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ESTUDOS REGIONAIS ACADÊMICOS X PLANEJAMENTO REGIONAL: A CONTRIBUIÇÃO DA MONITORIA EM GEOGRAFIA REGIONAL Tereza Raquel Muniz de Paulo 1 [email protected] UFS Gilmar Santos de Andrade 2 [email protected] UFS Núbia Dias dos Santos 3 [email protected] UFS GT6: Educação: formação, ensino e prática docente. RESUMO O presente trabalho visa contribuir no debate acerca dos estudos regionais acadêmicos e o planejamento regional, as suas potencialidades e fraquezas, dando visibilidade e importância ao Programa de Monitoria da Universidade Federal de Sergipe, com foco na monitoria de Geografia Regional. A metodologia está baseada em levantamento bibliográfico, uso de procedimentos técnicos e didáticos no ensino de Teoria da Região e Regionalização do DGE UFS, tendo como principais contribuintes Bezzi (2004), Andrade (1993) e Lencione (2010). Desta forma como resultado entende-se a importância da monitoria em disciplinas de densidade para a formação de profissionais da Geografia. PALAVRAS-CHAVE: Teoria, Planejamento, Monitoria, Região, Regionalização. O presente artigo é um dos frutos do Programa de Monitoria em Geografia da Universidade Federal de Sergipe que teve como alicerce a disciplina de Teoria da Região e 1 Licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Bacharelanda pela mesma Universidade. Participou do Programa de Monitoria em Geografia Regional no ano de 2013. Atualmente é estagiária pelo Programa de Educação Ambiental em Comunidades Costeiras. DGE/UFS 2 Bacharelando em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Atualmente cursa a disciplina de Teoria da Região e Regionalização do Departamento de Geografia. Foi integrante do Laberur Laboratório de Estudos Rurais e Urbanos DGE/UFS. 3 Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Professora do Departamento de Geografia da mesma universidade nas disciplinas de Teoria da Região, Geografia Agrária, Geografia Rural, e Estágio Supervisionado. Coordenou o Campus Avançado Xingó como experiência de interiorização das ações da UFS no sertão sergipano. Atuou no programa Xingó parceria da CHESF, SUDENE, CNPq com as instituições Federais de Ensino Superior do Nordeste, na área de abrangência da Hidroelétrica Xingó.

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ESTUDOS REGIONAIS ACADÊMICOS X PLANEJAMENTO REGIONAL: A

CONTRIBUIÇÃO DA MONITORIA EM GEOGRAFIA REGIONAL

Tereza Raquel Muniz de Paulo1

[email protected] – UFS

Gilmar Santos de Andrade2

[email protected] – UFS

Núbia Dias dos Santos3

[email protected] – UFS

GT6: Educação: formação, ensino e prática docente.

RESUMO

O presente trabalho visa contribuir no debate acerca dos estudos regionais acadêmicos e o

planejamento regional, as suas potencialidades e fraquezas, dando visibilidade e importância

ao Programa de Monitoria da Universidade Federal de Sergipe, com foco na monitoria de

Geografia Regional. A metodologia está baseada em levantamento bibliográfico, uso de

procedimentos técnicos e didáticos no ensino de Teoria da Região e Regionalização do DGE

– UFS, tendo como principais contribuintes Bezzi (2004), Andrade (1993) e Lencione (2010).

Desta forma como resultado entende-se a importância da monitoria em disciplinas de

densidade para a formação de profissionais da Geografia.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria, Planejamento, Monitoria, Região, Regionalização.

O presente artigo é um dos frutos do Programa de Monitoria em Geografia da

Universidade Federal de Sergipe que teve como alicerce a disciplina de Teoria da Região e

1 Licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Bacharelanda pela mesma Universidade.

Participou do Programa de Monitoria em Geografia Regional no ano de 2013. Atualmente é estagiária pelo

Programa de Educação Ambiental em Comunidades Costeiras. DGE/UFS 2 Bacharelando em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Atualmente cursa a disciplina de Teoria da

Região e Regionalização do Departamento de Geografia. Foi integrante do Laberur – Laboratório de Estudos

Rurais e Urbanos – DGE/UFS. 3 Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Professora do Departamento de Geografia da

mesma universidade nas disciplinas de Teoria da Região, Geografia Agrária, Geografia Rural, e Estágio

Supervisionado. Coordenou o Campus Avançado Xingó como experiência de interiorização das ações da UFS no

sertão sergipano. Atuou no programa Xingó parceria da CHESF, SUDENE, CNPq com as instituições Federais

de Ensino Superior do Nordeste, na área de abrangência da Hidroelétrica Xingó.

