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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA UFU
FACULDADE DE EDUCAO FACED/UFU
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
RUBEN DE OLIVEIRA NASCIMENTO
UM ESTUDO DA MEDIAO NA TEORIA DE LEV
VIGOTSKI E SUAS IMPLICAES PARA A EDUCAO
UBERLNDIA, MINAS GERAIS
2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA UFU
FACULDADE DE EDUCAO FACED/UFU
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
RUBEN DE OLIVEIRA NASCIMENTO
UM ESTUDO DA MEDIAO NA TEORIA DE LEV
VIGOTSKI E SUAS IMPLICAES PARA A EDUCAO
Tese apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Educao da Faculdade de
Educao da Universidade Federal de
Uberlndia, como requisito parcial para
obteno do ttulo de Doutor em Educao
Escolar.
rea de Concentrao: Saberes e Prticas
Educativas
Orientadora: Profa. Dra. Andra Maturano
Longarezi
UBERLNDIA, MINAS GERAIS
Agosto de 2014
-
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.
N244e 2014
Nascimento, Ruben de Oliveira, 1963-
Um estudo da mediao na teoria de Lev Vigotski e suas implicaes para a educao / Ruben de Oliveira Nascimento. - 2014.
406 f. : il. Orientadora: Longarezi, Andra Maturano. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Uberlndia,
Programa de Ps-Graduao em Educao. Inclui bibliografia. 1. Educao - Teses. 2. Vigotsky, L. S. (Lev Semenovich), 1896-
1934 - Teses. 3. Psicopedagogia - Teses. 4. Psicologia educacional - Teses. I. Longarezi, Andra Maturano. II. Universidade Federal de Uberlndia, Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.
CDU: 37
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Dedico esse trabalho aos meus pais, Jos Rgo do Nascimento e
Joselina de Oliveira Nascimento (in memoriam), pelo cuidado de
uma vida, pelo amor, pela ateno.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, por ter me proporcionado a beno de concluir um doutorado,
condies ideais para faz-lo e de aprender com profissionais to competentes que Ele
colocou no meu caminho.
minha orientadora, professora doutora Andra Maturano Longarezi, pela maneira
humana de tratar o outro, pelas orientaes e sugestes preciosas, pelo apoio
fundamental ao trabalho, pela motivao ao estudo de to complexa teoria e pela
confiana. Sempre pensarei em voc com gratido e respeito.
Ao professor mestre Achilles Delari Junior e aos professores doutores Ricardo Baquero
(Universidade de Buenos Aires UBA) e Zoia Ribeiro Prestes (Universidade Federal
Fluminense UFF), pelas crticas e interlocues relevantes para o desenvolvimento
dos estudos.
Aos professores doutores Adriana Pastorello Buim Arena (FACED/UFU), Diva Souza
Silva (FACED/UFU), Maria Elisa Mattosinhos Bernardes (USP), Orlando Fernndez
Aquino (UNIUBE) e Roberto Valds Puentes (FACED/UFU), pelas ricas discusses
tericas e pela viso crtica construtiva do trabalho, que muito contriburam para sua
realizao.
minha querida esposa Gerda pelo cuidado, apoio, companheirismo, motivao e
ateno no processo de construo desse trabalho, em todo momento.
Ao meu cunhado Paulo Rocha pelas estimulantes interlocues e pelo apoio
bibliogrfico, que muito contribuiu com a pesquisa.
Aos meus irmos Lilian, Mirian, Vivian e Jos Rgo Jnior, aos meus cunhados
Antonio Mrcio e Rosana, minha sogra Maria da Glria, s minhas tias Lcia (Nana),
Diva e Rita, e aos sobrinhos, pelo apoio, pela motivao, pelo interesse com o processo
do doutorado e, principalmente, pelas oraes.
Ao Programa de Ps-graduao em Educao da Faculdade de Educao da
Universidade Federal de Uberlndia, pela experincia e riqueza que representou em
minha vida acadmica.
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Nuestra investigacin hizo referencia todo el tiempo,
como ya hemos dicho, al aspecto de la palabra que, como
el otro lado de la Luna, era un terreno ignorado por la
psicologia experimental. Hemos tratado de investigar la
relacin de la palabra con el objeto y con la realidad.
Hemos intentado estudiar experimentalmente la transicin
dialctica de la sensacin al pensamiento y mostrar que
en este la realidad se refleja de otro modo que en la
sensacin, que el principal rasgo distintivo de la palabra
es el reflejo generalizado de la realidad.
LEV VIGOTSKI
Pensamiento y Habla, 1934
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RESUMO
Este trabalho uma pesquisa sobre mediao na teoria de Lev Vigotski, realizado por
meio de um profundo estudo terico-bibliogrfico. A pesquisa procurou discernir nos
argumentos de Vigotski, ao longo de sua obra, o uso e a definio do termo mediao e
suas implicaes para o processo educativo. A pesquisa mostrou que mediao uma
discusso presente desde os primeiros escritos psicolgicos e pedaggicos de Vigotski,
sendo empregada at o final de sua obra, norteando sua anlise de Educao e
desenvolvimento. Nos textos pesquisados encontramos as seguintes formas de mediao
comentadas pelo autor: mediatizao dos reflexos psquicos, mediao pela cincia,
ao mediada pela operao do signo, mediao social e mediao dos conceitos.
Conclumos que o estudo da base dialtica de mediao e sua ligao com o problema
educativo e o desenvolvimento humano, so indispensveis para sua definio e
fundamental para se pensar suas contribuies para o processo de ensino que se
proponha vigotskiano.
PALAVRAS-CHAVE: Educao; Lev Vigotski; Mediao.
RESUMEN
Este trabajo es una investigacin sobre mediacin en la teora de Lev Vigotski,
realizado por medio de un profundo estudio terico-bibliogrfico. La investigacin
procur discernir en los argumentos de Vigotski, a lo largo de su obra, el uso y la
definicin del trmino mediacin y sus implicaciones para el proceso educativo. El
trabajo mostr que la mediacin es una discusin presente desde los primeros escritos
psicolgicos y pedaggicos de Vigotski, siendo empleada hasta el final de su obra,
norteando su anlisis sobre Educacin y desarrollo. En los textos investigados
encontramos las siguientes formas de mediacin comentadas por el autor: mediatizacin
de los reflejos psquicos, mediacin por la ciencia, accin mediada por la operacin del
signo, mediacin social y mediacin de los conceptos. Concluimos que el estudio de
base dialctica de mediacin y su ligacin con el problema educativo y el desarrollo
humano, son indispensables para su definicin y fundamental para pensar sus
contribuciones para el proceso de enseanza que se proponga ser vigotskiano.
PALABRAS CLAVE: Educacin; Lev Vigotski, Mediacin.
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INDICE
APRESENTAO 1
INTRODUO 2
CAPTULO 1 PERODO REFLEXOLGICO E A PSICOLOGIA PEDAGGICA (1924-1927)
26
1.1. Dados Biogrficos de Lev Vigotski no Perodo de 1896 a 1924 30
1.2. Fenmenos Psquicos e Comportamento Humano 35
1.3. O Estudo Objetivo da Psique 44
CAPTULO 2 MEDIAO DOS REFLEXOS PSQUICOS 57 2.1. O Novo Enfoque de Psique e o Problema Educativo 68
2.2. Fatores Biopsquicos e Sociais do Problema Educativo 83
2.3. A Experincia Social Humana 88
2.4. Fundamento Pedaggico-Social da Educao 95
CAPTULO 3 A MEDIAO PELA CINCIA 107 3.1. Educao Escolar como Processo de Reeducao 115
3.2. Conhecimento Cientfico e Processo Educativo 121
CAPTULO 4 MEDIAO NA TEORIA HISTRICO-CULTURAL (1928-1931)
129
4.1. Anlise Histrica das Funes Psquicas 134
4.2. Conceito de Desenvolvimento Cultural 141
4.3. Conceito de Funo Psquica Superior 146
4.4. Domnio da Prpria Conduta 151
4.5. O Estmulo-Signo e o Carter Mediado da Ao 155
4.6. O Aparelho e sua Chave nas Mos do Homem 172
4.7. O Determinismo se Humaniza 180
4.8. O Mtodo Instrumental 188
4.9. A Mediao Social 194
4.10. Ao Mediada e Educao Cultural 200
CAPTULO 5 SOBRE OS SISTEMAS PSICOLGICOS (1930) 215 5.1. Sistemas Psicolgicos e o Desenvolvimento de Conceitos 220
5.2. Ao Voluntria e Pensamento em Conceitos 228
5.3. Sistemas psicolgicos e Educao 238
CAPTULO 6 EDUCAO E DESENVOLVIMENTO (1933-1934) 241 6.1. Prembulo Histrico 242
6.2. Relao entre Desenvolvimento e Instruo 244
6.3. Relao entre Ensino e Amadurecimento das Funes Psquicas 247
6.4. Relao Temporal entre Instruo e Desenvolvimento 251
6.5. O Conceito de Zona de Desenvolvimento Prximo 252
6.6. ZDP e o Processo de Imitao 255
6.7. ZDP e Brincadeira Infantil 261
CAPTULO 7 MEDIAO DOS CONCEITOS 265 7.1. A face Interna da Ao Mediada 265
7.2. Conceitos Espontneos e Conceitos Cientficos 273
7.3. A Relao dos Conceitos entre Si e com os Objetos 277
CAPTULO 8 ESTUDO DA BASE DIALTICA DE MEDIAO NA TEORIA DE VIGOTSKI
285
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8.1. A psicologia sovitica e o materialismo dialtico 287
8.2. Perodo Reflexolgico (1924-1927) 289
8.3. Teoria Histrico-Cultural (1928/1931) 300
8.3.1. Contribuies de Friedrich Engels 301
8.3.2. Contribuies de Georg W. F. Hegel 307
8.4. Aproximao Marxista ao Problema Hegeliano da Mediao 317
8.5. Um Percurso Vigotskiano de Hegel a Lenin 331
8.6. O Trao Distintivo da Palavra 344
CAPTULO 9 MEDIAO E PROCESSO DE ENSINO NA TEORIA DE VIGOTSKI
348
9.1. Prembulo Histrico 348
9.2. Psicologia Pedaggica 350
9.3. Teoria Cultural da Educao 362
9.4. Instruo e Desenvolvimento 366
9.5. Conceitos Espontneos e Conceitos Cientficos 371
CONSIDERAES FINAIS 379
REFERNCIAS 386
OBRAS DE LEV VIGOTSKI CONSULTADAS 405
INDICE DAS ILUSTRAES
Ilustrao 1 Lev S. Vigotski (1896-1934) 30 Ilustrao 2 Cidade de Gomel no incio do sculo XX 31 Ilustrao 3 Universidade Imperial de Moscou em 1910 32 Ilustrao 4 Universidade de Shanivski em 1913 32 Ilustrao 5 Lev Vigotski 34 Ilustrao 6 Ivan M. Sechenov (1829-1905) 36 Ilustrao 7 Aspectos dos componentes da reao 40 Ilustrao 8 Aspectos de comportamento psquico inteligente numa reao completa.
