Eugene Peterson - O Pastor Contemplativo

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O Pastor Contemplativo

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SepalPASTOR4 Pgs. 104 134

(129)

XII

PRESO AO MASTRO

Bem-aventurados os pacificadoresDedos enormes de nuvens atacam

A barriga nua do cu:

O firmamento se dobra de dor.

Relmpagos coriscam e troves bradam;

Os filhos da me-natureza esto em conflito.

De repente, to subitamente como comeou,

Tudo acaba. Os herdeiros de No, com a percepo

Purificada, olham para um mundo aplacado

Confortvel e cheirando a oznio. guas paradas.

Que mudana baromtrica

Reorganizou essas violncias

Em um sinal de arco-ris

Pulsando de paz? Meu inimigo oferece a

outra face; eu baixo minha guarda. Um lago

como um espelho reflete as cores filtradas,

Pinheiros soprados pela brisa cantam baixinho.

(130)

Anne Tyler, em seu romance Morgan's Passing (A Passagem de Morgan), contou a histria de um homem de meia-idade que passava pela vida das pessoas com extraordinria autoconfiana e habilidade para assumir papis e satisfazer as expectativas.

O romance comea com Morgan observando um espetculo de marionetes no gramado de uma igreja na tarde de domingo. Alguns minutos depois de iniciado o espetculo, um jovem surge detrs do palco e pergunta, H um mdico aqui? Aps trinta segundos sem que houvesse uma resposta da audincia, Morgan se levanta devagar e deliberadamente, aproxima-se do jovem e pergunta, Qual o problema? A esposa grvida do encarregado est em trabalho de parto; o nascimento parece iminente. Morgan coloca o jovem casal na parte de trs de sua caminhonete e vai para o hospital. Na metade do caminho, o marido exclama: O nen est chegando!

Morgan, calmo e confiante, pra junto calada, manda o futuro pai comprar um jornal de domingo na banca, como substituto das toalhas e lenis, e faz o parto. Depois vai at o pronto-socorro do hospital, v a me e a criana colocadas com segurana numa maca e desaparece. Quando o alvoroo diminui, o casal pergunta pelo Dr. Morgan para agradecer, mas ningum ouviu falar dele. Os dois ficam perplexos e frustrados por no poderem expressar a sua gratido.

Vrios meses mais tarde, enquanto empurravam o carrinho da criana, viram o Dr. Morgan do outro lado da rua. Os dois correm para cumpriment-lo, mostrando-lhe a criana sadia que ele trouxe ao mundo. Contam como tinham feito tudo para encontr-lo e falam da incompetncia burocrtica do hospital em descobri-lo. Num surto pouco costumeiro de sinceridade, ele admite que no verdadeiramente um mdico. Na verdade, dono de uma mercearia. Mas, eles precisavam de um mdico e fazer esse papel naquelas (131) circunstncias no foi nada difcil. uma imagem, diz ele: voc discerne o que as pessoas esperam e se ajusta ao papel. Pode fazer isso com todas as profisses. Morgan tem feito isso toda a sua vida, personificando mdicos, advogados, pastores ou conselheiros, conforme a necessidade da ocasio.

A seguir, confidencia: Vocs sabem, eu nunca me prestaria a me fingir de encanador ou aougueiro, seria apanhado em vinte minutos.

Esse homem sabia algo que a maioria dos pastores aprendem cedo em seu trabalho: os aspectos de imagem do pastoreio, as partes que requerem satisfazer as expectativas das pessoas, podem ser fingidas. Podemos personificar um pastor sem ser pastor. O problema, entretanto, que embora possamos ser aceitos como tal em nossas comunidades, no geral com aplausos, no conseguimos aceitar a ns mesmos.

Pelo menos, nem todos podem. Alguns ficam inquietos. Nos sentimos terrveis. Nenhum nvel de sucesso parece dar segurana contra uma erupo de angstia em meio ao nosso aplaudido desempenho.

A inquietao no resulta de um sentimento puritano de culpa; estamos fazendo o que somos pagos para fazer. As pessoas que pagam o nosso salrio esto obtendo o que esperam pelo seu dinheiro. Estamos dando "boa medida"os sermes so inspiradores, os comits eficientes, a moral boa. A inquietao vem de outra dimensode uma memria vocacional, uma fome espiritual, um compromisso profissional.

O Risco de Realizar a Tarefa

Ser um pastor que satisfaz uma congregao um dos trabalhos mais fceis na face da terrase ficarmos satisfeitos com congregaes satisfeitas. O nmero de horas bom, o salrio adequado, o prestgio considervel. Por que no achamos fcil? Por no nos sentimos contentes com isso?