Regionalização ofertada pelo departamento de Geografia da mesma academia, ministrada

pela Professora Drª. Núbia Dias dos Santos orientadora da referida monitoria. Este trabalho se

fundamenta nos estudos e debates realizados nas aulas da disciplina, na revisão bibliográfica

da mesma, bem como nas leituras complementares almejando analisar a importância da

monitoria, em especial de Geografia Regional, na contribuição da formação dos graduandos

(bacharelado e licenciatura) de Geografia da UFS.

Esta disciplina é de fundamental importância, já que ela introduz a categoria de análise

região para o corpo discente, demonstrando uma densidade e complexidade, já que antecede

(no ano de 2013) para ambas as graduações as disciplinas de Análise e Gestão de Bacias

Hidrográficas, Geografia Urbana, Geografia Agrária, Geografia do Brasil, Geografia Regional

dos Países Centrais e Periféricos. Geografia de Sergipe, Geografia da África, Geografia Rural,

Geografia Econômica, Planejamento Rural, Planejamento Urbano e Regional.

Para tanto, durante a monitoria na disciplina, foram feitas leituras com as turmas

acerca do conceito de região, e deslindou-se o papel das regionalizações acadêmicas e a

regionalização enquanto forma de intervenção no espaço geográfico, interpretando

ulteriormente a intervenção do Estado em Sergipe e na Região Nordeste, a partir da

Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, enquanto legitimador de

relações de poder no crescimento e desenvolvimento – desigual e combinado – em rede, e as

condições/ações dos sujeitos nos (re)arranjos dos territórios.

Os procedimentos metodológicos concebidos ao longo da disciplina foram os

seguintes procedimentos técnicos e didáticos, como levantamento bibliográfico e documental

durante os dois semestres de execução da monitoria; análise das aulas ministradas pela

docente e detecção das potencialidades e fragilidades dos discentes da graduação;

disponibilização de horários semanais para retirada de dúvidas; acompanhamento das

avaliações, com escrita de artigos e apresentação dos mesmos pelos grupos.

Um dos resultados deste trabalho, além de ressaltar a importância da categoria de

análise região na Geografia e na busca de entender o contexto das ações regionais do Estado

atualmente, é destacar a importância das atividades da monitoria em Geografia no processo de

ensino e aprendizagem no nível superior, para a formação de professores e geógrafos,

enquanto um exercício discente respaldado por Lei no Brasil (BRASIL. Lei nº 5.540, 1968).

1 – A categoria de análise Região e as Regionalizações: Contribuição para o

desenvolvimento da ciência geográfica

O nascimento da região enquanto conceito está claro que se deu antes da instituição da

Geografia enquanto ciência. Existia e existe no senso comum enquanto vocábulo utilizado

cotidianamente (ainda que passe despercebido no cotidiano de muitas pessoas) para explicar

posicionamento de ações, objetos, processos e relações, tanto no espaço geográfico, como até

mesmo de outras coisas e questões, como partes do corpo e também em obras da literatura

nacional.

Já como categoria de análise4, como os pesquisadores das ciências humanas e sociais

aplicadas atualmente conhecem, surge com o nascimento da Geografia no séc. XIX, com

Emmanuel Kant. Lencione (2003), ao fazer uma releitura da História do Pensamento

Geográfico, lembra-se que Kant, fundador desta ciência na academia, “afirma que o espaço

geográfico é de natureza diferente do espaço matemático, por que se divide em regiões que se

constituem no substrato da história dos homens.” (idem, p. 79). Esse fato demonstra que a

realidade e o espaço são socialmente construídos no efêmero por sujeitos sociais históricos

distintos.

