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1-CONCEITUAÇÃO DE ÉTICA É de extrema importância entender o sentido implicado na palavra “ética”, para que se compreenda de forma clara o objeto dessa análise. Desta forma passamos a uma busca pela base etimológica da palavra ética e de seus possíveis significados. A palavra "ética” (ethos - grego), significou em primeiro momento, residência, morada. Usava-se com referência aos animais, para se referir aos lugares onde criavam. Mais tarde se aplicou aos povos com referência a seu país. O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente. A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si. Nas palavras de Leonardo Boff (2010): Ethos; ética, em grego; designa a morada humana. O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente. A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si. Ético significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia saudável: materialmente sustentável psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda. Na ética há o permanente e o mutável. O permanente é a necessidade do ser humano de ter uma moradia: uma maloca indígena, uma casa no campo e um apartamento na cidade. Todos estão envolvidos com a ética, porque todos buscam uma moradia permanente. O mutável é o estilo com que cada grupo constrói sua morada. É sempre diferente: rústico, colonial, moderno, de 1

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1-CONCEITUAÇÃO DE ÉTICA

É de extrema importância entender o sentido implicado na palavra “ética”, para que

se compreenda de forma clara o objeto dessa análise. Desta forma passamos a uma busca pela

base etimológica da palavra ética e de seus possíveis significados.

A palavra "ética” (ethos - grego), significou em primeiro momento, residência,

morada. Usava-se com referência aos animais, para se referir aos lugares onde criavam. Mais

tarde se aplicou aos povos com referência a seu país. O ser humano separa uma parte do mundo

para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente. A ética, como morada

humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando

habitável a casa que construiu para si. Nas palavras de Leonardo Boff (2010):

Ethos; ética, em grego; designa a morada humana. O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente. A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si. Ético significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia saudável: materialmente sustentável psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda.

Na ética há o permanente e o mutável. O permanente é a necessidade do ser

humano de ter uma moradia: uma maloca indígena, uma casa no campo e um apartamento na

cidade. Todos estão envolvidos com a ética, porque todos buscam uma moradia permanente.

O mutável é o estilo com que cada grupo constrói sua morada. É sempre diferente:

rústico, colonial, moderno, de palha, de pedra. Embora diferente e mutável, o estilo está a

serviço do permanente: a necessidade de ter casa. A casa, nos seus mais diferentes estilos,

deverá ser habitável. Quando o permanente e o mutável se casam, surge uma ética

verdadeiramente humana.

A ética é a parte da filosofia que elabora os princípios e as normas que orientam a

conduta humana para agir bem (agir com virtudes e não com vícios). A ética possui dois

momentos: primeiro, procura fundamentos e, depois, impõe deveres. Ela é a teoria sobre o

comportamento moral dos homens na sociedade; é a filosofia moral.

Por que agir bem?

Temos três respostas para esta questão: agimos com virtudes para ser felizes

(éticas teleológicas) ou para seguir as leis porque somos seres racionais (éticas deontológicas)

ou por seguir leis divinas que nos proporcionarão a salvação (éticas religiosas):

1. As éticas teleológicas (telos, finalidade) visam às consequências no agir humano

(felicidade, utilidade etc.). Por exemplo, Pascal em Pensamentos, Artigo VII, 425, expressa

muito claramente este tipo de ética: “Todos os homens procuram ser felizes: não há exceção.

Por diferentes que sejam os meios que empregam, tendem todos a esse fim”.

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2. As éticas deontológicas (déontos, o que é obrigatório: a lei) se fundamentam na

racionalidade humana. Como seres pensantes, devemos agir segundo os imperativos que

encontramos racionalmente. Também, seguir as normas jurídicas e as leis, pois foram

elaboradas racionalmente e por consenso. Por exemplo, Kant na Fundamentação da Metafísica

dos Costumes encontrou o imperativo categórico “Age de tal forma que tua ação se converta em

uma lei universal”.

3. As éticas religiosas ou fundamentalistas encontram fundamentos divinos,

externos ao homem, para orientar as ações. Por exemplo, Os dez Mandamentos são ordens

divinas para livrar do mal ao povo israelita. Este decálogo, originalmente, contém leis escritas

por Deus em tábuas de pedra e entregues ao profeta Moisés no monte Sinai.

Percebemos que na ética se interioriza a reflexão e se valoriza a subjetividade nas

ações humanas, daí o termo filosofia moral como sinônimo de ética. Também, o

questionamento ético é sobre o bem (positivo) e não sobre o mal. Com efeito, não é muito

comum refletir sobre o fundamento do mal na ética, mas podemos deduzir porque não agir mal

segundo essas tendências:

1. Para a ética teleológica as práticas negativas nos arrastam − imediata ou

posteriormente ao fato − à infelicidade, ao sofrimento, à inutilidade de nossos atos.

2. As éticas deontológicas censuram os vícios porque mostram a incapacidade de

fazer uso de nossa capacidade racional (a especificidade humana entre os outros animais).

Assim, age mal o ignorante, aquele que não conhece a sua condição de ser humano. É viciado

aquele que tende mais a sua animalidade que a sua humanidade.

3. As religiões rejeitam o agir mal porque este contesta as ordens divinas, nos

desvia da salvação eterna, conduzindo-nos ao caminho da perdição e do pecado.

Observamos, pelo exposto, que a ética é a teoria que pretende conduzir as ações

humanas. Ela precisa internalizar-se – se inicia com a educação – para logo comandar nossa

conduta na prática de nossas ações. A teoria ética quando é reiteradamente praticada converte-se

em hábito ou costume, constituindo o bom caráter.

O agir conduzido pelos princípios ou fundamentos éticos é a boa moral. Daí a

importância do estudo e do ensino da ética: praticando o dever manifestamos nossa liberdade,

pois percebemos cientemente a responsabilidade de nossos atos.

2-TEORIA E PRÁTICA COMO DISTINÇÃO ENTRE ÉTICA E MORAL

Se a ética e a moral encontram-se no âmbito da conduta humana, pode-se distinguir

a ética da moral desde a distinção entre as atividades teóricas e práticas:

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• A moral é a atividade humana concreta (a moral é ação, é práxis); é agir

produzindo o bem ou o mal – por isto a moral pode ser boa ou má. A moral é orientada

geralmente pelos costumes e, por isso, é frequentemente irrefletida.

• A ética é a teoria da moral; é a reflexão sobre a conduta humana; é a filosofia

moral. A ética avalia a moral procurando o efeito das práticas morais, visando à elaboração de

regras (universais) para cimentar uma boa moral. Assim, a ética determina racionalmente

preceitos ou normas de conduta, convertendo-se na filosofia da moral.

Etimologicamente as palavras: ética e moral possuem significados muito próximos,

que podem confundir; estão ligados aos costumes ou hábitos. Éthos ou etos − daqui derivam

ética e etiqueta – é de origem grega e significa as regras de conduta consideradas como válidas

numa determinada polis (sociedade-estado). Moral e moralidade têm sua raiz em more, mores

de origem latino que significam os comportamentos estabelecidos numa específica sociedade.

Pela origem, então, percebe se que ética é uma palavra mais antiga que moral, pois aquela tem

origem no berço da cultura ocidental, na Grécia. Desde Aristóteles, a ética é a “filosofia prática”

− junto à política e à economia. A ética avalia os atos humanos como bons (virtudes) ou maus

(vícios).

A ética julga a partir do critério de valor dual (bem – mal, virtude – vício) e é

requisito que o sujeito avaliado ou julgado possua duas condições:consciência e liberdade.

Assim, na avaliação ética pressupõe-se um agente livre, independente, consciente em relação

aos atos que ele pratica, pois quem possui liberdade não obedece a uma ordem externa seja por

medo ou afeto; nem aprova um costume originado por pressão ou comodidade ou moda.

As regras de boas maneiras nas relações quotidianas. Também, é o conjunto de

tratos cerimoniosos nas festas oficiais, nas solenidades e na vida formal.

Agora, estamos em condições de distinguir os adjetivos aético ou amoral e

antiético, anético ou imoral:

• Aético ou amoral é aquele que ignora a ética − vive alheio a ela − seja por

desconhecimento ou incapacidade. Por exemplo, uma criança de 3anos de idade, um doente

mental etc.

• Antiético, anético ou imoral é aquele que, conhecendo a ética, contraria

propositalmente a boa moral. Os praticantes destes atos são censurados como pessoas viciosas,

reprováveis, más. Por exemplo, são antiéticos, imorais ou anéticos os políticos que recebem

propinas, os padres pedófilos, os pastores ladrões etc.

Temos distinguido a ética da moral a partir da característica teórica e prática:

enquanto a ética é teórica, porque surge da reflexão dos costumes, a moral é prática. A ética

surge questionando a moral imperante, examinando os comportamentos produzidos pelo

costume.

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Desta forma, a ética julga a moral como boa ou má. Ela é boa quando contribui à

cimentação social é má quando segue os costumes ou hábitos irrefletidos. Por exemplo, em

nossos dias a ética quer transformar a moral imperante em nossas sociedades: a Lei de Gérson,

que expressa o costume das pessoas de “gostar de levar vantagem em tudo”. A ética avalia e,

depois, censura a moral da “lei de Gérson”, pois não é bom para nenhuma sociedade que seus

membros se aproveitem de todas as situações em benefício próprio. A norma enunciada na “lei

de Gérson” possui um caráter histórico e social, e é adotada de uma maneira mecânica, externa

ou impessoal.

É uma “lei” originada da irreflexão com o futuro do povo. A ética combate essa

prática porque as regras de conduta moral devem ser acatadas consciente e livremente pelo ator

moral.

A Ética se opõe à moral vigente por meio do debate sobre os costumes:

• No plano individual, recorre à indignação e ao futuro social, promovendo a

reflexão sobre nossas práticas habituais. Por exemplo: a ética inibe os maus hábitos ao refletir

sobre as consequências negativas dessas práticas em nossa reputação, com nossos familiares e

nossos netos, em nosso círculo de amizades etc.

• Nas instituições de uma sociedade democrática a ética influi no Direito e na

Política. Através das associações (as Sociedades organizadas, Ongs etc.) se promovem debates

éticos sobre abandonar ou não certas práticas morais, conseguindo-se uma conscientização

social que serve para a elaboração de leis − as normas coercitivas, punitivas −apropriadas ao

bom convívio social. Desta maneira, a ética contribui à cimentação de uma boa moral na

sociedade através da sanção de leis jurídicas.

Assim, nas sociedades democráticas a ética se institucionaliza nos atos dos poderes

legislativo e executivo. Por exemplo: a Lei Maria da Penha é o conjunto de leis sancionadas

para diminuir a agressão contra a mulher, pois a cada 18 segundos uma mulher é agredida em

seu lar (a violência doméstica é um mau costume que deve ser eliminado da sociedade). O

Estatuto da criança e do adolescente surge para proteger da violência física e moral os futuros

cidadãos de nosso país, que são ainda inconscientes de seus direitos cívicos.

3-OS PRINCIPAIS PENSADORES DA GRÉCIA ANTIGA

3.1 Sócrates (470-399 a.C)

Sentado numa cela carcerária e sentenciado a morte, Sócrates aguardava a

execução da sentença que recebera depois de ser acusado de corromper a mente dos jovens e de

não acreditar nos deuses que Atenas reconhecia. Aguardando o dia da execução da sentença,

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recebe a visita de um amigo que lhe pede que coopere com o esquema que estava sendo

montado para resgatá-lo e levá-lo para uma cidade estrangeira onde poderá continuar sua vida.

No entanto, o mestre mostra-se irredutível. Ele não apoiará o plano. As decisões

dele marcam o início do que hoje podemos chamar de “ética” enquanto forma de compreender o

comportamento humano. Desde os dias de Sócrates, filósofos de todas as gerações refletem

sobre a moralidade, os problemas morais.

Sócrates defende o caráter eterno de certos valores como o Bem, Virtude, Justiça,

Saber. O valor supremo da vida é atingir a perfeição e tudo deve ser feito em função deste ideal,

o qual só pode ser obtido através do saber. Na vida privada ou na vida pública, todos tinham a

obrigação de se aperfeiçoarem fazendo o Bem, sendo justos. O homem sábio só pode fazer o

bem, sendo as injustiças próprias dos ignorantes.