(132)

Pelo fato de termos nos proposto a fazer algo completamente diverso. Nossa inteno era arriscar nossas vidas numa aventura de f. Nos comprometemos a uma vida de santidade. Em algum ponto, passamos a ter uma noo da imensidade de Deus e dos grandes invisveis que penetram em nossos braos e pernas, no po e no vinho, em nossos crebros e nossas ferramentas, nas montanhas e rios, dando-lhes significado, destino, valor, alegria, beleza, salvao. Respondemos a um chamado para transmitir essas realidades em Palavra e sacramento. Nos oferecemos para dar liderana que liga e coordena o que as pessoas nesta comunidade de f esto fazendo em seu trabalho e recreao com o que Deus est fazendo em misericrdia e graa.

Durante o processo, aprendemos a diferena entre uma profisso, uma arte, e um trabalho.

Um trabalho o que fazemos para completar uma tarefa. Sua primeira exigncia darmos satisfao ao dono da tarefa que paga o nosso salrio. Aprendemos o que esperado e realizamos o trabalho. No h nada de errado com a realizao de trabalhos. Em um grau menor ou maior, todos fazemos isso. Algum tem de lavar a loua e levar o lixo para fora.

Mas, as profisses e artes so diferentes. Nelas temos uma obrigao alm daquela de agradar uma pessoa; estamos buscando ou moldando a prpria natureza da realidade, convencidos de que quando cumprirmos os nossos compromissos, beneficiamos as pessoas num nvel muito mais profundo do que se simplesmente fizssemos o que elas nos pediram.

Nas artes, estamos lidando com realidades visveis, nas profisses elas so invisveis. A arte de trabalhar em madeira, por exemplo, tem uma obrigao para com a madeira em si, seu gro e textura. Um bom marceneiro conhece suas madeiras e as trata com respeito. Muito mais est envolvido do que agradar os fregueses, algo como a integridade do material est envolvido.

No mbito das profisses, integridade tem a ver com coisas invisveis: para os mdicos a sade (no apenas fazer com que as pessoas se sintam bem); para os advogados, a justia (no s ajudar as pessoas a conseguirem o que querem); para os professores, aprender (no encher as cavidades cranianas com informao para as provas). E para os pastores, Deus (no aliviar a ansiedade, consolar, ou dirigir um estabelecimento religioso).

Todos comeamos sabendo isto, ou pelo menos tendo uma boa idia a respeito. Mas, quando entramos em nossa primeira parquia nos do um emprego.

A maioria das pessoas com que lidamos dominada por um senso do "eu" e no de Deus. Desde que lidemos com sua principal preocupaoaconselhamento, instruo, encorajamentoelas nos do boas notas em nossos cargos como pastores. Quer tratemos ou no de Deus, elas no se importam. Flanery O'Connor descreve um pastor em tais circunstncias como uma parte ministro e trs partes massagista.

muito difcil fazer uma coisa quando quase todos que nos rodeiam esto pedindo que faamos algo muito diferente, especialmente quando essas pessoas so amveis, inteligentes, respeitosas e pagam nosso salrio. Levantamos cada manh e o telefone toca, as pessoas nos procuram e mandam cartasgeralmente numa ocasio de desconcertante urgncia. Todos esses chamados e cartas so de indivduos que nos pedem para fazer algo por eles, em separado de qualquer crena em Deus. Isto , eles no vm at ns por estarem buscando a Deus, mas por estarem procurando uma recomendao, conselhos, ou uma oportunidade, e supem vagamente que poderamos estar qualificados para dar-lhes isso.

H alguns anos machuquei o joelho. Segundo o meu diagnstico, tudo que precisava era fazer alguns tratamentos com gua em turbilho. Nos anos de faculdade havia um dispositivo desse tipo no salo de ginstica e eu tive bastante experincia com a sua eficcia para tratar das minhas leses, assim como para fazer com que me sentisse bem. Em minha atual comunidade, o nico aparelho se achava no consultrio (134) do fisiatra. Telefonei para marcar uma consulta. Ele se recusou, exigindo uma receita mdica.

Telefonei para um mdico ortopedista e fiz um exame (a coisa estava ficando mais complicada e cara do que eu esperava) e ele no quis dar-me a receita para o tratamento com gua. Disse que no era o acertado para o meu caso. Recomendou cirurgia. Protestei, o turbilho com certeza no me faria mal, podendo at fazer algum bem. O homem no arredou p. Ele era um profissional. Seu principal compromisso era com uma abstrao invisvel chamada sade, cura. No estava comprometido em satisfazer meus pedidos. Sua integridade de fato o proibia de ceder s minhas solicitaes se elas prejudicassem seu primeiro compromisso.

