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    Estudos sobre leitura:Psicolinguística e interfaces

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    Chanceler 

    Dom Dadeus Grings

    Reitor 

    Joaquim Clotet

    Vice-Reitor 

    Evilázio Teixeira

    Conselho Editorial

     Ana Maria Lisboa de MelloBettina Steren dos SantosEduardo Campos PellandaElaine Turk FariaÉrico João HammesGilberto Keller de AndradeHelenita Rosa FrancoIr. Armando Luiz Bortolini

    Jane Rita Caetano da SilveiraJorge Luis Nicolas Audy – PresidenteJurandir MalerbaLauro Kopper FilhoLuciano Klöckner Marília Costa MorosiniNuncia Maria S. de ConstantinoRenato Tetelbom SteinRuth Maria Chittó Gauer 

    EDIPUCRS

    Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor Jorge Campos da Costa – Editor-Chefe

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    Organizadores

    Vera Wannmacher Pereira

    Ronei Guaresi

    Estudos sobre leitura:Psicolinguística e interfaces

    Porto Alegre 2012

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    © EDIPUCRS, 2012

      Lucas Costa

      Ronei Guaresi

      Rodrigo Valls

    E82 Estudos sobre leitura: psicolinguística e interfaces [recurso

    eletrônico] / Vera Wannmacher Pereira, Ronei Guaresi

    (Organizadores). – Dados eletrônicos. – Porto

     Alegre : EDIPUCRS, 2012.

      206 p.

     

    Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader 

      Modo de Acesso:   ISBN 978-85-397-0133-9

      1. Psicolinguística. 2. Linguagem. 3. Leitura.

    4. Leitores – Formação. I. Pereira, Vera Wannmacher.

    II. Guaresi, Ronei.

    CDD 401.9

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos,

    videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-setambém às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente combusca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

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    Sumário

     Apresentação...............................................................................6

    Estudos sobre Leitura: Psicolingüística e interfaces.......................7Vera Wannmacher Pereira

     A linguagem e a memória operacional..........................................12 Ângela Inês KleinRafaela Janice Boeff 

    Metacognição e metalinguagem....................................................21Jésura ChavesMarília Lopes

    Leitura e atenção: um olhar sobre o input linguístico sob a

    perspectiva psicolinguista..............................................................31Karine SouzaRonei Guaresi

    O impacto da aquisição da leitura no cérebro: o que osestudos com neuroimagem têm a dizer........................................42Fernanda Knecht

    Resumo: a relevância do objetivo de leitura..................................50Cláudia Strey

    Inuência da leitura ao desenvolvimento da escrita:uma incursão pela (in)consciência................................................63Ronei Guaresi

    Fatores compartilhados no processamento de leituraem L1 e L2.....................................................................................76Lisiane Neri Pereira

     Aspectos cognitivos envolvidos no processamento da leitura:contribuição das neurociências e das ciências cognitivas............84Gislaine Machado

    Processamento de leitura: predição e inferências empôsteres de paródias de lmes de terror.......................................96Luiza Helena Müller dos Santos

    Palabras frecuentes y comprensión de lectura en L2: ¿Puede elcomputador contribuir?................................................................107Elba Beatriz Lami

    Inferências e compreensão leitora...............................................115Elisangela Kipper 

    Processamento de leitura: cultura digital e processosinferenciais...................................................................................127Daisy Pail

    Uma discussão sobre estratégias metacognitivas em

    leitura na escola..........................................................................142Kelli da Rosa Ribeiro

    Concepção de leitura: abordagens psicolinguísticas eminterface com abordagens da neurociência...............................152Samanta Demetrio da Silva

    Nível de compreensão de leitura de um aluno colombiano noprocesso de aprendizagem do português: um estudo de caso..159Vanessa Nery Souza

    Como vender para quem não compreende o que lê?................167Luciana Braun Reis

    Uma nova proposta de ensino de estratégias de leitura: autilização da teoria dos blocos semânticos em sala de aula......177João Henrique Casara Borges

     A interferência das otites médias no processo de alfabetização...185Fernanda Dias

    Neurosiologia do uso da segunda língua atravésde estudos por imagem.........................................................197

    Ramon Gheno

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    Apresentação

      Esta publicação reúne artigos elaborados por alunosna disciplina Compreensão e processamento da leitura doPrograma de Pós-Graduação em Letras da PUCRS, e porparticipantes do Grupo de Estudos de Psicolinguística, am-bas as situações realizadas em 2010/2, sob a orientação daProfa. Dr. Vera Wannmacher Pereira.  Sob a perspectiva psicolinguística, os autores, jovenspesquisadores, desenvolvem o tema da leitura, focalizandometacognição, memória, atenção, compreensão e proces-samento, estratégias, inferência. Alguns deles apóiam suasanálises fazendo conexões da Psicolinguística com outroscampos da Linguística e com outras áreas de conhecimen-to, valorizando, assim, a perspectiva de interface.  No nal de cada artigo há um formulário em que oleitor poderá fazer observações, questionamentos, comen-tários sobre o artigo. Uma vez enviado, o autor receberá amensagem e, na medida do possível, responderá. Dentre os

    objetivos dessa iniciativa estão o de aproximar escritor e leitore o de estimular debate acadêmico em torno dos temas.

    Os organizadores

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    Estudos sobre leitura: Psicolinguística

    e interfaces

    Vera Wannmacher Pereira1Fale com a autora

     

     A publicação “Estudos sobre leitura: Psicolinguísticae interfaces” tem como objetivo disponibilizar à comunidadeacadêmica artigos produzidos por jovens pesquisadores queparticiparam da disciplina “Processos de compreensão leitora”do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS e doGrupo de Estudos de Psicolinguística,  ambas as situações

    realizadas em 2010/2, sob a orientação desta autora.O presente artigo inicia esta publicação. Primeiramente,

    essas duas situações são caracterizadas, em relação aosconteúdos e aos procedimentos desenvolvidos. A seguir, éapresentada a área sobre a qual os estudos estão assentados,em sua evolução histórica, evidenciando as perspectivasdisciplinar e de interfaces. Posteriormente, são desenvolvidosalguns tópicos sobre leitura, eixo deste e-book, sendo

    esclarecidos os caminhos seguidos pelos autores.

    1 Situações de produção dos textos

    Os artigos foram produzidos em duas situaçõesdiferentes – ao nal de uma disciplina e ao nal dos trabalhosde um grupo de estudos.

    Na primeira situação, os estudos estiveram voltadospara a compreensão e o processamento da leitura, tendo1 Doutora em Letras/Linguística Aplicada. Professora Permanente do PPGL daFALE/PUCRS.

    como tópicos centrais: a) Psicolinguística: histórico, objetode estudo, interfaces, processos investigativos; b) leitura:aquisição/ aprendizado, memória, funcionamento no cérebro,

    cognição e metacognição; c) linguagem e consciência; d)compreensão da leitura: concepção, variáveis intervenientes,procedimentos e instrumentos de investigação; e) estratégiasde leitura: concepção, tipos, frequência de uso, relaçãocom a compreensão; f) predição e inferência; g) resumo ecompreensão; h) processamento da leitura: concepção,variáveis intervenientes, procedimentos e instrumentosde investigação; i) pesquisa em Psicolinguística: objetivos,tendências, caminhos, possibilidades; j) Psicolinguística no

    ensino: objetivos, tendências, caminhos, possibilidades.Na segunda situação, os estudos estiveram voltados

    para os seguintes tópicos, considerando o objetivo deverticalização de conhecimentos: memória; atenção;emoção; processamento da leitura e da escrita; estratégiasde leitura; procedimentos e instrumentos de pesquisapsicolinguística; interfaces para estudos psicolinguísticos.

    O grupo de participantes da disciplina, mestrandos

    e doutorandos do PPGL em Letras com concentraçãoem Linguística, apresentam algumas diferenças em suaformação – embora predominantemente de Letras, sãoalguns originários da Comunicação, da Fonoaudiologia,da Medicina e do Direito. Além disso, seus interessesespecícos estão voltados para eixos diversos daLinguística – Psicolinguística, Teoria da Enunciação, Análisedo Discurso, Sintaxe, Semântica, Pragmática, Fonologia,Variação Linguística. Considerando essas características,

    a proposta de escrita de artigo possibilitou, ao participante,

    http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/estudossobreleitura/celin2011b.htmlhttp://ebooks.pucrs.br/edipucrs/estudossobreleitura/celin2011b.html

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    desenvolver um tópico psicolinguístico associado à sua áreaespecíca de interesse. Desse modo, os artigos produzidosnessa situação trazem esses traços.

    O Grupo de Estudos Psicolinguísticos acolheubolsistas do Centro de Referência para o Desenvolvimentoda Linguagem - CELIN, mestrandos e doutorandos cominteresse voltado diretamente para a Psicolinguística,tendo já realizado pesquisas nessa área e pretendendodar-lhes continuidade. Diante dessas características, aproposta de escrita de artigo direcionou o participante parao desenvolvimento de um tópico psicolinguístico ao mesmotempo desenvolvido nos seminários e vinculado aos seus

    interesses de continuidade dos estudos. Desse modo, osartigos produzidos nessa situação trazem essas marcas.

    Sendo essas as circunstâncias de geração destee-book , tem como foco tópicos psicolinguísticos direcionadosà leitura, em perspectivas disciplinar e de interfaces internase externas. Na sequência deste artigo, essas perspectivassão explicitadas.

    2 Psicolinguística: disciplina e interfaces em estudo

     A Psicolinguística consiste na área de estudos dosartigos deste e-book , vista disciplinarmente e nos contactosde interfaces. Neste item, ela é apresentada em seuprocesso de denição.