1.1 – Regionalização Acadêmica X Planejamento Regional

Há uma distinção, ou até mesmo uma relação dialética entre os estudos regionais

acadêmicos da Geografia com o propósito de entender processos, mensurar problemas,

construir teorias e propor soluções com vista a atender às necessidades da própria comunidade

acadêmica bem como as necessidades coletivas de uma realidade sócioespacial; destoando

dos objetivos, não raramente, de outros estudos regionais que possuem interesses diretamente

ligados à propostas de inovações e promoção de desenvolvimentos e integrações.

Essas regionalizações, diferentemente das de caráter acadêmico, não possuem a

preocupação de compreender a complexidade de uma realidade regional com a intenção de

teorizar, caracterizar os aspectos desta realidade, mas sim a compreensão para a expansão de

uma determinada relação de poder, como explica Haesbaert (2010):

4 Há que se atentar para a diferença existente entre as categorias e os conceitos dentro da ciência geográfica.

Enquanto a categoria é um princípio fundamental para se obter um aspecto do espaço geográfico, o conceito

refere-se as características de um objeto único (concreto ou abstrato) da realidade. Tal discussão é abordada pelo

geógrafo Antonio Bernardes (2011), no seu estudo “Quanto às categorias e aos conceitos”.

Trata-se aí de uma noção mais normativa de região, não tanto – ou apenas –

preocupada de reconhecer “o que é” efetivamente a região enquanto realidade

empírica ou desdobrá-la e avalia-la enquanto instrumento analítico, mas em propor

ações efetivas, caminhos, “indicar futuro” ou um devir (delineando novas conexões)

das configurações regionais, de modo a adequá-las a determinados propósitos político-

econômicos, vinculando-se, portanto, de alguma forma, também, ao chamado

planejamento regional. (HAESBAERT, 2010, p.103)

Neste sentido, o planejamento regional – desde o seu nascimento até o ensejo das

relações locais e globais na busca por um desenvolvimento econômico em rede – quando

organizado e dirigido por sujeitos sociais históricos como o Estado e/ou empresas privadas é

estratégico para que o que se deseja, enquanto representação da realidade, seja de fato

concretizado. É o estudo das lógicas regionais para agir e modificar o território –

concretamente e abstratamente - de acordo com o que é visado, interessante para alguém. É a

apropriação do espaço – enquanto planejamento regional – por meio da representação. Para

Raffestin (1993, p. 2) “Qualquer projeto no espaço que é expresso por uma representação

revela a imagem desejada de um território, de um local de relações.”

Ainda que haja diferenças entre os estudos regionais acadêmicos e o planejamento

regional – Estatal ou Privado – se assemelham no que diz respeito na possibilidade existente

dos estudos científicos serem inclusos no planejamento regional, ou não. Há ainda que se ter o

cuidado como deslinda Haesbaert (2010) em não confundir o papel do Geógrafo, com o do

gestor; muito menos confundir os estudos regionais construídos pela Geografia, com a mera

aplicação do conhecimento.

Nota-se, contudo, uma valorização do desenvolvimento da economia no atual modo de

produção predominante, em detrimento da inclusão social das populações. Isto é perceptível

principalmente na organização socioespacial das cidades, e na expansão de determinadas

relações de produção no campo. “Todos os compartimentos da ação humana repousam sobre

e produzem as „regiões‟. A vida econômica determina às áreas de mercado, as zonas de

produção, as bacias de mão-de-obra, as construções econômicas regionais.” (PASSOS e

MORO, 2003, p. 5).

Consequentemente, os estudos, e principalmente o planejamento regional no Brasil

desde o séc. XX se apresentam para gestores do Estado e de corporações nacionais e

multinacionais como um dos principais meios de intervenção no espaço. Ora sob a

justificativa de resolução de problemas “ambientais” que impediam - ou impedem - o

desenvolvimento das comunidades locais – como fenômenos climáticos - (problemas esses

causados muito mais pela má distribuição da riqueza), ou com o pretexto para resolver

entraves de integração dos mercados locais aos mercados regionais, nacionais e mundiais.

