ESTREPTOCOCCIAS
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SITUAÇÃO PROBLEMA n°9
1) ESTREPTOCOCCIAS
1.1) Piodermite
Conceito
São processos infecciosos de pele produzidos, em geral, pelos cocos piogênicos:
Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes.
Considerações Gerais
A pele normal é rica em bactérias que podem ser agrupadas em dois grupos:
Residentes: coloniza a pele e vivem como comensais, sendo de difícil remoção. É
constituída de:
Cocos Gram-positivos (Staphilo coagulase negativo, principalmente epidermidis)
Bastonetes Gram-positivos aeróbicos
Difterióides (Corynebacterium e Brevibacterium)
Bastonetes Gram-positivos anaeróbicos (Propionibacterium).
Transitórias: estas podem eventualmente colonizar a pele, podendo permanecer
nela em pequeno número, por tempo variável e são de remoção fácil.
Não se pode esquecer que os germes comensais poderão se tornar patogênicos por
fatores circunstanciais, como em imunodeprimidos.
Fisiopatologia
Na patogenia das piodermites, temos de considerar alguns fatores:
A interferência da flora residente, ou se ela dificulta a colonização de outras
bactérias.
A barreira mecânica celular, com renovação constante da epiderme.
O grau de secura da pele normal, visto que quanto maior a umidade da pele,
mais fácil a multiplicação de bactérias.
O pH alcalino facilita a multiplicação de bactérias.
A barreira química representada por ácidos graxos não-saturados, que são
produzidos pela flora residente.
Capacidade imunológica do indivíduo.
A patogenicidade e o grau de virulência do germe.
Os principais causadores de piodermites são as bactérias Streptococos e
Staphilococo.
Destes, merece destaque o Staphilococos aureus coagulase positivo. Bastante patogênico, este germe
produz várias toxinas como a alfa toxina (responsável pela formação de bolhas e posterior necrose) e a
toxina esfoliativa (importante na doença de Ritter). Um aspecto que deve ser lembrado é que estas
bactérias fazem parte da flora transitória em indivíduos sãos (um terço da população geral) tendo
como sítios reservatórios o vestíbulo nasal e região perineal. Logo o tratamento para estas doenças
abrange eliminação destes focos.
Dos Streptococos pyogenes, o mais patogênico é o beta hemolítico do grupo A. O
contágio se dá pelo contato direto. Portadores sãos com reservatório na orofaringe
ocorrem em 10% da população, menos freqüente nasal e raramente em pele. É
importante lembrar que as cepas que colonizam a pele são diferentes daquelas da
orofaringe, que provocam febre reumática ou glomerulonefrite difusa.
Quadro Clínico
As principais formas clínicas das piodermites são:
Impetigo
Síndrome da pele escaldada estafilocócica (Doença de Ritter)
Erisipela e Celulite
Foliculites, Furúnculos e Antrazes Estafilocóccicas
Ectima
1.1.1) IMPETIGO
São infecções piogênicas primárias da pele, produzidas pelos estafilococos e
estreptococos.
Os mecanismos de transmissão não estão totalmente elucidados, mas admite-se que
o estreptococo coloniza, a princípio, a pele normal e que, a partir de soluções de
continuidade, como pequenos traumas, picadas de insetos, escabiose; a bactéria
possa penetrar e produzir lesão. Somente após o aparecimento desta é que ocorreria
colonização da orofaringe, e não o inverso, como
se acreditava anteriormente.
A lesão caracteriza-se pela presença de uma
pápula que evolui rapidamente para a
vesícula, circundada por área de eritema.
Formam-se lesões exulcerocrostosas que
lembram queimaduras de cigarro. Atinge
preferencialmente face e membros
superiores.
Diagnóstico Diferencial
Particularidades clínico evolutivas são observadas segundo a etiologia do impetigo:
Estafilocócicos (impetigo bolhoso) - a bolha é persistente e a crosta é resultante da
toxina esfoliatina.
Estreptocócico - a bolha quase nunca é detectada porque involui rapidamente. Nesta
forma verifica-se a alta freqüência de nefrite aguda (foco primário é o impetigo). O
que ocorre na prática, no entanto com bastante freqüência é a superposição das duas
formas (forma mista).
No que se refere aos diagnósticos diferenciais estão o herpes simples, candidíase,
dermatofitose e miliária.
