Estrutura_Primaria_v2004

16
ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA NAVAL E OCEÂNICA A ESTRUTURA PRIMÁRIA DO NAVIO (TEORIA DE VIGAS – Viga Navio) THIAGO PONTIN TANCREDI ________________________________________________________ VERSÃO 1.0 - REV. FEVEREIRO DE 2004

Transcript of Estrutura_Primaria_v2004

ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA NAVAL E OCEÂNICA

A ESTRUTURA PRIMÁRIA DO NAVIO (TEORIA DE VIGAS – Viga Navio)

THIAGO PONTIN TANCREDI

________________________________________________________ VERSÃO 1.0 - REV. FEVEREIRO DE 2004

ESTRUTURA PRIMÁRIA 1. INTRODUÇÃO

A principal função de uma estrutura é servir como “suporte material para a

transmissão de esforços”. Este princípio, embora simples, aplica-se a todo tipo de estrutura envolvida

nos projetos de engenharia, seja um enorme prédio, um moderno ônibus espacial ou mesmo um submersível sob as gélidas águas do ártico.

A estrutura de um prédio é composta por lajes, vigas e colunas, que tem como função transmitir o carregamento de cada andar até o solo.

Um navio de superfície sofre a ação de ventos, correntezas e ondas, além de ter que resistir ao peso próprio e a carga que transporta, sendo os três últimos (onda, peso e carga) elementos de grande importância no projeto.

Nem sempre é fácil determinar o carregamento atuante em uma estrutura. Estruturas navais são especialmente difíceis, visto que a maior parte do carregamento externo provém de ocorrências naturais (vento, onda, correnteza, tempestade) ou mesmo de sinistros humanos (explosões internas, explosões externas, colisões, torpedos...) que só podem ser estimados por métodos probabilísticos.

A análise de uma estrutura, usualmente, pode ser dividida em efeitos globais e efeitos locais. À análise global de uma estrutura naval costuma ser denominada Estrutura Primária da embarcação.

Graças a uma geometria peculiar, com uma das dimensões “privilegiada” (em geral o comprimento) em relação às demais, os navios podem ser globalmente analisados utilizando-se a Teoria de Vigas.

Mesmo a Teoria Simples de Vigas fornece bons resultados para navio com coeficientes L/B e L/D maiores que oito. Para coeficientes menores, o comportamento estrutural começa a sofrer influência da deflexão ocorrida nas outras direções (B, D), e a Teoria Simples de Vigas passa a não mais produzir resultados coerentes com este comportamento.

Para esta análise deve-se representar o navio através de uma viga (denominada “viga-navio”) que possui comprimento igual ao navio analisado.

A secção da viga-navio varia ao longo do comprimento assumindo valores de área, inércia e módulo de Young (E) relativos a secção do navio de mesma posição ao longo do comprimento.

Secção A Secção B

Figura 1.1 – Viga Navio

Assim a viga-navio possui secção cujas propriedades variam ao longo do comprimento, representando o navio analisado. A Figura 1.1 destaca duas secções. A secção A da viga-navio possui área, momento de inércia e módulo de Young diferentes dos existentes na secção B da viga-navio, pois representam diferentes secções do navio.

Cuidado! Defini-se em estrutura, a área da secção do navio como sendo aquela preenchida por material estrutural (em geral aço ou alumínio) representada pela espessura do chapeamento e pela secção dos perfis longitudinais e não pela área representada pelo contorno da baliza.

Outra observação importante é que apenas materiais contínuos por mais de 2/3 do comprimento do navio devem ser considerados na analise da Estrutura Primária do navio.

Elementos com comprimentos menores que 2/3 do comprimento do navio não contribuem efetivamente para a resistência longitudinal da embarcação, pois a curvatura de sua deflexão é muito menor que a curvatura da deflexão da viga-navio e por isso devem ser analisados em separados quando necessários.

Essa observação é especialmente válida para a superestrutura de navios convencionais que usualmente possuem comprimento muito menor que 2/3 de L e não devem ser incorporados à viga-navio. Portanto, na Figura 1.1 a secção A possui a área e momento de inércia da secção A do navio quando desconsideramos a contribuição da superestrutura.

123456789

Viga-Navio

2. EQUILÍBRIO DA VIGA-NAVIO A viga-navio tem carregamento (pressão e empuxo) alto equilibrado, não

possuindo nenhum vinculo externo. Essa característica é o que se costuma denominar em Resistência dos Materiais por “viga livre-livre” (em virtude de ambos os extremos da viga estarem livres de vínculos).

Portanto o ponto mais importante na análise da Estrutura Primária é o equilíbrio do navio na onda.

