ESTREPTOCOCCIAS

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SITUAÇÃO PROBLEMA n°9 1) ESTREPTOCOCCIAS 1.1) Piodermite Conceito São processos infecciosos de pele produzidos, em geral, pelos cocos piogênicos: Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes. Considerações Gerais A pele normal é rica em bactérias que podem ser agrupadas em dois grupos: Residentes: coloniza a pele e vivem como comensais, sendo de difícil remoção. É constituída de: Cocos Gram-positivos (Staphilo coagulase negativo, principalmente epidermidis) Bastonetes Gram-positivos aeróbicos Difterióides (Corynebacterium e Brevibacterium) Bastonetes Gram-positivos anaeróbicos (Propionibacterium). Transitórias: estas podem eventualmente colonizar a pele, podendo permanecer nela em pequeno número, por tempo variável e são de remoção fácil. Não se pode esquecer que os germes comensais poderão se tornar patogênicos por fatores circunstanciais, como em imunodeprimidos. Fisiopatologia Na patogenia das piodermites, temos de considerar alguns fatores: A interferência da flora residente, ou se ela dificulta a colonização de outras bactérias. A barreira mecânica celular, com renovação constante da epiderme. O grau de secura da pele normal, visto que quanto maior a umidade da pele, mais fácil a multiplicação de bactérias.

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SITUAÇÃO PROBLEMA n°9

1) ESTREPTOCOCCIAS

1.1) Piodermite

Conceito

São processos infecciosos de pele produzidos, em geral, pelos cocos piogênicos:

Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes.

Considerações Gerais

A pele normal é rica em bactérias que podem ser agrupadas em dois grupos:

Residentes: coloniza a pele e vivem como comensais, sendo de difícil remoção. É

constituída de:

Cocos Gram-positivos (Staphilo coagulase negativo, principalmente epidermidis)

Bastonetes Gram-positivos aeróbicos

Difterióides (Corynebacterium e Brevibacterium)

Bastonetes Gram-positivos anaeróbicos (Propionibacterium).

Transitórias: estas podem eventualmente colonizar a pele, podendo permanecer

nela em pequeno número, por tempo variável e são de remoção fácil.

Não se pode esquecer que os germes comensais poderão se tornar patogênicos por

fatores circunstanciais, como em imunodeprimidos.

Fisiopatologia

Na patogenia das piodermites, temos de considerar alguns fatores:

A interferência da flora residente, ou se ela dificulta a colonização de outras

bactérias.

A barreira mecânica celular, com renovação constante da epiderme.

O grau de secura da pele normal, visto que quanto maior a umidade da pele,

mais fácil a multiplicação de bactérias.

O pH alcalino facilita a multiplicação de bactérias.

A barreira química representada por ácidos graxos não-saturados, que são

produzidos pela flora residente.

Capacidade imunológica do indivíduo.

A patogenicidade e o grau de virulência do germe.

Os principais causadores de piodermites são as bactérias Streptococos e

Staphilococo.

Destes, merece destaque o Staphilococos aureus coagulase positivo. Bastante patogênico, este germe

produz várias toxinas como a alfa toxina (responsável pela formação de bolhas e posterior necrose) e a

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toxina esfoliativa (importante na doença de Ritter). Um aspecto que deve ser lembrado é que estas

bactérias fazem parte da flora transitória em indivíduos sãos (um terço da população geral) tendo

como sítios reservatórios o vestíbulo nasal e região perineal. Logo o tratamento para estas doenças

abrange eliminação destes focos.

Dos Streptococos pyogenes, o mais patogênico é o beta hemolítico do grupo A. O

contágio se dá pelo contato direto. Portadores sãos com reservatório na orofaringe

ocorrem em 10% da população, menos freqüente nasal e raramente em pele. É

importante lembrar que as cepas que colonizam a pele são diferentes daquelas da

orofaringe, que provocam febre reumática ou glomerulonefrite difusa.

Quadro Clínico

As principais formas clínicas das piodermites são:

Impetigo

Síndrome da pele escaldada estafilocócica (Doença de Ritter)

Erisipela e Celulite

Foliculites, Furúnculos e Antrazes Estafilocóccicas

Ectima

1.1.1) IMPETIGO

São infecções piogênicas primárias da pele, produzidas pelos estafilococos e

estreptococos.

Os mecanismos de transmissão não estão totalmente elucidados, mas admite-se que

o estreptococo coloniza, a princípio, a pele normal e que, a partir de soluções de

continuidade, como pequenos traumas, picadas de insetos, escabiose; a bactéria

possa penetrar e produzir lesão. Somente após o aparecimento desta é que ocorreria

colonização da orofaringe, e não o inverso, como

se acreditava anteriormente.

