabedoria prática suficiente para deliberar sobre certos assuntos, então, pode muito bem acontecer que, mesmo escolhendo meios virtuosos a partir de sua deliberação, este jovem não chegue ao fim desejado. Logo, se não chegou ao fim desejado, foi por deliberar mal, e encontrar o fim que não desejava, pois as más deliberações deixam o homem sujeito a se deparar com fins que não esperava.

Assim sendo, o exercício das virtudes não é o principal fator para uma boa deliberação, é um fator que ajuda, porém, o principal fator para uma boa deliberação é a sabedoria prática.

O fim último e supremo, único que é e deve ser buscado por si mesmo, é na ética aristotélica identificado com a felicidade. “A felicidade é, pois, a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo” (livro I, capítulo 8). “Esse é o conceito que preeminentemente fazemos da felicidade. É ela procurada sempre por si mesma...” (livro I, capítulo 7). A felicidade por isso é o fim dos fins. Inúmeros fins são buscados por inúmeros meios, porém todos convergem para o fim maior: a felicidade.

Não à toa, Aristóteles vai buscar a solução da seguinte questão que versa sobre como se alcançar a felicidade, ele a indaga dizendo assim: “a felicidade deve ser adquirida pela aprendizagem, pelo hábito ou por alguma outra espécie de adestramento, ou se ela nos é conferida por alguma providência divina, ou ainda pelo acaso” (livro I, capítulo 9).

Ou seja, o que, dentre estas coisas é a causa da felicidade? Ou mesmo, alguma destas coisas é causa da felicidade ou nenhuma delas? Esta é a questão que ele investiga e responde no decorrer da obra. Quando encontra a solução e nos explicita-a, diz ele que nenhuma destas causas é causa da felicidade, e afirma também que a única causa da felicidade de um indivíduo é ele mesmo. Toda obra aristotélica culmina no livro X, um livro dedicado todo à felicidade e a melhor forma de vida, neste livro ele diz:

Se a felicidade é atividade conforme a virtude, será razoável que ela esteja em concordância com a mais alta virtude... Para o homem a vida conforme a razão é a melhor e a mais

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aprazível, já que a razão, mais do que qualquer coisa é o homem. Donde se conclui que essa vida é a mais feliz. (livro X, capítulo 7).

Aristóteles coloca a vida contemplativa, filosófica, como a mais feliz. E encerra sua obra discutindo essa ideia. Porém temos ainda um problema em aberto, exatamente o problema que nos propomos a analisar e responder neste escrito. Como o homem, que em si é causa, como já vimos, junto da natureza, da necessidade e do acaso, se torna, a partir da deliberação, causa de sua própria felicidade, se inscrevendo assim de vez no âmbito das causas, junto, e tal como, a natureza, a necessidade e o acaso?

O homem enquanto agente “deliberador”, ao escolher a vida virtuosa, e fazer suas escolhas deliberadas acerca dos meios possíveis para alcançar seus determinados e desejados fins, o faz com vistas ao fim último e supremo que é a felicidade, de modo que a realização dos fins desejados tornam-se “espécies” de meios para o alcance de sua felicidade. E deste modo, é ele inserido no rol das causas, pois só ele é e pode ser causa de sua própria felicidade, só do próprio indivíduo depende a sua felicidade.

Assim, como a necessidade, o acaso e a natureza são também causas de seus efeitos, o homem, através de suas escolhas deliberadas, ao escolher os meios para o alcance de sua felicidade, e ao realizá-los, e mesmo antes disto, torna-se também uma causa, causa de sua própria felicidade.

Pois não é da natureza, nem da necessidade, muito menos do acaso que a felicidade é um efeito, senão apenas das ações virtuosas do homem, que deliberou demasiado bem, e escolheu, após essa deliberação, os meios certos para alcançar sua felicidade atual, e tornar-se um homem feliz.

Referência:

ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Col. Os Pensadores. São Paulo. Ed. Abril Cultural, 1973.

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A relação entre Ética, Política e Educação, no pensamento de Platão Platão é um Filósofo que, pode-se dizer, tinha o filosofar como sua vida, no

sentido de ter feito desta filosofia o seu viver, acreditando que o filósofo precisa agir, precisa ir além da teoria. Basta pesquisarmos por alto suas ações, suas ler suas cartas, seus textos e conhecer sua biografia para notarmos que filosofia é, além do pensar, agir.

