Estresse Pós-traumatico

12
Revista Brasileira de Psiquiatria Transtorno de estresse pós-traumático: critérios diagnósticos Flávio Kapczinski; Regina Margis Laboratório de Psiquiatria Experimental, Centro de Pesquisa, Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil Introdução As conseqüências emocionais do trauma psicológico foram reconhecidas e descritas por autores como Charcot, Freud e Janet. Entretanto, foi com o uso de critérios diagnósticos definidos mais claramente que iniciou- se o estudo sistemático do Transtorno do Estresse Pós-traumático. 1,2 De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), editado em 1948 (CID-6), os transtornos relacionados a eventos traumáticos eram agrupados na categoria de "Desajuste Situacional Agudo" que se manteve na CID-7. Na CID-8, encontra-se a nomenclatura "Transtornos Transitórios de Inadaptação a Situações Especiais". Em 1977, foi introduzida na CID-9 a categoria "Reação Aguda ao Estresse". Detalhando o que consta na classificação atual CID-10, 3 pode-se destacar diferentes categorias diagnósticas relacionadas a eventos traumáticos, mantendo a previamente denominada "Reação Aguda ao Estresse" e sendo introduzindo o "Transtorno de Estresse Pós- Traumático". Estão também presentes as categorias "Outras Reações ao Estresse Grave", "Reação ao Estresse Grave Não Especificada" e "Alteração Permanente de Personalidade Após Experiência Catastrófica". Considerando a classificação americana, em 1952, no DSM-I, foi descrita a categoria "Reação Maciça ao Estresse", excluindo pacientes com outras psicopatologias. No entanto, no DSM-II essa categoria foi retirada e somente reintroduzida em 1980, no DSM-III, 4 com a denominação de "Transtorno de Estresse Pós-Traumático". Permaneceu esta denominação no DSM-III-R (1987) 5 e DSM-IV (1994), 6 sendo que no último foi introduzida a categoria de "Transtorno de Estresse Agudo". Em estudos utilizando os critérios do DSM-III, a prevalência do "Transtorno de Estresse Pós-Traumático" para toda vida estava entre 1,0% 7 e 1,3%. 8 Já naqueles que utilizaram critérios do DSM-III-R, as taxas variavam de 10,4% 9 a 12,3% 10 nas mulheres, e de 5% 9 a 6% 11 nos homens. Um levantamento realizado entre adultos jovens urbanos encontrou uma prevalência de 39,1% de exposição a evento traumático e uma prevalência de TEPT para toda vida na taxa de 9,2%. 11 Segundo dados do NCS (National Comorbidity Survey), 9 7,8% dos entrevistados apresentavam uma história de TEPT de acordo com o DSM-III-R. Considerando populações vítimas de traumas, como, por exemplo, estupro, essa taxa poderia

Transcript of Estresse Pós-traumatico

Page 1: Estresse Pós-traumatico

Revista Brasileira de Psiquiatria

Transtorno de estresse pós-traumático: critérios diagnósticos 

Flávio Kapczinski; Regina Margis

Laboratório de Psiquiatria Experimental, Centro de Pesquisa, Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

Introdução

As conseqüências emocionais do trauma psicológico foram reconhecidas e descritas por autores como Charcot, Freud e Janet. Entretanto, foi com o uso de critérios diagnósticos definidos mais claramente que iniciou-se o estudo sistemático do Transtorno do Estresse Pós-traumático.1,2

De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), editado em 1948 (CID-6), os transtornos relacionados a eventos traumáticos eram agrupados na categoria de "Desajuste Situacional Agudo" que se manteve na CID-7. Na CID-8, encontra-se a nomenclatura "Transtornos Transitórios de Inadaptação a Situações Especiais". Em 1977, foi introduzida na CID-9 a categoria "Reação Aguda ao Estresse". Detalhando o que consta na classificação atual CID-10,3 pode-se destacar diferentes categorias diagnósticas relacionadas a eventos traumáticos, mantendo a previamente denominada "Reação Aguda ao Estresse" e sendo introduzindo o "Transtorno de Estresse Pós-Traumático". Estão também presentes as categorias "Outras Reações ao Estresse Grave", "Reação ao Estresse Grave Não Especificada" e "Alteração Permanente de Personalidade Após Experiência Catastrófica".

