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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍPRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRASCURSO LICENCIATURA PLENA EM FILOSOFIA
LAYANE SILVA ABREU
ÉTICA NA VISÃO DE SOREN AABYE KIERKEGAARD
UNIÃO – PIAUÍ
2015
LAYANE SILVA ABREU
ÉTICA NA VISÃO DE SOREN AABYE KIERKEGAARD
Monografia apresentada a Universidade Federal do Piauí como requisito para a obtenção do
Linha de Pesquisa: Ética
Orientador: Prof Dr.
UNIÃO – PIAUÍ2015
LAYANE SILVA ABREU
ÉTICA NA VISÃO DE SOREN AABYE KIERKEGAARD
TCC aprovado em 26/09/2015
BANCA EXAMINADORA
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Profª. Drª.
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Profª. Drª.
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Profª. Drª.
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Profª. Drª.
TERESINA – PIAUÍ
2015
Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.
Boaventura de Souza Santo
DEDICATORIA
Dedico este trabalho primeiramente a Deus, por ser essencial em minha vida, autor de
meu destino, meu guia.
Aos meus pais Paulo e Socorro que me trouxeram com todo o amor e carinho a este
mundo. Sobretudo a minha mãe, que sempre me apoiou nos estudos e nas horas
difíceis. Foi ela que me incentivou a fazer o vestibular.
Em especial a minha irmã Pauliane por ter gerado essa joia que é meu sobrinho Paulo
Adriano e trazer a alegria a nossa família.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a Deus, pelo fim de mais uma etapa, pelos sonhos que se
concretizam. Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas.
Aos meus pais pela existência, e por terem me dado o apoio necessário para seguir
nessa caminhada.
As minhas irmãs e meu irmão pelo carinho.
Aos meus professores que me ensinaram e orientaram ao longo do curso.
Ao Bruno, por todo o apoio, compreensão e carinho.
Muito Obrigado!
SUMÁRIO
1 - INTRODUÇÃO.............................................................................................
2 - IMPORTÂNCIA DA OBRA DE SOREN AABYE KIERKEGAARD NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA.................................................................................................
3 EM DEFESA DO INDIVÍDUO KIERKEGAARD SE CONTRAPÕE A HEGEL .......................................................................................................
4 - PERSPECTIVA ÉTICA DE KIERKEGAARD ..................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ .........
REFERÊNCIAS............................................................................................... ........
INTRODUÇÃO
A minha preocupação em relação a como podemos individualmente influenciar
eticamente a sociedade, me levaram a desenvolver este trabalho na busca por
entender a concepção complexa e valorizada de indivíduo em Kierkegaard. Chamou-
me a atenção a sua reflexão no que diz respeito a individualização, percebida como um
processo que ocorre nas frequentes situações críticas da existência.
Esta valorização do indivíduo singular no pensamento de Kierkegaard reflete o
seu contexto histórico, no qual o público, o coletivo era hipervalorizado, levando-o a
constatar a superioridade da exterioridade sobre a interioridade, com o Estado se
impondo de ampla forma ao indivíduo, o que para ele era inaceitável.
Este trabalho resulta de um percurso metodológico bibliográfico, com pesquisas
realizadas na biblioteca Carlos Castelo Branco da Universidade Federal do Piauí e em
material do acervo pessoal e em revistas eletrônicas de Filosofia.
No primeiro capítulo, é delineada a importância da obra de Soren Aabye Kierkegaard na
história da filosofia. No capítulo posterior a este, é abordada sua contraposição a Hegel
e no último capítulo é discutida perspectiva ética de Kierkegaard e a seguir são
realizadas as considerações finais.
1 - IMPORTÂNCIA DA OBRA DE SOREN AABYE KIERKEGAARD NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA
Kierkegaard elaborou e desenvolveu seu pensamento a partir de sua crítica ao
sistema idealista de Hegel, defendendo que o existente é sempre particular, que a única
verdade é o homem em sua individualidade. Seu pensamento lançou as bases do que
posteriormente veio a ser o Existencialismo.
