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Trabalho de Conclusão de Curso ESPAÇOS E TEMPOS DE REPRODUÇÃO E RESISTÊNCIAS DA POBREZA: O PERFIL EDUCACIONAL DAS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA Lélia Gomes da Cruz 1 Edith Fany Jobbins 2 Resumo O presente trabalho objetiva investigar se há relação do nível escolar e a condição de pobreza, na tentativa de compreender se a pobreza é um dos fatores que compromete o desenvolvimento, a educação e conquista da autonomia na vida dos indivíduos que vivenciam este contexto. Efetuou-se um estudo de campo embasado no gênero empírico da pesquisa, numa abordagem qualitativa em seu referencial metodológico, visando à compreensão da relação entre a pobreza e o nível educacional dos sujeitos. Os resultados da amostra da população investigada demonstram que, embora a maioria dos participantes não tenha concluído o ensino médio, houve em relação à geração anterior, um pequeno aumento no nível da educação escolar e com embasamento na renda verifica-se que o ciclo da pobreza ainda não foi quebrado. É fundamental garantir na vida dos pobres, a participação das instituições do Estado na questão de criar oportunidades e possibilidades na educação escolar com um currículo que atenda a demanda de forma objetiva, focada na tomada de consciência do sujeito e manter programas como o Bolsa Família que atua na base do empoderamento do pobre na retomada de sua cidadania. Palavras-chave: Educação. Pobreza. Bolsa Família. INTRODUÇÃO Na investigação da relação existente entre o nível de educação escolar e a situação de pobreza e desigualdade social, busca-se entender o contexto histórico da educação, da pobreza e a atuação do Programa Bolsa Família nesta realidade. Brasil (2014) nos fala que, o reconhecimento da existência da pobreza é fundamental, ou seja, perceber as diferenças de oportunidades, de acessos materiais, os aspectos de estar no limite da sobrevivência, são estes, fatores essenciais que devem ser considerados nesse processo de compreensão das oportunidades da educação frente à situação de pobreza. 1 Cursista do EPDS Especialização em Educação Pobreza e Desigualdade Social. Graduada em Ciências Contábeis pelo IESA - Instituto de Ensino Superior de Santo André SP. E-mail: [email protected]. 2 Professora da rede municipal de ensino do município de Corumbá MS, graduada em Pedagogia pela UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Tutora à distância e Orientadora de Estudos na elaboração de TCC Trabalho de Conclusão de Curso na Pós-Graduação, intitulado Educação, Pobreza e Desigualdade Social, ofertado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

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Trabalho de Conclusão de Curso

ESPAÇOS E TEMPOS DE REPRODUÇÃO E RESISTÊNCIAS DA POBREZA: O

PERFIL EDUCACIONAL DAS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DO PROGRAMA

BOLSA FAMÍLIA

Lélia Gomes da Cruz1

Edith Fany Jobbins2

Resumo

O presente trabalho objetiva investigar se há relação do nível escolar e a condição de pobreza,

na tentativa de compreender se a pobreza é um dos fatores que compromete o

desenvolvimento, a educação e conquista da autonomia na vida dos indivíduos que vivenciam

este contexto. Efetuou-se um estudo de campo embasado no gênero empírico da pesquisa,

numa abordagem qualitativa em seu referencial metodológico, visando à compreensão da

relação entre a pobreza e o nível educacional dos sujeitos. Os resultados da amostra da

população investigada demonstram que, embora a maioria dos participantes não tenha

concluído o ensino médio, houve em relação à geração anterior, um pequeno aumento no

nível da educação escolar e com embasamento na renda verifica-se que o ciclo da pobreza

ainda não foi quebrado. É fundamental garantir na vida dos pobres, a participação das

instituições do Estado na questão de criar oportunidades e possibilidades na educação escolar

com um currículo que atenda a demanda de forma objetiva, focada na tomada de consciência

do sujeito e manter programas como o Bolsa Família que atua na base do empoderamento do

pobre na retomada de sua cidadania.

