Etica Toda

53
II.A ação humana e os valores 3. Dimensões da ação humana e dos valores 3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial 3.1.2. A dimensão pessoal e social da ética – o si mesmo, o outro e as instituições A responsabilidade é a capacidade de responder e prestar contas pelos atos praticados. A responsabilidade tem duas vertentes: a responsabilidade civil, prestar contas pelas consequências perante terceiros, e a responsabilidade moral, prestar conta perante a nossa consciência pelos atos e intenções dos mesmos. A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos atos praticados; assumir esta autoria implica uma reflexão prévia que pode e deve conduzir a uma opção livre de constrangimentos, isto é, autónoma; esta autonomia ou liberdade é condição para se ser pessoa. A responsabilidade implica maturidade moral. A existência humana é uma existência partilhada, isto é, vivida em coexistência com os outros ou, dito de outro modo, o ser humano é um ser eminentemente social. Como nos

Transcript of Etica Toda

Page 1: Etica Toda

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

312 A dimensatildeo pessoal e social da eacutetica ndash o si mesmo o outro e as instituiccedilotildees

1048708 A responsabilidade eacute a capacidade de responder e prestar contas pelos atos

praticados A responsabilidade tem duas vertentes a responsabilidade civil prestar

contas pelas consequecircncias perante terceiros e a responsabilidade moral prestar conta

perante a nossa consciecircncia pelos atos e intenccedilotildees dos mesmos

1048708 A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos atos praticados assumir esta

autoria implica uma reflexatildeo preacutevia que pode e deve conduzir a uma opccedilatildeo livre de

constrangimentos isto eacute autoacutenoma esta autonomia ou liberdade eacute condiccedilatildeo para se ser

pessoa A responsabilidade implica maturidade moral

1048708 A existecircncia humana eacute uma existecircncia partilhada isto eacute vivida em coexistecircncia com

os outros ou dito de outro modo o ser humano eacute um ser eminentemente social Como

nos diz F Savater laquoningueacutem chega a tornar-se humano se estaacute soacute tornamo-nos

humanos uns aos outrosraquo

1048708 Os Gregos foram os primeiros a salientar a importacircncia desta dimensatildeo social e

politica do ser humano como eacute viacutesivel na definiccedilatildeo apresentada por Aristoacuteteles ao

afirmar laquoo Homem eacute um animal poliacutetico aquele que vive soacute ou eacute um deus ou um

loucoraquo sendo por isso que a pena mais cruel infligida a um indiviacuteduo era a condenaccedilatildeo

ao ostracismo isto eacute a condenaccedilatildeo a viver isolado dos outros

1048708 Sendo assim a dimensatildeo eacutetica implica que natildeo se considerem exclusivamente os

interesses individuais e se avaliem as situaccedilotildees tendo em conta tambeacutem os interesses

dos outros

1048708 A relaccedilatildeo eu-outro implica portanto que os nossos juiacutezos avaliativos adotem um

ponto de vista no qual considerem igualmente os interesses de todos os que satildeo afetados

pelas nossas accedilotildees isto eacute implica que nos coloquemos numa perspetiva de

universalidade do agir A accedilatildeo eacutetica exige que ultrapassemos o nosso ponto de vista

pessoal e nos coloquemos na medida do possiacutevel no lugar do outro (entendendo-se por

outro todos os seres com quem nos relacionamos) Em vez do egoiacutesmo a Eacutetica valoriza

o altruiacutesmo e a solidariedade Em vez do benefiacutecio pessoal a Eacutetica promove elogia e

estimula a consideraccedilatildeo de valores comuns aos membros duma comunidade

1048708 Valorizando os comportamentos comuns a Eacutetica procura assim promover a

realizaccedilatildeo da vida social em que a existecircncia individual ganha sentido na vivecircncia

partilhada com os outros

1048708 A relaccedilatildeo com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstruccedilatildeo

evidenciando que a realizaccedilatildeo de cada um supotildee tambeacutem a realizaccedilatildeo dos outros numa

convergecircncia de vontades particulares tendo em vista a realizaccedilatildeo de fins comuns Mas

o antagonismo e a conflituosidade entre os interesses individuais nem sempre se

conseguem compatibilizar e por isso as diferentes formas de relacionamento social

expressas quer em competiccedilatildeosolidariedade que em cooperaccedilatildeohostilidade exigem o

estabelecimento de regras de conduta de normas e leis que definam os direitos e

deveres de cada um num espaccedilo de convivecircncia

1048708 Esta convivecircncia com os outros natildeo deve ser determinada por uma forccedila instintiva ou

bioloacutegica antes se estabelece no interior duma comunidade em funccedilatildeo de objetivos

valores e opccedilotildees livremente definidos por cada sociedade Eacute esta convergecircncia de ideais

que procura dar sentido agrave existecircncia da sociedade e de cada indiviacuteduo

1048708 Nesta interaccedilatildeo social forma-se em cada um de noacutes uma instacircncia interior de

orientaccedilatildeo e de critica do nosso agir a que chamamos consciecircncia moral

1048708 Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciecircncia moral

costumamos comparaacute-la a uma espeacutecie de laquojuiz interiorraquo que julga o que fazemos

provocando-nos em certas situaccedilotildees aquilo a que chamamos remorsos por termos

praticado uma accedilatildeo considerada maacute (ter a consciecircncia pesada ou ter um peso na

consciecircncia) ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos

bem (estar de consciecircncia tranquila)

1048708 O conceito de consciecircncia moral inclui entatildeo

Um sentido apelativo para valores e normas ideais a que natildeo devemos renunciar

(uma laquobuacutessolaraquo orientadora do sentido da accedilatildeo)

Um sentido imperativo (obrigaccedilatildeo) que nos ordena uma accedilatildeo compatiacutevel com os

valores que defendemos (index)

Um sentido judicativo pois assume-se como instacircncia julgadora dos nossos atos e

das proacuteprias intenccedilotildees do agente conforme estatildeo ou natildeo de acordo com os valores e

ideais a que aderimos (judex)

Um sentido de censura e de remorso ou de elogio e satisfaccedilatildeo conforme a nossa

vivecircncia obedece ou natildeo aos ideais e valores assumidos (vindex)

1048708 Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos

a consciecircncia moral constitui-se na conjugaccedilatildeo de duas orientaccedilotildees

CONSCIEcircNCIA MORAL

Por um lado cresce agrave medida que o

indiviacuteduo interioriza as regras e padrotildees

do grupo (heteronomia)

