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    C A. M J

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    Autor: squiloTtulo: SuplicantesTradutor: Carlos A. Martins de JesusEditor: FESTEA Tema ClssicoEdio: 1/ 2012Propriedade: FESTEA Tema ClssicoConcepo e Planeamento: FESTEA Tema ClssicoApoio Edio:FCT POCI 2010

    Esta publicao insere-se no plano de actividades da linha dePragmtica Teatral do Centro de Estudos Clssicos e Humansticos.

    Secretariado:FESTEA Tema ClssicoInstituto de Estudos ClssicosFaculdade de Letras da Universidade de CoimbraPraa da Porta Frrea

    3004-530 CoimbraTelefone: 967685736Fax: 239410022e-mail: [email protected]

    Edio exclusiva para uso do Festival Internacionalde Teatro de Tema Clssico.Obra editada em cumprimento do Novo Acordo Ortogrco.

    IMPRESSO E EXECUO GRFICA:Artipol - Artes Tipogracas, LdaZona Industrial de Mourisca do VougaApartado 3051, 3754-901 gueda

    ISBN: 978-972-8869-36-6Depsito Legal: 342302/12

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    ndice

    Estudo introdutrio 7Suplicantes 37

    Notas traduo 79

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    ESTUDO INTRODUTRIO

    A polmica questo da data

    Durante muito tempo se pensou que Suplicantes fossea mais antiga das tragdias conservadas de squilo e comotal o mais antigo dos dramas ocidentais que nos chegou ,sobretudo a partir de um conjunto de caractersticas formais desabor arcaizante: a ausncia de prlogo, a predominncia daspartes cantadas e dos monlogos revelando, com isso, umainda bastante precrio uso do segundo ator , a ao simples

    e a mtrica, tambm ela, mais arcaica. Finalmente, o tomeloquente do drama, dado sobretudo pela escolha vocabular(onde abundam termos e frmulas da pica) era tambm umdos argumentos com frequncia utilizados. Mas a prova maisevidente do que era considerado um estado dramtico antigo,de que no conservvamos qualquer outro exemplar, era talveza predominncia do coro, a sua centralidade na ao dramtica.

    De facto, isso inegvel, o coro das Danaides a personagemprincipal, sendo que do seu drama e das suas palavras vive,no essencial, a tragdia. Por estes e outros dados, datava-se atrilogia entre os anos 493-490 a.C.1

    Foi em 1952, com a publicao do Papiro 2256 (n.3) dacoleo de Oxirrinco que esta ideia comeou a ser abandonada.Consistia esse texto numa didasclia que identicava, entre os

    concorrentes no festival em que teria sido exibida a trilogia dasDanaides, a presena de Sfocles. Ora, sabemos que este ltimotragedigrafo granjeou o primeiro prmio logo na primeiravez que se apresentou a concurso, em 468 a.C., com a tragdia

    1 Essa era a opinio de P. Mazon 1966: 3, na sua introduo traduo francesa da pea.

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    Triptlemo, e que o prprio squilo, em 467 a.C., teria vencidocom a tetralogia a que pertencia Sete contra Tebas.2Ficava destemodo estabelecido um perodo de compromisso para a datao

    do drama: o segundo quartel do sculo V a.C. De outro modo,era de aceitar a dcada de 60 para a sua composio. Mas otexto do papiro que referimos podia mesmo dar-nos a dataoexata de Suplicantes, se na primeira linha fosse aceite a leituraepi Ar[chedemidou em vez de epi ar[chontos; ou seja, a primeirahiptese situa o drama claramente no ano de 463 a.C., pois queArquedmides ter sido arconte entre 464 e 463. Mesmo antes de1952 houve quem sugerisse que a tetralogia das Danaides nopudesse ser o mais antigo drama grego conservado. No entanto,crticos h ainda que se recusam a aceitar esta datao maistardia e que, em alguns casos, duvidam mesmo do crdito a darao texto do papiro.3

    Outros argumentos foram ainda utilizados com vista a umadatao relativa da tragdia, designadamente o estabelecimentodo contexto poltico possvel para a sua produo. Muito sediscutiu sobre uma possvel aliana entre Atenas e Argos,para a qual no temos quaisquer outras fontes diretas queno a prpria pea, de um asilo poltico de Temstocles nessacidade, que teria ocorrido entre 470-469 a.C., alm de outrascondicionantes demasiado complexas para aqui serem expostas.4O manifesto elogio do sistema democrtico, personicado nagura do monarca Pelasgo, no obriga no entanto a considerar,como seria difcil, que ao tempo da tragdia Argos estivesse jdemocratizada.

    2 Disso do testemunho, entre outros, Plnio-o-Antigo (HistriaNatural, 18. 12) e Plutarco (Cimon, 8).

    3 Para a exposio de toda esta polmica de datao veja-se a introduo verso portuguesa da tragdia por A. P. QuintelaSottomayor 1968: 3-7, bem como os trabalhos de E. C. Yorke 1954: 10-11,E. A. Wolf 1958: 119-139, H. Lloyd-Jones 1964: 356-374 e idem1991: 42-56.

    4 A. J. Podlecki, The Political Background of Aeschylean Tragedy(Michigan, 1966) 42-62 analisa a fundo as possibilidades decondicionalismo poltico de Suplicantes. Para uma viso de conjunto dasdiferentes hipteses avanadas, remetemos uma vez mais para o estudoA. P. Quintela Sottomayor 1968: 23-26.

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    Para conseguirmos alguma conciliao, aceitemos comodata de apresentao de Suplicantes os nais da dcada desessenta do sculo V a.C., o que implica entender como anteriores,

    apenas de entre as que conservamos, as peas Persas (472 a.C.) eSete contra Tebas (467 a.C.).

    O mito e a trilogiaSuplicantes a primeira das peas de uma tetralogia, de que

    fariam tambm parte as tragdias Egpcios e Danaides, alm dodrama satrico Ammone.5Das ltimas trs, mais no possumosdo que sete fragmentos fatalmente pouco reveladores6, que, peseembora a tentativa de muitos, no permitem, por si s, reconstruirde forma completamente segura a ao desses dramas. Mas, aessa tarefa, voltaremos adiante.

    Duas so as geraes, distantes no tempo do mito, de umamesma genealogia, que esto em causa no desenvolvimentode Suplicantes. As cinquenta lhas de Dnao, posto que asdesejam para casar os cinquenta primos, lhos de Egito, fogemdo Nilo onde habitam para pedir asilo poltico e religiosoem Argos.7 Perante o rei dessa terra, portanto, suplicam porproteo,8apresentando como argumento maior a descendncia

    5 Estes ttulos surgem no elenco das tragdias de squilo no CdiceNeapolitanus II. f. 31. Perdidos no global os textos correspondentes, a relaodos ttulos com o mito de Suplicantesparece denunciar, com grande grau decerteza, que seriam essas as restantes peas da tetralogia. Praticamente todos osestudiosos concordam que fosse essa a organizao das peas na trilogia.

    6Para a sua traduo, vide A. P. Quintela Sottomayor 1968: 87-88.7 Segundo Apolodoro 2.22 e Higino (fbula 227) Atena ter

    instrudo Dnao a construir um barco com duas las de remadores, numtotal de cinquenta lugares, para se escaparem, ele e as lhas, do Egito.Alm de um pequeno relevo tardio, datado j do sc. I da nossa era, quealguns identicaram como representando essa embarcao (LIMC, s.v.Dnaos 3), uma hydria tica da primeira metade do sc. IV (LIMC, s.v.Dnaos 2) ilustra o desembarque em Argos, mostrando Dnao aindano barco e a descarregar, com ajuda das lhas, uma srie de oferendaspara o rei dessa terra, presentes esses que, ao que tudo indica, vemosserem entregues a Pelasgo numa outra hydria da mesma provenincia edo mesmo perodo (LIMC s.v. Dnaos 1).

    8 So signicativas as cenas de splica das Danaides a Pelasgo

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    da mesma mulher, Io, num passado mitolgico ainda maisremoto. portanto a splica, a mesma que d o nome pea,que estabelece a ponte entre estes dois nveis de uma mesma

    genealogia mitolgica.Io, em tempos que a memria no alcana, era lha de

    naco, o primeiro rei lendrio de Argos, e sacerdotisa de Hera (vv.291-292). Por ela se apaixonou perdidamente Zeus, despertandocom isto, como em tantas outras ocasies, o cime violento dadeusa sua esposa. Como resposta imediata a essa traio, Heratransforma a donzela mulher em vaca, alm de lhe providenciarum guarda que tudo v, Argos. Porque pretendia de facto arapariga, Zeus verteu a sua prpria forma em touro e, com isso,conseguiu unir-se-lhe no leito. Segundo outras verses, teria sidoo pai dos deuses o mentor dessa metamorfose, como forma delivrar a mulher amada dos cimes da esposa, ou que ela teriaocorrido, simplesmente, depois de a tocar (e.g. Hesodo, frg. 124M-W).

    Famosa, em termos literrios e iconogrcos, ter sidoa imagem de Argos, esse boieiro de inmeros olhos, comoo caracteriza o prprio squilo (Suplicantes, 304 e PrometeuAgrilhoado,568-569). Na pintura de vasos, ele surge ora com doisrostos e dois pares de olhos (LIMC, s.v. Hera n. 485, c. 540 a.C.),ora com um olho extra no peito (e.g. LIMC, s.v. Io I n. 31), oranalmente, na grande maioria dos casos, com um sem nmerode olhos espalhados por todo o corpo, que vigiariam em todasas direes (LIMC, s.v. Io I, n.s 4-7, 11, 13). Conta Apolodoro(Biblioteca 2. 1. 3) que Zeus ordenou a Hermes que roubasse anovilha a Argos, resultando disso a morte do boieiro. Pormenor

    na pintura de vasos. Numa srie de representaes do sc. IV (LIMC,s.v. Danaides 1-4; Pelasgos 2-8) vmo-las sobre um altar, envergandoramos de suplicante e, em alguns casos, marcam presena divindadescomo Atena, Apolo, Eros e Afrodite (e.g. LIMCs.v. Danaides 2; Pelasgos2, 8, 9), sugerindo o espao religioso do altar de Argos consagrado amltiplas divindades. Curioso o caso de dois krateres do sc. IV a.C.(LIMC, s.v. Pelasgos 2, 3), do segundo dos quais apenas restando umfragmento, onde parece ser o prprio Dnao quem, em posio ocial desplica aos joelhos de Pelasgo suplica por proteo.