Para se compreender as políticas de planejamento regional – na escala nacional e

estadual – em Sergipe, se faz necessário um resgate histórico do cenário político, econômico e

socioespacial ao qual este estava inserido antes do início do séc. XXI. Necessário por que a

organização espacial dos objetos, dos sujeitos, das relações e dos processos na atualidade é

resultado da história dos movimentos em conjunto dos objetos, dos sujeitos e a suas relações

com o trabalho e dos processos do pretérito.

A fim de não se prolongar, ainda vale citar aqui que é a conjunção destes fatores

agindo de maneiras singulares nos espaços que formam as regiões nas diferentes escalas. Tais

fatores podem ser analisados de maneira a não enxergar a região como mero construto

intelectual, somente como artifício para entender a realidade; bem como não a entendes

apenas como fato empírico (concreto); nem somente como ferramenta da ação política, mas

como a imbricação de realidade empírica, artifício e instrumento de poder – região artefato,

possibilidade de entendimento da totalidade destes agentes para desvendar a região

(Haesbaert, 2010) e consequentemente as regionalizações.

2 - Sergipe e sua inserção nas políticas de desenvolvimento regional nacional no séc. XX:

uma retrospectiva esclarecedora.

Situado nas áreas de povoamento antigo, com a economia fortemente estruturada no

setor primário, o estado de Sergipe nas diversas regionalizações de economistas, estatísticos,

sociólogos, ora uniu-se com outros estados para formar a região do Brasil Oriental, de acordo

com a regionalização baseada na lógica natural, em 1913; ora fez parte do Este, em 1938, a

partir da divisão regional proposta pelo Conselho Nacional de Estatística. Posteriormente, o

Conselho Nacional de Geografia, em 1941, estabelece uma outra divisão regional do país,

dividindo-o em cinco grandes regiões, a saber: Região Norte, Nordeste, Leste, Sul e Centro-

Oeste. Sergipe foi incluso na região Leste com a Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de

Janeiro e Distrito Federal, por este órgão pelo critério da homogeneidade das características

físicas. Tal divisão foi aceita, ulteriormente, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística.

Apenas esta regionalização foi adotada pelo governo nacional, à época, justamente

para facilitar a gestão pública. Enfim, em 1968, a unidade federativa de Sergipe, é

incorporada à atual Região Nordeste, com a Bahia. É inegável, entretanto, uma variedade de

regionalizações, organizadas e sugeridas por diversos profissionais e intelectuais de diversas

áreas do conhecimento – incluindo o sociólogo sergipano Silvio Romero – antes da década de

40. Sobre esta diversidade concordamos com Bezzi (2004), quando explica que “A existência

dessa variedade de propostas deve ser interpretada pela ausência, até os anos 30, de um

Estado Nacional realmente integrado e da consequente importância da vida local e regional,

que caracterizaram o Brasil no início do séc. XX.” (BEZZI, 2004, p. 94).

Dos critérios utilizados para regionalizar o Brasil, até a regionalização oficial, vale

destacar algo já constatado por autores como Bezzi (2004) e observados em Passos e Moro

(2003), a predominância da utilização das regiões naturais, como critério de análise. Sobre os

critérios de delimitação regional em escala mundial, Passos e Moro (2003), ao explicaram

sobre as lógicas regionais elucidam:

Em termos operativos, habitualmente os critérios de delimitação regional do mundo

são: (a) a importância do meio natural; (b) a herança histórica e cultural... (c) o nível

de desenvolvimento econômico como critério de regionalização e (e) as zonas de

transição, com países e povos situados na intersecção de unidades regionais.

(PASSOS E MORO, 2003, p. 5)

A hegemonia das regiões naturais deu-se sob a justificativa da estabilidade que esse

critério proporcionaria aos estudos regionais, devido ao fato dos limites das regiões

perdurarem ao longo dos anos, o que facilitaria a vida de gestores e pesquisadores, uma vez

que tal opção traria vantagens na comparação de dados ao longo de épocas. Isto leva a crer

que as regionalizações até então discutidas e elaboradas por diversos sujeitos, não tinham

necessariamente a preocupação de atender as demandas regionais, mas de incorporá-las aos

projetos de integração – somente – econômica entre as diversas localidades do país.