Por outro amadurece e assume-se

como uma dimensatildeo pessoal no sentido

em que cada um se autodetermina por

princiacutepios racionalmente justificados

(autonomia)

1048708 Haacute pois uma interaccedilatildeo entre as estruturas do indiviacuteduo e as influencias do meio

social uma articulaccedilatildeo do querer individual com os padrotildees sociais que conduz agrave

transformaccedilatildeo do indiviacuteduo em pessoa

Noccedilatildeo de pessoa

1048708 Por pessoa entende-se o individuo humano que

Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigaccedilotildees para consigo mesmo

para com os outros e para com as instituiccedilotildees

Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social

Assume o caraacuteter racional da sua autonomia e portanto a capacidade de agir livre e

responsavelmente isto eacute em nome proacuteprio

Tem consciecircncia do caraacuteter inter-relacional da sua autonomia uma vez que

autonomia natildeo significa autossuficiecircncia nem indiferenccedila pelos outros

Assume a dignidade como atributo essencial do Homem dignidade que se expressa

numa exigecircncia perante si mesmo perante os outros e perante as instituiccedilotildees

1048708 Podemos dizer entatildeo que ser pessoa exige viver em sociedade reconhecer e respeitar

princiacutepios universais de relaccedilatildeo com os outros reconhecer-se como sujeito de direitos e

deveres estar aberto aos outros

Neste sentido foram fundadas ao longo dos tempos instituiccedilotildees poliacuteticas e sociais que

visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e

que demonstram a aceitaccedilatildeo pelas sociedades da personalidade humana

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Responsabilidade deriva etimologicamente da palavra latina laquorespondereraquo que

significa responder pelos atos e ter a obrigaccedilatildeo de prestar contas pelos atos praticados

A responsabilidade pode assumir diferentes formas responsabilidade civil ndash referindo-

se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social responsabilidade

moral ndash referindo-se agrave obrigaccedilatildeo de responder perante a nossa proacutepria consciecircncia

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

313 A necessidade de fundamentaccedilatildeo da moral ndash anaacutelise comparativa de duas perspetivas filosoacuteficas

Eacutetica utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 dC)

1048708 Filoacutesofo e economista considerado o mais importante representante do utilitarismo

inglecircs Embora mantenha a identificaccedilatildeo base do utilitarismo da felicidade com prazer

Stuart Mill classifica os prazeres segundo um criteacuterio qualitativo considerando em

primeiro lugar a dignidade do Homem e defende que o fim das nossas accedilotildees deve ser

uma utilidade altruiacutesta e natildeo meramente egoiacutesta

Duas objeccedilotildees ao utilitarismo

1048708 O utilitarismo natildeo funciona na praacutetica pois exige que estejamos sempre a calcular as

consequecircncias das nossas accedilotildees

1048708 O utilitarismo como natildeo leva em conta as normas ou regras morais comuns

predispotildee-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir roubar ou matar

Uma resposta agraves objeccedilotildees

O utilitarismo eacute primariamente uma teoria sobre o que torna as accedilotildees certas ou erradas

O utilitarismo natildeo eacute uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisotildees

Por isso o utilitarismo natildeo implica que

1 Temos de tomar todas as decisotildees calculando as consequecircncias provaacuteveis dos nossos

atos

2 Temos de ser indiferentes agraves normas morais comuns quando decidimos o que fazer

O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas

consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem

O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que

de uma maneira geral seratildeo boas

Dois niacuteveis de pensamento moral

1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas

decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves

inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista

1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees

em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar

criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar

Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas

1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios

Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente

2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis

Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva

Integridade

A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em

conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos

projetos e compromissos pessoais

Respeito e direitos

A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos

morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim

do bem geral

Dois egoiacutesmos

1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

Somos todos egoiacutestas

Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico

1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por

isso somos todos egoiacutestas

2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem

aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos

egoiacutestas

Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo

1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a

fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas

1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a

expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo

Devemos ser egoiacutestas

Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico

1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na

atividade de aconselhar e julgar

1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente

1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma

egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta

Utilitarismo

J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas

na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a

produzir o reverso da felicidaderaquo

1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista

1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir

bons resultados

1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio

1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles

que poderatildeo ser afetados pela sua conduta

1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a

maior utilidade esperada

1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas

vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se

verificarem

Hedonismo

Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa

1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor

1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da

vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela

duraccedilatildeo e intensidade

1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua

natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma

forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade

idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores

O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo

1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma

vida insuperavelmente apraziacutevel

1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina

de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real

Logo o hedonismo eacute falso

Satisfaccedilatildeo de preferecircncias

Uma perspetiva alternativa ao hedonismo

1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias

Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar

Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias

daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta

O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias

1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva

1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria

inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o

utilitarismo de preferecircncias eacute falso

Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia

As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a

Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre

esteacutetica)

Teorias deontoloacutegicas

Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees

1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas

2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas

No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem

imparcialmente o bem-estar

1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas

consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que

proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees

No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja

quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o

bem-estar eacute errada

1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente

algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem

nada de errado

Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas

1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas

1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito

1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem

1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o

meacuterito

1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento

1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros

1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros

Deontologia

1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que

Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral

1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se

estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria

racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na

experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter

fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes

ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser

determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por

interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si

mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos

e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo

de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles

1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve

pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela

1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que

o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral

Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant

afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade

humana

1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional

Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por

isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 2: Etica Toda

1048708 A relaccedilatildeo eu-outro implica portanto que os nossos juiacutezos avaliativos adotem um

ponto de vista no qual considerem igualmente os interesses de todos os que satildeo afetados

pelas nossas accedilotildees isto eacute implica que nos coloquemos numa perspetiva de

universalidade do agir A accedilatildeo eacutetica exige que ultrapassemos o nosso ponto de vista

pessoal e nos coloquemos na medida do possiacutevel no lugar do outro (entendendo-se por

outro todos os seres com quem nos relacionamos) Em vez do egoiacutesmo a Eacutetica valoriza

o altruiacutesmo e a solidariedade Em vez do benefiacutecio pessoal a Eacutetica promove elogia e

estimula a consideraccedilatildeo de valores comuns aos membros duma comunidade

1048708 Valorizando os comportamentos comuns a Eacutetica procura assim promover a

realizaccedilatildeo da vida social em que a existecircncia individual ganha sentido na vivecircncia