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    lrico da tradio, para que o facto no fosse esquecido pelosvindouros, Hera consagrou a Argos o pavo, pintando na suacauda, para toda a eternidade, os muitos olhos do seu el aliado

    agora morto. Mas a deusa no se d ainda por satisfeita. Aperseguir a donzela pe um moscardo (ou tavo), fantasma do

    boieiro que outrora a guardava, e esse animal que desencadeiaa fuga da virgem-novilha de Argos at ao Egito. notvel otratamento que Baqulides de Ceos d a este mito no ditirambo19, composto para os Atenienses em data que no nos dadosaber. Portanto, no impossvel que o texto que vamos citar,em traduo, seja anterior s duas tragdias que tratam dessemito, Suplicantes e Prometeu Agrilhoado, a ltima de atribuioquestionvel a squilo.9 Transcrevemos pois os versos 15-36desse texto:

    Em tempos (?), abandonando Argos rica em cavalos,ps-se em fuga a urea vacapor conselho do supremo Zeus de imenso poder,a lha de dedos rseos de naco,

    quando a Argos, o que vigia de todos os ladoscom olhos infatigveis,ordenou a grande soberanade peplo dourado, Hera,que sem intervalo e sem sonoa novilha de belos chifresguardasse; e nem o lhode Maia conseguiu, durante os diasde clara luz, iludi-lo,nem durante as noites sem mcula.Ento aconteceuo veloz mensageiro [de Zeus

    9 No completamente segura a datao de nenhuma destaspeas. Quanto ao Prometeu Agrilhoado, apenas sabemos com certeza queter sido apresentado depois da erupo do Etna, a que parece aludir,facto ocorrido entre 479/478 a.C. Sobre a data de Suplicantes, reetimosj acima.

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    dar morte [ao terrvel lho da Terrade robusta descendncia [com uma pedra,a Argos; ou, por certo, [cerraram seus olhos terrveis

    impronunciveis preocupaes;ou as Pirides cultivaram [com doce melodiaa cura das suas penas [interminveis.

    Baqulides parece no querer comprometer-se comqualquer verso do mito em concreto, lanando, no nal,diversas hipteses para a morte de Argos. No obstante, serve

    o texto de prova da fama do mito, com frmulas especcas eimagens que vemos repetidas no drama que traduzimos adiante.Em Prometeu Agrilhoado (vv. 563 sqq.), recupera o dramaturgoa mesma histria. no decurso da sua fuga pelo mundo queIo, j metamorfoseada em novilha, chega ao Cucaso, junto dePrometeu, e o encontra agrilhoado, no cumprimento do seu tofamoso castigo. Ela vem perseguida pelo moscardo, morto que

    est j Argos, mas nesse animal v a toda a hora a sombra doseu antigo vigilante. Depois de contar a sua prpria histria,a pedido do coro, Io vai ouvir da boca de Prometeu as muitaspenas que ainda a esperam (vv. 700-740). So-lhe referidos osinmeros locais do mundo por onde ter ainda que passar, nasua errncia que parece no ter m, at chegar ao Egito onde,fecundada por Zeus (v. 850), h de gerar pafo. ento quePrometeu acrescenta dados que constituem, no fundo, a versoda lenda como a aproveita squilo para a trilogia das Danaides:

    (...) a quinta gerao a partir dele, de cinquenta lhas,voltar de novo para Argos, contra vontade, para fugir aocasamento com parentes, os seus primos. Mas eles, arrebatadospela paixo, falces j no encalo das pombas, chegaro desejososde um casamento indesejvel. Mas um deus lhes negar taisunies e a terra dos Pelasgos os sepultar, dominados por Aresque mata pelo brao das mulheres, com noturna audcia vigilante.Cada esposa roubar a vida ao seu marido, enterrando-lhe nagarganta uma espada de dois gumes. (...) Mas o desejo de ter lhosseduzir uma delas a no matar o marido e a sua deciso se far

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    fraca. Preferir ouvir dizer que cobarde a ser assassina. E ser elaque em Argos dar luz uma estirpe rgia.10

    A narrao conclui com a referncia a Hracles, que dessaestirpe rgia11h-de nascer, porquanto ser ele o libertador dePrometeu. O mito, como o conta squilo e, no global, as restantesfontes, assume-se desde logo como um mito fundacional, dedispora. Por onde passa, na sua fuga, Io funda povos e cidadesque dessa sua passagem recebem o nome. O caso mais agrante talvez o do Bsforo cimrio, que no seu nome v reetida,

    letra, a passagem da vaca.Com Suplicantessituamo-nos no incio da ao trgica das

    cinquenta lhas de Dnao e dos cinquenta lhos de Egito queas pretendem, de forma dita indigna, para um casamento porelas indesejado. esse, por assim dizer, o segundo nvel destalinhagem mitolgica. A unir ambos os tempos, o de Io e o dasDanaides, est a splica, formalmente concebida. De outra

    forma, a histria de Io, a sua origem argiva e as suas penas smos de Zeus encontram agora, no tempo da ao presente, umparalelo demasiado evidente que lhe permite ser usada comoargumento para o pedido de asilo. Um terceiro nvel do mesmomito poderia ainda ser identicado na histria que constituiria aao das duas tragdias perdidas12. Pese embora as diculdadesem reconstituir a ao da trilogia, sobretudo pela escassezde fragmentos conservados, de admitir que os versos acimatranscritos do Prometeu Agrilhoado, mesmo levando em conta a

    10Traduo de A. P. Quintela Sottomayor (1992), squilo. PrometeuAgrilhoado. Lisboa.

    11 Porque ser de extrema utilidade para a leitura da pea,deixamos aqui a rvore genealgica descendente de Io, mas apenas at gerao em evidncia na trilogia das Danaides. Io h de gerar pafo;da unio deste com Mns nascer Lbia que, fecundada por Posidon,dar luz dois lhos, Agenor e Belo. Do ltimo descendero Dnao eEgito, sendo que o primeiro ser pai de cinquenta lhas e o segundo decinquenta vares.

    12Essa tarefa tem sido levada a cabo por vrios estudiosos, sendode realar A. F. Garvie 1968: 163-233, R. P. Winnington-Ingram 1961: 141-156 e A. P. Quintela Sottomayor 1968: 31-35.

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    sua problemtica atribuio a squilo, constituiriam, em traosgerais, a verso da lenda seguida pelo dramaturgo.

    Aigyptoi, a segunda pea, abriria com o coro dos lhos de

    Egito (ou seus representantes13) j aps a luta contra os Argivose, segundo a opinio da maioria dos autores, quando Pelasgotinha j morrido e o poder sobre Argos havia sido entregue aDnao. Toda a pea trataria ento das negociaes conducentess bodas entre os primos, com as quais nova esperana v terminaria. A ser assim, h que conceder um novo salto na ao,na passagem para a terceira pea, a saber, o assassinato doscinquenta primos na noite de npcias, do qual apenas Linceu poupado por Hipermnestra. Como tal, o terceiro drama, Danaides,poria em cena a resoluo religiosa e legal do conito, sendo deadmitir, como defendem alguns estudiosos, que se assistisse ao

    julgamento das lhas de Dnao, cujo crime havia entretanto sidodescoberto. Esta hiptese que aproxima a estrutura de Danaidesde outro conhecido drama esquiliano, Eumnides faz desde logosentido se levarmos em conta o fr. 44 Radt (cit. Athen. 13.600A =3.322.24 Kaibel), que tem sido interpretado como parte da defesadessas mulheres, pela boca da prpria deusa Afrodite, ou do atosingular de Hipermnestra. O fragmento, com efeito, versa sobrea universalidade de Eros e Afrodite, tema j aorado, em jeito deadvertncia, no nal de Suplicantes(vv. 1034-1042).

    Mas qual seria, anal, o desfecho da trilogia? O fr. 43 Radttem sido interpretado como o preldio de um epitalmio que,se colocado no nal da ltima pea, faz crer que esta terminassecom o anncio, por parte de uma divindade, de novas bodaspara as Danaides, que assim seriam reintegradas na ordemsocial e csmica que renegavam. Com efeito, um passo da Ptica9 de Pndaro (vv. 111-116) alude ao episdio mtico segundoo qual Dnao teria dado as 48 lhas (as 50 iniciais, exceode Hipermnestra e Ammone, a ltima das quais pretendidapor Posidon) aos primeiros 48 classicados de uma corrida

    13 Apenas M. L. West 1990: 169 (Studies) estranhou que, se defacto o coro da segunda pea fosse constitudo pelos lhos de Egito, elarecebesse o ttulo Aigyptoi e no, por exemplo, Aigyptiadai.

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    pedestre; e, na Nemeia 10 do mesmo poeta (vv. 1-10), as Danaidesso apresentadas como objeto da venerao local, em Argos, naqualidade de fundadoras, ao que tudo indica por via das suas

    segundas bodas. Fosse ou no esse o destino anunciado no nalda trilogia esquiliana, parece coerente depreender que, na versoseguida pelo dramaturgo, seria o casamento o desfecho prescritopara essas mulheres, assim dando cumprimento ao aviso jpresente em Suplicantes(vv. 1050-1051).

    Por isso, o castigo mtico pelo qual cariam mais conhecidas e que seria o mais cultivado nas artes plsticas, musicais edramticas ao longo dos tempos , que as coloca no Hades, aencher de gua, pela eternidade, uma vasilha furada que nuncaca completa, poderia ser resultado de uma contaminao domito14com ritos iniciticos e de puricao, a avaliar, desde logo,pelo carter tardio das fontes que o transmitem (Ov. Met.4.463,10.43, Her. 14; Hor. Carm. 3.11.25; Tibull. 1.3.79; Hyg. Fab. 168;Serv. in Aen.10.497). E tambm a iconograa antiga conservadavem demonstrar que esse castigo penitencial no detetveldurante a poca Clssica. Como bem concluiu Eva Keuls(LIMC, Danaides, pp. 336-337), ele deve ter sido o resultadode uma fuso da lenda com origens Italiotas, durante o sculoIV a.C., zona e perodo dos quais conservamos um considervelnmero de vasos gregos, sobretudo de produo aplia (LIMC,Danaides 7-20). Essa verso ter sido a que transitaria para acultura romana, de forma mais profcua, conhecendo a difusoliterria que j referimos e uma igualmente assinalvel fortunaplstica (LIMC, Danaides 24-31)15.

    14 A. F. Garvie 1968: 234-235, que concorda com esta teoria,apresenta uma lista dos estudos que a corroboram.

    15 A mesma autora, em monograa dedicada em exclusivo aomotivo da expiao das Danaides no Hades (E. Keuls 1974) concluiu que,mesmo nestes vasos do Sul de Itlia, no segura a identicao dasguras, no legendadas, com as lhas de Dnao; mais, que esse modeloexpiatrio iconogracamente anterior ao mito em estudo, sendo quecom ele ter ganho maior notoriedade. Finalmente, possvel que elepossa j vir indiciado na trilogia de squilo quando, por exemplo, lemosem Suplicantesa promessa do coro de para sempre honrar com hinos osfecundos campos de Argos (vv. 1024-1029), assim aludindo j associao

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    Quanto ao drama satrico que integraria a tetralogia,Ammone, dele se conservam no mais que trs brevssimosfragmentos (frs. 13-15 Nauck2) que poucas ou nenhumas ilaes

    permitem retirar. No entanto, sabemos que squilo foi um hbile profcuo escritor nesta modalidade,16 e preservamos duasfbulas do latino Higino (n.os118 e 119), sendo que, pelo menosuma delas, ter-se- inspirado diretamente no texto esquiliano.Praticamente coincidentes so as verses de Apolodoro(Biblioteca, 2.1.4) e da fbula 119 de Higino, que de seguidaresumimos. Ammone, lha de Dnao, enquanto ia buscar guapara um sacrifcio, surpreendida por um stiro que pretendepossu-la. ento que a rapariga implora a proteo de Posidon(ou Neptuno, na verso latina) que, lanando o seu tridentecontra o stiro, o pe em fuga. Mas a donzela no est aindaa salvo, pois que em seguida vtima do prprio deus que vaiviolent-la, dessa relao nascendo Nuplio. A lenda explicatambm, etiologicamente, a origem de uma fonte em Lerna,causada pelo cravar do tridente do deus numa rocha. Na fbula118, Higino apenas acrescenta um pormenor: Ammone estariaa caar quando, por acidente, atingiu o stiro que, em resposta,quis depois viol-la. Clara a relao com as setas de Cupido,que ferem de uma paixo incontrolvel quem por elas atingido,o que pode denunciar o sabor mais tardio desta verso.