    Sua conguração como uma disciplina tem seusprimeiros sinais na curiosidade sobre o pensamento – suaorigem, seu lugar de realização, sua construção – que, por

    sua vez, se associa à curiosidade sobre os sentimentos do

    homem. Esse movimento de compreensão do pensamentoe dos sentimentos tem sua raiz, na verdade, no desejo deconhecimento da essência humana – seu passado, seu

    presente e seu destino. A busca desse entendimento tem provocadoexplicações diversas ao longo dos tempos – míticas,religiosas, losócas, psicológicas, linguísticas e, maisrecentemente, neurocientícas. Nesse emaranhado, aciência tem tropeçado, apresentando primeiramente análisesabrangentes, posteriormente especícas e segmentadas,chegando, atualmente a explicações ao mesmo tempoverticais, valorizando a visão disciplinar, e horizontais,

    buscando as interfaces (COSTA E PEREIRA, 2009a e 2009b).Nesse andar, há, na história do pensamento

    humano, sinalizações importantes em favor dodelineamento da Psicolinguística.

    Com base em reexões losócas, essa disciplina éde certo modo anunciada no Mundo das Ideias de Platão,indicando concepções prévias no pensamento. Em suaargumentação está o Mito da Caverna, gerando inúmeras

    interpretações e atravessando os tempos. Esse anúncio estátambém na Maiêutica Socrática, em que o conhecimentose revela na parturição das ideias. Com Descartes, séculoXVII, isso se faz pelo racionalismo, sendo o pensamentoindicativo da existência humana - “Penso, logo existo”.Em Humboldt, século XVIII, a língua, mesmo sendo inatae mental, não deve ser considerada uma obra acabada(energeia), mas sim uma atividade (ergon).

    Essas reexões losócas marcam pressupostos

    da Linguística que se inicia formalmente no século XX –

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    assumindo-as ou negando-as. Saussure (início do séculoXX), embora enfatizando o social, traz a palavra “mente”como um repositório em que estão as regras l inguísticas de

    um grupo social (langue). Menciona também a linguagem(langage) como algo que está na capacidade de todos osfalantes. Refere ainda o aspecto individual ( parole), própriode cada falante. Chomsky (segunda metade do séculoXX) faz importante ruptura com o estruturalismo linguísticoe retoma Descartes, defendendo o ponto de vista doinatismo. Nesse entendimento, a linguagem se apresentacomo competência e desempenho, sendo a competênciaconstituída de condições universais pré-existentes e o

    desempenho, de natureza individual, sua realização.Podem ser ainda incluídos em seus antecedentes

    os estudos da linguagem humana oriundos da Psicologiaque se apoiavam metodologicamente em procedimentosinterpretativos. No entanto, na medida em que a Psicologia,assim como todas as áreas do conhecimento impulsionadaspelo positivismo, deniu contornos mais precisos em tornode seu objeto, na direção da autonomia e do estatuto

    cientíco, a Linguística também o fez (CABRAL, 1991).Essa condição gerou metodologias próprias, referenciaisteóricos especícos, tratamento de dados próprios. Asdisciplinas que até então buscavam associações naturaiscom disciplinas externas sofreram redenições, absorvendoelementos externos, assumindo novos rótulos e promovendointernamente suas interfaces.

     A Psicolinguística buscou então seu própriocontorno, desenvolvendo um percurso no que se refere

    ao seu objeto de estudo – o processo comunicativo, no

    que se refere à compreensão e à produção, com um lugarpara a aquisição. O seu desenvolvimento abriu pontosde curiosidade cientíca que, para serem examinados,

    conduziram-na naturalmente para o estabelecimento deinterfaces internas com outras áreas da Linguística (Linguísticado Texto, Análise do Discurso, Teoria da Enunciação,Pragmática) e interfaces externas com outras áreas doconhecimento (Psicologia Cognitiva, Fonoaudiologia,Biologia, Medicina, Computação, Comunicação, Educaçãoe, mais recentemente, Neurociências).

    Neste momento de sua evolução, a Psicolinguísticabusca espaço entre os estudos sobre a linguagem percebida

    pelo ângulo da cognição (EISENCK; KEANE, 2007), comênfase no processamento cognitivo (SMITH, 2003) daleitura e da escrita.

    Essas novas interfaces trouxeram junto novaspossibilidades de instrumentos de pesquisa, absorvendotecnologias avançadas, que trazem importantes acréscimosaos até então utilizados (DEHAENE, 2007).

    3. Leitura: objeto de estudo dominante

    Os estudos sobre leitura vêm sendo dominantesna Psicolinguística e constituem-se também assim nopresente e-book . Esses estudos abrangem frequentementecompreensão, processamento e estratégias de leitura(KLEIMAN, 2008).

     A concepção de leitura é a de processamentocognitivo (GOODMAN, 1991), constituindo-se em

    procedimentos de natureza ascendente e/ou descendente.

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    O ascendente caracteriza-se por movimentos das partespara o todo, em que o leitor privilegia a observação dasmarcas linguísticas do texto. O descendente caracteriza-

    se por movimentos do todo para as partes, em que osconhecimentos prévios do leitor preponderam.Esses tipos de processamento se realizam por meio

    de estratégias de leitura, como o skimming, o scanning ,a seleção, a leitura detalhada, o automonitoramento, aautoavaliação, a autocorreção e a predição.

     A escolha, pelo leitor, do processamento e dasestratégias está associada aos seus conhecimentosprévios, ao seu estilo cognitivo, ao seu objetivo e à

    natureza do texto (KATO, 1999).Os procedimentos de leitura contam com a

    consciência linguística do leitor, o que exige o confrontodos seus conhecimentos prévios com as marcas fônicas,morfossintáticas e semântico-pragmáticos do texto, ecom os diversos tipos de memória, sendo os resultadosde compreensão fortemente inuenciados pela atenção epela emoção.

    Os artigos deste e-book   desenvolvem diferentesaspectos da leitura, tomando como perspectiva dominantea de interfaces. Este, que inicia a publicação, dene aPsicolinguística em seu percurso histórico, como disciplinae em suas interações. Os dois seguintes focalizam tópicosfundadores - metacognição e metalinguagem. Os seisposteriores tratam da leitura, buscando conexões entrea Psicolinguística e as Neurociências – leitura e atenção;impacto da aquisição da leitura no cérebro; aspectos

    cognitivos da leitura; concepção de leitura; inuência

    da leitura no desenvolvimento da escrita; inferências ecompreensão leitora. Na sequência, três artigos exploramrelações entre a Psicolinguística e a Pragmática – a

    relevância do objetivo da leitura no resumo; a culturadigital e os processos inferenciais no processamento deleitura; predição e inferências na leitura de pôsteres deparódias de lmes de terror. Após, três artigos tratam daleitura na escola, utilizando diferentes interfaces com aPsicolinguística: estratégias metacognitivas no trabalho deleitura na escola; uma proposta de ensino de estratégiasde leitura, fazendo interface Psicolinguística e Teoria dosBlocos Semânticos; a interferência das otites médias na

    alfabetização, desenvolvendo interface da Psicolinguísticacom a Fonoaudiologia; na continuidade, quatro artigosabordando L2 - Neurosiologia do uso da segunda línguaatravés de estudos por imagem; compreensão de leitura deum aluno colombiano no processo de aprendizagem doportuguês; fatores compartilhados no processamento deleitura em L1 e L2; palavras frequentes e leitura em L2. Porúltimo, fechando a sequência, um artigo estabelece interface

    Psicolinguística e Comunicação, analisando a relação entrea venda de produtos e usuários que não leem. Assim organizado, o e-book disponibil iza artigos

    cientícos produzidos por jovens pesquisadores do PPGLda FALE/PUCRS, focalizando tópicos sobre leitura soba perspectiva da Psicolinguística em interfaces internase externas.

    RESUMO – O presente artigo busca a) situar os textos

    deste ebook no universo da Psicolinguística com suas

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    interfaces possíveis e b) denir a Psicolinguística em seupercurso histórico, como disciplina e em suas interações. APsicolinguística, ao longo desse percurso histórico, deniu

    seu objeto de estudo – o processo comunicativo, no quese refere à compreensão e à produção, com um lugarpara a aquisição. A explicação desses processos suscitouo estabelecimento de interfaces internas com subáreasda Linguística e interfaces externas com outras áreasdo conhecimento. Atualmente, a Psicolinguística buscaespaço entre os estudos sobre a linguagem percebidapelo ângulo da cognição (EISENCK; KEANE, 2007), comênfase no processamento cognitivo (SMITH, 2003) da

    leitura e da escrita.

    Palavras-chave: Psicolinguística. Histórico. Interfaces.

     ABSTRACT  – This article tries to: a) place the texts of thise-book in the world of Psycholinguistics, in its possible

    interfaces; and b) determine Psycholinguistics as a discipline

    and as interacting with other elds. Along this historical

    trajectory, Psycholinguistics dened its object of study - the

    communicative process concerning comprehension and

     production, and reserving a position for acquisition. The

    account for these processes has led to the establishment

    of internal interfaces, including subareas in Linguistics

    and external interfaces with other elds of knowledge.

    Nowadays, Psycholinguistics searches for a place among

    language studies from the point of view of cognition

    (EYSENCK; KEANE, 2007), laying emphasis on cognitive

     processing (SMITH, 2003) of reading and writing.

    Keywords: Psycholinguistics. History. Interfaces.

    Referências

    CABRAL, Leonor Scliar. Introdução à Psicolinguística. SãoPaulo: Ática, 1991.

    COSTA, J. C.; PEREIRA, V. W. (orgs.). Linguageme cognição: relações interdisciplinares. Porto alegre:EDIPUCRS, 2009a.

    COSTA, J. C.; PEREIRA, V. W. (orgs.).. Letras de Hoje. Linguagem, cognição e interfaces. Porto Alegre: EDIPUCRS,

    v.44, n.2, jul.-set. 2009b.DEHAENE, Stanislas. Les neurones de La lecture. Paris:Odile Jacob, 2007.

    EYSENCK, Michael W. ; KEANE, Mark T. Manual dePsicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 2007.

    GOODMAN, K. S. Unidade na leitura – um modelopsicolingüístico transacional. Letras de Hoje, n. 86, p. 9-43.

    Porto Alegre: EDIPUCRS, dez. 1991.KATO, Mary.  Aprendizado da leitura. São Paulo: MartinsFontes. 1999.