Palavras-chave: Educação. Pobreza. Bolsa Família.

INTRODUÇÃO

Na investigação da relação existente entre o nível de educação escolar e a situação de

pobreza e desigualdade social, busca-se entender o contexto histórico da educação, da

pobreza e a atuação do Programa Bolsa Família nesta realidade. Brasil (2014) nos fala que, o

reconhecimento da existência da pobreza é fundamental, ou seja, perceber as diferenças de

oportunidades, de acessos materiais, os aspectos de estar no limite da sobrevivência, são

estes, fatores essenciais que devem ser considerados nesse processo de compreensão das

oportunidades da educação frente à situação de pobreza.

1Cursista do EPDS – Especialização em Educação Pobreza e Desigualdade Social. Graduada em Ciências

Contábeis pelo IESA - Instituto de Ensino Superior de Santo André – SP. E-mail:

[email protected]. 2 Professora da rede municipal de ensino do município de Corumbá – MS, graduada em Pedagogia pela UFMS –

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Tutora à distância e Orientadora de Estudos na elaboração de

TCC – Trabalho de Conclusão de Curso na Pós-Graduação, intitulado Educação, Pobreza e Desigualdade

Social, ofertado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

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Sabe-se, normativamente, que no Brasil a educação é um direito de todos os cidadãos

“No Brasil, nas Constituições Federais de 1934 e 1988 a educação formal foi considerada

direito de todos e dever do Estado e da família.” (YANNOULAS, 2013, p.13). Tanto a

União, como os estados e os municípios compartilham da responsabilidade de direcionar

parte dos impostos arrecadados dos contribuintes para a educação, uma vez que a educação

básica deve ser gratuita e obrigatória. Conforme Brasil (2014, 37p), vale recordar que,

historicamente, a concepção da educação escolar está diretamente vinculada à

industrialização, de educação doutrinária, religiosa, passa a atender restritamente os

interesses do capitalismo no início da Revolução Industrial, uma educação escolar

profissional e tecnicista. Não é este tipo de educação escolar que capacita, e que proporciona

a aquisição de capabilidades para enfrentamento das dificuldades da pobreza, mas, uma

educação que contribua para a construção da identidade e da subjetividade do sujeito, sendo

“... um leque de opções para funcionamentos valiosos, como ser um cidadão ativo, elaborar

autonomamente um plano de vida, escolher uma profissão condizente aos próprios talentos e

aos próprios desejos etc”. (Brasil, 2014. 94p). A autora Yannoulas (2013) entende que a

educação e as escolas são um espaço de luta de classes, através dos seus conteúdos, da

estrutura do sistema e da gestão da escola, porém, não pode ser deduzido que com isso, todos

os problemas a serem resolvidos ficam a cargo das escolas, mas, possibilita a quebra do ciclo

da pobreza. A instituição escolar proporciona um leque de possibilidades e a oportunidade de

um olhar com outras lentes para o pobre, uma vez que este sai do seu ambiente familiar e

passar a fazer parte de um novo grupo. Esse novo ambiente apresenta novas formas, tanto na

estrutura, seja física ou intelectual como também no convívio social abrindo assim, novos

horizontes e perspectivas para sua vida. Porém, como já dito, a escola não pode ser vista

como a detentora de todas as soluções para a complexidade de fatores que envolvem a

temática pobreza.

A pobreza engloba um número substancial da população brasileira, sendo este o

motivo central para que seja um fenômeno de interesse de pesquisadores, estudiosos, de

políticas públicas e outros. Entender a amplitude da pobreza é fundamental para desmistificar

a pobreza apenas como falta de riqueza ou de dinheiro, embora estes sejam um dos aspectos

fundamentais, sendo a pobreza multifacetada e deve ser compreendida atentamente em sua

pluralidade. “O lado intangível da pobreza exige modos próprios de compreendê-la”. (Brasil,

2014, 94p). Os fenômenos, tais como o acesso ao ensino de qualidade, estrutura escolar, a