Considerando a classificação americana, em 1952, no DSM-I, foi descrita a categoria "Reação Maciça ao Estresse", excluindo pacientes com outras psicopatologias. No entanto, no DSM-II essa categoria foi retirada e somente reintroduzida em 1980, no DSM-III,4 com a denominação de "Transtorno de Estresse Pós-Traumático". Permaneceu esta denominação no DSM-III-R (1987)5 e DSM-IV (1994),6 sendo que no último foi introduzida a categoria de "Transtorno de Estresse Agudo".

Em estudos utilizando os critérios do DSM-III, a prevalência do "Transtorno de Estresse Pós-Traumático" para toda vida estava entre 1,0%7 e 1,3%.8 Já naqueles que utilizaram critérios do DSM-III-R, as taxas variavam de 10,4%9 a 12,3%10 nas mulheres, e de 5%9 a 6%11 nos homens.

Um levantamento realizado entre adultos jovens urbanos encontrou uma prevalência de 39,1% de exposição a evento traumático e uma prevalência de TEPT para toda vida na taxa de 9,2%.11 Segundo dados do NCS (National Comorbidity Survey),9 7,8% dos entrevistados apresentavam uma história de TEPT de acordo com o DSM-III-R. Considerando populações vítimas de traumas, como, por exemplo, estupro, essa taxa poderia alcançar algo entre 60% e 80%.12 É necessário ter claro que diferentes fatores contribuíram para estas diferenças, como as diferenças nos critérios diagnósticos, os procedimentos para obtenção dos dados e as características da amostra.

É inegável a importância de um adequado reconhecimento do quadro de TEPT, tanto pela evidente prevalência do transtorno, quanto pelo comprometimento que ele acarreta ao indivíduo e conseqüentemente à sociedade.

Reação aguda ao estresse, transtorno de estresse pós-traumático e efeitos à longo prazo

Page 2: Estresse Pós-traumatico

A reação aguda ao estresse se caracteriza por iniciar-se logo após o evento traumático. No entanto, existem diferenças a serem destacadas entre os critérios diagnósticos apresentados na CID-10 e no DSM-IV. O Transtorno de Estresse Agudo é uma categoria nova no DSM-IV, que foi acrescentada para descrever reações agudas a um estresse extremo – para fins de compatibilidade com o CID-10 e para auxiliar na detecção precoce de casos.

Na reação aguda ao estresse, conforme a CID-10, o paciente, após ter sido exposto a um estressor mental ou físico excepcional, inicia imediatamente (dentro de uma hora) os sintomas, como um estado de "atordoamento" acompanhado de tristeza, ansiedade, raiva, desespero, entre outros.

Ainda de acordo com a CID-10, após a exposição a evento traumático, é necessária a presença dos sintomas dos critérios B, C e D – associados a estupor dissociativo ou a diferentes sintomas como: retraimento da interação social, diminuição da atenção, desorientação aparente, raiva ou agressão verbal, desespero, desesperança, hiperatividade inadequada e pesar incontrolável e excessivo – para que o transtorno seja denominado como Reação Aguda ao Estresse, a qual pode ser classificada como leve, moderada ou grave.

Quando o estressor é transitório ou pode ser aliviado, os sintomas começam a diminuir após um período inferior a oito horas. Caso a exposição ao estressor continue, os sintomas devem começar a diminuir em 48 horas. A categoria de Reação Aguda ao Estresse, de acordo com a CID-10, inclui a reação aguda de crise, a fadiga de combate, o estado de crise e o choque psíquico.

Considerando os critérios do DSM-IV para Reação Aguda ao Estresse, além da exposição do indivíduo ao evento traumático grave, esse deve ter apresentado intenso medo, ou sensação de impotência no momento da exposição. Enquanto a pessoa vivenciava o evento, ou logo após, passa a ter diferentes sintomas dissociativos, como sensação de distanciamento, redução da consciência quanto às coisas que a rodeiam, desrealização, despersonalização e incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma. Para fins diagnósticos, conforme o DSM-IV, é exigida a presença de pelo menos três destes sintomas dissociativos.