Diagnóstico (EC)
Esfregaço de pus para análise laboratorial as vezes é necessário para confirmação do
agente, todavia, geralmente o diagnóstico é feito, apenas, com a análise das lesões.
Tratamento
O tratamento se faz com antibiótico tópico, assepsia com remoção de crostas e
compressas com antissépticos. Nos casos mais extensos, antibioticoterapia sistêmica
está indicada.
Remoção e limpeza, duas a três vezes ao dia, das crostas com água e sabão, ou água
Dalibour ou permanganato de potássio 1:40.000, ou água boricada a 2%.
Em seguida, aplica-se pomada de antibióticos tipo neomicina, mupirocina,
gentamicina.
Se necessário introduzir eritromicina via oral na dose de 40mg/kg/dia dividida de seis
em seis horas; cefalexina 30 a 50mg/kg/dia dividida em quatro tomadas.
Medidas Profiláticas
Manter unhas contadas;
Higiene adequada da pele;
2) GLOMERULONEFRITE DIFUSA AGUDA
Glomérulos renais encontram-se envolvidos por um processo inflamatório agudo de
forma idiopática (doença primária) ou secundária a alguma doença sistêmica, como
infecções e colagenoses.
Criança com início em geral abrupto de oligúria e hematúria = “urina presa” e
“tonalidade avermelhada (vermelha acastanhada)”; edema por redução do débito
urinário que provoca retenção volêmica/congestão hídrica = “rosto inchado” e
“pressão alta”.
2.1) Pós-Estreptocócica
Conceito
Trata-se de uma seqüela renal tardia de uma infecção por cepas de estreptococos
beta- hemolíticos do grupo A (S. pyogenes).
Considerações Gerais
As cepas “nefritogênicas” podem estar presentes em:
Piodermite estreptocócica (impetigo crostoso ou eripsela; mais comum entre a
idade de 2-6 anos) - período de incubação (infecção-nefrite = em média 21 dias)
Faringoamigdalite (mais comum entre a idade de 6-15 anos - período de
incubação (infecção-nefrite = em média 10 dias)
Fisiopatologia
A GNPE é causada por imunocomplexos (de natureza desconhecida) circulantes
contendo IgG e C3 que se depositam no glomérulo. Assim, um antígeno
estreptocócico, com afinidades pelas estruturas glomerulares, se deposita no
glomérulo e funciona como um “antígeno” plantado, ocasionando resposta
imunológica do hospedeiro e desenvolvimento de complexos imunes in situ.
Hematúria - originada pelo comprometimento dos glomérulos. Hemácias quase
sempre deformadas, fragmentadas e hipocrômicas (dismorfismo eritrocitário) - pois
resulta da migração de hemácias através de “fendas” que surgem nas alças capilares
dos glomérulos “inflamados”.
Proteinúria - resulta da alteração da permeabilidade e rupturas mecânicas na
parede dos glomérulos comprometidos.
Oligúria - resulta do prejuízo da superfície de filtração dos glomérulos, devido,
principalmente à invasão pelas células inflamatórias e à contração do espaço
mesangial. Como os glomérulos filtram menos, sobrevêm retenção hidrossalina e, nos
casos mais graves azotemia.
Quadro Clínico
É fundamental que o diagnóstico de glomerulonefrite pós-estreptocócica seja
suspeitado em qualquer caso de hematúria, edema, oligúria, HAS, congestão
circulatória ou encefalopatia hipertensiva a esclarecer.
O quadro clássico se instala em média 1 a 3 semanas após a instalação do quadro
infeccioso.
O início, geralmente, é abrupto e pode vir acompanhado de sintomas gastrointestinais
vagos (dor abdominal, náuseas) e dor lombar bilateral por intumescimento da cápsula
renal.
Edema costuma ser precoce no quadro, sendo mais comum na face. Inicialmente é
periorbitário matutino, pela pequena resistência tecidual nessa área. Na maioria dos
pacientes é leve, mas em algumas ocasiões é tão intenso que sugere um quadro de
síndrome nefrótica. É mais acentuado pela manhã e na face e tronco, mas, conforme
a criança deambula, ele sofre influência da gravidade, migrando para os membros
inferiores; pode haver ascite e edema genital.
A HAS é mais evidente no inicio da doença, melhorando prontamente com o inicio da
diurese. É volume-dependente, podendo evoluir para encefalopatia hipertensiva.