    No possvel saber com segurana qual dos dois textosdo autor latino constitui o resumo do drama satrico esquiliano17nem quais as reais origens deste episdio.18Tampouco os dadosiconogrcos nos auxiliam, pois que sobre esta lenda nada deexplcito nos parece ter chegado. De qualquer modo, ambas asverses permitem uma relao fcil com a trilogia das Danaidesque teria sido apresentada a concurso imediatamente antes. Em

    dessas jovens a ninfas de gua que viriam a receber culto ocial.16Isso testemunham, por exemplo, Pausnias (2.13.6) e Digenes

    Larcio (2.17.10).17As opinies a este assunto so, de facto, diversas. Para o seu

    elenco, vide A. P. Quintela Sottomayor 1968: 37-38.18 Kurt von Fritz, Antike und moderne Tragdie (Berlin, 1962) 192

    admite mesmo que tenha sido squilo o criador deste episdio mtico.

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    primeiro lugar, estamos no seio da mesma famlia. Depois, e nomenos importante, muda o registo dramtico mas continua a sercentral o tema da virgindade e da fuga unio com o elemento

    masculino, chaves de leitura preciosas para o entendimento dodrama das Danaides.

    Culpa e castigo: o drama das DanaidesUm leitor mais leigo, a quem comovem de imediato os

    dramas de Electra, Antgona ou mesmo Medeia, tem grandesdiculdades, se quisermos ser simplistas e colocar desse modoo problema, em compreender qual , anal, o drama destasmulheres. A resposta poderia estar num feminismo muitocontemporneo, algo que, por certo, no seria a respostaesquiliana ao problema.

    Qual, anal, o drama destas mulheres, que fogem deum casamento nobre, quando tantas heronas trgicas antigaslamentavam, precisamente, a impossibilidade de casar a quehaviam sido votadas19? Pode a chave de interpretao destedrama, semelhana das restantes tragdias de squilo, residirna dialtica culpa/ castigo? Julgamos, semelhana de tantosoutros, que sim. No entanto, falta-nos algo to importante comosejam duas tragdias completas, para compreender este ciclo decrime e castigo. De outro modo, compreender a mensagem deSuplicantes agura-se tarefa complicada se pensarmos, desdelogo, como seria entender o drama de Orestes se, para tal, apenasconservssemos Agammnon, a primeira pea da nica trilogiaque nos chegou completa, a Oresteia.

    M. Orselli (1990: 15-30) assenta a sua anlise da trilogia,e de Suplicantesem especial, nos trs nveis mitolgicos de queacima falvamos. Ao nvel do paradigma mtico mais remoto, Iocometeu hybrisao unir-se no leito a Zeus (ainda que contra a suavontade), uma culpa que tem, assim mesmo, de ser expiada querpela sua deambulao pelo mundo, quer pelo nascimento depafo, momento de puricao. De facto ele , na etimologia do

    19 O caso mais evidente o da Electra euripidiana, dada emcasamento pela me a um campons.

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    seu nome, o toque, prova de que s a mo divina pode pr ma uma expiao, a um ciclo vicioso e de outro modo interminvelde culpa/castigo.20 No segundo nvel, o da ao trgica de

    Suplicantes, as cinquenta lhas de Dnao tm igualmente umaculpa inicial, a averso ao elemento masculino, que ofende asleis csmicas de Eros, seja ela universal ou contra estes homensem especco (disso falaremos adiante). A expiao desta falta,como a da sua antepassada, de igual modo feita pela fuga epelo exlio.

    E talvez essa a questo central e mais debatida deSuplicantes: anal, qual a razo da fuga das Danaides?21Responder a esta pergunta garante-nos, de algum modo, achave para o entendimento do drama. que, partida, nada deproibitivo haveria no casamento entre primos, pelo menos noao nvel trgico. Casos mitolgicos sobejamente conhecidos, deque so exemplo Orestes e Hermone, provam isso mesmo.22Aresposta a esta questo tem necessariamente de levar em contao sintagma autogenei phyxanoria (v. 8) e a traduo a dar-lhe.Tratar-se- de uma averso natural raa masculina, em geral,ou apenas no que diz respeito ao grupo dos cinquenta primos?De outro modo, far sentido colocar a questo em termos deendogamiae exogamia, ou seja, em termos legais?23

    um facto que Pelasgo, confrontado com o pedido de asilodas suplicantes e temendo uma nova e terrvel guerra que h deabater-se sobre o seu povo, caso o conceda, lhes pergunta se notm os seus primos, enquanto parentes mais prximos, o direitode as pretenderem para esposas (vv. 387-391). De facto, sabe-

    20H. Bacon 1961: 34 considera que foi squilo o introdutor na lendado motivo do nascimento de pafo pelo toque de Zeus. J Herdoto (3.28) atesta a verso de ter sido um relmpago que, ao atingir a novilha,gerou pafo.

    21 Muito se escreveu sobre este assunto. Remetemos, pelo seuinteresse e pertinncia, para os estudos de F. Ferrari 1974: 375-385, G.Cuniberti 2001: 140-156, J. MacKinnon 1978: 74-82 e M. Orselli 1990: 15-30.

    22Sobre esta questo, vide W. E. Thompson 1967: 273-282.23 isso que defendeu G. D. Thompson, Aeschylus and Athens

    (London, 1941) 293-309.

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    se que, segundo as leis de Atenas (Slon, fr. 48b R = Demosth.46.18)24, um pai tinha o direito de dar a sua lha em casamento aquem bem entendesse, sendo mesmo comum que tal disposio

    casse expressa em testamento; no obstante, a mesma lei previaque, na ausncia da gura paterna, fosse o familiar masculinomais direto o responsvel pela deciso de casamento, pelo que,morto Dnao, os lhos de Egito teriam de facto, segundo o cdigode leis ateniense, autoridade para tomarem as primas comoesposas, alm de que essa seria a forma legal de as herdeirasconservarem a herana paterna. Seria ento fcil perceber quetambm Dnao recusasse esta unio, pois que o que estava sobameaa era, anal, a sua prpria vida, tomados os sobrinhos poruma vontade incontrolvel de deitar as mos ao seu patrimnio.No nos parecendo ser esta a explicao mais adequada paraa problemtica acima enunciada, no deixa de ser curiosoconstatar como Pelasgo, diante de um grupo de estrangeiros, osquestiona sobre questes legais, partida, segundo o paradigmagrego, para s depois procurar saber se, tambm no Egito,haveria alguma lei que autorizasse os cinquenta vares a decidirdo futuro das suas primas. Tambm ao nvel legal, portanto,estamos perante uma recategorizao do elemento brbaro.

    Discutvel nos parece tambm essa outra teoria que entendeque o coro odeia por natureza todo o elemento masculino. Osautores que a defendem apoiam-se, no totalmente sem razo,nas constantes invocaes a rtemis, a deusa da caa e davirgindade, ou mesmo na comparao que Pelasgo estabeleceentre as Danaides e as Amazonas (v. 287). No entanto, esta ltimamais no reete, segundo acreditamos, do que o estranhamentoque o confronto com algum sicamente diferente causa norei de Argos e, quanto s invocaes da deusa, elas podem serfruto da tenso do momento. Queremos com isto armar que,em desespero, as mulheres deste coro invocam no a deusaque obsessivamente veneram (como o caso, por exemplo,de Hiplito, na tragdia de Eurpides que recebe o seu nome),

    24 A lei soloniana a que aludimos tratada em detalhe por D. F.Leo, Slon. tica e poltica (Lisboa, 2000) 365-367.

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    antes aquela cuja virgindade mais se adequa com o estadofsico e moral que, in extremis, querem conservar. Ou seja, arecusa destes esposos que, no limite, as leva a recusar todos

    os esposos. O pathos ser ento o verdadeiro responsvel pelageneralizao da averso ao elemento masculino, como vemos,por exemplo, nos versos 141-143. Indo mais longe, se verdadeque rtemis tradicionalmente associada virgindade, ela tambm, na religio grega, a deusa tutelar da transio femininada juventude para a idade adulta, por via do casamento. Comodeusa das feras, sua a funo de sobre elas impor o jugo, e podeessa atribuio estar em causa na tragdia em apreo25. Dito deoutro modo, as Danaides so a mais recente imagem da novilhadesvairada que era Io, a necessitar de freio e do toque divinopara a redeno.

    No deixa contudo de ser pertinente referir como o mitodas Danaides, nas suas origens, parecia revestir-se de umacentuado carter amaznico. Nos cerca de 6000 versos queconstituiriam o poema pico perdido Danaida, texto datado dosculo VI a.C. que squilo poderia conhecer, desenvolvia-se todoo mito, nas suas sucessivas geraes. O fragmento 1, uma curtacitao transmitida por Clemente de Alexandria, apresenta-nos as lhas de Dnao a armar-se para a batalha, nas margensdo Nilo, o que nos pode levar a supor que, na verso do mitoa que o texto se reporta, haveria lugar a um combate entre ascinquenta virgens e os primos, em igual nmero. J na segundametade do sculo V a.C. num texto, portanto, contemporneoda tragdia que estamos a comentar , o fragmento 757 PMGatribudo a Melanipes volta a aludir s caractersticas masculinasdas Danaides, desta vez dedicadas caa, o que facilmente asassocia s Amazonas. E mesmo Eurpides, j no sculo IV a.C.(Hcuba, 886), alude pela boca da matriarca troiana s lhas deDnao, comparando-as s mulheres de Lemnos, com o seu gnio

    25 J. Larson 2007: 106-107 reala como este tipo de cultosmatrimoniais, associados a rtemis, proliferavam um pouco por toda aGrcia, denotando uma dupla funo religiosa e social (cvica), na medidaem que tambm se relacionavam com a continuidade e prosperidade dacomunidade.