Sócrates sustentou que existe um saber universal e válido que decorre da essência

humana. Desta premissa, se pode conceber a fundamentação de uma moral universal. Ao

enunciar sua máxima: “Conhece-te a ti mesmo” traduz que o essencial a todos é a alma racional.

“O homem é, essencialmente razão”. E deve ser por esta, que deve fundamentar as normas e os

costumes morais. Por tal razão a ética socrática é racionalista, daí a alegação socrática de que

quem age mal, o faz por ignorância do que é bem e do que é a essência humana. Para Sócrates,

conhecendo o bem, por consequência o homem praticá-lo-á e será feliz. Quem faz o mal é

porque não conhece o bem, pois conhecendo-o, não agiria contra “o que tem no coração”, para

não ser infeliz1.

3.2 Platão (428-348 a.C.)

Platão não foi o primeiro filósofo grego, mas foi o primeiro a escrever

extensivamente sobre os vários problemas de filosofia. “Na filosofia, Platão foi um gênio

inovador numa escala sem paralelos nos séculos seguintes”2.

Ele nasceu no seio das famílias mais ilustres de Atenas. Fazia parte da linhagem do

último rei da cidade por parte de pai. Decepcionado com o serviço público por causa da

corrupção que testemunhou no governo de Atenas, culminando com a condenação de seu amado

mestre renunciou a vocação política. A respeito disto ele afirma: “Enquanto no início eu estava

cheio de entusiasmo pelo serviço público, agora só conseguia ser um observador e via tudo

turbilhonando ao meu redor para cá e para lá. (...) Cheguei à conclusão de que todas as cidades

dos tempos atuais são mal governadas”3.

A carreira de Sócrates, marcada pelo questionamento aos pressupostos

incontestados da época e pela retidão moral, atraiu Platão para a filosofia. Depois da morte de 1Gardner, J., 1995. p. 84.2 Warner, op. Cit. p. 72.3Apud Warner, op. Cit, p. 68.

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seu mentor, Platão deixou Atenas para viajar, seguir a vocação filosófica e vingar a morte de

Sócrates por meio da composição de uma série de diálogos. Passou 12 anos no Egito, Itália, na

Sicilia, e também na Grécia. Depois voltou e fundou sua famosa Academia, onde ensinou até a

morte.

Há várias maneiras de caracterizar os ensinamentos éticos de Platão. Em certo

sentido, seria adequado dizer que ele inaugurou uma ética de auto-realização. Segundo ele, o

objetivo da vida é atualizar nossa verdadeira natureza, juntamente com nossas potencialidades

inatas. Essa proposta sugere uma ética teleológica. Todavia, talvez fosse mais apropriado

denominá-la “ética de integração ordenada” ou “ética de harmonia”. Para Platão, o bem

supremo, quer no indivíduo, quer na vida em comunidade, é um todo bem-ordenado que resulta

da contribuição de cada parte segundo sua capacidade.

A busca de uma integração ordenada levou Platão ao entendimento de virtude. De

um modo tipicamente grego, ele distribuiu as virtudes entre as “partes” da alma humana (a vida

mental humana)4.

Sabedoria é a virtude que correspondente à capacidade de pensar com clareza e

conhecer a bondade. Capacidade de exercer o poder da razão. Aparte não racional ou passional

da alma humana está dividida entre parte animada e parte sensorial ou apetitiva. Nela

encontramos a Coragem, virtude correspondente ao poder da vontade, que inclui a ira perante o

vício. Para ele significa saber o que fazer e o que não temer. Temperança que é a capacidade de

controlar os desejos.

Justiça é a virtude que integra as demais. Quando a parte apetitiva está subordinada

à parte animada, e as duas subordinadas à parte racional, surge à harmonia. Envolve o equilíbrio

correto entre autoridade e submissão. Ela ocasiona o funcionamento harmonioso de sabedoria,

coragem, e temperança sob as ordens da razão.

Platão não concebia estas virtudes em separado. Juntas elas compõem uma vida

virtuosa integrada. Sabedoria e justiça relacionam-se entre si, no pensamento de Platão, pois, o

sábio é alguém no qual todos os elementos agem num conjunto harmônico.

Coragem e temperança são aspectos das ações mais sabiamente reguladas da alma,

que acontecem quando a razão educa a vontade e elas atuam juntas para controlar os apetites.

Uma tese muito importante é a de que a ignorância é a principal causa das ações más. Segundo

esse entendimento, fazemos o que acreditamos ser bom. Em outras palavras nunca nos

propomos a fazer o mal. Nunca praticamos o mal deliberadamente. Em resumo, a virtude é o

exercício da sabedoria, ao passo que o vício é o produto da insensatez. O conceito de justiça

como a virtude da ação harmoniosa forma um elo entre a dimensão individual e a dimensão

social.

4 Platão, 1993, 431-441

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Ele não era um democrata. Conhecia as deficiências potenciais da democracia.

Portanto podemos vê-lo como um aristocrata coletivista. Ele visualizou uma sociedade

estratificada. Via três classes, segundo a principal função de cada um na sociedade.

Correspondendo às partes da alma humana.

O respeito a cada uma destas posições resulta em harmonia e isso permite que a

sociedade pratique sua virtude integrante, isto é, a justiça. Segundo Alasdair Mac Intyre: “Platão

aceita o fato de que conceitos morais só podem ser entendidos no contexto de certo tipo de

ordem social”5.

A junção que o filósofo propõe das dimensões individuais e sociais da vida virtuosa

proporciona um corretivo necessário ao individualismo unilateral de muitas teorias éticas

modernas. A descrição da vida ética feita por Platão foi construída sobre a busca do bem, que

ele, seguindo muitos outros pensadores gregos, entendia como “bem estar”. O viver bem é a

vida da integração ordenada.

Platão tentou em sua busca pela natureza do bem, determinar o que é exatamente o

sumo bem humano e com isso acabou indo para outra dimensão do empreendimento filosófico,

a metafísica e sua famosa teoria das formas. Assim, se percebe três estágios da busca filosófica

de Platão. Primeiramente ele iniciou como muitos outros filósofos gregos afirmando que o

prazer é o supremo bem encontramos isso em Protágoras6. Em segundo lugar ele inverte

radicalmente o hedonismo. Por ser transitório, o prazer não pode ser o bem essencial que o

filósofo procura. Ele negou que o prazer fosse sequer um bem. Platão passou a defender uma

vigorosa moralidade de estrita virtude como podemos ver em Górgias7 e Fédon8. Em terceiro

lugar vem a posição mais equilibrada. Alguns prazeres são elementos legítimos do viver bem

(Filebo)9, se bem que no fim, só o filósofo desfruta o verdadeiro prazer. Há, porém, um padrão

acima do prazer, acrescentou Platão. Esse bem superior é a imortalidade, em relação à qual as

atividades dessa vida devem ser julgadas.

Seu conceito de bem nasceu de sua famosa teoria das formas, ou ideias. Ele

concebia a realidade como constituída de dois aspectos. Na superfície, está o reino da percepção

ou da experiência dos sentidos. Essa é a esfera dos múltiplos, que inclui coisas e objetos

individuais. É também o reino da mudança ou do “vir-a-ser”. Esse é menos real que a segunda.

Na segunda encontra-se o reino das formas ou ideias, as quais são as essências eternas e

imutáveis, exemplificadas pelos múltiplos objetos individuais que percebemos por meio dos

sentidos. A Esfera das formas é a esfera do “ser”. Essa esfera precede a dos objetos particulares.

5 MACINTYRE, Alasdair. After Virtue: A Study in Moral Theory. p. 256PLATÃO, Protágoras. Lisboa. Relógio D`Agua. 19997PLATÃO,Górgias, Introdução, tradução do grego e notas de Manuel de Oliveira Pulquério, Lisboa.Edições 70.8PLATÃO, Fédon. UNB. 20009 PLATÃO, Filebo. Belém. Universidade Federal do Pará. 1974

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Platão teorizou que as formas eternas são mais reais que os objetos que percebemos,

uma vez que precisamos pressupô-las em todas as explicações do mundo. O conhecimento diz

respeito unicamente às formas. Esse conhecimento é absoluto, universal e objetivo. E o filósofo

é o único que tem a necessária habilidade intelectual para conhecê-las.

Ele sugeriu que o objetivo de qualquer coisa é atualizar a própria natureza. Para ele,

isso significava que cada coisa individual deve exemplificar a forma correspondente. Aqui está

a base para o nosso conceito de bem. “O bem”, segundo ele, significa simplesmente “a

exemplificação da forma correspondente”. Uma árvore especifica é “boa” se exemplifica a

arboridade. Os objetos não passam de representações imperfeitas de sua forma correspondente.

Não existe circulo perfeito na esfera material. Essa deficiência na exemplificação da forma

correspondente é “má”. Para Platão, algo é afetado pelo mal desde que seja incapaz de exibir

sua forma correspondente.

O bem para os seres humanos consiste na exemplificação de nossa forma, que é a

humanidade. No fundo, a humanidade implica a obtenção do conhecimento das formas eternas.

Platão derivou essa conclusão de seu pressuposto anterior de que somos intrinsecamente seres

intelectuais.

A metafísica e a ética de Platão se juntam em seu conceito da Forma do Bem. Para

ele as formas contêm uma hierarquia. No ápice está a Forma do Bem, ou seja, a bondade em si.

Essa é a forma suprema que torna todas as outras formas inteligíveis. Portanto o suprem

objetivo do processo do conhecimento é a obtenção do conhecimento da Forma do Bem.

Em minha opinião, tenha isso valor ou não, a ultima coisa a ser percebida na região do inteligível, e percebida apenas com muita dificuldade, é a forma do bem. Uma vez detectada, ela é inferida como responsável por tudo o que é certo e de valor em qualquer coisa, produzindo na região do inteligível a luz e a fonte de luz e sendo na própria região do inteligível a fonte controladora da verdade e da inteligência. E quem quer pretenda agir racionalmente , na vida privada ou na vida pública, deve enxergar essa forma. 10

A obtenção da Forma do Bem não está necessariamente ao alcance de todos. No

fim, ela é prerrogativa dos filósofos: só eles são capazes desse elevado conhecimento. Platão

dependeu de sua metafísica voltada para a Forma do Bem. O único critério final que Platão

conseguiu apresentar apelava para a percepção da Forma do Bem pelo filósofo. Contudo com

isso permanece a questão de que Platão teve dificuldade de captar o traço essencial da bondade.

Esse traço está voltado para aquilo que ainda não é.

3.3 Aristóteles (384-323 a.C)

10 PLATÃO, A Republica,pg 517, b e c

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Nasceu na cidadezinha de Estagira, no norte da Grécia (Trácia), na fronteira entre o

“bárbaro” império Macedônio em expansão e as “civilizadas” cidades-estados da Grécia em

declínio, filho de Nicômaco, médico da Corte Macedônia, Aristóteles também aprendeu a

medicina.

Depois da morte do Pai se transferiu para Atenas aos 18 anos para estudar na

Academia de Platão, frequentou a Academia por quase 20 anos, estudando, escrevendo e no fim

também ensinado. Quando Platão morreu e outra pessoa foi indicada para dirigir a Academia,

ele deixou Atenas.

Passou vários anos viajando, ensinando e fazendo pesquisas em Biologia e por fim

recebeu o convite para ser o tutor do Jovem Alexandre filho do Rei Filipe da Macedônia onde

ficou por três anos. Retornando para Atenas um ano após a morte de Filipe (335). Em Atenas

fundou sua própria escola o Liceu. Seu estilo de ensinar caminhando de um lado para outro lhe

redeu o apelido de peripatos (o caminho percorrido ou caminhar ao léu). Com a morte de

Alexandre, a situação ficou crítica, pois a associação de Aristóteles com a corte Macedônia lhe

rendeu perseguição e para fugir do mesmo fim de Sócrates, deixou a cidade exilando-se na

cidade de Cálcis na Eusébia onde morreu um ano depois aos 63 anos de idade.

O pensamento ético de Aristóteles está firmemente assentado em suas conclusões

referente à metafísica, à qual se referia como “primeira filosofia”. Em sua opinião, ela é

fundamental para o empreendimento científico, pois fornece os princípios das ciências.