partilhada com os outros

1048708 A relaccedilatildeo com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstruccedilatildeo

evidenciando que a realizaccedilatildeo de cada um supotildee tambeacutem a realizaccedilatildeo dos outros numa

convergecircncia de vontades particulares tendo em vista a realizaccedilatildeo de fins comuns Mas

o antagonismo e a conflituosidade entre os interesses individuais nem sempre se

conseguem compatibilizar e por isso as diferentes formas de relacionamento social

expressas quer em competiccedilatildeosolidariedade que em cooperaccedilatildeohostilidade exigem o

estabelecimento de regras de conduta de normas e leis que definam os direitos e

deveres de cada um num espaccedilo de convivecircncia

1048708 Esta convivecircncia com os outros natildeo deve ser determinada por uma forccedila instintiva ou

bioloacutegica antes se estabelece no interior duma comunidade em funccedilatildeo de objetivos

valores e opccedilotildees livremente definidos por cada sociedade Eacute esta convergecircncia de ideais

que procura dar sentido agrave existecircncia da sociedade e de cada indiviacuteduo

1048708 Nesta interaccedilatildeo social forma-se em cada um de noacutes uma instacircncia interior de

orientaccedilatildeo e de critica do nosso agir a que chamamos consciecircncia moral

1048708 Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciecircncia moral

costumamos comparaacute-la a uma espeacutecie de laquojuiz interiorraquo que julga o que fazemos

provocando-nos em certas situaccedilotildees aquilo a que chamamos remorsos por termos

praticado uma accedilatildeo considerada maacute (ter a consciecircncia pesada ou ter um peso na

consciecircncia) ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos

bem (estar de consciecircncia tranquila)

1048708 O conceito de consciecircncia moral inclui entatildeo

Um sentido apelativo para valores e normas ideais a que natildeo devemos renunciar

(uma laquobuacutessolaraquo orientadora do sentido da accedilatildeo)

Um sentido imperativo (obrigaccedilatildeo) que nos ordena uma accedilatildeo compatiacutevel com os

valores que defendemos (index)

Um sentido judicativo pois assume-se como instacircncia julgadora dos nossos atos e

das proacuteprias intenccedilotildees do agente conforme estatildeo ou natildeo de acordo com os valores e

ideais a que aderimos (judex)

Um sentido de censura e de remorso ou de elogio e satisfaccedilatildeo conforme a nossa

vivecircncia obedece ou natildeo aos ideais e valores assumidos (vindex)

1048708 Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos

a consciecircncia moral constitui-se na conjugaccedilatildeo de duas orientaccedilotildees

CONSCIEcircNCIA MORAL

Por um lado cresce agrave medida que o

indiviacuteduo interioriza as regras e padrotildees

do grupo (heteronomia)

Por outro amadurece e assume-se

como uma dimensatildeo pessoal no sentido

em que cada um se autodetermina por

princiacutepios racionalmente justificados

(autonomia)

1048708 Haacute pois uma interaccedilatildeo entre as estruturas do indiviacuteduo e as influencias do meio

social uma articulaccedilatildeo do querer individual com os padrotildees sociais que conduz agrave

transformaccedilatildeo do indiviacuteduo em pessoa

Noccedilatildeo de pessoa

1048708 Por pessoa entende-se o individuo humano que

Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigaccedilotildees para consigo mesmo

para com os outros e para com as instituiccedilotildees

Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social

Assume o caraacuteter racional da sua autonomia e portanto a capacidade de agir livre e

responsavelmente isto eacute em nome proacuteprio

Tem consciecircncia do caraacuteter inter-relacional da sua autonomia uma vez que

autonomia natildeo significa autossuficiecircncia nem indiferenccedila pelos outros

Assume a dignidade como atributo essencial do Homem dignidade que se expressa

numa exigecircncia perante si mesmo perante os outros e perante as instituiccedilotildees

1048708 Podemos dizer entatildeo que ser pessoa exige viver em sociedade reconhecer e respeitar

princiacutepios universais de relaccedilatildeo com os outros reconhecer-se como sujeito de direitos e

deveres estar aberto aos outros

Neste sentido foram fundadas ao longo dos tempos instituiccedilotildees poliacuteticas e sociais que

visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e

que demonstram a aceitaccedilatildeo pelas sociedades da personalidade humana

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Responsabilidade deriva etimologicamente da palavra latina laquorespondereraquo que

significa responder pelos atos e ter a obrigaccedilatildeo de prestar contas pelos atos praticados

A responsabilidade pode assumir diferentes formas responsabilidade civil ndash referindo-

se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social responsabilidade

moral ndash referindo-se agrave obrigaccedilatildeo de responder perante a nossa proacutepria consciecircncia

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

313 A necessidade de fundamentaccedilatildeo da moral ndash anaacutelise comparativa de duas perspetivas filosoacuteficas

Eacutetica utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 dC)

1048708 Filoacutesofo e economista considerado o mais importante representante do utilitarismo

inglecircs Embora mantenha a identificaccedilatildeo base do utilitarismo da felicidade com prazer

Stuart Mill classifica os prazeres segundo um criteacuterio qualitativo considerando em

primeiro lugar a dignidade do Homem e defende que o fim das nossas accedilotildees deve ser

uma utilidade altruiacutesta e natildeo meramente egoiacutesta

Duas objeccedilotildees ao utilitarismo

1048708 O utilitarismo natildeo funciona na praacutetica pois exige que estejamos sempre a calcular as

consequecircncias das nossas accedilotildees

1048708 O utilitarismo como natildeo leva em conta as normas ou regras morais comuns

predispotildee-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir roubar ou matar

Uma resposta agraves objeccedilotildees

O utilitarismo eacute primariamente uma teoria sobre o que torna as accedilotildees certas ou erradas

O utilitarismo natildeo eacute uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisotildees