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    guerreiro.26Estas coordenadas do mito parecem no entanto serrelegadas para segundo ou terceiro plano por squilo, maisinteressado em evidenciar a feminilidade e sensibilidade destas

    mulheres.Parece-nos pois prefervel entender que estas virgens fogem

    da violncia (hybris) dos primos que as querem transformar noem esposas, mas em escravas. Disso os acusam em variadssimosmomentos da tragdia (e.g. vv. 30, 81, 104, 426, 487, 528, 817, 845,880 sqq.), acusaes que tero uma concretizao cnica clarano episdio em que assistimos ao desmedida do Arautoegpcio que, em dilogo com o rei Pelasgo, arma que pretendearrastar pelos cabelos as donzelas que se recusarem a segui-lo. Tambm o rico smile das pombas perseguidas pelo falcode semelhante plumagem (vv. 226 sqq.) reala a insolnciaquase animalesca dos lhos de Egito, que perseguem aquelasque desejam para esposas como se de uma caada o amor e ocasamento se tratassem. A culpa destes vares reside pois nanegao da liberdade das mulheres (e mesmo do pai destas) aopretenderem impor-lhes as npcias pela fora. Por isso tero desofrer, segundo a lei trgica de que um crime ou uma falta, contraos deuses ou contra os homens, exige expiao.

    Mas tampouco as lhas de Dnao cam ausentes de culpa.No importa qual a verdadeira razo do seu dio ao casamentoe ao elemento masculino, a sua conduta ofende as leis csmicasde Eros e Afrodite, pois renegam a necessidade de casar e, maisimportante, de procriar. Tambm esse, no fundo, um crime quedeve ser pago, o que, no caso destas jovens, acontecer com aprpria concretizao do casamento, em segundas bodas, ou, natradio posterior do mito, na pena sem m que tero de passarno Hades, j mortas, imagem possvel do ventre feminino que,contra as leis da natureza, recusou ser fecundado e albergar novavida. Do primeiro castigo (ou antes, desfecho inevitvel), ao queparece, adverte-as j o segundo coro que, independentemente

    26Estes e outros dados literrios referentes ao mito so analisadospor J. M. Lucas de Dios 1991: 4-7.

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    das dvidas quanto sua constituio27, parece ganhar vozno xodo da pea. Esta cano nal, antecedida de resto pelodiscurso de Dnao sobre os poderes de Eros e Afrodite (vv. 996-

    1005), funciona como um aviso para o castigo que a sua culpah de atrair. As mesmas mulheres que, de forma tragicamentesimblica, recusam as fecundas guas do Nilo (vv. 854-857)28,pedem agora, chegadas a uma nova terra, que seja fecunda acidade que amavelmente as acolhe (vv. 688-697); mas parecemesquecer-se de que ser frteis tambm a sua misso csmica.Parecem ter esquecido que essa mesma fertilidade, auxiliadapelo erotismo inerente sua condio de juventude e para esseperigo advertira Dnao, num passo de extrema beleza potica(vv. 996-1005) sairia mais promovida ainda pela fertilidade do

    27Todos os crticos concordam que, a partir do verso 1034, a peape em cena dois coros, defensor cada um deles, em alternncia, deduas posies contrrias. Houve j quem defendesse que este segundo

    coro fosse constitudo (1) por uma metade do coro inicial, que a partirde dada altura se dividiria, (2) pelos lhos de Egito, (3) pelos soldadosque entretanto teriam entrado em cena ou, na hiptese que perlhamos,(4) pelas criadas das lhas de Dnao (elas que, de resto, tinham j sidoreferidas nos versos 977-979). D. A. Hester (1987) 9-18, baseando-se nofacto de todos os verbos, nos versos atribudos a este segundo coro,estarem no singular, defendeu a possibilidade de apenas Hipermnestradefender as virtudes do casamento, fazendo deste modo o elo para

    a tragdia seguinte, que perdemos quase na totalidade. Sendo que oprprio autor reconhece que o seu argumento, puramente lingustico,no cabal, parece-nos de igual modo forado ver j neste ponto umto importante papel concedido a Hipermnestra a nica das Danaides,relembremos, que se recusaria a assassinar o esposo, por desejar ter lhos, e preferimos fazer da ltima ode coral uma leitura agonstica, de restocomum na tragdia grega. Discutimos a formao deste coro adiante, emnota traduo.

    28H. Bacon 1961: 54-55 reparou nos paralelos entre as refernciascorais de Suplicantesao Nilo e os hinos egpcios de louvor a Hapy, deusdesse rio. A outro nvel, Plnio-o-Velho (NH 36. 58) alude a uma esttuaegpcia na qual dezasseis crianas circundam o deus, representandoos 16 cbitos de altura (aproximadamente 7,20 m) que, anualmente, orio transbordava, assim garantindo a fertilidade do pas. Uma srie degrupos escultricos do perodo alexandrino, dos quais se encontrou umexemplar em Roma, nos incios do sc. XVI, t-la-iam imitado.

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    espao que, atendido o seu pedido, seria da em diante o seu.Naquela que seria a ltima tragdia da trilogia, Danaides,

    seriam as lhas de Dnao, uma vez mais, as integrantes do

    coro, e a teria lugar a expiao da sua feminilidade assassina,implicitamente concretizada na transio do segundo para oterceiro drama da trilogia. Mas no preciso sair de Suplicantese entrar no plano das conjeturas para ver como, desde cedo, aantinomia formulada na ode de abertura (que associa a hybrisaomacho e a justia e ponderao fmea) comprometida. No prprio de gente sensata, de facto, a brbara ameaa que ocorifeu faz a Pelasgo (vv. 459-465) de que este coro h de mancharcom o sangue do seu pescoo suspenso os altares dos deusesonde se encontram. Uma mancha que, desde o incio, garantiramno ter sido o motivo da sua fuga apressada (vv. 6-7) e que, emdesespero, acaba por vir tona e por servir de vil chantagem.

    Na oposio entre sexos de que vive, programaticamentepelo menos, a trilogia como vimos um tema caro ao mito emcausa, desde a sua origem , todas as certezas so problematizadase tanto homens como mulheres cometem faltas que no podemdeixar de sofrer expiao. Assim o dita a lei dos deuses (que tambm lei dramtica) to cara tragediograa esquiliana.

    Gregos e brbaros: a construo da (in)diferenaDnao e as suas cinquenta lhas no so, assumidamente,

    gregos. O prprio coro reconhece, por inmeras vezes, asua diferena, uma diferena que desde logo lingustica,porquanto, dizem, a sua linguagem tem um acento brbaro (v.119). No entanto, em termos dramticos, a opo esquiliana foia de dotar tanto Dnao como as Danaides da capacidade de seexprimirem num grego quase perfeito,29remetendo a marca dadiferena lingustica para o Arauto egpcio e os lhos de Egitoque entram em cena na parte nal da tragdia. O discurso destes,de facto, denota a utilizao de termos egpcios e de uma srie

    29Dizemos quase perfeitoporque, entre outros, H. Bacon 1961: 20identicou um conjunto de palavras que poderiam soar estranhas aosouvidos de um grego.

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    de repeties cacofnicas que, em palco, os aproximariam, aosouvidos dos espectadores, da barbrie.

    Mas essencialmente quanto ao aspeto fsico e

    indumentria que a sua diferena mais evidente para o gregoque as recebe e analisa, Pelasgo, da mesma maneira que o seriapara o pblico. Da sua pele dizem que queimada pelo sol doNilo30(vv. 70, 154-155) e, mais adiante, o prprio Dnao confessaa estranheza que pode causar a sua aparncia e a das suas lhas,pois no alimenta o Nilo uma raa semelhante de naco(vv. 496-498). Mas sobretudo a primeira reao de Pelasgo apresentao que de si mesmo fez o coro que melhor revela oestranhamento causado pelo confronto de raas (vv. 279-288).Perante o exotismo fsico das mulheres que tem diante de si, orei de Argos mais no pode do que tentar identic-las com asoutras raas que, embora diferentes, conhece, ou das quais ouviu

    j falar: por isso arma que as identicaria com mulheres daLbia, da Cpria ou mesmo com as Amazonas.31A representaodo outro feita, portanto, de acordo com os paradigmas que oocidental que o representa conhece e, de algum modo, domina.Como elas, tambm os lhos de Egito, seus primos, porque damesma raa e habitantes na mesma terra, recebem caracterizao

    30No necessrio entender estas referncias cor da pele como

    indicativas de que a raa egpcia fosse, ao tempo, considerada negra. H.Bacon 1961: 26, por exemplo, distingue os Egpcios, que, pelo contactocom outros povos, seriam apenas escuros, dos Etopes, esses simconsiderados realmente negros (e.g. squilo, Prometeu Agrilhoado, 808).

    31Esta comparao das Danaides s Amazonas, quando Pelasgono conhece ainda o motivo da splica que lhe ser dirigida, podefuncionar como uma antecipao dramtica do destino desta gerao.Como as Amazonas, tambm elas vo considerar intil o casamento e ointercurso sexual com o elemento masculino. Mais, o carter selvagem,o desprezo pela lei da cidade (masculina) e a associao ao Oriente quecaracteriza as Amazonas na literatura grega podem, de facto, apontaressas mesmas caractersticas, ainda que subrepticiamente, s cinquentalhas de Dnao. Este dado foi apontado como prova por quantosdefenderam a teoria de que este coro por natureza avesso ao gneromasculino e no, como defendemos, na esteira de outros, apenas aocasamento violento com os seus primos.

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    fsica semelhante (vv. 530, 719-720, 745). E tambm no que tocaao trajo h diferenas evidentes: os Egpcios vestem-se de branco(vv. 720) e as Danaides envergam faustosos vestidos de linho,

    cobertas as suas cabeas por um vu de Sdon (vv. 119-120).Ao longo de todo o drama vamos tomando contacto com

    o elevado grau de conhecimento de squilo em relao terrae aos costumes do Egito. Lemos a aluso ao hbito egpcio de

    beber cerveja (v. 953), e uma srie de metforas pretende realara superioridade grega perante o povo egpcio: enquanto aquelesso comparados aos lobos, estes assemelham-se a ces, comoa espiga leva a melhor sobre o fruto do papiro (vv. 760-761),smbolos do sustento de ambos os povos.