Ele propôs uma alteração ao entendimento platônico da realidade. Ele concordava

com seu mentor em que as formas eternas e imutáveis são mais perfeitas que os objetos

mutáveis. Também acreditava que o objetivo de todas as coisas naturais é exemplificar

perfeitamente as formas que lhes correspondem. Também declarou que a contemplação das

essências imutáveis é a atividade humana mais elevada. Rejeitou, porém, a sugestão de seu

mentor de que as formas existem fora dos objetos específicos. Para ele os objetos individuais

são uma unidade de forma e matéria.

A rejeição de Aristóteles a Platão aumentou em parte por causa do seu modo de

entender acusação e, depois, as substancias. Acusação foi crucial, porque a descoberta das

causas forneceu os primeiros princípios que o filósofo estava procurando. As conclusões que

Aristóteles tirou nesse ponto desempenharam um significativo papel na reflexão filosófica desde

a Idade Média até a era moderna.

Para Aristóteles, tudo existe graças a quatro causas. A causa material que consistia

nos elementos que compunham um objeto; a Causa formal, mais importante que a anterior, pois

era a forma ou padrão que molda o material e o transforma no objeto. É o que faz uma tigela de

cerâmica ser uma tigela, e não apenas uma massa informe de argila; a causa eficiente, ou seja, o

agente real, aquele através de cuja atividade se produz o objeto. Como o oleiro cuja atividade

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produz o objeto e por fim a causa final, pois é o que determina o telos, ou a finalidade, a sua

razão de ser.

Aristóteles também procurou explicar a mutabilidade dos objetos no mundo dos

sentidos, embora observasse certa durabilidade própria. Por isso distinguiu no objeto substância

e acidentes.

A Substância é o substrato permanente por trás das qualidades mutáveis: cor,

textura, tamanho, etc., que podemos perceber pelos sentidos e a Forma que é um elemento com

determinado fim que molda um objeto e lhe confere existência real.

Aristóteles rejeitou a asserção de Platão de que a reflexão moral pressupõe um

“bem” com existência independente. Em vez disso, o “bem”, é inerente as atividades da vida.

Portanto, ele só pode ser descoberto pelo estudo diligente da vida humana. Sua ética é

teleológica e aponta para o objetivo de tudo o que existe. Tudo tem um propósito, pois cada ser

existe para uma causa final.

Sua proposta ética começa com a questão acerca do propósito ou função da pessoa

humana (nossa causa final). Para descobrir a resposta a esta questão ele perguntou: “O que é

desejável como um fim em si, e não como meio para algum fim ulterior? Qual o objetivo auto-

suficiente de nossos desejos: aquilo que, se conquistado, satisfaria todos os nossos outros

desejos? A Resposta a que chegou foi que desejamos a eudamonia e não o prazer . A felicidade é

então a melhor, a mais nobre e a mais agradável coisa do mundo. A felicidade envolve o bem-

estar. Envolve o viver (comportar-se), assim como o sentir-se bem. Ele descreveu o bem-estar

vinculando-o ao intelecto. A felicidade é uma atividade. A perfeita atividade produz a perfeita

felicidade. A suma felicidade nasce daquela atividade vinculada ao nosso sumo bem.11

O bem refere-se primeiramente a excelência na prática de qualquer atividade

essencial à natureza de seu praticante. Assim, a atividade essencial à natureza do professor é

ensinar. Consequentemente, o bom professor é aquele que ensina de modo excelente e assim

pratica o bem.

Para Aristóteles a atividade caracteristicamente humana é a reflexão ou

contemplação. O ser humano é o animal racional, para citar sua famosa definição. E

consequentemente nosso propósito esta no exercício da racionalidade ou razão. Assim a

felicidade que todos os seres humanos procuram está na excelência da prática do ato de pensar.

Envolve o bom desempenho da função própria de seres racionais.

Aristóteles declarou que a felicidade humana ou o bem humano é a “atividade da

alma que mostra excelência (virtude)”, o que significa que a felicidade é o exercício efetivo da

razão12.

11 ARISTOTELES, Ética a Nicômaco, 2001, 24-2512 ARISTOTELES, Ética a Nicômaco, 2001, 16-17

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O conceito de virtude do filósofo é de que ela é uma qualidade que permite a quem

a possuir funcionar bem – cumprir sua função com eficiência – e assim conquistar seu bem-estar

e felicidade. Ela inclui todas as várias boas qualidades de caráter, até mesmo os traços como

espirituosidade e cordialidade (ou amabilidade), assim como as virtudes mais tradicionais como

coragem, temperança e autenticidade.

Como Platão associou as virtudes à alma humana e dividiu em duas partes, a

racional e não racional. Racional é a esfera das virtudes intelectuais. Inclui a dimensão

“cientifica” ou “inteligente” (contemplação). A vida virtuosa envolve sabedoria teórica ou

conhecimento das realidades eternas. Esta também é a dimensão calculativa (deliberação). A

virtude correspondente é a sabedoria prática ou prudência, que para ele era a habilidade de

escolher os meios adequados para atingir os objetivos certos.

A Não racional envolve as virtudes morais e consiste na dimensão apetitiva ou

emocional, em que operam as disposições virtuosas de caráter e a dimensão vegetativa, ou seja,

crescimento físico.

A divisão da alma concebida por Aristóteles sugere como a virtude é fundamental

para conseguirmos o objetivo da existência e, consequentemente, o bem-estar. A virtude facilita

a tarefa de atualizar nossa forma de seres humanos. De fato, atingimos esse objetivo por meio

do desenvolvimento da virtude. A vida ideal inclui acima de tudo o exercício da sabedoria

teórica na contemplação das realidades eternas por meio da aquisição da sabedoria intuitiva dos

primeiros princípios e do conhecimento científico dos teoremas que nascem desse

conhecimento.

A vida ideal envolve também o exercício da sabedoria prática na tomada de

decisões corretas segundo a razão. Igualmente necessário nessa empreitada é o desenvolvimento

das virtudes morais, mantendo desejos e emoções em harmonia coma razão. Essa ultima tarefa é

o tópico específico da ética.

As virtudes morais pertencem ao aspecto não racional da alma e precisamos

desenvolvê-los. Para Aristóteles o mau comportamento também resulta da ignorância, pelo

menos em alguns casos. Distinguindo a virtude moral da virtude intelectual, ele mostrou que a

vida ética exige mais que conhecimento.

Não só devemos saber o que é certo, devemos sim, escolher pô-lo em prática. Isto

requer a presença de disposições de caráter adequadas, e estas não pertencem diretamente à

parte racional da alma. No fundo a vida virtuosa nasce da cooperação da razão e da vontade. As

virtudes morais são domínios específicos da vontade. São, porém, regidas pela razão, ou seja, o

intelecto. Desse modo, viver bem exige tanto excelência intelectual quanto moral.

Aristóteles estava convencido de que podemos nos tornar pessoas virtuosas. Isso é

possível por causa da força da vontade. “A virtude também está ao nosso alcance, assim como o

11

Page 12: Etica Profissional apostila

vício. Pois onde está ao nosso alcance o agir, também está o não agir, e vice-versa” 13. Além da

vontade, temos a capacidade moral para a virtude, que segundo Aristóteles, possibilita-nos o

desenvolvimento como pessoa virtuosa. Para atualizá-la, exige-se o exercício adequado da

vontade, isto é, exige-se que a vontade seja dirigida para o fim correto por princípios morais

racionais.

Uma ação correta não produz a vida virtuosa. Tampouco nossa vontade pode

permanecer livre para sempre. Ao contrário, os hábitos que desenvolvemos com o passar do

tempo dispõem a vontade em uma ou outra direção.

A vida de felicidade exige o cultivo das disposições virtuosas do caráter, o que se

dá por meio do treinamento e pela formação de bons hábitos à medida que praticamos

repetidamente ações corretas. As virtudes morais são simplesmente os hábitos positivos

formados em nós. Resumindo, a virtude é um habito que nasce das qualidades naturais da alma

e se forma à medida que agimos deliberadamente sob a orientação de princípios morais

racionais. Nosso potencial inato para desenvolver a virtude moral, torna possível a instrução

moral.

A virtude envolve a excelência. A excelência das virtudes morais consiste na

moderação habitual, isto é no meio-termo áureo. “A virtude é um estado de caráter preocupado

com a escolha, residindo no meio-termo – o meio relativo para nós -, o que é determinado por

um princípio racional e por aquele princípio pelo qual o homem de sabedoria prática o

determinaria”14. A virtude está sempre no meio de dois extremos, um vício por deficiência e um

vício por excesso, que nos levam a praticar o erro e acabam contribuindo para nossa

infelicidade. Um bom exemplo é a coragem que em sua visão é o meio termo entre a covardia e

a temeridade.

Para Aristóteles a justiça é a soma de todas as virtudes e a sua ausência a soma de

todos os vícios. Ela é uma virtude social. Consiste em praticar deliberadamente o que é bom

para os outros e evitar o que lhes é prejudicial. Ela envolve a equidade e a legalidade.

Aristóteles via o fundamento da vida virtuosa do individuo na dimensão social da

existência humana. Em sua classificação dos ramos das ciências, ele situou a ética como

subdivisão de uma ciência abrangente que rotulou de “política”, que por sua vez inclui os

estudos da Economia e da Política propriamente dita. Para ele as comunidades humanas

compõem-se de indivíduos, portanto se as partes não forem boas, o todo não pode ser perfeito.

A ética como ciência do bem individual, constitui o fundamento para a investigação dos

princípios da sociedade humana.

13 ARISTOTELES, Ética a Nicômaco, 2001 1113b, 14 ARISTOTELES, Ética a Nicômaco, 2001, 1106b-1007a2

12

Page 13: Etica Profissional apostila

Para Ele o ser humano é gregário e por isso forma comunidades. Só podemos

realizar adequadamente nosso potencial humano se vivermos em comunidade. Nesse sentido, a

vida ética deve ser social, e as virtudes envolvem a boa conduta com relação aos outros15.

3.4 Epicuro (341-270 a. C.)

Epicuro é filho de Néocles, colono enviado para ilha de Samos em meados do Séc.

IV a.C. Passou os primeiros 20 anos de sua vida na ilha saindo de lá quando da expulsão dos

Atenienses após a morte de Alexandre. Estudo filosofia em Atenas e nas cidades litorâneas da

Ásia Menor (hoje Turquia). Em 311.a.C. reuniu alguns discípulos e acabou voltando a Atenas

(306), onde residiu até morrer.

Fundou uma escola em Atenas, a qual situava em um jardim. Ele se tornou recluso

e era sóbrio, evitando a aparecer em público preferindo a serenidade do jardim. Foi reconhecido

e saudado como o “filosofo do senso comum”. Sua escola continuou a existir por mais de 500

anos.

O princípio da ética epicurista é ataraxia, que consiste na atitude de desvio da dor e

a busca do prazer espiritual através da paz de espírito e o autodomínio, bem como, encarar todas

as coisas com serenidade de espírito. Minimizando os fatores exteriores e sua influência sobre o

bem-estar espiritual. Assim Epicuro asseverava: “O essencial para nossa felicidade é nossa

condição íntima e dela somos senhores”.

Ele formulou seus pontos de vista baseado em dois importantes pensadores da

época de Sócrates: Demócrito (460- 370) e Aristipo (435-356), com base nas ideias deles,

Epicuro desenvolveu uma ética que abraçava a serenidade ou a paz de espírito.

O ponto inicial da ética dele estava no hedonismo de Aristipo. Para este a natureza

humana é tal que todas as pessoas procuram muito naturalmente o que acreditam que lhes dará

prazer e evitam o que resultará em dor. O prazer, entendido como o sentimento que resulta da

satisfação dos apetites, é o bem mais alto. Seu conselho foi maximizar os prazeres físicos do

momento, pois eles, e não a memória de prazeres passados ou a expectativa de experiências

futuras são os únicos reais16.

A virtude por sua vez, está a serviço do prazer, pois ela é simplesmente a

capacidade de escolher os prazeres certos. Epicuro foi um completo hedonista. O prazer é o

único bem fundamental e a dor, o único mal. A virtude é a “arte do prazer”. Toda a conduta

virtuosa é vazia e inútil, a não ser que contribua para tornar a própria vida prazerosa17.