Voltando-se para a realidade da época do estado de Sergipe, devido à fertilidade do

solo dos seus vales e estuários – como o solo massapê do vale do Rio Cotinguiba – é desde a

época da colonização portuguesa produtor de cana-de-açúcar em larga escala ao longo do

litoral, por meio da concentração da terra em latifúndios. Possui produção pecuária – em

grandes extensões de terra, tanto na faixa Agrestina, beirando o Sertão, como na própria

região Sertaneja do estado.

O cultivo da cana-de-açúcar absorvia muito mais mão de obra assalariada que a

pecuária. Ante a hegemonia destas atividades, havia uma agricultura camponesa, distribuída

em todo o estado, que a depender das condições para além das ambientais, como as condições

políticas, econômicas e sociais produziam mandioca, feijão, milho, frutas e verduras, bem

como produção em menor escala de gado, ovinos, caprinos e aves; pescadores artesanais

quando então são também camponeses. Quando estes não estavam (e pode-se dizer que hoje

ainda) migrando temporária ou permanentemente para centros regionais necessitados de mão-

de-obra à baixos custos; ou dependendo da boa vontade das oligarquias – grandes

proprietários rurais e industriais, muitas vezes no comando da máquina do Estado.

Uma grande massa assalariada vivendo nas imediações e periferia da cidade de

Aracaju, vendendo sua força de trabalho para atender as necessidades comerciais, industriais e

familiares da burguesia residente na capital. Ainda ao lado destes cidadãos, coexistiam

trabalhadores desempregados, a fazer os chamados “bicos” ainda na periferia da cidade, e os

trabalhadores sem-terra, que ora trabalhavam em grandes propriedades rurais, ora tornavam-

se mendicantes.

De um modo geral, esta era a realidade que ocorria – ainda que de maneiras singulares

– em boa parte dos estados que juntos o IBGE e o Governo Federal se convencionaram a

chamar de Nordeste, marcado pela concentração fundiária, como explica Andrade (2004) nas

páginas do seu livro A terra e o homem do Nordeste:

A grande concentração fundiária tornou-se um dos mais graves problemas do

Nordeste, sobretudo nas áreas de elevadas densidades demográficas, como a mata, e

o agreste. Tal fato tornou a região açucareira da mata uma área de forte tensão social

e de choques entre proprietários e assalariados. (ANDRADE, 2004, p. 121)

Ao lado destas questões, no ano de 1952 e depois no ano 1958 duas grandes secas que

finalmente fizeram instituições públicas atentarem para o problema e tomar algumas medidas

para uma “resolução” destes problemas, sobretudo de ordem sócio espacial. A primeira, foi a

criação do Banco do Nordeste e para a ação deste novo agente, foi estabelecido um polígono

que abrange, como é sabido por grande parte da população, da comunidade acadêmica e dos

gestores. Este polígono de ação também incluiu a porção sertaneja do estado de Sergipe.

Certamente um banco não resolveu um problema tão complexo quanto o da questão regional

nordestina. Para todos os efeitos, no ano de 58, outra seca abateu sobre a região, fazendo com

que o governo central se volte novamente para aquele espaço,

Levando-o a criar uma comissão que desenvolveria a Operação Nordeste (Openo) e

proporia a criação de um grupo de trabalho para o desenvolvimento da região. Este

grupo de trabalho elaborou um diagnóstico sucinto da região, demonstrando que o

grande problema da mesma não era de ordem climática, como se afirmava, mas de

ordem econômica, face ao atraso em que se encontrava em relação às outras regiões

brasileiras e ao de a economia, planejada à nível nacional, fazer com que a região

mais pobre subsidiasse o desenvolvimento das regiões economicamente mais

desenvolvidas. (ANDRADE, 1993, p. 6-8).

Aqui se chega a um ponto crucial da análise. É perceptível então que um dos

principais problemas em relação à situação do estado de Sergipe socioeconomicamente

falando, bem como aos demais estados da região Nordeste, ora é pela organização interna da

economia – concentração da riqueza em detrimento duma população necessitada de trabalho

digno, com maior controle dos bens de produção para se emancipar – ora pela organização da

produção sócio espacial da nação. Se além da questão de que maneira como a riqueza do

estado de Sergipe foi historicamente explorada, existe uma questão externa, é interessante

mencionar a questão inter-regional na relação centro-periferia que existe no Brasil.