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alimentação nutricionalmente equilibrada, um ambiente adequado para estudos em casa e

outros, influenciam no desenvolvimento escolar dos indivíduos. Com isso, há maior

dificuldade em quebrar o ciclo da pobreza, sendo que a pobreza e a desigualdade social estão

entrelaçadas e são protagonistas na discriminação e na exclusão dos sujeitos no ambiente

escolar e social. “A pobreza extrema agudiza e torna ainda mais duro o caminho da

autonomia em geral.” (Brasil, 2014, 94p). A situação de pobreza alcança limites tão

profundos, conhecidos como extrema pobreza, que há concretamente a urgência de

intervenção externa, do Estado, para que a linha limiar seja vencida e atinja um mínino

patamar, como ocorre em muitas famílias com o apoio do Programa Bolsa Família. Com isso,

considera-se oportuno a busca pelo “conhecer” os fatores que compõem o Programa Bolsa

Família bem como sua contribuição para o combate à pobreza e à desigualdade social.

1 CONHECENDO E RECONHECENDO O PROGRAMA BOLSA FAMILIA

O Programa Bolsa Família (PBF), além do fator econômico, contribui para o

empoderamento da família pobre. Contudo, como já dito, a pobreza é multifatorial, não é

simples. Desta forma, não pode ser resolvida apenas com a implantação de programas como

PBF. Para o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS), o PBF é um programa

que visa o combate a pobreza e a redução da desigualdade social, previsto pela Lei Federal nº

10.836, de 9 de janeiro de 2004, regulamentado pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de

2004, visando contribuir no complemento da renda através de um benefício em dinheiro

mensalmente entregue as famílias pelo governo federal. Os autores entendem que, “Os

programas de renda mínima são um bom exemplo, sobretudo quando associados à educação e

a outros componentes, do desenvolvimento humano.” (WERCHEIN e NOLETO, 2003. p.23).

Ainda de acordo com o MDS, a União, os estados e os municípios dividem as tarefas, todos

devem estar comprometidos no combate à pobreza. Para que o benefício seja efetuado, as

famílias devem responder pela permanência de seus filhos na instituição escolar e por

acompanhamento na saúde, por exemplo, manter os cartões de vacina de seus filhos em dia,

sendo monitoradas pelo controle das condicionalidades. Faz parte também do PBF, a

articulação com outros setores de políticas sociais, para que haja desenvolvimento e uma

possível mobilidade social dessas famílias. Não há um cadastro específico para o PBF, sendo

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o Cadastro Único3 o meio pelo qual a família acessa os programas sociais, no próprio

município onde mora. É importante salientar que a concessão não se restringe ao cadastro e

sim a diversos fatores, inclusive à disponibilidade de recursos orçamentários do programa

destinados ao município. É considerado um programa dinâmico, pois, todos os meses há

famílias que entram e outras que saem do programa, ação justificada pelas atualizações dos

cadastros.

Os autores Brasil (2014, 94p) entendem que, o combate à pobreza, deve

necessariamente, ocorrer por meio de políticas públicas que visem à distribuição de renda

monetária, porém, cuidando para não ser meramente assistencialista, deve-se pensar em

outras formas de intervenções, ciente de que a luta contra a miséria perpassa as esferas

econômicas e sociais, pois, os sujeitos, devem conquistar a identidade de cidadãos, de direitos

e deveres com responsabilidades e possibilidades.

Na perspectiva do combate à pobreza ser um compromisso focado no

desenvolvimento, democraticamente legítimo, este trabalho pretende verificar a relação do

nível escolar das famílias pesquisadas e a situação de pobreza ou extrema pobreza em que

elas se encontram. A partir da conclusão da pesquisa qualitativa, perceber a importância da

educação escolar como suporte para a mobilidade econômica e social das famílias.

Para a realização deste artigo efetuou-se um Estudo de Campo, aplicado na coleta de

informações um questionário fechado, sendo um método apropriado para uma investigação

embasada no movimento, este, inerente às transformações recorrentes de ações no ambiente

social, político, econômico etc.