15 BOWNE, Borden, Principles of Ethics, 1893, p.v.16TAYLOR, Good and Evil, 1970, p. 78-79.17 SIDGWICK, H. Outhlines of the Histoty of Éthics. 1960, p. 86.

13

Page 14: Etica Profissional apostila

Todavia, as concordâncias entre eles acabam aqui. Epicuro vira o hedonismo de

Aristipo de ponta cabeça. Ele se fixou na vida mental e não no estado de felicidade. Sendo

assim, ter prazer não significa:

ficar sempre bebendo e dançando, fazendo sexo ou saboreando um belo pescado ou qualquer outro prato que uma mesa farta oferece (...) mais propriamente, o prazer é produzido pela razão, que age com sobriedade, examina os motivos de todas as escolhas e rejeições e afasta todas aquelas opiniões por meio das quais a confusão toma conta da mente”18

Varias considerações ponderadas levaram Epicuro a essa surpreendente conclusão

no desenvolvimento de seu austero hedonismo. Para ele mais importante que a intensidade do

prazer é a sua duração. A busca pelo prazer físico acaba levando à frustração. Os prazeres

físicos muitas vezes veem acompanhados de uma carga de dor maior. Ele rejeitou a tese de

Aristipo de que o prazer sensorial mais intenso do momento é o critério para julgar o que é bom.

O corpo é a fonte de todo o prazer. Os prazeres e dores da mente são mais

significativos que os do corpo. Preferia a duração que a intensidade. Experiências físicas são

momentâneas e fugazes, os poderes da memória e da expectativa prolongam as experiências

mentais; Quando a sensação termina, a dor mental que nasce após a experiência prazerosa

muitas vezes supera o próprio prazer.

Preferia o prazer passivo ou negativo ao ativo ou positivo. Preferia a remoção da

dor à estimulação da sensação e prazer. Nossa busca deve ser pela serenidade ou paz de espírito,

descrita como a libertação da tribulação mental e da dor física. As considerações futuras são

muito úteis ao desenvolvimento da serenidade no presente. Se as experiências do presente

produzem mais dor que prazer, o verdadeiro sábio deve ser capaz de compensá-la por meio de

prazeres mentais que a superem.

Ao observar que as expectativas mais perturbadoras com relação ao futuro nascem

do terror da morte e do medo de desagradar os deuses, e que o combate a essas superstições

exige um verdadeiro entendimento do universo, voltou-se para Demócrito, (V a.C.), o qual

ensinava o que se poderia chamar de “atomismo materialista”.

Demócrito procurou uma explicação racional do mundo em termos puramente

materiais, sem apelar para os deuses ou para os conceitos supra-sensíveis. Ele teorizou que o

universo consistia em partículas de matérias eternas e indestrutíveis (átomos), que se combinam

e recombinam para construir tudo o que existe19.

Epicuro então negou que alguma providencia divina governe o mundo. Para ele, até

mesmo os deuses são feitos de átomos. Eles não governam e nem controlam a vida humana,

18Carta sobre a felicidade: a Meneceu, p. 132a.

19 Para melhor entendimento do assunto, ver os filósofos pré-socráticos KIRK, G. S. e RAVEN, J. E. Os filósofos pré-socráticos. 2ª edição. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 1982.

14

Page 15: Etica Profissional apostila

nem se interessam por ela. A explicação para os acontecimentos é física e não teológica. A

serventia dos deuses era como exemplo de vida serena.

Era possível falar sobre o bem e o mal sem apelar para conceitos metafísicos, como

vontade dos deuses, leis sobrenaturais, ou ideia de conduta humana imposta por eles. Não

devemos temer a morte, pois não há retribuição dos deuses. Então, rejeitou qualquer ideia de

sobrevivência após a morte, pois acreditava que até a alma é feita de átomos. Quanto a isso

afirma:

A morte, o mais temido dos males, não é, portanto, uma preocupação para nós, pois enquanto existimos a morte não está presente, e quando ela está presente então já não existimos. Ela, portanto, não é nada – nem para os vivos e nem para os mortos, uma vez que na está presente para os vivos, e os mortos já não existem20.

Seu hedonismo consistia na busca de uma existência pacifica, sem dor. Através do

estudo e do esforço pode-se obter as virtudes necessária para uma vida serena. A prudência

tinha a máxima importância na sua lista de virtudes, a qual é a aplicação de uma verdadeira

compreensão do mundo à vida pessoal21.

O prudente sabe que nós somos quem controlamos nossa felicidade pessoal. A

prudência leva o sábio a evitar a dor que aflige e escolher os prazeres certos, isto é, tudo que

facilita a serenidade e a paz de espírito. Defendeu o cultivo da amizade, que era a coroação da

vida aperfeiçoada. O sábio exemplar não se apaixona, não constitui família, não participa da

vida política. Buscar a vida da serenidade e paz de espírito e desfrutar a companhia de bons

amigos.

O epicurista e a ética

Contrário ao determinismo absoluto dos estoicos, os epicuristas concebem no

universo certo grau de liberdade. Os epicuristas afirmam que o universo inteiro está formado de

átomos. Na clinâmen, na queda no vácuo dos átomos, estes mostram certo grau de liberdade, de

indeterminação.

Não existe um determinismo rígido nos epicurista, ainda mais, não existiria

nenhuma intervenção divina nos fenômenos físicos nem na vida do homem. Libertado assim do

temor pelos castigos divinos, o homem pode buscar o bem neste mundo: o prazer.

Entre todos os prazeres estão os do espírito que nos proporciona os mais duradouros

e estáveis e que contribuem a paz da alma, a ataraxia (a tranquilidade). Os prazeres corporais

são fugazes e imediatos e perturbam o espírito.

Um epicurista percebe o estado de ataraxia quando está retirado da vida social ou

com um pequeno círculo de amigos, em contínuo autoconhecimento e sem nenhum temor dos

20Carta sobre a felicidade: a Meneceu, p. 12521Carta sobrea felicidade a Meneceu, p. 131b-132b.

15

Page 16: Etica Profissional apostila

castigos divinos. Como percebemos, na ética epicurista e estoica a moral se afasta dos assuntos

públicos, a ética se desinteressa da política.

3.5 Os Estóicos

Nenhuma tradição filosófica foi mais abraçada no I século que o estoicismo.

Estóico deriva de stoapoikile, expressão usada para designar o pórtico pintado na parte norte do

mercado de Atenas, onde se reuniam os filósofos. Foi ali que Zenão de Cítio (335-264 a.C.)

disseminou as ideias que vieram a ser chamadas “estóicas”. Não era grego, era semita, filho de

um mercador fenício. Um naufrágio forçou-o a fixar-se em Atenas. Ele fundou esta filosofia que

ensina a ética da virtude como fim. O estóico não aspira ser feliz, mas ser bom. O princípio da

ética estóica é apathéia (a atitude de aceitação de tudo que acontece, porque tudo faz parte de

um plano superior guiado por uma razão universal que a tudo abrange).

Para Henry Sidgwick, eticista do século XIX, “juntava noções de dever num

sistema aparentemente completo e coerente, usando uma formula que abrangia toda a vida

humana e mostrava sua relação com o processo ordenado do Universo”22. Zenão ensinava que o

objetivo primeiro da vida é a sabedoria. Definia sabedoria como viver segundo a natureza, mais

que contemplar as formas eternas. A realidade é racional, pois a natureza é regida pelas leis da

razão. A vida é guiada pela providencia e o sábio se submete a sua vontade. Concepção

determinista da realidade.

Os primeiros estóicos eram materialistas como Demócrito. Para eles tudo que existe

foi feito de substancias materiais (phisis). Embora talvez tenha aceitado a teoria dos quatro

elementos, estavam interessados no terceiro, que consideravam ser a substância básica (fogo).

Tudo que existe é dirigido por um propósito racional e todas as coisas estão ordenadas segundo

uma racionalidade subjacente e determinante. Na sua visão o universo foi criado pela força

difusa do espírito divino e ordenado pela lei divina. Sendo assim, é material e divino23.

O conceito de viver bem deles nasce da preocupação da virtude pela virtude,

principalmente aquela vinculada à sabedoria prática, a aplicação do conhecimento à vida. A

chave para viver bem está na conformação com a razão universal. Viver bem é viver segundo a

natureza. Isto consiste em permitir que a razão humana, como ponto de ligação com a razão

divina que permeia o Universo, governe nossa vida.

Os estóicos opuseram a razão ao aspecto não racional ou irracional da alma. A

natureza, bem como tudo no universo é fundamentalmente racional. Já as dimensões afetivas da

alma humana, em especial o prazer, a mágoa, o desejo e o medo, são irracionais, e desta forma,

22 SIDWICK, P. 71.23 MACINTEYRE, op. Cit., p. 104.

16

Page 17: Etica Profissional apostila

incompatíveis com a natureza humana. Sendo assim, a norma da razão envolve controle

rigoroso dos desejos, de modo que nos liberte desses aspectos irracionais e até os elimina.

Controlando os desejos e as emoções, a razão, por sua vez, determina a concepção

de virtude dos estóicos. A virtude consistia para eles, no exercício do controle de nossas

reações, ou seja, na prática do auto controle. Acima de tudo, a pessoa virtuosa mantém as

emoções sob controle. Viver segundo a razão num mundo determinista significa buscar o

contentamento dentro de si mesmo. A pessoa virtuosa encontra a felicidade no próprio intimo

mais do que no mundo exterior.

Entretanto, os estóicos tinham um senso de dever muito intenso. O ser humano é

moralmente obrigado a conformar-se coma razão universal. Já que os seres humanos formam

uma comunidade com uma lei comum, a lei da razão, é mister que se cumpra os deveres mútuos

exigidos pela cidadania comum e universal.

O estoicismo e a ética

O estoicismo concebe o mundo, ou cosmos, integrado por um princípio divino,

alma ou razão que o dirige. No universo tudo está predeterminado, acontece somente os planes

do princípio divino.

Tudo está regido por uma necessidade radical. No mundo não existe liberdade nem

acaso, existe a fatalidade absoluta. O homem está no mundo e a única coisa que lhe resta é

aceitar o seu destino e agir consciente dele. Esta é a atitude do sábio.

O sábio vive de acordo com a natureza, que é seu bem supremo. Vive com

consciência de seu destino e de seu lugar no universo. Não se deixa levar por paixões ou afetos

interiores ou pelos interesses das coisas exteriores. Pratica a apatia e a imperturbabilidade.

Firma-se em cada momento contra suas paixões e contra as adversidades do mundo exterior. O

sábio desenvolve sua ética sem necessidade da relação com outros homens, o estoico vive

moralmente como cidadão do cosmos − o “cidadão do mundo” −, não da polis, porque

conquistou a sua autossuficiência.

3.6 Plotino (205-270)

O neoplatonismo pode ser considerado como o último e supremo esforço do

pensamento clássico para resolver o problema filosófico, que tinha encontrado um obstáculo

intransponível no dualismo e racionalismo gregos - dualismo e racionalismo que nem sequer o

gênio sintético e profundo de Aristóteles conseguiu superar. O neoplatonismo julga poder

superar o dualismo, mediante o monismo estóico, na qual o aristotelismo fornece sobretudo os

quadros lógicos; e julga poder superar, completar, integrar a filosofia mediante a religião, o

racionalismo grego mediante o misticismo oriental, proporcionando o racionalismo grego

especialmente a forma, e o misticismo oriental o conteúdo.

17

Page 18: Etica Profissional apostila

Sua tese aparece como antítese do materialismo de Epicuro e dos estóicos. Retorno

ao platonismo. “Plotino parecia se envergonhar de ter um corpo”. É provável que tenha

nascido em Nicópolis, no Egito. Estudou em Alexandria. Investigou as tradições intelectuais do

Oriente. Transferiu separa Roma após a morte do Imperador Gordiano em 244. Lecionou e

serviu de conselheiro espiritual. Pórfiro foi o seu aluno mais famoso que se opôs mais tarde a

vários Pais da igreja inclusive a Jerônimo.