Aprendi desde ento, pesquisando aqui e ali, que poderia ter encontrado um mdico que me daria a receita desejada.

Reflito ocasionalmente sobre esse incidente. Estou mantendo clara a separao entre meu compromisso e aquilo que as pessoas me pedem para fazer? Minha principal orientao a graa de Deus, sua misericrdia, sua ao na Criao e na aliana? Estou suficientemente comprometido com isso a ponto de me recusar quando as pessoas me pedem para fazer algo que no as leve a uma participao mais madura nessas realidades? No gosto de pensar em todas as visitas feitas, conselhos dados, casamentos realizados, comits assistidos, oraes oferecidasum amigo chama isso de aspergir gua benta sobre bonecos de palhaapenas porque me pediram isso e no me pareceu na ocasio que resultaria em qualquer mal e, quem sabe, poderia at fazer algum bem. Alm disso, eu sabia que havia um pastor na mesma rua que atenderia qualquer pedido que lhe fizessem. Mas, a sua teologia era to precria que ele provavelmente causaria prejuzo no processo. Minha teologia, pelo menos, era ortodoxa.

(135) Como manter essa linha? Como manter um senso de vocao pastoral numa comunidade que me paga para realizar servios religiosos? Como manter a integridade profissional em meio a um povo acostumado a fazer pesquisas comparativas, que no pratica muito os pontos mais elevados da integridade pastoral?

Entrando nos Destroos

Uma orientao que esmaga a iluso til. Observe atentamente a enorme quantidade de escombros ao nosso redorcorpos, casamentos, carreiras, planos, famlias, alianas, amizades, prosperidade, tudo destrudo. Desviamos os olhos. Tentamos no pensar sobre isso. Assobiamos no escuro. Acordamos de manh esperando por sade, amor, justia e sucesso; construmos rapidamente defesas contra a avalanche de ms notcias e tentamos manter nossa esperana viva.

Ento, outro tipo de desgraa nos coloca, ou a algum que amamos, numa pilha de destroos. Os jornais documentam as runas com fotos e manchetes. Nossos coraes e dirios preenchem os detalhes. Ser que existem quaisquer promessas, quaisquer esperanas isentas da carnificina geral? No parece.

Os pastores entram nessas runas todos os dias. Por que fazemos isso? O que esperamos conseguir? Depois de todos esses sculos, as coisas no parecem ter melhorado muito; ser que pensamos que o esforo de mais um dia ir deter a torrente at o Dia do Juzo Universal? Por que no nos tornamos todos cnicos? a pura ingenuidade que mantm alguns pastores investindo em atos de compaixo, convidando pessoas para uma vida de sacrifcio, sofrendo abuso a fim de dar testemunho da verdade, repetindo obstinadamente uma velha, difcil de entender e muito negada histria de boas novas em meio s ms notcias?

Nossa conversa sobre cidadania num reino de Deus algo que pode (136) ser considerado como o "mundo real"? Ou estamos passando adiante uma fico espiritual anloga s fices cientficas que fantasiam um mundo melhor do que aquele em que vivemos ou iremos viver? O trabalho pastoral mais uma questo de colocar flores de plstico na vida inspida das pessoastentativas bem-intencionadas de iluminar uma cena negativa, no totalmente inteis, mas que no so verdadeiras em qualquer sentido substancial ou vivo?

Muitos pensam desse modo e grande parte dos pastores tambm faz isso em certos momentos. Se pensarmos assim com freqncia, iremos comear lenta mas inexoravelmente a adotar a opinio da maioria e moldar nosso trabalho de acordo com as expectativas daqueles para quem Deus no tanto uma pessoa mas uma lenda, que supem que o reino ser maravilhoso uma vez passado o Armagedom, mas que seria melhor para ns trabalhar desde j nos termos que este mundo nos d, e que pensam que as Boas Novas so interessantescomo os cartes de cumprimentos so interessantesmas de maneira nenhuma necessrias para a vida diria, como o seriam um manual de computador ou uma descrio de trabalho.