Este artigo está subdividido em três seções: Fundamentação teórica, Metodologia da

pesquisa e Resultados obtidos com análise dos resultados.

3 De acordo com Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, o Cadastro Único é um instrumento que

identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, permitindo que o governo conheça melhor a realidade

socioeconômica dessa população. Nele são registradas informações como: características da residência,

identificação de cada pessoa, escolaridade, situação de trabalho e renda, entre outras. A partir de 2003, o

Cadastro Único se tornou o principal instrumento do Estado brasileiro para a seleção e a inclusão de famílias de

baixa renda em programas federais, sendo usado obrigatoriamente para a concessão dos benefícios do Programa

Bolsa Família entre outros.

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2 POSSIBILIDADES DA QUEBRA DO CICLO DA POBREZA PELO CAMINHO DA

EDUCAÇÃO

Busca-se nesta fundamentação teórica, a discussão sobre o diferencial que pode ser

proporcionado na vida das pessoas a partir da oportunidade de acessar educação escolar, mas,

de que tipo de educação está se falando? Para a autora Reis (2010) pensar a educação como

um meio essencial na luta pelo fim da desigualdade social, é refleti-la como uma educação

transformadora, crítica e reflexiva, utilizada como uma ferramenta de tomada de consciência,

capaz de mudar a trajetória de vida do indivíduo, capacitando o sujeito a participar da vida

em sociedade, ciente de seus direitos e deveres de cidadão, munido de atitudes,

conhecimentos, idéias, valores, etc. Ela acredita que a partir desta concepção de educação

pode haver a transformação da sociedade, caso contrário, seria uma educação de reprodução

do que já existe e está posto. Refletir estas duas formas de educação, a que reproduz e a que

transforma direciona a questionamentos como, se há interesse do capitalismo,4 que o sujeito

tenha consciência de que a partir de novas atitudes, de novos conhecimentos sua condição de

vida pode dar um salto qualitativo e é um direito de cidadão integrar a sociedade em sua

totalidade.

A quebra do ciclo da pobreza é um foco que está presente em muitas ações destinadas

a atender famílias em situação de pobreza, Teles e Stein (2013) colocam que, políticas

públicas proporcionam transferência monetária sob condições que atrelem

corresponsabilidades ligadas à melhoria do capital humano dos filhos, podem possibilitar às

gerações futuras, renda própria, autonomia e melhores condições de vida. Importante atentar

para a importância de conhecer exatamente onde se encontra os domicílios pobres e

extremamente pobres para o sucesso dessas ações. “A focalização geográfica ou familiar,

mediante comprovação de meios de vida, constitui o critério de elegibilidade dos usuários”

(TELES e STEIN, 2013. p.185). Usualmente a responsabilidade relacionada ao Programa de

Transferência recai sobre a mulher, sendo a receptora da transferência como também do

cumprimento das condicionalidades. De acordo com estes autores, várias ações

complementares, principalmente nas áreas da Educação e do Trabalho interagem objetivando

4 Capitalismo segundo o Dicionário Aurélio é o “Sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos meios de produção, na organização da produção visando o lucro e empregando trabalho assalariado, e no funcionamento do sistema de preços.”

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o desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos pobres e extremamente pobres. O

funcionamento integralizado das ações é um desafio, os participantes são orientados em

vários seguimentos focados na inclusão social e conquista da cidadania. O que há de novo no

Programa de Transferência de Renda e suas condicionalidades é justamente capacitar o

adulto pobre ou extremamente pobre resolver seus próprios problemas, ele escolhe onde

direcionar sua renda e é “incentivado” a manter seus filhos nas escolas e cuidar da saúde

familiar. Como dito, por ser um desafio e um trabalho muito complexo, não há evidências

finais da real mudança no aprendizado e saúde nutricional face ao Programa de Transferência

de Renda.

