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ESTUDO SIMPLIFICADO DA EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA NO MUNICÍPIO DE SANTOS Ligia Maria Comis Dutra RESUMO O presente trabalho pretende demonstrar o que as alterações provocadas no Município como: históricas, econômicas, sociais, culturais e políticas, reproduzem nas normas urbanísticas da cidade, e, como as leis urbanísticas podem conduzir e reorganizar a evolução e desenvolvimento da cidade. É apresentado breve histórico das normas urbanísticas com o desenvolvimento, de forma mais minudente, dos períodos principais e que se destacaram por alterarem o perfil da cidade, culminando com a revisão do Plano Diretor do Município de Santos. Com esta revisão foram introduzidos e regulamentados os instrumentos jurídico-urbanísticos dispostos no Estatuto da Cidade, Lei Federal nº. 10.257/01, com a proposta de melhorar a qualidade de vida da comunidade, através da definição de uso de espaços urbanos, bem como provocar a conscientização, tanto social como ecológica, da ocupação do espaço da cidade. PALAVRAS-CHAVE: PLANO DIRETOR - EVOLUÇÃO URBANÍSTICA - INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS - SANTOS. ABSTRACT The present work intends to demonstrate what the alterations provoked in the City as: historical, economic, social, cultural and politics, reproduce in the urban norms and, as the urban laws can lead and reorganize the evolution and development of the city. It is presented soon historical of the urban norms with the development, of form more minudente, the main periods and that they had been distinguished for modifying the profile of the city, culminating with the revision of the Managing Plan of the City of Santos. With this revision they had been introduced and regulated the legal urban Ligia Maria Comis Dutra é engenheira civil, advogada e aluna do Mestrado em Direito Ambiental da UNISANTOS - Universidade Católica de Santos, Estado de São Paulo e pertence ao corpo técnico da SEMAM - Secretaria Municipal de Meio Ambiente – Coordenadoria de Controle Ambiental da Prefeitura Municipal de Santos.

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ESTUDO SIMPLIFICADO DA EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA

NO MUNICÍPIO DE SANTOS

Ligia Maria Comis Dutra∗

RESUMO

O presente trabalho pretende demonstrar o que as alterações provocadas no Município

como: históricas, econômicas, sociais, culturais e políticas, reproduzem nas normas

urbanísticas da cidade, e, como as leis urbanísticas podem conduzir e reorganizar a

evolução e desenvolvimento da cidade. É apresentado breve histórico das normas

urbanísticas com o desenvolvimento, de forma mais minudente, dos períodos principais e

que se destacaram por alterarem o perfil da cidade, culminando com a revisão do Plano

Diretor do Município de Santos. Com esta revisão foram introduzidos e regulamentados os

instrumentos jurídico-urbanísticos dispostos no Estatuto da Cidade, Lei Federal nº.

10.257/01, com a proposta de melhorar a qualidade de vida da comunidade, através da

definição de uso de espaços urbanos, bem como provocar a conscientização, tanto social

como ecológica, da ocupação do espaço da cidade.

PALAVRAS-CHAVE: PLANO DIRETOR - EVOLUÇÃO URBANÍSTICA -

INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS - SANTOS.

ABSTRACT

The present work intends to demonstrate what the alterations provoked in the City as:

historical, economic, social, cultural and politics, reproduce in the urban norms and, as the

urban laws can lead and reorganize the evolution and development of the city. It is

presented soon historical of the urban norms with the development, of form more

minudente, the main periods and that they had been distinguished for modifying the

profile of the city, culminating with the revision of the Managing Plan of the City of

Santos. With this revision they had been introduced and regulated the legal urban

∗ Ligia Maria Comis Dutra é engenheira civil, advogada e aluna do Mestrado em Direito Ambiental da UNISANTOS - Universidade Católica de Santos, Estado de São Paulo e pertence ao corpo técnico da SEMAM - Secretaria Municipal de Meio Ambiente – Coordenadoria de Controle Ambiental da Prefeitura Municipal de Santos.

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instruments stated in the Municipal Statute, Federal Law nº. 10.257/01, with the proposal

to improve the quality of life of the community through the definition of use of urban

spaces, as well as provoking the awareness, social as in such a way ecological, of the

occupation of the space of the city.

KEYWORDS: MANAGING PLAN - URBAN EVOLUTION - URBAN

INSTRUMENTS - CITY OF SANTOS.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Breve histórico da legislação urbanística de Santos. 3. As

leis urbanísticas de Santos no período do Café. 4. Princípio do século XX até o Código de

Construções de 1922: legislação. 5. Período Desenvolvimentista: legislação urbanística de

Santos. 6. Milagre econômico: legislação urbanística de Santos. 7. A implementação dos

Instrumentos Jurídico-Urbanísticos no Plano Diretor do Município de Santos. 8.

Conclusões.

1. Introdução

A regulamentação da ocupação do solo urbano e rural teve como base o interesse na

posse e propriedade da terra. Com as doenças, epidemias, e os problemas de saneamento

básico, as necessidades humanas foram revistas.

O ordenamento urbano teve que atender às necessidades sanitárias e de saúde

pública com a imposição de posturas que cumprissem a função higienista que a época

exigia.

Vários Planos Diretores foram editados no Município de Santos, baseados em

questões como saúde, expansão, distribuição da população, ocupação dos morros e a

preocupação com o meio ambiente.

A história da cidade de Santos dividi-se em três períodos: o primeiro com o início

em meados de século XIX quando é promulgado o primeiro Código de Posturas de Santos,

sendo elevada à categoria de cidade e iniciando a regulação autônoma de seu espaço.

As normas urbanísticas não foram suficientes para impedir o surgimento das

epidemias que assolaram a cidade e resultaram no código Sanitário do Estado de São

Paulo sancionado em 1894 e, como decorrência, promulgado o novo Código de Posturas

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de Santos sancionado em 08 de maio de 1895 e publicado em 02 de julho de 1897. Foi o

primeiro a estabelecer critérios edilícios e urbanísticos para Santos com caráter higienista.