A lesão caracteriza-se pela presença de uma

pápula que evolui rapidamente para a

vesícula, circundada por área de eritema.

Formam-se lesões exulcerocrostosas que

lembram queimaduras de cigarro. Atinge

preferencialmente face e membros

superiores.

Diagnóstico Diferencial

Particularidades clínico evolutivas são observadas segundo a etiologia do impetigo:

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Estafilocócicos (impetigo bolhoso) - a bolha é persistente e a crosta é resultante da

toxina esfoliatina.

Estreptocócico - a bolha quase nunca é detectada porque involui rapidamente. Nesta

forma verifica-se a alta freqüência de nefrite aguda (foco primário é o impetigo). O

que ocorre na prática, no entanto com bastante freqüência é a superposição das duas

formas (forma mista).

No que se refere aos diagnósticos diferenciais estão o herpes simples, candidíase,

dermatofitose e miliária.

Diagnóstico (EC)

Esfregaço de pus para análise laboratorial as vezes é necessário para confirmação do

agente, todavia, geralmente o diagnóstico é feito, apenas, com a análise das lesões.

Tratamento

O tratamento se faz com antibiótico tópico, assepsia com remoção de crostas e

compressas com antissépticos. Nos casos mais extensos, antibioticoterapia sistêmica

está indicada.

Remoção e limpeza, duas a três vezes ao dia, das crostas com água e sabão, ou água

Dalibour ou permanganato de potássio 1:40.000, ou água boricada a 2%.

Em seguida, aplica-se pomada de antibióticos tipo neomicina, mupirocina,

gentamicina.

Se necessário introduzir eritromicina via oral na dose de 40mg/kg/dia dividida de seis

em seis horas; cefalexina 30 a 50mg/kg/dia dividida em quatro tomadas.

Medidas Profiláticas

Manter unhas contadas;

Higiene adequada da pele;

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2) GLOMERULONEFRITE DIFUSA AGUDA

Glomérulos renais encontram-se envolvidos por um processo inflamatório agudo de

forma idiopática (doença primária) ou secundária a alguma doença sistêmica, como

infecções e colagenoses.

Criança com início em geral abrupto de oligúria e hematúria = “urina presa” e

“tonalidade avermelhada (vermelha acastanhada)”; edema por redução do débito

urinário que provoca retenção volêmica/congestão hídrica = “rosto inchado” e

“pressão alta”.

2.1) Pós-Estreptocócica

Conceito

Trata-se de uma seqüela renal tardia de uma infecção por cepas de estreptococos

beta- hemolíticos do grupo A (S. pyogenes).

Considerações Gerais

As cepas “nefritogênicas” podem estar presentes em:

Piodermite estreptocócica (impetigo crostoso ou eripsela; mais comum entre a

idade de 2-6 anos) - período de incubação (infecção-nefrite = em média 21 dias)

Faringoamigdalite (mais comum entre a idade de 6-15 anos - período de

incubação (infecção-nefrite = em média 10 dias)

Fisiopatologia

A GNPE é causada por imunocomplexos (de natureza desconhecida) circulantes

contendo IgG e C3 que se depositam no glomérulo. Assim, um antígeno

estreptocócico, com afinidades pelas estruturas glomerulares, se deposita no

glomérulo e funciona como um “antígeno” plantado, ocasionando resposta

imunológica do hospedeiro e desenvolvimento de complexos imunes in situ.

Hematúria - originada pelo comprometimento dos glomérulos. Hemácias quase

sempre deformadas, fragmentadas e hipocrômicas (dismorfismo eritrocitário) - pois

resulta da migração de hemácias através de “fendas” que surgem nas alças capilares

dos glomérulos “inflamados”.

Proteinúria - resulta da alteração da permeabilidade e rupturas mecânicas na

parede dos glomérulos comprometidos.

Oligúria - resulta do prejuízo da superfície de filtração dos glomérulos, devido,

principalmente à invasão pelas células inflamatórias e à contração do espaço

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mesangial. Como os glomérulos filtram menos, sobrevêm retenção hidrossalina e, nos

casos mais graves azotemia.

Quadro Clínico

É fundamental que o diagnóstico de glomerulonefrite pós-estreptocócica seja

suspeitado em qualquer caso de hematúria, edema, oligúria, HAS, congestão

circulatória ou encefalopatia hipertensiva a esclarecer.

O quadro clássico se instala em média 1 a 3 semanas após a instalação do quadro

infeccioso.