O PBF impõe a freqüência escolar dos filhos das famílias participantes do programa

como única condição educacional. Teles e Stein (2013) entende que para avançar na

concepção de educação há uma lista de preocupações que devem ser observadas, como a

formação e valorização dos professores, a qualidade do ensino, a questão da repetência e

evasão escolar. Desta forma, o PBF coloca no sujeito pobre, a responsabilidade pelo seu

desenvolvimento pleno e da sua educação escolar, numa concepção neoliberal que isenta o

Estado das suas responsabilidades. Há também, críticas com relação ao alcance da totalidade

das famílias extremamente pobres do PBF por utilizar a renda como único critério, deixando

famílias pobres fora do programa.

A freqüência escolar não é garantia de mobilidade social para as futuras gerações,

uma vez que os beneficiários do PBF não têm garantido acesso a bom emprego e boa renda:

A desigualdade social não está alheia às condições de acesso, qualidade,

permanência e aprendizagem de sujeitos em instituições públicas de ensino.

No Brasil, a oferta na escola pública não foi acompanhada das condições

necessárias para garantir a qualidade da educação. Nesta perspectiva,

compreende-se que o direito à educação pública e de qualidade implica em

medidas que vão além do acesso e da exigência da freqüência escolar, pois

significa garantir a permanência com aprendizagem e conclusão com

sucesso. (TELES e STEIN. 2013, p. 206).

A tomada de consciência dos sujeitos pobres, de que a educação é um direito e que

independe de qualquer programa social, e que esta educação deve ser de qualidade e deve

também proporcionar um desenvolvimento do capital humano em sua totalidade, deve

compor a base de uma política pública comprometida com o bem estar social. “É possível,

inclusive, avaliar políticas públicas de combate à pobreza com base na sua eficácia em criar

capabilidades.” (Brasil, 2014, 94p).

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A pesquisa ocorreu a partir de uma perspectiva de compreender o significado da

educação escolar para sujeitos que se encontram em situações de pobreza ou extrema

pobreza, com questionamentos que possibilitam a interpretação deste objetivo.

3 METÓDO E INSTRUMENTOS UTILIZADOS

Utilizou-se o método dialético5 na pesquisa, por entendê-la pertinente ao tipo de

estudo proposto no projeto, ou seja, destaca as mudanças de ordem qualitativa, valoriza a

dinâmica que envolve a realidade. No processo da pesquisa6, foi efetuada uma pesquisa

bibliográfica com intuito de compreender o tema, efetuou-se também um Estudo de Campo

embasado no gênero empírico da pesquisa, numa abordagem qualitativa em seu referencial

metodológico, visando à explicação da relação entre a pobreza e o nível educacional dos

sujeitos. (REIS, 2010. p.2) entende pesquisa como “... uma ação de conhecimento da

realidade, um processo de investigação, minucioso e sistemático, para conhecermos a

realidade, alguns aspectos da realidade ainda desconhecidos, seja essa realidade natural ou

social”.

Utilizou-se em uma população, a técnica de entrevista estruturada através do

instrumento de coleta de dados, o questionário fechado, direcionado à amostra não-

probabilística de mães ou responsáveis pelos alunos da turma do 9º ano do ensino

fundamental da Escola Estadual Leme do Prado no município de Ladário – MS. A turma é

constituída por vinte e nove alunos, destes, oito não estavam presentes nas duas datas

previstas para entrega do TCLE e do questionário, desta forma, suas mães ou responsáveis

não tiveram a opção de participar da pesquisa. Dos vinte e um alunos presentes, cinco

devolveram o TCLE em branco se recusando a participar da pesquisa. Sete dos alunos

presentes não devolveram o TCLE, desta forma, também não participaram da pesquisa. O

sucesso no preenchimento do questionário ocorreu apenas com nove mães ou responsáveis

dos alunos citados. No total de nove participantes da pesquisa, cinco são beneficiários do

5 Método dialético: “Dialética é um conceito Antigo, Platão o utilizou no sentido de arte do diálogo. O método dialético busca interpretar a realidade partindo do pressuposto de que todos os fenômenos apresentam características contraditórias organicamente unidas e indissolúveis”. (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 34). 6 Pesquisa segundo o Dicionário Aurélio “Indagação ou busca minuciosa para averiguação da realidade; investigação, inquirição.”