Com a edição do Estatuto da Cidade em 2001, o Plano Diretor é atualizado e são

implantados os novos instrumentos de política urbana.

2. Breve histórico da legislação urbanística de Santos

Em 1530, foi estabelecido a Martim Afonso de Souza, o encargo de colonizar a

região onde esta localizada a Baixada Santista. De 1580 a 1640, período em que as coroas

de Portugal e Espanha estiveram unificadas, o Brasil esteve subordinado às Ordenações

Filipinas, as quais ditavam regras para construir a cidade. Neste período a delimitação de

urbano e rural não estava associada à localização das moradias, mas ao tipo de acabamento

das casas. As rústicas eram rurais e as com bom acabamento eram consideradas urbanas,

ou seja, edifícios.

Em seguida da proclamação da independência foi criada Lei n. 601, de 18 de

setembro de 1850, mais conhecida como Lei de Terras, que tratava das terras devolutas do

Império e as terras possuídas a título de sesmaria1. Esta lei determinou que as terras

devolutas fossem medidas e demarcadas e então vendidas a particulares ou para o

estabelecimento de colônias de estrangeiros. Desde então, a única forma de posse legal da

terra passou a ser a compra registrada, e esta passou a ser vista como “mercadoria”.2

No início do século XX com a queda do preço do café, os fazendeiros passaram a

diversificar seus investimentos em imóveis urbanos. As definições legais urbanísticas

passaram a interferir no valor da terra. Fatores como a localização e a vizinhança

adquiriram importância e crescia a preocupação com a legislação urbanística municipal

que influenciavam este mercado.3

Nos primórdios da regulação do espaço urbano os códigos continham, sem muita

distinção, dispositivos que regulamentavam construções particulares, de posturas e de

intervenção no espaço urbano. O primeiro tipo de regulação denomina-se legislação

1 A Sesmaria era a concessão de terras no Brasil pelo governo português com o objetivo de promover a agricultura, a criação de gado, o extrativismo vegetal, expandindo, assim, o café e o cacau. Sobre este assunto ver site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sesmaria. Acesso em: 25 set. 2006. 2 Sobre este assunto ver: ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei – legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1997, p. 23. 3 Sobre este assunto ver: ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei – legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1997, p. 25.

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edilícia e era a mais preponderante até o início do processo de adensamento da cidade de

Santos, na segunda metade do século XIX.

Posturas municipais denominam-se os dispositivos que regulam o comportamento

do cidadão e de suas atividades exercidas no espaço público e só foram tratadas de forma

separada na década de 60 do século XX. Até esse período as normas edilícias eram

tratadas em conjunto com a de posturas, leis de zoneamento e parcelamento do solo.

A história da cidade de Santos divide-se em três períodos: o primeiro com o início

em meados de século XIX quando é promulgado o primeiro Código de Posturas de Santos,

sendo elevada à categoria de cidade e iniciando a regulação autônoma de seu espaço.

No período do café a legislação era mais voltada para a produção das construções,

embelezamento da cidade na tentativa de transpor padrões urbanísticos europeus.

No período desenvolvimentista é dada maior importância para a relação do edifício

com a cidade, e com o controle da ocupação do espaço urbano, estabelecendo o

zoneamento como uma forma de regulação urbana.

Santos foi elevada à categoria de cidade em 1839 e até então “a legislação que

determinava os parâmetros construtivos nas cidades da época do império tinha origem no

“Regimento das Câmaras Municipais” uma Lei Imperial instituída por D. Pedro I, em 1º

de outubro de 1828”. (NUNES, 2001, p. 25)

A elevação à categoria de cidade ensejou a elaboração de suas normas jurídicas

próprias e que resultou na aprovação do primeiro código em 07 de março de 1847. O

poder legislativo era a Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo. As penalizações

previstas para as infrações e desobediências, intimações e até açoites. Este código tratava

desde o comportamento do cidadão até a construção de edifícios, abertura e alinhamento

de ruas e edificações.

De acordo com o art. 3°, os edifícios térreos deveriam ter rigorosamente, 18 palmos

de altura.

No art. 109 proibia que dentro da cidade, fossem estabelecidas fábricas, que

emitissem substâncias vapores para a atmosfera, alterando-a ou corrompendo-a. Tais

fábricas podiam ser localizadas fora das povoações, em lugares designados e sob licença

da Câmara. Observa-se mesmo de forma incipiente a preocupação com impacto na

vizinhança causada por estas atividades, mesmo justificada pela dominância da vontade da

recente burguesia que não queria ser perturbada.

Em 24 de abril de 1857 a Assembléia Provincial sancionou a lei que reorganizava o

código e a novidade referente às questões urbanísticas foi à introdução de tabela anexa à

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lei denominada “Padrões para edifícios que se construírem no Município de Santos” e o

povoado de Cubatão deveria observar o mesmo regulamento.

Os dois códigos obrigavam os proprietários de terrenos alagadiços na “área urbana”

a drená-los e aterrá-los pela preocupação com a saúde pública e destino dos esgotos e não

deveriam ser afastados de forma a nunca serem lançados nas valas e córregos da

povoação.4

3. As leis urbanísticas de Santos no período do Café

As normas urbanísticas não foram suficientes para impedir o surgimento das

epidemias que assolaram a cidade e resultaram no código Sanitário do Estado de São

Paulo sancionado em 1894 e, como decorrência, promulgado o novo Código de Posturas

de Santos sancionado em 08 de maio de 1895 e publicado em 02 de julho de 1897. Foi o

primeiro a estabelecer critérios edilícios e urbanísticos para Santos com caráter higienista.

Com a proclamação da República, Santos teve nova Câmara, em 29/09/1892, e a

função do Executivo era exercida por um intendente geral, sendo o cargo de prefeito só

surgido em 1908.

A nova Câmara teve como principal objetivo, aprovar um código que servisse como

instrumento no combate às graves condições sanitárias, já o código de 1897 tratava de

assuntos relacionados com os costumes dos cidadãos, já que a população aumentava com

rapidez.