    KLEIMAN, Angela. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas:Pontes, 2008.

    SMITH, F. Compreendendo a leitura. Porto Alegre: ArtesMédicas, 2003.

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    A linguagem e a memória operacional1

     Ângela Inês Klein2 

    Rafaela Janice Boeff 3Fale com as autoras

     As lembranças que guardamos em nossa memóriasão determinantes para a formação de nossa personalidade,pois inuenciam diretamente o âmbito cognitivo. É a partir daevocação de nossas memórias que a vida adquire signicado.Sem elas, perdemos a identidade, sequer recordaríamos aspessoas mais próximas e todas as habilidades que usamos

    no cotidiano teriam que ser reaprendidas, ou melhor, nemseria possível aprendermos.

    Essa faculdade humana é de vital importância paraqualquer processo de obtenção e elaboração de informação.Segundo Colomer e Camps (2002), não se pode pensar anão ser por meio dos dados de que nosso cérebro dispõe,ou seja, informações introduzidas, retidas e possíveis deserem recuperadas quando necessário.

    Nossas memórias provêm de nossas experiênciase, portanto, podemos dizer que existem diferentes tiposde memórias, que podem ser classicadas de acordo comseu conteúdo e sua duração. Entre elas, destacamos amemória operacional, fortemente ligada à linguagem,entre outras funções cognitivas.

    1 Este artigo é resultado da comunicação proferida pelas autoras no minicursoLeitura e Cognição: uma perspectiva psicolinguística, em 28/10/2010.2 Doutoranda em Linguística pela PUCRS, bolsista CNPq. Email: [email protected] 3 Doutoranda em Linguística pela PUCRS. Email: [email protected] 

    Essa memória é composta de multicomponentes,segundo Baddeley (2003), que integrados garantem umgerenciamento do input recebido pelo cérebro, fazendo

    um link   entre essas informações novas e aquelas jáarmazenadas nas demais memórias, a m de encontrarsentido, como veremos adiante. Passemos, primeiro,para uma breve explanação sobre o que é memória e suaclassicação nos diferentes tipos.

    1 Memória

    Memória é a aquisição, conservação e evocação de

    informações e pode ser avaliada por meio de sua evocação.O conceito de memória, conforme Izquierdo (2004), envolveabstrações, uma vez que o cérebro converte a realidadeem códigos e a evoca por meio desses códigos. Segundo oautor, pode-se dizer que há um processo de tradução entrea realidade das experiências e a formação da memóriarespectiva; e outro processo de tradução entre esta e acorrespondente evocação. Esses processos de tradução,tanto na aquisição quanto na evocação, devem-se ao fatode que em ambas as ocasiões, assim como durante o longoprocesso de consolidação ou formação de cada memória,são utilizadas redes complexas de neurônios.

    Os códigos e os processos utilizados pelos neurôniosnão são idênticos à realidade da qual extraem ou à qualrevertem as informações. Ao converter a realidade em umcomplexo código de sinais elétricos e bioquímicos, são osneurônios os responsáveis por essas traduções. Novamente

    essa tradução ocorre no momento da evocação, quando os

    http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/estudossobreleitura/celin2011j.htmlmailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]://ebooks.pucrs.br/edipucrs/estudossobreleitura/celin2011j.html

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    13  Ângela Inês Klein e Rafaela Janice Boeff 

    neurônios reconvertem sinais bioquímicos ou estruturaisem elétricos, de maneira que nossos sentidos e nossaconsciência possam interpretá-los como pertencendo a ummundo real. Nós, humanos, usamos muito da linguagempara fazer essas traduções (IZQUIERDO, 2004).

    Nossas memórias provêm das experiências e porisso é mais sensato falar em memórias e não em memória,uma vez que há tantas possíveis quanto são as experiênciaspossíveis. Os mecanismos nervosos de cada um dessestipos de memória não são os mesmos e tampouco oscomponentes emocionais de cada um. Dessa forma asmemórias podem ser classicadas quanto ao seu conteúdo

    em declarativa e não declarativa e, quanto a sua duração,em memória de longo prazo, memória de curto prazo ememória operacional.

     As memórias que registram fatos, eventos ouconhecimentos são chamadas declarativas e sãoconsideradas explícitas, porque permitem evocarconscientemente fatos e eventos mediante verbalização,sendo exclusiva dos seres humanos. Entre elas, asreferentes a eventos aos quais assistimos ou dosquais participamos são denominadas episódicas; as deconhecimentos gerais, semânticas. Por outro lado, asmemórias procedimentais são memórias de capacidadesou habilidades motoras e sensoriais e são consideradasnão declarativas, implícitas.

    Como mencionado anteriormente, as memóriastambém podem ser classicadas pelo tempo que duram. As memórias de longa duração não cam estabelecidas

    em sua forma estável ou permanente imediatamente

    após sua aquisição, o processo que leva à sua xaçãodenitiva, da maneira que poderão ser evocadas dias ouanos mais tarde, denomina-se consolidação. A memória de

    curta duração é aquela que dura minutos ou poucas horas, justamente o tempo necessário para que as memórias delonga duração se consolidem. As memórias de curta e ade longa duração envolvem processos paralelos e até certoponto independentes. Elas requerem as mesmas estruturasnervosas, mas envolvem mecanismos próprios e distintos.

    O conteúdo das memórias de curta e longa duraçãoé basicamente o mesmo, a informação aferente aos doissistemas mnemônicos é a mesma, e a resposta também é

    a mesma. A diferença entre os dois tipos de memória (decurta e de longa duração), que faz com que sejam sensíveisa diferentes tratamentos e respondam a processos distintos,não reside no input  nem no output , mas sim nos mecanismossubjacentes a cada uma delas (IZQUIERDO, 2006).

    Finalmente, a memória operacional que, segundoo autor, é muito breve e fugaz, serve para “gerenciar arealidade” e determinar o contexto em que os diversosfatos, acontecimentos ou outro tipo de informaçãoocorrem, e se é válido ou não fazer uma nova memóriadisso ou se esse tipo de informação já consta dosarquivos. Ela serve para manter durante alguns segundos,no máximo poucos minutos, a informação que está sendoprocessada no momento e se diferencia das demais,porque não deixa traços e não produz arquivos. Sendoessa memória foco deste estudo, na próxima seção nós aabordaremos mais detalhadamente.

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    14  A linguagem e a memória operacional

    2 Memória operacional

    Segundo Izquierdo (2006), a memória operacionalé processada fundamentalmente pelo córtex pré-frontale depende, simplesmente, da atividade elétrica dosneurônios dessas regiões, sendo acompanhada de poucasalterações bioquímicas. Essa atividade elétrica neuronalpercorre os axônios e, ao chegar a sua extremidade,libera neurotransmissores sobre proteínas receptoras dosneurônios seguintes, comunicando as traduções bioquímicasda informação processada. O córtex pré-frontal recebe aindaaxônios procedentes de regiões cerebrais vinculadas à

    regulação dos estados de ânimo, dos níveis de consciênciae das emoções. Os neurotransmissores liberados por essesaxônios, que vêm de estruturas muito distantes, modulamintensamente as células do lobo frontal que se encarregamda memória operacional.

    Baddeley (2009) arma que a memória operacionalenvolve armazenamento temporário e manipulação deinformação. Além disso, o autor sustenta que ela é capaz derealizar tarefas cognitivas, tais como raciocínio, compreensãoe resolução de problemas. Sua duração é de segundosou poucos minutos, o tempo suciente para examinar asinformações novas e compará-las às já existentes no acervode memórias de curta ou longa duração, declarativas ou nãodeclarativas de cada indivíduo.

    O papel gerenciador da memória operacional decorredo fato de que, no momento em que recebe qualquer tipo deinformação, ela analisa o input  e o compara às informações

     já armazenadas nas demais memórias ou ainda determina

    se é uma informação nova e, neste caso, se é útil ou não.Para fazer isso, a memória operacional deve ter acessorápido às memórias preexistentes no indivíduo; se ainformação que lhe chega é nova, não haverá registro delano resto do cérebro, e o sujeito pode aprendê-la (formaruma nova memória); caso contrário, a memória operacionala relacionará aos conhecimentos prévios, na tentativa deestabelecer sentido.

     As possibilidades de que, diante de uma situaçãonova, ocorra ou não um aprendizado estão determinadas,de acordo com Izquierdo (2006), pela memória operacionale suas conexões com os demais sistemas mnemônicos,

    através de conexões do córtex frontal, via córtex entorrinal,com o hipocampo e com as demais áreas envolvidas nosprocessos de memória em geral.

    Baddeley (2003) propõe o modelo de memóriaoperacional de multicomponentes, sendo compostapor quatro subsistemas. O primeiro deles refere-se àsinformações verbais e acústicas – trata-se da alça fonológica;o segundo se interessa pelas informações visuais e espaciais – é o componente viso-espacial. Ambos os componentesdependem de um terceiro, o executivo central, um sistemade controle limitado de atenção. Finalmente, o quartocomponente, mais recentemente proposto pelo autor, obuffer episódico, é responsável por conectar as informaçõesda memória operacional à memória de longo prazo, comomostra a gura abaixo.

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    15  Ângela Inês Klein e Rafaela Janice Boeff 

    Figura 1 – Modelo de memória operacional de multicomponentes proposto porBaddeley (2003).

     A alça fonológica, segundo o autor, compreende umsistema de armazenamento temporário de informações verbaise acústicas e pode ser dividida em dois subcomponentes: umsistema de armazenamento temporário que realiza traços dememória em segundos e outro subcomponente que mantém eregistra a informação no armazenamento desde que possa sernomeada, realizando um processo ativo de ensaio articulatório

    verbal, denominado de sistema de ensaio subvocal.

     As informações auditivas que chegam à memóriaoperacional são processadas pela alça fonológica, sendoanalisadas e alimentadas em um armazenamento de curtoprazo. Essas informações podem manifestar-se na fala ouno ensaio subvocal que permite reciclar as informações.Visualmente o material apresentado pode ser transferido decódigo ortográco a código fonológico e assim ser registradono buffer de saída fonológica.