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PBF e quatro não são beneficiários do PBF. Todos os participantes são do gênero feminino,

com idade mínima de trinta e seis anos e idade máxima de cinqüenta e cinco anos. Uma

possui dois filhos, duas possuem três filhos, três possuem cinco filhos, duas possuem sete

filhos e uma possui oito filhos.

O questionário utilizado na pesquisa de campo foi composto por um total de quatorze

perguntas, sendo que, dez foram direcionadas a todos os participantes da pesquisa e as quatro

últimas, apenas para os participantes beneficiários do PBF.

4 REALIDADE ENCONTRADA E REFLEXÕES PERTINENTES

Com o intuito de preservar a identidade dos participantes, os nomes foram

substituídos por letras do alfabeto. Os participantes serão identificados pelas letras A, B, C,

D, E, F, G, H, I. Sendo os cinco primeiros, participantes do PBF. E os quatro últimos não

participantes do PBF. Os participantes E, H, e I possuem ensino fundamental incompleto, o

mesmo ocorrendo com suas mães ou responsáveis. Há nestes casos uma perpetuação do baixo

nível escolar. Os participantes F e G possuem o ensino fundamental completo e a mãe ou

responsável de ambas possuem o ensino fundamental incompleto, há nestes casos uma

melhora no nível escolar de uma geração para a outra. Os participantes A, B e C possuem o

ensino médio incompleto e a mãe ou responsável do participante A, possui o ensino

fundamental incompleto, vê-se uma melhora no nível escolar de uma geração anterior para a

geração seguinte. Os sujeitos B e C, as mães ou responsáveis também possuem o ensino

médio incompleto, perpetuando o mesmo nível escolar de ambas às gerações. O participante

D possui ensino médio completo e sua mãe ou responsável possui o ensino médio

incompleto, havendo neste caso uma melhora no nível escolar da geração seguinte.

Tabela 1

Escolaridade dos participantes da pesquisa e

de sua mãe ou responsável

Participante (%) Mãe/Responsável (%)

do Participante

Ensino fundamental incompleto E, H, I 33% E, H, I; F e G; A 67%

Ensino fundamental completo F, G 22%

Ensino médio incompleto A, B, C 33% B e C; D 33%

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Ensino médio completo D 11%

Fonte: Elaborado pela autora

Observa-se nesta população, que o nível escolar dos participantes e de suas mães ou

responsáveis, mostra uma aproximação, independente da participação no PBF. O mesmo

ocorre com o total da renda familiar. Dos cinco que participam do PBF, quatro possuem

renda familiar total, inferior a um salário mínimo e um possui renda familiar total

correspondente a um salário mínimo. Dos que não participam do PBF, dois possuem renda

familiar total inferior a um salário mínimo e dois possuem renda familiar total correspondente

a um salário mínimo. Com relação à idade que parou de estudar, o participante H parou entre

nove e dez anos, por motivo de mudança para zona rural. O participante I parou de estudar

entre onze e doze anos para trabalhar fora e contribuir com a renda familiar, os participantes

C e E pararam de estudar entre quatorze e quinze anos, sendo a C, por motivo de trabalhar

fora e contribuir com a renda familiar e a E, por motivo de casamento. Os participantes A, F,

G pararam de estudar entre os dezesseis e dezessete anos, sendo a A por motivo de gravidez e

a F e G por motivo de casamento. Os participantes B e D pararam de estudar acima dos

dezoito anos, a B por motivo de trabalhar em casa e a D pelo motivo de ter concluído o

ensino médio.

Tabela 2

Motivos dos participantes terem parado de estudar

Idade (%)

Trabalho fora/ajudar a família I, C 22%

Casamento E, F, G 33%

Gravidez A 11%

Trabalho em casa B 11%

Conclusão do ensino médio D 11%

Outros H 11%

Fonte: Elaborado pela autora.