Por isso o utilitarismo natildeo implica que

1 Temos de tomar todas as decisotildees calculando as consequecircncias provaacuteveis dos nossos

atos

2 Temos de ser indiferentes agraves normas morais comuns quando decidimos o que fazer

O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas

consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem

O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que

de uma maneira geral seratildeo boas

Dois niacuteveis de pensamento moral

1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas

decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves

inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista

1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees

em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar

criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar

Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas

1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios

Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente

2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis

Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva

Integridade

A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em

conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos

projetos e compromissos pessoais

Respeito e direitos

A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos

morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim

do bem geral

Dois egoiacutesmos

1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

Somos todos egoiacutestas

Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico

1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por

isso somos todos egoiacutestas

2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem

aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos

egoiacutestas

Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo

1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a

fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas

1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a

expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo

Devemos ser egoiacutestas

Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico

1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na

atividade de aconselhar e julgar

1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente

1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma

egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta

Utilitarismo

J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas

na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a

produzir o reverso da felicidaderaquo

1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista

1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir

bons resultados

1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio

1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles

que poderatildeo ser afetados pela sua conduta

1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a

maior utilidade esperada

1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas

vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se

verificarem

Hedonismo

Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa

1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor

1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da

vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela

duraccedilatildeo e intensidade

1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua

natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma

forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade

idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores

O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo

1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma

vida insuperavelmente apraziacutevel

1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina

de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real

Logo o hedonismo eacute falso

Satisfaccedilatildeo de preferecircncias

Uma perspetiva alternativa ao hedonismo

1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias

Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar

Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias

daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta

O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias

1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva

1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria

inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o

utilitarismo de preferecircncias eacute falso

Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia

As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a

Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre

esteacutetica)

Teorias deontoloacutegicas

Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees

1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas

2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas

No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem

imparcialmente o bem-estar

1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas

consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que

proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees

No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja

quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o

bem-estar eacute errada

1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente

algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem

nada de errado

Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas

1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas

1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito

1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem

1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o

meacuterito

1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento

1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros

1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros

Deontologia

1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que

Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral

1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se

estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria

racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na

experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter

fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes

ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser

determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por

interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si

mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos

e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo

de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles

1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve

pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela

1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que

o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral

Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant

afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade

humana

1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional

Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por

isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 3: Etica Toda

1048708 Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciecircncia moral

costumamos comparaacute-la a uma espeacutecie de laquojuiz interiorraquo que julga o que fazemos

provocando-nos em certas situaccedilotildees aquilo a que chamamos remorsos por termos

praticado uma accedilatildeo considerada maacute (ter a consciecircncia pesada ou ter um peso na

consciecircncia) ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos

bem (estar de consciecircncia tranquila)

1048708 O conceito de consciecircncia moral inclui entatildeo

Um sentido apelativo para valores e normas ideais a que natildeo devemos renunciar

(uma laquobuacutessolaraquo orientadora do sentido da accedilatildeo)

Um sentido imperativo (obrigaccedilatildeo) que nos ordena uma accedilatildeo compatiacutevel com os

valores que defendemos (index)

Um sentido judicativo pois assume-se como instacircncia julgadora dos nossos atos e

das proacuteprias intenccedilotildees do agente conforme estatildeo ou natildeo de acordo com os valores e

ideais a que aderimos (judex)

Um sentido de censura e de remorso ou de elogio e satisfaccedilatildeo conforme a nossa

vivecircncia obedece ou natildeo aos ideais e valores assumidos (vindex)

1048708 Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos

a consciecircncia moral constitui-se na conjugaccedilatildeo de duas orientaccedilotildees

CONSCIEcircNCIA MORAL

Por um lado cresce agrave medida que o

indiviacuteduo interioriza as regras e padrotildees

do grupo (heteronomia)

Por outro amadurece e assume-se

como uma dimensatildeo pessoal no sentido

em que cada um se autodetermina por

princiacutepios racionalmente justificados

(autonomia)

1048708 Haacute pois uma interaccedilatildeo entre as estruturas do indiviacuteduo e as influencias do meio

social uma articulaccedilatildeo do querer individual com os padrotildees sociais que conduz agrave

transformaccedilatildeo do indiviacuteduo em pessoa

Noccedilatildeo de pessoa

1048708 Por pessoa entende-se o individuo humano que

Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigaccedilotildees para consigo mesmo

para com os outros e para com as instituiccedilotildees

Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social

Assume o caraacuteter racional da sua autonomia e portanto a capacidade de agir livre e

responsavelmente isto eacute em nome proacuteprio

Tem consciecircncia do caraacuteter inter-relacional da sua autonomia uma vez que

autonomia natildeo significa autossuficiecircncia nem indiferenccedila pelos outros

Assume a dignidade como atributo essencial do Homem dignidade que se expressa

numa exigecircncia perante si mesmo perante os outros e perante as instituiccedilotildees

1048708 Podemos dizer entatildeo que ser pessoa exige viver em sociedade reconhecer e respeitar

princiacutepios universais de relaccedilatildeo com os outros reconhecer-se como sujeito de direitos e

deveres estar aberto aos outros

Neste sentido foram fundadas ao longo dos tempos instituiccedilotildees poliacuteticas e sociais que

visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e

que demonstram a aceitaccedilatildeo pelas sociedades da personalidade humana

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Responsabilidade deriva etimologicamente da palavra latina laquorespondereraquo que

significa responder pelos atos e ter a obrigaccedilatildeo de prestar contas pelos atos praticados

A responsabilidade pode assumir diferentes formas responsabilidade civil ndash referindo-

se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social responsabilidade

moral ndash referindo-se agrave obrigaccedilatildeo de responder perante a nossa proacutepria consciecircncia

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

313 A necessidade de fundamentaccedilatildeo da moral ndash anaacutelise comparativa de duas perspetivas filosoacuteficas

Eacutetica utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 dC)

1048708 Filoacutesofo e economista considerado o mais importante representante do utilitarismo

inglecircs Embora mantenha a identificaccedilatildeo base do utilitarismo da felicidade com prazer

Stuart Mill classifica os prazeres segundo um criteacuterio qualitativo considerando em

primeiro lugar a dignidade do Homem e defende que o fim das nossas accedilotildees deve ser

uma utilidade altruiacutesta e natildeo meramente egoiacutesta

Duas objeccedilotildees ao utilitarismo

1048708 O utilitarismo natildeo funciona na praacutetica pois exige que estejamos sempre a calcular as

consequecircncias das nossas accedilotildees

1048708 O utilitarismo como natildeo leva em conta as normas ou regras morais comuns

predispotildee-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir roubar ou matar

Uma resposta agraves objeccedilotildees

O utilitarismo eacute primariamente uma teoria sobre o que torna as accedilotildees certas ou erradas

O utilitarismo natildeo eacute uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisotildees

