Espiral 26

8
N.º 26 - Janeiro / Março de 2007 boletim da associação FRA FRA FRA FRA FRATERNIT TERNIT TERNIT TERNIT TERNITAS AS AS AS AS MOVIMENTO MOVIMENTO MOVIMENTO MOVIMENTO MOVIMENTO O que foi a 3 de Dezembro passado, em Fátima, a celebração dos dez anos da nos- sa caminhada, marcou um princípio de nova espe- rança, não pelo facto em si mesmo, mas porque deu a possibilidade de que muitos vissem quem somos e o que queremos, e pudemos dar-nos a conhecer a muita gente que nem sabia que existíamos. Poderá ser criticado, e foi-o nalguns casos, o ter- mos aparecido em público, sem complexos, mas com humildade e verdade, tanto o nosso Movimento como aquilo que vivemos e esperamos. Longe de nós que- rermos vedetismo ou notoriedade! Mas nada temos que esconder nem de que nos envergonhar: vivemos intensamente em Igreja e com a Igreja, fazemos par- te integrante do que Cristo quis ao instituí-la, nela oramos, sofremos, nos alegramos e avançamos. Para muitos foi talvez uma surpresa, mas espera- mos que não tenhamos sido um escândalo. Poderá ter leituras diferentes o modo como celebrámos, a visibilidade televisiva a que não nos escusámos, aquilo que alguns de nós comunicámos sobre as nossas vi- das, projectos, realizações. Mas não temos nada que temer ao permitir que nos vejam e nos conheçam, como irmãos, como companheiros de jornada, como atentos ao mundo em que vivemos e no qual quere- mos ajudar a construir o Reino, humildemente, como «servos inúteis», mas com o testemunho da nossa en- trega, atentos a tudo o que possamos fazer para que à nossa volta haja mais Amor e Vida. Coincidiu, um pouco antes dessa data, que o Santo Padre reunisse em Roma um grupo para dis- cutir a situação daqueles que tendo sido ordenados presbíteros, pediram mais tarde a dispensa do celi- bato. Os meios de comunicação social interessaram- -se, fizeram perguntas, pediram opiniões, aventaram hipóteses sobre o futuro. Muita gente discutiu esta questão, opinou e quis saber qual o ponto da situa- ção. Independentemente do modo como uns ou ou- tros trataram este tema, uma coisa é certa: falou-se, pensou-se, não se teve medo de olhar a realidade. (Continua pág 2) SINAIS DE ESPERANÇA E isso é positivo, é salutar, ajuda a aprofundar mui- tas questões, e sem cair em facilidades, tentar enten- der as posições diversas sobre o assunto. Oxalá tam- bém tenha levado muitos a orar sobre este tema. Porque para além de todas as discussões, entrevis- tas, debates, trata-se de um problema de Igreja, e na Igreja só se pode avançar com a ajuda do Espí- rito e muita oração. Precisamos de ter o coração aberto para deixar o Espírito trabalhar em nós, e só assim é que podemos dar passos em frente. Mas que foi um «sinal dos tempos», é inegável, e temos que dar graças por isso mesmo! É também assim que se alimenta a Esperança! H á várias semanas, a jornalista da TVI Rita Sousa Tavares, no programa «Grande Reportagem», fez um notável e lúcido trabalho so- bre a nossa situação, com enorme serenidade, pro- curando ouvir diversos testemunhos, linhas de pen- samento distintas, vivências diferentes. Foi um pro- grama sem apaixonamento nem sensacionalismo, talvez uma das mais completas análises que se rea- lizaram neste âmbito no nosso país. E aqui está ou- tro sinal de Esperança: que seja possível falar da nossa situação com serenidade e abertura, sem ten- tar encontrar soluções fáceis e precipitadas, mas dei- xando em aberto perguntas válidas e pertinentes. Pareceu-me particularmente interessante o teste- munho do pároco das Mercês, Lisboa, sacerdote espiral espiral espiral espiral espiral Sinais de Esperança 1 Homenagem a Alberto Machado 2 Abbé Pierre: gigante da misericordia 3 Quaresma: morte ou salvação 4 Comandos suicidas: a vida como arma 7 Quadras alentejanas 8 Sumário: Sumário: Sumário: Sumário: Sumário:

Transcript of Espiral 26

Page 1: Espiral 26

N.º 26 - Janeiro / Março de 2007

boletim da associação FRAFRAFRAFRAFRATERNITTERNITTERNITTERNITTERNITASASASASAS MOVIMENTOMOVIMENTOMOVIMENTOMOVIMENTOMOVIMENTO

O que foi a 3 de Dezembro passado, emFátima, a celebração dos dez anos da nos-

sa caminhada, marcou um princípio de nova espe-rança, não pelo facto em si mesmo, mas porque deua possibilidade de que muitos vissem quem somos eo que queremos, e pudemos dar-nos a conhecer amuita gente que nem sabia que existíamos.

Poderá ser criticado, e foi-o nalguns casos, o ter-mos aparecido em público, sem complexos, mas comhumildade e verdade, tanto o nosso Movimento comoaquilo que vivemos e esperamos. Longe de nós que-rermos vedetismo ou notoriedade! Mas nada temosque esconder nem de que nos envergonhar: vivemosintensamente em Igreja e com a Igreja, fazemos par-te integrante do que Cristo quis ao instituí-la, nelaoramos, sofremos, nos alegramos e avançamos.

Para muitos foi talvez uma surpresa, mas espera-mos que não tenhamos sido um escândalo. Poderáter leituras diferentes o modo como celebrámos, avisibilidade televisiva a que não nos escusámos, aquiloque alguns de nós comunicámos sobre as nossas vi-das, projectos, realizações. Mas não temos nada quetemer ao permitir que nos vejam e nos conheçam,como irmãos, como companheiros de jornada, comoatentos ao mundo em que vivemos e no qual quere-mos ajudar a construir o Reino, humildemente, como«servos inúteis», mas com o testemunho da nossa en-trega, atentos a tudo o que possamos fazer para queà nossa volta haja mais Amor e Vida.