    Mas o dramaturgo vai mais longe. J H. Bacon 1961: 40reparou nas proximidades entre as referncias ao Nilo presentesna pea e os hinos egpcios dedicados a esse rio. No entanto, emtermos morais (tambm religiosos) e polticos que squilo trataa diferena entre Ocidente e Oriente, resultando esse esforo,no nal, mais na constatao da igualdade que caracteriza essespovos. Que as Danaides so, em termos prticos, to estrangeirasquanto os seus primos um facto que no pode negar-se. Aidentidade coletiva imediata de ambos a mesma, a culturaegpcia, sendo que as primeiras vo deliberadamente neg-laem prol de uma ascendncia muito remota, que grega, e queapenas num passado mitolgico distante encontra alguma rstiade fundamento. Essa negao abrange os costumes e a prpriareligio. Em detrimento dos deuses das terras do Nilo, a queo Arauto egpcio, no nal, se mantm el (v. 922), as Danaidesprestam culto ao altar comum de divindades gregas, na praiade Argos, demonstrando um forte conhecimento dos atributos ecompetncias de cada deus. A isso as aconselhara Dnao, seu paie mentor. Com isto, pretendem uma aproximao mais evidentedo povo a quem suplicam auxlio, de forma a tornar mais difcila recusa da parte do antrio que as recebe.

    no entanto em termos morais que, elas prprias, procuramdemonstrar perante Pelasgo em que medida so diferentes dosprimos. A cultura egpcia que agora recusam, encarnada noscinquenta primos que as perseguem, recebe da boca deste coro

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    constante acusaes de insolncia (hybris) e impiedade (asebeia).Pela sua parte, buscam as Danaides comportar-se, tradicionalmaneira helnica, em plena observncia dos preceitos da

    moderao e da piedade para com os deuses. Era esta, em traosglobais, a forma tradicional de distinguir gregos e brbaros, notempo em que o total desconhecimento do Outro forjava retratosselvagens de quem no era grego, de quem no falava ou no secomportava moralmente como um habitante da Hlade. Contraesta teoria, vimos j como, em diversas ocasies, a atitude docoro resvala para a hybrise para o excesso, em especial quandoameaam Pelasgo de manchar de sangue o recinto religioso ondese encontram. Igualmente insolentee desmedida a sua posturaface ao casamento e unio entre os sexos que, pese embora aviolncia dos vares que as pretendem, no deixa de atentarcontra as leis csmicas.

    Ainda no que toca aos costumes, a splica,32algo sagradopara os Helenos, a forma eleita por estas mulheres para seaproximarem dos Argivos e, com isso, conseguirem o quepretendem. A pea abre com a invocao a Zeus, protetor dossuplicantes (v. 1), e constitui talvez um dos melhores testemunhosde que dispomos para a compreenso dos rituais de splica. Dnao quem instrui as lhas estrangeiras que chegam,fugitivas, a um lugar sagrado sobre qual deve ser a sua postura,enquanto suplicantes, perante as gentes da terra a que aportaram(vv. 191-203), dando conta do pormenor dos ramos entrelaadosde l, que devem mesmo ser segurados na mo esquerda.33E Pelasgo, o rei que as recebe, quem, ao notar isso mesmo, refereclaramente que apenas nisso as mulheres que tem diante de si

    32 Suplicantes talvez a tragdia conservada que mais dados fornece aoestudioso sobre os traos formais da splica dramtica, insistindo em pormenores

    como a presena de um altar (no caso concreto mltiplos altares), nas posies aadotar pelo coro, na descrio dos ramos de suplicantes ou, mesmo, no tom de vozque convm a um suplicante. Sobre este assunto, vd., em especial, J. Gould 1973:74-103, R. Rhem 1988: 263-307 e M. F. Sousa e Silva 2005: 18-28.

    33Estas informaes esto ausentes, por exemplo, das Suplicantesde Eurpides, tragdia do ltimo quartel do sculo V a.C. Sobre osimbolismo possvel desses ramos, na tragdia em apreo, vd. infra, n.7 traduo.

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    se assemelham a gente da Hlade (vv. 241-245, 333-334). Sabemas Danaides de como no pode um grego recusar a splica dequem se lhe dirige, se formalmente encetada, e com essa certeza

    esperam conseguir o favor de Pelasgo, que se torna talvez anica personagem de Suplicantes a lidar com um verdadeirodilema trgico, por ele prprio formulado (vv. 438-442).34 Mastodo o ritual de splica vai ser como que pervertido, aquandoda primeira recusa categrica do rei, momento que motiva assuplicantes a amea-lo, da forma que j referimos.35

    Finalmente, a anlise do confronto grego/ brbaro emSuplicantes tem ainda de levar em conta um outro nvel, o dalei. Se pensarmos em lei divina, vimos j como essa mximade Zeus, protetor dos suplicantes, que sustenta todo o drama.No entanto, no que lei dos homens diz respeito, a questomerece um desenvolvimento mais demorado. Colocando delado os complicados condicionalismos polticos da produoda tetralogia, haja ou no referncias claras a um clima dealiana entre Atenas e Argos, estivesse ou no a ltima polis jdemocraticamente consolidada, parece claro que Pelasgo, e opovo que dele recebe o nome, funcionam em termos dramticoscomo modelos de uma sociedade democrtica onde a opinio docoletivo deve sobrepor-se do monarca em especco. dissoexemplo inequvoco a descrio que, da assembleia popular, fazo prprio Dnao, quando revela s lhas o que nesta se decidiu(vv. 605-624). Um modelo que busca, no anacronismo que odrama permite, ser um retrato da Atenas contempornea dodramaturgo.

    O dilema deste rei no meramente moral e interior. Aameaa de uma mancha de sangue duradoira feita pelo coro nose traduzir apenas em consequncias individuais. Como eleprprio assume, em toda a sua clarividncia, toda a cidade carmanchada e pagar, com o tempo, o preo desse facto (vv. 366-367). Como tal, categrico quando arma que tem de consultar

    34 Sobre Pelasgo, o seu dilema trgico a a sua funcionalidadedramtica vide sobretudo os artigos de P. Burian e N. C. Durham 1974:5-14 e F. Ferrari 1974: 375-385.

    35Vide C. Turner 2001: 27-50.

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    o povo antes de tomar qualquer deciso. Perante uma situaolimite, quando est em causa ofender os preceitos divinos ou,respeitando-os, provocar uma nova e sangrenta guerra entre os

    homens, Pelasgo transforma-se naquilo que P. Burian e N. C.Durham 1974: 5-14 oportunamente designaram de monarcaconstitucional, salvaguardados todos os anacronismosde tal nomenclatura. Com essa postura, no entanto, volve-se o representante da mensagem poltica de squilo, ondedemocracia e tirania se opem de forma agrante.36Defensorasda ltima, porquanto um tal regime lhes seria, no momento,favorvel, so as Danaides. Ao proclamarem, de forma lapidar,que Pelasgo e apenas ele o povo (v. 370), e que ele sozinhodeve ter poder de deciso, pretendem evitar uma recusa deauxlio futura, uma vez consultada a assembleia dos Argivos.Com semelhantes armaes polticas, ao insistirem em ver emPelasgo o paradigma oriental do monarca absoluto, as mulheresdeste coro, mesmo sem o saberem, esto a armar a sua natureza

    brbara perante os espectadores gregos, naquilo que pode apenasser um dos muitos pressgios das consequncias perniciosas, nosdramas perdidos, da sua tambm evidente insolncia.

    Dnao, volvido por momentos em mensageiro trgico,quem vem contar s lhas o resultado dessa assembleia,passada fora do campo de viso do espectador. Z. Petre (1986)25-32 analisou a fundo o vocabulrio jurdico de Suplicantes, emespecial da referida cena em que Dnao conta s lhas o sucedidona assembleia que deliberou dar-lhes asilo (vv. 600 sqq.). Aspetoscomo o elogio da liberdade de expresso ou o valor da palavrapersuasiva, numa reunio coletiva com esta importncia,passando mesmo pelo pormenor do ar que cou cheio pelos

    braos levantados dos votos favorveis, levaram o autor a concluir,com razo, como em termos polticos a tragdia que estamos acomentar se aproxima da ideologia de Eumnides, pela defesa de

    36 Semelhante confronto de ideologias polticas vamos encontrarnas Suplicantes de Eurpides (vv. 399-462), quando Teseu e um arautotebano discutem qual a melhor forma de governo. O que est em causa,nesta tragdia, entregar ou no os cadveres dos sete heris quelutaram contra Tebas.

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    uma soberaniapopular assente nas leis divinas da Justia (Dike).De igual modo, os passos onde mais diretamente parecem ecoarcenrios e momentos comuns da Atenas democrtica do sculo

    V a.C. (para cujo conhecimento tambm a comdia nos fornecedados preciosos), embora extemporneos ao mitolgica,podem funcionar como encmio de uma democracia orescentee, ao mesmo tempo, esto perfeitamente enquadrados no contextodramtico vivido, cujo centro gravitacional o dilema trgico dePelasgo. Dito de outro modo, o recurso consulta popular notem forosamente de ser lido como um simples anacronismopoltico, antes como resultado da situao extrema que vivem aspersonagens, e Pelasgo em especial. Bem assim, sabemos o quodecisiva para a moral esquiliana a problemtica da liberdadee da responsabilidade no agir. Admitida pelo prprio rei a suaamechania, a sua total incapacidade de deciso, de que resulta o

    phobos (v. 379), a necessidade de uma ideia salvadora quemotiva, agora em termos estritamente dramticos, o recurso aoparecer da assembleia (vv. 407-417). Entre o medo de uma guerrade homens e da clera de Zeus, vence, num primeiro instante, esteltimo fator. Mas no encontra ainda soluo denitiva o dilemado rei. Ele h de pagar as consequncias da sua cumplicidadecom a hybrisdas Danaides. A anuncia popular, de algum modo,permitiu-lhe apenas resolver o impasse, tornando coletiva umadeciso que, precisamente pelo medo que acima de tudohumano, e como tal tambm apangio dos reis se tornou menospesada.

    Uma ltima palavra merece o tema do asilo suplicado pelocoro, o objetivo para que concorrem todas as suas palavras eatitudes, mesmo as menos moderadas. G. W. Bakewell 1997: 209-228 faz da metoikia37o vetor central da sua anlise de Suplicantes,recordando no entanto como a splica, por si s, garantiria j umacolhimento temporrio no territrio antrio. Mas este coro e oseu pai pretendem algo mais concreto e seguro. Tambm neste

    37 Aristteles, Poltica 1275b 36-37, considera a metoikia umamedida das reformas de Clstenes (c. 508/507 a.C.). Sobre esta questo,bem como sobre os direitos e deveres legalmente estabelecidos por esseprocesso e a sua utilizao em Atenas, vide D. F. Leo 2005: 63-66.

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    aspeto, podemos diz-lo, conhecem perfeitamente as implicaesdo que vm suplicar. Que se trata de um pedido especco demetoikia, um privilgio legal concedido por Atenas a estrangeiros,

    prova-o a ocorrncia do verbo metoikeinnum discurso de Dnao(vv. 609-614), quando informa as lhas da deciso dos Argivos,reunidos em assembleia, e do prprio substantivo metoikos, pela

    boca da mesma personagem (v. 994). As suas lhas no poderoser feitas escravas ou refns e caro legalmente ao abrigo de umalei que prev a inviolabilidade da pessoa humana. O cuidado comque Pelasgo descreve as possibilidades de habitao oferecidass Danaides tambm signicativo, porquanto em Atenas eravedado aos metecos possuir propriedade. Dnao e o coro tornar-se-o, de algum modo, locatrios permanentes, sem obrigao derenda (vv. 1011). Aos Argivos ao rei, em primeiro lugar, e a todoo povo ca reservado o papel de protastes (vv. 963-965), umaespcie de procurador encarregue da integrao do estrangeiroa quem foi concedido esse direito. Todo este processo, na suaorigem, revela intenes de assimilao (mais do que integrao)do Outro pela oferta de direitos e deveres que so, em exclusivo,de forja helnica. De algum modo, procura-se pela assimilaoneutralizar quem, sem mais, poderia constituir uma ameaa.