Então, além da exposição ao evento traumático, sensação de impotência frente a ele, e pelo menos três sintomas dissociativos, o indivíduo com Reação Aguda ao Estresse passa a reviver o evento traumático (através de imagens, pensamentos, sonhos) e a evitar aspectos que possibilitem a recordação do trauma, por exemplo: locais, conversas ou pessoas. Esses sintomas devem interferir significativamente na vida do indivíduo, mas o transtorno tem como ponto limitante a duração deles, pois persistem por, no mínimo, dois dias e, no máximo, quatro semanas.

A relação entre o efeito agudo do combate e o resultado à longo prazo foi investigada em veteranos da Guerra do Líbano.13 Esse estudo demonstrou que soldados que se tornaram agudamente perturbados no momento do combate apresentaram maior risco para TEPT e que o transtorno emergiu de reações ameaçadoras do conflito. A taxa de TEPT foi significativamente menor entre aqueles que enfrentaram a situação.Também foi observado que os sintomas intrusivos apresentavam menor especificidade diagnóstica, em contraste com a combinação de sintomas intrusivos e evitativos. Além disso, a proeminência de sintomas intrusivos diminuiu num período de dois anos, enquanto os sintomas evitativos aumentaram.

Estudos retrospectivos demonstram um potencial para cronicidade no TEPT e vários dados reforçam a possibilidade da fenomenologia do transtorno modificar-se com o tempo. É válido destacar que determinados indivíduos apresentam TEPT por longos períodos, como foi observado pelo NVVRS (National Vietnam Veterans

Page 3: Estresse Pós-traumatico

Readjustment Study), constatando que 19 anos após a exposição ao combate, 15% dos veteranos de guerra permaneciam com TEPT. Um estudo realizado com 469 bombeiros que haviam sido expostos a um grande incêndio na Austrália identificou que 42 meses após o desastre, 56% dos bombeiros que apresentaram TEPT logo após o acontecido, permaneciam com os sintomas - os quais flutuavam significativamente com a passagem do tempo. Após oito anos, 4% ainda preenchiam os critérios para o TEPT.14

Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao número de exposições e posterior desenvolvimento de sintomas do TEPT, pois também aí é possível subdividir grupos de indivíduos em relação ao transtorno. Diversos autores citam quadros de indivíduos que apresentaram diferentes exposições a eventos traumáticos, desenvolvendo múltiplos episódios de TEPT, como foi observado num estudo de Solomon, com um grupo de 35 soldados. Após diversas exposições ao combate, alguns deles reativaram os sintomas do TEPT preexistente; um outro grupo, exposto às mesmas condições, desenvolveu um novo episódio de TEPT.13 Há ainda aqueles indivíduos que passam a apresentar sintomas relacionados ao primeiro evento traumático após a ocorrência de um segundo ou terceiro evento (não tendo desenvolvido TEPT anteriormente).

Síndrome parcial do transtorno de estresse pós-traumático

Alguns estudos examinaram a prevalência de síndrome parcial do TEPT e o comprometimento provocado por essa. A síndrome parcial do TEPT pode ser definida pela existência de pelo menos um item de cada categoria dos critérios diagnósticos do DSM-IV.15 No entanto, estudos16-18 que avaliaram o comprometimento relacionado ao TEPT parcial não foram específicos em relação a comorbidade presente naqueles indivíduos. Uma vez que são conhecidas as elevadas taxas de comorbidade com TEPT,7,9,11 não é adequado considerarmos que o comprometimento observado nestes pacientes deva-se unicamente ao transtorno.

.

TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO - 1

Na realidade, os prejuízos determinados pelos acidentes da vida em sociedade ultrapassam em muito os números de mortos ou as perdas materiais. Esses outros prejuízos não aparecem nos números “oficiais” e dizem respeito à pessoa humana, ao prejuízo emocional do ser humano comum.

Como a violência urbana e a agressão interpessoal constituem ameaça à vida, à integridade física e à sensação de segurança das pessoas de forma cotidiana, a resposta emocional das pessoas sob a forma de Transtorno por Estresse Pós-Traumático começa a se tornar uma ocorrência freqüente. Trata-se dos transtornos emocionais desencadeados pelo esforço adaptativo do indivíduo ao seu meio e, quanto mais hostil for esse meio, maiores as probabilidades de transtornos emocionais.