O início, geralmente, é abrupto e pode vir acompanhado de sintomas gastrointestinais

vagos (dor abdominal, náuseas) e dor lombar bilateral por intumescimento da cápsula

renal.

Edema costuma ser precoce no quadro, sendo mais comum na face. Inicialmente é

periorbitário matutino, pela pequena resistência tecidual nessa área. Na maioria dos

pacientes é leve, mas em algumas ocasiões é tão intenso que sugere um quadro de

síndrome nefrótica. É mais acentuado pela manhã e na face e tronco, mas, conforme

a criança deambula, ele sofre influência da gravidade, migrando para os membros

inferiores; pode haver ascite e edema genital.

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A HAS é mais evidente no inicio da doença, melhorando prontamente com o inicio da

diurese. É volume-dependente, podendo evoluir para encefalopatia hipertensiva.

A ↓ da filtração glomerular pode se manifestar: clinicamente por oligoanúria ou

anúria, congestão circulatória (dispnéia, tosse, estase jugular, cardiomegalia) e

laboratorialmente por aumento dos níveis séricos de uréia e creatinina.

Diagnóstico Diferencial

É preciso diferenciar as doenças glomerulares pós-infecciosas específicas (como a

GNPE) do papel inespecífico de muitos infecções (principalmente virais), que

exacerbam condições renais antigas, muitas vezes silenciosas. Tais exacerbações são

geralmente caracterizadas por um aumento transitório (ou mesmo surgimento) de

proteinúria e hematúria, no curso de uma infecção, mas sem que haja um periodo de

incubação compatível.

Outras doenças que cursam com síndrome nefrítica e hipocomplementemia:

1- Outras glomerulonefrites pós-infecciosas (ex: endocardite bacteriana subaguda)

2- Glomerulonefrite lúpica

3- Glomerolonefrite membranoproliferativa (GNMP) ou GN mesângio-capilar

A GNMP deve ser suspeitada caso haja a proteinúria na faixa nefrótica, ou caso a

hipocomplementemia persista por mais de 8 semanas (ambas indicações para biópsia

na GNDA.

Do EDEMA

Todo paciente com GNDA (síndrome nefrítica), principalmente na faixa etária de 2-15

anos deve ser investigado quanto à GNPE.

Realizar anamnese e exame físico, buscando manifestações extra-renais que possam

indicar uma etiologia específica (por exemplo: rash malar e artrite para LES). Caso

não encontre nada além da síndrome nefrítica, deve-se seguir o algoritmo para

diagnóstico da GNPE:

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1) Paciente teve faringoamigdalite ou piodermite recente?

2) Período de incubação é compatível (em média 10 dias para faringoamigdalite e 21 para piodermite)?

3) Documentar a infecção estreptocócica através do laboratório.

4) Demonstrar uma queda típica de complemento (C3), com um retorno ao normal em no máximo 8

semanas, a contar do início dos primeiros sinais de nefropatia.

Diagnóstico (EC)

EAS

análise da urina quanto a: cor, aspecto, presença de elementos /// análise bioquímica: ph urinário,

densidade urinária, presença de: nitrito, glicose, proteínas /// análise microscópica: eritrócitos

(quantitativa e morfológica), leucócitos, células, cilindros, cristais)

Há hematúria micro ou macroscópica dismórfica

Presença de cilindros hemáticos e granulosos

Pode haver, eventualmente, células epiteliais, leucócitos (piúria leucocitúria) e

cilindros hialinos e cilindros leucocitários

Há proteinúria inferior a 1g/m2/24h, mas pode atingir níveis nefróticos (> 50

mg/kg/dia)

Cilindros resultam da agregação de substâncias/partículas/células a proteínas (glicoproteínas de Tamm-

Horsfall) secretadas pelas células epiteliais que compõem a parede da alça de Henle que seguem o

fluxo renal e se depositam nos túbulos contorcidos distais e nos túbulos coletores, originando uma

superfície pegajosa em seus interiores.

Assim qualquer condição que determine a presença de elementos celulares (leucócitos, hemácias, etc)

no interior do sistema tubular do néfron pode ser acompanhada da presença de cilindros no EAS.