Coincidiu, um pouco antes dessa data, que oSanto Padre reunisse em Roma um grupo para dis-cutir a situação daqueles que tendo sido ordenadospresbíteros, pediram mais tarde a dispensa do celi-bato. Os meios de comunicação social interessaram--se, fizeram perguntas, pediram opiniões, aventaramhipóteses sobre o futuro. Muita gente discutiu estaquestão, opinou e quis saber qual o ponto da situa-ção. Independentemente do modo como uns ou ou-tros trataram este tema, uma coisa é certa: falou-se,pensou-se, não se teve medo de olhar a realidade.

(Continua pág 2)

SINAIS DE ESPERANÇAE isso é positivo, é salutar, ajuda a aprofundar mui-tas questões, e sem cair em facilidades, tentar enten-der as posições diversas sobre o assunto. Oxalá tam-bém tenha levado muitos a orar sobre este tema.Porque para além de todas as discussões, entrevis-tas, debates, trata-se de um problema de Igreja, ena Igreja só se pode avançar com a ajuda do Espí-rito e muita oração. Precisamos de ter o coraçãoaberto para deixar o Espírito trabalhar em nós, e sóassim é que podemos dar passos em frente. Masque foi um «sinal dos tempos», é inegável, e temosque dar graças por isso mesmo! É também assimque se alimenta a Esperança!

Há várias semanas, a jornalista da TVIRita Sousa Tavares, no programa «Grande

Reportagem», fez um notável e lúcido trabalho so-bre a nossa situação, com enorme serenidade, pro-curando ouvir diversos testemunhos, linhas de pen-samento distintas, vivências diferentes. Foi um pro-grama sem apaixonamento nem sensacionalismo,talvez uma das mais completas análises que se rea-lizaram neste âmbito no nosso país. E aqui está ou-tro sinal de Esperança: que seja possível falar danossa situação com serenidade e abertura, sem ten-tar encontrar soluções fáceis e precipitadas, mas dei-xando em aberto perguntas válidas e pertinentes.

Pareceu-me particularmente interessante o teste-munho do pároco das Mercês, Lisboa, sacerdote

espiralespiralespiralespiralespiral

Sinais de Esperança 1

Homenagem a Alberto Machado 2

Abbé Pierre: gigante da misericordia 3

Quaresma: morte ou salvação 4

Comandos suicidas: a vida como arma 7

Quadras alentejanas 8

Sumário:Sumário:Sumário:Sumário:Sumário:

Page 2: Espiral 26

espiralespiralespiralespiralespiral2

casado, pai e avô, convertido à Igreja Católica, eque foi colocado no cuidado pastoral de uma gran-de paróquia da capital. Perante o argumento de queo principal motivo para a exigência do celibato naIgreja Romana no exercício ministerial é o da dispo-nibilidade, o exemplo de vida do Pároco das Mer-cês testemunha precisamente o contrário. Pelo menosisto faz pensar, e nesse sentido temos que lhe estargratos pela sua vivência fecunda e serena.

Eu próprio senti um grande sinal de esperança,não por mim próprio, mas porque me de-

monstrou que a Igreja está atenta à nossa presença edisponibilidade e não hesita em nos pedir que assu-mamos responsabilidades se disso formos capazes.O Capelão do Hospital de S. João no Porto, em

(Continuação pág 1)

A morte levou-te inesperadamente, de mandodo Pai, na tarde de 14 de Dezembro, a meio

duma vulgar tarefa caseira. A tua aparente saúdenão fazia prever que os teus filhos e netos iriam ficarórfãos tão cedo e mais sós os teus amigos.

Já estavas sepultado quando a notícia me che-gou e a muitos outros colegas e amigos teus, dupli-cando-nos a dor da tua perda, não obstante a ex-periência do dia-a-dia e o Evangelho nos evidencia-rem que a morte se apodera dos vivos sorrateira esilenciosa, como o ladrão. Uma dor contida, porqueacredito que o circunstancial da morte não é deixa-do ao acaso. O Pai chama-nos no melhor momen-to, Ele que tudo governa, ao ponto de nenhum ca-belo da nossa cabeça cair sem o Seu aval.

Por realizar entre nós os dois ficou um almoço emS. Mamede de Riba Tua, a troco dum bate-paposobre a distribuição, por morte, dos teus últimos tos-tões, sobrantes da reforma sobre a despesa do quo-tidiano, no quadro das obrigações familiares e soci-ais. E só estes porque, por morte da esposa, já havi-as prescindido de todo o património a favor dos fi-lhos. Uma promessa selada em Fátima, por ocasiãodo nosso último retiro, que a tua morte inviabilizouuma semana depois. Nada perdido, porque o Paijamais prejudicará um filho Seu.

Até que o Pai me chame, (o que poderá não le-var muito tempo se continuar a funcionar a matemá-tica do calendário, dado que dos cinco que nos or-denámos tu e o Fernando, que já partistes, nascestesligeiramente à minha frente e eu, por sua vez, sou omais velho dos três que aguardamos a chamada),continuas comigo no recôndito da memória afectiva,como condiscípulo e amigo desde os primeiros pas-sos no Seminário, onde convivemos os 12 anos docurso e, no final, nos ordenámos. Ambos agradece-

cujo serviço de Capelania estou inserido há poucotempo, incluiu-me no Conselho Pastoral dessa Cape-lania, para a área da Espiritualidade. Acontece poracréscimo que o P. José Nuno não é somente o Ca-pelão do Hospital de S. João, mas o responsávelnacional das Capelanias Hospitalares.

Se partilho estes pequenos «Sinais dos Tempos»com todos os Sócios e simpatizantes da

Fraternitas, é apenas porque me parece que deve-mos caminhar na Esperança, como pessoas e comoMovimento, e ao aproximar-se o Tempo Pascal, éprecisamente esse o sentido mais forte da Salvaçãoque nos é oferecidapelo Ressuscitado. San-ta Páscoa para todos!