    Em termos de funcionalidade dramtica, este recursolegal encontra fundamento num pedido de asilo baseado naascendncia mtica do coro. De facto, claro o paralelo com ahistria de Io: as Danaides fazem o percurso inverso ao da suame antiga, do Egito para a Grcia. Mais do que um regresso ptria lendria que dizem ser a sua, o pedido de acolhimento emsolo grego tem a alicer-lo uma inteno encomiasta do regimedemocrtico.

    So sempre duas culturas moral, religiosa e culturalmenteentendidas que se encontram. Desse encontro nasce oestranhamento, a incio, mas logo se parte para a identicao,para a representao condicionada do outro segundo paradigmasque so gregos. Todo esse processo ca facilitado quando, como o caso, o estrangeiro quem recusa a sua condio e pretende,porque nisso v a sua salvao, ser aceite e transformado porquem o recebe.

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    Nota sobre a edio crtica e a traduoPara a presente traduo de Suplicantes, adotmos como

    base a mais recente edio crtica de M. L. West 1990, em

    diversos pontos divergente da clssica edio de D. L. Page1989, sobretudo no que diz respeito parte nal da tragdia e identicao dos dois semicoros que a entram em cena.

    Entre parnteses retos identicamos os passos dbios,esprios ou reconstitudos pelo editor, bem assim a identicaono completamente inequvoca das personagens, opo

    justicada pela natureza fragmentria de uma parte considervelda tragdia.

    Edies, tradues, escliose comentriosFRIIS JOHANSEN, H., WHITTLE, E. W. (1980), Aeschylus. The

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    PERSONAGENSCoro (das Danaides)Dnao

    Pelasgo[Egpcios]

    [Arauto Egpcio][Coro de criadas]

    PRODO

    A cena representa a praia da cidade de Argos, onde so visveisesttuas de vrios deuses. O coro entra para a orquestra, seguido pelas

    criadas e por Dnao.

    CoroQue Zeus Suplicante1 lance com benevolncia a sua

    mirada sobre o nosso bando martimo, que um dia partiu dasdesembocaduras de na areia do Nilo. Deixando para trs aterra de Zeus, [5] vizinha da Sria2, estamos em fuga; no que,

    desterradas por voto popular, paga de um crime de sangue3,tenhamos deixado a cidade; antes porque, detestando os varesda nossa raa4, abominamos o casamento com os lhos de Egito[10] e o seu [pensamento] sacrlego.

    Dnao, nosso pai, o conselheiro e estratego do nossodestino, tendo disposto bem as peas no tabuleiro5, de entre todasas aies escolheu a mais enobrecedora: fugir em liberdade

    pela orla martima [15] e aportar a estas terras de Argos, deonde descende toda a nossa raa, orgulhosa de ter nascido deuma novilha perseguida pelo moscardo, graas ao toque e aosopro de Zeus6. [20] A que outro pas mais propcio poderamoster chegado, tendo nas mos estes ramos de suplicantes, galhosentrelaados de mulas de l7?

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    [ divindades ptrias de Argos] [22a], a quem pertenceesta cidade, esta terra e as suas guas cristalinas; deuses dasalturas e subterrneos, [25] que punis com severidade e ocupais

    as vossas tumbas8, e tu, Zeus Salvador em terceiro9 lugar teinvoco , tu que proteges a morada dos homens justos! Acolheicomo suplicante o nosso bando de mulheres nesta terra ondesopram ventos de piedade. [30] E ao msculo enxame10carregadode insolncia, descendente de Egito, antes que ponha o p nesteterreno pantanoso, recambiai-o na sua nau veloz para maralto. A, no meio de inspita tempestade, [35] sujeitos ao raio,ao trovo e confuso dos ventos que trazem a chuva, oxalpeream em mar tumultuoso, antes de tomarem de assalto osleitos, interditos por lei divina, das primas que os no desejam.

    Estrofe 1[40] Agora invoco o novilho de Zeus, meu defensor, que

    mora para alm do mar, o lho da minha antepassada, a novilhaque se alimentava de ores, ele que nasceu do toque [45] e dosopro de Zeus. Cumprido o tempo determinado pelo destino,com razo ela deu luz o que recebeu o nome de pafo11.

    Antstrofe 1E chamando pelo seu nome, [50] nestas paragens de ricos

    pastos da minha me ancestral, recordada das suas penas antigas,darei a conhecer as dores presentes, indcios dignos de f que aosque habitam esta terra [55] parecero inesperados. Reconhecerono entanto a histria com o tempo.

    Estrofe 2E acaso ande pelas redondezas um intrprete da lngua das

    aves deste pas, ao escutar os meus gemidos [60]julgar ouvir avoz da plangente esposa de Tereu12, digna de compaixo, ou a dorouxinol13perseguido pelo falco14,

    Antstrofe 2que, banido das suas terras e dos seus rios, chora entre

    lamentos a sua nova aparncia [65] e compe o canto de morte pelo

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    lho, contando como indignamente s suas mos ele sucumbiu,atingido por uma fria que no prpria de uma me.

    Estrofe 3Do mesmo modo eu, que me comprazo em chorar moda

    da Inia15, [70] dilacero o meu rosto terno, queimado pelo sol doNilo, e o meu corao no acostumado s lgrimas. Colho oresde grave lamento, sempre indagando se por estas bandas, naminha fuga [75] da Terra Negra16, encontrarei um amigo prontoa assistir-me.

    Antstrofe 3Mas agora, deuses meus antepassados, vs que sabeis

    discernir o que justo, escutai-me. [80] E se foroso for que aminha juventude no se realize contra o destino, posto quetendes horror a toda a espcie de insolncia, mostrai-vos aomenos justos quanto ao assunto das minhas bodas. Mesmo aosexilados, oprimidos pela guerra, se oferece um altar, [85] objetode venerao das divindades.17

    Estrofe 4Oxal triunfe o desejo de Zeus, se de Zeus realmente!

    No fcil compreend-lo. [93] Ocultos se estendem, por todaa parte, [95] os caminhos do seu esprito, sombrios, insondveis.

    Antstrofe 4[91] Cai seguro, nunca de costas, o feito que de Zeus,

    a um movimento da sua testa, tenha recebido ordem decumprimento18. [88] Brilha em toda a parte, mesmo na noiteescura, [90]juntamente com a negra Sorte, para a multido dosmortais.

    Estrofe 5[96] Das suas esperanas, elevadas como torres, derriba os

    mortais, totalmente vencidos, sem nunca usar de violncia: [100] que, para os deuses, tudo est isento de esforo. Sentado, da mesmofaz cumprir o seu pensamento, do alto do seu trono sagrado.

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    Antstrofe 5Que volva agora a sua mirada contra a insolncia, [105] e

    veja como se renova a raiz de Belo19, orescendo por causa da

    minha boda, em pensamentos delirantes e com enlouquecidopropsito, [110] como um aguilho a que se no escapa20,revolvido o pensamento pelos logros da cegueira.

    Estrofe 6Tais so as dores lamentosas que proclamo, com os meus

    cantos agudos, profundos, fonte de lgrimas ai, ai! [115]Inconfundvel por estas desgraas, viva ainda, com meusgemidos me enalteo!

    Refro 1Invoco o favor da montanha de pis21! Compreendes bem, terra,

    o meu brbaro acento22? [120] Uma e outra vez, o seu linho desfazendoem farrapos, me lano sobre este vu de Sdon23.

    Antstrofe 6Para os deuses acorrem sacrifcios em ao de graas,

    quando tudo vai bem e longe se sente a morte. [125] Ai, ai! Aia incerteza das minhas penas! Onde h de enm levar-me estamar?

    Refro 1Invoco o favor da montanha de pis! [130] Compreendes bem,

    terra, o meu brbaro acento? Uma e outra vez, o seu lindo desfazendoem farrapos, me lano sobre este vu de Sdon.

    Estrofe 7Aqui me trouxeram, no h dvida, os remos [135] e

    uma morada feita de lenho entrelaado com cordas, protetorado assalto das ondas, sem tempestades, com auxlio de ventosfavorveis. No posso queixar-me. O desfecho, com o tempo,queira o Pai que tudo v [140] estabelec-lo favorvel.

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    Refro 2A ilustre semente da minha nobre me, de leito varonil oh, oh!

    possa ela livrar-se, sem bodas nem cativeiro.

    Antstrofe 7E que, favorvel a quem implora o seu favor, [145] queira

    a casta lha de Zeus24, protetora das portas sagradas25, dirigir-me um olhar, garante da minha salvao. Que em todo o seupoder, irada por esta perseguio, virgem que , ela se torne [150]a salvadora de outra virgem.

    Refro 2A ilustre semente da minha nobre me, de leito varonil oh, oh!

    possa ela livrar-se, sem bodas nem cativeiro.

    Estrofe 8A no ser assim, ns, [155] a raa enegrecida pelos raios de

    sol26, ao subterrneo, a Zeus hospitaleiro para com os defuntos27,com estes ramos na mo nos havemos de apresentar, [160]mortas j pelo enlace de uma corda28, se no alcanarmos o favordos deuses olmpicos.

    Refro 3Ah Zeus! Ai, a clera contra Io que nos persegue, por decreto

    divino. Bem conheo a ira [165] da esposa de Zeus, o que domou os cus:de forte ventania surge a tempestade29.

    Antstrofe 8De outro modo, como poder Zeus no se ver em meio de

    vozes que proclamam a sua injustia, [170] por ter desonrado olho da Novilha30, a quem ele prprio deu vida e a cujas splicasvira agora o rosto? [175] Oxal escute claramente, das alturas, anossa prece.

    [Refro 3][Ah Zeus! Ai, a clera contra Io que nos persegue, por decreto

    divino. Bem conheo a ira da esposa de Zeus, o que domou os cus: deforte ventania surge a tempestade.]

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    PRIMEIRO EPISDIO

    Dnao (que escutara, em silncio, a cano das lhas)Filhas, necessrio ser prudente. Com ajuda de prudente

    timoneiro31, digno de conana, este vosso velho pai, aquichegastes. Mas agora que estamos em terra rme, para que nosacautelemos, incito-vos ainda a gravar nas tabuinhas do vossoesprito32as minhas palavras. [180] Vejo poeira, arauto mudo deum exrcito.

    No se calam os cubos das rodas, movendo-se no seueixo. Avisto uma multido, armada de escudos e brandindoa lana, com cavalos e cncavos carros. Talvez para junto dens se dirijam os reis desta terra, para nos examinarem, [185]alertados por um qualquer mensageiro. De qualquer modo,quer aqui chegue em paz, quer venha esta expedio armadacontra ns, tomada de clera funesta, melhor , minhas lhas,que vos senteis nesta colina consagrada aos deuses da cidade.[190] Melhor refgio do que uma fortaleza um altar, umescudo inviolvel33.