O navio estará equilibrado somente se duas condições forem satisfeitas. A primeira; mais imediata; vem do equilíbrio entre peso e flutuação (empuxo).

É necessário que o empuxo seja rigorosamente igual ao peso do navio. A segunda condição diz respeito à posição do centro de gravidade e do

centro de flutuação que devem pertencer a um mesmo eixo vertical do navio. Portanto LCB (posição longitudinal do centro de flutuação) e LCG (posição longitudinal do centro de gravidade) devem ser rigorosamente iguais.

Caso uma das condições não seja satisfeita é necessário modificar o calado e o ângulo de trim do navio para alcançar o equilíbrio.

Em geral uma diferença entre o peso e a flutuação deve ser corrigida modificando-se o calado médio.

Flutuação > Peso

Flutuação < Peso

Figura 2.1 – Modificação do calado médio para equilíbrio entre Peso e Flutuação

123456789

123456789

t rim positivo

Já uma diferença entre LCG e LCB deve ser corrigida modificando-se o trim do navio. Em geral no caso de embarcações convencionais (petroleiros e graneleiros) a região de popa costuma ser mais pesada em virtude da praça de máquinas e superestrutura; portanto costuma-se adotar por convenção trim com valores positivos para aqueles que aumentam o calado da popa e reduzem o calado da proa.

LCG > LCB

LCG < LCB

Figura 2.2 – Modificação do ângulo de trim para equilíbrio entre LCG e LCB Ao modificar o ângulo de trim do navio, deve-se corrigir o calado ao longo da

embarcação. Assim, para água tranqüilas o calado que havia sido suposto constante igual ao calado médio ao longo de todo o comprimento, ganha uma correção devido ao ângulo de trim.

A rigor ao modificar o calado ao longo da embarcação modifica-se a distribuição de flutuação ao longo do comprimento e modificar o Empuxo fazendo com que a primeira condição não seja mais satisfeita.

Assim o equilíbrio de um navio em ondas é um processo interativo, mas de rápida convergência.

123456789

123456789

A forma mais simples de equilíbrio ocorre para o navio em “águas tranqüilas”, na ausência de ondas.

A primeira etapa no equilíbrio do navio é levantar a curva de peso da embarcação. Além do Peso proveniente do casco, representado pela área de cada secção da viga navio, a viga deve ser carregada ainda com cargas pontuais a fim de representar praça de máquinas, porões de carga carregados, tanques de lastros cheios, super estruturas ou quaisquer outros elementos de massa significativa.

Quando não se dispõe do plano de Balizas (ou nos primeiros ciclos de um projeto), em geral, para navios convencionais, pode-se admitir o peso do casco (sem as cargas pontuais) uniformemente distribuído ao longo do comprimento.

As cargas pontuais podem ser modeladas de duas formas. A primeira, mais simples, trata as cargas pontuais como massas concentradas localizadas no LCG de cada carga pontual a ser modelada. A segunda, mais complexa, trata as cargas pontuais como uma distribuição uniforme da massa modelada dividida ao longo do comprimento do elemento representado.

Figura 2.3 – Cargas pontuais (praça de máquinas e os porões de carga) tratadas

como massas concentradas

Figura 2.4 – Cargas pontuais (praça de máquinas e os porões de carga) tratadas como cargas distribuídas ao longo do comprimento dos elementos modelados.

123456789

123456789

Combinando-se a curva de peso distribuído com a curva das cargas pontuais fica determinada a curva de peso atuante na embarcação.

Figura 2.5 – Exemplo da curva de peso ao longo do navio Já a distribuição da flutuação só pode ser obtida pela integração do volume

submerso de cada secção ao longo do comprimento. Embora para navios “didáticos” do tipo “caixa” (prismáticos) ou navios com coeficiente de bloco “Cb” próximo a um (graneleiros e petroleiros), pode-se aproximar o volume deslocado pela embarcação com relativa precisão.

Para se determinar a curva de flutuação b(x) deve-se levantar a curva A(x) que representa a área submersa da baliza localizada na posição x para um dado calado h(x).

A rigor, este processo é bem complicado e só pode ser feito com absoluta precisão utilizando-se programas computacionais. No entanto, é comum no projeto naval o levantamento das “Curvas de Bonjean” ainda na fase de projeto. Estas curvas fornecem justamente a área submersa de uma baliza localizada na posição x para qualquer valor de calado h(x).

Outra possibilidade é aproximar a área A(x) pelo produto do calado h na posição x pela boca do navio também na posição x. Pode-se então corrigir este valor por um coeficiente de forma, como por exemplo o coeficiente de bloco Cb. Essa aproximação tem defeitos óbvios e mesmo corrigida pelo coeficiente Cb só pode ser usada adequadamente para navio prismáticos de secção simples.