A ↓ da filtração glomerular pode se manifestar: clinicamente por oligoanúria ou
anúria, congestão circulatória (dispnéia, tosse, estase jugular, cardiomegalia) e
laboratorialmente por aumento dos níveis séricos de uréia e creatinina.
Diagnóstico Diferencial
É preciso diferenciar as doenças glomerulares pós-infecciosas específicas (como a
GNPE) do papel inespecífico de muitos infecções (principalmente virais), que
exacerbam condições renais antigas, muitas vezes silenciosas. Tais exacerbações são
geralmente caracterizadas por um aumento transitório (ou mesmo surgimento) de
proteinúria e hematúria, no curso de uma infecção, mas sem que haja um periodo de
incubação compatível.
Outras doenças que cursam com síndrome nefrítica e hipocomplementemia:
1- Outras glomerulonefrites pós-infecciosas (ex: endocardite bacteriana subaguda)
2- Glomerulonefrite lúpica
3- Glomerolonefrite membranoproliferativa (GNMP) ou GN mesângio-capilar
A GNMP deve ser suspeitada caso haja a proteinúria na faixa nefrótica, ou caso a
hipocomplementemia persista por mais de 8 semanas (ambas indicações para biópsia
na GNDA.
Do EDEMA
Todo paciente com GNDA (síndrome nefrítica), principalmente na faixa etária de 2-15
anos deve ser investigado quanto à GNPE.
Realizar anamnese e exame físico, buscando manifestações extra-renais que possam
indicar uma etiologia específica (por exemplo: rash malar e artrite para LES). Caso
não encontre nada além da síndrome nefrítica, deve-se seguir o algoritmo para
diagnóstico da GNPE:
1) Paciente teve faringoamigdalite ou piodermite recente?
2) Período de incubação é compatível (em média 10 dias para faringoamigdalite e 21 para piodermite)?
3) Documentar a infecção estreptocócica através do laboratório.
4) Demonstrar uma queda típica de complemento (C3), com um retorno ao normal em no máximo 8
semanas, a contar do início dos primeiros sinais de nefropatia.
Diagnóstico (EC)
EAS
análise da urina quanto a: cor, aspecto, presença de elementos /// análise bioquímica: ph urinário,
densidade urinária, presença de: nitrito, glicose, proteínas /// análise microscópica: eritrócitos
(quantitativa e morfológica), leucócitos, células, cilindros, cristais)
Há hematúria micro ou macroscópica dismórfica
Presença de cilindros hemáticos e granulosos
Pode haver, eventualmente, células epiteliais, leucócitos (piúria leucocitúria) e
cilindros hialinos e cilindros leucocitários
Há proteinúria inferior a 1g/m2/24h, mas pode atingir níveis nefróticos (> 50
mg/kg/dia)
Cilindros resultam da agregação de substâncias/partículas/células a proteínas (glicoproteínas de Tamm-
Horsfall) secretadas pelas células epiteliais que compõem a parede da alça de Henle que seguem o
fluxo renal e se depositam nos túbulos contorcidos distais e nos túbulos coletores, originando uma
superfície pegajosa em seus interiores.
Assim qualquer condição que determine a presença de elementos celulares (leucócitos, hemácias, etc)
no interior do sistema tubular do néfron pode ser acompanhada da presença de cilindros no EAS.
Há 2 tipos de cilindros:
Celulares (epiteliais, hemáticos e leucocitários) - sempre patológicos;
Hemáticos - provável doença glomerular, clássicos da glomerunefrite
Leucocitários - encontrados com freqüência nas glomerulopatias; mais associados às nefrites
intersticiais
Epiteliais - lesão tubular renal associada a necrose tubular aguda e as nefropatias túbulo-intersticiais
Granulosos - lesão tubular renal ( e eventualmente glomerular) = necrose tubular aguda do tipo
pigmentar
Acelulares - podem ser encontrados em indivíduos normais
Hialinos - grande quantidade = desidratação, uso de diuréticos (furosemida), esforço físico ou febre
Céreos - disfunção renal avançada
Largos - insuficiência renal crônica
Graxos - lipidúria (síndrome nefrótica)
BIOQUÍMICA SÉRICA
Há diminuição de C3 e CH50 (em fase inicial, se normaliza 6-8 sem)
Há diminuição da creatinina e aumento da uréia (sinais de redução da filtração
glomerular)
Confirmar infecção através de um titulo elevado de anticorpos contra antígenos
estreptocócicos.