A primeira fase produtiva de Soren Aabye Kierkegaard tem em sua composição
um viés teológico/filosófico com uma profunda crítica a condição humana. Na segunda
fase a marca magna representada pelo olhar existencialista, influenciando
posteriormente a elaboração de um existencialismo estruturado por outros filósofos.
Kierkegaard sempre se interessou por temas diretamente ligados a natureza
humana, as questões existenciais, tanto sob a perspectiva cultural, quanto religiosa,
tendo ido de encontro ao hegelianismo e ao dogmatismo religioso. Sua obra destaca a
realidade humana em detrimento do pensamento abstrato, acentuando a gravidade do
compromisso pessoal e da escolha.
Em sua obra, escrita sob diversos pseudônimos, só assina seus escritos a partir
dos textos “Dois discursos edificantes” e “Três discursos edificantes”, publicados em
1844. Seus dramas familiares e amorosos influenciaram bastante sua obra, com uma
maior religiosidade e profundidade nos textos citados e discriminando mais o lado
amoroso em outros, como por exemplo, em “Diário de um sedutor”.
Sua primeira dissertação, criticada pela academia como tendo pouco rigor
acadêmico, tinha como tema: “O conceito de ironia”, com referência continua a
Sócrates. Por outro lado, em “Eller”, sua segunda obra, interligou seu pensamento ao
de grandes mestres, como Schelling e Hegel. .
Ao se mudar para a Alemanha começou a rascunhar os seus textos mais
importantes e em 1843 publica suas primeiras obras extra acadêmica, cujos temas
foram: “A Alternativa”, “Temor e Tremor”, um discurso sobre a natureza da fé humana e
“A Repetição”, obra na qual aborda entre outros temas, o amor, a religião e a
linguagem,. Em 1844 publica: “Migalhas Filosóficas” e “O Conceito de Angústia”. E em
1845 publica: “As Etapas no Caminho da Vida”. Em 1846 lança o “Post-scriptum a
Migalhas Filosóficas”. Na verdade, estas temáticas representaram tentativas de
responder as suas demandas pessoais e de explicar as contradições da religião.
Kierkegaard formulou seu pensamento tendo como ponto de partida o exame do
homem religioso no contexto histórico. Desta forma, englobou o autoconhecimento, no
sentido socrático e o entendimento ao refletir na dimensão da verdade cristã, criticando
de forma dura e firme a Igreja oficial da Dinamarca. Após a essa fase de crítica religiosa
em 1849, Kierkegaard publicou “Doença Mortal”. E em 1850, “Escola do Cristianismo”,
obra na qual criticou a degradação do sentimento religioso, como consequência da
hipocrisia e do cristianismo burguês.
2 - KIERKEGAARD SE CONTRAPÕE A HEGEL EM DEFESA DO INDIVÍDUOO conjunto do pensamento de Kierkegaard se direciona para o indivíduo,
enquanto sujeito singular, tentando perceber a realidade existencial inter-relacionando o
indivíduo com a existência do mesmo. Neste norte, ele caracteriza o seu contexto
histórico como sendo um período de desagregação. Na obra de Kierkegaard, o
indivíduo singular tem seu ônus, perante a própria existência, percebida esta como algo
dinâmico, um processo, portanto ímpar, singular.
Kierkegaard critica a razão moderna que tenta situar, compartimentabilizar a vida
em conceitos abstratos. Para ele, a dimensão racional não tem capacidade de analisar
a existência humana, pois esta é impar, diferente para cada ser. Assim, ele caracteriza
que falar de forma abstrata em relação a existência singular é um erro, pois, colocar a
existência no âmbito do desenvolvimento do espírito, como defende Hegel, na verdade
envolve minimizar a perspectiva individual para atingir um plano coletivo e amplo,
assim, dilui a singularidade característica do mundo efetivo.
Ao criticar Hegel, Kierkegaard evidenciou os pontos equívocos de um sistema
formal da existência, defendendo que o ato de existir equivale a viver um paradoxo,
portanto não comportando sistematização racional, que ao conceituar a realidade e a
existência, assenta no mesmo parâmetro o destino do indivíduo e do espírito.
Em oposição aos sistemas abstratos e a racionalização da existência humana
desenvolvida por estes sistemas, advoga que o indivíduo singular está sempre
distanciado de qualquer forma de sistematização.