Há 2 tipos de cilindros:

Celulares (epiteliais, hemáticos e leucocitários) - sempre patológicos;

Hemáticos - provável doença glomerular, clássicos da glomerunefrite

Leucocitários - encontrados com freqüência nas glomerulopatias; mais associados às nefrites

intersticiais

Epiteliais - lesão tubular renal associada a necrose tubular aguda e as nefropatias túbulo-intersticiais

Granulosos - lesão tubular renal ( e eventualmente glomerular) = necrose tubular aguda do tipo

pigmentar

Acelulares - podem ser encontrados em indivíduos normais

Hialinos - grande quantidade = desidratação, uso de diuréticos (furosemida), esforço físico ou febre

Céreos - disfunção renal avançada

Largos - insuficiência renal crônica

Graxos - lipidúria (síndrome nefrótica)

BIOQUÍMICA SÉRICA

Há diminuição de C3 e CH50 (em fase inicial, se normaliza 6-8 sem)

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Há diminuição da creatinina e aumento da uréia (sinais de redução da filtração

glomerular)

Confirmar infecção através de um titulo elevado de anticorpos contra antígenos

estreptocócicos.

Na GNPE pós-faringoamigdalite o anticorpo mais encontrado é o ASLO ou ASO

(positivo acima de 333 U Todd), seguido pelo anti-DNAse B.

Os níveis de ASLO geralmente se elevam 2-5 semanas após a infecção estreptocócica,

decaindo ao longo de meses.

Na GNPE pós-impetigo, o ASLO frequentemente se encontra negativo, assim, deve-se

dosar o anti-DNAse B.

Na GNPE pós-impetigo, temos queda do C3 e do CH50 (atividade hemolítica total do

complemento).

Valores normais => C3: 85-185 mg/dl // C4: 20-58 mg/dl // CH50: 65-145 mg/dl

Se houver forte suspeita diagnóstica e um anticorpo estiver ausente, deve-se solicitar a pesquisa dos

outros anticorpos contra enzimas estreptocócicas, de modo a aumentar a sensibilidade do exame

sorológico.

Não costuma ser necessária a realização de biópsia renal para confirmação de GNPE, num paciente que

preencha os critérios acima, independente da gravidade do quadro. Entretanto se houver alguma

apresentação atípica deve-se realizá-la.

Tratamento

Apenas de suporte na GNPE, com repouso durante a fase inflamatória aguda.

1. Retenção hidrossalina (fundamental) para controle da congestão volêmica

(sódio: máximo de 2g/dia; líquidos apenas para cobrir as perdas insensíveis:

400ml/m2/dia)

2. Diuréticos de alça (furosemida por via intravenosa 2-4mg/kg/dia) para tratar

edema intenso, congestão volêmica e HAS; deita acloretada

3. Outro anti-hipertensivo para controlar a HAS (PA sistólica ≥ 100 mmHg), se

necessário - como bloqueadores dos canais de cálcio (nifedipina) e

vasodilatadores (hidralazina)

4. Após a coleta de material da orofaringe ou da pele, está indicado o uso de

penicilina oral ou intramuscular (ou eritromicina em caso de alergia) do paciente

e familiares próximos por 10 dias, ou até que o foco infeccioso tenha sido

erradicado.

Medidas Profiláticas

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A antibioticoterapia precoce, em um quadro de infecção estreptocócica (faringite ou

dermatite), NÃO previne o aparecimento de GNPE.

NÃO há necessidade de se utilizar antibioticoterapia profilática (periódica) para os

pacientes que já desenvolveram algum dia um episódio de GNPE, pois (1) aqueles que

já desenvolveram o quadro não estão sob maior risco de desenvolver um novo

episódio do que a população em geral; (2) GNPE não deixa sequelas.

Outras Considerações

INDICAÇÕES DE BIÓPSIA RENAL NA GNPE

1) Oligúria por mais de 1 semana

2) Hipocomplementemia que não melhora em até 8 semanas

3) Proteinúria > 50mg/kg/24h

4) Evidências clínicas ou sorológicas de doenças sistêmica

5) Evidência clínica de glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP), como anúria

ou aumento acelerado das escórias nitrogenadas.

Achados da Biópsia (típicos da fase inicial da doença)

MO: tipo proliferativo-difuso, ou seja, todos os glomérulos são acometidos por um verdadeiro infiltrado

inflamatório, com neutrófilos e células mononucleares invadindo e destruindo a arquitetura glomerular

normal, determinando quase sempre estreitamento ou oclusão das alças capilares.

Imunofluorescência: padrão de glomerulite por imunocomplexos - existe predominância de depósitos

granulares de IgG/C3 nas paredes dos capilares (endocapilares) no mesângio.

ME: corcovas ou gibas = nódulos subepiteliais eletrondensos, que tendem a durar por 8 semanas.

PROGNÓSTICO

Boa evolução.