     As bases neuroanatômicas da alça fonológicaencontram-se basicamente no hemisfério esquerdo. Baddeleye Wilsom (1985), a partir de estudo com neuroimagem,sustentam a hipótese de que o sistema de armazenamento

    temporário e o sistema de ensaio subvocal estão localizadosem áreas distintas do cérebro, sendo o primeiro associado àárea de Brodmann, área 44, e o segundo, à área de Broca,correspondente às áreas de Brodmann 6 e 40. Em algunscasos particulares, no entanto, se percebe ativação em áreashomólogas no hemisfério direito.

     O componente visoespacial, por sua vez, tem afunção de integrar informações visuais e espaciais emuma representação unicada que pode ser armazenada emanipulada (BADDELEY, 2003). Esse componente pode sermais bem explicado por meio de um exemplo, tal como quandonos é pedido para dizermos quantas janelas há em nossacasa. Para realizar essa tarefa, utilizamos o componentevisoespacial da memória operacional e percorremosmentalmente a casa, contando as janelas de cada cômodo.Com auxílio de neuroimagem, Della Sala e Logie (2002)observaram que esse subsistema depende principalmente,

    mas não exclusivamente, do hemisfério direito.

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    16  A linguagem e a memória operacional

     Ambos os subsistemas, acima mencionados, sãocontrolados pelo executivo central, que é responsávelpelo controle atencional da memória operacional e baseia-se fortemente, mas não exclusivamente, do lobo frontal(BADDELEY, 2003). 

    Baddeley (2009) arma que o executivo central coordenao sistema que é responsável por selecionar os estímulos aserem codicados e armazenados temporariamente; tem acapacidade de combinar o desempenho de duas atividades;controla a atenção, permitindo a atenção dividida e a trocade atenção quando se realizam duas ou mais tarefas aomesmo tempo, estando ligado à inibição da atenção. Os

    processos executivos são, para  Danemann e Carpenter(1980), provavelmente os principais fatores determinantes dasdiferenças individuais da memória operacional.

    O último subsistema do modelo de multicomponentesde memória operacional, proposto por Baddeley (2003),é o buffer episódico, um sistema de armazenamentotemporário de informações em um código multidimensional,que conecta os subcomponetes da memória operacional àsinformações da memória de longo prazo.

    O buffer episódico combina as informações verbais,semânticas e visoespaciais e reúne essas informações aosconceitos da memória de longo prazo, construindo novascombinações, manipuladas pela memória operacional. Todasessas informações são combinadas de modo conscientedentro do buffer, que apresenta uma capacidade limitada e écontrolado pelo executivo central (BADDELEY, 2009).

     Atualmente esse subsistema tem sido objeto de

    pesquisa para Baddeley, que procura investigar como a

    memória operacional e a memória de longo prazo estãoconectadas. Tendo visto um pouco sobre o funcionamentoda memória operacional e seus quatro subcomponentes,passemos agora para suas relações com a linguagem.

    3 Memória operacional e linguagem

      A memória operacional e a linguagem encontram-se

    em estreita relação, uma vez que tanto a produção quanto arecepção da linguagem exigem grande demanda dos recursoscognitivos da memória operacional, para seu processamento(reconhecer itens lexicais, especicações sintáticas e

    semânticas, interpretações do signicado) e armazenamento(representação imediata desses processamentos). 

     A alça fonológica está ligada à compreensão, comomostram os estudos realizados por Baddeley (2003), em quepacientes com distúrbios nesse componente apresentaramdiculdades na produção e compreensão de sentenças longase complexas, cuja compreensão depende da manutenção daestrutura da superfície da sentença no início, para permitir adesambiguação posterior.

      Esse sistema também parece estar associado afacilidades na aquisição de linguagem. Indivíduos com boamemória verbal imediata – alça fonológica – são melhoresaprendizes de língua estrangeira que outros com baixacapacidade nesse componente da memória operacional,tanto na aquisição de vocabulário, quanto na aquisiçãoda sintaxe como indicam os estudos de Atkins e Baddeley(1998), Hitch e cols (1999).

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    17  Ângela Inês Klein e Rafaela Janice Boeff 

     Em relação à aquisição de língua materna, Baddeley(2003) cita suas pesquisas com crianças que apresentamdistúrbio especíco da linguagem (DEL), comparadas adois grupos de controle, um com crianças de mesma idadecronológica e outro com crianças mais jovens e, teoricamente,com linguagem menos desenvolvida. Os achados mostramuma  performance  signicativamente inferior à do grupode controle, tanto no critério idade, quanto no critériodesenvolvimento linguístico, indicando que essas criançascom DEL têm um atraso de 4 anos no desenvolvimentoda linguagem. O autor atribui esse décit à insuciênciano componente de armazenamento da alça fonológica. No

    entanto, ele salienta que, à medida que as crianças crescem,a relação torna-se mais recíproca, pois no caso de havermelhora no desempenho da memória fonológica, há tambémmelhora no aprendizado de vocabulário.

     O componente visoespacial apresenta menorinuência na linguagem, se comparado à alça fonológica,entretanto esse componente está diretamente envolvido naleitura, sendo responsável pela manutenção e retenção dolayout  da página, o movimento preciso dos olhos do começoao m da linha e até o começo da próxima, o que torna essecomponente importante para a compreensão leitora.

    O executivo central, por controlar todo o sistema demanipulação e armazenamento de informações da memóriaoperacional, seleciona os estímulos que serão codicadose armazenados temporariamente. As pesquisas mostramque o executivo central está relacionado com a atençãodividida e a inibição. Baddeley (2009) observou em seus

    estudos que pacientes com décits no componente

    executivo central podem ser hábeis em manter umaconversa com uma pessoa, mas se perdem quando hávárias pessoas envolvidas na conversa, pois apresentamdiculdades em inibir o pensamento sobre o que estavamdiscutindo com o primeiro interlocutor para começar umnovo raciocínio com o segundo.

     Em relação ao buffer  episódico, o autor arma quecomponente permite novas combinações, criando conceitosirreais, como, por exemplo, a combinação de patinaçãomais cachorro, a qual nos permite imaginar a exibição deum cachorro patinando. O buffer  episódico é responsáveltambém por fazer as ligações de palavras dento das

    sentenças com o seu signicado. Durante a leitura, oretentor episódico ainda armazena temporariamente omodelo mental recém construído do signicado do textolido e o associa a memórias constituídas anteriormente, osconhecimentos prévios, construindo novas combinações.

     Para medir o span da memória operacional,Danemann e Carpenter (1980) criaram um paradigma deavaliação, que consiste na leitura de uma série de sentenças,tendo que relembrar a última palavra de cada uma delasimediatamente após a leitura. Seus estudos revelam queuma boa capacidade de memória operacional prediz arealização de uma ampla gama de atividades cognitivascomplexas, tal como compreensão oral e escrita, facilitandoa recuperação de referentes pronominais e a resolução deambiguidades lexicais em sentenças.

     A memória operacional pode ser um forte potencialde diferenças em compreensão leitora, pois se o indivíduo

    executa os processos especícos à compreensão em

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    18  A linguagem e a memória operacional

    leitura – decodicação de letras e palavras, acesso lexical,segmentação sintática, construção e monitoramento deinferências e integração de texto – de maneira ineciente,consome grande parte dos seus recursos de memória,consequentemente tem menos recursos disponíveis paraarmazenar os produtos parciais da compreensão e paraexecutar os processos de compreensão em linguagem,que envolvem a memória operacional (DANEMANN eCARPENTER, 1980).

     Tomitch (2003), ao analisar a habilidade de leitoresmais ou menos procientes em monitorar sua compreensãodurante a leitura de textos completos e incompletos, percebeu

    que leitores mais procientes utilizaram seu conhecimentoda estrutura do texto para organizar o uxo de informação. Assim não sobrecarregaram a memória operacional como processamento da informação, sendo mais capazes demonitorar sua compreensão de forma mais apropriada. Osleitores menos procientes, por sua vez, tenderam a aplicarum processamento excessivamente ascendente (bottom-up) ou excessivamente descendente (top-down), não sendocapazes de captar a distorção e cando com uma percepçãode que compreenderam os textos.

     A autora salienta ainda que a capacidade damemória operacional está diretamente envolvida nesseprocesso, pois para que uma contradição seja detectada, énecessário que o leitor tenha as informações contraditóriasativadas na memória ao mesmo tempo e, mesmo havendodetectado a contradição, o leitor ainda precisa reestruturara interpretação anterior para que a coerência seja

    estabelecida no texto. E para haver a ativação concomitante

    das informações em questão, o leitor precisa utilizar osrecursos da memória operacional, seja para manter ainformação anterior ou para reativá-la na memória de longoprazo para a memória operacional, e então contrastá-lacom a informação mais recente advinda do texto, para daípoder perceber a contradição.

     A relação entre a memória operacional e a leitura,mais especicamente entre memória operacional ehabilidade de construir as ideias principais em textosmal sinalizados em língua materna e língua estrangeira,também foi pesquisada por Torres (2003). Seus achadosmostram que não há uma diferença signicativa entre a

    média do teste de alcance de leitura (Reading Span Test) entre a língua materna e a língua estrangeira, bem comopara a habilidade de construir a ideia principal em textosmal sinalizados em língua materna e língua estrangeira.

     A pesquisadora observou ainda que a capacidade damemória operacional está positivamente correlacionada àhabilidade de construir a idéia principal. Leitores com maiorcapacidade de memória foram capazes de construir a ideiaprincipal com mais frequência do que leitores com menorcapacidade, tanto em língua materna quanto em línguaestrangeira.

     Essas pesquisas têm corroborado a tese de Baddeley(2003) de que a memória operacional é capaz de realizartarefas cognitivas, tais como raciocínio, compreensão eresolução de problemas.