40
Ilustrao 9 Sala de aula em 1920, na cidade de Smolensk 93 Ilustrao 10 Introduo do estmulo-meio 154 Ilustrao 11 Central telefnica do incio do sculo XX 173 Ilustrao 12 Lio de aritmtica proposta por Thorndike 209 Ilustrao 13 Latitude e Longitude terrestre 278
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1
APRESENTAO
O trabalho que o leitor tem em mos reflete o anseio acadmico do autor pelo
conhecimento que fundamenta prticas.
Esse anseio foi uma marca em nossos 22 anos dedicados ao ensino superior com
a disciplina Psicologia da Educao, ajudando na formao inicial de professores e na
formao de conceitos.
Com o doutorado, esse anseio nos fez voltar para uma das fontes tericas que
sustentaram nossa experincia docente nesse ramo, revisitando um difcil tema que
percorreu nossa trajetria ensinando para alunos de diferentes reas de conhecimento,
lidando assim com diferentes perspectivas sobre o mundo: mediao na teoria de Lev
Vigotski.
Voltamos-nos para esse tema com um olhar pesquisador, e descobrimos que sua
proposta terica instigadora se somada experincia viva do professor. Vimos
tambm que adentrar na concepo e raiz terica de mediao na teoria de Vigotski
um rico processo de conhecimento, uma experincia formadora.
Compreendemos que pesquisas bibliogrficas levadas ao extremo so to
complexas quanto outros tipos de pesquisa. Conclumos que elas requerem, no
tratamento rigoroso de seus documentos, uma investigao exigente que reflete uma
prtica prpria que desafia tanto quanto outros tipos de pesquisa.
Assim, observamos que pesquisas bibliogrficas podem ser tanto bsicas para
outras pesquisas quanto um rico momento de autodesenvolvimento dos processos
tericos, num movimento constante de anlise dos fundamentos da prtica.
Essa pesquisa um olhar, uma aproximao, um estudo. Esperamos que seja
para o leitor to provocativo quanto foi para seu autor.
Que em suas limitaes e dentro de seu alcance, esse trabalho sirva ao menos
para comunicar possibilidades de anlise e fomentar outras discusses no coletivo de
pesquisadores e professores que se dispe a estudar e pensar sobre as ideias de Vigotski,
no contexto da educao escolar.
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2
INTRODUO
A obra de Lev S. Vigotski (1896-1934) um importante legado terico cujos
princpios e conceitos vm contribuindo at os dias de hoje com a cincia psicolgica e
com abordagens pedaggicas. Esse legado pode ser visto, por exemplo, em autores
ligados ao Ensino Desenvolvimental (LONGAREZI e PUENTES, 2013). Surez et al.
(2011) comentam que sua obra foi continuada por destacados seguidores como A. N.
Leontiev, A. R. Luria, L. I. Bozhovich, P. Ya. Galperin, V. V. Davidov e outros. Por
tudo isso, o psiclogo sovitico que mais tem transcendido, apesar de sua curta vida 1
(p. 133).
No que concerne introduo da obra de Vigotski no Brasil, Prestes (2010)
comenta que h registros de pesquisadores brasileiros que leram alguns trabalhos de
Vigotski na dcada de 1970, por meio de publicaes feitas nos Estados Unidos da
Amrica. Essa autora comenta que, apesar da dificuldade de se levantar com clareza e
exatido qual o primeiro texto de Vigotski a chegar ao Brasil, menciona pesquisa
realizada por Freitas (1994), mostrando que em 1974 j se ouvia falar de Vigotski no
Brasil.
Segundo Prestes (2010), a primeira obra de Vigotski mencionada num artigo
acadmico brasileiro foi da edio americana Thought and Language, publicada em
1962. Nesse artigo publicado em 1986, de autoria de Mario Tolentino, Roberto Ribeiro
da Silva, Romeu C. Rocha-Filho e Elizabeth Tunes, se faz referncia, pela primeira vez
no Brasil, aos conceitos cientficos. A autora comenta que uma edio portuguesa de
Pensamento e Linguagem, de 1972, figura tambm entre as primeiras referncias de
pesquisadores brasileiros.
No campo da Psicologia da Educao, Silva e Davis (2004) realizaram uma
pesquisa nos nmeros da Revista Cadernos de Pesquisa, publicados entre 1971 e 2000,
para verificar como os pressupostos terico-metodolgicos de Vigotski foram sendo
introduzidos e apropriados por autores brasileiros em seu incio, nesse campo da
psicologia. Essa pesquisa mostrou o seguinte:
1 Su obra fue continuada por destacados seguidores como A. N. Leontiev, A. R. Luria, L. I. Bozhovitch,
P. Ya. Galperin, V. V. Davidov y otros. Por todo esto Vigotski es el psiclogo sovitico que ms ha
trascendido a pesar de su corta vida (SUREZ et al., 2011, p. 133).
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3
A dcada de 1980 foi responsvel por 37,8% da produo encontrada e a de
1990 por 62,2%, observando-se, de uma dcada para outra, a diferena de
24,4%. importante considerar que foi a partir do incio da dcada de 1990
que as obras de Vigotski passaram a ser mais acessveis. Da a razo pela qual
pouco se produziu e se divulgou, do que decorre, tanto em um caso como em
outro, a dificuldade de avanar teoricamente na proposta vigotskiana. (SILVA
e DAVIS, 2004, p. 636)
De acordo com as autoras, os temas mais abordados foram: desenvolvimento e
aprendizagem (38,6%), pensamento e linguagem (18,6%), desenvolvimento da
linguagem (15,7%) e crtica a Piaget (1,4%).
No mbito acadmico, pesquisas sobre as contribuies de Vigotski tambm
vm se intensificando no pas. Segundo Mainardes e Pino (2000), a produo de teses e
dissertaes no pas sobre as contribuies de Vigotski comea no final da dcada de
1980, sendo que na dcada de 1990 produziu-se um maior nmero de trabalhos. Na
anlise dos autores:
Em geral, as dissertaes e teses apresentam importantes reflexes que
contriburam para o aprofundamento de questes conceituais e metodolgicas.
Muitas delas tematizam questes de aprendizagem e desenvolvimento no
contexto escolar, o papel da linguagem, as interaes e mediaes sociais, os
processos de significao, o jogo simblico, o desenho infantil etc.
(MAINARDES e PINO, 2000, p. 256)
Atualmente, a teoria de Vigotski vem cada vez mais contribuindo com a
pesquisa educacional brasileira e fazendo parte dos currculos de cursos de formao
inicial e continuada de professores no pas, sendo inclusive pauta nos fundamentos
tericos e metodolgicos de diretrizes pedaggicas e curriculares estaduais, como o
caso, por exemplo, das Diretrizes Pedaggicas da Secretaria de Estado de Educao do
Distrito Federal (2009/2013) e das Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental (anos
iniciais) da Secretaria de Estado da Educao do Rio de Janeiro (2010).
Nossa pesquisa se props a contribuir com o processo acadmico de
aprofundamento de questes conceituais da teoria de Vigotski, com a realizao de um
trabalho voltado para o tema mediao em sua obra, aproximando-nos do tema pela
vinculao que o autor faz do mesmo com o processo educativo em seus textos. Nossa
pesquisa examina o tema no perodo de sua produo textual, olhando para um autor em
seu tempo.
-
4
Lev Vigotski: um autor em seu tempo
Mesmo que contribuies da teoria de Vigotski prevaleam nos dias de hoje e
possam ser devidamente aplicadas a discusses da escola atual, ele foi um autor de seu
tempo, com uma produo intelectual digna de seu tempo, analisando teorias e
abordagens filosficas, psicolgicas e pedaggicas prestigiadas no perodo que produziu
sua obra. Essa questo importante no apenas para o estudo contextualizado de seu
trabalho, mas tambm para sua anlise e crtica atual. Devido complexidade do tema
na obra do autor, nossa pesquisa se concentrou no primeiro aspecto, como contribuio
acadmica para o estudo contextualizado da obra de Vigotski.
Portanto, preciso identificar aspectos do perodo em que ele produziu sua obra.
Vigotski produziu sua teoria na dcada de 1920 e comeo da dcada de 1930 do
sculo passado, num perodo em que os estudos psicolgicos e pedaggicos se voltavam
para funes psquicas, para faculdades mentais, para o debate da questo entre o
mental e o fsico, entre o esprito e a matria. Nesse momento, se esperava muito da
ento emergente cincia psicolgica, para fundamentar a teoria educacional. A Cincia
era uma prerrogativa da poca moderna, cujo impacto tambm se fazia sentir na prpria
viso de educao. No mbito da psicologia experimental o mtodo introspectivo era o
mais usado para se investigar processos mentais e a conscincia (COLL SALVADOR,
1999; PALANGANA, 2001; RIVIRE, 2002, WEITEN, 2002, SUREZ at. al, 2011,
LENT, 2013).
Em seu pas, Vigotski experimentou desafios tericos complexos na psicologia
sovitica ento iniciante, com os quais teve embates metodolgicos importantes. Nos
primeiros anos da Revoluo, se davam correntes psicolgicas diferentes e at mesmo
antagnicas: um grupo de influncia idealista liderado por Chelpanov; um grupo
seguindo a Reactologia, de Kornilov; e um grupo mais donimante, a Reflexologia,
representado por Pavlov e Bechterev, que repudiava o estudo dos fenmenos subjetivos
e realava o estudo do comportamento nos reflexos. Esses grupos mantinham a
parcialidade nas investigaes (PALANGANA, 2001; RIVIRE, 2002; MINICK,
2002).
-
5
Foi um perodo histrico em que se buscou a construo de uma nova psicologia
marxista baseada no materialismo dialtico, que concordasse com fundamentos do
materialismo dialtico marxista-leninista, se dedicando a problemas de aplicao prtica
(LEONTIEV, 1991; MAKIRRIAN, 2006).
Para a nossa pesquisa, importante tambm dizer que foi um perodo de
transio na histria da pedagogia russa. Com a Revoluo, promoveu-se a passagem do
modelo da escola czarista para a construo de uma nova cultura escolar fundamentada
numa pedagogia de base socialista. Segundo C. R. Freitas (2009), historiadores da
educao russa dividem esse perodo em dois momentos: de 1917 a 1920, um momento
inicial de reforma da escola e de construo de uma pedagogia sovitica; e de 1921 a
1930, um segundo momento de afirmao da escola socialista e da pedagogia marxista-
leninista. Mas, essa transio no foi um processo simples.