Para o pensamento hegeliano o homem só se completa na universalidade, qual
seja, no Estado, responsável pela liberdade do cidadão, pois só preconizando sua ação
em nome daquele ente, este revitaliza a individualidade. O cidadão em Hegel só é
sujeito quando a individualidade é sujeita a universalidade, quando o universal
predomina sobre o individual, com este absorvendo e defendendo o discurso
corporativo, perdendo o diferencial, a individualidade.
Nesse discurso, o indivíduo se equivale ao outro, ou seja, perde aquilo que ele
realmente é: sua individualidade. Tornar-se indivíduo, em Hegel, é adotar o discurso da
corporação, equivalendo, grosso modo, a um resultado do seu desenvolvimento
histórico, negando, assim, sua responsabilidade em relação ao ato de decisão.
Kierkegaard foi de encontro a este pensamento, asseverando que a par do fato
do homem ser resultado do seu contexto histórico social,
PERSPECTIVA ÉTICA DE KIERKEGAARD
No pensamento de Kierkegaard a subjetividade prepondera sobre a objetividade
do valor ético, visto que para ele, a subjetividade é ética, no sentido de que esta
representa a própria incorporação da subjetividade, atuando reflexivamente sobre si
mesmo no contexto da interioridade, levando a uma relação trina composta por si
mesmo, pelo próximo e pelo Absoluto.
Assim, percebe a interioridade como sendo ética. Esta é a concepção central
oriunda do Post- Scriptum conclusivo não científico às Migalhas filosóficas, escrito em
1846. Nesta perspectiva, a subjetividade real é ética, o ser humano se forma
intrinsecamente na condição e fundamentação da ética, tanto nos contextos tranquilos
quanto nos mais conturbados, não cabendo distinção entre o valor e a ação.
Na obra O conceito de angústia, Kierkegaard elabora uma profunda crítica aos
intelectuais e a sociedade do seu contexto histórico, evidenciando que as teorias éticas
foram incapazes de criar homens e sociedades éticas, na verdade, parece que o
distanciamento entre a norma e a ação faz com que os homens se sintam débeis diante
da ética. Como o autor delineia ao afiançar que:
Apenas a mentira prospera, que somente o mal triunfa que só o
amor-próprio é amado, que não mais do que a mediocridade é
aclamada, que apenas a esperteza é estimada [...] e
exclusivamente a mesquinharia obtém sucesso.
(KIERKEGAARD, 2001, p. 13).
Assim, visto que nem os ditames éticos objetivos efetivaram a ética; a
perspectiva de percebê-la como um ultimato da subjetividade se torna fundamental
filosoficamente. Defender que “a subjetividade é ética” equivale a afiançar que ser
humano, na crise ética contemporaneamente, significa assumir a nossa
responsabilidade na efetivação da ética.
Na objetividade o singular é despersonalizado em sua intimidade, inexiste o
compromisso pessoal. Nesta dimensão, Kierkegaard se contrapõe a Filosofia do
conceito defendendo uma Filosofia da situação-tensionada. Assim, vai de encontro a
uma Filosofia da objetividade pura, propondo uma Filosofia da singularidade
responsável, que se identifica como alteridade do outro como condição para se
concretizar.
Portanto, fica claro que a diferenciação entre a primeira e a segunda ética esta
no diferencial entre Objetividade e Subjetividade. Para Kierkegaard o entendimento da
subjetividade tem de ser realizado ultrapassando a percepção no âmbito do ser,
interagindo e construindo a própria ética.
Kierkegaard foi pioneiro ao deslocar a subjetividade da ordem do ser e inseri-la
no âmbito da ética, em função deste posicionamento desenvolveu a tese de que a
subjetividade é ética. No que tange a subjetividade pura, Deus, evidencia que se deve
suplantar a visão de um Deus restrito a um ser.