Na GNPE pós-faringoamigdalite o anticorpo mais encontrado é o ASLO ou ASO
(positivo acima de 333 U Todd), seguido pelo anti-DNAse B.
Os níveis de ASLO geralmente se elevam 2-5 semanas após a infecção estreptocócica,
decaindo ao longo de meses.
Na GNPE pós-impetigo, o ASLO frequentemente se encontra negativo, assim, deve-se
dosar o anti-DNAse B.
Na GNPE pós-impetigo, temos queda do C3 e do CH50 (atividade hemolítica total do
complemento).
Valores normais => C3: 85-185 mg/dl // C4: 20-58 mg/dl // CH50: 65-145 mg/dl
Se houver forte suspeita diagnóstica e um anticorpo estiver ausente, deve-se solicitar a pesquisa dos
outros anticorpos contra enzimas estreptocócicas, de modo a aumentar a sensibilidade do exame
sorológico.
Não costuma ser necessária a realização de biópsia renal para confirmação de GNPE, num paciente que
preencha os critérios acima, independente da gravidade do quadro. Entretanto se houver alguma
apresentação atípica deve-se realizá-la.
Tratamento
Apenas de suporte na GNPE, com repouso durante a fase inflamatória aguda.
1. Retenção hidrossalina (fundamental) para controle da congestão volêmica
(sódio: máximo de 2g/dia; líquidos apenas para cobrir as perdas insensíveis:
400ml/m2/dia)
2. Diuréticos de alça (furosemida por via intravenosa 2-4mg/kg/dia) para tratar
edema intenso, congestão volêmica e HAS; deita acloretada
3. Outro anti-hipertensivo para controlar a HAS (PA sistólica ≥ 100 mmHg), se
necessário - como bloqueadores dos canais de cálcio (nifedipina) e
vasodilatadores (hidralazina)
4. Após a coleta de material da orofaringe ou da pele, está indicado o uso de
penicilina oral ou intramuscular (ou eritromicina em caso de alergia) do paciente
e familiares próximos por 10 dias, ou até que o foco infeccioso tenha sido
erradicado.
Medidas Profiláticas
A antibioticoterapia precoce, em um quadro de infecção estreptocócica (faringite ou
dermatite), NÃO previne o aparecimento de GNPE.
NÃO há necessidade de se utilizar antibioticoterapia profilática (periódica) para os
pacientes que já desenvolveram algum dia um episódio de GNPE, pois (1) aqueles que
já desenvolveram o quadro não estão sob maior risco de desenvolver um novo
episódio do que a população em geral; (2) GNPE não deixa sequelas.
Outras Considerações
INDICAÇÕES DE BIÓPSIA RENAL NA GNPE
1) Oligúria por mais de 1 semana
2) Hipocomplementemia que não melhora em até 8 semanas
3) Proteinúria > 50mg/kg/24h
4) Evidências clínicas ou sorológicas de doenças sistêmica
5) Evidência clínica de glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP), como anúria
ou aumento acelerado das escórias nitrogenadas.
Achados da Biópsia (típicos da fase inicial da doença)
MO: tipo proliferativo-difuso, ou seja, todos os glomérulos são acometidos por um verdadeiro infiltrado
inflamatório, com neutrófilos e células mononucleares invadindo e destruindo a arquitetura glomerular
normal, determinando quase sempre estreitamento ou oclusão das alças capilares.
Imunofluorescência: padrão de glomerulite por imunocomplexos - existe predominância de depósitos
granulares de IgG/C3 nas paredes dos capilares (endocapilares) no mesângio.
ME: corcovas ou gibas = nódulos subepiteliais eletrondensos, que tendem a durar por 8 semanas.
PROGNÓSTICO
Boa evolução.
Tempo esperado de reversão de cada achado:
Oligúria: até 7 dias
Hipocomplementenemia: até 8 semanas
Hematúria microscópica: até 6-12 meses
Proteinúria subnefrótica: até 2-5 anos
Pode complicar com: GN rapidamente progressiva; proteinúria crônica, glomeruloesclerose focal e
insuficiência renal crônica.
Proteinúria na faixa nefrótica é um importante fator ominoso (abominável).
Pior prognóstico para adultos.
3) SÍNDROME NEFRÓTICA
Conceito
Alteração da permeabilidade dos glomérulos, que passam a não ser mais capazes de
reter as macromoléculas, especialmente as proteínas. Diferente da glomerulite, não
existe invasão glomerular por células inflamatórias.