No Brasil, se configurou a partir da última metade do séc. XIX para o início do séc.

XX a criação de um eixo hegemônico em relação às outras regiões – como o atual Nordeste -

estados e cidades do país. Trata-se do eixo Rio-São Paulo, com destaque para São Paulo –

centro de primeira ordem, ou seja de importância nacional. Este centro passou a exercer

domínio sobre os demais por motivos político-econômicos levando à resultados de

desigualdades sócio espaciais em escala nacional. Toda uma infraestrutura com o apoio do

Estado foi implantada para a expansão da cafeicultura, deixando os demais espaços do país

em outro plano, ou até mesmo no esquecimento. A implantação desta infraestrutura, mais o

uso da força assalariada na cafeicultura proporcionou um aumento nas trocas monetárias

naquele lugar, fazendo com que essa mão de obra assalariada fosse à procura de bens

manufaturados, proporcionando a industrialização do eixo primeiro que as demais regiões.

Podemos aqui associar a relação que existe entre a região Sudeste com a região

Nordeste a partir de uma das teorias de localização e desenvolvimento regional: a Teoria

Centro-Periferia. Nota-se que no Brasil houve um desenvolvimento econômico unipolar

espacialmente falando. Neste caso, “quando a estrutura fosse unipolar seria mais flagrante a

tendência generalizada do centro crescer a expensas da periferia.”(SILVA, 1976, p. 13).

Constata-se que o Estado Nacional Brasileiro, não teve uma preocupação de

desenvolver as outras regiões, sobretudo o Nordeste, para manter a acumulação de riqueza das

oligarquias cafeeiras, e posteriormente dos donos das Indústrias Nacionais, que à época

concentravam-se principalmente no Sudeste. Destarte, não houve um planejamento regional a

nível nacional que colocasse enquanto prioridade uma integração e um desenvolvimento

autêntico, como explicitou Andrade (1993) ao apontar as devidas soluções para o melhor

desenvolvimento do Nordeste:

[...] os recursos que dispõe o nordeste são de grande importância, necessitando

apenas receber uma maior racionalização na exploração que deve ser feita não só

visando o crescimento e a melhoria técnica da produção como, sobretudo, a

contribuição para o bem-estar da população regional e o verdadeiro

desenvolvimento da população. (ANDRADE, 1993, p. 21-22)

Ainda sobre a relação centro-periferia existente entre a região central – Sudeste, e a

região descensional – neste caso, o Nordeste, pode-se inferir que é uma relação de dominação,

uma vez que a primeira região domina a decisão sobre a distribuição sócio espacial dos

recursos, levando por vezes somente à uma mera extração da riqueza – tanto no sentido da

força produtiva como dos recursos naturais, em benefício - na situação brasileira, um

benefício somente econômico e concentrador - da região central. No séc. XX, foi a partir das

duas grandes secas, e por intermédio da pressão das lideranças regionais que o governo

central voltou seus olhos para o Nordeste, criando um órgão que tentou agir para uma maior

mudança efetiva da realidade desigual sob a qual estava esta região –agora aos moldes da

atual fase de expansão do capitalismo – a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste.

Então a SUDENE criada em 1959 com o papel de integrar a região nordeste ao

restante do país, desenvolvendo-a economicamente, retirando da “situação de abandono

secular em que se encontrava a Região, em relação às políticas nacionais de promoção do

desenvolvimento, o que vinha resultando no seu atraso crescente, diante dos avanços

realizados nas áreas mais desenvolvidas do País.” (SUDENE, 2013). A Openo foi

transformada em Codeno – Comissão de Desenvolvimento do Nordeste, sendo um grupo de

estudos de análises dos problemas regionais do NE, que se transformou na então SUDENE.