O Código de 1897 estabelecia normas referentes à criação de estábulos, matadouros,

casas de espetáculos, padarias, restaurantes, cocheiras, cemitério, organização do corpo

médico municipal, higiene, segurança, sossego público dentre outras. Pode extrair-se a

idéia de que havia preocupação de romper com a ordem colonial e introduzir as

concepções que vinham de outras culturas, mais preocupadas com as belezas das cidades.

O mesmo código, também dispunha sobre a construção dos familistérios5 (habitação

popular preconizada pelos higienistas para solucionar a falta de condições de moradia

adequadas para a população de baixa renda). Cabia a Prefeitura indicar o local de

instalação das atividades.

4 Sobre este assunto ver: CARRIÇO, José Marques. Legislação urbanística e segregação espacial nos municípios centrais da região metropolitana da Baixada Santista. Faculdade de arquitetura e urbanismo. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002, p. 109. 5 O art. XXXVII definia familistérios como “prédios que sirvam de moradia a várias famílias, independentemente, em uma área comum, ou que tiverem quartos independentes nas mesmas condições”.

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Algumas das leis urbanísticas importantes que ser citada é a Lei nº. 46 de 17 de

outubro de 1894, que objetivava transformar os cortiços em casas mais limpas e

higiênicas, foi primordial a polícia sanitária, determinava até mesmo a demolição desses

cortiços dos centros urbanos.

A Lei nº. 82, de 12 de agosto de 1896, inseriu a figura do recuo mínimo para as

novas construções na praia. Era esse o instrumento fundamental para conferir à paisagem

urbana, uma nova aparência mais adequada aos parâmetros higienistas.

A Lei nº. 94, de 15 de março de 1897, instituiu o alinhamento a ser adotada para

abertura de novas ruas no processo de expansão urbana, foi proposto um traçado típico das

novas cidades nos EUA. O traçado foi muito criticado, principalmente por Saturnino de

Brito, pois, já sugeria um código urbanístico em sua concepção para Santos. Saturnino de

Brito propunha diversos instrumentos jurídicos que regulavam até as expropriações por

utilidade pública e a contribuição de melhoria, destinada a execução dos canais e

avenidas.6

Em virtude das fortes epidemias ocorridas em Santos, em 1889, o governo do Estado

designou uma equipe para estabelecer um plano de saneamento, o qual foi instalado em

fevereiro de 1893, o mesmo objetivava a criação de normas urbanísticas e paisagísticas.

Tais obras foram finalizadas em 1920.

4. Princípio do século XX até o Código de Construções de 1922: legislação.

Nos meados do século XX, a legislação urbanística de Santos deu prioridade à troca

da cidade colonial pela cidade moderna, de sugestão européia. Deu início a uma

arquitetura mais moralista. A padronização das edificações criava um ambiente adequado

ao desenvolvimento de uma sociedade sadia. Esse pensamento predominou até a

elaboração do Código de Construções do Município, Lei nº. 675 de 1922, que consolidou

a primeiro zoneamento de uso da cidade.

A Lei nº. 331, de 21 de outubro de 1908, apresentou pela primeira vez a figura do

recuo lateral mínimo, a Lei nº. 341 de 10 de março de 1909, estabeleceu recuo frontal. A

Lei nº. 374 de 5 de abril de 1910, isentava da cobrança de impostos os empreendedores de

6 Sobre este assunto ver: CARRIÇO, José Marques. Legislação urbanística e segregação espacial nos municípios centrais da região metropolitana da Baixada Santista. Faculdade de arquitetura e urbanismo. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002, p. 114

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algumas vilas (loteamentos em expansão) para incentivar a implantação de um bairro

operário.

O termo “zona” foi pela primeira vez empregada na Lei nº. 444 de 11 de janeiro de

1911.

A Lei nº. 477, de 11 de outubro de 1910, permitiu a edificação de prédios de três

pavimentos no centro de Santos e na época, do centro cafeeiro. A intenção era adensar o

ponto mais delicado do centro da cidade.

A Lei nº. 489, de 3 de janeiro de 1912, deu origem ao Código de Obras de 1922,

tendo redefinido recuos frontais, exigia dimensões mínimas para aposentos, iluminação,

ventilação na tentativa de controlar o espaço construído e que até hoje pode ser visto em

algumas ruas de Santos. A expansão caminhava em direção à praia.

A Lei nº. 501, de 31 de julho de 1912, introduziu a figura de taxa de ocupação

estabelecendo que o conjunto dispusesse de uma área mínima de 3 vezes a área construída

em cada quadra.

A Lei nº. 675 de 28 de julho de 1922 (Código de Construções do Município), foi o

primeiro a tratar separadamente a produção do espaço construído. Foi promovida uma

reunião das normas edilícias existentes com algumas alterações e aprofundados os critérios

para manutenção da higiene nas edificações e aspecto de segurança. Definiu-se o

perímetro urbano (Saboó, Valongo, Centro, Paquetá, Anna Costa, Cons. Nébias e os com

frente para a praia), suburbano (entre canal 1 e morros entre outras) e o de transição (ponta

da praia, aparecida, estuário e embaré). O Código estabeleceu um zoneamento de uso.

Foram criadas as Zonas Comercial, Residencial e Industrial, mas não como um

zoneamento rígido, pois deveria ser adotado “tanto quanto possível”.7

Os limites da Zona Comercial eram os atuais bairros do Centro, Valongo, Paquetá e

Saboó. A Residencial, orla, canal 4 e cais, parte dos morros. Zona Industrial correspondia

à Zona Noroeste.

Era proibida a construção de indústrias insalubres, perigosas ou ruidosas na Zona

Comercial. Na Zona Residencial proibia indústrias perigosas e insalubres, toleradas as

ruidosas, desde que fossem indispensavelmente bem isoladas. Permitiam-se padarias,

cervejarias dentre outras.

7 Sobre este assunto ver: CARRIÇO, José Marques. Legislação urbanística e segregação espacial nos municípios centrais da região metropolitana da Baixada Santista. Faculdade de arquitetura e urbanismo. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002, p. 121.