Com Plotino o neoplatonismo floresceu. Filósofos que sucederam Platão

inauguraram a tendência de ir além do mestre ligando o divino À Forma do Bem: concepção

filosófica da realidade com matizes teológicas e até místicos. Esta inovação carregava

implicações éticas: alterou a concepção do bem humano. Para eles viver bem envolve a fuga do

mundo material e da experiência sensorial para um relacionamento cada vez mais intenso com o

princípio fundamenta. Passaram a ver a matéria como má em si mesma.

Para Plotino: a matéria informe era o “primeiro mal”, de que advém o segundo

mal “o corpo”. Plotino afirmava que todo pensamento, envolve uma dualidade – a dualidade de

pensador e de objeto pensado. Portanto a unidade por trás de toda realidade não pode ser

apreendida pela força do pensamento, apenas quando perdemos toda a consciência do eu numa

união mística ou extática com o princípio unificador.

O fundamento da visão filosófica dele é o conceito de UNO: ponto de orientação,

sendo este completamente inefável e indescritível, uma vez que transcende todos os predicados,

até o predicado “é”. Não é uma essência (ousia), mas está além das essências e do ser. Ao

mesmo tempo, ele é, em certo sentido, divino. Fonte eterna de todo ser, medida de todas as

coisas.

A realidade é serie de emanações do UNO que são mais lógicas que temporais.

Inteligência (nous): é de certa forma comparável ao reino das formas de Platão. Alma (psique):

Podemos situar no mesmo nível do princípio da vida que anima o Universo físico e do qual

participamos por meio de nossa alma pessoal. Matéria: Por ser desprovida de forma, está mais

próxima do não-ser. O ser humano pertence em parte a esfera do espírito e em parte da matéria.

O verdadeiro ser está na dimensão intelectual, ou seja, na dimensão espiritual. O

verdadeiro objeto do desejo de nossa alma é o UNO; desejamos como perfeição que nos falta; O

uno é a fonte da alma. O retorno ao UNO: Toda a criação é um movimento cíclico do UM e

para o UNO. A Alma é um microcosmo do Universo, e o ciclo rítmico perceptível no Universo

está inserido em nossa estrutura ontológica. A alma está destinada a voltar para o Uno.

O retorno envolve o ato de voltar para dentro – uma introspecção, uma jornada para

o centro da alma que se dá em três estágios: Uma separação do eu deslocando-se da esfera da

multiplicidade – da experiência sensorial – para dentro da esfera inteligente. Abandono do

mundo da matéria para o mundo interior do pensamento. Uma separação de uma multiplicidade

18

Page 19: Etica Profissional apostila

mais elevada. Um afastamento da razão em si mesma. A alma aprofunda-se mais numa esfera

em que até o pensamento desaparece.

Uma interioridade em que a alma já atingiu o ponto Maximo de simplicidade dentro

de si mesma. Plotino comparava isto com a embriaguez; Envolve o intelecto saindo de si

mesmo para entrar no ininteligível no êxtase (fora de si).

o contemplativo é de súbito arrebatado pela onda da Inteligência, que o apanha aqui embaixo e o transporta às alturas, e ele vê tudo, embora jamais entenda como isto acontece. A visão inunda-lhe os olhos de luz, mas não essa luz que mostra alguma coisa: a luz em si mesma é a visão. Nesta experiência, a alma torna-se divina: “Muitas vezes, acordo para mim mesmo, fugindo de meu corpo. Assim separado de outras coisas, na intimidade do meu eu, vejo uma beleza que é tão maravilhosa quanto possível. Mais do que nunca, então, fico convencido de que tenho um destino superior. Minha atividade é o grau mais alto da vida. Estou em união com o divino e, tendo atingido esse ápice de atividade, prendo-me a ele, acima de todos os outros seres inteligíveis.

Defendeu o cultivo da vida virtuosa; o propósito era a ascensão da alma para o

UNO. Na busca de fugir do mal a alma procura tornar-se como a “divindade”: justa, santa,

prudente – numa palavra “virtuosa”. Subordina a busca da moral à atividade intelectual, e

aconduta externa passou a servir à interioridade. Reconheceu a importância de cultivar as

virtudes “civis”.

Traços como a sabedoria prática (prudência), a coragem, a temperança e a retidão

(justiça) são necessários para viver bem em sociedade. Em certo sentido a posse das virtudes

civis nos faz “semelhantes a Deus”. Para facilitar a vida no mundo da multiplicidade, as virtudes

civis formam apenas o substrato da vida ética. a principal preocupação da alma não é viver bem

em sociedade, e sim superar a “mistura” má com o corpo. Plotino estava mais interessado nas

virtudes ligadas à purificação da alma, que podem levá-la a tornar-se realmente semelhante a

Deus.

Sabedoria: não é a capacidade de julgar bem as questões práticas da vida. E envolve

a contemplação das formas eternas. Temperança: Não se limita ao controle do prazer, mas a

pessoa virtuosa desenvolve uma espécie de temperança que leva ao isolamento da alma,

separando-a do corpo e de seus prazeres. Apenas esse entendimento mais elevado das virtudes

pode facilitar a verdadeira divinização da alma. Por Isso Plotino escreveu sobre o verdadeiro

místico:

Numa palavra, não vive a vida de alguém que, segundo a virtude cívica, é um bom homem. Ele abandona essa vida e escolhe outra em seu lugar: a vida dos deuses, pois seu desejo é tornar-se como os deuses, e não como os homens bons. A semelhança com os homens bons é a similitude com outra imagem que provem do mesmo modelo. Mas a semelhança com Deus é a semelhança com o modelo em si .

19

Page 20: Etica Profissional apostila

Ele influenciou Agostinho e outros; Propiciou um fundamento filosófico para o

novo misticismo cristão. Propiciou uma interiorização pessoal. É importante ressaltar que os

filósofos cristãos herdaram alguns destes elementos da tradição filosófica grega,

reconfigurando-os na concepção cristã. A purificação da alma sugerida inicialmente por Platão

foi retomada e repaginada por Santo Agostinho (séc. II) na ideia de elevação ascética para

compreender os desígnios de Deus. Também a imortalidade da alma é retomada sob a

perspectiva cristã, pois no reino de Deus vige a eternidade.

3.7 Ética Cristã da Idade Média

O cristianismo se converte na religião oficial de Roma no séc. IV. Durante um

milênio ela garante a unidade social exercendo um poder espiritual que monopoliza toda a vida

intelectual. Ademais, adquire o domínio político. Neste contexto a moral possui o conteúdo

religioso que encontramos em todas as manifestações da vida medieval.

A filosofia e a ética cristã partem de verdades reveladas por Deus, que indicam a

conduta do homem com o ser supremo. Ademais, regulamentam o modo de vida que se deve

seguir para obter a salvação no outro mundo.

Deus é o criador do mundo e do homem, ele possui todos os atributos positivos. O

fim da criatura humana é Deus, que exige obediência e cumprimento dos mandamentos. A

relação humana primordial é com Deus e não com as comunidades humanas ou com outras

relações mundanas. A ordem sobrenatural tem a primazia sobre a ordem natural ou social. Por

isso, a beatitude (a essência da felicidade) é a contemplação de Deus.

As virtudes cristãs são:

a)fundamentais: a prudência, a fortaleza, a temperança e a justiça. São virtudes em

escala humana, pois regulam as relações entre os homens.

b) supremas ou teologais: fé, esperança e caridade. São virtudes em escala divina,

pois regulam as relações entre o homem e Deus.

O cristianismo propõe uma ética teocêntrica, que parte de Deus e estabelece

princípios morais com caráter imperativo absoluto e incondicionado. Esta ética pretende salvar

o homem das imperfeições, desigualdades e injustiças terrenas. Oferece o paraíso, no qual os

homens possam viver felizes e eternamente.

Santo Agostinho (354-430) transforma a compreensão das ideias platônicas na

elevação ascética até Deus, culminando no êxtase místico ou felicidade (beatitude). Agostinho

enfatiza que o cristianismo é amor. Por esta razão, Agostinho é o filósofo que origina a ética

cristã do amor e da caridade.

20

Page 21: Etica Profissional apostila

3.8 A Ética Moderna

A ética moderna é antropocêntrica, tem ao homem como centro de reflexão, em

oposição à ética teocêntrica e teológica da idade média. Compreende o século XVI até o

começo do século XIX.

Nesse período aparece a ciência moderna (Galileu e Newton), incorporação de

América. Na ordem espiritual, a religião deixa de ser a forma ideológica dominante e a Igreja

Católica perde a sua função de guia: a filosofia e a ciência se separam da teologia, surgem

nações que se afastam do poder eclesiástico, ademais, acontecem movimentos de reforma.

Com o humanismo, o homem aparece no centro da política, da ciência, da arte e

também da moral. Desloca-se o centro de reflexão de Deus para o homem, este acabará por

apresentar-se como o absoluto, ou como o criador ou legislador em diferentes domínios,

incluindo a moral.

A ética de Kant

Kant (1724-1804) inicia sua reflexão ética com os fatos da moralidade. É na vida

quotidiana que o homem percebe a responsabilidade de seus atos e da consciência de seu dever.

Este tipo de experiência faz supor à razão prática que o homem é livre, mas o homem empírico

é determinado casualmente e não é livre. Desta reflexão, Kant admite um postulado: a

existência de um mundo da liberdade ao qual pertence o homem como ser moral. Segundo Kant

o problema da moralidade está em responder o seguinte:

a) qual é o fundamento da bondade no ato;

b) em que consiste o bom?

Kant responde que a primeira é a questão moral e merece ser tratada.

A bondade de uma ação não se deve procurar em si mesma, mas na boa vontade

com que se fez. Mas quando é que uma vontade é boa? É boa a vontade que age por puro

respeito ao dever e pelo mandamento à lei moral. Por isso Kant: “o único bom em si mesmo,

sem restrição, é uma boa vontade”.

O mandamento ou dever é incondicionado e absoluto. Isto é, a boa vontade ordena

universalmente em sua forma, mas tem um conteúdo concreto: refere-se a todos os homens em

todo o tempo e em todas as circunstâncias e condições. Kant chama de “imperativo categórico”

esse mandamento, formulando-o assim: “Age de maneira que possas querer que o motivo que te

levou a agir se torne uma lei universal”.

O homem é “legislador de si mesmo” quando age por puro respeito ao dever ou

obedecendo à lei que lhe dita a sua consciência moral. Quem age assim é um ser racional puro

ou uma pessoa moral. Kant afirma que “os homens são fins em si mesmos”, são pessoas morais,

que formam parte do mundo da liberdade ou do reino dos fins. Por isto, considerar o homem

como meio é profundamente imoral.

21

Page 22: Etica Profissional apostila

4-POSIÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A OBRIGAÇÃO ÉTICA

4.1 Casuística e costumes dominantes como padrões morais

Para educar, orientar e enfrentar os problemas sociais e morais exige-se

conhecimento fatual e clareza conceptual. Quando se carece destes critérios, aparecem duas

deficiências frequentes na orientação ética: aceitação à falta de clareza e admissão à ignorância.

Um moralista com essas deficiências tentará orientar relacionando múltiplas situações

específicas, descrevendo-as e dizendo, a seguir, o que deve ser feito em cada caso, é o que se

chama casuística, procedimento comum no século XVII.

A pretensão do casuísmo ou da casuística é − tomando como base o estudo de uma

multidão de casos reais − chegar a ter em mãos a solução de todos os casos possíveis, e, por

conseguinte, saber com antecipação o que se deve fazer em cada caso.

A casuística não se conforma em dispor de normas morais − que possam regular de

determinada maneira nosso comportamento −, ela pretende traçar de antemão regras de

realização do ato moral, de concretização de nossos fins ou intenções, negligenciando as

peculiaridades e as vicissitudes que cada situação real impõe ao ato moral.

A casuística empobrece imensamente a vida moral do sujeito: oferece a decisão,

apresentada por antecipação, do ato moral, isto é, reduz a responsabilidade pessoal, a decisão e a

eleição dos meios adequados para realizar o fim desejado. Assim, o sujeito se refugia numa

decisão já tomada previamente, abdica de sua responsabilidade, situando-se num nível moral

inferior.

A atitude do filósofo da moral é elaborar teorias, muito amplas, a respeito do que é

correto ou obrigatório. A melhor forma de chegarmos a desenvolver uma teoria dessa espécie é

estudar as principais teorias de Ética normativa.