Temos então uma filosofia que não se diferencia da política, e uma política que é efetivamente filosofia. Em sua grande obra A República notamos claramente esta relação de não-diferenciação, esta “unidade”, pois é o próprio Platão, por intermédio de Sócrates quem nos diz, no livro V desta obra:

Enquanto os filósofos não forem reis nas cidades, ou aqueles que hoje denominamos reis e soberanos não forem verdadeira e seriamente filósofos, enquanto o poder político e a filosofia não convergirem num mesmo indivíduo, enquanto os muitos caracteres que atualmente perseguem um ou outro destes objetivos de modo exclusivo não forem impedidos de agir assim, não terão fim, meu caro Glauco, os males das cidades, nem, conforme julgo, os do gênero humano (PLATÃO. A República, 473d).

Notamos aqui claramente o que dizíamos: que a filosofia e a política devem ser uma única e mesma coisa, o fazer político deve ser fazer filosófico, e o fazer filosófico deve ser um fazer político, porque o são, para Platão, uma única e mesma coisa.

Deste modo, cabe apenas à filosofia investigar a verdadeira vida ética, ou seja, a vida justa. A República platônica é exatamente a construção da cidade ideal, onde os cidadãos não seriam senão cidadãos éticos.

A discussão longa feita nos primeiros livros desta obra (A República) trata exatamente da justiça, consequentemente do ser justo. E o que é ser justo para Platão? Ninguém discordará que a vida ética é uma vida justa, mas como se chega a ser ético, a ser justo?

Platão chegou à conclusão de que a alma se dividia em três partes: racional, que é a alma superior, consiste no conhecimento das ideias e possui como principal virtude a nobre sabedoria; irascível, que é a do meio, está associada à vontade, à coragem e nos dá “ânimo” para enfrentar os conflitos, esta por sua vez tem como principal virtude a força; e a alma concupiscente, que é a parte mais inferior da alma e está associada com os desejos e necessidades básicas do homem para sua manutenção e sobrevivência, tem por virtude a moderação. E o ser justo equivaleria tão somente a um equilíbrio entre estas três partes da alma.

Aqui podemos notar uma origem para a ideia aristotélica da Mediania, que seria tão somente o equilíbrio na virtude, que faria do homem, um homem possuidor daquela virtude e talvez até digno da felicidade enquanto bem supremo. A Ética à Nicômaco de Aristóteles nos remete muito a filosofia platônica, e o Bem Supremo aristotélico nos lembra claramente o Sol que ilumina toda cidade, aquele “Topos Urano”, o Bem de Platão que não é senão o Justo, aquela ideia sublime para a qual deveríamos caminhar em marcha contínua e incessante.

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Ser justo é ser ético, pois que é encontrar a mediania entre as partes da alma, e encontrar esta mediania é apenas “conseguir” que cada parte se “ocupe” daquilo que lhe é dever “ocupar-se”. No sentido de ser cada parte da alma, em sua mediania, em seu equilíbrio, responsável por aquela parte da “ação” na vida, no viver, que lhe é dever. Mas isto não fica preso somente ao âmbito individual, não, pois Platão nos diz que, como a alma, a cidade também possui três partes, semelhantes, e que precisam também encontrar uma harmonia, um equilíbrio entre si. Eis aqui a resposta de Platão a pergunta: qual a relação destas partes da alma, e desta vida justa e ética, que é o equilibro na alma, com a política?

As três partes da cidade são “ocupadas” pelos: “cidadãos operários” (artesãos e etc.) que equivale à parte concupiscente da alma; soldados, que mantêm a saúde e a segurança da mesma, equivalendo à parte irascível; e por fim, aos governantes, mesclando em si características irascíveis e concupiscentes, equivalendo à parte racional. Ora, como na alma a parte racional é aquela que atua com características de ambas as outras partes, assim também o governante deve possuir em si as características irascíveis e concupiscentes dos outros cidadãos, justamente porque é ele quem deve promover o equilíbrio entre estas partes da cidade, bem como é a razão que deve prover o equilíbrio na alma.

E quem deve ser o governante senão o filósofo? Como dissemos no início deste escrito com a citação de Sócrates, é o filósofo quem deveria governar a cidade. Exatamente porque ele é o único capaz de fazer desta cidade uma cidade justa, porque é ele quem conhece a justiça, conhece porque ele próprio é justo, é ético, e porque é ele quem filosofa, ou seja, ele quem faz política, já que dissemos: filosofar é “politicar” e vice-versa.