Dois fatos: o ambiente geral de runas um estmulo poderoso para desejarmos consertar o que est errado; a mentalidade secular, em que Deus/reino/evangelho no so contados como realidades primrias e vivas, est constantemente se infiltrando em nossa imaginao. A combinaomundo arruinado, mente secularse transforma numa presso firme e incessante para reajustarmos nossa convico do que o trabalho pastoral. Somos tentados a reagir s condies assustadoras que nos rodeiam em termos que fazem sentido para os que esto apavorados.

Ministrando como Pessoas Separadas

A definio aprendida pelos pastores, que nos foi dada em nossa ordenao, que a tarefa pastoral um ministrio da Palavra e do sacramento.

(137)

Palavra. Nas runas, todas as palavras soam como "simples palavras".

Sacramento. Nos destroos, que diferena faz molhar um pedao de po, tomar um gole de vinho?

Todavia, sculo aps sculo, os cristos continuam a separar certas pessoas em suas comunidades, dizendo: Voc nosso pastor, ajude-nos a nos assemelhar a Cristo.

verdade que as suas aes iro muitas vezes manifestar expectativas diferentes, mas nas regies mais profundas da alma, o desejo silencioso delas por mais do que algum desempenhando um trabalho religioso. Se as palavras no-ditas fossem pronunciadas, soariam assim:

"Queremos que voc seja responsvel por dizer e representar entre ns aquilo que cremos sobre Deus, o reino e o evangelho. Cremos que o Esprito Santo est entre ns e em ns. Cremos que o Esprito de Deus continua a pairar sobre o caos do mal deste mundo e do nosso pecado, moldando uma nova criao e novas criaturas. Cremos que Deus no um espectador, s vezes divertido e s vezes alarmado com os destroos da histria mundial, mas um participante.

Cremos que o invisvel mais importante do que o visvel em qualquer momento e em qualquer evento que decidamos examinar. Cremos que tudo, especialmente tudo que parece destroo material que Deus est usando para criar uma vida de louvor.

Cremos tudo isto, mas no vemos. Vemos, como Ezequiel, esqueletos desmembrados, brancos sob o sol impiedoso da Babilnia. Vemos uma poro de ossos que antes haviam sido crianas rindo e danando, adultos que expunham suas dvidas e cantavam louvores na igrejae pecavam. No vemos os danarinos, os amantes ou os cantoress vislumbres fugidios deles. O que vemos so ossos. Ossos secos. Vemos pecado e julgamento sobre o pecado. isso o que parece. Parecia assim a Ezequiel; parece assim para quem quer que tenha olhos para ver e crebro para pensar; e parece assim para ns.

Mas cremos em algo mais. Cremos que esses ossos vo reunir-se, transformando-se em seres humanos com nervos e msculos, que falam, cantam, riem, trabalham, crem e bendizem o seu Deus. Cremos que aconteceu da maneira como Ezequiel pregou e cremos que ainda acontece. Cremos que aconteceu em Israel e que acorre na igreja. Cremos que somos parte do acontecimento enquanto cantamos louvores, ouvimos a Palavra de Deus, recebemos a nova vida de Cristo nos sacramentos. Cremos que a coisa mais significativa que acontece ou pode acontecer que no estamos mais desmembrados, mas unidos ao corpo ressurreto de Cristo.

Precisamos de ajuda para manter nossa f viva, precisa e intacta. No confiamos em ns mesmos, nossas emoes nos atraem para a infidelidade. Sabemos que nos aventuramos num ato perigoso e difcil de f e que existem influncias fortes, desejosas de dissolver ou destruir essa f. Queremos que nos ajude. Seja nosso pastor, um ministro da Palavra e dos sacramentos em todas as diferentes partes e estgios de nossas vidasem nosso trabalho e recreao, com nossos filhos e nossos pais, no nascimento e na morte, em nossas celebraes e tristezas, naqueles dias em que a manh se inicia com um sol radiante, e naqueles dias em que o tempo est sombrio. Esta no a nica tarefa na vida de f, mas a sua tarefa. Encontraremos outra pessoa para fazer os outros misteres importantes e essenciais. Esta o seu: Palavra e sacramento.

Mais uma coisa: Vamos orden-lo para este ministrio e queremos sua palavra de que vai manter-se nele. Este no um trabalho temporrio, mas um estilo de vida que precisamos que seja vivido em nossa comunidade. Sabemos que voc faz parte da mesma aventura difcil de f, no mesmo mundo perigoso em que vivemos. Sabemos que as suas emoes so to instveis quanto as nossas e sua mente to ardilosa quanto a nossa. por isso que vamos orden-lo e porque iremos exigir uma promessa sua. Sabemos tambm que haver dias e meses, talvez (139) anos, quando no teremos vontade de crer em nada e no queremos ouvir nada de voc. Sabemos que haver dias e meses, talvez anos, quando voc no ter vontade de dizer nada. No faz mal. Faa isso. Voc est ordenado para este ministrio, comprometido com ele.