Vasco Fernandes

mos ao Senhor a for-mação proporciona-da, tu ainda mais queeu, ao ponto de guar-dares religiosamenteos manuscritos dos nos-sos jornais de bolso, ea maioria das fotogra-fias de grupo. Nestenosso último encontroem Fátima ofereceste--me cópias daquelas fotografias, que vou guardarcom redobrado carinho, e mostraste-me os originaisdos jornais com a autorização de fotocopiá-los. Porminha sugestão voltaste a levá-los com a promessade me ofereceres as suas fotocópias quando nos reu-níssemos em S. Mamede. Espero voltar a revê-los.

De então para cá, perdemos o convívio, por cau-sa dos afazeres profissionais e familiares, mas jamaisa amizade, como demonstram os factos de me teresconfiado em primeiro plano a decisão sobre o teucasamento, já lá vão quatro décadas e, agora emFátima, possivelmente, as tuas últimas vontades.

O retomar do nosso convívio com a tua inscriçãona Fraternitas há três anos permitiu-me acompanhar--te no regresso espiritual. Neste último encontro, àminha estranheza de te não ver nalgumas sessõesplenárias, respondeste-me que passavas esse tempona capela da casa. À noite, enquanto muitos de nóscavaqueávamos, passaste estoutro tempo a orar naCapelinha das Aparições, aproveitando uma delaspara te reconciliares. Obrigado, Machado, por tãoprecioso legado espiritual. E obrigado P.e Filipe peloteu gesto de amor, que tornou possíveis os nossosreencontros.

Alípio afonso

Homenagem a Alberto Machado

Page 3: Espiral 26

espiralespiralespiralespiralespiral 3

Acaba de se distanciar tem-poralmente de nós uma

das maiores figuras do mundo eum ícone da França: o Abbé Pierre(Padre Pedro). Todos o conheciam.E foram os pobres, os marginali-zados e os sem-abrigo que fize-ram dele um ídolo para os france-ses. Mas pode dizer-se que era, pordireito próprio, um cidadão domundo.

Pouco depois da II Guerra Mun-dial, num rigoroso Inverno de Pa-ris, ao ver pessoas sem eira nembeira dormindo nos portais e ex-postas ao frio da noite, o AbbéPierre lançou pela rádio uma cam-panha nacional a fim de encon-trar uma cama para os sem-abri-go. Foi assim que nasceu EMAÚS,uma enorme família de acolhimen-to hoje espalhada por quarentapaíses (também em Portugal) eonde se abrigam milhares de pes-soas. É um mundo de pobres queali retomam a sua dignidade e quecom os trabalhos que sabem fazerconseguem o suficiente para se ali-mentarem e para, com o que lhessobra, poderem eles mesmos so-correr outros sem-abrigo. Foi umagota de água que cresceu e setransformou num oceano de soli-dariedade e de bondade.

Se lermos alguns dos livros queo Abbé Pierre escreveu («Fraterni-dade», «Testamento», «Memóriasde um Crente», traduzidos em por-tuguês), cenários escritos dos de-samparados que ele pôs de pé,vemos o Amor como placa girató-ria de todas as iniciativas que teve.O Amor de quem se sabia amadopor Deus-Pai, e o confessava in-sistentemente para que não hou-vesse equívocos sobre a fonte ori-ginal da sua vivência fraterna. Es-tas, são palavras suas: «A vida en-sinou-me que viver é usar o brevetempo dado às nossas liberdadespara aprenderem a amar e a pre-parar-se para o breve encontrocom o Eterno Amor. É a chave daminha vida e dos meus actos».

Se nos quisermos referir a «dartestemunho», como vulgarmente sediz e a que, por vezes, se misturaalgum narcisismo, terá de dizer-seque a vida do Abbé Pierre foi umexemplo puro de dádiva aosabandonados pela sociedade. Porisso, ele pôde ouvir de alguém queo conheceu: «A maneira como vi-ves consegue dar-me vontade, amim que não sou crente, de que afé seja verdadeira». No meio detanta pobreza e drama, confes-sava em jeito de oração que neleera um fluir de vida: «Apetece-medizer: Deus é Amor, apesar de tudo.E nós somos amados por Ele, ape-sar de tudo». Por isso, completavaque «quando damos a mão aospobres, sentimos a mão de Deusna nossa outra mão.» E, por issotambém, não se esqueceu nuncadeste desabafo de um dos seussem-abrigo: «O pior é o olhar daspessoas. Não distinguem o ser hu-mano que pede esmola do cartazna parede que está por trás.» Avida deu-lhe um pensamento con-creto, o que o levou a concluir: «Adivisão fundamental da Humani-dade não se faz entre os “crentes”e os “não crentes”. Faz-se entreaqueles que viram costas ao sofri-

mento dos outros e aqueles queaceitam partilhá-lo».

Este despojamento e sentido deentrega do Abbé Pierre fazia-o vi-ver uma liberdade em que as pa-lavras não se encolhiam diante denenhuma situação. Era livre.Quando foi convidado a partici-par numa reunião de «eleitores cris-tãos», no Canadá, onde estavamtrinta empresários, e a seguir àMissa o levaram para «uma salade jantar incrivelmente luxuosa» elhe pediram que abençoasse a re-feição, não se conteve: «Nãoreparais nesta abominação? Vimosde comungar na celebração eu-carística e convidais-me para estefaustoso banquete, com lacaios delibré, candelabros dourados e decomer para três dias? Reuniãopara a qual não convidastes ne-nhum sindicalista, também ele elei-tor?» Era sempre directo e foi-o,mesmo com João Paulo II comquem teve vários encontros. «Nun-ca me esquecerei daquele em queme perguntou a minha idade edepois disse: “O Papa é maisnovo”. Eu respondi-lhe: “Sim, oPapa é mais novo, mas como bis-po de Roma talvez faça o que épedido a todos os bispos: proporaposentar-se aos 75 anos. Sorrin-do, respondeu-me: “Oh, isso exi-ge reflexão”.»