A Ética e a Política encontram aqui sua ligação crucial no pensamento platônico, pois o filósofo, enquanto governante justo, deve ser político, deve fazer política, ou seja, deve filosofar para que suas “leis” mantenham os cidadãos em equilíbrio e as partes da cidade em harmonia. Vemos aqui outra semelhança do pensamento aristotélico com o de seu mestre. Quando na Ética à Nicômaco diz Aristóteles que o bem maior, a felicidade, deve ser buscado por todos de forma deliberada e virtuosa, mas diz também que encontrar a felicidade para si não é mais “belo” que alcançar a felicidade para a cidade inteira, como um todo, está afirmando assim que é através da política que deve ser buscada a felicidade da Polis (ARISTÓTELES, Ética à Nicômaco). E Platão não diz o mesmo? É exatamente o filósofo, por ser justo, quem deve governar para tornar a cidade justa, ética.

Mas o mesmo Platão admiti existir aqui uma idealidade, a república ideal é inalcançável para os homens, e é por isso que em um de seus últimos diálogos, chamado As Leis, ele, convidado para elaborar a constituição de uma cidade que estava sendo construída, diz que agora irá traçar os planos para a construção de uma política, de um governo viável, realizável. E por esta razão será esta cidade inferior em excelência comparada àquela exposta na obra A República, que esboçava uma cidade ideal que existe apenas em seu mundo das ideias.

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Com isto, saltando alguns séculos, vemos que Kant, ao falar de seu “reino dos fins”, de sua comunidade ética, na Crítica da Razão Pura, não dizia algo novo. Ao colocar a impossibilidade de concretização da ideia que reza ser possível uma cidade onde todos os cidadãos fossem morais, estava apenas repetindo o que foi dito séculos atrás. Platão foi o primeiro a dizê-lo, e depois dele Agostinho ao escrever sua Cidade de Deus e diferenciá-la de sua Cidade dos Homens. Mas isto nos faz perceber o quanto há a necessidade de a política e a filosofia da moral, a ética em si, andarem unidas. E é essa união que encontramos primeiramente em Platão, e que também seu discípulo Aristóteles irá manter, mesmo escrevendo obras distintas para tratar do assunto, a saber, Ética à Nicômaco e a Política. Aristóteles nos deixa claro que a ética e a política pertencem uma a outra, são uma única e mesma coisa no seio da cidade e dos cidadãos, no seio do filosofar e da filosofia.

Mas como tornar cada cidadão da cidade ético, justo, através da política? Isto é tarefa do filósofo, já o dissemos, e isto será feito tão somente através do plano de educação traçado por Platão em sua “República”, que em resumo é este: todos os cidadãos seriam educados na infância, com as mesmas “disciplinas”, em certa idade aqueles que se mostrarem aptos para integrar a parte dos soldados, seguirão os estudos e os outros integrarão a parte da cidade que cabe aos artistas, artesão e etc., dentre aqueles que, estudando para ser guardiões da cidade, destacarem-se como grandes líderes, seguiram mais 20 anos de estudo para se tornarem governantes, e estes 20 anos consistirão de 5 anos mais de teoria e 15 de prática na cidade, no meio do povo, pois que é neste “terreno” que deverá este futuro líder exercitar sua liderança, sua sabedoria, já que será ele a parte racional da cidade. Deste modo, aos 50 anos estará este cidadão apto a tornar-se líder, governante da cidade, e após governar de forma justa, deverá ele dedicar-se à continuação da tarefa política que lhe cabe como dever enquanto integrante desta parte racional da cidade, que é a tarefa do ensino, do ensinar, e quando ele já tiver “formado” um número suficiente de outros líderes como ele, poderá morrer em paz.

Ou seja, a tarefa educacional cabe somente aos filósofos que, tendo passado por muitos anos de estudo, reflexão e prática, estão preparados para começar seu trabalho único de fazer política, de educar os novos cidadãos ou governar a cidade quando para isto for designado.

Aqui temos uma trindade muito bem relacionada na filosofia platônica, a Ética, a Política e a Educação. E a cidade ideal é exata e justamente aquela na qual está tríade existe concretamente, em equilíbrio e harmonia, de igual modo como as partes da cidade.

Platão, já dissemos, aceita e admite ser sua cidade ideal irrealizável, porém a apresenta como aquilo para o qual sua cidade deve ao máximo se esforçar pra tentar ser. Pois a verdade e a beleza das idealidades é que, por serem inalcançáveis e irrealizáveis, nos dão a imagem clara e distinta de como as coisas deveriam ser, nos fazendo sempre correr em sua direção, para chegar cada vez mais próximo de sua ideia.