Haver pocas em que iremos a voc em comit ou delegao e exigiremos que nos diga algo alm do que estamos lhe dizendo agora. Prometa neste momento que no ceder ao que estamos exigindo de voc. Voc no ministro de nossos desejos inconstantes, ou da compreenso condicionada ao tempo das nossas necessidades, ou de nossas esperanas secularizadas de algo melhor. Com esses votos de ordenao estamos prendendo voc com toda fora ao mastro da Palavra e do sacramento, de modo que no poder atender voz da sereia.

H muitas outras coisas a serem feitas neste mundo em escombros e vamos estar fazendo pelo menos algumas delas, mas se no soubermos as realidades bsicas com as quais estamos tratandoDeus, reino, evangelhovamos terminar vivendo vidas fteis, fantasiosas. Sua tarefa continuar contando a histria bsica, representando a presena do Esprito, insistindo na prioridade de Deus, falando as palavras bblicas de comando, promessa e convite.

Isso, ou algo bem parecido com isso, o que ouo a igreja dizer aos indivduos que ordena como pastores, mesmo quando as pessoas no conseguem articular as palavras.

(141)

XIII

Deserto e Colheita: Uma Histria Sabtica

Bem-aventurados os perseguidos

As guas hostis realizam algo amigvel:

Maldies, pedras lanadas pela catarata,

Suavizam as asperezas; um rio impetuoso de gua alvacenta

De blasfmias atiradas pelo dio

E depois apanhadas pelo sol, borrifa os arcos do

Arco-ris. Salva pelo ataque impessoal do rio

A terra se aprofunda at o leito rochoso.

Pacincia sbia se faz sentir

Em depsitos ocasionais, silenciosos, escarpados

Que disciplinam as guas violentas at acalm-las,

E as prendem sob a folhagem verde

Para os pssaros e as coras se banharem e beberem

Em pazo dom da perseguio:

A paz abenoada, mas dificilmente recebida.

(142)

Estvamos ambos apreensivos, minha esposa e eu. Ficamos doze meses longe da nossa congregao, um ano sabtico, e empreendamos a volta para ela. Fora um ano magnfico, embebidos no silncio, engolindo grandes haustos de ar das terras altas. Poderamos lidar com a transio da solitude das Montanhas de Montana para o trnsito de Maryland?

Ser pastor um trabalho difcil, talvez no mais do que qualquer outrotodo trabalho bem feito exige tudo que temosmas, mesmo assim difcil. Durante um ano no havamos trabalhado: nada de telefonemas para interromper, nem criatividade exultante/exaustiva no plpito, ou deveres cumpridos com pertincia. Nos divertimos e oramos. Cortamos madeira e escavamos a neve. Lemos e conversamos sobre as nossas leituras. Esquiamos pelo pas no inverno e caminhamos no vero.

Todos os domingos fizemos o que no havamos feito durante trinta anos: nos sentamos juntos e adoramos a Deus. Fomos igreja luterana em Somers com 70 ou 80 outros cristos, quase todos noruegueses, e cantamos hinos que no conhecamos muito bem. O Pastor Pris nos guiou em orao e pregou excelentes sermes.

Confortvel no banco em um domingo de abril, tive um vislumbre do que o pastor estivera fazendo naquela semanaas reunies s quais comparecera e as crises que suportara. Enquanto o Esprito fazia uso do sermo dele para falar pessoalmente comigo, na periferia da minha mente eu percebia admirado a percia, exegtica e homileticamente por trs dele. A seguir, como as pessoas sentadas nos bancos da igreja geralmente fazem, divaguei mentalmente. Como ele faz isso semana aps semana? Como se mantm to gil, to alerta, to no alvo, to vivo paras as pessoas e para Cristo? Bem no meio de todo este estresse, emoo, estudo, e comrcio eclesistico? Esse deve ser o emprego mais difcil da terraeu nunca poderia fazer isso. Fico contente por no ter um trabalho assim.

(143) Compreendi ento. Mas, eu tenho um emprego assim, esse o meu empregoou voltar a ser, em poucos meses.