O diagnóstico feito por esse corpo técnico foi claro, uma vez que evidenciava a

pobreza e a depressão ao qual a região passava como histórica e não como de origem

climática. Ao analisar a proposta deste órgão, e a ação deste, tanto no Nordeste, como no

próprio estado de Sergipe, é notável que a SUDENE, a princípio possuía um caráter

revolucionário, uma vez que a partir deste diagnóstico, chegou ao problema chave do

subdesenvolvimento regional, entretanto, por falhas de natureza tacanha, bem como outras de

maiores - que tiveram consequências até hoje, o mesmo para os acertos –, e, devido às

coligações de forças (como a ditadura militar), se rendeu aos interesses de poucos, mesmo

sendo um órgão federal público, mantido por verbas públicas.

Em Sergipe, bem como nos outros estados do Nordeste, nos anos de atuação da

SUDENE, a estrutura fundiária se manteve concentrada, não houve uma preocupação de se

implantar indústrias que transformassem os bens minerais na própria região, a industrialização

– ainda que tenha reduzido a dependência do eixo Rio-São Paulo – não gerou a quantidade de

empregos esperada, bem como a riqueza produzida pela própria região e sua população foi

toda exportada para outros unidades federativas ou para o exterior. No quesito educação, o

número de escolas de ensino superior e básico, à época, ampliou, entretanto com a qualidade

do ensino reduzida, uma vez que a educação não foi voltada para o desenvolvimento verídico.

Os ecos deste declínio no ensino parecem não ter sido solucionado ainda neste séc. XXI. Na

saúde, a melhora foi evidente, permitida pela preocupação com a distribuição de água (ainda

que paliativamente), ambulatórios, hospitais etc. Naquele momento, não houve uma

preocupação maior por parte do poder público com os monumentos, com a preservação da

arquitetura das cidades nordestinas e em Sergipe como São Cristóvão e Laranjeiras – no vale

do Cotinguiba - que datam desde a época da colonização, nem com a preservação de festas

populares e com as culturas locais e regionais.

Pode-se afirmar que, as medidas tomadas pela SUDENE, após a ditadura militar

visavam muito mais o subsídio para grandes empresas privadas nacionais e internacionais

agirem na região, e no que tocou em benefício para a população, estas tiveram um caráter

muito mais compensatório. A inicial preocupação com uma reforma na estrutura fundiária

esvaiu-se, importando-se muito mais com a melhoria das técnicas de produção, como explica

um dos relatórios do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFPE – PIMES, em

parceria com o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do Governo Federal e a

SUDENE em 1984:

Neste contexto, até a própria política de desenvolvimento regional que tem assumido

um caráter compensatório, pode ser considerada como um conjunto 00de ações

tomadas pelo Estado para viabilizar, facilitar ou acelerar a expansão capitalista nas

áreas periféricas do país, contudo, nesse processo os principais beneficiários não tem

sido as populações residentes (ou migrantes atraídos pelas novas oportunidades de

emprego geradas) nestas regiões, mas as empresas integrantes do complexo

industrial, comercial financeiro, sediadas no centro hegemônico da economia

nacional ou no exterior. (PIMES, 1984, p. 49)

Ainda no início, a SUDENE cometeu outro erro ao não dar prioridades aos técnicos,

intelectuais e profissionais especialistas que trabalhavam na região de longa data, que causou

choques entre os planos de desenvolvimento e a realidade do Nordeste (Andrade, 1993) o que,

mesmo com todas as limitações e entraves, não impediu de dar uma grande contribuição aos

estudos regionais sobre o nordeste, contribuindo em certa medida para a fomentação de

estudos da região pela Ciência Geográfica. Já no século XXI, por intermédio da Medida

Provisória n°2.146-4 de 4 de Maio de 2001, a SUDENE teve seu fim, onde foi substituída

pela Agência de Desenvolvimento do Nordeste, que não teve suas influências e poder tão

importantes como outrora havia tido a Superintendência.

O Brasil ainda não viu uma política de Desenvolvimento Regional inclusivo, que

permitisse a reprodução digna da família camponesa no campo, nem acabasse com a situação

de miséria e violência das capitais nordestinas, em prol da manutenção do poder de uma

classe que está inserida, inclusive no próprio Estado, para que persista o desenvolvimento

desigual promovido pela globalização da economia.