Por isso o utilitarismo natildeo implica que

1 Temos de tomar todas as decisotildees calculando as consequecircncias provaacuteveis dos nossos

atos

2 Temos de ser indiferentes agraves normas morais comuns quando decidimos o que fazer

O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas

consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem

O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que

de uma maneira geral seratildeo boas

Dois niacuteveis de pensamento moral

1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas

decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves

inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista

1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees

em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar

criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar

Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas

1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios

Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente

2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis

Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva

Integridade

A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em

conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos

projetos e compromissos pessoais

Respeito e direitos

A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos

morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim

do bem geral

Dois egoiacutesmos

1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

Somos todos egoiacutestas

Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico

1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por

isso somos todos egoiacutestas

2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem

aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos

egoiacutestas

Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo

1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a

fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas

1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a

expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo

Devemos ser egoiacutestas

Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico

1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na

atividade de aconselhar e julgar

1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente

1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma

egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta

Utilitarismo

J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas

na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a

produzir o reverso da felicidaderaquo

1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista

1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir

bons resultados

1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio

1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles

que poderatildeo ser afetados pela sua conduta

1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a

maior utilidade esperada

1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas

vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se

verificarem

Hedonismo

Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa

1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor

1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da

vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela

duraccedilatildeo e intensidade

1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua

natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma

forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade

idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores

O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo

1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma

vida insuperavelmente apraziacutevel

1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina

de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real

Logo o hedonismo eacute falso

Satisfaccedilatildeo de preferecircncias

Uma perspetiva alternativa ao hedonismo

1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias

Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar

Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias

daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta

O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias

1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva

1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria

inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o

utilitarismo de preferecircncias eacute falso

Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia

As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a

Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre

esteacutetica)

Teorias deontoloacutegicas

Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees

1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas

2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas

No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem

imparcialmente o bem-estar

1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas

consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que

proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees

No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja

quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o

bem-estar eacute errada

1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente

algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem

nada de errado

Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas

1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas

1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito

1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem

1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o

meacuterito

1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento

1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros

1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros

Deontologia

1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que

Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral

1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se

estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria

racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na

experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter

fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes

ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser

determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por

interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si

mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos

e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo

de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles

1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve

pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela

1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que

o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral

Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant

afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade

humana

1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional

Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por

isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 4: Etica Toda

1048708 Haacute pois uma interaccedilatildeo entre as estruturas do indiviacuteduo e as influencias do meio

social uma articulaccedilatildeo do querer individual com os padrotildees sociais que conduz agrave

transformaccedilatildeo do indiviacuteduo em pessoa

Noccedilatildeo de pessoa

1048708 Por pessoa entende-se o individuo humano que

Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigaccedilotildees para consigo mesmo

para com os outros e para com as instituiccedilotildees

Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social

Assume o caraacuteter racional da sua autonomia e portanto a capacidade de agir livre e

responsavelmente isto eacute em nome proacuteprio

Tem consciecircncia do caraacuteter inter-relacional da sua autonomia uma vez que

autonomia natildeo significa autossuficiecircncia nem indiferenccedila pelos outros

Assume a dignidade como atributo essencial do Homem dignidade que se expressa

numa exigecircncia perante si mesmo perante os outros e perante as instituiccedilotildees

1048708 Podemos dizer entatildeo que ser pessoa exige viver em sociedade reconhecer e respeitar

princiacutepios universais de relaccedilatildeo com os outros reconhecer-se como sujeito de direitos e

deveres estar aberto aos outros

Neste sentido foram fundadas ao longo dos tempos instituiccedilotildees poliacuteticas e sociais que

visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e

que demonstram a aceitaccedilatildeo pelas sociedades da personalidade humana

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Responsabilidade deriva etimologicamente da palavra latina laquorespondereraquo que

significa responder pelos atos e ter a obrigaccedilatildeo de prestar contas pelos atos praticados

A responsabilidade pode assumir diferentes formas responsabilidade civil ndash referindo-

se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social responsabilidade

moral ndash referindo-se agrave obrigaccedilatildeo de responder perante a nossa proacutepria consciecircncia

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

313 A necessidade de fundamentaccedilatildeo da moral ndash anaacutelise comparativa de duas perspetivas filosoacuteficas

Eacutetica utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 dC)

1048708 Filoacutesofo e economista considerado o mais importante representante do utilitarismo

inglecircs Embora mantenha a identificaccedilatildeo base do utilitarismo da felicidade com prazer

Stuart Mill classifica os prazeres segundo um criteacuterio qualitativo considerando em

primeiro lugar a dignidade do Homem e defende que o fim das nossas accedilotildees deve ser

uma utilidade altruiacutesta e natildeo meramente egoiacutesta

Duas objeccedilotildees ao utilitarismo

1048708 O utilitarismo natildeo funciona na praacutetica pois exige que estejamos sempre a calcular as

consequecircncias das nossas accedilotildees

1048708 O utilitarismo como natildeo leva em conta as normas ou regras morais comuns

predispotildee-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir roubar ou matar

Uma resposta agraves objeccedilotildees

O utilitarismo eacute primariamente uma teoria sobre o que torna as accedilotildees certas ou erradas

O utilitarismo natildeo eacute uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisotildees

Por isso o utilitarismo natildeo implica que

1 Temos de tomar todas as decisotildees calculando as consequecircncias provaacuteveis dos nossos

atos

2 Temos de ser indiferentes agraves normas morais comuns quando decidimos o que fazer

O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas

consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem

O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que

de uma maneira geral seratildeo boas

Dois niacuteveis de pensamento moral

1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas

decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves

inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista

1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees

em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar

criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar

Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas

1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios

Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente

2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis

Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva

Integridade

A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em

conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos

projetos e compromissos pessoais

Respeito e direitos

A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos

morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim

do bem geral

Dois egoiacutesmos

1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

Somos todos egoiacutestas

Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico

1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por

isso somos todos egoiacutestas

2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem

aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos

egoiacutestas

Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo

1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a

fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas

1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a

expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo

Devemos ser egoiacutestas

Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico

1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na

atividade de aconselhar e julgar

1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente

1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma

egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta

Utilitarismo

J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas

na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a

produzir o reverso da felicidaderaquo

1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista

1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir

bons resultados

1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio

1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles

que poderatildeo ser afetados pela sua conduta

1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a

maior utilidade esperada

1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas

vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se

verificarem

Hedonismo

Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa

1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor

1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da

vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela

duraccedilatildeo e intensidade

1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua

natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma

forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade

idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores

O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo

1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma

vida insuperavelmente apraziacutevel

1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina

de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real

Logo o hedonismo eacute falso

Satisfaccedilatildeo de preferecircncias

Uma perspetiva alternativa ao hedonismo

1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias

Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar

Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias

daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta

O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias

1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva

1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria

inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o

utilitarismo de preferecircncias eacute falso

Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia

As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a

Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre

esteacutetica)