Esses "poucos meses" haviam sido reduzidos agora "prxima semana". No tnhamos certeza de que estaramos altura. possvel que o ano sabtico, em vez de nos recuperar tivesse apenas nos estragado. Em vez de nos energizar, quem sabe teria nos enervado. Durante trinta anos havamos vivido a uns cem ps de profundidade no oceano da vida paroquial (quanta presso por cm2? e durante um ano sabtico subimos superfcie, nos queimamos ao sol, brincamos na neve. Os escafandristas entram em cmaras de descompresso depois de descerem ao fundo do mar, para no ficarem curvados. Sentimos uma necessidade equivalente de uma "cmara de descompresso" ao voltarmos s profundezas.

De Montana para a Costa Leste, a estrada Interstate 90 se estende numa linha reta convidativa, com duas curvas radicais. Mas nos afastamos dela num desvio para o sul, para o deserto de Colorado, com o propsito de fazer um retiro de quatro dias num monastrio. Segundo espervamos, o monastrio seria a nossa cmara de descompresso. No era como se no tivssemos tempo para orar. Nunca tivemos tanto tempo para isso. Sentamos, porm, a necessidade de outra coisa no momentouma comunidade de orao, alguns amigos dedicados orao entre os quais poderamos imergir nossa vocao como pastor.

Oramos ento durante quatro dias numa comunidade desse tipo. Os dias tinham um ritmo agradvel: oraes matutinas na capela com os monges e outros interessados s seis horas. oraes vespertinas s 17 horas, antes, depois e nos intervalos, silnciocaminhando, lendo, orando, se esvaziando. O ritmo se quebrava no domingo. Depois das oraes da manh e da Eucaristia, todos se reuniam para um desjejum barulhento e festivo. O silncio havia cavado poos de alegria que se derramavam agora para a comunidade em conversa artesiana e risos.

Quando deixamos o monastrio o ano sabtico em Montana tinha ficado, como pedimos em orao, para trs tanto emocional como geograficamente. Trs dias mais tarde chegamos a Maryland, concentrados e explodindo de energia.

Estmulo para o Ano Sabtico

A idia de um perodo sabtico teve origem num estmulo duplo: fadiga e frustrao. Eu estava cansado. Isso no incomum em si, mas tratava-se de um cansao que as frias no resolviamum cansao do esprito, um tdio interior. Senti um ncleo espiritual em minha fadiga e quis buscar um remdio espiritual.

Durante minha vida de pastor, eu passara tambm a escrever. Ansiava por um tempo para expressar alguns pensamentos sobre a minha vocao pastora, tempo que nunca estava disponvel enquanto atuava como pastor.

Um ano sabtico parecia servir perfeitamente a ambas as necessidades. Mas, como consegui-lo? Sirvo numa igreja de um nico pastor e no havia dinheiro para custear um perodo sabtico. Quem me substituiria enquanto estivesse ausente? Como pagaria a aventura? As duas dificuldades pareciam insuperveis. Mas, senti que se o sabtico fosse de fato o remdio para uma necessidade espiritual, a igreja poderia apresentar uma soluo.

Comecei telefonando a vrios lderes da congregao e convidando-os para irem minha casa uma noite. Disse a eles como me sentia e o que desejava. No pedi que resolvessem o problema, mas sim que procurassem comigo uma soluo. Fizeram uma poro de perguntas e me levaram a srio; consideraram o assunto como uma tarefa congregacional: comearam a se sentir como pastores em relao a mim. Quando a noite terminou, no havamos resolvido as dificuldades, mas eu sabia que tinha aliados orando, trabalhando e pensando comigo. O conceito "sabtico" se expandiu e ganhou forma. Num perodo de vrios meses, as "montanhas" se moveram.

(145)

Substituio: Isto acabou no sendo to difcil. Minha denominao se ofereceu para ajudar na localizao de um pastor interinoh muitos homens e mulheres disponveis justamente para esse trabalho. Decidimos finalmente chamar um jovem que havia servido recentemente como interno durante um ano para ns.

Fundos: Preparamos um plano em que a igreja pagaria um tero do meu salrio e eu providenciei os outros dois teros. Fiz isto alugando minha casa por um ano e pedindo ajuda a um amigo generoso. Minha famlia tinha uma casa de fazenda junto a um lago em Montana, onde meus pais agora falecidos, haviam morado e onde sempre passvamos as frias. Era adequada para a nossa necessidade de solido, e podamos viver ali sem muitas despesas.

Detalhe aps detalhe se encaixou, nem sempre fcil ou rapidamente, mas depois de dez meses o ano sabtico foi aceito e planejado. Interpretei o que estvamos fazendo numa carta congregao.