Segundo Capriles (1989) e C. R. Freitas (2009), nos primeiros anos da
Revoluo de Outubro os educadores pesquisavam em vrias direes e isso refletia nos
cursos de formao de professores. Muitos foram partidrios de Froebel, das teorias da
primeira poca de Maria Montessori (de grande repercusso na pedagogia sovitica do
perodo) e, nos anos de 1920, de outras correntes no-soviticas como Emile Durkheim,
o mtodo educacional progressista de John Dewey estudado por Krupskaya, Chatski,
Lunatcharski e Pinkevitch , a proposta da Escola Nova, o plano Dalton e a obra de Jean
Piaget. Mas, Lenin foi quem primeiro recorreu a uma anlise marxiana como base para
o sistema escolar do socialismo, influindo no processo dessa transio.
Em termos polticos, Vigotski desenvolveu sua teoria num contexto histrico
especfico: os primeiros 17 anos da Revoluo de Outubro. Essa demarcao poltica e
social importante, pois, a Revoluo trouxe consigo mudanas significativas de
mentalidades e de projetos na sociedade, na cincia, na educao, na indstria, na
economia, etc. Segundo Palangana (2001), Vigotski foi um psiclogo sovitico
preocupado em construir uma psicologia que respondesse problemtica poltico-social
do pas em sua poca.
Tuleski (2008), citando Davydov e Zinchenko, comenta que:
a viso de mundo de Vygotski desenvolveu-se nos anos da revoluo e refletiu
as mais avanadas e fundamentais influncias scio-ideolgicas relacionadas
compreenso das foras essenciais do homem, das leis de seu desenvolvimento
-
6
histrico e de sua formao plena, nas condies da nova sociedade socialista,
pensamento que se manifestou plenamente na filosofia materialista dialtica
que conhecia a fundo e na qual baseou toda a sua teoria. (TULESKI, 2008, p.
36)
Para Leontiev (1991, p. 420), a obra de Vigotski vem determinada em primeiro
lugar pelo tempo em que viveu e trabalhou, a poca da Grande Revoluo Socialista de
Outubro2. Rivire (2002) comenta que em muitos sentidos, Vigotski era um filho da
revoluo e se incorporou ativamente ao projeto de fazer uma nova sociedade e
desenvolver uma nova cultura3 (p. 17).
Mas, Rivire (2002) comenta tambm que Vygotski se dedicou ao ensino em sua
vida profissional, e que esta dedicao no se deu somente no exerccio didtico, mas
tambm investigando situaes educativas. Para esse autor, essa dedicao e interesse
refletiram em suas investigaes psicolgicas.
Como assinala Manacorda (1979), Vygotsky foi professor, pedagogo e
paidlogo, antes de ser psiclogo. Sempre manteve o interesse em vincular a
psicologia cientfica com o trabalho educativo, e nutriu seus trabalhos
psicolgicos com observaes e experincias recolhidas de situaes
educativas reais.4 (RIVIRE, 2002, p. 18)
Esses so alguns dados histricos que no esto margem da produo da obra
de Vigotski. Nossa pesquisa no se deteve a analisar especificamente esses dados,
porque no este seu alvo. Esse contexto mencionado para situar historicamente o
tempo em que Vigotski desenvolveu sua teoria e produziu seus textos.
Tema da Pesquisa
Nossa pesquisa se voltou para o tema mediao na teoria de Vigotski, como
tratado pelo autor em seus textos.
2 la obra de Vygotski viene determinada en primer lugar por el tiempo en que vivi y trabaj, la poca de la Gran Revolucin Socialista de Octubre (LEONTIEV, 1991, p. 420). 3 En muchos sentidos, Vygotski era un hijo de la revolucin y se incorpor activamente al proyecto de hacer una nueva sociedade y desarrollar una nueva cultura (RIVIRE, 2002, p. 17). 4 Como h sealado Manacorda (1979), Vygotski fue enseante, pedagogo y paidlogo antes de ser psiclogo. Siempre mantuve el inters por vincular la psicologa cientfica con la labor educativa, y nutri
sus trabajos psicolgicos de observaciones y experiencias recogidas en situaciones educativas reales (RIVIRE, 2002, p. 18).
-
7
Para Wertsch (1988 p. 33), a contribuio mais original e importante de
Vygotsky consiste no conceito de mediao5. Werstch (1988) comenta que este
conceito envolve outros dois temas centrais que constituem a estrutura da teoria de
Vigotski: o mtodo gentico e o entendimento social dos processos mentais mediante a
compreenso dos instrumentos e dos signos atuando como mediadores.
Daniels (2003) tambm trata mediao como conceito, dizendo ser um conceito-
chave ou central na concepo vigotskiana de psicologia cultural.
Para Molon (2010), na teoria de Vigotski, mediao no um conceito, mas um
pressuposto norteador de todo o arcabouo terico-metodolgico de sua psicologia.
Para Oliveira (1992a), mediao uma ideia central na teoria de Vigotski:
Uma ideia central para a compreenso das concepes de Vygotsky sobre o
desenvolvimento humano como processo scio-histrico a ideia de mediao.
Enquanto sujeito de conhecimento o homem no tem acesso direto aos objetos,
mas um acesso mediado, isto , feito atravs dos recortes do real operados
pelos sistemas simblicos de que dispe. (OLIVEIRA, 1992a, p. 26)
Para Rego (2001), enraizada na teoria histrico-cultural de Vigotski, mediao
um processo que caracteriza a relao do homem com o mundo e com outros homens.
Para ns, importa saber como mediao se constitui teoricamente em seus textos
e suas implicaes para a educao.
Mas, antes de adentramos na investigao que realizamos nessa direo,
preciso considerar que o uso geral do termo mediao tambm tem suas particularidades
e acepes diferentes, mostrando que o termo no de emprego simples.
Examinando o percurso do significado do termo Mediao ao longo do tempo,
Garcia (2004) comenta:
Pesquisando o significado de mediao, constatamos que o vocbulo entrou
para o dicionrio de lngua portuguesa em 1670, sendo entendido como o ato
ou efeito de mediar, ato de servir de intermedirio entre pessoas, grupos,
partidos, a fim de dirimir divergncias ou disputas; o processo pelo qual o
pensamento generaliza os dados apreendidos pelos sentidos. Segundo Houaiss
(2001), a definio de mediao varia de acordo com a especificidade de sua
utilizao, assumindo sentidos diversos. (GARCIA, 2004, p. 25)
5 [...] la contribucin ms original e importante de Vygotsky consiste en el concepto de mediacin (WERTSCH, 1988, p. 33).
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8
O termo Mediao tambm encontrado na Astronomia determinando o
momento de culminao de um astro; na religio, significando a intercesso de um
santo ou divindade6; na msica bblica, representando a diviso de cada versculo de um
salmo em partes, sendo a primeira salmodiada por um coro e a segunda por outro; e na
perspectiva jurdica, como sendo um procedimento que visa promover a aproximao
entre partes interessadas a consolidar um negcio ou contrato, ou num litgio, pela
interposio de um intermedirio entre as partes em negociao ou conflito (GARCIA,
2004).
Esse termo tambm tem tradio na Filosofia e um valor muito importante na
histria da educao, da psicologia, da neurocincia. Atualmente, vem tendo
significativa presena nos estudos e debates sobre Didtica. Veremos, resumidamente,
como o termo se apresenta nesses campos.
O Termo Mediao na Educao
Arce (2002) aponta para a ideia de mediao na pedagogia de Friedrich Froebel
(1782-1852). Froebel foi um importante pedagogo na histria da educao do sculo
XIX, que se preocupou com a educao da primeira infncia, anterior ao ensino
elementar. Arce (2002) assim coloca o referido termo na pedagogia de Froebel:
Tal como a natureza exteriorizao do esprito divino, para que a criana
desenvolva o que de melhor existe no ser humano, ela precisa exteriorizar seu
interior, o que pode ser feito pela mediao do simbolismo (os brinquedos
criados por Froebel desempenhariam esse papel na primeira infncia). (ARCE,
2002, p. 39, grifo nosso)
O termo tambm se mostra no processo tradicional de ensino. Segundo
Mizukami (1986, p. 14-15), na abordagem tradicional de ensino a relao professor-
aluno vertical, sendo o professor o responsvel por decidir quanto metodologia,
contedo, avaliao, forma de interao na aula, etc., detendo os meios coletivos de
expresso, sendo que as relaes so em funo do mestre e de seu comando. Seu papel
6 No cristianismo (originado do judasmo) Jesus o mediador entre Deus e os homens, ou entre um novo
testamento ou aliana entre Deus e os homens, conforme o seguinte: Pois h um s Deus e um s mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus, o qual se entregou a si mesmo como resgate
por todos. Esse foi o testemunho dado em seu prprio tempo (I Timteo 2: 5,6 Bblia, 2000, p. 951), ou ainda: [...] a Jesus, mediador de uma nova aliana, e ao sangue aspergido, que fala melhor do que o sangue de Abel (Hebreus, 12:24 Bblia, 2000, p. 969).
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est ligado transmisso de certo contedo, permanecendo a classe intelectual e
afetivamente dependente do professor. No caso, o professor exerce, aqui, o papel de
mediador entre cada aluno e os modelos culturais (MIZUKAMI, 1986, p. 15, grifo
nosso).
O termo mediao tambm muito importante na Educao a Distncia (EaD).
Segundo Dias e Leite (2010), na EaD (ou ensino a distncia) atual, as novas
tecnologias da informao e comunicao abrem inditas possibilidades de
comunicao, disponibilizando dispositivos que permitem tanto a integrao de pessoas
a um processo ensino-aprendizagem, quanto a promoo da interatividade (participao
ativa do sujeito no processo de comunicao), sendo estes importantes aspectos
pedaggicos do processo educativo a distncia.
Dias e Leite (2010) comentam que o uso das novas tecnologias envolve novas
discusses sobre concepes de ensino, aprendizagem e controle de seus processos,
mas, especialmente, a redefinio do papel do professor.
Na viso de Sherry (apud TAVARES, 2000, p. 1), o professor passa a se ver
como um orientador, fazendo mediaes, apresentando modelos, explicando,
redirecionando o foco, oferecendo opes. E, tambm, como um coaprendiz,
que colabora com outros professores e profissionais. Ou seja, a maioria dos
professores ou instrutores, que utiliza atividades de ensino mediadas pelo
computador, prefere assumir o papel de moderador ou facilitador das
interaes em vez do papel do especialista que transmite conhecimentos.
(DIAS e LEITE, 2010, grifo nosso)
De acordo com Belloni (2006, p. 63, grifo da autora), a mediatizao das
mensagens pedaggicas est, pois, no corao dos processos educacionais em geral e,
muito em particular, no ensino a distncia.
O termo tambm empregado no conceito de mediao pedaggica.