4.2 As teorias teleológicas

A teleologia (teleologismo ou finalismo) é qualquer doutrina que identifica a

presença de metas, fins ou objetivos últimos guiando a natureza e a humanidade. Considera a

finalidade como o princípio explicativo fundamental na organização e nas transformações de

todos os seres da realidade.

Na moral, as teorias teleológicas afirmam que o critério último para decidir o

moralmente certo e obrigatório é um valor não-moral (prazer,utilidade, etc.). A decisão final

deve ter em conta a proporção da prevalência do bem sobre o mal: um ato será bom, se e

somente se tiver o objetivo de produzir uma quantidade de bem superior à quantidade de mal.

22

Page 23: Etica Profissional apostila

Assim, o ato deve ser praticado se e somente se ele ou a regra, a que ele se prende, tiver por

objetivo produzir maior quantidade de bem em relação ao mal em qualquer possível alternativa.

Para o teleologista a qualidade ou valor moral de ações, pessoas ou traços de

caráter, depende do valor não-moral que procuram ou originam. Se a qualidade ou valor moral

de algo dependesse do valor moral, estaríamos num círculo vicioso. Por isso mesmo, as teorias

teleológicas colocam o certo, o obrigatório e o moralmente bom na dependência com o não-

moralmente bom ou valor não moral.Então, para saber se algo é certo, ou que deve ser feito ou

saber se é moralmente bom, deve-se:

a) primeiro, indagar qual é o bem no sentido não-moral;

b) segundo, seguir indagando, se o algo em questão promove, ou se destina a

promover, o bem naquele sentido. Apreciando a teoria teleológica da obrigação percebemos

que:

a) os teleologistas têm sido hedonistas: identificando o bem ao prazer e o mal à dor,

concluindo que, em qualquer alternativa, a regra de ação correta é a que assegura a prevalência

do prazer sobre a dor;

b) os teleologistas podem ser não-hedonistas: identificando o bem ao poder, ao

conhecimento, à autorrealização, perfeição etc.

Nesses teleologistas percebemos que ambos têm um ponto de vista a propósito do

que é bom, estabelecendo o que é obrigatório em função desse ponto de vista.

Nos teleologistas existem divergências pelo tipo de bem que se deve tentar

promover:

a) O egoísmo ético sustenta que o agente sempre deve fazer aquilo que lhe

proporcione o maior bem pessoal (Epicuro, Hobbes e Nietzsche).

b) O utilitarismo, ou universalismo ético, sustenta a posição segundo a qual o fim

último é “o maior bem geral” (a regra de ação é correta se, e somente se, conduzirá a conseguir-

se − no universo como um todo−, maior quantidade de bem relativamente ao mal). E, é

obrigatória por acrescentar no universo maior quantidade possível de bem sobre o mal. Os

utilitaristas podem ser hedonistas e idealistas.

Jeremy Bentham e John Stuart Mill foram hedonistas: o objetivo moral é o de

conseguir a maior quantidade possível de prazer em relação à dor. George Moore (1873-1958) e

Hastings Rashdall são os utilitaristas do “Ideal”. Moore afirma que o bem é uma entidade não

natural, dotada de um tipo peculiar de subsistência autônoma, por isso, para ele, os afetos pelas

pessoas e o prazer estético abrangem todos os bens, muito maiores do que podemos imaginar.

4.3 O egoísmo ético

23

Page 24: Etica Profissional apostila

O egoísmo ético, ou a ética do amor-próprio, é considerada a posição mais

extremada de reação à ética das regras tradicionais. Na ética, o egoísmo é uma teoria na qual os

fatos a ser executados dependem de raciocínios sobre vantagens a longo alcance.

Quais são os princípios do egoísmo ético?

Ao considerar o indivíduo como agente moral, o egoísta ético sustenta que:

1) a única e básica obrigação de um indivíduo é conseguir, para si mesmo, a maior

proporção possível de bem em relação ao mal;

2) mesmo formulando juízos morais em segunda e terceira pessoas, um indivíduo

deve orientar-se pelo que redunda em sua própria vantagem.

Existem os “egoístas esclarecidos” que consideram a modéstia, os outros, a

honestidade como: a “melhor política a seguir” na sociedade(“o politicamente correto”).

No egoísmo ético, o agente orienta sua vida pela teoria. Mas, sabemos que o amor-

próprio (mesmo no egoísta “esclarecido”) é considerado− na tradição judaico-cristã − como a

essência da imoralidade. Para destacar o egoísta ético, podemos anotar que ele não é:

a) um padrão de ação ou traço de caráter (é compatível com o ser humilde e

altruísta na prática);

b) necessariamente um egotista, ou um homem no sentido comum desses termos;

c) compelido a praticar atos que habitualmente consideram os egoísticos,

egocentristas ou narcisistas.

Os egoístas éticos, geralmente defendem teorias que sustentam o bem individual:

a) revelam-se hedonistas, como Epicuro, identificando o bem à felicidade e o

prazer;

b) inclinam-se por identificar o bem ao conhecimento, ao poder, à autorrealização.

Platão aludia a uma vida feita de prazer, conhecimento e outras coisas desejáveis.

Surge uma dificuldade na teoria do egoísmo ético: como aconselhar e julgar? O

conselheiro e o juiz sempre consideram seu próprio interesse, portanto, é insatisfatória a

orientação e juízo desta teoria moral.

4.4 O utilitarismo ético

A teoria teleológica denominada utilitária enfatiza que a obrigatoriedade e o certo é

corresponder nosso agir com a promoção do bem geral. Não é, então, nem nosso interesse

(teorias egoístas) nem as regras (teorias deontológicas) os fundamentos da obrigatoriedade.

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Page 25: Etica Profissional apostila

O princípio de beneficência é, para os utilitaristas, o padrão último para decidir o

que é certo, errado ou obrigatório: o fim moral a ser buscado em tudo o que fazemos é a maior

porção possível de bem em relação ao mal. Em outros termos, procurar a menor porção possível

de mal em relação ao bem.

Esse princípio implica que bem e mal podem ser avaliados e postos em proporção,

de forma quantitativa ou, pelo menos, matemática. Esse ponto foi explicitamente reconhecido

por Jeremy Bentham (1748-1832) que tentou elaborar uma tabela para avaliação de prazeres e

dores, recorrendo a sete elementos: intensidade, duração, certeza, proximidade, fecundidade,

pureza e extensão. Em parte como uma reação a Bentham, Stuart Mill (1806-1873) procurou

introduzir elementos qualitativos, a par dos quantitativos, na avaliação dos prazeres.

Dois tipos de utilitarismo

Devemos distinguir dois tipos de utilitarismo: ato-utilitarismo e normo-utilitarismo.

a) Os ato-utilitaristas não permitem regras, nem generalizações a partir da

experiência passada Frente a cada situação, devemos avaliar de novo os efeitos das alternativas

possíveis em relação ao bem geral. Eles afirmam que, antes de agir, questionemos sobre o

efeito, o ato e a situação particular, agir preferindo o maior bem em relação ao mal. Regras

gerais podem ser úteis como orientações, mas interessa vivenciar a particularidade do momento

e do espaço para perceber o maior bem geral.

Não podemos adotar regras definitivas ou universais, como “não mentir” ou

“jamais mentir”, pois são conhecimentos a priori que não surgem das circunstâncias. Existe a

possibilidade que mentir como se fosse o maior bem geral.

Podemos perceber que esta teoria é impraticável como fundamento da

obrigatoriedade.

b) O normo-utilitarismo enfatiza que é preferível uma atitude em função de uma

regra moral como, por exemplo, “não mentir” que atender às particularidades em cada ato de

comunicação. O normo-utilitarismo afirma que as ações são orientadas pelas regras capazes de

originar o maior bem geral para todos.

O princípio de utilidade é aplicado em condições de normalidade, para determinar

as regras que devem ser adotadas. As regras são provisórias: escolhidas, mantidas, revistas ou

substituídas, com base em sua utilidade.

Sobre o valor da justiça no utilitarismo, Mill afirma que todo o que satisfaça o

princípio de utilidade satisfaz as exigências da justiça.

4.5 As teorias deontológicas

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Page 26: Etica Profissional apostila

As teorias deontológicas (deonto, dever) sustentam que a obrigatoriedade provém

de regras ou normas que servem para orientar os atos morais. Eles não aceitam os argumentos

das teorias teleológicas. Negam que o obrigatório (o certo e o moralmente bom) seja função

exclusiva do que é não-moralmente bom (aquilo que promove a maior proporção de bem em

relação ao mal). Elas sustentam que há outras circunstâncias, além das consequências boas ou

más, que podem tornar correta ou obrigatória uma ação ou uma regra, por exemplo:

a) a circunstância de que o ato leva a “manter uma promessa”;

b) a circunstância de que “o ato é justo”;

c) é ordenado pelo Estado;

d) é ordenado por Deus.

Pelos exemplos, os deontologistas sustentam a possibilidade de que regra de ação −

moralmente certa ou obrigatória − pode não promover a maior quantidade possível de bem

relativamente ao mal, para a própria pessoa, para a sociedade ou para o universo (pode ser em

função de Deus). Assim, a ação pode ser correta ou obrigatória por outra razão qualquer ou por

sua própria natureza; segue-se que um deontologista pode também adotar qualquer posição

relativamente ao que seja bom ou mau no sentido não-moral.

4.6A obrigatoriedade como imperativo em Kant

Um normo-deontologista puro afirma que só há um princípio básico. Kant é

representante do monístico normo-deontologista, por meio de seu imperativo categórico: “age

como se a tua máxima devesse servir ao mesmo tempo de lei universal (de todos os seres

racionais)”.

Podemos observar nessa regra ou máxima do imperativo categórico de Kant que:

1. A forma “deve-ser” é comum a todos os imperativos.

2. Age-se voluntariamente com base numa regra ou máxima que pode ser

formulada.

3. Expressa o desejo que a regra pela qual atua seja observada por todos os que

venham a encontrar-se em situação semelhante,

4. Uma ação é moralmente correta e/ou obrigatória se alguém desejar que a regra

seja observada por todos os que venham a enfrentar circunstâncias semelhantes — sendo a ação

moralmente má, se isso não ocorrer.

Kant na Fundamentação da Metafísica dos Costumes fornece exemplos de

aplicação desse imperativo como “estando em dificuldade todos podem fazer uma promessa

falsa”, aqui o Imperativo categórico se destruiria “necessariamente tão logo se erigisse em lei

universal”. De fato, Kant censura que é errado fazer promessas falsas. Mas o enunciado não está

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Page 27: Etica Profissional apostila

errado. O resultado das falsas promessas é autodestrutivo, pois se a regra ou máxima universal é

válida se destruiria a obrigatoriedade do compromisso.

5-AS ÉTICAS CONTEMPORÂNEAS

Nestes tempos a ética está de moda. A ciência e a tecnologia conduzem a uma

unificação do mundo. As novas correntes de pensamento ético promovem debates e tomada de

posição sobre esta realidade. Ainda, em todos os países, os novos setores sociais demandam por

questões do que deve ser. Desta maneira, a reflexão sobre os valores (axiologia) éticos é

fomentada incessantemente pelo desenvolvimento:

a) da globalização, que demanda a vigência dos direitos humanos no mundo;

b) da democracia, que exige a inclusão de todas as pessoas na sociedade;

c) técnico e científico, que responsabiliza ao homem pelo futuro do planeta.

A ética contemporânea responde a essa nova realidade apresentando-se como éticas

“filosóficas” e “aplicadas”.As éticas filosóficas contemporâneas privilegiam as ideias concretas,

determinadas (o homem, as pessoas, os povos) sobre as ideias abstratas e universais. Por

exemplo, o “Estado ético” de Hegel, exposto no século XIX, era a encarnação da razão

universal.

O racionalismo do pensamento moderno exaltava a razão: a ciência e a tecnologia

conduziriam os homens ao progresso e à paz mundial. Marx respondeu a Hegel afirmando que o

Estado representava os interesses da classe burguesa e não os do proletariado. O Estado não é

uma ideia abstrata, universal. Esta compreensão do racionalismo moderno como “razão

instrumental” e de seus efeitos na política de Hitler foi exposta na Dialética do Esclarecimento

de Adorno e Horkheimer.