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    19  Ângela Inês Klein e Rafaela Janice Boeff 

    Conclusão

    Vimos, neste trabalho, que memória é aquisição,conservação e evocação de informações, as quais provêm denossas experiências e que, portanto, podem ser de diversostipos, sendo classicas de acordo com seu conteúdo emdeclarativa e não declarativa e, de acordo com sua duração,em memória de longo prazo, curto prazo e operacional.

    Essa última, processada fundamentalmente pelocórtex pré-frontal, a partir da atividade elétrica dos neurôniosdessas regiões, é muito breve e não produz arquivos.Ela serve para gerenciar o input recebido pelo cérebro,

    realizando um armazenamento temporário e manipulaçãodessas informações, durando apenas o tempo necessáriopara examinar as informações novas e compará-las às jáconsolidadas na memória de longo prazo.

     Apresentamos, então, o modelo de memóriaoperacional multimodal, composto por alça fonológica,responsável pelo armazenamento temporário eprocessamento de informações verbais; alça visoespacial,responsável pelo armazenamento temporário de informaçõesimagéticas; executivo central, sistema de controle atencional;e buffer episódico, elo entre a memória de trabalho e amemória de longo prazo.

     A memória operacional é capaz de realizar tarefascognitivas, tais como raciocínio, compreensão e resoluçãode problemas. Ela está envolvida no processamentodas informações durante a produção e compreensãoda linguagem, auxiliando no reconhecimento dos itens

    lexicais, nas especicações sintáticas e semânticas e

    na interpretação do signicado, além da representaçãoimediata desses processos.

    Problemas na capacidade da memória operacionalpodem trazer décits na aquisição tanto de línguamaterna quanto estrangeira; na produção e compreensãoda linguagem, seja oral ou escrita; na manutençãodo diálogo; na criação de novos conceitos; enm, naaprendizagem em geral.

    RESUMO –  Pretendemos neste trabalho trazer algumasquestões sobre a relação entre a linguagem e a memóriaoperacional. Para tanto, partimos dos diferentes tipos de

    memória, conforme a classicação sugerida por Izquierdo(2006), focando-nos na memória operacional, a partir domodelo de multicomponentes, proposto por Baddeleye nalmente fazemos um levantamento de relaçõesimportantes entre a memória operacional e a linguagem,dentro desta, em especial, a leitura.

    Palavras-chave:  Memória. Memória Operacional.Linguagem. Leitura.

     ABSTRACT –  We intend to bring some questions aboutthe relationship between language and memory. For this,

    we start from different types of memory, according to the

    classication suggested by Izquierdo (2006), we focus on

    working memory, from the multicomponent model proposed

    by Baddeley and nally we do a survey of important links

    between working memory and language, within this, in

     particular, reading.

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    20  A linguagem e a memória operacional

    Keywords: Memory. Working Memory. Language. Reading.

    Referências

     ATKINS, P. W. B.; BADDELEY, A. Working memory anddistributed vocabulary learning.  Applied Psycholinguistics,19, p. 537-552, 1998.

    BADDELEY, A. Working memory and language: an overview. Journal of Communication Disorders. Bristol: número 36, p.189-208, 2003.

    BADDELEY, A. Working memory. In: BADDELEY, A.;

    EYSENCK, M.; ANDERSON, M. C. Memory.  Hove:Psychology Press, p. 41-68, 2009.

    BADDELEY, A.; WILSON, B. A. Phonological coding andshort-term memory in patients without speech. Journal ofMemory and Language, 24, p. 490-502, 1985.

    COLOMER, T.; CAMPS, A. Ensinar a ler, ensinar acompreender . Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002.

    DANEMANN, M., CARPENTER,P. A. Individual differencesin working memory and reading. Journal of verbal learningand verbal behavior , 19, p. 450-466, 1980.

    DELLA SALA, S.; LOGIE, R. H. Neurospsychologicalimpairments of visual and spatial working memory. In A.Baddeley, M. D. Kopelman, & B. A. Wilson (Eds.), Handbookof memory disorders  (2nd ed., pp. 271–292). Chichester:Wiley, 2002.

    HITCH, G. J.; GATHERCOLE, S. E.; SERVICE, E.; ADAMS, A. M.; MARTIN, A. J. Phonological shortterm memory andvocabulary development: Further evidence on the nature of therelationship. Applied Cognitive Psychology , 13, p. 65-77, 1999.

    IZQUIERDO, Ivan. Memória. Porto Alegre: Artmed, 2006.

     ______, Ivan. Questões sobre memória. São Leopoldo: Ed.

    Unisinos, 2004.TOMITCH, L. M. B. A capacidade da memória de trabalhoe a ilusão da compreensão em leitura. Fragmentos. Florianópolis: número 24, p. 117-129, 2003.

    TORRES, A. C. G. Diferenças individuais na memóriade trabalho e o desempenho na tarefa de construção deideias principais em língua materna e língua estrangeira.Fragmentos. Florianópolis: número 24, p. 131-147, 2003.

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    Metacognição e Metalinguagem

    Jésura Chaves1

    Marília Lopes2 Fale com as autoras

    Estudos no campo da metacognição e dametalinguagem perpassam as áreas da Psicologia, daLinguística e da Psicolinguística. Contemplam, sobretudo,operações mentais que envolvam consciência, pois,como elucida Gombert (1992, p. 9), “toda consciência énecessariamente meta do ponto de vista do observador”.

    Nesse sentido, o presente artigo objetiva traçar umrecorte de conceitos e de objetos de estudo concernentesà metacognição e à metalinguagem, uma vez queconsistem em ferramentas que podem trazer importantescontribuições a áreas de investigação interessadas nodesenvolvimento cognitivo dos indivíduos.

    Num primeiro momento, importa estabelecerreexões a respeito da consciência, elemento presente tantona metacognição quanto na metalinguagem. A consciência

    insere-se, primeiramente, no campo de estudos daPsicologia; mais recentemente tem sido focalizada tambémem pesquisas linguísticas. Verica-se, sobretudo, umavariedade de denições para o termo. Matlin (2004), soba perspectiva da Psicologia Cognitiva, adota um conceitoamplo: consciência signica saber que as pessoas possuemimagens e sentimentos sobre o mundo exterior e suaspercepções. Sendo assim, seu conteúdo pode tanto incluir

    1 Doutoranda do curso de Linguística da PUCRS. Email: [email protected] Doutoranda do curso de Linguística da PUCRS: Email: [email protected]

    percepções do indivíduo sobre o mundo ao seu redor, sobresuas imagens visuais, comentários silenciosos com elemesmo, lembranças de fatos de sua vida, crenças sobre omundo, planos para atividades posteriores e atitudes peranteoutras pessoas. Sternberg (2008), por sua vez, estabeleceuma distinção entre atenção e consciência, que estãointimamente ligadas, mas apresentam processos diferentes. Atenção consiste no meio pelo qual se processa ativamenteuma quantidade limitada de informação a partir da enormequantidade disponível através dos sentidos, das memóriasarmazenadas e de outros processos cognitivos. Emcontrapartida, consciência inclui o sentimento de percepção

    consciente e o conteúdo da consciência, parte do qual podeestar sob o foco da atenção. Sob esse prisma, trata-se dedois conjuntos sobrepostos.

    Importa destacar ainda quatro questões inter-relacionadas à consciência que têm despertado a atençãode psicólogos cognitivistas. Como explica Matlin (2004), aprimeira diz respeito à consciência dos processos mentaissuperiores, ou seja, à capacidade do ser humano de remeteros pensamentos à consciência. Segundo estudos recentes,

    é possível ao homem estar plenamente consciente dos produtos de seus processos de pensamento, mas, em geral,ele não consegue mostrar-se consciente dos processos quecriaram esses produtos. Se for indagado, por exemplo, sobreo nome de solteira de sua mãe, a tendência é de a respostalogo emergir na sua consciência; todavia, se a perguntaremeter a como ele chegou à resposta dada, provavelmentenão saberá explicar o processo de pensamento transcorrido.

     A segunda questão reside na supressão do pensamento:muitas vezes há diculdade em eliminar algumas informações

    http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/estudossobreleitura/celin2011e.htmlhttp://ebooks.pucrs.br/edipucrs/estudossobreleitura/celin2011e.html

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    22 Metacognição e metalinguagem

    da consciência. Quando se imprime esforço para controlarmentalmente um pensamento, a tendência é de que seuconteúdo retorne insistentemente à consciência. A terceiradenomina-se questão cega, que representa visão sempercepção. Em alguns casos, as pessoas podem executaruma tarefa cognitiva com bastante exatidão, sem qualquertomada de consciência de que seu desempenho seja exato.Trata-se de uma condição em que uma pessoa vítima deum dano no córtex cerebral (parte mais externa do cérebro)alega não ser capaz de ver um objeto. O quarto e últimoponto refere-se ao inconsciente cognitivo, que tem sidotradicionalmente mais explorado por estudos que seguem a

    linha de Sigmund Freud. Para Matlin, trata-se de informaçõesprocessadas fora da percepção consciente, cujo tratamentocientíco é bastante dicultado pela falta de evidências deseu funcionamento. Deve-se enfatizar, sobretudo, que oconsciente e o inconsciente não estão divididos em duascategorias inteiramente separadas; são dois processos quese conectam num continuum.

    Nessa perspectiva, importa distinguir os níveis deconsciência. Conforme explica Poersch (1998), a escala de

    conscientização inicia-se no nível inconsciente, que implicaausência de conhecimento, remetendo a tudo que estátotalmente fora da consciência. Num nível intermediário, porsua vez, há uma vasta gama de graus de conscientizaçãoque constitui o pré-consciente, ou o que os psicolinguistasdenominam sensibilidade. Refere-se ao dar-se conta de quealgo existe, sem reexões que levem o sujeito a explicitaro como e o porquê. Trata-se, assim, de um conhecimento

    tácito. No outro extremo, há a consciência plena, nível quepermite que o objeto focalizado seja controlado, alvo de

    reexão, de manipulação e de descrição. Nesse patamar, oconhecimento pode ser explicitado.