Tempo esperado de reversão de cada achado:

Oligúria: até 7 dias

Hipocomplementenemia: até 8 semanas

Hematúria microscópica: até 6-12 meses

Proteinúria subnefrótica: até 2-5 anos

Pode complicar com: GN rapidamente progressiva; proteinúria crônica, glomeruloesclerose focal e

insuficiência renal crônica.

Proteinúria na faixa nefrótica é um importante fator ominoso (abominável).

Pior prognóstico para adultos.

3) SÍNDROME NEFRÓTICA

Conceito

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Alteração da permeabilidade dos glomérulos, que passam a não ser mais capazes de

reter as macromoléculas, especialmente as proteínas. Diferente da glomerulite, não

existe invasão glomerular por células inflamatórias.

Fisiopatologia

PROTEINÚRIA

A parede dos glomérulos apresenta 2 mecanismos básicos que determinam a

seletividade:

(1) as fendas de filtração = “barreira de tamanho” (BT), que impede a filtração das

macromoléculas (permite a passagem de proteínas de pequeno peso molecular, como

a β2-microglobulina, que são reabsorvidas no túbulo proximal)

A albumina (principal proteína plasmática), transpõe a BT com alguma dificuldade.

Entretanto, o maior obstáculo à passagem da albumina é a “barreira de carga”, já que

esta molécula se revela um poliânion (carga negativa).

Já as globulinas são impedidas de passar pelo glomérulo exclusivamente pela BT.

(2) a carga negativa da membrana basal = “barreira de carga”, que dificulta a

filtração de qualquer partícula com carga negativa, independente do tamanho

Quando o processo lesivo renal acarreta perda predominante da BC (nefropatia por

lesão mínima), ocorre o que se entende por proteinúria seletiva (proteinúria

basicamente à custa de albumina), quando a lesão glomerular determina perda da

BT), ocorre então proteinúria não seletiva (como a da GEFS ou GP Membranosa),

com perda proporcional de todas as macromoléculas protéicas do plasma (albuminas,

globulinas, etc).

Se existe proteinúria não-seletiva, é sinal que ocorreram alterações estruturais dos

glomérulos: os podócitos (prolongamentos do epitélio visceral) estão lesados, o que

determina um desarranjo arquitetônico das fendas de filtração, permitindo o escape

de proteínas.

O EAS serve nesse caso apenas como um alerta da perda protéica pela urina, pois não

tem correlação confiável com os níveis reais de proteinúria e com grande

variabilidade de acordo com o volume urinário.

HIPOALBUMINEMIA

A perda de proteínas em grande quantidade na urina geralmente provoca a queda de

seus níveis plasmáticos. A albumina é a principal proteína do plasma, sendo a grande

responsável pela pressão oncótica (coloidosmótica), que ajuda a manter o líquido no

compartimento intravascular.

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Apesar da queda dos níveis de albumina estimular a síntese hepática desta proteína,

não é suficiente para evitar que se desenvolva uma hipoalbuminemia acentuada,

característica marcante da síndrome nefrótica.

A perda de albumina resulta no edema.

A perda de transferrina resulta em anemia Hipocrômica-Microcítica (resistente à

reposição de sulfato ferroso).

A perda de imunoglobulinas resulta em uma maior suscetibilidade às infecções.

EDEMA

As trocas de líquido entre os capilares e o interstício funcionam de acordo com o

equilíbrio de 2 formas opostas: (1) a pressão hidrostática e (2) a pressão oncótico

(coloidosmótica) - esta última determinada pela concentração de macromoléculas

(proteínas) na luz do vaso.

O edema se formará sempre que houver um aumento importante da pressão

hidrostática (que “empurra” o líquido para fora do capilar) em relação à pressão

oncótica (que “puxa” o líquido para dentro do capilar).

O mecanismo do edema nefrótico pode variar de acordo com a patologia glomerular

de base e pode variar de paciente para paciente para a mesma glomerulopatia.

Teoria de Underfilling

Pela teoria clássica, na síndrome nefrótica, o edema generalizado (anasarca) é

bastante dependente da queda da pressão oncótica, por efeito da hipoalbuminemia.

Em crianças com nefropatia por lesão mínima e hipoalbuminemia grave, predomina o

fenômeno de Underfilling:

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Argumento contra: queda gradual da pressão oncótica plasmática geralmente é acompanhada pela

queda da pressão oncótica intersticial; mantendo-se o gradiente oncótico, não haveria formação de

edema! Para que o fenômeno do Underfilling ocorra é necessário que haja uma redução aguda ou

acentuada da albuminemia, quando então o gradiente oncótico realmente cai, permitindo a formação

do edema.