Toda a França sentiu a suamorte. Com ele, desaparecia omaior símbolo de fraternidadenaquele país. O presidenteJacques Chirac e vários ministrosestiveram no funeral do AbbéPierre, e essa foi uma homenagemoficial a quem deixava aos fran-ceses um espólio de bondade ecompaixão pelos desvalidos dasociedade. Tinha 94 anos. Umavida plena, no tempo e na missãode ser verdadeiramente fraterno. Ede encarar sempre a verdadecomo caminho indesviável.

ABBÉ PIERRE: gigante da misericórdia

Pacheco de Andrade

Page 4: Espiral 26

espiralespiralespiralespiralespiral4

QUARESMA

página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: [email protected] * página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: [email protected] * página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: [email protected] * página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: [email protected]

Vive-se, em cada ano, poresta altura, a transição do

fim do ciclo de repouso vegetativoda Natureza para o seu despertarprimaveril, em renovadas energi-as. Ao Inverno, símbolo de umamorte aparente, sucede-se a Pri-mavera que impõe a afirmação dapujança da vida, que sempre serenova. É neste contexto que se in-sere a celebração da Quaresma,tempo de reflexão e acção prepa-ratório da festa da Páscoa que,embora móvel, terá mesmo acon-tecido por esta altura.

A leitura do artigo de AnselmoBorges intitulado «Abbé Pierre: oinsurrecto de Deus» veio ao encon-tro da minha perspectiva da Sal-vação oferecida por Jesus, o Cris-to. De facto, no seu último livro«Meu Deus, Porquê?» A b b éPierre declara que a concepçãoexpiatória da morte de Cristo é«horrível», pois levou também aodolorismo, «uma abominação euma caricatura da vida cristã.»

Tal concepção levou, de facto,a considerar-se Deus com compor-tamentos tão antropomórficos que,para contrariar a ofensa do peca-do humano, só ficaria satisfeitocom o sangue derramado pelamorte violenta do Seu Filho nacruz. E, como prefiguração, apre-senta-se a quase imolação de Isaacpor Abraão, no monte Moriá,quando o significado deste episó-dio será totalmente o contrário:Deus quer mostrar quão diferenteé dos deuses que rodeiam Abraão.Estes exigiam, anualmente, o sa-crifício da morte de jovens, em suahonra, para se aplacarem e tor-narem propícios. Também assim,quanto ao nosso Deus, há quempense que só deste modo, se rea-lizaria a nossa Salvação.

É a tese da Satisfação tridentinaque tem perdurado, quase em ex-

clusividade. Daqui, todo odolorismo doentio que perpassa aQuaresma até à Vigília Pascal,hoje resumido em jejuns e absti-nências abrandados, em «procis-sões dos Passos», mais ou menosfolclóricas, em Vias-Sacras, maisou menos compungentes.

Não é que alguns destes actosnão possam ser significativos, masabsolutizá-los em aberrantesautoflagelações corporais e ence-nações da crucificação ao vivo,como únicas formas de satisfazer -o significado etimológico redutordeste termo é fazer/agradar quan-to basta -, de contentar Deus. Issoé contrariar o espírito da Boa Novade Jesus.

Um Deus que assim fosse seriaa negação do Deus-Pai de Jesus,o Cristo, pois Ele O apresentacomo o Deus-Misercórdia, o Deus-Perdão, o Deus-Amor, como bemo vincam o Evangelho, as Epísto-las e o Apocalipse de João: «DeusCaritas est», i.é., Deus é Amor.

E em Mt.5, na sequência doSermão da Montanha, Jesus,como quem quer pôr os pontos nosis, proclama com nova autorida-de: «Ouvistes o que foi dito aosantigos: Não matarás; aquele quematar está sujeito a ser condena-do». (21). «Com o teu adversáriomostra-te conciliador… (25). «Ou-viste o que foi dito: olho por olho,dente por dente. Eu digo-vos: nãooponhais resistência ao mau; se al-guém te bater na face direita, ofe-rece-lhe também a outra.» (38-39).«Ouvistes o que foi dito: amarás oteu próximo e odiarás o teu inimi-go. Eu, porém, digo-vos: amai osvossos inimigos e orai pelos quevos perseguem. Fazendo assim tor-nar-vos-eis filhos do vosso Pai queestá nos Céus;…» (43-45). «Por-que, se amais só os que vos amam,que recompensa haveis de ter?

(46). «Sede, pois, perfeitos, comoé perfeito vosso Pai celeste» (48).

E podíamos recorrer ainda aimensos números de passagensevangélicas que apontam na mes-ma linha como, por exemplo, per-doar “setenta vezes sete”.

Por isso, creio que ao Deus emque acredito não se aplica o nos-so ditado popular: «Bem prega freiTomás! Olha para o que ele diz,mas não para o que ele faz.» Deusnão pode agir ao contrário daquilo

que é – Amor -, pois, se o fizesse,seria a negação da Sua própriaessência. Por isso, as referênciasbíblicas ao Deus irónico, vingati-vo, castigador, guerreiro, demo-lidor são consideradas comoantropomorfismos, ou seja, comomodos de falar de Deus segundoconceitos, formas humanas.

Mas então Jesus não veio paranos salvar? E salvar de quê ecomo? Pela Fé, acreditamos quesim e explicitamo-lo sempre queproclamamos: «E por nós, ho-mens, e para nossa salvação des-

A pedra disse: «Sou forte!» O ferro replicou: «Sou mais forte quetu!» Lutaram e a pedra ficou pó. O ferro disse: «Sou forte!» O fogocontrariou-o. Brigaram e o ferro derreteu-se. O fogo disse: «Soufor te!» A água obstou. Competiram e o fogo apagou-se. se: «Sou forte!» O vento negou. Guerrearam e a água evaporou-se.O vento disse: «Sou forte!» Mas os montes discordaram e prende-ram-no. Os montes disseram: «Somos fortes!» O homem desmen-tiu-os e aplanou-os. O homem disse: «Sou o mais formorte e matou-o. A morte comemorava.