    Neste estudo, interessa particularmente entendera capacidade do indivíduo de trazer o pensamento àconsciência. Como visto, parece mais fácil tomar consciênciado produto desse pensamento do que de seu processo. Comefeito, torna-se relevante distinguir dois processos básicosque envolvem a consciência: o cognitivo e o metacognitivo.

    Segundo Poersch (1998), a cognição é um processomental que permite a apreensão, o processamento e arecuperação de conhecimento, de informação. Nessesentido, os processos cognitivos dizem respeito aos aspectos

    automáticos e inconscientes ou aos aspectos pré-conscientesutilizados pelos indivíduos quando desempenham algumatarefa. Como não são conscientes, não podem ser controladosou monitorados. Os processos metacognitivos, por sua vez,são aspectos conscientes. O ser humano, ao mesmo tempoque desempenha uma atividade cognitiva, utiliza estratégiasde ação e de reexão para atingir o propósito desejado.Ele estaria monitorando seu comportamento, utilizando,assim, estratégias metacognitivas. Ou ainda, como elucida

    Kato (2007), se estratégias cognitivas em leitura designamos princípios que regem o comportamento automático einconsciente do leitor, as metacognitivas remetem aosprincípios que regulam a desautomatização consciente dasestratégias cognitivas.

    Deve-se destacar, no entanto, que existem divergênciasquanto a essas delimitações. Alguns autores defendemque as atividades metacognitivas são inconscientes; outros

    sugerem que são conscientes. Mas o que se observa éque a metacognição pode incluir aspectos tanto conscientes

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    23 Jésura Chaves e Marília Lopes

    como automatizados, ou inconscientes, como armou Flavell(1979). Já Brown (1980) defende os critérios consciente/inconsciente para distinguir a metacognição da cognição.Essa denição não leva em conta que a cognição envolvenão somente tarefas automatizadas durante a leitura, mastambém aquelas que exigem certo nível de consciência.Leffa (1996) propõe uma visão que não adota o critério de“atividade consciente”, mas considera o tipo de conhecimentoexigido para determinada tarefa, que pode ser declarativo(atividade cognitiva) ou processual (atividade metacognitiva).O conhecimento declarativo diz respeito ao sujeito sabero tipo de tarefa que deve realizar; já o processual envolve

    saber o que deve fazer e também ter consciência de quesabe. Pode ser visto como uma instância superior a qualquertarefa cognitiva, ou seja, o sujeito sabe os meios e os ns namedida em que ele não só conhece o resultado da tarefa,mas sabe o que pode fazer para chegar a esse resultado.

     A pesquisadora portuguesa Ribeiro (2003) defende queas ações em benefício do aumento e da avaliação do progressocognitivo podem ser, respectivamente, estratégias cognitivas emetacognitivas. Assim, o leitor aprende estratégias cognitivas

    de modo a progredir em termos cognitivos; e aprende asmetacognitivas para poder monitorar o progresso cognitivo.O indivíduo que conhece os próprios recursos cognitivos temcondições de melhor regular o próprio conhecimento por meiode planicação, vericação e avaliação dos próprios avanços.Recentemente, a metacognição pode ser tratada como tendocaráter consciente ou inconsciente, e inclui também aspectosafetivos e intuitivos.

    Outra distinção necessária a se fazer diz respeito àrelação entre metacognição e metalinguagem. Conforme

    Gombert (1992), não há um consenso a respeito de osestudos metalinguísticos se inserirem ou não no campo dametacognição. Deve-se considerar, no entanto, que objetosda metalinguagem são mais perceptíveis e, provavelmente,manipulados com maior frequência pelos sujeitos, sendoimportantes para o desenvolvimento do pensamento e dametacognição. Segundo Poersch (1998), metacogniçãotem como objeto de interesse a cognição: busca-se sabercomo se conhece, reetir sobre os processos envolvidos nasatividades cognitivas. Saber como se adquire o conhecimentode mundo, como se formam os conceitos, como se abstrai ese generaliza, como se transferem conhecimentos ou como

    se solucionam problemas são atividades especícas dametacognição. No que tange à metalinguagem, trata-se de usara linguagem para compreendê-la. A descrição dos diversosníveis linguísticos, das variedades dialetais, dos desvios e dasinterferências linguísticas, da linguagem infantil, dos estilos edas tipologias de discurso, dos tipos de argumentação ilustraatividades de metalinguagem. Embora os objetos de ambosos campos muitas vezes se correlacionem, a perspectivaestabelecida é diferente: enquanto a metacognição focaliza

    o processo, a metalinguagem detém-se sobre o produtode variadas atividades, sendo a consciência um elementoimprescindível que estabelece um elo entre elas.

    Não obstante se reconheçam as diferenças entreambos os enfoques, assume-se aqui a posição de quetanto habilidades metalinguísticas como metacognitivasdependem do desenvolvimento cognitivo. Todavia,tomando como pressuposto a primeira questão levantada

    por Matlin (2004) – consciência dos processos mentaissuperiores – é preciso considerar que é mais fácil o acesso

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    24 Metacognição e metalinguagem

    à metalinguagem do que à metacognição. No que concerneà metalinguagem, deve-se especicar que tal noção édenida de forma diferente sob o prisma da Linguísticae da Psicolinguística. Como elucida Gombert (1992), na perspectiva linguística, a metalinguagem é entendida comouso da linguagem para referir a ela mesma, acepção quetem por base o postulado de Jakobson (1963) sobre asfunções principais e secundárias da linguagem. Nessesentido, a metalinguagem é considerada uma funçãosecundária, cujo foco de interesse é a autorreferenciaçãoda língua, sendo a linguagem usada para descrever aprópria linguagem. Na  perspectiva psicolinguística, deve-

    se entender metalinguagem como uma atividade realizadapor um indivíduo que trata a linguagem como um objetocujas propriedades podem ser examinadas a partir de ummonitoramento intencional e deliberado. Essa atividaderequer do indivíduo um distanciamento em relação aosusos da linguagem e em relação ao seu conteúdo, paraaproximar-se de suas propriedades. Em outras palavras,é necessário afastar-se do signicado veiculado pelalinguagem para aproximar-se da forma como a linguagem

    se apresenta para transmitir um signicado.Importa ainda distinguir as concepções de

    metalinguagem e de consciência linguística. Conformeexplica Tunmer et al. (1984), embora consciência linguísticaesteja relacionada à acepção do termo metalinguagem, háuma diferença pontual. Enquanto esta se refere à linguagemusada para descrever a linguagem e inclui vocábuloscomo fonema, palavra, frase, etc. (os autores estariam

    aqui assumindo a concepção linguística), aquela remeteà sensibilização para a instância desses termos, mas não

    ao conhecimento desses termos propriamente. Nessesentido, uma criança consciente metalinguisticamente podeexecutar bem uma tarefa que envolva manipulação defonemas sem saber o signicado dessa palavra.

    Feito esse rápido recorte conceitual, procura-se agoraelucidar peculiaridades da metacognição e da metalinguagem,bem como possíveis formas de exploração dessas áreas.

    No que concerne à metacognição, várias têm sidoas instâncias de tratamento: no âmbito da inteligênciaarticial, do aprendizado de matemática, do trabalho coma memória, dos estudos sobre retardo mental, entre outros.Também tem sido abordada ao se tratar de problemas

    na leitura. John Hurley Flavell foi o pioneiro nos estudosda metacognição, sendo que suas teorias a respeito dosaspectos metalinguísticos da inteligência têm por base opensamento de Piaget. O teórico suíço, por sua vez, tratoudo pensamento formal, que indicaria o máximo grau deequilíbrio - processo contínuo e progressivo de adaptaçãoao meio, que orienta a coordenação das ações.

     Após Piaget, os estudos sobre a metacogniçãotrataram do desenvolvimento de sistemas para o benefício da

    metamemória. Flavell (1979) utilizou o termo metacogniçãopara referir-se à habilidade do indivíduo para manejar emonitorar o input, o armazenamento, a busca e a recuperaçãode conteúdos de sua memória. Juntamente com seuscolaboradores, armava que, para que ocorra a memorização,o sujeito deve saber identicar as situações viáveis paraadotar certas estratégias e desenvolver conhecimento sobreaspectos como sujeito, tarefa e meios para realizá-la.

     A metacognição tem sido abordada, a partir dos anos70, como uma terceira categoria, ao lado das capacidades

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    cognitivas e dos fatores motivacionais quevisam ao desempenho na escola. Refere-se ao monitoramento da compreensão doindivíduo ao longo da leitura, quando ele

    faz observações sobre o entendimento doassunto e decide adotar alguma atitude aoencontrar diculdades. Nesse momento,o conteúdo ca em segundo plano, dandolugar aos processos que o leitor usa paracompreendê-lo. Os pesquisadores daárea voltaram-se à monitoração cognitiva,que inclui conhecimento metacognitivo,

    experiências metacognitivas, objetivos dacognição e ações ou estratégias para a avaliaçãodo progresso cognitivo. As estratégias cognitivasobjetivam o progresso da própria cognição,enquanto as metacognitivas, por sua vez, avaliama ecácia das estratégias cognitivas.

     A metacognição, para Flavell(1979), compreende duas dimensões: 1)conhecimento metacognitivo, ou elaboração de

    conhecimento; 2) experiência metacognitiva,ou a utilização desse conhecimentopara gerenciar os processos mentais. Oconhecimento metacognitivo manifesta-seem três categorias diferentes, que podem seresquematizadas da seguinte forma:

     

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    O conhecimento metacognitivo consiste numainteração entre essas variáveis. Já as experiênciasmetacognitivas ocorrem antes, durante e depois de o sujeitorealizar uma tarefa. Cita-se, como exemplo, o planejamento,

    a realização propriamente dita de uma tarefa e a avaliaçãoda tarefa, como a releitura de um texto para melhorcompreensão. Essas experiências são importantes porqueé com elas que se podem avaliar diculdades e criar meiospara solucioná-las.