Teoria do Overfilling (Retenção hidrossalina primária)

Geralmente, predomina em adultos com glomerulosclerose focal e segmentar(GEFS).

HIPERLIPIDEMIA

Na maioria das vezes, o paciente com síndrome nefrótica desenvolve

hipercolesterolemia, com aumento do LDL. Seu mecanismo é pelo aumento da síntese

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hepática de lipoproteínas, estimulada pela queda da pressão oncótica induzida pela

hipoalbuminemia. Ou seja, o mesmo estímulo que faz o fígado produzir mais albumina

também o leva a sintetizar mais lipoproteína, especialmente a LDL.

A hipertrigliceridemia, causada em sua maior parte pela redução do catabolismo do

VLDL, é encontrada em menor escala, predominando nos pacientes com falência renal

crônica.

A hiperlipidemia nefrótica resulta no aumento da filtração glomerular dos lipídios,

provocando lipidúria. O sedimento urinário passa a conter corpos graxos ovalados

(células epiteliais com gotículas de gordura) e cilindros graxos (formados por tais

células aderidas à proteína de Tamm-Horsfall).

Quadro Clínico

Ocorre, principalmente, aumento patologicamente exagerado da permeabilidade dos

glomérulos às proteínas, levando à proteinúria maciça (proteinúria nefrótica: > 50

mg/kg/24h na criança), sendo este o estigma da doença, resultando nos demais

achados clínicos-laboratorias que a definem: (a) hipoalbuminemia (< 2,5g/dl), (b)

edema, (c) hiperlipidemia, (d) lipidúria (presença de lipídios na urina).

Diagnóstico Diferencial

Doenças Renais Primárias que se apresentam com Síndrome Nefrótica

A Síndrome Nefrótica pode ser simplesmente a expressão clínica de uma doença renal

primária (idiopática; mais comum) ou então ser secundária a fatores ou patologias

extrarrenais, como infecções (CMV, sífilis congênita, malária, tuberculose, endocardite

infecciosa, herpes zoster,etc), causa toxicoalérgica (pólen, picada de abelha, vacina

contra pólio, etc), medicamentos, neoplasias, doenças metabólicas (DM, amiloidose,

etc), doenças multissistêmicas (LES, periartrite nodosa, anemia falciforme, TVR,

insuficiência cardíaca, etc) e distúrbios hereditários.

5 formas de S. Nefrótica Primária

1. Doença de Lesão Mínima (80%)

2. Glomeruloesclerose Focal e Segmentar (10%) Formas mais graves da DLM

3. Glomerulonefrite Proliferativa Mesangial (3%) Ver padrão

histopatológico

4. Glomerulopatia Membranosa (2%)

5. Glomerulonefrite Membranoproliferativa (5%)

3.1) Doença de Lesão Mínima (DLM)

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Principal forma de síndrome nefrótica primária em crianças (80%).

Predomina em crianças de 2 a 6 anos (Nelson).

Há uma grande associação com crianças atópicas (30-60% dos casos).

A DLM resulta da perda da carga negativa da “barreira de carga” glomerular,

originando um tipo seletivo de proteinúria (albuminúria).

Diagnóstico (EC)

Apresenta todos os sinais e sintomas da síndrome nefrótica clássica.

Em muitos casos, a proteinúria intensa se inicia logo após fatores desencadeantes,

como episódios virais ou infecção respiratória. Existe claramente uma associação a

fenômenos atópicos, como a asma e o eczema, não sendo incomum que estas

manifestações alérgicas também acompanhem as recidivas do quadro.

A síndrome nefrótica pode ser o primeiro sinal de um linfoma oculto (linfoma de

Hodgkin) ou pode estar associada a drogas como os AINEs (associada a nefrite

intersticial aguda), a ampicilina e a rifampicina.

EAS

Não revela sinais de glomerulite

Há cilindros graxos e corpos ovalados graxos (lipidúria)

Há proteinúria (seletiva, com predomínio da albumina)

Pode haver hematúria microscópica (20% dos casos)

BIOQUÍMICA SÉRICA

Não há consumo de complemento

Pode haver hipoalbuminemia (consequente às perdas urinárias)

Há redução dos níveis de IgG e aumento do níveis de IgM

O curso clínico da DLM é marcado por: (1) períodos de remissão e atividade; (2) dramática resposta à

corticoterapia.

Menos de 5% das crianças portadoras desenvolvem estado de “rim terminal”, quando acompanhadas

por 25 anos.