 A idéia do Transtorno por Estresse Pós-Traumático é um conceito desenvolvido a partir de 1980, nas classificações internacionais (CID.10 e DSM.IV), que permitiu unificar uma série de categorias de transtornos emocionais reativos a acontecimentos traumáticos anteriormente dispersos na classificação psiquiátrica.

No século XIX, entretanto, diversos psiquiatras e neurologistas já reconheciam os sintomas característicos do atual Transtorno por Estresse Pós-Traumático, incluindo o quadro dentro da neurose histérica ou de conversão. Em 1920, Freud definiu o conceito de Trauma Psíquico sofrido pelos ex-combatentes como uma espécie de “ruptura da barreira aos estímulos”.

Page 4: Estresse Pós-traumatico

Depois da Segunda Guerra Mundial ressurgiu o interesse pelas manifestações clínicas desta síndrome, a qual passou a ser conhecida como “neurose traumática ou de guerra”. Portanto, conforme veremos, o quadro que antigamente era conhecido por Neurose de Guerra, ressurge hoje nos grandes centros urbanos como uma resposta do cidadão comum às agressões que a sociedade moderna o submete.

O diagnóstico Transtorno por Estresse Pós-Traumático é cada vez mais freqüente no campo pericial, e tem sido um diagnóstico útil na clínica, permitindo o estudo de um quadro clínico emocional causado especificamente por um acontecimento traumático.

INCIDÊNCIA

Em 1980, a American Psychiatric Association acrescentou o Transtorno do Estresse Pós-Traumático à terceira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-III), seu esquema de classificação nosológica. Embora fosse controverso como diagnóstico quando apresentado, o Transtorno do Estresse Pós-Traumático preencheu um importante hiato na teoria e prática da Psiquiatria.

De uma perspectiva histórica, a mudança significativa trazida pelo conceito do Transtorno do Estresse Pós-Traumático foi estipular que o agente etiológico estivesse fora do próprio indivíduo (ou seja, evento traumático), e não fosse uma fraqueza individual inerente (ou seja, neurose traumática). A chave para compreender a base científica e a expressão clínica do Transtorno do Estresse Pós-Traumático é o conceito de "trauma".

Em sua formulação inicial no DSM-III, um evento traumático foi conceitualizado como estressor catastrófico fora do alcance da experiência habitual humana. Os elaboradores do diagnóstico original de Transtorno do Estresse Pós-Traumático tinham em mente eventos tais como guerra, tortura, estupro, o Holocausto Nazista, o bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki, catástrofes naturais (como terremotos, furacões e erupções vulcânicas), bem como catástrofes provocadas pelo homem (como explosões em indústrias, acidentes aéreos e acidentes com automóveis).

Eles consideraram eventos traumáticos como claramente diferentes dos estressores muito dolorosos que constituem as vicissitudes normais da vida, como divórcio, falha, rejeição, doença grave, reveses financeiros e afins. Assim, as respostas psicológicas adversas lógicas a tais "estressores comuns", em termos de DSM-III, seriam caracterizadas como Transtornos de Ajustamento, e não Transtorno do Estresse Pós-Traumático.

Esta dicotomização entre estressores traumáticos e outros (não traumáticos) se baseou na suposição de que, embora a maioria dos indivíduos tenha a capacidade de enfrentar estresse comum, suas capacidades adaptativas provavelmente são superadas quando confrontados com um estressor muito traumático.

O Transtorno do Estresse Pós-Traumático é peculiar entre outros diagnósticos psiquiátricos devido à grande importância dada ao agente etiológico, o estressor traumático. São bastante freqüentes as seqüelas psico-traumáticas das pessoas vitimadas por experiências traumáticas da dita civilidade. 

Shalev (1992) encontra 33% de Transtorno por Estresse Pós-Traumático em vítimas civis israelenses, Loughrei (1988) achou 23% de Transtorno por Estresse Pós-Traumático em vítimas do terrorismo em Irlanda do Norte; Abenhaim (1992) encontrou 18% de Transtorno por Estresse Pós-Traumático em vítimas de atentados na França de 1982 a 87. Para Weisaeth (1989) a incidência do Transtorno por

Page 5: Estresse Pós-traumatico

Estresse Pós-Traumático chega a 54%, nas vítimas do terrorismo e de tortura, um número bastante alarmante.