3. A importância das atividades de Monitoria na Disciplina de Teoria da Região e

Regionalização

O programa de monitoria da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal de

Sergipe é essencial na formação dos profissionais das diversas áreas que este atinge, pelo fato

de fazer com que o discente, agora enquanto monitor reveja a disciplina pela qual passou

novamente, porém com outro grau de amadurecimento, com outro olhar sobre os conteúdos a

serem ministrados pelo professor, e com a preocupação de facilitar o processo de ensino-

aprendizagem ampliando mais o diálogo entre educando e educador. A monitoria em

Geografia Regional foi imprescindível para uma aproximação entre discentes, docente, teoria

e o que já havia sido colocado em prática até então. O Programa de Monitoria, em especial de

Geografia Regional, é de suma importância para o ensino e o aprendizado de todos os

envolvidos na disciplina, inclusive para o monitor. Segundo Dantas (2014):

“A monitoria no ensino superior tem se caracterizado como incentivadora,

especialmente, à formação de professores. As variadas atividades que ocorrem mediante a

relação teoria e prática necessitam configurar-se em trabalhos acadêmicos estimuladores de

múltiplos saberes inerentes aos componentes curriculares, contribuindo para a formação crítica

na graduação e na pós-graduação, e despertar, no formando, o interesse pela docência na

educação superior.” (DANTAS, 2014, p. 3)

Diante deste entendimento que a disciplina teve três momentos durante os dois

semestres de execução (2013.1 e 2013.2 com integrantes da licenciatura e do bacharelado) da

monitoria. O momento de leitura da bibliografia da ementa, as discussões, e a construção de

uma análise em grupos de três ou quatro pessoas, e cada participante escolheria um município

(do estado de Sergipe, ou outro de sua origem) para fazer uma análise sobre a dinâmica

sócioespacial observando as ações do Estado, do Capital e as relações que os homens

estabeleciam entre si e a natureza, com o intuito de despertar um olhar sobre as teorias

regionais, as ações de planejamento, e o papel do Estado nos discentes.

Foi possível notar que a partir das orientações da professora com a monitora, e da

monitora, com os discentes, um ciclo de debates, entendimentos, avaliações em grupo, os

alunos matriculados na disciplina, principalmente os alunos do semestre noturno, que tem o

perfil de trabalhadores assalariados durante o dia, puderam alcançar uma aprendizagem mais

efetiva, pois as dúvidas referentes às bibliografias, pelo caráter complexo de muitas, eram

sanadas de forma informal, durante momentos semanais disponibilizados pela monitora.

Deste modo, o programa ganha maior realce ainda para as graduações em licenciatura plena,

uma vez que o monitor da disciplina está diretamente ligado à aprendizagem dos discentes,

podendo observar dificuldades e facilidades juntamente ao professor.

Nesta direção, o professor aprende com os seus alunos e com o monitor da disciplina,

os alunos aprendem com o professor e com o monitor, e o monitor reaprende com ambas as

partes, pela questão dos seres humanos serem eternos processos e inacabamentos. Em se

tratando da Geografia, a compreensão da História do Pensamento Geográfico, bem como a

Filosofia desta ciência, e o entendimento sobre as categorias de análise (pilares da disciplina)

são essenciais. Conhecer da organização do espaço mundial, e da história da formação dos

diversos países, incluindo o Brasil, e como a Geografia esteve envolvida nestes processos

enquanto meio de produção de novas realidades.

A disciplina de Teoria da Região e Regionalização, além de agregar um pouco de

todas estas temáticas (a partir da categoria de análise “região”), pretende demonstrar o

desenvolvimento da Teoria da Geografia Acadêmica Mundial e Brasileira, elencando com as

outras categorias de análises, buscando as principais concepções sobre a região e de que

maneira as regionalizações a partir das representações e as possíveis intervenções no espaço, a

partir da concepção de sujeitos. Assim, a disciplina de Teoria da Região e Regionalização é

fundamental para que os graduandos possam compreender, posteriormente, outras disciplinas

ofertadas pelo curso de Geografia, e em seguida, e em seguida a realidade com a lente

geográfica, seja enquanto professor seja enquanto bacharel.

REFERÊNCIAS

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