0.00 E+00

5.00 E+03

1.00 E+04

1.50 E+04

2.00 E+04

2.50 E+04

0.00 50.00 100.00 150.00 200.00 250.00

kgf

Curva de Pesos

123456789

Figura 2.6 – A direita a curva de Bonjean relativa a baliza especifica

representada a esquerda

Figura 2.7 – As Curvas de Bonjean em sua forma mais comum

Levantada às curvas de peso p(x) e flutuação b(x), deve-se verificar o

equilíbrio. Esta verificação pode ser feita em modo contínuo (através de integração) ou

em intervalos discretos; como compartimentos. Mas na prática este processo é sempre feito por integração numérica.

FlutuaçãoFlutuaçãodaMomentoLCB

PesoPesodoMomentoLCG

dxxbxFlutuaçãodaMomento

LCGascdxxpxPesodoMomento

dxxbFlutuação

pontuaisascdxxpPeso

l

l

ac

l

l

..

..

)(...

*arg)(...

)(

.arg)(

0

0arg

0

0

=

=

=

+=

=

+=

∫ ∑

∫ ∑

Uma questão interessante que sempre produz duvidas é o eixo transversal

no qual o navio realiza o movimento de pitch que conduz ao ângulo de trim de equilíbrio.

Embora alguns alunos tendam a pensar que tal movimento se dá em torno do eixo transversal que cruza o centro de gravidade ou mesmo do eixo transversal que cruza o centro de flutuação, a rigor este movimento ocorre em torno do eixo que cruza a posição longitudinal do centro da área de linha d’água, que para a maioria dos navios convencionais pode ser aproximado por L/2 para os cálculos estruturais sem perda significativa da qualidade da resposta.

Ao modificar o ângulo de trim do navio, deve-se corrigir o calado ao longo da embarcação. Assim, para água tranqüilas o calado que havia sido suposto constante igual ao calado médio ao longo de todo o comprimento, ganha uma correção devido ao ângulo de trim.

)tan().2

()( φxLhxh m −+=

Correção devido ao ângulo de trim Além do equilíbrio em águas tranqüilas existem configurações também

equilibradas que promovem solicitações estruturais ainda mais severas para a viga-navio.

3. TOSAMENTO e ALQUEBRAMENTO

A ação das ondas sobre o navio modifica a distribuição da flutuação ao longo do comprimento, podendo resultar em maior solicitação estrutural ao navio.

Entre os diversos comprimentos de onda que compõe o espectro de mar, algumas produzem solicitações estruturais severas, que precisam ser consideradas no projeto.

Ondas com comprimento muito menor que o comprimento do navio produzem uma modificação no calado com freqüência muito alta, gerando mais efeitos locais do que efeitos globais.

Por outro lado, ondas de comprimento muito maior que o comprimento do navio produzem uma modificação no calado de freqüência muito baixa. Tudo se passa como se o navio estivesse navegando sobre águas tranqüilas, embora cruze ondas de comprimento muito maior que o comprimento do próprio navio.

Figura 3.1 – Onda de comprimento muito menor que o comprimento do navio

Figura 3.2 – Onda de comprimento muito maior que o comprimento do navio

Atenção! Marola não é onda! Algumas normas e referências específicas sugerem considerar como onda crítica àquela com comprimento igual ao comprimento do navio e altura dada por L/20.

123456789

Existem muitas formas de se modelar às ondas do mar, que diferem de acordo com o grau de complexibilidade que se deseja. Em engenharia de estruturas é comum utilizar dois modelos de ondas; a onda senoidal e a onda trocoidal.

⎪⎩

⎪⎨⎧

=

==

xxLxAy

SenoidalOndas

s )*2cos(*.

π

⎪⎪⎩

⎪⎪⎨

−=

==

)*2sin(*

)*2cos(*.

LxAxx

LxAy

TrocoidalOnda

t

tt

π

π

Figura 3.3 – Comparação da onda senoidal (azul) e da onda trocoidal (rosa) Embora nenhum dos dois modelos represente fielmente a realidade, e

mesmo sendo sutil a diferença entre eles, a onda trocoidal oferece resultados com melhor aderência à realidade.

A primeira configuração critica resultante da ação das ondas é denominada Tosamento. Nesta configuração a secção a meia nau encontra-se no vale de uma onda de comprimento igual ao comprimento do navio.

Figura 3.4 – Onda Senoidal de Tosamento

123456789

123456789

Portanto a função que descreve o calado ao longo do comprimento do navio além de ser corrigida em relação ao ângulo de trim do navio deve ser corrigida em relação á forma da onda.