    Ide pois o quanto antes, e segurando na mo esquerda, demodo a causar pena, os vossos ramos entrelaados de brancal, insgnia do divino Zeus, dirigi aos nossos hspedes, comoconvm a estrangeiros, palavras de reverncia, de splica e delamento, [195] deixando bem claro que o vosso exlio no sedeve a qualquer crime de sangue34. Antes de mais, que nemuma rstia de audcia acompanhe a conversao, que vaidadealguma se evidencie dos vossos rostos modestos ou dos vossosolhos calmos. [200] Depois, no tomeis a palavra em primeirolugar nem vos alargueis em discursos: a gente desta zona de gnio irascvel. E recorda-te de ceder, j que s exilada eestrangeira em apuros: a lngua jactanciosa, bem verdade,no convm aos mais fracos.

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    Suplicantes

    CorifeuPai. Falas com sensatez a quem igualmente sensato.

    [205] Cuidarei de me lembrar, a toda a hora, desses teus sbios

    conselhos. E que Zeus, progenitor da nossa raa, olhe por ns.

    Dnao[210] Que olhe por ns, sim, mas com olhos de clemncia.

    [Corifeu][208] Quem me dera ter j, junto de Ti, o meu assento!

    [Dnao][207] No tardes mais! [Que a tua tcnica35leve a melhor.]

    [Corifeu][209] Zeus, compadece-te das minhas desgraas, antes que

    a morte me atinja!

    [Dnao][211] Se for esse o Seu desejo, tudo acabar em bem. Invocai

    tambm esta ave de Zeus36que aqui vedes.

    [Corifeu]Invocamos os raios salvadores de Hlios.

    [Dnao]E ao puro Apolo, tambm ele um deus desterrado do cu37.

    [Corifeu][215] Se tambm ele conhece essa sorte, h de ter compaixo

    dos mortais.

    [Dnao]Que tenha compaixo de ns e, favorvel, se perle a nosso lado.

    [Corifeu]Que outra destas divindades devo ainda invocar?

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    [Dnao]Vislumbro um tridente, clara insgnia de um deus38.

    [Corifeu]Em segurana nos guiou at aqui, em segurana h de

    receber-nos nesta terra!

    [Dnao][220] E este outro o mensageiro39, segundo os costumes

    dos Helenos.

    [Corifeu]Oxal traga a gente livre boas notcias40!

    [Dnao]Prestai homenagem ao altar comum de todas estas

    divindades e tomai assento neste recinto sagrado, qual bando depombas que teme o falco de semelhante plumagem41, estirpeimpura de inimigos que partilham o mesmo sangue. [225] Comopode ser isenta de mcula a ave que devorou outra ave? De igualmodo, como pode ser isento de mcula aquele que pretende ocasamento contra a vontade da mulher e contra a vontade deseu pai42? Nem mesmo no Hades, morto que seja, escapar acusao de impiedade, se desse modo insistir em comportar-se.[230] que, segundo dizem, quem entre os mortos julga umoutro Zeus43, que para todos os crimes d sentenas das quaisno h recurso possvel.

    Portanto, observai com ateno e respondei desta maneira,se quereis que saia vencedora a nossa causa.

    Entra o rei Pelasgo, montado num carro, fazendo-se acompanhar deuma escolta de homens armados.

    [Pelasgo]De onde chega esta multido, de aspeto to pouco grego,

    [235] faustosamente equipada com vestes e brbaras cintasno cabelo, a quem dirijo a palavra? Esta no com certeza

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    indumentria de mulheres da Arglida44nem de qualquer outrazona da Hlade. E que haveis chegado a esta terra sem arautos,sem hspedes e sem guias, [240] nada atormentadas pelo medo,

    isso o que mais me espanta. certo que vos vejo depositar ramos, maneira dos

    suplicantes, junto dos deuses da cidade: s nesse aspeto aquesto pode assemelhar-se terra da Hlade. Sobre isto, muitomais poderia eu conjeturar, se no te coubesse a ti explicar tudo,[245] posto que ests presente e s provida de lngua.

    CorifeuQuanto minha indumentria, de facto, no mentiste. Mas

    agora, suposto dirigir-me a ti como a um cidado, um guardaportador do cetro sagrado45ou o chefe da cidade?

    PelasgoQuanto a isso, podes falar e fazer-me perguntas com toda

    a segurana. [250] Sou lho de Palcton, o que um dia nasceuda Terra46, chamo-me Pelasgo e sou o rei supremo deste pas.De mim, seu soberano, recebeu com acerto o nome a raa dosPelasgos que colhe os frutos desta terra.

    O meu governo compreende todo o territrio por ondecorre o lmpido [255] Estrmon47, em direo ao sol poente.Arrecado ainda a terra dos Perrebos48, todas as regies que, paral do Pindo49, fazem fronteira com a Penia50e as montanhas deDodona51; a que o mar corrente recorta as minhas fronteiras.Sobre todos esses lugares exero o meu poder.

    [260] Quanto ao solo desta terra, recebeu em tempos onome de pia, como homenagem imortal a um heri curadordeste pas, pis, o mdico e adivinho lho de Apolo, que emtempos aqui chegou, vindo de longe, da costa de Naupacto52, elibertou o pas desses monstros homicidas que, [265] como pagade antigos crimes, a Terra gerara enfurecida colnia terrvel,verdadeiro ninho de serpentes53. Contra eles encontrou pisremdios infalveis e libertadores para terra de Argos, de modoirrepreensvel, [270] tanto que, como recompensa, ser parasempre lembrado pelas nossas preces.

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    Estando tu, por m, em posse de dados sucientes a meurespeito, podes agora vangloriar-te da tua raa e continuar a falar.Mas tem em conta que esta cidade no aprecia longos discursos.

    [Corifeu]Breve e concisa ser a minha resposta. Orgulhamo-nos de

    ser de raa argiva, [275] descendentes de uma novilha de nobreascendncia. E verdade tudo isto, como te demonstrarei nodecurso da conversa.

    PelasgoInacreditveis, estrangeiras, so aos meus ouvidos as

    palavras que proferistes, que sois de raa argiva! Mais vospareceis com mulheres da Lbia54, [280] e de modo algum comgente desta terra; e tambm o Nilo poderia ter alimentadosemelhante criatura. De igual modo o aspeto cprio, moldadopor mo masculina em formas femininas, semelhante aovosso55. Ouvi contar que h ndias nmadas que montam, [285]com as suas selas, sobre camelos, como se fossem cavalos, eassim correm de ls a ls as zonas fronteirias aos Etopes56;se estivsseis armadas de arco, por certo vos teria confundidocom as Amazonas que no tm esposo e comem carne crua.

    [Mas] se me informares, compreenderei melhor [290] como possvel ser argiva a tua linhagem e a tua origem.

    [Corifeu]Armam que Io guardava as chaves do templo de Hera

    nesta terra de Argos57.

    [Pelasgo][293] Assim , de facto. E muito se espalhou essa histria.

    [Corifeu][295] E no dizem tambm que Zeus se uniu a essa mortal?

    [Pelasgo]E que s ocultas de Hera no caram esses abraos.

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    [Corifeu][...]

    [Pelasgo]E como teve m essa querela entre os dois soberanos?

    [Corifeu]A deusa de Argos transformou a mulher de que falamos em novilha.

    [Pelasgo][300] E, mesmo assim, no se aproximou Zeus dessa

    novilha de belos cornos?

    [Corifeu]Assim consta, vertido o prprio corpo num touro cobridor.

    [Pelasgo]E que fez a esse respeito a impetuosa esposa de Zeus?

    [Coro]Junto da novilha ps de planto um guarda que tudo v.

    [Pelasgo]A que boieiro de mltiplos olhos58, guarda de uma s

    novilha, te referes?

    [Coro][305] Argos, o lho da Terra, a quem Hermes deu morte.

    [Pelasgo]E que inventou ento ela contra essa novilha de sorte desgraada?

    [Corifeu][306a] Um moscardo [alado lhe enviou].

    [Pelasgo]Uma mosca que agita [os bois, a isso te referes]?

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    [Corifeu][308]Tavo o que lhe chamam junto ao Nilo.

    [Pelasgo][310] Em tudo o que disseste estamos de acordo.

    [Corifeu][311] At que, por m, chegou a Canobo59e a Mns60.

    [Pelasgo][309] E assim a expulsou desta terra em grande corrida?

    [Corifeu][313] E Zeus, ao toque da sua mo, engendrou-lhe um lho.

    [Pelasgo]E que novilho de Zeus se pode gabar de ser lho dessa

    novilha?

    [Corifeu][315] pafo, que com acerto recebeu o nome desses

    consentimentos.

    [Pelasgo][...]

    CorifeuLbia, que recorre a maior [parte] desta terra61.

    [Pelasgo]E que outro rebento armas que dela descende?

    [Corifeu]Belo, pai de dois lhos e pai deste meu pai.

    [Pelasgo][320] Revela-me ento o nome desse homem to sapiente.

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    [Corifeu]Dnao, o que tem um irmo, pai de cinquenta lhos.

    [Pelasgo]Diz-me tambm o nome dele, no receies as palavras!

    [Corifeu]Egito. Agora que conheces a nossa origem ancestral, talvez

    venhas a agir como quem est diante de uma frota de genteargiva.

    [Pelasgo][325] Parece-me de facto que desde tempos imemorveis

    partilhais connosco esta terra. Mas como vos atrevestes a abandonara morada de vossos pais? Que sorte se abateu sobre vs?

    [Corifeu]Senhor dos Pelasgos, so muito variadas as desgraas dos

    homens, mas em parte alguma verias semelhante plumagemde infortnio. [330] Pois quem havia de dizer que esta fugainesperada nos faria aportar em Argos, desde h muito uma raaparente, impelidas pelo horror aos leitos nupciais?

    [Pelasgo]Que dizeis ento ter vindo suplicar a esta assembleia de

    deuses, munidas de ramos entrelaados de branca l, ainda hpouco cortados?

    [Corifeu][335]Jamais vir a ser feita escrava da raa de Egito.

    [Pelasgo] questo de dio, ou referes-te a uma ao contra a lei62?

    [Corifeu]Quem, anal, censuraria o seu dono se o amasse?

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    [Pelasgo]No entanto, dessa forma que se fortalecem as linhagens

    entre os mortais.

    [Corifeu]Coisa fcil livrar-se assim dos infelizes.

    [Pelasgo][340] Como poderei eu ser piedoso para convosco?

    [Corifeu]Por muito que to peam, jamais me entregues aos

    filhos de Egito.

    [Pelasgo]De pesada sorte falas: despoletar uma nova guerra.

    [Corifeu]Mas a Justia protege os que se perlam lado a lado no

    combate.

    [Pelasgo]Sim, se desde o incio tomou parte nesses assuntos.

    [Corifeu][345] Respeita a proa da tua cidade, rodeada de grinaldas

    como a vs63.