As éticas aplicadas respondem às exigências do desenvolvimento da altíssima

especialização na divisão do trabalho e do eficaz desenvolvimento tecnológico. Bioética, ética

do meio ambiente, ética dos negócios, ética nas mídias, ética na política, códigos de ética estão

presentes em todas as instituições e profissões liberais. Assim, as éticas aplicadas ressaltam os

deveres enquanto as éticas filosóficas enfatizamos princípios da filosofia moral.

As éticas filosóficas

Entre as éticas filosóficas podemos anotar o marxismo, o existencialismo, o

pragmatismo, a psicanálise e a filosofia analítica. Tais são as orientações principais da ética

contemporânea. Vejamos brevemente cada uma delas.

Ética marxista

O método dialético aplicado à história permite conceber a sociedade numa

dinâmica na base econômica e que se manifesta como luta de classes. Assim, a história

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Page 28: Etica Profissional apostila

apresenta-se conflitante, pois cada sociedade mostra uma luta entre as partes ávidas por

governar, por exercer o poder social.

O marxismo pretende refletir sobre o homem concreto e não o homem em abstrato.

Karl Marx (1818- 18883) criticava as morais do passado, pois reduziam o homem seja como

mero predicado da Ideia (Hegel) ou como “homem universal” de Feuerbach.

Marx considerava o homem real, concreto, como unidade indissolúvel entre:

a) espírito e corpo (sensibilidade);

b) animal (fundamento dos interesses egoístas) e humano (fundamento da ética);

c) teórico e prático (origina o trabalho criativo).

O homem concreto é, por um lado, aquele que trabalha e se adapta transformando a

natureza exterior. O homem é o artífice de seu mundo, ele é o criador da cultura, das artes, dos

valores. Por outro lado, o homem concreto é o ser social que origina as formas de produção que

determinam as relações na sociedade que se manifestam numa superestrutura de ideias (a

ideologia) da qual faz parte a ética.

O homem é concebido como um ser histórico, dinâmico, determinado no tempo e

que muda sob o impulso das contradições sociais. Existe um otimismo implícito, uma

teleologia, nesta concepção do homem: existe a marcha ascendente do movimento histórico.

Dessas considerações surgem umas reflexões sobre ética:

a) Até hoje toda moral tem um caráter de classe, ela faz parte da superestrutura

ideológica, ela cumpre uma função social. Toda ética do passado consolidou os interesses da

classe dominante.

b) Não existem éticas universais. As éticas que se expressam de forma universal,

na realidade, visam interesses particulares. Por isso, numa sociedade podem coexistir várias

morais.

c) Existe um caráter relativo na ética. A moral proletária é a moral da classe que

está destinada a extinguir o Estado. A sociedade sem classe e sem Estado (o comunismo)

originará a ética universal.

d) Os homens devem intervir na transformação da sociedade capitalista que se

fundamenta na mais-valia, que é a fonte de lucro que o capitalista obtém do trabalho dos

operários: da “exploração do homem pelo homem”. O homem deve ingressar a militar no

Partido Comunista. A participação ativa na mudança social é um dever ético. Aqui rege uma

moral para os membros dos PartidosComunistas, que é uma moral de guerra:

E o moralista insiste ainda:

Então, na luta das classes contra o capitalismo, todos os meios são permitidos?

A mentira, a falsidade, a traição, o crime etc.?

E nós respondemos-lhe: são admissíveis e obrigatórios todos os meios que

aumentem a coesão do proletariado,que lhe insuflem na alma um ódio inextinguível pela

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Page 29: Etica Profissional apostila

opressão, que lhe ensinem a desprezar a moral oficial e os seus partidários democratas, que o

impregnem da consciência da sua própria missão histórica, que aumentem a sua coragem e a sua

abnegação (TROTSKY, 1973, p. 107-109).

Ética no existencialismo de Sartre (1905-1980)

A existência precede a essência

A célebre sentença sobre o homem em Sartre “a existência precede a essência”

afirma a prioridade da vivência humana sobre as elaborações abstratas e universais do ser

humano. A existência enfatiza a liberdade humana. Ser livre a cada momento possibilita a

responsabilidade dos atos. Enquanto as coisas e os animais são predeterminados, somente o

homem pode ser responsável de sua existência.

Com o existencialismo encontramos uma nova forma de valorização do indivíduo:

“O homem nada mais é do que aquilo que ele faz a si mesmo: é esse o primeiro princípio do

existencialismo” (SARTRE, 1987, p. 6). O homem é concebido como um constante “tornar-se”,

um “vir-a-ser”que nunca se completa. Ainda que Deus exista, o homem experimenta a

indeterminação de seu existir, por isso delibera incessantemente seus atos: “O existencialismo

não é tanto um ateísmo no sentido em que se esforçaria por demonstrar que Deus não existe. Ele

declara,mais exatamente: mesmo que Deus existisse nada mudaria, eis nosso ponto de vista.

Não que acreditamos que Deus exista, mas pensamos que o problema não é de sua existência, é

preciso que o homem ser e encontre e se convença de que nada pode salvá-lo dele próprio, nem

mesmo uma prova válida da existência de Deus (SARTRE, 1987, p. 22).

O inferno são os outros!

Mas, se não é Deus quem avalia diretamente nossos atos, quem nos julga? Os

outros: “O inferno são os outros!”. Eu e o Outro. Cada pessoa tem um projeto para suas vidas,

elas transformam o mundo visando adaptá-lo a seus planos, isto produz conflitos quando os

projetos se percebem inconvenientes. Com a percepção do Outro abandonamos o solipsismo

que nos fixa a liberdade. Estamos condenados a viver com outros, estamos entre outros seres

livres, e por isso, devemos fazer nossos planos de vida respeitando os projetos de vida dos

outros. Sem o Outro, a pessoa não pode se perceber integralmente, não se pode evitar a

convivência, somos seres sociais.

Sartre foi um marxista. Ele acreditava que faltava o existencialismo no pensamento

marxista. Foi um militante ativo do comunismo e critico ua postura ditatorial do Partido

Comunista da União Soviética.

Pragmatismo e ética

O pragmatismo caracteriza-se por enfatizar que o princípio de utilidade é a fonte

que ajuda a viver e a conviver bem. Esta filosofia aprecia o sentido utilitário nos conceitos e

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Page 30: Etica Profissional apostila

seus efeitos práticos, instrumentais e funcionais. Em geral, a verdade radica na utilidade e na

obtenção de êxito, portanto, todo conhecimento é prático se serve para algo, se é possível de

realizar.

O pragmatismo é uma filosofia que se originou nos Estados Unidos onde se

percebe um avançado progresso científico e tecnológico, aliado ao desenvolvimento na gestão

empresarial e marketing. A altíssima especialização das atividades humanas nesse país criou as

condições para a aparição e difusão do pragmatismo. Os principais representantes são William

James (1842-1910), John Dewey, Charles Peirce e Richard Rorty. Afastado dos problemas

abstratos da antiga Metafísica, o pragmatismo valoriza a reflexão das questões práticas,

entendidas no sentido utilitário:

“O inferno são os outros!” Esta frase de Sartre está na sua peça de teatro: Entre

quatro paredes(1945). Sartre foi eleito o Nobel de Literatura 1964, mas recusou o prêmio:

"nenhum escritor pode ser transformado em instituição".

O solipsismo (concepção filosófica: a única realidade é o próprio EU) que parece

determinar a existência é abandonada por Sartre: “A filosofia é obrigada a descer em praça

pública” (SARTRE, 1987, p. 23).

O pragmatismo representa uma atitude perfeitamente familiar em filosofia, a

atitude empírica, mas a representa, parece-me tanto em uma forma mais radical quanto em uma

forma menos contraditória,em relação a que já tenha assumido alguma vez. O pragmatista volta

as costas resolutamente e de uma vez por todas a uma série de hábitos inveterados, caros aos

filósofos profissionais. Afasta-se da abstração e da insuficiência, das soluções verbais, das más

razões apriori, dos princípios firmados, dos sistemas fechados, com pretensões ao absoluto e às

origens. Volta-separa o concreto e o adequado, para os fatos, a ação e o poder (JAMES, 1989, p.

20).

A consequência imediata do pragmatismo na ética é considerar útil o “êxito

pessoal”. Ao reduzir o comportamento moral às ações que atinjam o êxito pessoal, implica uma

concepção egoísta na moral.

O substantivo “thelooser” (o perdedor, o fracassado, aquele que não atinge o êxito

pessoal) implica uma moral relativa que valoriza talento individual, educação formal e

competência, não interessam as diferenças como classe social, etnia ou sexo. O pragmatismo

exaltando o êxito pessoal pretende originar uma sociedade pela meritocracia: os exitosos no

comando da hierarquia social dirigiram a melhor sociedade.

Psicanálise e Ética

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Page 31: Etica Profissional apostila

A psicanálise fundada pelo médico neurologista Sigmund Freud (1856-1939)

iniciou-se com uma concepção naturalista do homem. Erich Fromm (1990-1980), psicanalista e

marxista, tentou completar as ideias de Freud integrando os fatores sociais no estudo humano.

Basicamente Freud afirmava que a personalidade do homem possui uma zona

inconsciente da qual o sujeito não tem consciência. A atividade inconsciente é de natureza

sexual, a libido. Esta zona dinâmica quando não pode ser canalizada ou adaptada - quando é

reprimida – origina perturbações psíquicas como a neurose, que afeta a personalidade do

Indivíduo.

Para Freud a personalidade é composta de três zonas:

a) o id, o inconsciente como conjunto de forças e impulsos que influem no

comportamento do sujeito burlando a “censura” exercida pela consciência. Aqui se armazenam

recordações, desejos ou impulsos reprimidos que lutam para escapar desse fundo obscuro.

b) o ego, a consciência em sentido estrito;

c) o superego, uma espécie de consciência inconsciente que entra em conflito com

o ego. É o conjunto de normas morais que foram impostas ao sujeito infantil de maneira

autoritária e inconsciente pela família ou pela escola.

Essa teoria contribui no julgamento ético, pois considera os motivos do ator em seu

agir. Isto é, no juízo ético de uma ação deve ser considerado se o individuo age consciente e

livremente. Se os atos praticados são originados por motivações inconscientes o juízo deve se

excluído do campo moral. Por outro lado, a psicanálise ajuda a colocar fora da moral aquelas

normas que foram impostas na infância de forma autoritária.

Erich Fromm considerava que faltava à explicação subjetiva e instintiva do

comportamento humano de Freud os fatores objetivos e externos ao sujeito. Estas determinações

são as relações com objetos e as relações com as outras pessoas. Com estas considerações

Fromm privilegiava os fatores sociais e não os subjetivos na explicação do homem. A base de

seu estudo era os efeitos da sociedade capitalista no homem:

‘Dou-te tanto quanto me dás’, em bens materiais assim como em amor, eis a

máxima ética predominante na sociedade capitalista. Pode-se mesmo dizer que o

desenvolvimento da ética da probidade é a peculiar contribuição ética da sociedade capitalista.

As razões deste fato estão na própria natureza da sociedade capitalista. Nas

sociedades pré-capitalistas,a troca de bens era determinada pela força direta, ou pela tradição,

ou por laços pessoais de amor e amizade.No capitalismo, o fator que tudo determina é a troca no

mercado (FROMM, 2000, p. 160.).O sistema capitalista, segundo Fromm, converte o homem

em autômatos e em voyeurs, inibindo a sua liberdade e corroendo seus sentimentos e o amor nas

relações sociais etc.

5. Filosofia analítica e ética

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Page 32: Etica Profissional apostila

A filosofia analítica pretende emancipar a ética do domínio da metafísica, focando

sua atenção na análise da linguagem moral. George E. Moore (1873-1958) é considerado o

fundador da filosofia analítica a partir da ênfase que faz sobre a falácia naturalista: uma

demonstração que pretende concluir juízos de valor a partir de juízos de fato, isto é, do ser não

se segue nenhum dever. Moore denunciava toda ética que pretendia definir o bom como uma

propriedade natural, quando se trata de algo que não pode ser definido.