Os anos sabticos so a proviso baseada na Bblia para a restaurao. Quando o campo do lavrador fica esgotado, passa por um perodo sabticodepois de seis anos de plantao e colheita, deixado descansar por um ano para que nutrientes voltem a crescer nele. Quando as pessoas no ministrio ficam exauridas, elas recebem tambm um sabticotempo livre para a recuperao das energias espirituais e criativas durante cerca de dois anos. A sensao de que minhas reservas esto baixas, que minhas margens de criatividade esto lotadas, se torna mais aguda a cada semana. Sinto a necessidade de algum tempo de "deserto"de silncio, solitude, orao.

Uma das coisas que mais temo como seu pastor que por fadiga

ou preguia eu acabe s fazendo os movimentos, substituindo o

trato pessoal com a vida do Esprito pela afabilidade profissional em nossa vida juntos. As exigncias da vida pastoral so grandes, e no h pausas para descanso das mesmas. Bem poucas vezes no dia deixo de enfrentar a luta de f em algum, as energias profundas, centrais, eternas que fazem a diferena entre uma vida vivida na glria de Deus e a desperdiada na autocomplacncia ou banalizada nas diverses. Quero estar pronto para esses encontros. Isso o que significa para mim ser pastor: ficar em contato com a Palavra e a presena de Deus e estar pronto para agir de acordo com essa Palavra e presena no que quer que esteja fazendoenquanto guio vocs na adorao, ensino as Escrituras, converso e oro com vocs individualmente, reunindo-me em grupos enquanto organizamos nossa vida comum, escrevendo poemas, artigos e livros.

nesta rea de intensidade e intimidade, mantendo-me no centro onde a Palavra de Deus torna as coisas vivas, que sinto a necessidade de renovao. As exigncias so muito maiores hoje do que em anos anteriores. Uma das coisas que 23 anos de vida pastoral entre vocs significa que existe uma rede complexa de indivduos, tanto dentro como fora da congregao, com os quais tenho relacionamentos significativos. No gostaria que fosse de outro modo. Mas deve fazer tambm algo para manter as molas centrais da compaixo e da criatividade para que tudo no passe a ser apenas rotina.

Paralela a esta necessidade de um tempo de "deserto", sinto a necessidade de um tempo de "colheita". Estes 23 anos com vocs tm sido plenos e ricos. Vim para c inexperiente e sem mentores. Juntos, ensinados pelo Esprito e uns pelos outros, aprendemos muito. Vocs se tornaram uma congregao, eu me tornei um pastor. Durante este tempo, compreendi que escrever um elemento-chave em minha vocao pastoral com vocs. Tudo que escrevo tem origem no solo desta comunidade de f, enquanto adoramos juntos, obedecemos s Escrituras, procuramos discernir a presena do Esprito em nossas vidas. Quando escrevo, um nmero crescente de leitores expressa (147) apreciao e me afirma no trabalho. No momento, tanta coisa que j est madura e pronta para ser colhida, permanece sem ser escrita. Quero escrever o que vivemos juntos. No quero fazer isso s pressas, ou descuidadamente; mas escrever bem, para a glria de Deus.

Jan e eu conversamos sobre isso, oramos juntos e consultamos pessoas que julgamos sbias. A soluo bvia era aceitar um chamado para outra congregao. Isso proveria a simplicidade de novos relacionamentos, descomplicados pela histria e o estmulo de novos comeos. No quisemos porm partir daqui, no caso de haver outro caminho; a vida de adorao e amor que criamos juntos um imenso tesouro que s deixaremos se nos pedirem. Chegamos idia do sabtico, um ano de afastamento para orar e escrever, para que pudssemos voltar a este lugar e este povo e fazer o nosso melhor em nosso ministrio para vocs.

Um perodo de deserto ento e um tempo de colheita, tempo para orar e escrever, os dois tempos lado a lado, contrastando, convergindo, numa espcie de fertilizao-cruzada. Muitos de vocs j deram a sua bno e encorajamento nesta aventura, confirmando nossa deciso de dar este passo de f, sendo obedientes a Deus em nossas vidas.

Estrutura para o Sabtico

Foi isso que aconteceu. Doze meses longe da minha congregao. Doze meses para orar e escrever, adorar e caminhar, conversar e ler, lembrar e refletir.

Desde o incio havamos considerado o sabtico como um empreendimento conjunto, satisfazendo uma necessidade espiritual tanto no pastor como na congregao. No queramos que o ano fosse interpretado como uma fuga, visto como "indo embora para fazer o (148) que querem". Tnhamos um compromisso com aquela congregao. O sabtico foi providenciado para aprofundar e continuar nosso ministrio comum. Como transmitir isso? Como cultivar nossa intimidade na f e no permitir que a separao geogrfica nos afastasse espiritualmente?