     Flavell também identicou as três “metas”adquiridas gradualmente pela criança em contextos dearmazenamento e de recuperação de informações: a) a

    criança aprende a identicar situações em que será útil, nofuturo, o armazenamento consciente e intencional de certasinformações; b) ela aprende a reter informações que possamser úteis na resolução de problemas; c) aprende tambéma fazer buscas sistemáticas e deliberadas de informaçãoútil para resolver problemas, mesmo quando a necessidadenão foi prevista. A primeira tentativa desse pesquisador decriar um modelo de metacognição foi feita em 1979, quandoreconheceu sua importância em inúmeras aplicações como

    leitura, habilidades orais, escrita, aquisição da língua,memória, atenção, interações sociais, autoinstrução,desenvolvimento da personalidade e educação, em geral.

    Pode-se acrescentar a pesquisadora Brown(1980), que cerca a questão da compreensão em leiturade modo mais detalhado, destacando algumas atividadesrelacionadas com estratégias de controle/monitoramento daleitura: a) denição do objetivo da leitura; b) identicação dos

    elementos mais e menos relevantes; c) direcionamento da

    atenção aos itens mais importantes; d) avaliação da qualidadeda compreensão; e) adoção de atitudes de modo a sanardiculdades na leitura; f) vericação quanto aos objetivos –se foram atingidos ou não; g) correção dos rumos da leitura

    de modo a sanar interferências, como estados de dispersão.Essas atividades metacognitivas, além de se desenvolveremde acordo com o aumento natural da capacidade reexiva dosujeito, também são relacionadas aos contextos de educaçãoformal, em que o educador atua de modo mais especíco nodesenvolvimento das habilidades de raciocínio do aluno.

    Há divergências a respeito do surgimento dacapacidade de reetir sobre a organização do conhecimento

    da criança. Alguns pesquisadores armam que somenteaos 11 anos de idade a criança adquire essa capacidade.Para outros, ela começa a surgir aos cinco anos, tendocomo precursora a “linguagem interior” da criança; aosonze anos, inicia-se propriamente a metacognição, quecorresponde ao nível de operação formal.

    Para tratar a metalinguagem, tendo em vista aproximidade de sua denição, pelo viés psicolinguístico,com a consciência linguística, ilustram-se as várias formas

    de abordá-la. Citam-se, a título de exemplo, a consciênciafonológica, cuja unidade tomada para análise é o fonema; aconsciência morfológica, que focaliza sua atenção sobre omorfema; a consciência sintática, que tem como unidade deanálise a frase; a consciência lexical, cujo foco de interesseé a palavra. Mais recentemente, novas pesquisas têmvoltado sua atenção à consciência pragmática (relação entreo sistema linguístico e o contexto no qual a linguagem se

    insere) e a consciência textual, que trata do monitoramento

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    intencional do sujeito sobre o texto. Ressalva-se que,muitas vezes, são utilizadas expressões como consciênciametalinguística, metapragmática, metalexical ou metatextualna literatura, evitadas aqui por se considerar que toda

    atividade meta já pressupõe a presença de consciência.Com o objetivo de compreender a consciência

    linguística quanto às suas ramicações, procura-se aquiespecicá-las sob a perspectiva dos estudos de Tunmer,Pratt e Herriman (1984). Os autores subdividem-na emconsciência fonológica, lexical (ou da palavra), sintáticae pragmática. Gombert (1992), por sua vez, acrescenta aessa classicação a consciência textual.

    No que tange à consciência fonológica, trata-se de uma sensibilização que diz respeito à unidademais elementar do idioma: a unidade fonológica. Nessesentido, interessa saber em que medida jovens e criançaspodem segmentar a palavra falada em seus componentesfonológicos e sintetizá-los no intuito de produzir palavras.Conforme os autores, uma série de estudos recentes temmostrado o papel signicativo da consciência fonológicacomo um facilitador para que as crianças aprendam a

    ler. Para ler corretamente uma linguagem alfabética, acriança, primeiramente, precisa saber falar e discriminaras unidades ortográcas do alfabeto. Mais tarde, ela podeseguir pelo menos duas estratégias para aprender a ler,as quais exigem uma ou mais habilidades adicionais. Aprimeira estratégia requer que se aprendam as formasauditivas e visuais correspondentes no nível das palavras.Consiste em um procedimento holístico que propiciaria

    às crianças aprender um vocabulário a partir de formas

    visuais reconhecíveis, tornando possível o progresso para aleitura de textos que utilizam essas palavras. Já a segundaestratégia, analítica, envolve a relação entre componentesortográcos da palavra escrita e a estrutura do segmento da

    palavra falada. Conhecendo a unidade fonêmica da palavrafalada, a criança pode, quando confrontada com a palavraescrita, mapeá-la. Sendo assim, a criança que não adquirea habilidade de fazer análises fonêmicas pode apresentardiculdades na leitura. Em contrapartida, aquela que recebealgum treinamento quanto à conscientização fonêmica éimpulsionada, de forma signicativa, à realização da leitura.

    Quanto ao desenvolvimento da consciência lexical,

    deve-se considerar, primeiramente, a diculdade existenteem torno da denição do termo  palavra, o que sugere queessa sensibilização pode não ser facilmente adquirida. Sea habilidade para deni-lo envolve um nível extremamentealto de consciência linguística, é preciso estar ciente deque a criança não necessariamente partilha o mesmoentendimento que o adulto a respeito desse termo. SegundoTunmer, Pratt e Herriman (1984), há três componentesenvolvidos na consciência lexical que não emergem

    simultaneamente. São eles: a) consciência da palavracomo uma unidade da linguagem; b) consciência da palavracomo um rótulo fonológico arbitrário; c) compreensão dotermo palavra pela metalinguística. É preciso, em cadacomponente, diferenciar graus de consciência da palavra.Toma-se, como exemplo, o fato de a categorização dosobjetos preceder a habilidade para nomeá-los.

     É preciso considerar ainda que estudos relacionados

    à habilidade das crianças para denir o termo palavra

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    têm recebido sérias críticas. Ainda que as mais jovensdemonstrem pleno entendimento do conceito de palavra,não conseguem denir um termo abstrato da mesma forma. As mais velhas, por sua vez, ao formular respostas sobre o

    termo, são inuenciadas a desenvolver sua capacidade defornecer denições. Nesse sentido, estudos que requeremque crianças compreendam o termo palavra a m deexecutar alguma tarefa experimental tendem a subestimara sua compreensão a respeito de outros aspectos lexicais.

    Já a consciência sintática centra-se na habilidadedas crianças para reetir sobre a estrutura gramaticalinterna das sentenças, medida, geralmente, por tarefas

    que envolvam julgamentos de aceitabilidade, sinônimos eambiguidades, bem como discriminação entre sentençasbem formuladas ou não. Segundo os autores, pesquisassugerem que essa habilidade emerge a partir dos cincoanos de idade. No entanto, há alterações surpreendentesno desenvolvimento de crianças entre quatro e oito anos,o que apoia a hipótese de que competência linguística namédia infância desenvolve-se de forma distinta.

    Deve-se considerar, sobretudo, a diculdade que

    elas apresentam para emitir julgamentos estáveis sobresua linguagem. Sendo assim, a capacidade das criançaspara fornecer tais juízos torna-se uma questão crucial nosestudos sobre consciência sintática. Jovens crianças tendema aceitar sentenças cujo sentido elas compreendem e arejeitar as não compreendidas. Nessa perspectiva, o fatorsemântico predomina, uma vez que encontram diculdadespara emitir julgamentos sobre aceitabilidade sintática.

    É necessário, então, usar técnicas e procedimentos

    apropriados para avaliar a habilidade dos sujeitos de reetirsobre propriedades sintáticas e semânticas nas sentençaspor eles produzidas e compreendidas.

     A consciência pragmática, por sua vez, refere-se tanto

    às relações obtidas dentro do sistema linguístico quanto àsobtidas entre esse sistema e o contexto em que a linguagemse insere. Diferentemente da consciência fonológica e dasintática, abrange aspectos que vão além dos componentesdo sistema linguístico. As pesquisas nessa área têm seconcentrado especialmente em três campos de estudo: a)sensibilização das crianças para perceber mensagens nãoadequadas em virtude da ambiguidade; b) habilidade para

    detectar inconsistências nas informações que lhes foremapresentadas; c) habilidade para modicar seu discurso am de atender as demandas especícas da situação.

    Resultados de pesquisas revelam que a idade podedeterminar diferenças de performances entre as crianças,visto que as mais velhas monitoram seus conhecimentosmais facilmente que as mais novas. Apesar da aparenteobviedade dessa constatação, ela deve ser levada emconta no momento em que os desempenhos forem

    avaliados. Crianças mais novas frequentemente nãonotam sinais em uma situação comunicativa, o que nãodeve ser compreendido como falha de avaliação quanto àsinsuciências ou às inadequações da linguagem.

    No que concerne à consciência textual, Gombert(1992) postula a respeito da existência de operaçõesmetatextuais envolvidas no controle deliberado, nacompreensão e na produção, bem como na ordenação

    de frases em unidades linguísticas maiores. Trata-

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    30 Metacognição e metalinguagem

    Referências

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    Leitura e atenção: um olhar sobre o input  

    linguístico sob a perspectiva psicolinguista1

    Karine Souza2 Ronei Guaresi 3Fale com os autores

    O PISA é uma avaliação internacional que objetivavericar como as escolas estão preparando os jovenspara os desaos futuros nas áreas de leitura, matemáticae ciências. Isso se dá através da aplicação de um teste aadolescentes com 15 anos em países membros da OCDE

    (Organização para Coordenação e DesenvolvimentoEconômico) e convidados. Na compreensão em leitura, oBrasil (com 412 pontos em 2009) gura entre os últimoslugares, tanto no resultado de 2000 quanto no de 2009.Neste último, comparando com países latinoamericanos,atrás de Chile (449 pontos), Uruguai (426), México (425)e Colômbia (413), e à frente de Argentina (398), Panamá(371) e Peru (370).4 

    Embora possa ocorrer em diferentes níveis da escalade consciência, a aprendizagem com nível satisfatório se1 O presente texto foi apresentado em Minicurso de Psicolinguística para docentesda Educação Básica, na PUCRS, promovido pelo Grupo de Estudos de Psico-linguística coordenado pela Profa. Dr. Vera Wannmacher Pereira. Por isso, essetexto tem nalidade mais informativa não concentrando sua discussão em tornode uma tese especíca.2 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS. E-mail:[email protected] 3 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS. E-mail:[email protected] Dados disponíveis no site do INEP: http://www.inep.gov.br/download/in-

    ternacional/pisa/2010/pisa2009_apresentacao_resultados_divulgacao.ppt#265,6,Desempenho Brasil

    dá por meio da consciência plena do objeto de ensino. Aatividade cognitiva responsável por elevar esse objeto aonível da consciência é a atenção, atividade cognitiva queseleciona alguns dos inúmeros estímulos – input   – que

    ocorrem em nossos sentidos. Em experimento, Boujon eQuaireau (2000, pag. 97) mostraram que a recordação dequestões repetidas com indivíduo plenamente conscientefoi bastante elevada; de indivíduos em adormecimento (fasedo sono em que o indivíduo pode ser facilmente acordado)a recordação cai acentuadamente (no experimento emtorno de 5% de acerto) e de indivíduos em sono profundo onúmero de respostas corretas foi quase nulo.