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Outra inovação era referente à exigência da apresentação de um plano de construção

minucioso para a concessão da licença para edificar e a criação da Carta de Habitação

mais conhecida como “habite-se”. O artigo 47 concedia ampla liberdade quanto ao estilo e

forma da arquitetura dos edifícios cabendo, porém, à prefeitura opor-se à construção dos

projetos que, flagrantemente, atentarem contra a estética.

5. Período Desenvolvimentista: legislação urbanística de Santos.

A Lei nº. 803 de 1926, afirmava que a administração pública empregava ações

diferenciadas para os imóveis situados em áreas de expansão urbana, como forma de

negociar com os diversos interesses em questão. A Lei nº. 825, de 26 de novembro de

1926, permitiu a legalização de chalés, mas os mantinha em caráter precário com

possibilidade de serem demolidas sem indenização por razões de “ordem pública, como

necessidade, utilidade, higiene ou embelezamento”.

A Lei nº. 852, de 1929, obrigava todos os proprietários de terrenos a aterrá-los de

modo a esgotar as águas pluviais, inclusive aumentando o valor da multa.

As leis que se seguiram aprofundaram e detalharam o instituto do zoneamento de

uso e ocupação. O seu apogeu deu-se com a edição do Novo Código de Obras do

Município, Decreto-Lei 403 de 15 de setembro de 1945 e posteriormente com o Plano

Regulador da Expansão e Desenvolvimento da Cidade, Lei 1.316 de 27 de dezembro de

1951 que redesenhou a cidade com o alargamento e abertura de novas ruas.

Já sob a ditadura militar é promulgado um conjunto de normas formado pelo: Plano

Diretor Físico do Município, Lei 3.529 de 16 de abril de 1968, novo zoneamento dado

pela Lei nº. 209 de 27 de novembro de 1986, Código de Edificações do Município, Lei nº.

3.530 de 16 de abril de 1968; novo Código de Posturas, Lei nº. 3.531 de 16 de abril de

1968, as Normas Ordenadoras e Disciplinadoras da Urbanização e da Preservação da

Paisagem Natural dos Morros de Santos, Lei 3.533 de 16 de abril de 1968 e, na década

seguinte, o Código Tributário do Município, Lei 3.750 de 20 de dezembro de 1971 e

Código de Uso e Proteção dos Recursos Naturais do Distrito de Bertioga, Lei 4.078 de 3

de dezembro de 1976.

A legislação mantinha a preocupação do embelezamento instituindo, inclusive, um

prêmio anual para quem contribuísse ao embelezamento urbano. O equilíbrio de ambiente

urbano e questões sociais foram pouco considerados predominando a questão da

acessibilidade e controle de densidades habitacionais.

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O Decreto-lei 258 de 2 de abril de 1940 redefiniu os perímetros urbano e rural

criando as Zonas Urbanas e Suburbanas.

O Decreto-lei 306 de 25 de março de 1941 criou de forma mais explícita a figura da

taxa de ocupação do lote que era de 75% da área total do lote com recuo frontal de 5m nas

Zonas Residenciais.

Em 1942 foram criadas por Decrete-Lei nº. 343 de 14 de agosto de 1942, as

comissões técnicas e consultivas do Plano Regulador da Cidade, órgão de planejamento,

mas formado exclusivamente por funcionários da Prefeitura e contratados da área de

urbanismo, dirigido por pessoa indicada pelo prefeito.

O Código de Obras apresentou regras gerais sobre parcelamento do solo e não ser

restringiu às obras particulares atuando também sobre obras públicas. As zonas foram

definidas e detalhadas e o perímetro rural foi incorporado como Zona Rural ou Agrícola.

As zonas eram definidas como: Zona Comercial Central – ZCC, Zona Comercial

Secundária – ZCS, 1º Zona Residencial – ZR1, 2º Zona Residencial – ZR2, 3º Zona

Residencial – ZR3, Zona Portuária – ZP, Zona Industrial – ZI e Zona Rural ou Agrícola –

ZA.8

É importante destacar que por meio do controle da altura das edificações podia-se

consolidar o adensamento de uma área ou criar incentivo para expansão, o que aconteceu

com o surgimento de um novo centro de comércio no Gonzaga, área ocupada pela

burguesia.

Pelo Código de 1945 o processo de loteamento foi mais bem regulamentado e só

seriam admitidos lotes de loteamentos aprovados. Em 1979 foi aprovada e Lei Federal n

6.766 que regulamento o uso e parcelamento do solo urbano e cresceram as exigências

para aprovação de loteamentos resultando em grande número de loteamentos irregulares.

Foram criadas moradias populares chamadas de “vilas” – conjunto de edificações

conjugadas, popularmente conhecidas como “casas geminadas”.

A Lei 1.111 de 21 de junho de 1950 exigiu que 1/3 do total de apartamentos fosse

reservado para vagas de automóveis em função do impacto que o crescente número de

veículos causava nas ruas da cidade.

Em 27 de dezembro de 1951 foi promulgado o Plano Regulador da Expansão e

Desenvolvimento da Cidade de Santos, Lei nº. 1.316. A intenção era dotar a cidade de

8 Sobre este assunto ver: CARRIÇO, José Marques. Legislação urbanística e segregação espacial nos municípios centrais da região metropolitana da Baixada Santista. Faculdade de arquitetura e urbanismo. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002, p. 130.

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grandes avenidas com o alargamento e abertura de ruas. Visava estruturar a área de

transporte.

Em 26 de agosto de 1957 foi editada e Lei 1.972 que alterou o perímetro urbano da

cidade incluindo toda a área insular

6. Milagre econômico: legislação urbanística de Santos.

Em abril de 1969, Santos foi declarada Área de Segurança Nacional e perdeu sua

autonomia política por mais de 15 anos. Seus dirigentes eram nomeados pelo Presidente

da República ou pelo Governador do Estado. Foi o período chamado milagre econômico.

Nos primeiros anos após o golpe, a administração municipal prosseguiu no

planejamento urbano como instrumento de controle do crescimento da cidade e propulsor

de seu desenvolvimento. Foi criada a COHAB-ST – Companhia Habitacional da Baixada

Santista com a função de promover a regularização fundiária.