De fato, é provável que alguns tipos de eventos sejam mais traumáticos que outros e produzam taxas diferentes de Transtorno por Estresse Pós-Traumático mas, de qualquer forma, a severidade e cronicidade dos sintomas não seriam proporcionais apenas à magnitude do acontecimento e sim, sobretudo, ao grau de risco da vítima. Esse grau de risco seria composto pela sensibilidade afetiva da vítima e pela inclusão desta nos grupos de risco, composto por militares, policiais, políticos, determinados profissionais de especial relevância.

Estima-se que a prevalência do Transtorno de Estresse Pós-Traumático na população geral ao longo da vida é aproximadamente de 1 a 4% (Helzer, 1987 -Kessler, 1995). Reinherz (1993), observou uma prevalência do 6,3% entre adolescentes, sem que tal prevalência se modificasse com o nível socioeconômico, uma vez que era similar tanto nas classes mais diferenciadas, quanto nas menos favorecidas.

Causa e Patologia

Alguns autores, enfatizam sobremaneira a influência da severidade das agressões no risco de desenvolver o Transtorno por Estresse Pós-Traumático. Dab (1987) assinala que a gravidade das seqüelas físicas é proporcional à importância do dano físico e que 80% dos feridos graves desenvolvem um Transtorno por Estresse Pós-Traumático. A comorbilidade do Transtorno por Estresse Pós-Traumático com Transtorno Depressivo também é maior nessas pessoas, sobretudo quando se compara a incidência de 21,8% de depressão nos sujeitos severamente feridos, que corresponde a 2,6 vezes mais que nas pessoas feridos levemente ou não feridos (Bouthillon, 1992).

Falando contra a eventual importância exclusiva da agressão ou fato estressante no desenvolvimento do Transtorno por Estresse Pós-Traumático, está o fato da maior parte das vítimas de uma experiência traumática não desenvolver o transtorno. Isso torna necessário considerar outros fatores que possam intervir na origem e manutenção do transtorno (Breslau, 1992 - Davidson, 1993).dos modelos que se tem proposto para o desenvolvimento  do Transtorno por Estresse Pós-Traumático, baseado na teoria do processamento da informação (Foa, 1995), distingue três componentes:

A - Os primeiros componentes seriam os fatores constitucionais e de predisposição pessoal, nos quais se podem integrar:1. - As variáveis sócio-demográficas, tais como o sexo, idade, raça, nível socioeconômico, estado civil;2. - Os fatores de ajuste emocional pré-mórbido, tais como a depressão, ansiedade, história psiquiátrica prévia, estresse e experiências prévias. Esses fatores poderiam influir nos esquemas prévios de pensamento e consciência que a pessoa tem sobre sua segurança, perigo e vulnerabilidade.B - O segundo componente seria circunstancial e estaria vinculado às lembranças do acontecimento traumático, às relações entre a vítima e o agente causal, a brutalidade do assalto, à percepção de risco de vida. O impacto do trauma produz uma desorganização intrapsíquica caracterizada pela incapacidade de processar adequadamente as intensas emoções de medo, raiva, ansiedade e as lembranças traumáticas.C - O terceiro fator se refere ao processamento psíquico depois do trauma, ou pós-traumático. Aqui se inclui as reações imediatas, tais como pavor, medo, depressão, desespero, etc., o esquema de superação do trauma que

Page 6: Estresse Pós-traumatico

apresenta a vítima, os efeitos posteriores de evitação e a persistência de outros sintomas do Transtorno por Estresse Pós-Traumático.

Influi ainda nesse terceiro elemento (pós-traumático) as sensações de ameaças do entorno, os sentimentos de culpa, a auto-reprovação do que possa ter feito durante a experiência traumática e o suporte social que recebe depois.