Althaus (2008), citando Barbosa-Lima, Castro e Arajo (2006), comenta que a
mediao pedaggica est ligada ao ato de ensinar que, em sua raiz etimolgica latina,
significa indicar, designar, compreendido como marcar com um sinal, cujo sentido de
imposio vem tambm acompanhado de uma influncia sobre o desenvolvimento do
carter do aluno. Essas marcas ou influncias se dariam por meio da prtica pedaggica.
Machado, Ferreira e Aquino (2010), citando Moraes (2008), comentam que a
mediao pedaggica se caracteriza a partir da comunicao, da ao sobre o outro. A
mediao pedaggica deve permitir a significao de processos e contedos
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educacionais bem como incentivar a construo de conhecimentos relacionais,
contextuais, gerados pela prpria interao (MACHADO, FERREIRA e AQUINO,
2010, p. 9).
Althus (2008), citando indiretamente Saint-Onge (2001, p. 232), conclui:
Podemos perceber, frente ao exposto, que ao desempenhar o papel de
mediador, o trabalho do professor se desenvolve atravs de outras mltiplas
relaes, onde se situam os alunos e os instrumentos necessrios para
operacionalizar o trabalho pedaggico de sala de aula. Se pudssemos
sintetizar o ensino, numa s palavra, poderamos dizer: ensinar consiste em
fazer uma relao (ALTHUS, 2008, p. 5-6)
Podemos notar que o termo Mediao tem suas especificidades de uso no campo
educacional, assumindo diferentes sentidos conforme a abordagem pedaggia e o
desenvolvimento da rea.
O Termo Mediao na Psicologia e na Neurocincia
O termo mediao tradicional na histria da psicologia moderna, experimental,
aparecendo desde seus primrdios. Os experimentos do psiclogo Wilhelm Wundt
(1982-1920), no mbito da psicofsica, so um exemplo. Wundt diferenciava a
experincia mediada, que se dava por meio de instrumentos (um termmetro, por
exemplo), da imediata, que se dava por meio do exame da conscincia de uma
experincia. No caso, a experincia mediada era vista como distinta da prpria
experincia do sujeito. Wundt afirmava que a psicologia deveria se dedicar
investigao imediata da experincia (GOODWIN, 2005).
De acordo com Goodwin (2005), nesse perodo da cincia psicolgica, a
Introspeco era usada como o mtodo experimental para acesso ao mental. Segundo
Sperling (1999), Instrospeco o processo de observao atenta da prpria mente
numa situao experimental. Para Rodrigues (2004, p. 22), a introspeco foi um
mtodo em que se pretendia olhar para dentro com a finalidade de descrever
sensaes acontecidas em funo de estimulaes.
Benjamin (2009) coloca que hoje, os neurocientistas tm um grande nmero de
tcnicas que permitem examinar o crebro e o comportamento, como a obteno de
imagem por ressonncia magntica que registra mudanas metablicas de um crebro
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humano funcionando em um paciente consciente, o que possibilita comparar atividade
cerebral e atividade mental em andamento. Mas, apesar de todo avano tecnolgico, o
autor comenta que muito ainda h para se explorar e compreender sobre essa relao.
Na Neurocincia atual o termo Mediao vem sendo aplicado no mbito dos
processos cognitivos, com destaque para as funes executivas. Segundo Oliveira-
Souza et al (2013, p. 288), o domnio executivo compreende um elenco de operaes
cognitivas do qual fazem parte a flexibilidade e o planejamento cognitivos, e a
capacidade de auto-regulao dos processos mentais e comportamentais.
Oliveira-Souza et al. (2013) comentam que as funes executivas se
manifestam em ambientes que demandam criatividade, respostas rpidas a problemas
novos, planejamento e flexibilidade cognitiva (p. 291), comuns em situaes da vida
real, requerendo do indivduo adequao de seus domnios cognitivos s exigncias
desses problemas. No caso, essa adequao mediada por sistemas
neurocomportamentais dedicados, que denominamos executivos (OLIVEIRA-
SOUZA et al., 2013, p. 292, grifo nosso); e esses sistemas tornam domnios cognitivos
categoriais em domnios cognitivos aplicados s contingncias da vida.
A neurocientista americana Patrcia Goldman-Rakic (1937-2003) desenvolveu
uma excelente teoria sobre os lobos frontais como os mediadores da memria
operacional (ou memria de trabalho), ou seja, a capacidade de manter
representaes em mente por curtos perodos (geralmente segundos) enquanto
as utilizamos no desempenho de alguma atividade imediata. Isso ocorre quando
desejamos anotar um nmero de telefone desconhecido ou a placa de um carro
em fuga, precisando mant-los na memria at achar lpis e papel. Goldman-Rakic identificou no crtex frontal dorsolateral (mais especificamente, na rea
46 de Brodmann) grupos de neurnios que se mantm ativos durante o perodo
que medeia a aquisio da informao grupos de neurnios (telefone, placa) e
sua utilizao subsequente (anotao). Esses neurnios codificam em
linguagem neural o material retido temporariamente na memria operacional
at que a informao seja utilizada ou arquivada por mais tempo. (OLIVEIRA-
SOUZA et al., 2013, p. 294, grifo dos autores)
Cosenza e Guerra (2011) comentam que as funes executivas incluem a
identificao de metas, o planejamento do comportamento e a sua execuo, de modo
que se possam estabelecer estratgias comportamentais e dirigir as aes de forma
objetiva e flexvel, para se atingir o objetivo desejado. Para esses autores, as funes
executivas atuam como uma interface entre o indivduo e o ambiente com o qual
interagem. Esses autores comentam que, no ambiente escolar, as funes executivas so
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importantes para que o estudante obtenha sucesso nas etapas escolares, caracterizado
pelo amadurecimento progressivo dessas funes na infncia e na adolescncia.
O Termo Mediao na Tradio Filosfica
Segundo Garcia (2004, p. 25), para a Filosofia, mediao um processo
criativo, mediante o qual se passa de um termo inicial a um termo final. Mas, o uso e a
definio desse conceito tm diferentes momentos de elaborao na histria da
Filosofia, que se distinguem e se integram. Apontaremos essa questo num brevssimo
resumo, a seguir.
Garcia (2004) comenta que, na filosofia de Scrates (469 a.C. a 399 a.C.), o
sujeito mediador aquele que estabelece com as pessoas, as coisas e as ideias, relaes
que procuram desvelar sua essncia (GARCIA, 2004, p. 28), tornando a verdade
visvel aos contestadores, conhecendo-se bem as coisas, cujo conhecimento
desenvolvido num dilogo, junto atividade reflexiva.
Na filosofia de Plato (428 a.C. a 348 a.C.), Garcia (2004) comenta que a
alegoria um recurso usado como um importante mecanismo de expressar a mediao
entre as pessoas e as ideias (GARCIA, 2004, p. 28), para fazer compreender a
diferena entre o conhecimento dos sentidos e das opinies e o conhecimento
verdadeiro. Libertando-se assim das iluses, se faz da sabedoria um instrumento da
conscincia atravs da dialtica, ou seja, de sucessivas oposies ou sucesses de teses.
Segundo Garcia (2004, p. 30), a metfora era, pois, para Plato, o recurso utilizado
para mediar, nas pessoas, o movimento do conhecimento. Por meio da metfora, Plato
estabelecia canais que permitiam que as pessoas compreendessem o sentido da
realidade.
Garcia (2004) comenta que, considerando que a dialtica platnica vive sob a
ameaa do relativismo, no projeto de Aristteles (384 a.C. a 322 a.C.) o provvel deve
se transformar em certeza.
De acordo com Russell (1957), para se atingir a certeza cientfica e construir
um conjunto de conhecimentos seguros torna-se necessrio, segundo
Aristteles, possuir normas de pensamento que permitam demonstraes
corretas e, portanto, irretorquveis. O estabelecimento dessas normas confere
Aristteles o papel de criador da lgica formal, entendida como parte da lgica
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que prescreve regras de raciocnio independentes do contedo dos pensamentos
que esses raciocnios conjugam. (GARCIA, 2004, p. 31)
Garcia (2004) analisa a questo da mediao, em Aristteles, ao redor do termo
mdio, dizendo:
Vimos ento que Aristteles considera que no basta a cincia ser internamente
coerente: ela deve tambm ser cincia sobre a realidade. Assim, em Aristteles
constatamos, pela dialtica, a dimenso mediadora do conhecimento,
aproximando as pessoas da realidade. Ento, na lgica aristotlica, segundo
Japiassu (2001), o termo mdio aquele que realiza no silogismo uma funo
de mediao entre os outros termos das premissas, permitindo que se chegue
concluso. (GARCIA, 2004, p. 33)
Na dialtica de Hegel, mediao se coloca numa nova discusso. Segundo
Garcia (2004), Georg W. F. Hegel (1770-1831) colocou a necessidade de reunir
subjetividade e objetividade pela razo.
Garcia (2004) comenta que a forma verdadeira da realidade, para Hegel, a
razo, onde todas as contradies sujeito-objeto se integram constituindo, desse modo,
uma unidade, uma universalidade genunas (p. 34). No caso, o elemento mediador est
na reflexo em si mesmo ou no interior dos movimentos da alma.
De acordo com Inwood (1997), o conceito de mediao em Hegel, diz respeito
unio de dois termos por um terceiro termo. Essa ideia chega a um ponto de que toda
determinao ou definio depende da mediao. Inwood (1997) coloca que o prprio
contraste entre mediao e imediato , em si mesmo, uma oposio que requer
mediao para sua determinao. No caso, enquanto que o que imediato no est
relacionado com outras coisas ( simples, elementar), o mediado tem relaes com
outras coisas ( complexo, desenvolvido).
Almeida, Arnoni e Oliveira (2006), com base em Garaudy (1983), colocam que
a mediao contida na obra de Hegel, faz relao entre imediato e mediado, sendo
responsvel pela reflexo recproca de um termo no outro.
Garcia (2004) comenta que, para Hegel:
o homem procura reconhecer-se na forma das coisas. Descobre-se j esta
tendncia nos primeiros impulsos da criana que quer ver coisas de que seja
autor: se atira pedras gua, v formarem-se os crculos como uma obra
prpria em que contempla um reflexo seu. O mesmo se vai observando em
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mltiplas ocasies e na graduao de formas diversas at se chegar a essa
espcie de reproduo da personalidade que uma obra de arte. (GARCIA,
2004, p. 35)
Segundo Nbrega (2009, p. 66) um objeto no objeto seno para uma
conscincia, um sujeito. O Universo inteiro no outra coisa seno o contedo da
conscincia (p. 66). Esse autor coloca que, para Hegel, o objeto como o conhecemos,
ou melhor, o com os conceitos que os conhecemos, de modo que sem estes, nenhum
pensamento possvel, nenhuma palavra tem sentido (NBREGA, 2009, p. 65).