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Em sua obra As Leis, Platão manterá esta estrutura, porém fará significativas mudanças (como a restauração das famílias que desejara “abolir” na República), a fim de tornar concretizável sua cidade.

Enfim, a educação, organizada pelo filósofo enquanto governante justo, deve tornar os cidadãos, cidadãos também justos, ou seja, éticos, e esta justiça é tão somente mantê-los em equilíbrio, de modo a cada um na Polis fazer aquilo que lhe compete fazer, aquilo que é seu dever fazer em sua atividade, e este equilíbrio fará da Polis uma cidade harmônica, justa, e fará de cada cidadão, ético e justo. E esta realização por inteiro é a filosofia, ou seja, é fazer político, é política. Referências: ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Col. Os Pensadores. São Paulo. Ed. Abril Cultural, 1973. PLATÃO. A República. São Paulo. Nova Cultural, 2004 PLATÃO. Trad. Carlos Alberto Nunes. Leis e Epinomis. Vol. XII – XIII. Pará. Ed. Universidade Federal do Pará, 1980.

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Felicidade é a vida política, segundo Aristóteles

Os tipos de felicidade concebidos por Aristóteles. Os problemas éticos são objetos de uma atenção especial na filosofia grega,

exatamente quando se democratiza a vida política da antiga Grécia e particularmente Atenas. Ao naturalismo dos filósofos do primeiro período (os pré-socráticos), sucedeu uma preocupação com os problemas do homem, e, sobretudo, com os problemas políticos e morais. As novas condições que se apresentam em muitas cidades gregas – especialmente em Atenas – com o triunfo da democracia escravista sobre o domínio da velha aristocracia, com a democratização da vida política, com a criação de novas instituições eletivas e com o desenvolvimento de uma intensa vida pública, deram origem à filosofia política e moral.

As ideias de Sócrates, Platão e Aristóteles neste campo estão relacionadas com a existência de uma comunidade democrática limitada e local (o estado – cidade ou Polis), ao passo que a filosofia dos estoicos e dos epicuristas surge, quando este tipo de organização social já caducou e a relação entre o indivíduo e a comunidade se apresentam em outros termos.

Para Aristóteles o bem é o fim, só existe bem no ser quando o ser existe para um fim, todo o ser existe a fim de realizar o seu bem, ele tende para a sua perfeição, o que quer dizer: todo ser tende a ser plenamente ele próprio, a realizar-se plenamente, a ser plenamente e que para o fim ou para a realização de si se manifesta em todos os seres vivos. A planta e o animal direcionam-se para o que é favorável ao seu desenvolvimento e sobrevivência. O mesmo acontece com o homem: ele não poderia deixar de tender para o que lhe parece ser seu bem, não poderia deixar de querer o que lhe parece ser sua perfeição, o que lhe parece ser um melhoramento de si mesmo, não poderia deixar de marchar rumo aquele elemento de realização de seu tipo ideal.

Ao mesmo tempo este bem se lhe apresenta como o instrumento da sua felicidade. Isto também é evidente. O homem quer ser feliz e ele o quer, sem outro motivo senão a satisfação de seu ser.

Quando se procura definir a felicidade, não se encontra outra definição senão a definição do bem. A felicidade é o estado subjetivo do homem que alcançou seu fim. Mas o fim é seu bem. A felicidade é o estado de quem possui seu bem, e repousa na posse de seu bem, o estado de quem tem tudo o que quer, é a situação que satisfaz a todo desejo.

Uma pessoa deseja tornar-se rica, a riqueza parece-lhe o seu bem, tem ela a impressão de que, quando for rica, será feliz. Outro deseja se tornar sábio ou poderoso: tem a impressão que encontrará aí a felicidade que não se define senão pela posse do bem.

Toda a questão gira em torno de onde se encontrar o verdadeiro bem, pois deixam os homens muitas vezes se enganar pela aparência de felicidade, e depois de crerem havê-la encontrado num objeto, ficam decepcionados quando o tem em mãos, mas não se sentem felizes como pensavam que se sentiriam.

Mas do mesmo modo que não há bem perfeito, assim também não há felicidade perfeita. A vida humana é uma mistura de felicidade, e de desgraça, no alcance do bem supremo, predomina na vida a felicidade, mas nunca excluindo a infelicidade.