PÁSCOA VIT

RESSUSCITOU!

Page 5: Espiral 26

espiralespiralespiralespiralespiral 5

página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: [email protected] * página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: [email protected] * página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: [email protected] * página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: [email protected]

ceu dos Céus. E encarnou peloEspírito Santo, no seio da VirgemMaria, e Se fez homem. Tambémpor nós foi crucificado sob PôncioPilatos; padeceu e foi sepultado.Ressuscitou ao terceiro dia, segun-do as Escrituras;…»

Temos, então, assim que a Re-denção realizada por Jesus estápresente durante toda a Sua vida.Começa com a Sua descida dosCéus, mediante a Encarnação,acto pelo qual Se tornou «homemem tudo igual a nós, excepto nopecado». É este acto de esvazia-mento que, pessoalmente, prefirochamar de humilhação, conheci-do por quenosis, que O leva a

assumir a condição de servo. Note--se a relação semântica das pa-lavras húmus, homem, humilhaçãojá presente em Génesis 2,7 e 3,19:«Comerás o pão com o suor doteu rosto, até que voltes à terra(húmus) de onde foste tirado: por-que tu és pó e em pó te hás-detornar». De facto, tanto a vidacomo a morte fazem parte da con-dição humana individual de cada

ser vivo. É o que o nosso povo dizna sua sabedoria: «Quem nasceumorreu».

Jesus deixa assim a Sua infinitagrandeza divina para assumir anossa pequenez e ser igual a cadaum de nós, mesmo na sua condi-ção de mortal, compartilhandodeste modo, inteiramente, a nossanatureza humana. É, por isso, muitoexpressiva, no Natal, a segundaleitura da Missa da Aurora ondeS. Paulo diz a Tito: «Ao manifestar--se a bondade de Deus, nosso Sal-vador, e o Seu amor para com oshomens, é que Ele nos salvou».

Mas a salvação realizada porJesus está especialmente presenteno seu programa de vida quan-do, na sinagoga de Nazaré, de-pois de ler a passagem «O Espíri-to do Senhor está sobre Mim, por-que Me ungiu, para anunciar a BoaNova aos pobres; enviou-Me aproclamar a libertação aos cativose, aos cegos, o recobrar da vista;a mandar em liberdade os opri-midos, a proclamar um ano degraça do Senhor», enrolando o li-vro, diz a todos: «Cumpriu-se hojeesta passagem da Escritura, queacabais de ouvir».

A partir daqui, a Sua opção pe-los mais pobres, pelos maisescorraçados, perseguidos e opri-midos vai voltar os poderes religi-osos e políticos, que se sentem atin-gidos, contra a Sua mensagem li-bertadora da dignidade humanae fazer com que estes, face à Suapersistência, comecem a pensar emtirar-Lhe a vida. Mas Jesus conti-nuará fiel à Sua missão, mesmosabendo o fim que O espera.

Digamos, pois, que a morte deJesus na cruz é fruto da Sua fideli-dade à missão pela qual Se senteenviado pelo Pai e que voluntario-samente assume, como fecho ecorolário da Sua vida de amor: aRedenção da humanidade e do

próprio cosmos. É fruto da Sua co-erência de vida, das Suas acçõese da mensagem de dignidade hu-mana libertadora da subjugaçãodo homem pelo homem, mensa-gem esta que incomodava e leva-va os grandes a sentirem-se lesa-dos.

Era assim que a Igreja primiti-va, como bem esclarece o Símbo-lo niceno-constantinopolitano(325/381) ou seja o Credo quese reza nas Missas, entendia a to-talidade da vida de Jesus com va-lor salvífico: a Encarnação, o Mi-nistério da Boa Nova, a Paixão, aMorte e a Ressurreição. E note-seno texto do Credo a conjunção“Etiam” (Também por nós foi cruci-ficado…) como que remetendopara segundo plano este aspecto.

É assim que os ́ Padres‘ anteri-ores ao concílio de Niceia, comoS. Ireneu e outros, não se esque-cem de relacionar a nossa salva-ção com toda a vida de Jesus, mascom incidência particular na SuaEncarnação.

Há, pois, até ao século V, umavisão unitária do mistério redentor.Esta persiste na Igreja do Oriente,mas, a partir desta altura, a IgrejaLatina começa a pôr a tónica novalor salvífico da Cruz que, cadavez mais, concentra e faz depen-der a nossa salvação da morte deJesus. Para esta visão, além dos es-critos paulinos, não terá sido indi-ferente a descoberta, (no séculoIV), por Santa Helena, mãe deConstantino, da pretensa vera-cruze os efeitos emocional, devo-cionista e prebendífero deste acha-do.

Esta linha teológica é consoli-dada e dogmatizada pelo Concí-lio de Trento (séc. XVI) ao enunciarque Nosso Senhor Jesus Cristo«pela Sua santíssima paixão nomadeiro da cruz nos mereceu ajustificação e em vez de nós satis-

MORTE OU SALVAÇÃO

A pedra disse: «Sou forte!» O ferro replicou: «Sou mais forte quetu!» Lutaram e a pedra ficou pó. O ferro disse: «Sou forte!» O fogocontrariou-o. Brigaram e o ferro derreteu-se. O fogo disse: «Sou

água obstou. Competiram e o fogo apagou-se. A água dis-se: «Sou forte!» O vento negou. Guerrearam e a água evaporou-se.O vento disse: «Sou forte!» Mas os montes discordaram e prende-ram-no. Os montes disseram: «Somos fortes!» O homem desmen-tiu-os e aplanou-os. O homem disse: «Sou o mais forte». Veio a

te comemorava. Veio Deus e venceu-a:

VIT ORIOSA

RESSUSCITOU!