Mediao na Perspectiva Marxista
Sucupira Filho (1991) comenta que a contribuio de Hegel foi vital para o
desenvolvimento da dialtica, colocando que primeiro do que ningum demonstrou
que o mundo natural, histrico e espiritual era um processo, sujeito a incessante
movimento e mudana, transformaes e evolues (SUCUPIRA FILHO, 1991, p. 77,
grifo do autor). Mas, para ele a ideia no era reflexo da realidade material na
conscincia; era anterior ao homem e dele separada. Em Hegel, a ideia que criava a
natureza (SUCUPIRA FILHO, 1991, p. 77, grifo do autor).
Contudo, Sucupira Filho (1991) coloca que, mesmo abstrato, o mtodo
hegeliano foi revolucionrio.
O fecundo material, de essncia revolucionria do hegelianismo seria
aproveitado por Karl Marx. Repondo os conceitos hegelianos em sua
verdadeira posio, pois dizia que estavam de cabea para baixo, Marx desvestiu-os do invlucro idealista, para criar as bases da dialtica materialista.
Ficariam, assim, traadas definitivamente, as linhas divisrias entre a lgica
formal e dialtica, e estabelecido os pontos distintivos: coisas e fenmenos,
encarados at ento abstratamente em estado de repouso passavam a ser vistos cientificamente, em seu movimento e em suas conexes com as
condies sociais. Marx e Engels deram o golpe decisivo no velho hbito
mental de isolar o objeto de suas relaes naturais depois de erradicadas suas contradies implcitas caracterstica de todo pensamento anticientfico. A este estilo de pensamento, Marx e Engels chamaram de metafsico.
(SUCUPIRA FILHO, 1991, p. 78, grifo do autor)
Konder (1985) e Garcia (2004) comentam que Hegel abriu caminho para o
surgimento das ideias de Karl Marx (1818-1883) que, invertendo a dialtica de Hegel,
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rejeitou seu contedo idealista e colocou uma viso materialista do mundo, da histria e
do pensamento.
Konder (1985) comenta que, na dialtica de Hegel os movimentos da matria
ficam excessivamente presos ao abstrato. Marx, por sua vez, desenvolve a concepo
dialtica saindo do carter fechado da descrio de Hegel, mostrando que a realidade
est sempre assumindo novas formas sobre os quais trabalha o conhecimento. No caso,
esse autor comenta que Marx considera que a natureza humana se modifica em sua
atividade fsica sobre o mundo, afirmando que o movimento transformador da natureza
humana no espiritual, mas material, e que esse movimento abrange formas de
trabalho e de organizao prtica da vida existindo na histria.
Lefebvre (1963) comenta que Hegel, no desenvolvimento de sua Lgica, tratou
do emprego metdico da Razo, delineando uma histria geral da conscincia humana,
que Marx, em seus trabalhos cientficos, aprofundou e continuou na elaborao do
mtodo dialtico, para transformar numa teoria concreta. Esse autor comenta que o
mtodo dialtico considera que toda discusso, todo esforo para o progresso do
conhecimento, surge pelo confronto de teses opostas: o pr e o contra, o sim e o no, a
afirmao e a crtica (LEFEBVRE, 1963, p. 28), sendo que a divergncia dos
pensamentos, suas contradies, mostra a incompletude do pensamento humano. Nessa
incompletude, o progresso do conhecimento se d passo a passo por meio do confronto
entre hipteses e conhecimentos. No mtodo dialtico de Marx, as contradies do
pensamento humano procedem em parte das deficincias do pensamento humano na
apreenso das coisas, mas isso no basta para explicar as contradies. preciso admitir
que as contradies no pensamento subjetivo tenham uma base objetiva, real, ou seja,
um sentido objetivo, um fundamento na realidade. Para tanto, preciso estudar a
realidade objetiva, analisando metodicamente seus aspectos e elementos contraditrios.
Segundo Lefebvre (1963), no mtodo dialtico marxista, o conhecimento do
aspecto geral da realidade, do objeto, se constitui da seguinte maneira:
Assim, as ideias que fazemos das coisas o mundo das ideias so apenas o mundo real, material, expresso e refletido na mente dos homens, isto ,
edificam-se base da prtica e do contato ativo com o mundo exterior, atravs
de um processo complexo onde entra toda a cultura. (LEFEBVRE, 1963, p. 36)
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Lefebvre (1963) comenta que na dialtica hegeliana, tudo que existe e vive, s
existe e vive devido a um movimento, a um devir (LEFEBVRE, 1963, p. 35), e que se
chega ou se define as contradies e o movimento geral da realidade, de maneira
puramente abstrata e lgica. Lefebvre (1963) comenta que no mtodo dialtico de Marx,
o mtodo hegeliano visto como proporcionando uma orientao para o conhecimento
de cada realidade, mas, a forma lgica deve subordinar-se ao contedo, ao objeto,
matria estudada, captando assim o aspecto geral dessa realidade.
Segundo Konder (1985), o pensamento dialtico obriga a um paciente trabalho
de identificar, com esforo e gradualmente, as contradies concretas e as totalidades,
pensando-se o todo sem negar suas partes. Nesse importante ponto de vista da dialtica,
tem-se a viso sempre provisria de conjunto ou de um todo em que se pode avaliar a
dimenso de cada elemento, enxergando-se os processos e inter-relaes de que a
realidade se compe por detrs da aparncia das coisas. Na dialtica, tem-se a
contradio entre as partes e como elas se unem7. Assim, a dialtica no se contrapem
lgica, mas vai alm dela.
De acordo com Sucupira Filho (1991), na contradio dialtica todas as coisas
trazem em si foras contrrias que se chocam, e sua luta gera movimento. Essas foras,
em que pese sua oposio esto, porm, unidas em relaes dramticas (p. 80). No
caso, o autor comenta que a unio to verdadeira quanto o antagonismo entre essas
foras, mas transitria, pois, como a vida pulsa no movimento, da ao recproca do
sim e do no emerge a soluo do conflito numa forma superior, mais elevada e
qualitativamente nova na sntese que se cria.
No que se refere ao tema de nossa pesquisa, Konder (1985), Almeida, Arnoni e
Oliveira (2006) e Frederico (2009) comentam que o termo mediao remete a Hegel,
mas est presente em Marx, sendo que ambos frisaram sua importncia.
No processo do pensamento dialtico, Konder (1985) inclui o esforo de
identificao das mediaes especficas que constituem o tecido de cada totalidade,
que do vida a cada totalidade (KONDER, 1985, p. 46). No caso, comenta:
Para que o nosso conhecimento avance e o nosso laborioso (e interminvel)
descobrimento da realidade se aprofunde quer dizer: para ns podermos ir alm das aparncias e penetrar na essncia dos fenmenos precisamos
7 O dialtico = apreender as contradies na sua unidade (LENIN, 1914/2011, p. 106).
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realizar operaes de sntese e de anlise que esclaream no s a dimenso
imediata como tambm, e sobretudo, a dimenso mediata delas. (KONDER,
1985, p. 47, grifo do autor)
Konder (1985) comenta que, na experincia humana, em todos os objetos com
os quais o homem lida, existe uma dimenso imediata (percebida imediatamente) e uma
dimenso mediata (que vai se descobrindo, construindo ou reconstruindo aos poucos).
Esse autor coloca que a relao entre a percepo imediata de um objeto e seu uso pelo
homem, passa por uma srie de mediaes.
Konder (1985) coloca que as mediaes nos obrigam a refletir sobre as
contradies da realidade, que diz respeito compreenso de aspectos da realidade
humana que no podem ser compreendidos isoladamente, mas observando e entendendo
suas conexes ntimas entre eles e aquilo que eles no so.
Mediao como Categoria Filosfica na Didtica
No mbito da Didtica orientada para concepo de mediao como categoria
filosfica, o uso desse termo vem sendo tratado tambm como um problema conceitual
a ser enfrentado, especialmente para se pensar os fundamentos da Didtica.
Garcia (2004) coloca que:
Japiassu e Marcondes (2001) apresentam o termo mediao em seu sentido
genrico como a ao de relacionar duas ou mais coisas, de servir de
intermedirio ou ponte, de permitir a passagem de uma coisa outra. J na tradio filosfica clssica, a noo de mediao liga-se ao problema da
necessidade de explicar a relao entre duas coisas, sobretudo entre duas
naturezas distintas. (GARCIA, 2004, p. 26)
Almeida, Arnoni e Oliveira (2006), sustentam que mediao como categoria
filosfica norteia a organizao metodolgica do contedo do ensino e dos fundamentos
lgicos desse processo, sendo assim seu principal fundamento da Didtica. Citando
indiretamente Almeida (2003), esses autores colocam que:
a Didtica como o campo de conhecimento que se ocupa do ensino, sempre
apontou para uma perspectiva dialtica, fundada na mediao, embora seja
anterior ao desenvolvimento dela como categoria filosfica. Tambm , e
sempre foi ontolgica, no sentido da ontologia do ser social, apesar de ser
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anterior ao pensamento Marxista. (ALMEIDA; ARNONI; OLIVEIRA, 2006,
p. 5, grifo dos autores)
Scorsoline, Moura e de Sanctis (2006), citam o conceito de Mediao na teoria
de Vigotski, nessas discusses sobre Didtica:
Muito embora o conceito de mediao desenvolvido por Vigotskii seja
posterior ao conceito de Didtica, primeiramente consagrado por Comenius,
flagrante que mediao inerente Didtica, pois os mtodos escolhidos,
usados pelos professores, vo certamente interferir na relao que o aluno tem
com o objeto de estudo. (SCORCELINE; MOURA; de SANCTIS, 2006, p. 9)
No entanto, Almeida, Arnoni e Oliveira (2006) frisam a necessidade de apontar
a referncia terica do termo mediao, quando se pretende pensar numa didtica de
bases dialticas, em que o termo toma sentido. Esses autores comentam:
A necessidade de apontar a referncia terica para o estudo dessa categoria
deve-se ao fato dela ser bastante difundida entre os educadores brasileiros, sem
que os seus difusores explicitem a matriz terica em que se apiam, quando a
reconhecem. Esta situao evidencia a importncia do estudo da mediao
voltado para a Didtica, que a proposta do trabalho ora apresentado.
(ALMEIDA; ARNONI; OLIVEIRA, 2006, p. 1, grifo dos autores)
Nota-se a necessidade de explicitao da matriz terica do uso do termo
mediao, pelo que sua explicitao pode representar para a reflexo da prtica
pedaggica. No caso, o prprio domnio de sua matriz terica assume importncia numa
didtica com base na dialtica.
Problema e Objetivo da Pesquisa
Se o estudo detido da matriz terica do termo mediao vital para a construo
de uma Didtica voltada para seu uso, no ser tambm necessrio um estudo detido
para se pensar mediao na teoria psicolgica de Vigotski, considerando sua
importncia para a teoria educacional?