Teorias deontoloacutegicas

Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees

1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas

2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas

No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem

imparcialmente o bem-estar

1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas

consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que

proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees

No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja

quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o

bem-estar eacute errada

1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente

algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem

nada de errado

Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas

1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas

1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito

1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem

1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o

meacuterito

1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento

1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros

1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros

Deontologia

1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que

Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral

1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se

estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria

racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na

experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter

fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes

ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser

determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por

interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si

mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos

e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo

de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles

1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve

pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela

1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que

o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral

Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant

afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade

humana

1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional

Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por

isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 5: Etica Toda

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

313 A necessidade de fundamentaccedilatildeo da moral ndash anaacutelise comparativa de duas perspetivas filosoacuteficas

Eacutetica utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 dC)

1048708 Filoacutesofo e economista considerado o mais importante representante do utilitarismo

inglecircs Embora mantenha a identificaccedilatildeo base do utilitarismo da felicidade com prazer

Stuart Mill classifica os prazeres segundo um criteacuterio qualitativo considerando em

primeiro lugar a dignidade do Homem e defende que o fim das nossas accedilotildees deve ser

uma utilidade altruiacutesta e natildeo meramente egoiacutesta

Duas objeccedilotildees ao utilitarismo

1048708 O utilitarismo natildeo funciona na praacutetica pois exige que estejamos sempre a calcular as

consequecircncias das nossas accedilotildees

1048708 O utilitarismo como natildeo leva em conta as normas ou regras morais comuns

predispotildee-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir roubar ou matar

Uma resposta agraves objeccedilotildees

O utilitarismo eacute primariamente uma teoria sobre o que torna as accedilotildees certas ou erradas

O utilitarismo natildeo eacute uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisotildees

Por isso o utilitarismo natildeo implica que

1 Temos de tomar todas as decisotildees calculando as consequecircncias provaacuteveis dos nossos

atos

2 Temos de ser indiferentes agraves normas morais comuns quando decidimos o que fazer

O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas

consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem

O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que

de uma maneira geral seratildeo boas

Dois niacuteveis de pensamento moral

1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas

decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves

inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista

1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees

em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar

criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar

Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas

1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios

Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente

2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis

Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva

Integridade

A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em

conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos

projetos e compromissos pessoais

Respeito e direitos

A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos

morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim

do bem geral

Dois egoiacutesmos

1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

Somos todos egoiacutestas

Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico

1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por

isso somos todos egoiacutestas

2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem

aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos

egoiacutestas

Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo

1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a

fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas

1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a

expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo

Devemos ser egoiacutestas

Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico

1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na

atividade de aconselhar e julgar

1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente

1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma

egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta

Utilitarismo

J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas

na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a

produzir o reverso da felicidaderaquo

1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista

1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir

bons resultados

1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio

1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles

que poderatildeo ser afetados pela sua conduta

1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a

maior utilidade esperada

1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas

vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se

verificarem

Hedonismo

Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa

1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor

1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da

vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela

duraccedilatildeo e intensidade

1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua

natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma

forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade

idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores

O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo

1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma

vida insuperavelmente apraziacutevel

1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina

de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real

Logo o hedonismo eacute falso

Satisfaccedilatildeo de preferecircncias

Uma perspetiva alternativa ao hedonismo

1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias

Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar

Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias

daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta

O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias

1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva

1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria

inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o

utilitarismo de preferecircncias eacute falso

Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia

As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a

Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre

esteacutetica)

Teorias deontoloacutegicas

Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees

1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas

2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas

No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem

imparcialmente o bem-estar

1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas

consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que

proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees

No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja

quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o

bem-estar eacute errada

1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente

algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem

nada de errado

Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas

1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas

1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito

1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem

1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o

meacuterito

1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento

1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros

1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros

Deontologia

1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que

Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral

1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se

estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria

racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na

experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter

fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes

ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser

determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por

interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si

mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos

e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo

de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles

1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve

pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela

1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que

o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral

Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant

afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade

humana

1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional

Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por

isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 6: Etica Toda

O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas

consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem

O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que

de uma maneira geral seratildeo boas

Dois niacuteveis de pensamento moral

1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas

decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves

inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista

1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees

em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar

criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar

Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas

1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios

Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente

2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis

Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva

Integridade

A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em

conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos

projetos e compromissos pessoais

Respeito e direitos

A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos

morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim

do bem geral

Dois egoiacutesmos

1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

Somos todos egoiacutestas

Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico

1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por

isso somos todos egoiacutestas

2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem

aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos

egoiacutestas

Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo

1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a

fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas

1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a

expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo

Devemos ser egoiacutestas

Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico

1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na

atividade de aconselhar e julgar

1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente

1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma

egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta

Utilitarismo

J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas

na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a

produzir o reverso da felicidaderaquo

1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista

1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir

bons resultados

1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio

1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles

que poderatildeo ser afetados pela sua conduta

1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a

maior utilidade esperada

1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas

vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se

verificarem

Hedonismo

Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa

1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor

1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da

vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela

duraccedilatildeo e intensidade

1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua

natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma

forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade

idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores

O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo

1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma

vida insuperavelmente apraziacutevel

1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina

de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real

Logo o hedonismo eacute falso

Satisfaccedilatildeo de preferecircncias

Uma perspetiva alternativa ao hedonismo

1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias

Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar

Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias

daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta

O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias

1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva

1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria

inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o

utilitarismo de preferecircncias eacute falso

Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia

As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a

Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre

esteacutetica)