Page 6: Espiral 26

espiralespiralespiralespiralespiral6

Fernando Neves

fez a Deus Pai» (D 799). E osuspenso Vaticano I (século XIX) vaiainda insistir na mesma linha: «Sealguém não confessar que o pró-prio Deus Verbo, ao padecer emorrer na Sua carne assumida,não pôde satisfazer pelos nossospecados a Deus, ou verdadeira epropriamente ter satisfeito, e noster merecido a graça e a glória;anátema seja».

Tendo em conta que a Salva-ção realizada por Jesus é fruto datotalidade da Sua vida, causam-me engulho expressões litúrgicascomo a «Adoração da Cruz », emSexta-Feira Santa, ou antífonascomo «A vossa Cruz, Senhor, nósadoramos…» e «Deus não per-doou/poupou ao seu próprio Fi-lho, mas entregou-o à morte portodos nós». Bem sei que se podefazer a transla-ção do sentido,mas a maioria do nosso povo nãoestudou recursos estilísticos nem fezestudos bíblicos. Então o «Vai-te,Satanás, pois está escrito: Ao Se-nhor, teu Deus, adorarás e só aEle prestarás culto»? (Mt. 4,10 eDt 6,13) . O «perdoai-nos as nos-sas ofensas, assim como nós per-doamos a quem nos tem ofendi-do»? E terá Deus entregue, portodos nós, o Seu Filho à morte ouà vida, na condição de que todoo que nasce tem de morrer corpo-ralmente? Será Deus pior quequalquer pai ou mãe humanos?Impossível! Sob condição de Senegar a Si mesmo.

No entanto, o acto sacrificial dacruz não é de valor nulo. Desdelogo, por ser a visibilidade e o tes-temunho de uma vida coerente emfunção da sua principal mensa-gem: o Amor entre os homens;Amor que os libertará e salvará.Amor bem vincado nas palavras:«Pai, perdoa-lhes porque não sa-bem o que fazem». (Lc. 23, 34). Eainda pela maneira revolta («Pai,se é possível, afasta de Mim estecálice» ou «Meu Deus, meu Deuspor que Me abandonaste?»), mas

logo serena de aceitar o sofrimen-to: «não se faça, contudo, a Minhavontade, mas a Tua» (Lc. 22, 42)ou ainda traduzida pelas últimaspalavras «Tudo está consumado»,segundo Jo. 19, 30, ou «Pai, nasTuas mãos, entrego o Meu espíri-to» (Lc. 23, 46).

Luís Evely, no seu livro «Cami-nhos para a Alegria», fala da pro-pensão que nós temos de mais fa-cilmente empatizar com o trágicodos outros do que com as suas ale-grias. Segundo ele, é fácil termoslogo uma lagrimazita ao canto doolho perante o sofrimento do ou-tro, mas, face à sua alegria, aflora-se-nos, inconscientemente, o senti-mento de inveja. Assim que a pri-meira Quaresma (40 dias antes daPáscoa) seja tão propensa àestimulação da dor com as diferen-tes acções litúrgicas, paralitúrgicas,devocionais e reflexivas que a pre-enchem; enquanto a segunda Qua-resma (40 dias: da Páscoa à As-censão de Jesus ao Céu) seja des-provida de quase tudo, como se aFé se tivesse consumado com tantoesforço de preparação para a Pás-coa. No entanto, é nesta segundaQuaresma que acontece a confir-mação da Fé no Ressuscitado, comintensos convites à alegria e à paz:«A Minha paz vos dou». (Jo.14,27)«Digo-vos isto para que a Minhaalegria esteja em vós e o vossogozo seja completo. O Meu man-damento é este: Que vos ameis unsaos outros…» Jo. 15, 11-12)

Em todos os escritos do Apósto-lo S. João a palavra-chave é Amore o Mandamento Novo é repetido.Diz-se na introdução ao seu Evan-gelho, na 18.ª edição da Bíblia Sa-grada da Difusora Bíblica: «É queo presente Evangelho, denotandona base a presença duma testemu-nha ocular, transmite o estádio maisavançado da fé e da meditaçãoda Igreja Apostólica sobre Cristo».

Como conclusão do que ficadito, penso, pois, que mais do queolhar para a Paixão como princi-

pal acto da pessoa de Jesus ten-do em vista a nossa salvação, sedevia antes repensar na causa pelaqual encarnou e nos deixou a Suamensagem de Amor. Tenhamosem conta o que diz S. Paulo emHeb. 10, 5-7, repisando o Sl. 39:«Ao entrar no mundo Jesus disseao Pai: “Não quiseste sacrifícios eoferendas, mas formaste-Me umcorpo. Holocaustos e imolaçõespelo pecado não Te foram agra-dáveis. Então Eu disse: eis-Meaqui; no livro sagrado está escritoa Meu respeito: Eu vim, ó Deus,para fazer a Tua vontade`». Quevontade de Deus? A morte ou avida, na condição de que uma vezassumida esta, aquela, humana-mente, teria de acontecer inevita-velmente? A vontade de Deus nãoseria ainda que o Verbo Encarna-do, mediante a Sua Mensagem eactos, ensinasse e convidasse oshomens para os caminhos doamor, do perdão, da Sua salva-ção como um povo?

Daí que, a caminho doCalvário, Jesus não quer que amultidão se desvie do essencial daSua missão, ficando emocional-mente agarrada ao Seu sofrimen-to, quando diz: «Filhas de Jerusa-lém, não choreis por Mim, choraiantes por vós mesmas e por vos-sos filhos» (Mt.23, 29).

Por isso, a chamada via-sacranão devia incluir uma reflexão so-bre toda a vida de Jesus, desde oSeu nascimento, passando pelaproclamação da Boa Nova, atéà Sua morte e ressurreição, em vezde se fixar somente no Seu sofri-mento?