Vemos esses questionamentos como um problema que toca diretamente no
somente questo da transposio didtica de mediao da teoria de Vigotski para o
processo de ensino, mas tambm necessidade de estudo e compreenso da matriz
terica desse conceito no prprio pensamento de Vigotski.
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Essa necessidade de estudo que levantamos, se justifica tanto pelo uso frequente
de mediao da teoria de Vigotski em pesquisas educacionais, na literatura
especializada e nos documentos pedaggicos brasileiros, quanto pela prpria
complexidade desse conceito em seu uso prtico.
No campo educacional, esse estudo implica enfrentar as dificuldades de
transposio didtica do processo de mediao da teoria de Vigotski para a prtica
pedaggica, complicada em funo da prpria natureza do processo educativo e da obra
do autor.
Para Oliveira (1996), devido estruturao de sua teoria e a natureza de sua
produo escrita, a obra de Vigotski mais inspira a reflexo sobre o funcionamento do
ser humano, sobre a realizao da pesquisa educacional e sobre a prtica pedaggica, do
que organiza, uma vez que no fornece instrumentos de aplicao imediata ou suporte
explcito.
Rego (2001) da mesma opinio.
A obra de Vygotsky pode significar uma garnde contribuio para a rea da
educao, na medida em que traz inportantes reflexes sobre o processo de
formao das caractersticas tipicamente humanas e, como consequncia,
suscita questionamentos, aponta diretrizes e instiga a formulao de
alternativas no plano pedaggico. No entanto, vale ressaltar que no possvel
encontrar, nas suas teses (como em outras propostas tericas), solues prticas
ou instrumentos metodolgicos de imediata aplicao na prtica educativa
cotidiana. (REGO, 2001, p. 102-103)
Assim sendo, para Oliveira (1996), mais importante buscar nesse autor
elementos que forneam subsdios para a reflexo na rea de educao (OLIVEIRA,
1996, p. 54).
Como essas discusses que colocamos so muito complexas, procuramos
contribuir focalizando no estudo da mediao na teoria de Vigotski nos textos do autor,
para compreender sua construo terica e lugar na obra do autor, visando discernir
nesse processo de anlise suas implicaes para a educao. Para tanto, decidimos
empreender um estudo com o propsito de compreender, nos argumentos textuais do
autor, como se coloca a matriz terica da mediao e se aplica sua concepo em sua
teoria psicolgica, divisando suas ligaes com o problema educativo.
Para tanto, partimos da compreenso de que concepes tericas fundamentam
prticas, sendo assim vitais para o direcionamento e estabelecimento da ao docente.
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Segundo Mizukami (1986), as afirmaes do professor sobre os conceitos
tericos que fundamentam sua ao docente podem influir na prtica docente
construda, e repercutir na interpretao do processo ensino-aprendizagem e na reflexo
sobre os problemas da educao. Para essa autora:
Ao se considerar a intencionalidade de toda ao exercida pelos professores
em situaes planejadas de ensino-aprendizagem, bem como a
multidimensionalidade do fenmeno educacional, uma questo fundamental
permeia as preocupaes bsicas dos educadores e, em especial, dos
profissionais que atuam em cursos de formao de professores: o que
fundamenta a ao docente? (MIZUKAMI, 1986, p. XV)
De acordo com Mizukami (1986) as diferentes abordagens de ensino se baseiam
em concepes de homem, mundo, sociedade-cultura, conhecimento, educao, escola,
ensino-aprendizagem, relao professor-aluno, metodologia e avaliao diferentes (e em
alguns casos, antagnicas) que as definem e identificam.
Considerando nossa proposta de estudo com as questes acima colocadas,
surgiram algumas indagaes como: o que mediao na teoria de Vigotski? Como o
autor relaciona mediao com o processo educativo e com o conhecimento? Que
relaes o autor estabelece entre mediao e ensino em seus textos? Que relao
estabelece do termo com o papel de professor e de aluno? Que concepo de homem e
de mundo se estabelece com mediao na teoria de Vigotski? Essas indagaes
impulsionavam para uma pesquisa conceitual de mediao nos textos de Vigotski, visto
como passo inicial fundamental para se avanar nessas indagaes inerentes educao.
Entendemos que, num vis acadmico, exerccios investigativos conceituais
voltados para exame da teoria em sua fonte, so importantes para a pesquisa
educacional e para a reflexo de prticas pedaggicas que se fazem em nome de uma
teoria ou com base em contribuies para se pensar a prtica pedaggica e a formao
escolar nela envolvida.
Pesquisas nessa direo tambm ajudam a pensar na formao de professores,
uma vez que esses cursos (especialmente a formao inicial) tambm tratam de pensar
concepes bsicas para a ao docente. Entendemos que este um processo de
formao que, em ltima instncia, forma mentalidades profissionais por meio de
fundamentos tericos que influenciaro o exame da prtica, como uma composio.
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Assim, constantes sistematizaes de conceitos tericas na obra de um autor so
pesquisas indispensveis no somente para o desenvolvimento do estudo das mesmas,
mas tambm para o desenvolvimento do campo de conhecimento onde se aplicam.
Imbudo dessas questes, nos movemos para pesquisar a matriz terica de
mediao nos textos de Vigotski. Com um carter acadmico, nossa pesquisa voltou-se
para contribuir com a sistematizao do termo mediao na obra do autor, verificando
suas implicaes para a educao. Com esse objetivo, procuramos detectar e analisar o
uso do termo mediao nos textos de Vigotski, observando nos argumentos escritor do
autor, como tece esse termo em sua teoria e como estabelece suas implicaes para a
Educao, visando compreeder sua dimenso e importncia terica na obra do autor.
Como comenta Cruz (2010, p. 7), no existe saber sem memria nem cincia
sem passado. O reexame da obra daqueles a quem devemos os fundamentos e os
desenvolvimentos de nosso campo so condies necessrias para uma compreenso
mais acurada das teorias contemporneas".
Percurso Metodolgico
Considerando o problema e o objetivo da pesquisa, o percurso metodolgico se
deu por meio de pesquisa bibliogrfica, analisando os argumentos escritos do autor. De
acordo com Cervo e Bervian (2002), a anlise racional dos argumentos de um autor,
um modo de realizao de pesquisas bibliogrficas.
Cervo e Bervian (2002) colocam que as pesquisas podem ser distinguidas de
acordo com o interesse de investigao e com os objetivos visados pelo pesquisador.
Esses autores comentam que existem muitos tipos de pesquisa, mas adotam uma
classificao segundo o procedimento geral utilizado: pesquisas do tipo bibliogrfico,
descritiva e experimental. No caso da pesquisa bibliogrfica, Cervo e Bervian (2002)
comentam:
A pesquisa bibliogrfica procura explicar um problema a partir de referncias
tericas publicadas em documentos. Pode ser realizada independentemente ou
como parte da pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos, busca
conhecer e analisar as contribuies culturais e cientficas do passado
existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema. (CERVO e
BERVIAN, 2002, p. 65)
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22
Cervo e Bervian (2002) colocam que a pesquisa bibliogrfica constitui-se em
procedimento bsico para o domnio sobre determinado tema, sendo que, como
trabalho cientfico original, constitui a pesquisa propriamente dita na rea das cincias
humanas (CERVO e BEVIAN, 2002, p. 66).
Marconi e Lakatos (2001) colocam que o objeto de uma pesquisa bibliogrfica
o tema, propriamente dito, que se quer conhecer melhor, servindo tanto para definir ou
resolver problemas apontados num corpo terico, quanto para explorar novas reas onde
esses problemas ainda no se cristalizaram.
Nossa pesquisa concentrou-se nesses comentrios metodolgicos de Marconi e
Lakatos (2001) e Cervo e Bevian (2002), voltando-nos para o lado da compreenso do
tema da pesquisa no texto do autor, analisando as proposies e concluses de Vigotski
sobre o tema como apontado em sua teoria.
Basicamente, a pesquisa levou a tratar da concepo terica do termo mediao,
o que a situa como terico-bibliogrfica. Para tanto, optamos por empregar a abordagem
apresentada por Veresov (1999).
Para Veresov (1999) existem dois requisitos principais para se estudar e analisar
qualquer teoria cientfica. O primeiro investigar seu aparato conceitual, suas ideias
fundamentais, seu sistema de noes e seus princpios explanatrios, o que Veresov
(1999) denomina de aproximao ou abordagem estrutural.
O segundo requisito analisar a teoria em seu prprio desenvolvimento. Nesse
caso, Veresov (1999) comenta que as relaes e conexes conceituais que estruturam
uma teoria devem ser analisadas em seu prprio desenvolvimento, procurando
reconstruir essas relaes ou conexes para entender sua lgica interna e seu percurso,
incluindo outros autores e textos com os quais conversa o autor da teoria em foco, ao
longo de sua obra.
Para Veresov (1999), tradicionalmente as teorias cientficas so mais analisadas
do ponto de vista estrutural, e que o estudo em nvel do desenvolvimento menos
praticado. Na opinio desse autor, estudos no nvel do desenvolvimento de uma teoria
so mais complicados, porque o processo de desenvolvimento de uma teoria para sua
forma final nem sempre evidente. Mesmo com esses desafios, Veresov (1999)
considera como ideal a conjugao das anlises estrutural e de desenvolvimento, para
um estudo mais detido de uma teoria.
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23
Assim sendo, realizamos um estudo terico-bibliogrfico de mediao na teoria
de Vigotski e suas implicaes para a educao, analisando o maior nmero possvel do
acerco de textos traduzidos de Vigotski que tivemos acesso. Intentamos realizar a
pesquisa numa perspectiva bibliogrfica tanto estrutural quanto desenvolvimental do
termo em estudo na obra do autor, no limite das nossas condies de pesquisa. Para
melhor cumprir esse percurso, pesquisamos algumas fontes bibliogrficas citadas por
Vigotski em seus textos, que tivemos acesso, para entender a interlocuo que o autor
desenvolveu com essas fontes, em seu tempo. Tambm empregamos literatura
especializada complementar quando se fazia necessrio trabalhar mais estensivamente
um dado em anlise.
A abordagem escolhida nos levou a considerar o problema da ordem cronolgica
dos textos do autor. Para isso, foi preciso assumir uma referncia. No caso, optamos por
tomar como base a relao cronolgica contida nas Obras Escogidas. Seus editores
fizeram um levantamento de datas de escrita e de publicao dos textos publicados, com
base na edio russa que originou a verso em espanhol. A datao dos textos de
Vigotski obtida nas Obras Escogidas foi ajustada ou mudada, quando necessrio,
seguindo-se as indicaes e correes de Yasnitsky (2011), nesse sentido.