    É quase consenso entre prossionais da educaçãoque um dos aspectos que compromete a qualidade do ensinoé a falta de atenção dos alunos nas atividades pedagógicas. A falta de atenção diculta o aprofundamento de questõessalutares das disciplinas. De maneira geral, os alunos não sesujeitam a discutir determinada questão com profundidadee nem se dispõem, em muitas escolas deste país, a escutaras propostas dos professores. As experiências dos autoresdeste estudo permitem armar que muitos destes docentes

    que conseguem condições de trabalho o fazem de formaautoritária através do estabelecimento do comportamentocomo um dos critérios de avaliação.

    Também é fato que em contrapartida desseargumento está o fenômeno do controle químico tanto daatenção quanto da hiperatividade, atualmente com amplaadministração pelos prossionais da saúde no Brasil. Éassustador o número de estudantes que fazem uso de

    medicamentos com essa nalidade. Segundo Boujon

    32 Leit ra e atenção m olhar sobre o inp t ling ístico sob a perspecti a psicoling ista

    http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/estudossobreleitura/celin2011g.htmlhttp://ebooks.pucrs.br/edipucrs/estudossobreleitura/celin2011g.html

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    32 Leitura e atenção: um olhar sobre o input linguístico sob a perspectiva psicolinguista

    e Quireau (2000), nos EUA, entre 3 e 10% das criançasavaliadas como desatentos ou hiperativos fazem uso regularde metilfenidato (Ritalina) ou dextroanfetamina (Dexedrina).

     Ao ser percebido pelo cérebro, o input pode receber

    diferentes níveis de processamento. Segundo Craik eTulving (1975), o nível de processamento determina o graude consolidação de uma informação. Uma das classicaçõespossíveis sugerida pelos autores compreende os níveis:perceptivo, fonético e semântico. Considere as questõesenvolvendo o termo sol :

    (A) A primeira letra da palavra sol  é maiúscula?

    (B) A palavra sol  rima com chão?(C) A palavra sol  pode completar a frase:o _____ brilha?

     Ao termo sol   diferentes perguntas são possíveisdependendo do nível requerido. A pergunta (A), em relação aonível, pode ser classicada como nível perceptivo, pois, soba perspectiva do processamento, basta um leitor procienteolhar o termo para responder à pergunta. A pergunta (B)

    envolve um segundo nível de processamento, denominadopor Craik e Tulving (1975) como de nível fonético. A pergunta(C), denominada pelos autores de nível semântico, promoveno indivíduo maior intensidade de processamento. Em(C) é necessário que o leitor pense algum tempo antes deresponder. Esse tempo requerido é usado pelo cérebro paraprocessar, analisar e produzir uma resposta.

    Os pesquisadores constataram que os indivíduosreconhecem mais facilmente as palavras quando estas

    foram codicadas em um nível semântico, comparado aosníveis fonético e perceptivo. Ou seja, a informação com maiorintensidade de processamento é mais bem consolidadaque as outras informações cando mais disponível para o

    indivíduo evocá-la. Enm, uma codicação semântica é maisprofunda, mais bem elaborada e favorece armazenamentoa longo prazo. Os autores, ainda, registraram o tempo queos indivíduos empregaram para responder às perguntase constataram que as respostas mais imediatas foram donível perceptivo e as mais demoradas para o semântico.

     Ainda sobre o tempo de processamento, numa leituraprociente, o tempo gasto para decodicar e dar sentido a um

    texto depende da importância dada a cada uma das frases.Pesquisa de Gaonac’h e Passerault (1990) in Boujon e Quaireau(2000) indica que o leitor passa mais tempo observando asfrases que julga difíceis, ambíguas ou importantes.

    Boujon e Quaireau (2000), numa posição radical,armam que a atenção é condição para que se possamemorizar. Segundo eles, perceber, memorizar e aprendersão ações que necessitam da atenção. Essa posição, noentanto, não é consenso. Muitos pesquisadores admitem

    que o cérebro percebe estímulos fora dos domínios daconsciência e naturalmente da atenção, processa essesestímulos e utiliza esses conhecimentos. A respeito dacronologia e do processamento, Dehaene (2007) em Lesneurones de la lecture trata da cronologia do estímulo até aconsciência do mesmo. Segundo ele, o cérebro leva entre30 e 50 milissegundos para perceber o estímulo, enquantoo início da consciência daquele estímulo se dará entre os

    270 e 300 milissegundos. Um estímulo apresentado ao

    33 Karine Souza e Ronei Guaresi

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    33 Karine Souza e Ronei Guaresi

    indivíduo num tempo inferior aos 270 milissegundos podeser considerado uma mensagem subliminar, ou seja, umamensagem captada pelo cérebro, mas não processadaconscientemente pelo indivíduo.

    Os psicólogos já acreditaram que atenção era omesmo que consciência. Hoje, contudo, reconhecem queparte do processamento ativo de atenção da informaçãosensorial, da informação lembrada e da informação cognitivaacontece sem consciência. Boujon e Quaireau (2000) denema atenção como a disposição para selecionar e controlarobjetos, informações, ações de maneira voluntária ou não.Segundo eles, a ecácia e a rapidez da atenção dependem

    do nível de vigilância ou de alerta no momento em que seexercita, mas também de nossa capacidade de mantê-la. A capacidade de prestar atenção está estreitamente

    relacionada ao desenvolvimento do lobo frontal,responsável pelo controle, pela orientação e pela seleção,feita pelo indivíduo, de uma ou mais formas de atividade.Essa capacidade não pode ser mantida indenidamente(BOUJON, 1996).

    Várias classicações são possíveis quando tratamos

    da atenção. Neste texto só abordaremos a atençãocontínua ou sustentada e atenção dividida por serem asmais pesquisadas. A atenção contínua ou sustentada nãopode se dar indenidamente. A continuidade da atençãogera redução na ecácia dos comportamentos. Esse tipode atenção pode ser testada pelos chamados “testesde barragem”, nome genérico de três testes: a) tarefade performance contínua de Rosvold (1956) in Boujon eQuaireau (2000); b) relógio de Mackworth (1958) in Boujon

    e Quaireau (2000); e c) teste dos números de Bakan (1959)in Boujon e Quaireau (2000).

    O teste de Rosvold, 1956, consistia na apresentaçãoda letra X e, em seguida, da sequência AX em duas séries

    de 10 minutos de 600 letras cada. O teste de Bakan, 1959,na identicação da sequência de três números ímparessucessivos numa série de 4800 números durante 80minutos. Mackworth, 1958, concebeu um relógio no qualo ponteiro faz 100 deslocamentos numa volta completa.Por vezes, esse ponteiro faz deslocamentos duas vezesmaiores que os outros. Cabe ao sujeito contar o número dedeslocamentos duplos. O teste tem duração de duas horas

    em que o ponteiro faz 7152 deslocamentos dos quais 48são deslocamentos duplos (BOUJON e QUAIREAU, 2000).Com a aplicação dos testes citados foi possível vericarque, depois de meia hora, a capacidade de prestar aatenção da maioria dos indivíduos reduziu drasticamente.

     A atenção dividida remete à ideia de situação ricade estímulos, sejam eles auditivos, visuais ou outros,que necessita de utilização conjunta de várias operaçõescognitivas. As pesquisas têm mostrado que a realização

    conjunta de atividades leva a importante redução ou atrasodas respostas corretas, pois a atenção está dividida.Deduz-se daí que a capacidade de atenção humana,também chamada de recursos de tratamento ou recursosatencionais, é limitada. A maior parte das pesquisassobre atenção dividida se dá com motoristas que têm quegerenciar a divisão da atenção nas manobras ao volante.

     Ao desenvolverem pesquisas sobre atenção, Boujone Quaireau (2000) zeram descobertas interessantes: a)

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    34 Leitura e atenção: um olhar sobre o input linguístico sob a perspectiva psicolinguista

    o relógio biológico afeta o comportamento de um ser vivo(pag. 114); b) o sono é necessário para a aprendizagem(pag. 114); c) a capacidade atencional varia ao longo dodia: aumenta regularmente mas tem uma queda no início

    da tarde (pag. 114); d) a presença de outra pessoa facilitaas provas mais simples, mas diculta as mais complexas(pag. 120); e) crianças dissipadas não necessariamenteapresentam distúrbios de atenção (DADH) (pag. 141);f) a capacidade de automatizar é determinante para aaquisição das competências escolares; e g) as criançasque apresentam um distúrbio grave de atenção podemautomatizar, embora mais lentamente (pag. 141).

    Fonseca, Ferreira, Liedtke, Muller, Sarmento eParente (2006) associam atenção, percepção, memóriavisuoespacial, esquema corporal, dentre outros, aohemisfério direito. Myers (2001) em seus estudos corroboratal associação. Segundo es