Não diz Ele: «Minha mãe emeus irmãos são aqueles que ou-vem a palavra de Deus e a põemem prática»? (Lc. 8,21)? E não diza assembleia, na liturgia da pala-vra, no fim do Evangelho: « Pala-vra da Salvação. Glória a Vós, Se-nhor»?

Quaresma: morte ou salvação(Continuação pág 5)

Page 7: Espiral 26

espiralespiralespiralespiralespiral 7

COMANDOS SUICIDASa vida como arma

Eles são a incarnação dumterror pérfido, que se infiltra

anonimamente no alvo do ataque.O seu objectivo é executado comuma precisão mortal friamente cal-culada: são os comandos suicidas.É permanente o recrutamento denovos aderentes, todos eles orien-tados por uma ideologia, ou poruma organização, pelo que esteprocedimento se pode demarcarde acções únicas, como é, p.ex.,o assassínio de tiranos.

MÉTMÉTMÉTMÉTMÉTODO PROODO PROODO PROODO PROODO PROVECTVECTVECTVECTVECTOOOOOJá na antiguidade havia aten-

tados suicidas na época dos mon-ges ambulantes no norte de Áfri-ca. Podemos considerar os assas-sinos (do italiano «assassino», doárabe «hassasi», bebedor dehaxixe, nome de seita muçulmanafanatizada) do século XII, membrosduma seita ismaelita (xiita) quemontaram na Pérsia uma largarede de assassinos traiçoeiros,como sendo os modelos islâmicosmais antigos dos actuais coman-dos suicidas.

Os atentados suicidas, que nãoeram actos únicos, foram introdu-zidos em 1982 e 1983, durante aguerra civil libanesa, por grupos deviolência xiitas que deram origemao Hesbollah. Paralelamente foimontado um sistema para garan-tir o futuro dos familiares dos co-mandos suicidas, sistema esse quegoza de elevado grau de prestí-gio social.

O alistamento de comandossuicidas também foi conseguido

recorrendo a uma propagandadispendiosa, como «vídeos e car-tazes de mártires».

SUICIDA OU MÁRTIR?SUICIDA OU MÁRTIR?SUICIDA OU MÁRTIR?SUICIDA OU MÁRTIR?SUICIDA OU MÁRTIR?A tradição dos atentados suici-

das foi retomada pelos tigres tamilno Sri Lanka a partir de 1987. Em1981, os tigres tamil mataram oentão primeiro ministro indianoRajiv Ghandi. O líder da oposição,Gamini Disanyake, foi assassina-do por um comando suicida em1984 e, em 1999, ChandrikaBandaranaike Kamaratunga so-breviveu a outro atentado, masperdeu um dos olhos.

«Imagine que está numa sau-na, onde o calor é intenso, masvocê sabe que, ali ao lado, há umcompartimento com ar condiciona-do, sofás confortáveis, música clás-sica e uma bebida agradável. En-tão, muito simplesmente, você en-tra. Assim explicaria eu a alguémo que vai na alma dum mártir», dizSeyed Hassan Nasrallah, líder doHesbollah. Concorda assim com aconstrução do martírio, criada porislâmicos dedicados à violência,para a sua legitimação.

O Corão proíbe o suicídio, equem se matar sofre o castigo deficar submetido a torturas até à res-surreição. Ao contrário do suicida,o «mártir» tem um lugar especial-mente positivo na fé islâmica.

Em muitos locais do Corão pro-mete-se aos «mártires» uma recom-pensa no Além. Todos os pecadoslhe são perdoados. Além disso,escapam aos «horrores do túmulo»,que os muçulmanos muito temem.Trata-se de um interrogatório so-bre a sua fé em Alá e Maomé, fei-to pelos dois anjos da morteMunkar e Nakir, os quais, de acor-do com as respostas, ou os tortu-ram ou os confortam. Se o muçul-mano falhar neste exame, segun-do se diz, tem de suportar no

túmulo sofrimentos terríveis até aojuízo final. Ora o «mártir» é pou-pado a isso. Acresce que casarácom 72 das mais belas virgens epode interceder junto de Alá a fa-vor de 70 familiares.

A fim de poder, de alguma for-ma, conciliar com o Islão os méto-dos próprios destes comandos sui-cidas, transforma-se, sem cerimó-nias, o (auto)assassino em «már-tir». Segundo os islâmicos prepa-rados para a violência, não se tra-ta de um suicídio clássico, pois éem combate com os inimigos doIslão que o voluntário perde a vida.Ao tornar-se «mártir», ele distorcea religião para os próprios objec-tivos políticos.

Como repetidamente se de-monstra, os explosivos dos coman-dos suicidas também atingem al-vos militares, todavia é entre apopulação civil que ocorre o mai-or número de vítimas. Um manualde terror da organização palesti-na islâmica radical HAMMAS ano-ta cinicamente a este respeito: «Éuma loucura perseguir o tigre quan-do ao lado andam muitas ove-lhas».

ÓDIO AOS INFIÉIÓDIO AOS INFIÉIÓDIO AOS INFIÉIÓDIO AOS INFIÉIÓDIO AOS INFIÉISNos últimos vinte anos, 17 gru-

pos em 14 países diferentes prati-caram a táctica do terror suicida.Mais de 5000 mortos e, pelo me-nos, 20 000 feridos, os danos eco-nómicos ascendem a milhares demilhões de euros. Agentes e moti-vações dos comandos suicidas sãovariáveis. Nexo comum é, todavia,a ideologia do ódio aos «infiéis»,ao mundo ocidental, aos USA eseus aliados. O meio mais eficien-te de articular o ódio é o atentadosuicida.