Com relao aos textos de Vigotski que no provm das Obras Escogidas,
anotamos a datao que constava nessas fontes, tambm consultando, quando cabia, as
observaes de Yasnitsky (2011). Para mostrar ao leitor essa ordem cronolgica,
indicamos duas datas nas referncias de Vigotski: a primeira relativa ao ano em que o
trabalho foi escrito e a segunda relativa data da edio ou publicao. Nas demais
obras histricas abordadas pela pesquisa, tambm empregamos primeiramente a data da
primeira edio ou da publicao de origem, e em seguida data da edio consultada,
considerando-se a informao contida nessas publicaes.
Na produo escrita do trabalho, tomamos o cuidado de transcrever passagens
consideradas importantes ou ilustrativas, retiradas das fontes pesquisadas, tanto para
fundamentar o mximo possvel nossas anlises e comentrios quanto mostrar o
raciocnio do autor sobre o assunto em foco, respeitando a lgica de se tratar de um
estudo terico pautado no argumento escrito do autor, ou em suas concluses sobre o
tema. Esse foi um procedimento que consideramos importante adotar tanto pelo
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direcionamento que escolhemos de nos voltarmos para o texto do autor, quanto pela
complexidade do prprio tema em sua obra.
A bibliografia bsica utilizada foram textos de Vigotski publicados fora da
Rssia e traduzidos para o portugus, ingls ou espanhol, a que se teve acesso por meios
impressos ou digitalizados, buscando-se compor um acervo o mais amplo possvel das
obras do autor, no momento de realizao da pesquisa8. A lista das obras de Vigotski
consultadas consta da bibliografia, apresentada aps as referncias.
As fontes secundrias (tambm impressas ou digitalizadas) vieram de algumas
referncias mencionadas por Vigotski em seus textos; e de autores especializados em
sua obra, cujos trabalhos contriburam, direta ou indiretamente, para complementar a
anlise e compreenso dos dados da fonte primria.
As diferentes formas de escrita do nome de Vigotski colocadas ao longo do
trabalho se explicam porque sua grafia assumida e escrita de diferentes maneiras pelos
autores e editores das referncias empregadas. Optamos por respeitar essas diferentes
grafias, mantendo-as no texto. Optamos tambm por utilizar, de nossa parte, a grafia
Vigotski por ser mais usada no Brasil.
As citaes no corpo do texto originadas em fontes de lngua espanhola ou
inglesa vm com nossa traduo, colocando-se o original em nota de rodap, salvo
quando elas se repetem ou quando esto colocados somente como nota de rodap. Essa
medida se deveu ao fato da pesquisa se tratar de um estudo que atentou para o
argumento do autor, considerado como chave para anlise. Assim, pedimos desculpas
pelo inevitvel nmero elevado de notas de rodap.
Por todos esses motivos, esse trabalho mostra uma caracterstica prpria. O leitor
ver que medida que os dados vo sendo tratados ao longo de cada captulo, vo sendo
colocadas nossas interpretaes e compreenses a respeito.
O exerccio de pesquisa foi uma aproximao constante ao pensamento de
Vigotski acerca do termo mediao e como autor foi apontando suas implicaes para a
educao, em seus textos e interaes com a cincia e a filosofia em sua poca.
8 Por esse motivo, esse trabalho no abordou as novas publicaes das obras de Vigotski, com textos
inditos, levada a efeito depois de concluda essa pesquisa.
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Smula da Pesquisa
O trabalho est estruturado em captulos que analisam e interpretam o tema da
pesquisa nos textos analisados, formando, ao mesmo tempo, uma espcie de sequncia
de estudo do assunto no plano da obra. Essa sequncia se d numa diviso temporal de
fases na obra de Vigotski, que, de certo modo, acompanha o desenvolvimento do tema
em sua obra. Para delimitar essas fases nos baseamos em comentrios de Van der Veer e
Valsiner (2009) e de Gonzlez Rey (2011a) a respeito, que so reconhecidos estudiosos
da obra de Vigotski, na atualidade.
O trabalho apresenta os seguintes momentos: perodo reflexolgico e psicologia
pedaggica (1924-1927); teoria histrico-cultural (1928-1931); sistemas psicolgicos
(1930); estudos sobre educao e desenvolvimento (1933-1934).
A pesquisa encontrou, nesses momentos, as seguintes expresses de mediao,
como comentadas pelo autor: mediao dos reflexos psquicos e mediao pela cincia
(perodo reflexolgico); ao mediada pela operao do signo e mediao social (teoria
histrico-cultural); mediao dos conceitos (educao e desenvolvimento). Essas
mediaes so tratadas e analisadas medida que aparecem nos textos estudados,
considerando o desenvolvimento da teoria de Vigotski.
A teoria de Vigotski ampla e abarca muitos assuntos em profundidade, com
discusses bastante complexas. Tivemos conscincia desse desafio e complexidade todo
tempo. Por isso, esse trabalho se coloca como uma aproximao ao tema mediao na
obra de Vigotski, num esforo de pesquisa terico-bibliogrfica que pretende somar ao
conjunto de esforos de pesquisa sobre o tema no campo da teoria educacional.
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CAPTULO 1 PERODO REFLEXOLGICO E A PSICOLOGIA
PEDAGGICA (1924-1927)
Segundo Van der Veer e Valsiner (2009), de 1924 a 1927, Vigotsky produziu
uma anlise crtica da histria da Psicologia e da cincia psicolgica de sua poca;
envolveu-se intensamente com a defectologia ocupando-se da educao social de
crianas cegas e surdas; e se interessou pela origem da conscincia.
A esse perodo delimitado por Van der Veer e Valsiner (2009), chamaremos em
nosso trabalho de perodo reflexolgico, por 2 motivos. Em primeiro lugar pela
proeminncia da Reflexologia na cincia da poca, cuja terminologia abrange nomes
com os quais Vigotski desenvolveu importantes observaes terico-metodolgicas nos
textos desse perodo. Sobre as terminologias da poca, Montserrat-Esteve (1972)
comenta o seguinte:
Pavlov chamou sua teoria de nervismo e que o nome de reflexiologia foi dado por Bechterev para designar sua concepo da psicologia objetiva. Posteriormente, o uso estendeu o nome de reflexologia obra de Pavlov e
inclusive de escolas afins, como a da reactologia de Kornilov (MONTSERRAT-ESTEVE, 1972, p. 18).
Em segundo lugar, pelas significativas referncias que Vigotski faz teoria dos
reflexos condicionados nos textos desse perodo, para estabelecer suas prprias ideias.
Frisamos que essa nomeao arbitrria e no significa nenhuma proposta
formal nesse sentido. Ela serviu apenas nossa pesquisa.
Desse perodo, destacamos a abordagem vigotskiana da psicologia pedaggica
de seu tempo. Em termos de processo educativo, o livro Psicologia Pedaggica
(VIGOTSKI, 1926/2003) se trata de uma publicao voltada para a formao de
professores. Tambm atentamos para esse livro por ser ainda pouco comentado no
Brasil.
Segundo Van der Veer e Valsiner (1996), Kozulin (2001) e Blanck (2003), o
livro Psicologia Pedaggica foi escrito entre 1921 e 1924, e publicado em 1926. O livro
fruto das lies que Vigotski ministrou na escola normal de Gomel, e foi publicado
como um manual elaborado como curso destinado a estudantes que queriam lecionar
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nas ltimas sries do ensino fundamental (entre 10 e 15 anos de idade). Como curso foi
concebido como uma introduo psicologia pedaggica para uma nova gerao de
professores soviticos, destinados a substituir o velho sistema educativo pr-
revolucionrio (BLANCK, 2003, p. 15).
Kozulin (2001) faz severas crticas ao livro, mas, Blanck (2003) tem uma
perspectiva positiva da obra como uma contribuio ao estudo da teoria educativa de
Vigotski, e que deve ser lida com ateno, sem preconceitos, para se descobrir a
originalidade do autor nos assuntos que trata, e para ler uma obra que corrige uma lenda
que afirma que:
existe apenas uma teoria educativa valiosa de Vigotski: a do Vigotski
tardio, do Vigotski posterior construo de sua concepo histrico-
cultural, por exemplo, o Vigotski que fala da zona de desenvolvimento proximal na verdade, deveria ser zona de desenvolvimento mais prximo (zona bliyaishego razvitia). (BLANCK, 2003, p. 24)
Alm dessas questes, o livro uma importante contribuio de Vigotski para a
psicologia da educao e para a anlise da prtica educativa em seu tempo, tambm til
para debates atuais a respeito.
Sobre essa obra, Prestes (2010) comenta que,
segundo Vigodskaia e Lifanova (1996), nesse livro, Vigotski empreendeu a
tentativa de apresentar uma anlise da situao da psicologia mundial da poca
e das cincias relacionadas a ela. O livro, ainda segundo elas, uma clara
demonstrao de como o autor queria pr a psicologia a servio da prtica
educacional na construo da nova sociedade socialista. (PRESTES, 2010, p.
122)
Na anlise de Facci (2009):
Considero, portanto, que a produo dessa obra, abordando questes candentes
da relao entre Psicologia e Educao, tinha como objetivo auxiliar
educadores na compreenso e interveno da prtica pedaggica. Para o
pensador russo, era imprescindvel contar com livros de Psicologia que
fundamentassem, cientificamente, o processo educativo e que pudessem
auxiliar os professores no momento de transio do capitalismo ao socialismo,
novo regime poltico da Unio Sovitica. (FACCI, 2009, p. 89)
Para Martins (2010), o livro Psicologia Pedaggica importante porque um
testemunho das grandes mudanas que a Psicologia Sovitica sofreu aps a Revoluo
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de Outubro de 1917. Alm disso, introduz uma nova perspectiva analtica para o
comportamento humano no mbito da Psicologia Pedaggica da poca e apresenta
pistas ou indicaes do projeto de Vigotski para a Psicologia.
Outra ligao do perodo reflexolgico com o livro Psicologia Pedaggica, em
nossa pesquisa, se d porque que muitos comentrios presentes no livro esto reiterados
em outros textos psicolgicos de Vigotski desse perodo (VYGOTSKI, 1926/1991a,
1925/1991b, 1926/1991c), e se mostraram como ricos dados para anlise.
Martins (2010) faz uma bela anlise desse entrelaamento, no mbito da
filosofia marxista. No caso de nosso trabalho, tecemos nossas anlises procurando
conexes nos argumentos entre as obras, mostrando o entrelaamento de sua abordagem
pedaggica com suas discusses psicolgicas, conforme os propsitos de nossa
pesquisa.
Assim como analisa a crise da psicologia, Vigotski pensa tambm seus efeitos na
psicologia pedaggica, dizendo que a crise da psicologia tambm denota,
inevitavelmente, uma crise para o sistema da psicologia pedaggica e sua completa
reestruturao (VIGOTSKI, 1926/2003, p. 33). Sobre isso, comenta que, em seu
sentido estrito, o termo psicologia denota a teoria ou a cincia da alma, e assim foi
tratada inicialmente (VIGOTSKI, 1926/2003, p. 37). Mas, a psicologia cientfica
passa atualmente por uma crise, e a nova cincia [psicolgica] ainda est em seu
perodo de estruturao inicial (VIGOTSKI, 1926/2003, p. 40)9.