Kierkegaard supera a tradição filosófica que abordava a verdade no âmbito da
relação entre o pensamento e o ser, retirando-a do contexto essencialmente intelectual
e a insere na existência, partindo do princípio que o existente deve, por existir, se tornar
a própria verdade, e assim, concretizar a ética. Destaca que o indivíduo singular tem
que assumir o risco radical, mesmo que não tenha a perspectiva de nenhuma certeza
objetiva, assumindo, desta forma, todo e qualquer risco em relação ao seu destino, no
salto diante da incerteza objetiva. Sem esta dimensão do risco, o indivíduo não salta e
na realidade não existe. . Como anuncia em:
Arrisca-te a renunciar tudo, entre outro, aquela frequentação
aristocrática e ilusória com a consideração histórico mundial,
arrisca de se tornar um puro nada, de se tornar um indivíduo
singular, de quem Deus, eticamente tudo exige, sem que tu, deixe
de ser entusiasta; eis o risco autêntico..
(KIERKEGAARD, 1993, p. 337).
Inexiste diferenciação entre o estar-sendo do sujeito e a verdade, porque, de
acordo com Kierkegaard, a verdade é o processo transmutador do indivíduo singular
em si mesmo, através da reduplicação em que o indivíduo concretiza a verdade, com
sua ação, visto que concebe a verdade como introspecção e não uma sequencia
dogmática de conjecturas.
Logo, a subjetividade no pensamento de Kierkegaard é percebida como verdade,
introjeção, ética e paixão, com a perspectiva de desenvolver e preservar a ética em si
mesmo. Neste diapasão ele discorda frontalmente, do viés da subjetividade imanente
do “eu pensante” cartesiano e do “eu inteligível” da formulação kantiana, concepções
que limitaram a subjetividade ao pensamento abstrato. E realiza esta oposição no
percurso de concretização de si, a própria ética, ao decidir tornar-se ou negar-se, visto
que se a subjetividade é a verdade, a subjetividade existente, ela desemboca na paixão
e a paixão do infinito é a subjetividade, logo, a subjetividade é a verdade, evidenciando
que a paixão representa o ápice da subjetividade.
A alteridade, no pensamento de Kierkegaard é uma experiência amorosa, uma
relação e uma condição da ética da alteridade, pois, ao firmar o compromisso de
construir a existência, este fato só ocorre a partir da relação reduplicada a partir de si. A
alteridade desenvolve a igualdade na diferença, sem ela o eu não existe, pois a
alteridade institui a responsabilidade da dialética da alma, geradora de uma consciência
comprometida com a vida e com o outro.
Ele justifica também a identificação do tornar-se si mesmo com a própria ética,
pois a única realidade para um existente é a sua realidade ética. Nesse âmbito, fica
evidente a responsabilidade como a culminância da subjetividade, como esteio da
especificidade humana, desenvolvendo a subjetividade enquanto interioridade,
atribuindo, desta forma, um continente específico à categoria da subjetividade,
defendendo a necessidade vital da existência de uma segunda potência da
subjetividade, uma subjetividade da subjetividade. Esta posição é firmada por ele
através da ironia, enquanto categoria do espírito; determinação da existência e célula
da paixão ética que no âmbito da interioridade destaca o eu na órbita da vindicação
ética.
A ironia é imperativa para discriminar que sem a um salto, não há como distinguir
entre a verdade da eternidade, a verdade histórica e a verdade lógica. A objetividade
limita a verdade a um instante da mediação, no entanto, para ele, a verdade é muito
mais do que um conceito, é uma existência, uma vida. A ironia, como cultura do
espírito, esta sempre presente no pensamento de Kierkegaad, afiançando que é
impossível a existência sem ironia, por ela ser o percurso para o verdadeiro ato de
existir.
É a ironia que delimita a fronteira entre o ser anatômico e o eu impessoal. É com
a categoria do indivíduo singular, necessariamente subjetiva, que Kierkegaard contribui
com a ética, visto que só aquele decide o sentido da sua existência, capaz de viabilizar
em si mesmo a ação ética, como destaca KIERKEGAARD (1993, p. 276) ao asseverar
que:
Logo que se exclui a subjetividade, e se tira da subjetividade a paixão,
e da paixão o interesse infinito, não resta absolutamente nenhuma decisão,
nem sobre este problema nem sobre qualquer outro. Toda decisão, toda
decisão essencial, baseia-se na subjetividade.