Planeadores e logísticos de ac-ções deste tipo são pessoas muitointeligentes. Também MohammedAtta, que dirigiu o comando terro-

Em Jerusalém, TEm Jerusalém, TEm Jerusalém, TEm Jerusalém, TEm Jerusalém, Tel Ael Ael Ael Ael Avivvivvivvivviv,,,,,

Carachi, Jacarta, Djerba,Carachi, Jacarta, Djerba,Carachi, Jacarta, Djerba,Carachi, Jacarta, Djerba,Carachi, Jacarta, Djerba,

Mombaça, Casablanca, Cabul,Mombaça, Casablanca, Cabul,Mombaça, Casablanca, Cabul,Mombaça, Casablanca, Cabul,Mombaça, Casablanca, Cabul,

Riade, Bagdade, Madrid,Riade, Bagdade, Madrid,Riade, Bagdade, Madrid,Riade, Bagdade, Madrid,Riade, Bagdade, Madrid,

ou Londres, o rastoou Londres, o rastoou Londres, o rastoou Londres, o rastoou Londres, o rasto

dos comandos suicidasdos comandos suicidasdos comandos suicidasdos comandos suicidasdos comandos suicidas

é longo e sangrento.é longo e sangrento.é longo e sangrento.é longo e sangrento.é longo e sangrento.

Reportagem: Rolf Tophoven(KI, 01/2007, p. 36)

Tradução: João Simão

Page 8: Espiral 26

rista de 11 de Setembro de 2001, caiu como «execu-tivo» nesta categoria. Todavia, os comandos, con-vencidos por uma motivação religiosa étnico-nacio-nalista ou simplesmente por ódio, são incluídos nos«soldados de infantaria do terror». Eles acreditam quemorrem por Alá e fazem-se explodir com o grito «Aláé grande».

Do ponto de vista duma organização terrorista,as operações suicidas trazem as seguintes vantagens:

· Os comandos suicidas provocam muitas vítimase grandes prejuízos materiais;

· Minam a moral das populações;· Um ataque suicida garante interesse mediático

à escala mundial;· A introdução desta táctica permite aos terroristas

serem eles a determinar a hora e o local do acto e,assim, escolher o momento óptimo para despoletara bomba;

· Uma vez o suicida a caminho do alvo, o «êxito»da sua missão está garantido. Mesmo que os meca-nismos de defesa consigam deter o potencial assas-sino antes de ele atingir o alvo, ele pode em todo ocaso activar ainda a bomba e assim provocar eleva-dos prejuízos;

· Não é necessário elaborar uma estratégia deretirada do local do crime. Não é necessário prepa-rar um caminho de fuga, pois a sua missão é umaviagem sem retorno;

· Porque o terrorista se mata nesta acção suicida,pode-se excluir a captura do agente e um conse-quente inquérito pelos especialistas da segurança. As-sim, os mandantes do terror não têm de temer qual-quer denúncia. Os activistas suicidas, que já estive-rem à espera, podem sentir-se seguros.

Os comandos suicidas percorrem uma longa fasede treino. Voluntários espontâneos não são aceites.Portanto não se trata de manipulações para jovens.Uma vez que, na ideologia islâmica, a morte porsacrifício voluntário a Alá é um acontecimento de ale-gria, também os relatos de testemunhas oculares eos vídeos de comandos a rir de felicidade sãocredíveis. Uma «lavagem ao cérebro voluntária» afas-ta dos cânones de valores da sociedade.

Do decurso do acto em si sabe-se que os própri-os treinados só muito tarde tomam conhecimento doprojecto e da sua data, o que torna improvável um«desembarque». Segue-se, por fim, o isolamento físi-co e psíquico do comando suicida, quer dizer, a se-paração absoluta de amigos e família e a concen-tração em grupos de três até cinco correligionários, a

fim de destruir quaisquer hesitações. Mediante ora-ções ao longo dos dias cada vez mais intensas, adoutrinação do comando suicida atinge o seu clí-max. Ele é transportado para um estado de euforiatipo transe, que se mantém até à chegada da morte.O «mártir» está à espera do paraíso que se aproxi-ma.

MULHERES BOMBAMULHERES BOMBAMULHERES BOMBAMULHERES BOMBAMULHERES BOMBAQuando as mulheres se transformam em bombas

humanas, isso acontece também em nome do seusexo, dizem os psicólogos. Uma acção desta nature-za, especialmente no mundo de domínio patriarcalde muitos estados muçulmanos, causa uma forte im-pressão. Em vez da felicidade familiar, elas escolhemo cinto explosivo. Em vez duma campanha pacíficapela emancipação da mulher na sociedade muçul-mana, elas arrastam muitos inocentes para a mortenum inferno mortífero.

COMANDOS SUICIDAS: A vida como arma

(Continuação pág 7)

Além daquela janelaDois olhos me estão matando.Matem-me devagarinhoQue eu quero morrer cantando.

Refrão:Refrão:Refrão:Refrão:Refrão:Que eu quero morrer cantandoJá que chorando nasci.Quero ser como a pombinhaQue voando levou fim.

Primeiro amar a DeusSobre tudo quanto há.Eu a Deus amo-O no CéuE a ti amo-te cá.

Os teus olhos, mulher linda,P’ra quem neles souber ler,Dizem mais coisas aindaDo que tu sabes dizer.

Ao pé de ti fico mudoFitando esse teu olhar.Quando os olhos dizem tudoP’ra que há-de a boca falar?

Acostumei tanto os meus olhosA fitarem-se nos teusQue de tanto os ter fitadoJá não sei quais são os meus.

Eu sou sol e tu és sombra,Qual de nós será firme?Eu, o sol, sempre a buscar-te,Tu, sombra, sempre a fugir-me.

QUADRAS ALENTEJANAS

Francisco Fanhais

espiralespiralespiralespiralespiral Responsável: Fernando FélixPraceta dos Malmequeres, 4 - 3º Esq.Massamá / 2745-816 Queluze-mail: [email protected]

Boletim daAssociação Fraternitas Movimento

N.º 26 - Janeiro/Março de 2007N.º 26 - Janeiro/Março de 2007N.º 26 - Janeiro/Março de 2007N.º 26 - Janeiro/Março de 2007N.º 26 - Janeiro/Março de 2007www.fraternitas.ptwww.fraternitas.ptwww.fraternitas.ptwww.fraternitas.ptwww.fraternitas.pt