Fisiopatologia
PROTEINÚRIA
A parede dos glomérulos apresenta 2 mecanismos básicos que determinam a
seletividade:
(1) as fendas de filtração = “barreira de tamanho” (BT), que impede a filtração das
macromoléculas (permite a passagem de proteínas de pequeno peso molecular, como
a β2-microglobulina, que são reabsorvidas no túbulo proximal)
A albumina (principal proteína plasmática), transpõe a BT com alguma dificuldade.
Entretanto, o maior obstáculo à passagem da albumina é a “barreira de carga”, já que
esta molécula se revela um poliânion (carga negativa).
Já as globulinas são impedidas de passar pelo glomérulo exclusivamente pela BT.
(2) a carga negativa da membrana basal = “barreira de carga”, que dificulta a
filtração de qualquer partícula com carga negativa, independente do tamanho
Quando o processo lesivo renal acarreta perda predominante da BC (nefropatia por
lesão mínima), ocorre o que se entende por proteinúria seletiva (proteinúria
basicamente à custa de albumina), quando a lesão glomerular determina perda da
BT), ocorre então proteinúria não seletiva (como a da GEFS ou GP Membranosa),
com perda proporcional de todas as macromoléculas protéicas do plasma (albuminas,
globulinas, etc).
Se existe proteinúria não-seletiva, é sinal que ocorreram alterações estruturais dos
glomérulos: os podócitos (prolongamentos do epitélio visceral) estão lesados, o que
determina um desarranjo arquitetônico das fendas de filtração, permitindo o escape
de proteínas.
O EAS serve nesse caso apenas como um alerta da perda protéica pela urina, pois não
tem correlação confiável com os níveis reais de proteinúria e com grande
variabilidade de acordo com o volume urinário.
HIPOALBUMINEMIA
A perda de proteínas em grande quantidade na urina geralmente provoca a queda de
seus níveis plasmáticos. A albumina é a principal proteína do plasma, sendo a grande
responsável pela pressão oncótica (coloidosmótica), que ajuda a manter o líquido no
compartimento intravascular.
Apesar da queda dos níveis de albumina estimular a síntese hepática desta proteína,
não é suficiente para evitar que se desenvolva uma hipoalbuminemia acentuada,
característica marcante da síndrome nefrótica.
A perda de albumina resulta no edema.
A perda de transferrina resulta em anemia Hipocrômica-Microcítica (resistente à
reposição de sulfato ferroso).
A perda de imunoglobulinas resulta em uma maior suscetibilidade às infecções.
EDEMA
As trocas de líquido entre os capilares e o interstício funcionam de acordo com o
equilíbrio de 2 formas opostas: (1) a pressão hidrostática e (2) a pressão oncótico
(coloidosmótica) - esta última determinada pela concentração de macromoléculas
(proteínas) na luz do vaso.
O edema se formará sempre que houver um aumento importante da pressão
hidrostática (que “empurra” o líquido para fora do capilar) em relação à pressão
oncótica (que “puxa” o líquido para dentro do capilar).
O mecanismo do edema nefrótico pode variar de acordo com a patologia glomerular
de base e pode variar de paciente para paciente para a mesma glomerulopatia.
Teoria de Underfilling
Pela teoria clássica, na síndrome nefrótica, o edema generalizado (anasarca) é
bastante dependente da queda da pressão oncótica, por efeito da hipoalbuminemia.
Em crianças com nefropatia por lesão mínima e hipoalbuminemia grave, predomina o
fenômeno de Underfilling:
Argumento contra: queda gradual da pressão oncótica plasmática geralmente é acompanhada pela
queda da pressão oncótica intersticial; mantendo-se o gradiente oncótico, não haveria formação de
edema! Para que o fenômeno do Underfilling ocorra é necessário que haja uma redução aguda ou
acentuada da albuminemia, quando então o gradiente oncótico realmente cai, permitindo a formação
do edema.
Teoria do Overfilling (Retenção hidrossalina primária)
Geralmente, predomina em adultos com glomerulosclerose focal e segmentar(GEFS).