)tan(*)2

()*2cos(*)(:. φπ xLLxAhxhSenoidalOnda m −++=

)tan(*)2

()*2cos(*)(:. φπ xLLxAhxhTrocoidalOnda t

m −++=

É interessante observar que na configuração de Tosamento o convés

superior na secção mestra encontra-se sobre compressão enquanto o fundo do navio encontra-se sobre tração.

A segunda configuração crítica a ser analisada ocorre quando a secção a meia nau encontra-se na crista de uma onda de mesmo comprimento do navio analisado. Esta configuração é denominada Alquebramento.

A onda de Alquebramento pode ser modelada em relação ao navio através de uma mudança de fase em relação à onda de Tosamento.

⎪⎩

⎪⎨⎧

=

−==

xxLxAy

SenoidalOndas

s )*2cos(*.

π

⎪⎪⎩

⎪⎪⎨

−=

−==

)*2sin(*

)*2cos(*.

LxAxx

LxAy

TrocoidalOnda

t

tt

π

π

Figura 3.5 – Onda Senoidal de Alquebramento

123456789

Correção devido à forma da onda

Considerando a mesma onda crítica proposta para a configuração de Tosamento, com mesmo comprimento do navio analisado e com altura dada por L/20, pode-se levantar a curva de calado ao longo do comprimento do navio de forma análoga ao feito para a configuração de Tosamento.

)tan(*)2

()*2cos(*)(:. φπ xLLxAhxhSenoidalOnda m −+−=

)tan(*)2

()*2cos(*)(:. φπ xLLxAhxhTrocoidalOnda t

m −+−=

4. CARREGAMENTO DA VIGA-NAVIO

Uma vez determinado o equilíbrio do navio, seja em águas tranqüilas ou em ondas (Tosamento ou Alquebramento) pode-se então levantar a curva de carga da embarcação.

Representando o carregamento atuante na embarcação, a curva de carga da viga-navio é obtida subtraindo-se a curva de flutuação da curva de pesos do navio.

)()(arg)()( xbxascxpxq −+=

Figura 4.1 – Exemplo da curva de carga de uma embarcação

-1.20 E+03

-1.00 E+03

-8.00 E+02

-6.00 E+02

-4.00 E+02

-2.00 E+02

0.00 E+00

2.00 E+02

4.00 E+02

6.00 E+02

8.00 E+02

0 50 100 150 200 250

kgf

Aguas Tranquilas Tosamento Alquebramento

123456789

A curva de carga representa a solicitação (carregamento) auto-equilibrado atuante sobre a viga-navio. A partir da curva de carga pode-se obter o diagrama de Forças Cortantes atuantes na viga-navio.

∫=l

dxxqxQ0

)()(

Em geral o diagrama de Força Cortante apresenta valor nulo próximo a meia

nau e valor máximo próximo a L/4.

Figura 4.2 – Exemplo do diagrama de Força Cortante ao longo da viga-navio

-4.00 E+04

-3.00 E+04

-2.00 E+04

-1.00 E+04

0.00 E+00

1.00 E+04

2.00 E+04

3.00 E+04

0 50 100 150 200 250

kgf

Aguas Tranquilas Tosamento Alquebramento

123456789

PN V243 3

Por fim deve-se levantar a curva de Momento Fletor a partir da integração da Força Cortante.

∫=l

dxxQxM0

)()(

O diagrama de Momento Fletor em geral apresenta valor máximo próximo a

meia nau. Usualmente a secção de máximo Momento Fletor é denominada secção mestra e em geral encontra-se muito próxima à secção de máxima boca.

Figura 4.3 – Exemplo do diagrama de Momento Fletor ao longo da viga-navio As curvas de Força Cortante e Momento Fletor representam os esforços

globais ao longo da viga-navio.

-2.50 E+06

-2.00 E+06

-1.50 E+06

-1.00 E+06

-5.00 E+05

0.00 E+00

5.00 E+05

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140 150 160 170 180 190 200 210 220 230 240 250 260 270

kgf*

m

Águas Tranquilas Tosamento Alquebramento

123456789

PN V243 3

As seções de máximo Momento Fletor e máxima Força Cortante devem ser analisadas separadamente e algumas regiões devem também ser analisadas localmente.

A analise localizada da estrutura de uma embarcação pode ser dividida em duas etapas, reforçadores e chapeamento, que recebem o nome de Estrutura Secundária e Estrutura Terciária respectivamente.

Figura 4.4 – Deflexões Globais e Locais da estrutura de um navio.

COMPLEMENTOS DESTE TEXTO:

- Cálculo do Módulo da Secção de um navio. - Distribuição das Tensões Normais e de Cisalhamento ao longo da secção.

- Secções compostas por materiais diferentes.