Segundo Van der Veer e Valsiner (2009), esse tema da crise da psicologia era
comum no tempo de Vigoski e j vinha sendo discutida por outros autores antes dele.
Essa crise refletia os conflitos metodolgicos utilizados, o problema do dualismo mente
e corpo, etc. Vigotski apresenta uma breve discusso sobre a crise no primeiro captulo
do livro Psicologia Pedaggica, mas ela ter minuciosa e ampla anlise em outra obra
intitulada O significado histrico da crise da psicologia (VYGOTSKI, 1927/1991d),
que vinha sendo escrito nesse perodo. De acordo com Kozulin (2001), nessa obra,
Vigotski faz uma avaliao da situao da psicologia contempornea e desenvolve uma
crtica metaterica (ou metodolgica) de suas perspectivas, evocando a necessidade da
9 Em toda citao do livro Psicologia Pedaggica (VIGOTSKI, 1926/2003) que aparecer um colchete,
trata-se de uma insero de Guilhermo Blanck, organizador e comentador dessa edio do livro.
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formao de uma Psicologia Geral com manifestaes histricas e concretas da
investigao cientfica10
.
No livro Psicologia Pedaggica Vigotski (1926/2003) questiona o dualismo
presente no desenvolvimento da psicologia como cincia, e ressalta a nova psicologia
que surgia:
Como uma nova cincia, que os psiclogos norte-americanos designam como a
cincia do comportamento dos seres vivos. Esses psiclogos entendem por
comportamento todo o conjunto de movimentos, internos e externos, de um ser
vivo. A psicologia apoia-se no fato, estabelecido a bastante tempo, de que todo
estado de conscincia vincula-se inevitavelmente a alguns movimentos. Em
outros termos. (VIGOTSKI, 1926/2003, p. 39)
A nosso ver, a afirmao acima, de que todos os fenmenos psquicos ocorrem
no organismo podem ser estudados a partir da perspectiva do movimento muito
importante nas discusses levantadas no perodo reflexolgico, pois se mostra como um
raciocnio presente na base das discusses cientficas que Vigotski levanta acerca da
psique e da conscincia no estudo do comportamento humano.
Outra discusso importante levantada por Vigotski, no perodo, se d no plano
da psicologia pedaggica como ramo da cincia. Vigotski coloca que a Pedagogia
vista como a cincia que se ocupa da educao das crianas, sendo uma cincia
emprica particular que trata dos objetivos da educao, propondo ideais, fins ou
normas. Vigotski (1926/2003, p. 37) coloca que como cincia da educao, a
pedagogia precisa estabelecer com preciso e clareza como deve ser organizada essa
influncia, que formas ela pode assumir, que procedimentos utiliza e qual deve ser sua
orientao. Para tanto, Vigotski comenta que a pedagogia precisa do auxlio de outras
cincias que lhes proporcione os meios para alcanar seus fins. Para tanto, cita a
Fisiologia e a Psicologia como cincias auxiliares que proporcionariam os meios para
resolver suas tarefas.
Nesse sentido, o autor indica, que a inter-relao entre psicologia e pedagogia
seria de grande ajuda para o exame da educao, colocando que ambas as cincias
10
Y del mismo modo que el poltico extrae sus reglas de actuacin del anlisis de los acontecimientos nosotros extraeremos de esa anlisis nuestras reglas para organizar la investigacin metodolgica, que se
basa en el estudio histrico de las formas concretas que ha ido adoptando la ciencia y en el anlisis terico
de estas formas para llegar a principios generalizadores, comprobados y vlidos. En nuestra opinin, ah
debe estar el germen de esa psicologa general, concepto que trataremos de aclarar en este captulo (VYGOTSKI, 1927/1991d, p. 264).
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30
chegaro a desenvolver laos e apoio mtuo, falando sempre de educao, e no
simplesmente derivando leis da psicologia para aplicaes pedaggicas numa relao
linear da psicologia para com a pedagogia, que apontava como sendo um problema a ser
superado na teoria eduacional (VIGOTSKI, 1926/2003, VYGOTSKI, 1926/1991c).
1.1. Dados Biogrficos de Lev Vigotski no perodo de 1896 a 1924
Mas, antes de tudo, importante apontar aspectos da vida de Vigotski que
antecem o perodo reflexolgico, pois ela contm dados de formao e de interesse de
estudo do autor, que ajudam na introduo de sua obra. O breve relato biogrfico que
apresentaremos, foi extrado de Rivire (2002), Blanck (2003), Van der Veer e Valsiner
(2009) e Prestes, Tunes e Nascimento (2012).
Lev Semionovitch Vigotski nasceu em 1896 em Orsha, uma pequena cidade
no muito distante de Minsk, capital da Bielorssia, e morreu em 1934 na cidade de
Moscou, acometido de tuberculose.
Ilustrao 1 Lev S. Vigotski (1896-1934) Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Lev_Vygotsky.
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31
Um ano depois de seu nascimento, sua famlia se transferiu para outra cidade da
Bielorssia chamada Gomel, onde viveu sua infncia e juventude. Nessa cidade, em sua
adolescncia, participou com amigos ativamente de discusses sobre a filosofia da
histria de Hegel, sobre o papel do individuo na histria e estudou Hamlet de
Shakespeare.
Nos anos de escola e de universidade, Vigotski desenvolveu suas primeiras
relaes intelectuais com a filosofia dialtica, com os estudos literrios, com a
pedagogia e com a psicologia. Foi tambm um perodo em que, por meio de seus
estudos literrios, se concentrou na interao entre o receptor e o texto, e sobre reaes
estticas complexas.
Ilustrao 2 Cidade de Gomel no incio do sculo XX (Rua Zamkovaya e a estao de trem) Fonte: http://kehilalinks.jewishgen.org/homyel/gomel_citypictures.html.
No Ciclo Mdio, desenvolveu uma formao humanista, interessando-se por
lingustica, literatura, lnguas clssicas, crtica e filosofia. Nesse perodo leu
cuidadosamente um livro chamado Pensamento e Linguagem do filsofo e linguista
ucraniano Alexander Potebnja (1835-1891), que abordava psicologicamente questes de
semiologia.
Em 1913 ingressou na Universidade Imperial de Moscou na faculdade de
Medicina, mas logo se transferiu para o curso de Direito. Tambm cursou Histria e
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Filosofia na Universidade Popular de Chaniavski, uma instituio livre no reconhecida
oficialmente (a condio de universidade popular no permitia emitir diplomas), mas
tinha qualidade e abrigava um excelente corpo docente, sendo um polo de atrao da
intelectualidade da poca. Seu trabalho monogrfico de final de curso nesta
universidade foi um tratado sobre a tragdia de Hamlet, de Shakespeare. Vigotski
Terminou seus estudos universitrios em 1917.
Ilustrao 3 Universidade Imperial de Moscou em 1910. Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1431673&page=7.
Ilustrao 4 Universidade de Shanivski em 1913. Fonte: http://vigotski.net/linhadotempo.html
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33
Nos anos de universidade continuou voltado para a literatura e para a arte, mas
seus interesses ampliaram na direo de estudos sobre problemas psicolgicos
(incluindo aspectos psicolgicos da linguagem) e sobre pedagogia. Nesse perodo
tambm comeou a ler literatura internacional sobre psicologia incluindo o filsofo e
psiclogo americano William James (1842-1910) e o neurologista alemo Sigmund
Freud (1856-1939), fundador da psicanlise.
No final de 1917 retorna para a cidade de Gomel participando ativamente de sua
vida cultural, promovendo a literatura e a arte. O regime dos sovietes se instala na
cidade em 1918. De 1917 a 1924, dirigiu a seo de teatro do Comissariado de Instruo
Pblica da cidade, fundou uma revista (Veresk) dedicada crtica literria e criao
literria de vanguarda. Foi editor e escreveu resenhas literrias.
Blanck assim descreve a vida intelectual de Vigotski, nesse perodo:
Organizou as Segundas-feiras literrias, nas quais discutia literatura russa ou proferia conferncias sobre temas como a teoria da relatividade de Einstein.
Vigotski lera toda a literatura russa. Como todo intelectual judeu, conhecia
bem Spinoza. Tambm estudou Hegel. Este o levou a Marx e Engels e estes a
Lnin, cujas obras compreendia cabalmente. Tornou-se comunista, embora
nunca tenha se filiado ao partido [...].
Vigotski tambm leu toda a histria da psicologia e chegou a conhecer os
clssicos de todas as correntes psicolgicas da Rssia, da Europa e dos Estados
Unidos (ele sempre escrevia Russia e Europa, como se a Rssia no pertencesse Europa). Na escola de Formao de Professores, organizou um
laboratrio de psicologia experimental e realizou muitos experimentos junto
com seus alunos. Nesse mbito teve seu primeiro contato com as deficincias
infantis. Nessa etapa, que durou anos, Vigotski tinha uma concepo
psicolgica basicamente sociogentica, como se pode ver no presente livro11
.
(BLANCK, 2003, p. 18).
Van der Veer e Valsiner (2009) tambm comentam que o interesse de Vigotski
pela Defectologia12
surgiu no perodo de Gomel. Mas, somente em 1924, com seu
primeiro trabalho a respeito, esse interesse ficou evidente.
11
Trata-se do livro Psicologia Pedaggica. A citao de Blanck encontra-se em seu prefcio da edio desta obra, que organizou, prefaciou, comentou e escreveu notas. 12
De acordo com Van der Veer e Valsiner (2009, p.73), o termo defectologia era tradicionalmente usado para a cincia que estudava crianas com vrios tipos de problemas (defeitos) mentais e fsicos. Entre as crianas estudadas estavam surdos-mudos, cegos, no-educveis e deficientes mentais.
Idealmente, um diagnstico defectolgico de determinada criana e um prognstico para sua recuperao
(parcial) baseavam-se nas avaliaes combinadas de especialistas nas reas de psicologia, pedagogia,
psiquiatria infantil e medicina.
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Vigotski ensinou Literatura na Escola de Magistrio, Psicologia na Escola
Normal e ministrou cursos de Esttica e Histria da Arte no Conservatrio local.
Tambm se preocupou com a educao e com a escola, especialmente com pedagogia e
didtica, cujos registros de suas aulas e observaes (1921-1924) resultaram no livro
Psicologia Pedaggica (VIGOTSKI, 1926/2003), publicado em 1926.
Ilustrao 5 Lev Vigotski. Fonte: http://www.marxists.org/subject/education/
De seu interesse pela arte e pela anlise e crtica literria resultou o livo
Ps