HIPERLIPIDEMIA
Na maioria das vezes, o paciente com síndrome nefrótica desenvolve
hipercolesterolemia, com aumento do LDL. Seu mecanismo é pelo aumento da síntese
hepática de lipoproteínas, estimulada pela queda da pressão oncótica induzida pela
hipoalbuminemia. Ou seja, o mesmo estímulo que faz o fígado produzir mais albumina
também o leva a sintetizar mais lipoproteína, especialmente a LDL.
A hipertrigliceridemia, causada em sua maior parte pela redução do catabolismo do
VLDL, é encontrada em menor escala, predominando nos pacientes com falência renal
crônica.
A hiperlipidemia nefrótica resulta no aumento da filtração glomerular dos lipídios,
provocando lipidúria. O sedimento urinário passa a conter corpos graxos ovalados
(células epiteliais com gotículas de gordura) e cilindros graxos (formados por tais
células aderidas à proteína de Tamm-Horsfall).
Quadro Clínico
Ocorre, principalmente, aumento patologicamente exagerado da permeabilidade dos
glomérulos às proteínas, levando à proteinúria maciça (proteinúria nefrótica: > 50
mg/kg/24h na criança), sendo este o estigma da doença, resultando nos demais
achados clínicos-laboratorias que a definem: (a) hipoalbuminemia (< 2,5g/dl), (b)
edema, (c) hiperlipidemia, (d) lipidúria (presença de lipídios na urina).
Diagnóstico Diferencial
Doenças Renais Primárias que se apresentam com Síndrome Nefrótica
A Síndrome Nefrótica pode ser simplesmente a expressão clínica de uma doença renal
primária (idiopática; mais comum) ou então ser secundária a fatores ou patologias
extrarrenais, como infecções (CMV, sífilis congênita, malária, tuberculose, endocardite
infecciosa, herpes zoster,etc), causa toxicoalérgica (pólen, picada de abelha, vacina
contra pólio, etc), medicamentos, neoplasias, doenças metabólicas (DM, amiloidose,
etc), doenças multissistêmicas (LES, periartrite nodosa, anemia falciforme, TVR,
insuficiência cardíaca, etc) e distúrbios hereditários.
5 formas de S. Nefrótica Primária
1. Doença de Lesão Mínima (80%)
2. Glomeruloesclerose Focal e Segmentar (10%) Formas mais graves da DLM
3. Glomerulonefrite Proliferativa Mesangial (3%) Ver padrão
histopatológico
4. Glomerulopatia Membranosa (2%)
5. Glomerulonefrite Membranoproliferativa (5%)
3.1) Doença de Lesão Mínima (DLM)
Principal forma de síndrome nefrótica primária em crianças (80%).
Predomina em crianças de 2 a 6 anos (Nelson).
Há uma grande associação com crianças atópicas (30-60% dos casos).
A DLM resulta da perda da carga negativa da “barreira de carga” glomerular,
originando um tipo seletivo de proteinúria (albuminúria).
Diagnóstico (EC)
Apresenta todos os sinais e sintomas da síndrome nefrótica clássica.
Em muitos casos, a proteinúria intensa se inicia logo após fatores desencadeantes,
como episódios virais ou infecção respiratória. Existe claramente uma associação a
fenômenos atópicos, como a asma e o eczema, não sendo incomum que estas
manifestações alérgicas também acompanhem as recidivas do quadro.
A síndrome nefrótica pode ser o primeiro sinal de um linfoma oculto (linfoma de
Hodgkin) ou pode estar associada a drogas como os AINEs (associada a nefrite
intersticial aguda), a ampicilina e a rifampicina.
EAS
Não revela sinais de glomerulite
Há cilindros graxos e corpos ovalados graxos (lipidúria)
Há proteinúria (seletiva, com predomínio da albumina)
Pode haver hematúria microscópica (20% dos casos)
BIOQUÍMICA SÉRICA
Não há consumo de complemento
Pode haver hipoalbuminemia (consequente às perdas urinárias)
Há redução dos níveis de IgG e aumento do níveis de IgM
O curso clínico da DLM é marcado por: (1) períodos de remissão e atividade; (2) dramática resposta à
corticoterapia.
Menos de 5% das crianças portadoras desenvolvem estado de “rim terminal”, quando acompanhadas
por 25 anos.
Tratamento
De maneira geral, o tratamento ambulatorial é sempre o preferido, mas pacientes
com edemas severos (sobretudo na genitália), HAS importante, alterações
metabólicas ou portadores de infecções que comprometam o estado geral da criança
devem ser internados em ambiente hospitalar.