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Tratamento

De maneira geral, o tratamento ambulatorial é sempre o preferido, mas pacientes

com edemas severos (sobretudo na genitália), HAS importante, alterações

metabólicas ou portadores de infecções que comprometam o estado geral da criança

devem ser internados em ambiente hospitalar.

Medidas Gerais

Vacinações costumam ser proteladas para depois da suspensão do tratamento

com corticóides (3 meses, no mínimo). No entanto, a vacina antipneumocócica

pode ser administrada, mesmo em uso de corticóides de baixas doses (não

imunossupressoras no esquema alternado), já que mesmo assim, parece

oferecer proteção.

O nefrótico pode apresentar desnutrição protéica grave, clinicamente

mascarada pelas fases de edema, devido as perda constantes de proteínas pela

urina, à falta de ingestão calórica e protéica, consequente à anorexia rebelde, e

ainda ao uso de drogas catabolizantes no tratamento específico.

Enquanto houver edema e HAS, a dieta geral deve ser sem adição de sal . No

entanto, por causa do tratamento com corticóides, é aconselhável manter

restrição moderada de sal evitar a ingestão de enlatados, embutidos,

salgadinhos e aperitivos em pacote.

A ingestão de proteínas é livre, evitando-se dietas hiperprotéicas que podem

agravar a excreção urinária de proteínas e também são mal toleradas. A dieta

deve ser rica em potássio (suco de laranja, leite), sobretudo em crianças que

estiveram em uso de corticóides e/ou diuréticos espoliadores de potássio.

Medidas inespecíficas

Quando o edema é localizado e pouco intenso, não há a necessidade do emprego de

diuréticos, pois o uso de corticóides em geral, induz diurese adequada em 10-15 dias.

Basta restringir o sal da dieta.

Em casos de edema generalizado e intenso, oligúria importante e natriurese bem

diminuída devem ser utilizados diuréticos:

Furosemida (1-2mg/kg/24h) e espironolactona (2-4mg/kg/24h), por via oral

(diminuindo o efeito hipocalemiante da furosemida); só podem ser usados se houver

volemia adequada (nunca em paciente hemoconcentrado/hipovolêmico =hematócrito

maior ou igual a 40%)

Medidas específicas

Durante o tratamento com imunossupressores, são mascarados os sintomas e os

sinais clínicos de infecção, daí a necessidade de observação cuidadosa do paciente,

Page 16: ESTREPTOCOCCIAS

dando atenção a qualquer sinal ou sintoma que possa traduzir instalação de processo

infeccioso.

Antes de iniciar o tratamento deve-se:

Afastar tuberculose (teste tuberculínico PPD e radiografia do pulmão)

Afastar estrongiloidíase (pode se disseminar se a criança for tratada com

esteróides)

Afastar forma intestinal da esquistossomose (diagnóstico pode sugerir tratar-se

de forma secundária de síndrome nefrótica

Realizar sorologias para várias doenças virais (descartar sempre hepatite B e C

e infecção pelo HIV)

Na síndrome nefrótica corticossensível, no 1º surto ou nas recidivas desde que

infrequentes (até 1 recidiva em 6 meses) utiliza-se (MARCONDES):

Prednisona 2mg/kg/24h ou 60mg/m2/24h de superfície corpórea em tomada única

entre 6 e 8 horas da manhã, durante 4 semanas (dose máxima 80mg/24h).

O DESAPARECIMENTO DA PROTEINURIA, 10-15 DIAS APÓS O INICIO DO TTO CONSTITUI FORTE

EVIDÊNCIA DE QUE SE TRATA DE UMA SÍNDROME NEFRÓTICA DO TIPO LESÃO MINIMA.

Ao fim desse período, o paciente é definido como corticossensível (90% dos casos),

caso a proteinúria se torna menor ou igual a 5mg/kg/dia.

A seguir, o corticóide é administrado na dose de 2mg/kg em dose única pela manhã,

agora em dias alternados, durante 2 meses.

Em seguida, a dose é diminuída em 0,5mg/kg a cada 2 semanas, até a suspensão do

tratamento, que durará ao todo 4 meses e meio.

Após a 1ª remissão, várias evoluções são possíveis: remissão definitiva (6-40% dos casos, depende do

serviço); outras tem recidivas espaçadas (10-20%), com intervalos longos, de vários meses sem

medicação, essas evoluem para a cura após um período de tempo imprevisível que pode ser de até

alguns anos; e há os recidivantes frequentes (mais de 1 recidiva em 6 meses ou mais de 2 em 1 ano) e

os corticodependentes (recidiva ocorre durante a redução da prednisona ou nos primeiros 30 dias após

sua retirada), este último grupo é o mais numeroso (40-60% dos casos das SNs idiopáticas).