Evidencia que quando o indivíduo singular por algum motivo não pode se realizar
subjetivamente, ele não tem como agir eticamente e se dilui no coletivo mergulha no
anonimato, na padronização e na alienação.
Ao abordar os conceitos de ser, essência, espécie, na dimensão do conceito da
identidade lógica através da mediação, Kierkegaard, assim como os hegelianos, não
visualiza existencialmente o individual, a liberdade, o existir e a existência em suas
distinções essenciais, levando a que o movimento preconizado pela mediação se torna
ineficaz perante o devir do existente, do existir e da existência. Segundo ele:
“... o que confunde toda a doutrina sobre a “essência” na lógica é
o não estar atento que se opera sempre com o “conceito” de existência.
Mas o conceito de existência é uma idealidade, e a dificuldade está
exatamente no ver a existência resolvida em conceitos”
(KIERKEGAARD, 1980, D X2 A 328).
. Para ele, Deus representa a essência da subjetividade; percebido na órbita do
Paradoxo e não da lógica, distinção perceptível ao discriminar a diferença entre a
subjetividade do indivíduo e a de Deus, acentuando que este representa a
subjetividade, a simplicidade, não tendo um ser objetivo em si; visto que tudo que tem
objetividade cai na relatividade. Marca esta distinção entre a subjetividade em Deus e
no sujeito singular, afirmando que Deus, em seu ser, nada tem de objetivo, porque
esta situação demarcaria um limite para Deus, reduzindo-o ao nível da relatividade,
mas ele se relaciona de forma objetiva à sua subjetividade. No entanto, isto é somente
uma reduplicação da sua subjetividade, porque o Seu ser subjetivo não apresenta nada
de imperfeito que deva ser descartado, assim como não precisa de nenhum acréscimo,
como no caso da subjetividade humana: razão pela qual relacionar-se objetivamente à
própria subjetividade é uma correção. Na verdade, Deus é uma reduplicação infinda,
perspectiva que o indivíduo singular nunca poderá ser, pois ele não pode se tornar
completamente superior a ele mesmo para se relacionar objetivamente consigo, nem
pode se tornar subjetivo de poder cumprir o que na reflexão objetiva acima de si mesmo
tem compreendido de si mesmo.
De acordo com o pensamento de Kierkegaard a objetividade pura compreende o
indivíduo consciente de si como razão e se a razão é puramente objetiva, equivale dizer
que o indivíduo só se reconhece na objetividade pura, neste patamar, o indivíduo é
sacrificado no fundamento da sua razão de ser: existir enquanto escolhe a si mesmo no
interior da existência, existir eticamente.
Em relação à impossibilidade da existência poder ser caracterizada e
sistematizada no cerne de qualquer sistema, Kierkegaard realizou uma síntese,
propondo que o ser singular que quer ser ético tem que, a princípio, entrar em si,
desenvolvendo o processo de interiorização e adquirindo consciência de si de forma a
que nada o desvie de se construir eticamente. Para ele, o maior erro da Ética-primeira
está em entender a ética e o homem de forma abstrata, e não como parte inerente a
persona do ser singular, que aprioristicamente deve ser transparente para si mesmo,
para assumir a responsabilidade assimétrica no que tange ao outro, deixando claro que
quando um homem tem medo da transparência, ele sempre evitará a ética. Kierkegaard
enfatiza que a concepção de sistema envolve a identidade de sujeito-objeto, a unidade
do pensamento e do ser; a existência é necessariamente a separação. É óbvio que a
existência também comporta o pensamento, mas coloca o intervalo e diferencia o
sujeito do objeto, o pensamento do ser. Kierkegaard defende o caráter do outro, quer
seja ele mesmo, Deus ou o próximo, enquanto singularidade ética para que o ser
singular se transforme em ética e não seja reduzido a mero objeto da razão.
A subjetividade existencial corresponde à particularidade ética e da gênese a
responsabilidade, enquanto abnegação radical. É assimetria ética como premissa para
diferenciar a primeira ética, do pensamento de Kant e Hegel, da segunda ética, da
alteridade.