Medidas Gerais
Vacinações costumam ser proteladas para depois da suspensão do tratamento
com corticóides (3 meses, no mínimo). No entanto, a vacina antipneumocócica
pode ser administrada, mesmo em uso de corticóides de baixas doses (não
imunossupressoras no esquema alternado), já que mesmo assim, parece
oferecer proteção.
O nefrótico pode apresentar desnutrição protéica grave, clinicamente
mascarada pelas fases de edema, devido as perda constantes de proteínas pela
urina, à falta de ingestão calórica e protéica, consequente à anorexia rebelde, e
ainda ao uso de drogas catabolizantes no tratamento específico.
Enquanto houver edema e HAS, a dieta geral deve ser sem adição de sal . No
entanto, por causa do tratamento com corticóides, é aconselhável manter
restrição moderada de sal evitar a ingestão de enlatados, embutidos,
salgadinhos e aperitivos em pacote.
A ingestão de proteínas é livre, evitando-se dietas hiperprotéicas que podem
agravar a excreção urinária de proteínas e também são mal toleradas. A dieta
deve ser rica em potássio (suco de laranja, leite), sobretudo em crianças que
estiveram em uso de corticóides e/ou diuréticos espoliadores de potássio.
Medidas inespecíficas
Quando o edema é localizado e pouco intenso, não há a necessidade do emprego de
diuréticos, pois o uso de corticóides em geral, induz diurese adequada em 10-15 dias.
Basta restringir o sal da dieta.
Em casos de edema generalizado e intenso, oligúria importante e natriurese bem
diminuída devem ser utilizados diuréticos:
Furosemida (1-2mg/kg/24h) e espironolactona (2-4mg/kg/24h), por via oral
(diminuindo o efeito hipocalemiante da furosemida); só podem ser usados se houver
volemia adequada (nunca em paciente hemoconcentrado/hipovolêmico =hematócrito
maior ou igual a 40%)
Medidas específicas
Durante o tratamento com imunossupressores, são mascarados os sintomas e os
sinais clínicos de infecção, daí a necessidade de observação cuidadosa do paciente,
dando atenção a qualquer sinal ou sintoma que possa traduzir instalação de processo
infeccioso.
Antes de iniciar o tratamento deve-se:
Afastar tuberculose (teste tuberculínico PPD e radiografia do pulmão)
Afastar estrongiloidíase (pode se disseminar se a criança for tratada com
esteróides)
Afastar forma intestinal da esquistossomose (diagnóstico pode sugerir tratar-se
de forma secundária de síndrome nefrótica
Realizar sorologias para várias doenças virais (descartar sempre hepatite B e C
e infecção pelo HIV)
Na síndrome nefrótica corticossensível, no 1º surto ou nas recidivas desde que
infrequentes (até 1 recidiva em 6 meses) utiliza-se (MARCONDES):
Prednisona 2mg/kg/24h ou 60mg/m2/24h de superfície corpórea em tomada única
entre 6 e 8 horas da manhã, durante 4 semanas (dose máxima 80mg/24h).
O DESAPARECIMENTO DA PROTEINURIA, 10-15 DIAS APÓS O INICIO DO TTO CONSTITUI FORTE
EVIDÊNCIA DE QUE SE TRATA DE UMA SÍNDROME NEFRÓTICA DO TIPO LESÃO MINIMA.
Ao fim desse período, o paciente é definido como corticossensível (90% dos casos),
caso a proteinúria se torna menor ou igual a 5mg/kg/dia.
A seguir, o corticóide é administrado na dose de 2mg/kg em dose única pela manhã,
agora em dias alternados, durante 2 meses.
Em seguida, a dose é diminuída em 0,5mg/kg a cada 2 semanas, até a suspensão do
tratamento, que durará ao todo 4 meses e meio.
Após a 1ª remissão, várias evoluções são possíveis: remissão definitiva (6-40% dos casos, depende do
serviço); outras tem recidivas espaçadas (10-20%), com intervalos longos, de vários meses sem
medicação, essas evoluem para a cura após um período de tempo imprevisível que pode ser de até
alguns anos; e há os recidivantes frequentes (mais de 1 recidiva em 6 meses ou mais de 2 em 1 ano) e
os corticodependentes (recidiva ocorre durante a redução da prednisona ou nos primeiros 30 dias após
sua retirada), este último grupo é o mais numeroso (40-60% dos casos das SNs idiopáticas).