DIAGNÓSTICO

De fato, não se pode fazer um diagnóstico de Transtorno do Estresse Pós-Traumático a menos que realmente se satisfaça o "critério do estressor", que significa que o paciente se expôs a um evento histórico que é considerado traumático. A experiência clínica com o diagnóstico de Transtorno do Estresse Pós-Traumático tem mostrado, contudo, que há diferenças individuais com referência à capacidade de enfrentar estresse catastrófico, de modo que, enquanto algumas pessoas expostas a eventos traumáticos não desenvolvem Transtorno do Estresse Pós-Traumático, outras prosseguem para o desenvolvimento da síndrome completa.

Tais observações têm feito surgir o reconhecimento de que o trauma, como a dor, não é fenômeno externo que possa ser completamente objetivado. Como a dor, a experiência traumática é filtrada através de processos cognitivos e emocionais antes de poder ser avaliada como ameaça externa. Devido às diferenças individuais neste processo de avaliação, pessoas diferentes parecem ter diferentes limiares de trauma, algumas mais protegidas e outras mais vulneráveis ao desenvolvimento de sintomas clínicos depois de exposição a situações extremamente estressantes.

Embora haja um interesse renovado em aspectos subjetivos de exposição traumática, deve-se enfatizar que a exposição a eventos como estupro, tortura, genocídio e intenso estresse de zona de guerra são experimentados como evento traumático por quase todos.

Os critérios diagnósticos do DSM-III para Transtorno do Estresse Pós-Traumático foram revisados no DSM-III-R (1987) e DSM-IV (1994). Essas revisões e critérios serviram para que uma síndrome muito semelhante fosse classificada na CID-10. Os critérios diagnósticos para Transtorno do Estresse Pós-Traumático incluem história de exposição a "evento traumático" e sintomas de cada um destes três grupos;

Evocações intrusivas,Sintomas de evitação/insensibilidade eSintomas de hiperestimulação.

Um quinto critério refere-se à duração dos sintomas.

QUADRO CLÍNICO

Um achado importante, que não ficou aparente quando o Transtorno do Estresse Pós-Traumático foi proposto pela primeira vez como diagnóstico em 1980, é ser ele relativamente comum.

Dados recentes do levantamento nacional de comorbidades indicam que as taxas de prevalência do Transtorno do Estresse Pós-Traumático são de 5 e 10%, respectivamente entre homens e mulheres americanos (Kessler et al., 1996).

1 - O critério "A" especifica que uma pessoa foi exposta a um evento catastrófico envolvendo morte ou lesão real ou ameaçada, ou ameaça à integridade física de si mesma é marcada por intenso medo, impotência ou horror.

Page 7: Estresse Pós-traumatico

2 - O critério "B" ou evocação intrusiva inclui sintomas que talvez sejam os mais distintivos prontamente identificáveis do Transtorno do Estresse Pós-Traumático. 3  - O critério "C" ou insensibilidade consiste em sintomas refletindo estratégias comportamentais, cognitivas ou emocionais pelas quais os pacientes com Transtorno do Estresse Pós-Traumático tentam reduzir a probabilidade de que se exponham a estímulos traumamiméticos ou, se expostos, minimizarão a intensidade de sua resposta psicológica.Estratégias comportamentais incluem evitar qualquer situação na qual percebam o risco de enfrentar tais estímulos.4 - Os sintomas incluídos no critério "D" ou hiperestimulação assemelham-se mais aos vistos no transtorno do pânico e da ansiedade generalizada. Conquanto sintomas como insônia e irritabilidade sejam genéricos na ansiedade, hipervigilância e alarme são mais peculiares. A hipervigilância no Transtorno do Estresse Pós-Traumático algumas vezes pode tornar-se tão intensa, que parece franca paranóia. A resposta do alarme tem substrato neurobiológico peculiar e realmente pode ser o sintoma mais patognomônico do Transtorno do Estresse Pós-Traumático (Friedman, 1991).5 - O critério "E" ou de duração especifica quanto tempo os sintomas devem persistir a fim de se qualificarem para o diagnóstico de Transtorno do Estresse Pós-Traumático crônico ou tardio. No DSM-III, a duração obrigatória era de seis meses. No DSM-III-R, a duração foi abreviada para um mês, tendo aí permanecido no DSM-IV.