    [Pelasgo]Sinto receio ao contemplar estes altares ensombrados.

    Pesada, sem dvida, a ira de Zeus Suplicante.

    Coro (que se perla em redor do rei, assumindo a posio de splica.)

    Estrofe 1Filho de Palcton, escuta a minha prece, com corao

    favorvel, soberano dos Pelasgos! [350] Volve o teu olhar

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    para esta fugitiva tua suplicante64, que anda perdida, qualnovilha perseguida pelo lobo entre penhascos escarpados, onde,conante na sua guarda, entre gemidos conta ao pastor as suas

    penas65.PelasgoVejo, sombra de ramos ainda agora cortados, [355][um

    jovem] grupo ante os deuses da cidade. Oxal a causa destasestrangeiras, que so tambm cidads, no acarrete consigoqualquer desgraa, e que a discrdia no caia inesperada, sem sefazer avisar, sobre a cidade. Disso no tem falta este pas.

    CoroAntstrofe 1

    Oxal Tmis Suplicante66, [360] lha de Zeus que reparteas sortes, olhe pela nossa fuga inofensiva. Quanto a ti, mesmosendo ancio, aprende com quem jovem. No experimentars[o infortnio] se respeitares um suplicante []. A vontade divina[aceita de bom grado os sacrifcios] de um homem sem mcula.

    Pelasgo[365] No estais sentadas, levai em conta, nos domnios do

    meu palcio. Assim, se em comum a cidade ca manchada, deveser o povo, em comunidade tambm, a buscar o remdio. Pelaminha parte, no me atrevo a fazer-vos qualquer promessa semantes ter consultado todos os cidados a respeito deste assunto.

    CoroEstrofe 2

    [370] s tu a cidade, tu que s o povo! Lder a nenhumpoder sujeito, s tu governas sobre este altar, corao desta terra,e com o aceno soberano da tua fronte, no teu trono de um scetro, [375] necessrio que tudo decidas. Evita apenas cometersacrilgio67.

    PelasgoQue o sacrilgio recaia sobre os meus inimigos. Quanto

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    a vs, no vos posso ajudar sem mais consequncias. Mastampouco prudente desprezar estas splicas. No encontrosoluo, o medo tomou de assalto o meu esprito: [380] medo de

    agir, de no agir e de conar na sorte.

    CoroAntstrofe 2

    Ao que l do alto nos olha, nEle pe agora o teu olhar, oguarda dos mortais que muito sofrem, dos que, postados diantedos seus semelhantes, no obtm o que seu por direito. [385] Aira de Zeus Suplicante est espreita do que no se compadecedos gritos de quem sofre.

    [Pelasgo]Se os lhos de Egito, segundo a lei da cidade68, tm direitos

    sobre ti, quando alegam ser os teus parentes mais chegados, quemh de querer fazer-lhes frente? [390] Em tua defesa deves dizerque, pelas leis do teu pas69, no tm qualquer poder sobre ti.

    CorifeuEstrofe 3

    O que quer que acontea, que jamais eu caia nas poderosasgarras desses homens. Um s caminho vislumbro, fugir sob osastros da noite a essa boda funesta. [395] Tomando como aliada a

    Justia, decide-te pelo respeito para com os deuses.

    PelasgoNo fcil tomar partido nesta questo. No me escolhas

    a mim como juiz. Como antes disse, nada farei sem primeiroconsultar o povo, apesar de ser seu soberano, [400] para que

    jamais me venham a acusar, se acontecer alguma desgraa,perdeste a cidade por atenderes a estrangeiras.

    CoroAntstrofe 3

    Parente, pelo sangue, de ambas as partes, Zeus, o que paraum e outro lado faz pender os pratos da balana, observa l do

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    alto estes acontecimentos e, na sua justia, com castigos premeiaos malvados e com recompensas os que esto conforme a lei.[405] Pesadas com equidade estas coisas, [por que te pesa] fazer

    justia?

    PelasgoNecessito de uma ideia profunda que nos salve. E que

    bem fundo desa um olhar atento, no afetado pelo vinho, talqual um mergulhador70, [410] para que, antes de mais, a nossasituao no venha a prejudicar a cidade e em bem se resolvapara ns prprios.

    Que uma guerra de represlias no nos atinja ou, casovos entreguemos, desse modo prostradas junto aos altares dosdeuses, no vamos com isso atrair o funesto Vingador, o deusque tudo destri71, [415] penoso companheiro de morada, umAlastor72que nem no Hades d repouso aos defuntos. No vosparece ento que necessrio arranjar uma ideia que nos salve?

    Coro Estrofe 4Reete pois, e s para ns, com justia, piedoso antrio.

    [420] Mas no atraioes esta exilada, que partiu de muito longe,vtima de mpios ataques.

    Antstrofe 4Nem queiras ver-me arrebatada, como prmio, destes

    altares de muitos deuses, [425] tu que detns o poder supremosobre esta terra. Reconhece a insolncia desses homens e livra-teda clera73.

    Estrofe 5E no consintas ver uma suplicante ser arrastada [430]

    destas esttuas, contra o preceito da justia, como uma gua,puxada pelas cintas e agarrada pelos peplos de muitos osentrelaados.

    Antstrofe 5Fica a saber claramente: a teus lhos e tua casa, [435] de

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    acordo com o que agora decidires, a eles caber, um dia, pagara Ares a devida recompensa. Pensa bem: o poder de Zeus

    justiceiro.

    PelasgoJ reeti quanto podia, e aqui que o navio encalha74:

    contra uns ou contra outros, foroso que empreenda umagrande guerra, [440] e j a quilha est pregada como se tivessesido arrastada por cabrestantes marinhos. No entanto, no possvel arranjar uma soluo isenta de dor.

    Quando de algumas casas desaparecem as riquezas,[445] com a graa de Zeus, protetor dos bens, [444] mais doque pela guerra, logo podem outras vir compensar a carga; e seuma lngua dispara como dardos palavras inoportunas, [448]dolorosas e que revolvem por completo o corao, [447] podeuma conversa apaziguar o resultado de outra conversa. Masem ordem que no seja derramado sangue do mesmo sangue,[450] necessrio fazer sacrifcios em abundncia e oferecermuitas vtimas a muitos deuses, remdio contra o infortnio.Pela minha parte, evito ao mximo estas contendas. Preroser um mau profeta a um profeta acertado de desgraas. Quetudo tenha, no entanto, um feliz desfecho, contrrio a este meuparecer.

    [Corifeu][455] Escuta agora a derradeira, das muitas palavras dignas

    de pena que te dirigi.

    PelasgoEscuto sim, e podes falar. Nada me escapar.

    [Corifeu]Tenho comigo cintos e faixas, com os quais prendo os peplos75.

    [Pelasgo][Costumam] esses acessrios cair bem s mulheres.

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    [Corifeu]Fica ento a saber que deles farei uma bela soluo.

    Pelasgo[460] Dirs que discurso esse que te preparas para proferir.

    CorifeuSe no fazes a este bando uma promessa de lealdade...

    [Pelasgo]Que te aproveitar esse esquema das cintas?

    Corifeu... com tabuinhas inditas h de decorar estas esttuas.

    PelasgoEnigmticas so as tuas palavras. Fala mais claramente.

    Corifeu[465] Aqui, de imediato, pender o nosso pescoo das

    esttuas dos deuses.

    PelasgoAs palavras que escuto aoitam-me o corao.

    CorifeuVejo que compreendeste. Fiz-te ver as coisas mais claramente.

    [Pelasgo][467a] [No h dvida... e] de todas as formas o caso

    difcil de levar a cabo, e sobre mim avana um rio transbordantede desgraas. [470] Em profundo plago de infortnio meencontro, difcil de cruzar, e no avisto em parte alguma umporto para as aies76. Se no cumpro a minha obrigao paraconvosco, ameaas-me com uma mancha impossvel de limpar.Ao invs, se contra os lhos de Egito, teus parentes de sangue,[475] em tua defesa zer frente, postando-me diante da muralha

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    em posio de combate, como no h de ser terrvel a perda dehomens que manchem o solo de sangue, por causa de mulheres?Contudo, imperativo prestar reverncia ira de Zeus, protetor

    dos suplicantes: esse o maior dos temores para os mortais.[480] Quanto a ti, velho pai destas mulheres virgens, [...]

    colhe agora em teus braos estes ramos e leva-os ante outrosaltares de deuses desta terra, para que todos os cidados vejamo smbolo da nossa splica e no rejeitem [485] o meu pedido.Muito gosta o povo de criticar o poder. Ao ver isto, quem sabese algum, enchendo-se de compaixo, no vai odiar a insolnciadesse bando de homens, e com isso o povo vos seja maisfavorvel. No que toca aos mais dbeis, h sempre lugar para a

    benevolncia.

    [Dnao] (que permanecera em cena durante o dilogo entrePelasgo e o coro)

    [490] Para ns, j da mxima importncia que tenhamosencontrado um antrio piedoso. Concede-nos no entantouma escolta e guias deste pas que nos ajudem a encontraresses altares, que cam de fronte dos templos dos deusesprotetores desta terra, e os assentos desses mesmos deuses,[495] e para que possamos, em segurana, atravessar a cidade: que a natureza no nos fez de aspeto semelhante ao vosso, jque o Nilo no alimenta uma raa parecida de naco77. Cuidaque a conana em demasia no venha a gerar o medo. Houve

    j quem, por ignorncia, tenha morto um amigo.

    Pelasgo (para a sua escolta pessoal)[500] Toca a andar, homens! Bem falou este estrangeiro.

    Conduzi-o pois aos altares da cidade e aos assentos dos deuses.E com quem encontrardes no caminho, no converseis emdemasia, j que conduzis um marinheiro, suplicante dos nossosdeuses. (Dnao sai)

    CorifeuA ele deste j as tuas instrues, que partisse escoltado. [505]

    Quanto a mim, que devo fazer? Que garantias tens para me dar?

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    PelasgoPara comear, deposita aqui mesmo esses ramos, insgnia

    da vossa dor.

    [Corifeu]Pois bem. Aqui os deixo, conada nas tuas palavras.

    [Pelasgo]Agora desce para a planura deste recinto sagrado.

    [Corifeu]E como h de proteger-me um recinto sagrado acessvel a todos?

    [Pelasgo][510]Jamais [te] exporia s garras das aves de rapina.

    [Corifeu]E se for algo pior ainda do que terrveis serpentes?

    [Pelasgo]Deves ser auspiciosa para quem auspicioso contigo.

    [Corifeu]No de estranhar que esteja impaciente, dado o temor do

    meu esprito.

    [Pelasgo]Coisa inslita sempre foi o temor [dos soberanos]!

    [Corifeu][515] Por isso a ti, com as tuas palavras e com os teus atos,

    que cabe refrear o meu esprito.

    [Pelasgo]Teu pai no te deixar s por muito tempo. Entretanto,

    apresso-me a convocar o povo deste pas, para vos tornarfavorvel a opinio pblica, e ensinarei a teu pai o que convm