Teorias deontoloacutegicas

Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees

1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas

2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas

No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem

imparcialmente o bem-estar

1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas

consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que

proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees

No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja

quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o

bem-estar eacute errada

1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente

algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem

nada de errado

Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas

1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas

1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito

1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem

1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o

meacuterito

1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento

1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros

1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros

Deontologia

1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que

Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral

1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se

estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria

racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na

experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter

fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes

ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser

determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por

interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si

mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos

e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo

de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles

1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve

pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela

1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que

o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral

Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant

afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade

humana

1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional

Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por

isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 7: Etica Toda

Dois egoiacutesmos

1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse

pessoal

Somos todos egoiacutestas

Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico

1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por

isso somos todos egoiacutestas

2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem

aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos

egoiacutestas

Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo

1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a

fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas

1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a

expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo

Devemos ser egoiacutestas

Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico

1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na

atividade de aconselhar e julgar

1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente

1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma

egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta

Utilitarismo

J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas

na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a

produzir o reverso da felicidaderaquo

1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista

1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir

bons resultados

1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio

1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles

que poderatildeo ser afetados pela sua conduta

1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a

maior utilidade esperada

1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas

vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se

verificarem

Hedonismo

Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa

1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor

1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da

vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela

duraccedilatildeo e intensidade

1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua

natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma

forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade

idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores

O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo

1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma

vida insuperavelmente apraziacutevel

1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina

de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real

Logo o hedonismo eacute falso

Satisfaccedilatildeo de preferecircncias

Uma perspetiva alternativa ao hedonismo

1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias

Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar

Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias

daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta

O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias

1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva

1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria

inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o

utilitarismo de preferecircncias eacute falso

Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia

As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a

Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre

esteacutetica)

Teorias deontoloacutegicas

Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees

1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas

2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas

No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem

imparcialmente o bem-estar

1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas

consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que

proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees

No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja

quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o

bem-estar eacute errada

1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente

algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem

nada de errado

Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas

1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas

1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito

1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem

1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o

meacuterito

1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento

1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros

1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros

Deontologia

1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que

Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral

1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se

estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria

racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na

experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter

fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes

ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser

determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por

interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si

mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos

e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo

de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles

1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve

pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela

1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que

o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral

Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant

afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade

humana

1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional

Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por

isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 8: Etica Toda

Utilitarismo

J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas

na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a

produzir o reverso da felicidaderaquo

1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista

1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir

bons resultados

1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio

1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles

que poderatildeo ser afetados pela sua conduta

1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a

maior utilidade esperada

1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas

vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se

verificarem

Hedonismo

Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa

1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor

1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da

vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela

duraccedilatildeo e intensidade

1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua

natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma

forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade

idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores

O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo

1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma

vida insuperavelmente apraziacutevel

1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina

de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real

Logo o hedonismo eacute falso

Satisfaccedilatildeo de preferecircncias

Uma perspetiva alternativa ao hedonismo

1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias

Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar

Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias

daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta

O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias

1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva

1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria

inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o

utilitarismo de preferecircncias eacute falso

Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia

As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a

Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre

esteacutetica)

Teorias deontoloacutegicas

Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees

1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas

2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas

No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem

imparcialmente o bem-estar

1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas

consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que

proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees

No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja

quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o

bem-estar eacute errada

1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente

algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem

nada de errado

Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas

1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas

1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito

1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem

1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o

meacuterito

1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento

1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros

1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros

Deontologia

1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que

Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral

1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se

estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria

racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na

experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter

fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes

ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser

determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por

interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si

mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos

e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo

de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles

1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve

pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela

1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que

o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral

Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant

afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade

humana

1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional

Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por

isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 9: Etica Toda

1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma

vida insuperavelmente apraziacutevel

1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina

de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real

Logo o hedonismo eacute falso

Satisfaccedilatildeo de preferecircncias

Uma perspetiva alternativa ao hedonismo

1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias

Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar

Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias

daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta

O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias

1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva

1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria

inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o

utilitarismo de preferecircncias eacute falso

Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia

As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a

Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre

esteacutetica)

Teorias deontoloacutegicas

Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees

1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas

2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas

No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem

imparcialmente o bem-estar

1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas

consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que

proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees

No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja

quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o

bem-estar eacute errada

1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente

algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem

nada de errado

Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas

1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas

1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito

1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem

1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o

meacuterito

1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento

1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros

1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros

Deontologia

1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que

Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral

1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se

estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria

racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na

experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter

fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes

ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser

determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por

interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si

mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos

e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo

de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles

1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve

pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela

1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que

o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral

Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant

afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade

humana

1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional

Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por

isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 10: Etica Toda

2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas

No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem

imparcialmente o bem-estar

1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas

Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas

consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que

proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees

No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas

1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja

quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o

bem-estar eacute errada

1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente

algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem

nada de errado

Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas

1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas

1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito

1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem

1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o

meacuterito

1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento

1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros

1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros

Deontologia

1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que

Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral

1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se

estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria

racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na

experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter

fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes

ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser

determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por

interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si

mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos

e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo

de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles

1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve

pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela

1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que

o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral

Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant

afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade

humana

1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional

Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por

isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 11: Etica Toda

Deontologia

1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que

Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral

1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se

estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria

racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na

experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter

fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes

ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser

determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por

interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada

como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si

mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos

e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo

de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles

1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve

pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela

1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que

o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral

Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant

afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade

humana

1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional

Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por

isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 12: Etica Toda

obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua

parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que

pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a

moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei

cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito

moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o

domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)

sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade

santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda

dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral

1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser

possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria

lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e

existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute

por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um

imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal

modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como

princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma

foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir

1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir

moral

1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de

fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das

nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a

autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 13: Etica Toda

A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade

1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a

liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo

estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que

soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade

1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade

fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de

anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo

ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico

1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as

causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre

legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o

que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria

razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso

que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar

jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim

em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna

porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees

sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de

pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que

sejam expressatildeo da lei moral racional

A felicidade natildeo eacute o bem supremo

1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para

Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 14: Etica Toda

seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei

moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada

ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a

felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A

moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a

virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente

bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a

tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos

felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a

felicidade a qualquer preccedilo

1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas

mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel

atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o

dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico

Em conclusatildeo de Kant

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser

inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental

Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo

os nossos deveres

Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca

podemos desrespeitaacute-los

Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por

vezes podemos desrespeitaacute-los

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 15: Etica Toda

Duas distinccedilotildees

Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves

distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte

1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por

exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer

1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem

a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da

nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em

sofrimento como efeito colateral

Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant

Fundamentaccedilatildeo da Moral

Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)