Para indivíduos com Transtorno do Estresse Pós-Traumático, o evento traumático permanece, algumas vezes por décadas ou a vida toda. Trata-se de uma experiência psicológica dominante que retém seu poder de evocar pânico, terror, pavor, apreensão, aflição ou desespero, manifestos em fantasias diurnas, pesadelos traumáticos e reconstituições psicóticas conhecidas como flashbacks do Transtorno do Estresse Pós-Traumático.

Além disso, estímulos traumamiméticos que desencadeiem evocações do evento original têm o poder de evocar imagens mentais, respostas emocionais e reações psicológicas associadas ao trauma.

Pesquisadores, aproveitando-se deste fenômeno, conseguem reproduzir sintomas de Transtorno do Estresse Pós-Traumático no laboratório, expondo indivíduos afetados a estímulos traumamiméticos auditivos ou visuais (Keane et al., 1987).

 Em sua manifestação mais extrema, o comportamento de evitação assemelha-se à agorafobia, porque o indivíduo com Transtorno do Estresse Pós-Traumático tem medo de sair de casa, por temor de se confrontar com lembretes do(s) evento(s) traumático(s).

Dissociação e amnésia psicogênica estão incluídas entre os sintomas de evitação/insensibilidade pelos quais os indivíduos cortam da experiência consciente as lembranças e sentimentos baseados no trauma. Finalmente, já que os indivíduos com Transtorno do Estresse Pós-Traumático não conseguem tolerar emoções fortes, especialmente as associadas à experiência traumática, separam os aspectos cognitivos dos emocionais na experiência psicológica e percebem somente os primeiros. Tal "insensibilidade psíquica" é uma anestesia emocional que torna extremamente difícil para as pessoas com Transtorno do Estresse Pós-Traumático participarem de relações interpessoais significativas.

Natureza da Experiência Traumática  

Considerando o desenvolvimento de Transtorno por Estresse Pós-Traumático e a natureza do trauma experimentado, a violência interpessoal é tida como um forte fator causal. Em alguns estudos, no cenário urbano cotidiano, o estupro tem um

Page 8: Estresse Pós-traumatico

evento fortemente associado ao Transtorno por Estresse Pós-Traumático, tanto em homens como em mulheres (M. J. Friedman e E. Y. Deykin, NeuroPsicoNews).

À parte do estupro, outras formas de agressão à pessoa conferem um alto risco de Transtorno por Estresse Pós-Traumático subseqüente, e não apenas para a vítima como, muitas vezes, às testemunhas. Kilpatrick relata que as crianças testemunhas da violência doméstica, mas que não foram elas próprias vítimas, também tinham probabilidade significativamente mais alta de Transtorno por Estresse Pós-Traumático que as crianças que não testemunhavam tal violência (NeuroPsicoNews).

Conquanto dados atuais todos apontem para taxas altas de Transtorno por Estresse Pós-Traumático após violência interpessoal, em algumas regiões o transtorno também pode ocorrer após catástrofes naturais, como terremotos, furacões e acidentes, bem como guerra. Pesquisas sobre as conseqüências de catástrofes naturais e acidentes sugerem que, na fase inicial, pode haver consideráveis sintomas relacionados ao trauma, mas os efeitos tendem a diminuir mais rápido que no caso de violência interpessoal.

Trauma Estressor versus Constituição Pessoal  

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático é único dentro dos transtornos mentais pois tem a peculiaridade de que seu agente causal tem de ser perfeitamente conhecido: o trauma estressor.O estresse é um dos termos mais amplamente utilizados na vida cotidiana, pelo que requer uma definição precisa. Normalmente o conceito de estresse inclui quatro elementos:

1.- Um acontecimento  “estressor”;2.- Uma modificação do equilíbrio psicológico e fisiológico do organismo depois do acontecimento;3.- Um desequilíbrio que se manifesta por um estado de ativação marcada por conseqüências neuropsicológicas, cognitivas e emocionais para o indivíduo e;4.- Mudanças que dificultam a adaptação do indivíduo.

Geralmente se tem aceitado que, ainda que o estressor tenha marcantes características objetivas, a resposta individual vai depender de como a pessoa percebe a ameaça. Por isso tem sido cada vez maior o interesse pelas estratégias cognitivas de enfrentamento, já que esse tipo de terapia propõe-se a atuar na valorização da realidade percebida.