Observa-se uma variedade de motivos para o rompimento com os estudos, Arroyo

(2010) entende que a falta de sucesso na educação escolar pode estar vinculada em outras

determinantes como sociais, econômicas, por exemplo, e que desta forma, as políticas

públicas devem ter o foco abrangente ao pensar a educação escolar.

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Dos nove participantes, apenas a E admitiu que se tivesse tido oportunidade de voltar

a estudar não continuaria com os estudos.

Todos os participantes consideram muito importante estudar para melhorar de vida,

inclusive com relação à melhora da renda familiar. Todos os participantes consideram muito

importante estudar para conviver com outras pessoas e melhorar o contato com as instituições

como: posto de saúde, comércios, bancos, órgãos públicos e outros.

Tabela 3

Valor atribuído à importância de estudar para melhorar a renda

e o convívio/relações em sociedade

Opinião (%)

Muito importância A,B,C,D,E,F,G,H,I 100%

Média importância

Pouca importância

Nenhuma importância

Fonte: Elaborado pela autora.

A partir deste simples trabalho, na tentativa de conhecer de perto o pensamento do

sujeito a respeito de questões como a importância de estudar para sua vida em sociedade,

retira-se do campo abstrato e passa a enxergar o sujeito com uma cara, uma raça, uma etnia

como entende Arroyo (2010), a falta de identidade para trabalhar com desigualdades em

políticas públicas, leva a resultados generalistas, para todos, ignorando a efetiva demanda

inerente ao sujeito. Em todos os casos nesta pesquisa, houve um motivo para o abandono dos

estudos, tendo em vista que esses motivos tenderão a se perpetuar nas próximas gerações,

caso não haja uma intervenção concreta e efetiva por parte de políticas públicas neste sentido.

Este autor coloca que “As formas de pensar os desiguais no Estado e nas políticas sócio-

educativas têm feito parte de sua reprodução como desiguais”. (ARROYO, 2010, p.7).

Mostra claramente a urgência de intervenção que tenha o sujeito no centro das discussões e

não ações “posta pronta”, que atenda aos interesses da minoria.

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Trabalho de Conclusão de Curso

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início deste trabalho foram contextualizados os temas: educação brasileira,

pobreza e o PBF, onde a educação escolar brasileira ao longo da sua história tornou-se cada

vez mais acessível à sua população, porém, diversos fatores, como por exemplo, a pobreza

contribui para que esse acesso não seja alcançado em sua completude por todos. Nessa

perspectiva, há a constatação da necessidade do olhar mais atento a esta parte da população,

onde a intervenção de políticas públicas através de programas sociais que atendam à essas

demandas se faz necessário.

Como citado anteriormente, há um contingente considerável da população na situação

de pobreza, evidencia-se um fenômeno vasto a ser pesquisado.

Em virtude do nível escolar verificado na pesquisa, entende-se que é salutar que as

famílias que vivenciam a situação de extrema pobreza, sejam acompanhas pelo Estado

através de instituições competentes para alcançar de fato, oportunidade e para atingir um

melhor nível escolar, possibilitar a tomada de consciência como um cidadão detentor de

direitos e deveres e consequentemente conquistar autonomia em suas vidas.

REFERÊNCIAS

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2010.

ARROYO, M. G. Políticas Educacionais e Desigualdades: À Procura de

NovosSignificados. Ver. Educ. Soc., Campinas, 2010. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/es/v31n113/17> . Acessado em 17 de outubro 2016.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,

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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,

Diversidade e Inclusão (SECADI). Módulo I - Pobreza e Cidadania. Brasília, 2014. 94p.

Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Bolsa Família. Disponível em:

<http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/gestao-do-programa/condicionalidades>. Acessado

em 15 setembro de 2016.

Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.11ª. 3ª edição. 2004 by Regis Ltda. Positivo

Informática Ltda.

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Trabalho de Conclusão de Curso

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