A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute

subjetiva

A accedilatildeo moral tem por base a boa

vontade

Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor

moral

As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos

pelo imperativo categoacuterico

O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas

consequecircncias e nos seus efeitos

praacuteticos

Bem eacute aquilo que trouxer mais

felicidade global

O utilitarismo adota um relativismo

eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos

e universais

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 16: Etica Toda

O imperativo categoacuterico ao impor

leis universais constitui o fundamento

da autonomia humana

O agir moral autoacutenomo confere-nos

dignidade

O utilitarismo eacute um reflexo da

tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da

sociedade poacutes ndash moderna

IIA accedilatildeo humana e os valores

3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores

31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial

314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade

O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke

A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado

1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles

(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os

fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo

laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash

tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso

lhes chamamos cidades-estado

1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado

Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre

procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 17: Etica Toda

impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza

humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute

uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e

justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista

1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte

Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades

Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma

comunidade (cidade-estado)

Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado

Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso

torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se

limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros

animais

Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo

entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais

completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo

existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o

desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais

perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se

tornarem estados

1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a

natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver

na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso

natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 18: Etica Toda

comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da

cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal

poliacuteticoraquo

1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em

que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer

que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-

-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo

funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados

da comunidade

Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano

(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)

1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos

tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para

Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor

para garantir a vida boa

Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico

1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute

incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de

princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a

natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros

organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade

1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da

racionalidade

1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter

uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 19: Etica Toda

racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute

fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso

bioloacutegico ou natural

A justificaccedilatildeo contratualista de Locke

1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por

John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie

de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de

um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de

natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de

Locke eacute contratualista

1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro

lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver

estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais

nem poliacutecias

A lei natural e o estado de natureza

1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada

um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem

depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de

completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem

disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de

outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente

1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute

comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste

modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 20: Etica Toda

1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que

realmente existem nas sociedades organizadas em estados

Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural

na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A

uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei

natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina

1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento

efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as

pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a

lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus

eacute a origem de ambas

1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os

direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim

1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos

naturais

2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com

a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial

para julgar pelos outros

3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se

necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois

esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 21: Etica Toda

4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a

lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita

igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos

1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do

estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos

Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e

em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu

trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado

de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se

submeter

O contrato social e a origem do governo

1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de

autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos

naturais

1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou

contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E

esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso

1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase

perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde

iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido

pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural

ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o

nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo

o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 22: Etica Toda

1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e

estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa

indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder

poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir

1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo

comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural

Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e

divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos

2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja

juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm

tendecircncia para ser parciais e injustas

3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas

justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero

sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero

1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos

privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem

escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem

nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende

que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso

consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de

viver agrave margem da sociedade

Criacuteticas ao contratualismo de Locke

1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar

brevemente algumas das mais importantes

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 23: Etica Toda

O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo

1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal

como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que

se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos

benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha

poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente

ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem

1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento

taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado

no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as

quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de

estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal

governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito

1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso

consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem

de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece

claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo

semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a

autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista

1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento

Os contratos podem ser injustos

1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser

cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres

natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 24: Etica Toda

1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o

seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato

que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer

contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas

natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato

celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade

O contrato eacute desnecessaacuterio

1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer

cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar

1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na

opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do

prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas

decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado

algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que

a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao

grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador

1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador

tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de

natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de

pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de

ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo

1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer

consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo

desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila

Em conclusatildeo

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 25: Etica Toda

Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls

1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito

comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De

algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver

numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa

1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre

mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma

sociedade assim pode ser justa Porquecirc

1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma

riqueza

1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc

1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de

compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica

identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls

(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que

vamos agora apresentar e discutir

A posiccedilatildeo original

1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual

era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados

princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os

mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a

pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos

favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito

com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos

descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 26: Etica Toda

1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer

uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma

sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem

indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos

1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar

princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo

Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte

passagem

Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia

Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo

obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes

de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto

social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou

capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os

pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas

especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as

circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto

que conhecem os factos gerais da sociedade humana

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121

1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas

como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto

de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz

desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por

isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute

na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher

princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos

1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo

sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 27: Etica Toda

estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm

interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o

seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se

entre os bens primaacuterios

Os princiacutepios da justiccedila

1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo

original

1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de

ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma

teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios

da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo

os seguintes

Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total

de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de

liberdade para todos

Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de

forma que simultaneamente

A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]

B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em

circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades

John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239

1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da

justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo

tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-

os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista

1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)

2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 28: Etica Toda

3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)

1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa

sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre

estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer

a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e

de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a

agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)

1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades

baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos

1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode

violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e

sociais

1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter

uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute

absoluta

1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para

todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de

expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos

extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica

1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo

da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de

oportunidades

1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de

os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 29: Etica Toda

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve

providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos

1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza

No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo

equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza

acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-

se

1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira

todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades

na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal

forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da

diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a

caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos

vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria

1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da

justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a

distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos

1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de

tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute

equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis

apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam

por beneficiar os mais desfavorecidos

O princiacutepio maximin

1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os

princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 30: Etica Toda

exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma

sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem

que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas

1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo

porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin

1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada

uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro

fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior

resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado

possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes

alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio

1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais

racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos

seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a

pobreza moderada

1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte

Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros

Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior

resultado possiacutevel

Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da

justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo

poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta

teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a

existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 31: Etica Toda

escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls

satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura

1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na

posiccedilatildeo original

Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser

um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada

de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel

terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu

projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que

numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na

distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais

desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso

prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo

1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da

justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um

princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes

escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo

Em conclusatildeo

Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares

Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de

instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade

Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades

estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a

vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual

(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade

Liberdade pode ter dois sentidos

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular

Page 32: Etica Toda

Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a

vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave

capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos

Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de

qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer

independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa

integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se

designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos

uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na

possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a

possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o

conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral

(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que

estabelece metas para a proacutepria existecircncia)

Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo

de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave

realizaccedilatildeo desse fim

Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo

possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes

como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na

conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um

ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em

suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma

decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo

para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute

usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode

utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam

inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se

revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade

que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto

Equidade eacute a justiccedila do caso particular