Após mais de vinte anos foi aprovado um bloco de leis marcando a experiência do

planejamento centralizador e do zoneamento funcionalista de Santos:

• Plano Diretor Físico do Município: Lei 3.529 de 16 de abril de 1968;

• Código de Edificações do Município de Santos: Lei 3.530 de 16 de abril de 1968;

• Código de Posturas do Município de Santos: Lei 3.531 de 16 de abril de 1968 e

• Normas Ordenadoras e Disciplinadoras da Urbanização e da Preservação da

Paisagem Natural dos Morros de Santos: Lei 3.533 de 16 de abril de 1968.9

Separaram-se a regulamentação urbanística como as de parcelamento do solo e

urbanização de glebas em geral, de normas edilícias e posturas municipais. Procuro-se

estabelecer critérios para a ocupação dos morros, opção de moradia para a baixa renda.

O Plano Físico Diretor teve sua vigência prolongada até o sancionamento das leis

complementares 311 e 312, de 1998, que dispõem do Plano Diretor e do Ordenamento do

Uso e Ocupação do Solo da área Insular.

O Plano de 1968 tratava da configuração física do município, incluindo Bertioga,

divisão em áreas urbana, expansão urbana e rural e divisão em bairros, sistema viário,

alinhamento e nivelamento de terrenos. Tratavam de zoneamento de uso e ocupação do

solo insular, exceto os morros, criadas 11 zonas: Turística – ZT; Residencial – ZR; Mista

9 Sobre este assunto ver: CARRIÇO, José Marques. Legislação urbanística e segregação espacial nos municípios centrais da região metropolitana da Baixada Santista. Faculdade de arquitetura e urbanismo. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002, p. 146.

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Leste – ZML; Comercial Residencial – ZCR; Comercial Industrial – ZCI; Central – ZCC;

Comercial Secundária – ZCS; Mista Noroeste – ZMNO; Industrial – ZI; Residencial

Noroeste – ZRNO e Portuária – ZP. O Plano de 1968 considerou a área de jurisdição

federal do Porto, como uma região em que o licenciamento de atividades era de

competência exclusiva da União.

Com este Plano houve um alto adensamento nas ZR e ZT onde era permitido

edificar até 6 e 5 vezes a área de lote e, como resultado, a fixação de alto padrão

demográfico, instituindo aos bairros da orla com o maior número de habitantes.

Quanto à taxa de ocupação do terreno admitia-se alto índice que chegava a quase

60% da área do lote nas ZR e ZT, o que contribuiu para o aumento das más circunstâncias

ventilação e insolação na Zona Leste da cidade.

Em 1986 o Plano sofreu alterações tendo se rendido às pressões do setor imobiliário.

A Lei 174 estabeleceu a redução da taxa de ocupação (de 6 para 5 vezes), mas aumentou o

número de pavimentos que era de 10 para 14 andares.

A Lei 3.533 de 16 de abril de 1968, conhecida como a Lei dos Morros, foi instituída

com base no relatório da empresa Tecnosolo, contratada para assessorar a sua elaboração.

Foram apontadas diversas metas objetivando o controle da ocupação e preservação da

paisagem natural dos morros, já que, muitos deslizamentos haviam ocorrido e existiam

áreas a serem estabilizadas e obras urgentes.

Em 1976 e 1978 foram elaborados os Planos Diretores de Desenvolvimento

Integrado de Santos – PDDI que identificavam a estrutura urbana e a evolução de

ocupação, tipo de edificações, uso do solo, estrutura viária, equipamentos urbanos e

unidades ambientais. Não eram instrumentos legais, mas propunham alteração do uso do

solo para controlar os adensamentos e outros problemas de ocupação urbana. Mas, como

não tinham força legal, não eram aplicados e nem seguidos.

Em 15 de maio de 1992 foi editada e Lei nº. 53 que criou as Zonas Especiais de

Interesse Social – ZEIS, objetivava implementar os avanços da Constituição Federal de

1988 no âmbito da política urbana com o estabelecimento de dispositivos urbanísticos

capazes de rebaixar o custo do acesso à habitação para a população de baixa renda. Mas o

que se observa é o número significativo de famílias que acessaram unidades habitacionais

em projetos em ZEIS e após, negociam irregularmente, suas unidades retornando às

condições anteriores precárias.

Ainda continuam em vigor, com as devidas adaptações e revogações parciais, o

Plano Diretor Físico, Plano Diretor de Desenvolvimento e Expansão Urbana de Santos,

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Código de Posturas, Código de Edificações, Normas Orientadoras e Disciplinadoras da

Urbanização Preservação da Paisagem Natural dos Morros, Lei de uso e ocupação da área

insular de Santos e ZEIS.

O código de Posturas estabeleceu regras para a higiene pública, o bem-estar

público, as instalações elétricas e mecânicas, a localização e o funcionamento de

estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviços, bem como as

correspondentes relações jurídicas entre o Poder Público Municipal e os munícipes.

O Plano Diretor de Desenvolvimento e Expansão Urbana do Município de Santos

estabelece as diretrizes de atuação dos agentes públicos e privados para a elaboração e

consolidação dos Planos de Ação Integrada, objetivando o desenvolvimento sustentável.

(art. 2º, Lei Complementar 311/98).

A lei complementar que disciplina o uso e ocupação do solo na Área Insular do

Município de Santos. Disciplina normas referentes à zona em que se situa o imóvel,

categoria de uso; índices urbanísticos que definem a ocupação e o aproveitamento do lote;

categoria de logradouro público que dá acesso ao imóvel. (Arts. 1º e 3º, Lei Complementar

312/98).

O Código de Edificações determina as normas e os procedimentos administrativos

para o controle das obras no Município de Santos. (Art. 1º, Lei Complementar 84/93).

As ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social estão previstas no Estatuto da Cidade

(Lei Federal 10.527/2001) e têm por meta adequar a propriedade do solo à sua função

social.

O Plano Diretor Físico do Município de Santos, dita regras para o bom andamento

do ordenamento urbano, sistema viário terrestre, com base na estrutura física das áreas

urbanas e de expansão urbana e rural.