Um exemplo, quando apreendemos o adjetivo “bom” na frase: “O prazer e a

inteligência são bons”. A falácia consiste em se tentar dar uma definição de “bom” em termos

de um objeto natural, como se “bom” fosse um objeto natural. A conclusão que chega Moore

sobre esta demonstração é que o “bom” se apresenta indefinível e existindo como uma

propriedade nãonatural. Acrescenta ele, o “bom” só pode ser captado por meio da intuição, de

maneira imediata e direta. Então, podemos perceber que para Moore o erro consiste em buscar

argumentos e razões para determinar o que é bom e o que se deve fazer, quando isso é algo

percebido somente pela intuição.

O intuicionismo conduz ao emotivismo ético. Estender o caráter vivencial aos

conceitos éticos como bom, dever, obrigação etc. é considerar que os termos éticos têm um

significado emotivo, são somente expressões de emoções do sujeito, pois os conceitos éticos

não descrevem nem representam nada.

A tarefa específica dos filósofos analíticos é o estudo da linguagem emotiva que

expressa emoções e produz emoções nos outros. Esta tarefa contribui para considerar que esta

linguagem reflete a moral existente na vida social.

As éticas aplicadas

Entre as éticas aplicadas destacam-se a bioética, a ética do meio ambiente, a ética

dos negócios, a ética e a mídia, a ética e a política. Tais são as orientações principais da ética

aplicada, vejamos brevemente cada uma delas.

“Mas a verdade é que um número excessivo de filósofos têm pensado que ao

enumerar todas essas outras propriedades (que têm as coisas que são boas) estavam de facto a

definir bom, que essas propriedades não eram "outras", diferentes, mas se identificavam total e

absolutamente com bondade. A esta posição propomos que se dê o nome de "falácia

naturalista"”. (MOORE, 1993, p. 92).

A bioética

A bioética trata de questões como: existe a legitimidade moral do aborto ou da

eutanásia? É justificado utilizar os seres vivos nos experimentos? Quais as implicações

profundas da pesquisa e da prática no campo da genética? etc. Questões que exigem não

somente uma tomada de posição moral, mas uma interrogação ética. Respondendo a estas

questões, a bioética possui um discurso normativo, pois como toda ética tenta orientar através

de normas de conduta.

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Page 33: Etica Profissional apostila

Num primeiro momento, a bioética questiona, debate, analisa, esclarece e explica

questões éticas, indica métodos de reflexão, destaca valores e princípios sobre determinados

problemas específicos. Num segundo momento, a análise ética conduz a uma tomada de decisão

prática acompanhada de recomendações precisas. Estas decisões sobre a vida, o interesse do

homem por prolongar sua existência e o futuro da humanidade fazem que a bioética interesse a

todos os setores da sociedade. Por sua abrangência, a bioética é uma das disciplinas que

alcançou maior difusão no começo de milênio. Na atualidade existem

Comitês de Ética em quase todos os países do mundo. A bioética é uma disciplina

recente, não tem mais de cinquenta anos e é o estudo dos problemas éticos suscitados pelas

pesquisas, manipulações com seres vivos e, suas aplicações feitas principalmente por biólogos e

médicos. Assim, na bioética se faz uma reflexão crítica sobre as situações e consequências da

manipulação humana no referente à vida.

Nesta ética surgem várias tendências que abarcam diversos setores da sociedade,

daí sua característica interdisciplinar, pois a bioética envolve outras disciplinas como a ecologia,

a antropologia, a biologia, a ética, a psicologia, a sociologia, o direito, a educação, a teologia

etc.

Os fundamentos da bioética têm natureza pragmática, útil e são, a não

maleficência, a beneficência, a autonomia e a justiça. A bioética considera-os em todos os casos

submetidos a sua avaliação. Os fundamentos da bioética constituem o referencial teórico para

justificar suas normas.

a) O fundamento da não maleficência. Foi extraído do Juramento de Hipócrates e

que realizam ainda hoje os médicos (primum nonnocere) “Nunca prejudicarei ou farei mal a

quem quer que seja.

A ninguém darei remédio mortal nem conselho que o induza à destruição”.

b) O fundamento da beneficência. Extraído também do Juramento de Hipócrates:

“Aplicarei a medicina para o bem dos doentes, segundo o saber e minha razão”. Este

fundamento da bioética significa agirem beneficio dos outros, em fazer o bem de outrem. No

contexto médico, é um dever agir no interesse do paciente.

c) O fundamento da autonomia. Refere-se ao livre arbítrio das pessoas: cada

indivíduo é soberano sobre seu corpo e sua mente.

Pela Autonomia exige-se que os indivíduos devam ser tratados como agentes

autônomos e, em segundo lugar, que os indivíduos sejam protegidos quando tenham autonomia

diminuída (crianças, doentes, anciãos etc).

d) O fundamento da justiça. Desde Aristóteles a Justiça é considerada a maior das

virtudes porque envolve todas as ações. A Justiça exige que se trate aos seres humanos de

maneira equitativa, no sentido de dar a cada qual o que lhe corresponde.

33

Page 34: Etica Profissional apostila

Podemos afirmar à maneira de conclusão, que o fundamento da bioética é a

reflexão rigorosa da atualidade, é uma das partes mais importantes da Filosofia em nosso tempo.

A bioética é a reflexão sobre a vida, sem pretender chegar a uma discussão concluída ou última.

Como a filosofia, ela tenta encontrar a melhor fundamentação revendo sempre seus

argumentos. A bioética, como a filosofia, é de caráter problemático e questionador, reflete sobre

o futuro da humanidade,questiona os objetivos e os métodos da ciência, respeita a dignidade e a

integridade dos homens.

O meio ambiente

A nova ordem ecológica de Luc Ferry, Ética Prática de Peter Singer, O contrato

natural de Michel Serres e O princípio de responsabilidade de Hans Jonas são as referências da

ética que defendem uma “ecologia profunda”, isto é, repelem objetivos parciais com relação ao

meio ambiente, apresentando-se revolucionárias em seus fundamentos, com propostas de

princípios e novos valores centrados na vida e na natureza. E, se a natureza tivesse direitos, se

ela nos abrisse a uma concepção inédita da ética? Como compreender a ideia de um direito ético

da natureza, da “physis”, concebida como realidade digna de respeito?

As atuais reflexões sobre ética do meio ambiente possuem antecedentes na história

do pensamento ocidental, vejamos brevemente:

a) O universo como animal vivo em Platão. É interessante perceber que desde sua

origem as éticas ocidentais refletiram sobre a unidade do mundo (holismo: do grego holos,

totalidade. O homem formando parte da totalidade harmônica do universo). Por exemplo, no

Timeu, Platão explica que o universo era um animal vivo, um sistema, na qual as suas diferentes

partes (uma delas é o homem) formam a totalidade bela e organizada de: “O mundo, esse animal

dotado de alma e de razão” (PLATÃO, 2001, 30c).

O universo é um sistema vivo, nas quais todas as partes aparentemente isoladas

(homens, animais, vegetais e meio ambiente) estão relacionadas formando o todo. O mundo

para Platão é um animal, mas muito diferente dos seres vivos que conhecemos. Ele diz: O

mundo, esse animal vivo de olhos não necessitava, pois do lado de fora nada ficou visível; nem

de ouvidos, porque fora dele, também, nada havia para ser percebido. Do mesmo modo, ar

respirável não o envolvia, não necessitando ele, igualmente de nenhum órgão, ou fosse para

receber alimentos, ou para expeli-los (PLATÃO, 2001, 30c).

Platão concebe o mundo como uma totalidade na qual a vida resulta da composição

e coordenação das funções particulares dos órgãos que o compõem. Assim, o homem é parte

integrante do universo, ele deve compreender e respeitar a natureza vivendo em harmonia com

ela.

b) A natureza enquanto paradigma ético. As fábulas são um antecedente da ética

por ilustrar preceitos em forma breve. Estas são narrações que na sua parte final apresentam

uma “moral”,um ensino de normas de conduta. Os personagens das fábulas de Esopo

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Page 35: Etica Profissional apostila

geralmente são os animais e os fenômenos naturais, por exemplo: a formiga, o leão, o sol, o

vento etc. O objetivo das fábulas é transmitir a ordem da natureza e daí extrair preceitos, normas

e regras de conduta para nossas ações: “sejamos trabalhadores como a formiga e não

indisciplinados como as cigarras”, “conheçamos a astúcia para não cair na predação das

raposas” etc.

Na modernidade, Baruch Espinosa identificava Deus com a natureza, ambos

possuíam idêntico estatuto e, portanto, respeitar a natureza era respeitar Deus. David Hume, o

maior empirista britânico, afirmava que os homens são animais que têm sentidos, paixões e

razão. Para Hume, os animais domésticos, comparados como os humanos, eram como crianças

antes dos dois anos, totalmente dependentes dos pais e com falta da linguagem.

a) A fraternidade universal de São Francisco. Na religião cristã, São Francisco de

Assis (1182-1226) apregoava a irmandade com os animais e a natureza, “irmão sol, irmã lua,

irmão lobo”. O Cântico das Criaturas é um hino da irmandade universal: “Louvado sejas, meu

Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o senhor irmão Sol, que clareia o dia e com

sua luz nos alumia”. Todos estes pensadores: Platão, Esopo, Spinoza, Hume e o místico São

Francisco viam que o comportamento humano precisa do respeito à natureza, aos animais e ao

meio ambiente.

Ética dos negócios

À primeira vista parece paradoxal que exista “ética nos negócios”, onde o lucro e a

sobrevivência são os objetivos de toda empresa, onde todos os golpes parecem permitidos.

Também, os códigos de ética nas empresas se apresentam simplesmente como uma soma de

deveres (deontologia). Então, “ética nos negócios” é impostura ou realidade? Na década de

1960 surge nos Estados Unidos a necessidade de uma reflexão sobre as responsabilidades da

empresa. Em momentos de estabilidade comercial, surge a vontade de preservar a integridade da

natureza e o futuro do homem. A ética nos negócios se apresenta desde seus inícios com

fundamentos éticos da responsabilidade e comunicação transparente da empresa. Nos anos

oitenta, a ética dos negócios conhece sua floração e as empresas adotam códigos de conduta e se

instauram comitês de ética.

A deontologia, apresentada nos códigos de ética das empresas, não está isenta de

sentido ético. A vontade de obedecer a regras, de praticar o respeito ao outro, de subordinar os

negócios à arte do êxito a longo termo e considerar os parceiros, são mostras que assinalam um

compromisso com o futuro, que não está despojada de significa do ético. A ética dos negócios

reencontra aqui uma relação com o tempo, que converge com o projeto global do futuro,

mostrando autenticamente axiológica. E, visando conciliar a necessidade do produtor e do

consumidor, visa o bem de todos. Assim, a moderna ética de empresa se apresenta comunicativa

e responsável com o futuro.

Ética na mídia e na política

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O “quarto poder” como é denominada a mídia, o conjunto dos meios de

comunicação, apresenta uma deontologia que não está isenta de princípios éticos. A democracia

está intimamente ligada à informação da mídia. Países totalitários ou tirânicos controlam a

mídia para exercer o controle social. A mídia ética, necessária na democracia, é responsável

com as informações que transmitem à pessoa e ao cidadão. Neste sentido, a mídia – a televisão,

a internet – não pode ser abandonada ao mercado publicitário, à procura ávida pelo lucro e o

sensacionalismo

O descrédito crescente que afeta a política leva hoje a uma interrogação sobre os

fins e os meios da ação. A democracia exige transparência na gestão pública e inclusão dos

setores sociais, enfim respeito aos direitos do homem à luz da ética. A opção pela democracia é

uma imposição cada vez mais sólida entre a ética e a política.

REFERÊNCIAS

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Page 37: Etica Profissional apostila

ARISTÓTELES. Ética a nicômaco. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: Editora UNB, 2001.

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BOFF, Leonardo. Ética e moral: a busca dos fundamentos. Petrópolis,RJ: Vozes, 2003.

BONHOEFFER, Dietrich. Ética. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1985.

FRANKENA, William K. Ética. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.

FREUD, Sigmund. O Futuro de uma Ilusão. Rio de Janeiro: Imago, 2001.

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Brasileiro, 1989.

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2011.

VALLS, Álvaro. O que é Ética.Ed.Brasiliense, 1993.

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