Devido a estas diferenças individuais em relação ao mesmo estímulo (ou trauma estressor), é difícil predizer quais as pessoas que reagirão negativamente, dessa ou daquela maneira, ante um acontecimento em particular.critérios diagnósticos do CID-10 se apresentam de forma tão “fisiológica”, que sugerem ser, o Transtorno por Estresse Pós-Traumático, uma reação normal a um acontecimento anormal. Nesse caso o “defeito” seria exclusivamente do destino e não da pessoa.

Pensando assim, poderíamos extrair duas conclusões: o trauma estressor é a causa  exclusiva do Transtorno por Estresse Pós-Traumático e, esse estado mórbido pode ocorrer facilmente a qualquer pessoa, pois, de acordo com o conceito do CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), para que um paciente seja classificado como portador de transtorno de estresse pós-traumático, deve ter vivenciado um estresse de tal magnitude que seria traumático para qualquer pessoa (experiências de combate, catástrofes naturais, estupros, sérios acidentes automobilísticos e incêndios).

Page 9: Estresse Pós-traumatico

Apesar desse conceito do CID-10, existe uma grande controvérsia quanto ao binômio automático vivência traumática-transtorno, e as pesquisas atuais estão dando maior importância ao aspecto subjetivo do estresse do que ao estresse em si mesmo. Isso porque, em muitas ocasiões, a maioria dos indivíduos expostos ao trauma não desenvolve nenhum transtorno, pelo que se poderia afirmar que o acontecimento traumático seria necessário mas não suficiente para o desenvolvimento do Transtorno por Estresse Pós-Traumático.

Assim sendo, embora o estressor seja sempre um fator associado ao desenvolvimento do Transtorno por Estresse Pós-Traumático ele pode não ser o único. Um fato importante, ressaltado novamente, é que nem todos os indivíduos expostos ao estressor manifestam o Transtorno por Estresse Pós-Traumático. A atual literatura tem sugerido que o desenvolvimento do Transtorno por Estresse Pós-Traumático não depende somente da gravidade do trauma em si, parecendo evidente que as experiências subjetivas são, no mínimo, tão importantes como as características objetivas do trauma.

O significado emocional do estressor para o paciente engloba todo o universo subjetivo de cada pessoa e já se apontam alguns fatores predisponentes de vulnerabilidade que parecem ter papéis fundamentais no desenvolvimento do Transtorno por Estresse Pós-Traumático. Seriam eles:

1. a existência de outros traumas de infância2.  traços prévios de Transtorno da Personalidade, notadamente do tipo

borderline, paranóide, dependente, ou anti-social;3. inadequado apoio do entorno;4.  antecedentes genético-constitucionais de doenças psiquiátricas;5.  mudanças de vida recente e estressante;6.  consumo recente e excessivo de álcool.

Ainda sobre a valoração subjetiva da experiência vivida e da maior vulnerabilidade  ao Transtorno por Estresse Pós-Traumático, observa-se que os idosos, devido à tendência de terem mecanismos mais rígidos de enfrentamento e de serem menos capazes de colocar em ação um enfoque flexível para lidarem com as experiências traumáticas, teriam também maior probabilidade de desenvolver o Transtorno por Estresse Pós-Traumático. E as crianças pequenas também, devido ao fato de ainda não possuírem um mecanismo de enfrentamento adequado para lidarem com os insultos físicos e emocionais do trauma.

Por tudo isso, pode concluir-se que, deixando de lado a validade dos critérios de diagnósticos, cada vez é maior a evidência de que o Transtorno por Estresse Pós-Traumático se trata de uma Reação Vivencial Anormal diante de um acontecimento também anormal, o qual inclui uma complexa interação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais.

Nos últimos anos, estudos cada vez mais exaustivos do Transtorno por Estresse Pós-Traumático e dos possíveis mecanismos patogênicos, têm revelado um número de agentes estressantes continuamente crescente. Incluem-se, entre esses agentes estressores capazes de desenvolver o Transtorno por Estresse Pós-Traumático, desde conflitos bélicos, onde se descreveu inicialmente esse transtorno (antiga neurose de guerra), até os desastres naturais ou humanos, passando pela violência urbana, abuso físico ou sexual e as enfermidades ou acidentes com grave risco de vida.