Um planejamento urbano equilibrado leva em consideração os recursos hídricos, as

condições topográficas, a vocação do Município, a distribuição espacial da população e

das atividades econômicas, o sistema viário e a vontade da comunidade local. Esta se

revela pela gestão democrática e participação popular, de modo a evitar ou corrigir

distorções reveladas ou criadas por normas distantes da realidade local e pelo crescimento

urbano desordenado, produzindo efeitos nefastos, principalmente, sobre o meio ambiente

natural e construído.

A ordenação do espaço urbano é vital para a adoção de medidas que visam ao

controle do uso e ocupação do solo, como forma de evitar: a utilização inadequada dos

imóveis urbanos, a deterioração de áreas urbanizadas, a poluição e degradação ambiental e

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a regulamentação de usos incompatíveis, inconvenientes ou desconformes, prevenindo-se

a expansão do crescimento predatório imobiliário. A combinação dos mecanismos

tradicionais de planejamento urbano como: zoneamento, loteamento, taxas de ocupação

etc., com os novos instrumentos trazidos pelo Estatuto da Cidade, ampliou as

possibilidades de ação dos Municípios. (FERNANDES, p. 366).

Um dos problemas mais críticos encontra-se na definição de limites “aos padrões de

produção e consumo, para garantia e controle da sustentabilidade ambiental”10, através da

exploração ordenada, regulamentada e dentro dos limites de sua capacidade de absorção e

renovação. A conquista do objetivo principal de criação e manutenção de uma cidade

sustentável encontra-se na necessidade de adequar os instrumentos da política econômica,

tributária e financeira (art. 2º, X), inclusive gastos e investimentos públicos.

Os instrumentos da Política Urbana referentes ao planejamento espacial municipal

são dirigidos à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo, como por exemplo, o

zoneamento ou o estabelecimento de planos, programas e projetos setoriais, institutos

tributários e financeiros, incentivos e benefícios fiscais e financeiros, entre outros.

O zoneamento é mecanismo relevante do planejamento do solo urbano e sua função

primordial é materializar as definições urbanísticas locais. As propriedades localizadas no

perímetro delimitado pelo Plano Diretor e que não cumpram com o zoneamento, ou seja,

com a sua função social, atuam desconforme à lei, podendo sofrer a intervenção

constitucional do Poder Público. (MACRUZ, et al, p.39).

7. A implementação dos Instrumentos Jurídico-Urbanísticos no Plano Diretor do

Município de Santos.

A Lei Complementar Municipal nº 551/05 introduziu e disciplinou, no Plano

Diretor, a utilização dos instrumentos, quase inovadores, de Política Urbana previstos no

Estatuto da Cidade. O artigo 72 da Lei municipal de Uso e Ocupação do Solo (LCM

312/98) já fazia referência a mecanismos de incentivo de planejamento urbano e que

encontram, nos novos instrumentos trazidos pelo Estatuto da Cidade, muita semelhança,

como:

• O Adicional Oneroso de Coeficiente de Aproveitamento;

• Adicional não oneroso de coeficiente de aproveitamento e

10 Estatuto da Cidade, art. 2., inciso VIII, Lei 10.257/01.

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• Transferência de potencial construtivo.

A LCM 551/05 revogou parcialmente o referido artigo, excluindo o Adicional

Oneroso de Coeficiente de Aproveitamento e a Transferência de Potencial Construtivo, e

os substituiu pelos novos instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade,

respectivamente: Outorga Onerosa do direito de construir e de alteração de uso de

solo e a Transferência do Direito de Construir.

Para melhor elucidação dos instrumentos referidos, faz-se necessário esclarecer

alguns conceitos técnicos referentes aos índices urbanísticos:

• Taxa de ocupação máxima: é o percentual entre a área de projeção da edificação

sobre o plano horizontal e a área do lote onde se pretende edificar. É a área edificável do

terreno observando-se os recuos mínimos;

• Coeficiente de aproveitamento máximo do lote: representado pelo número de vezes

que a área do lote pode ser reproduzida em área construída, dentro da área de projeção da

edificação;

• Recuos mínimos: são os valores de recuo de fundos, frente e laterais, que a

edificação deve observar em relação aos limites com os terrenos vizinhos e entre

edificações no mesmo lote.

Com o Adicional Oneroso de Coeficiente de Aproveitamento, ficava autorizado ao

proprietário, empreendedor ou beneficiário, construir área maior que a prevista aos demais

lotes do mesmo zoneamento. O valor referente à diferença de área efetivamente

construída, em valor maior, referia-se ao adicional de coeficiente de aproveitamento. Era

permitido ultrapassar os valores previstos para o zoneamento, desde que, mediante

contrapartida financeira prestada pelo beneficiário. O adicional era oneroso e, para o

cálculo da contrapartida, levava-se em consideração a área construída acrescida. O

referido mecanismo estava autorizado nos Corredores de Desenvolvimento e Renovação

Urbana e em Operações Urbanas Consorciadas.

Com a introdução da Outorga Onerosa do Direito de Construir no Plano Diretor,

previsto no Estatuto da Cidade, foi revogado o instituto Adicional Oneroso de Coeficiente

de Aproveitamento, relacionado ao coeficiente de aproveitamento máximo, atualmente no

valor de 5(cinco) vezes a área do lote. Com o novo instrumento este valor poderá ser

ultrapassado na construção de novas edificações ou em ampliações utilizadas para usos

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desconformes,11 desde que mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. É

permitida nas mesmas áreas previstas para o instituto revogado.

A transferência de potencial construtivo autorizava a transferência da diferença do

valor (em m²) da área máxima de construção permitida para aquele zoneamento, e a área

efetivamente construída, em menor valor. O beneficiário, ao edificar, não empregava o

valor máximo de área construída permitido para aquele lote. O valor da área não edificada

(em m²), mas edificável, ou seja, com “potencial construtivo”, poderia ser transferida para

outro imóvel ou lote. Era considerado instrumento de preservação ou desestimulação da

expansão de algumas áreas da cidade como as dos Corredores de Proteção Cultural e

aquelas envoltórias de bens tombados.