A formulação de Kierkegaard contribui para novos horizontes filosóficos no que
diz respeito a compreensão da subjetividade diante da crise existencial e filosófica. Ele
propicia o retorno a condição de efetivar o si mesmo e optar pelo que realmente é vital
no tempo e na eternidade.
Kierkegaard caracteriza a resposta a Kant sobre o que devo fazer eticamente como
fonte da distinção entre ética-primeira e segunda ética, com a resposta: sendo a própria
ética não efetuada por meio de um eu inteligível e autônomo; mas, no contexto da
interioridade, na experiência com potencial para construir abnegação e
responsabilidade, doar ao outro e ganhar a si mesmo. Esta é a maior diferença entre
Kierkegaard e Kant e Hegel, devo me transformar reduplicativamente, no testemunho
da verdade, na edificação do profundo do homem, sobre o acidental, pois, entre ser um
homem no âmbito espiritual e ser essencialmente um animal, comporta grande
diferença de qualidade.
A compreensão da Ética-segunda só se firma ao recepcionar duas condições
essenciais para Kierkegaard. A primeira delas é a de que o homem torna-se causa de
si mesmo quando passa a aceitar materializar o dom que recebe. A outra condição é a
parte da concepção de que Deus gera e posteriormente se afasta, para que o homem
seja o artífice de sua existência em toda a sua singularidade, neste diapasão, a
subjetividade esta em identificar e acolher o dom e realizar a tarefa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Resalto nas considerações finais que a concepção ética de kierkegaard, ao não
admitir como considerável que o Estado se imponha ao indivíduo, tirando deste o poder
de decisão tem, além da sua importância filosófica, uma repercussão política contra os
estados totalitários em seus vários matizes. Defende que ao nos sujeitarmos a
superioridade da exterioridade sobre a subjetividade, nos deparamos com um conceito
de indivíduo, fechado em si mesmo, e não com uma cinética concepção deste,
“tornando-se o que é” em um processo que ocorre durante toda a sua existência, e a
consciência deste fato, deste existir, representa a condição plena da filosofia.
Como na antiguidade, na reflexão de Kierkegaard o indivíduo possui uma
unidade originária e singular. Nesta dimensão fica evidente que para ele o indivíduo é o
homem que se encontra existencialmente, se pautando pela decisão e não pelo
arrebatamento.
Assim, nos é dada a opção de assumirmos nossa condição como indivíduo
singular, somos resultante da nossa interioridade, da nossa subjetividade enquanto
indivíduo real, no seu espaço e no seu contexto histórico.
Cabe destacar que para ele a singularidade esta acoplada a originalidade, pois
não há como ser singular e comum igual aos outros.
Na ótica de Kierkegaard, fundamental não é a igualdade entre os homens, mas
sim, a convicção da individualidade cristã, asseverando o eu-mesmo individual como
indivíduo diante de Deus, situação na qual aquele alcança sua plena essência.
Destacando que o indivíduo deve aceitar Deus e não ser forçado a tomar esta atitude
forçado pelo Estado. A decisão não é deste, deve ser sempre do indivíduo, neste
sentido, indo de encontro ao pensamento de Hegel, que advogava que o Estado era a
matriz dos direitos do indivíduo.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Jorge Miranda. Subjetividade e Ética em Kiekkegaard. Revista Filosofia Capital Vol. 6, p. 79-91 (2011) - Edição Especial - Dossiê Søren Aabye Kierkegaard. ISSN 1982 6613.
DE PAUA, Marcio Gimenes de. Subjetividade e Objetividade em Kierkegaard. São Paulo: Annablume, 2009.
FERRAGO, France. Compreender Kierkegaard. Trad. Ephraim F. Alves. Rio de janeiro: Vozes, 2006. 446 Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011)
GARDINER, Patrick. Kierkegaard. Trad. Antônio Carlos Vilela. São Paulo: Edições Loyola, 2010.
GOUVÊA, Ricardo Quadros. Paixão pelo Paradoxo: uma introdução a Kierkegaard. São Paulo: Fonte Editorial, 2006.
KIERKEGAARD, Soren. Três discursos edificantes de 1849. 3. ed. Traduzido e editado por Henri Nicolay Levinspuhl: Edição do autor, 2001.