Nos corticodependentes, pode-se tentar a associação de imunossupressores, sendo a Ciclofosfamida

(2mg/kg/dia) a droga de escolha. Esta associação pode aumentar o periodo de remissão e diminuir os

efeitos colaterais dos corticóides (já que a dose destes poderá ser diminuída).

O risco de recidiva diminui à medida que aumenta o tempo de remissão.

De maneira geral, as recidivas que se seguem a um primeiro tratamento com prednisona continuam

corticossensíveis.

Na prática, o prognóstico das SN corticossensíveis desde o início é bom, mesmo para aqueles casos

com evolução de vários anos. Isso porque os casos tormentosos costumam evoluir para a cura; as

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recidivas mantêm a sensibilidade aos esteróides e o tratamento é compatível com um ritmo de vida

normal.

Outras Considerações

Indicações de biópsia renal (MARCONDES)

Pacientes com menos de 1 ano de idade ou com mais de 8 anos (esta última é

uma indicação relativa)

Pacientes corticorresistentes desde o início ou que se tornaram resistentes

durante a evolução;

Pacientes com insuficiência renal e/ou HAS desproporcional ao grau de edema;

Pacientes com hipocomplementemia persistente;

Pacientes corticodependentes (indicação relativa).

Complicações da Síndrome Nefrótica

1) Fenômenos tromboembolísticos (trombose de veia renal = TVR)

Quando devemos suspeitar de TVR?

Varicocele do lado esquerdo

Hematúria macroscópica

Mudanças no padrão de proteinúria

Assimetria do tamanho e/ou função dos rins

Formas mais associadas À TVR:

Glomerulopatia Membranosa (mais comum)

Amiloidose

2) Alta susceptibilidade a infecções

Principalmente pela deficiência de imunoglobulinas do tipo IgG e componentes da via

alternada do complemento, perdidos pelos glomérulos. O Streptococcus pneumoniae

(pneumococo) é a bactéria mais envolvida. Uma infecção bem comum é a peritonite

bacteriana espontânea, que acomete pacientes com ascite.

SÍNDROME NEFRÍTICA x SÍNDROME NEFRÓTICA

SÍNDROME NEFRÍTICA SÍNDROME NEFRÓTICA Estigma: Hematúria

Início abruptoOutros sinais/sintomas: edema, HAS,

oligúria

Estigma: Proteinúria (seletiva - + albumina - na lesão mínima)

Insidiosa Outros sinais/sintomas:

hipoalbuminemia, edema, hiperlipidemia/lipidúria

Processo patológico básico: invasão glomerular por células inflamatórias

Processo patológico básico: alteração da permeabilidade dos glomérulos

(principalmente barreira de carga por linfocina produzida pelos linfócitos T-sensíveis a corticóides) que passam a

não ser mais capazes de reter

Page 18: ESTREPTOCOCCIAS

macromoléculas (+ proteínas)EAS (sinais de injúria glomerular):

hematúria dismórfica; cilindros hemáticos; piúria

EAS: sem sinais de glomerulite, mas com sinais de lipidúria (cilindros graxos

e corpos ovalados graxos)Bioquímica sérica:

hipocomplementenemia (C3 e CH50); aumento de creatinina e uréia

(diminuição significativa da TFG)

Bioquímica sérica: não há diminuição de complementos; níveis de IgM

aumentados e de IgG diminuídos; aumento de LDL e colesterol

MO: padrão proliferativo difuso (glomérulos invadidos por infiltrado

inflamatório que destroem sua arquitetura, determinando

estreitamento ou oclusão de suas alças capilares)

IF: glomerulonefrite por imunocomplexos (IgG e C3) de aspecto granular nas paredes dos capilares e no

mesângioME: nódulos subepiteliais eletrodensos

(duram 8 semanas)

Na SNLM (períodos de remissão e atividade; dramática resposta aos

corticóides; + associada ao linfoma de Hodgkin e AINEs)

MO: normalME: fusão e apagamento dos podócitos

Tto: restrição hidrossalina; diuréticos de alça; vasodilatadores (para HAS, se

necessário); diálise (congestão volêmica grave e encefalopatia hipertensiva)

Tto - longo e cuidadoso: restrição de sal na dieta; atenção para infecções;

vacinas após 3 meses de suspensão de corticóide; furosemida +

espironolactona (edema); prednisona (desaparecimento de proteinúria auxilia

no prognóstico)