O novo instrumento urbanístico introduzido pelo Estatuto da Cidade, referente ao

direito de construir, substituiu o referido mecanismo previsto no Plano Diretor anterior.

O direito de construir poderá ser objeto de negociação do proprietário do imóvel urbano,

privado ou público, exercendo-o sobre os locais legalmente autorizados pelo Poder

Público12, mediante escritura pública, desde que o imóvel gravado com níveis de proteção,

seja considerado necessário para fins de: implantação de equipamentos urbanos e

comunitários; preservação de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural

e útil a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por

população de baixa renda e habitação de interesse social.

Foi mantido o parágrafo 2º que dispõe sobre o Adicional não Oneroso de

Coeficiente de Aproveitamento admitido somente para as construções que envolvam a

total demolição de edifícios em desaprumo, localizados exclusivamente na ZO – Zona da

Orla. Este fenômeno era freqüente no Município de Santos gerado, basicamente, pela

presença de alguns fatores: tecnologia de construção disponível na época, tipo de solo

local (considerado o segundo pior solo do mundo, perdendo somente, para o solo do

México), disposição dos edifícios e questões econômicas.

Os edifícios que apresentavam estes fatores acabavam sofrendo inclinações, por

vezes suaves, visualmente imperceptíveis ou não, mas sem comprometimento estrutural.

11 LCM 312/98, Seção I, art. 17: “São considerados desconformes os usos regularmente licenciados antes da vigência desta lei complementar e que não se enquadrem nas categorias de uso permitidas na zona e classificação viária.” 12 Conforme dispõe a LCM 551/05, art. 24, parágrafo 2º: “O direito de construir somente poderá ser transferido para imóveis situados em Corredores de Desenvolvimento e Renovação Urbana, conforma planta objeto do Anexo VII da Lei Complementar nº 312, de 23 de novembro de 1998, ou para áreas de operações urbanas consorciadas.”

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Outros se encontram visivelmente inclinados a ponto de serem objeto de profundos

estudos técnicos e até atração turística.

Estes edifícios estão construídos, em sua maioria, na orla da praia, zona nobre da

cidade. Estas construções são submetidas a constante e permanente monitoramento

promovido pelos técnicos do Poder Público e até hoje, normalmente habitadas. Exigiram,

entretanto, norma específica para compatibilizar a ocorrência do fenômeno, resultante

principalmente do tipo solo, com a necessidade de mitigar os prejuízos provocados pela

demolição do prédio condenado e a ordenação do espaço urbano.

Diante desta característica especial do Município de Santos, no intuito de atender às

especificidades locais e amenizar os possíveis prejuízos, ficou mantido o referido

mecanismo de política urbana - Adicional não Oneroso de Aproveitamento, disciplinado

no art. 45, parágrafo 1º, da LC 312/98:

Fica permitido o adicional, não oneroso, de 2(duas) vezes a área do lote, ao aproveitamento previsto no inciso I13, limitado ao máximo de 7(sete) vezes a área do lote, para as edificações que apresente risco eminente à segurança pública, esgotadas todas as alternativas de controle e ações quanto ao desaprumo apresentado e que venham a ser demolidas para edificações de novos empreendimentos.

O instrumento se assemelha muito ao Adicional Oneroso de Coeficiente de

Aproveitamento com a diferença que não há contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

Aquele que for obrigado a demolir a edificação, caracterizado pelo risco eminente à

segurança pública, poderá construir no mesmo lote, ultrapassando o coeficiente de

aproveitamento previsto para os demais lotes do zoneamento14, limitado ao máximo de 7

(sete) vezes a área do lote.

Dispõe o Poder Público de outras formas de ordenar o espaço urbano, das quais

destacamos algumas imposições, estabelecidas como diretrizes15 a serem observadas no

uso e ocupação do solo:

• Delimitar o território do município definindo as áreas urbanas;

• Disciplinar o uso das áreas, inclusive nas APA’s (Áreas de Proteção Ambiental);

• Dar prioridade às áreas de intervenção através das operações urbanas - conjunto de

instrumentos urbanísticos em áreas específicas com a participação da iniciativa privada,

sob coordenação do Poder Público;

13 LC 312/98, art. 45, I: “coeficiente de aproveitamento máximo de 5(cinco) vezes a área do lote.” 14 O valor máximo permitido para outros lotes é de 5(cinco) vezes a área do lote. 15 LCM 311/98, Capítulo II – Das Diretrizes, arts. 13 a 17.

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• Atualizar e adequar a legislação de uso e ocupação do solo, com mecanismos que

possibilitem atrair e estimular novas atividades produtivas;

• Promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento, controle e

parcelamento do uso e da ocupação do solo, visando à proteção do meio ambiente;

• Estabelecer diretrizes e procedimentos que diminuam o impacto da implantação de

empreendimentos pólos geradores de tráfego e eliminação de conflitos;

• Adotar instrumentos de política urbana para aumentar a oferta de terra para habitações

de interesse social.

Os novos instrumentos inseridos no Plano Diretor, além daqueles já referidos,

deverão ser empregados juntamente com outros existentes no ordenamento jurídico do

Município. Terão como objetivo geral atender à função social da cidade e em especial,

atender as necessidades locais:

• Parcelamento, edificação e utilização compulsórios, destinados a estimular a realização

de projetos sociais em glebas ou glebas ociosos ou insalubres.

• IPTU progressivo no tempo para o caso do parcelamento, edificação e utilização

compulsórios, não sejam eficientes para alcançar os objetivos previstos na lei.

• Direito de preempção que estabelece a prioridade ao Poder Público local na compra dos

imóveis abrangidos pelos instrumentos do Estatuto da Cidade.

• Consórcio imobiliário e operações consorciadas como formas de parceria entre o

proprietário do imóvel, a iniciativa privada e o Poder Público para viabilizar os

empreendimentos sociais.

• Direito real de uso e direito especial para fins de moradia, instrumentos para concessão

regularizando o uso para famílias de baixa renda na ocupação antiga de terrenos

públicos.