Nos corticodependentes, pode-se tentar a associação de imunossupressores, sendo a Ciclofosfamida
(2mg/kg/dia) a droga de escolha. Esta associação pode aumentar o periodo de remissão e diminuir os
efeitos colaterais dos corticóides (já que a dose destes poderá ser diminuída).
O risco de recidiva diminui à medida que aumenta o tempo de remissão.
De maneira geral, as recidivas que se seguem a um primeiro tratamento com prednisona continuam
corticossensíveis.
Na prática, o prognóstico das SN corticossensíveis desde o início é bom, mesmo para aqueles casos
com evolução de vários anos. Isso porque os casos tormentosos costumam evoluir para a cura; as
recidivas mantêm a sensibilidade aos esteróides e o tratamento é compatível com um ritmo de vida
normal.
Outras Considerações
Indicações de biópsia renal (MARCONDES)
Pacientes com menos de 1 ano de idade ou com mais de 8 anos (esta última é
uma indicação relativa)
Pacientes corticorresistentes desde o início ou que se tornaram resistentes
durante a evolução;
Pacientes com insuficiência renal e/ou HAS desproporcional ao grau de edema;
Pacientes com hipocomplementemia persistente;
Pacientes corticodependentes (indicação relativa).
Complicações da Síndrome Nefrótica
1) Fenômenos tromboembolísticos (trombose de veia renal = TVR)
Quando devemos suspeitar de TVR?
Varicocele do lado esquerdo
Hematúria macroscópica
Mudanças no padrão de proteinúria
Assimetria do tamanho e/ou função dos rins
Formas mais associadas À TVR:
Glomerulopatia Membranosa (mais comum)
Amiloidose
2) Alta susceptibilidade a infecções
Principalmente pela deficiência de imunoglobulinas do tipo IgG e componentes da via
alternada do complemento, perdidos pelos glomérulos. O Streptococcus pneumoniae
(pneumococo) é a bactéria mais envolvida. Uma infecção bem comum é a peritonite
bacteriana espontânea, que acomete pacientes com ascite.
SÍNDROME NEFRÍTICA x SÍNDROME NEFRÓTICA
SÍNDROME NEFRÍTICA SÍNDROME NEFRÓTICA Estigma: Hematúria
Início abruptoOutros sinais/sintomas: edema, HAS,
oligúria
Estigma: Proteinúria (seletiva - + albumina - na lesão mínima)
Insidiosa Outros sinais/sintomas:
hipoalbuminemia, edema, hiperlipidemia/lipidúria
Processo patológico básico: invasão glomerular por células inflamatórias
Processo patológico básico: alteração da permeabilidade dos glomérulos
(principalmente barreira de carga por linfocina produzida pelos linfócitos T-sensíveis a corticóides) que passam a
não ser mais capazes de reter
macromoléculas (+ proteínas)EAS (sinais de injúria glomerular):
hematúria dismórfica; cilindros hemáticos; piúria
EAS: sem sinais de glomerulite, mas com sinais de lipidúria (cilindros graxos
e corpos ovalados graxos)Bioquímica sérica:
hipocomplementenemia (C3 e CH50); aumento de creatinina e uréia
(diminuição significativa da TFG)
Bioquímica sérica: não há diminuição de complementos; níveis de IgM
aumentados e de IgG diminuídos; aumento de LDL e colesterol
MO: padrão proliferativo difuso (glomérulos invadidos por infiltrado
inflamatório que destroem sua arquitetura, determinando
estreitamento ou oclusão de suas alças capilares)
IF: glomerulonefrite por imunocomplexos (IgG e C3) de aspecto granular nas paredes dos capilares e no
mesângioME: nódulos subepiteliais eletrodensos
(duram 8 semanas)
Na SNLM (períodos de remissão e atividade; dramática resposta aos
corticóides; + associada ao linfoma de Hodgkin e AINEs)
MO: normalME: fusão e apagamento dos podócitos
Tto: restrição hidrossalina; diuréticos de alça; vasodilatadores (para HAS, se
necessário); diálise (congestão volêmica grave e encefalopatia hipertensiva)
Tto - longo e cuidadoso: restrição de sal na dieta; atenção para infecções;
vacinas após 3 meses de suspensão de corticóide; furosemida +
espironolactona (edema); prednisona (desaparecimento de proteinúria auxilia
no prognóstico)