Preconiza a LCM 551/98 para o descumprimento por parte do proprietário do

imóvel do parcelamento ou edificação compulsórios do solo, observadas as condições

legais impostas e os prazos previstos em lei, a incidência do Imposto sobre a Propriedade

Predial e Territorial Urbana – IPTU progressivo no tempo com aplicação de alíquotas que

variam de 1,5%(um e meio por cento) no 1º ano a 15,0%(quinze por cento) no 5º ano. O

Município manterá a cobrança máxima até que sejam cumpridas as determinações legais,

podendo proceder, decorridos 5 (cinco) anos da cobrança do imposto, à desapropriação do

imóvel com pagamento em títulos da dívida pública.

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Como forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação, com a

finalidade de promover habitação de interesse social, implantação de equipamentos

urbanos e comunitários em terrenos vazios e melhorar a infra-estrutura urbana local,

poder-se-á aplicar o consórcio imobiliário. O instrumento prevê a transferência da

propriedade ao Poder Público Municipal, pelo proprietário do imóvel que receberá, como

pagamento, após a realização das obras, unidades imobiliárias urbanizadas ou edificadas.

O direito de preempção autoriza o Poder Público adquirir a propriedade de imóvel

urbano, objeto de alienação onerosa entre particulares, pelo prazo de 5 (cinco)anos,

renováveis por ato do Chefe do Poder Executivo, a partir de um ano após o decurso do

prazo inicial de vigência. O legislador municipal definiu as áreas sujeitas à incidência do

direito de preempção. Envolve os imóveis situados nas áreas definidas como ZEIS e

glebas urbanas. A intenção do interessado em alienar o imóvel sobre o qual incida o

direito de preempção, deverá ser manifestada por notificação ao Município, sob pena de

ser anulada podendo, o Município, adquiri-lo pelo valor do IPTU ou outro, se menor.

As Operações Consorciadas são consideradas um conjunto de intervenções e

medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários,

moradores, usuário e investidores privados, com objetivo de promover a transformação

urbanística, melhorias sociais e valorização ambiental de determinadas áreas. Na lição de

Lomar (2003, p. 247) não é qualquer intervenção urbana que pode ser juridicamente

qualificada como operação urbana consorciada, apenas aquelas que se destinem à

realização destas transformações urbanísticas.

O emprego deste instrumento está limitado, pela lei municipal, às áreas definidas

como ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social, às glebas urbanas e às Áreas de

Proteção Cultural – APC. Entre as medidas previstas para Operações Consorciadas estão:

a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e

subsolo, normas edilícias considerando o impacto ambiental e a regularização de

construções, reformas ou ampliações em desacordo com a legislação vigente.

Quanto à concessão de Outorga de Direito Real de Uso só poderá ser aplicada a

terrenos públicos16 para fins de urbanização, industrialização, edificação, cultivo de terra

16 LCM 551/05, art. 35: “A concessão de direito real de uso aplicar-se-á somente a classe de bens dominiais de propriedade plena ou de direitos reais do Município, de suas autarquias, fundações e sociedades de economia mista, não sendo passíveis de outorga: I – áreas localizadas no topo de morro, exceto as situadas em Zonas Especiais de Interesse Social do tipo I, e áreas de preservação permanente; II – áreas cujas características geológicas e topográficas tornam-se inaptas ao uso residencial; III – áreas cuja utilização para moradia impeçam o pleno uso de locais públicos ou que já tenham sido objeto de investimentos de recursos públicos de infra-estrutura, tais como, vias, praças, equipamentos sociais e edifícios públicos com

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ou utilização de interesse social (art. 33, LCM 551/05). O instrumento poderá envolver

propriedade do Município, das autarquias, das fundações, das empresas públicas e das

sociedades de economia mista e concedidos a ocupantes de imóvel que tenham ali

estabelecido moradia, não sejam proprietários de outro imóvel e comprovem baixa renda.

Havendo necessidade de desafetação da área, será promovida mediante avaliação prévia e

contrato, dispensada a licitação por se tratar de matéria de relevante interesse social.

Dispõe o artigo 36 da referida lei complementar municipal, que o direito real de uso

poderá ser conferido pelo prazo prorrogável de 30(trinta) anos. Resolver-se-á, antes do

prazo, a favor da Administração Municipal, se o beneficiário descumprir qualquer das

obrigações impostas no contrato, praticar qualquer ato em desconformidade com a

legislação edilícia e urbanística local. É direito transmissível no caso de morte, retornando

ao Município no caso de não haver sucessores.

8. Conclusões

1. A regulamentação da ocupação do solo urbano e rural é imprescindível, tal

regulamentação teve como base o interesse na posse e propriedade da terra. A princípio

justificada pela ocupação de grandes áreas, com a queda do preço do café o investimento

da classe mais abastada foi direcionada para a terra que neste momento transformou-se em

mercadoria, em bem de consumo.

2. Com as doenças, epidemias, e os problemas de saneamento básico, as

necessidades humanas foram revistas. O ordenamento urbano teve que atender às

necessidades sanitárias e de saúde pública com a imposição de posturas que cumprissem a

função higienista que a época exigia. Logo após, as obras de saneamento foram

concluídas, voltam o espaço urbano e a posse e propriedade da terra, serem alvo de

regulação com o objetivo de expansão urbana e redistribuição da população que já havia

crescido e ocupado a cidade de forma desordenada.

3. Vários Planos Diretores são editados no Município de Santos, baseados em

questões como saúde, expansão, distribuição da população, ocupação dos morros e a

preocupação com o meio ambiente.

construções iniciadas; IV – áreas já comprometidas pelo Município, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista; V – áreas urbanizadas ou edificadas antes da ocupação.”

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4. Com a edição do Estatuto da Cidade em 2001, o Plano Diretor é atualizado e são

implantados os novos instrumentos de política urbana, mas que encontraram ferramentas

muito similares e atenderam desde sua criação em 1968.

5. Portanto, podemos afirmar que a maior ferramenta de que dispõe o legislador ou

o administrador para o desenvolvimento, proteção e sustentabilidade das cidades é,

definitivamente, a ordenação do espaço urbano.

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