Decidimos escrever uma "Carta Sabtica" mensal em duas partes "O lado de Jan" e "O lado de Eugene". Enviamos um rolo de filme junto com a carta; um amigo revelou as fotos de nossa vida naquele ms e as exps num mural. As cartas e fotografias tiveram exatamente o efeito desejado. Mas, s um lado das cartas parece que foi lido cuidadosamenteo de Jan. Eu no podia deixar de pregar. Ela transmitia a experincia sabtica.

Birta Stendahl escreveu certa vez que o ano sabtico que ela e o marido, Krister, passaram na Sucia, "nos restaurou a vida". O lado de Jan das cartas sabticas revelou essa dimenso do nosso ano para nossos amigos adoradores e cheios de f em casa. Ela estabeleceu o tom na primeira carta.

Separada de ns por 4.000km, minha sogra sempre se alegrava ao receber uma carta nossa. Em vista de Eugene ser o mais velho e estar "procurando aventura" tanto fsica quanto ideologicamente, ela gostava de receber suas cartas csmicas e teolgicas. Ele lhe contava todas as Grandes Idias. Mas, por ser me e dona de casa, gostava especialmente de ouvir de mim, porque eu explicava o que tnhamos para o jantar, os ltimos problemas ou triunfos de seus netos, os rasges nas roupas deles e os orculos precoces que pronunciavam. Voc pode ler as Grandes Idias do outro lado da pgina, mas aqui est a carta de minha sogra para vocs, nossa querida famlia em Cristo, nosso Rei.

"A viagem atravs do pas foi boa. Acampamos duas noites no trajeto. No esquecemos da maioria dos conselhos que nos deram quando partimos, mas as advertncias quanto a usar roupas quentes no deram certo. Em nossa primeira noite em (149) Montana acampamos na cabeceira do rio Missouri e conseguimos congelar a extremidade especfica que no adequado mencionar numa carta circular para a igreja. Pusemos o cachorro dentro da tenda para aquecer-nos melhor, embora ela no fosse de tanta ajuda quanto precisvamos. O cu estava maravilhoso com suas estrelas brilhantes at o fim do horizonte. (Nunca pensei que as estrelas fossem at o horizonte!) A tenda ficara coberta de gelo como vimos na manh seguinte.

A primeira semana aqui foi gasta em limpeza, arrumao, e tentativas de aquecer a casa. Acho que finalmente aprendi a fazer fogo com pedaos de madeira. Entremeamos nossos arranjos domsticos com passeios na floresta e lendo em voz alta um para o outro (Garrison Keillor no momento).

Um dia resolvemos ir at o Glacier Park para ver dezenas de guias calvas pescando filhotes de salmo em MacDonald Creek. No ano passado, mais de 500 foram vistas num s dia. Depois disso esquiamos at o lago Avalanche, 40km at um circo glacial. O tempo se mostrara esplndidoflocos de neve, sol, vento, nuvens.

Temos cerca de 30 patos nadando em nossa baa aqui no lago. No domingo passado voltamos do culto de adorao e vimos uma criatura peluda em nosso embarcadouro, lambendo-se para secar, e percebemos que era uma marta.

Eric e Lynn vieram de Spokane para o fim de semana. Convidamos o irmo e a irm de Eugene para uma refeio improvisada na noite de sexta-feira. Foi uma reunio alegre e agradvel. Uma de nossas oraes para este ano que nossas reunies de famlia sejam ricas e plenas de bnos.

Uma das ltimas coisas que pedimos a Mabel Scarborouh fazer para ns antes de sair de Bel Air foi atualizar a lista dos membros da igreja para que pudssemos orar por vocs todos os dias, nossa famlia da f. Fiquem certos do nosso amor e nossas oraes. Nos sentimos muito prximos de vocs. Nosso jantar desta noite foi peixe com molho branco sobre pezinhos salgados.

(150)

Nosso tempo era assim. Ao chegarmos a Montana, estabelecemos uma rotina para apoiar nosso duplo alvo de deserto e colheita, para no desperdisrmos o ano. Concordamos em uma semana de trabalho de cinco dias, com o sbado e o domingo dedicados ao descanso e orao. Eu trabalhava duro cinco horas por dia, escrevendo em minha mesa e depois relaxava. Fazamos nossas oraes vespertinas ao cair da tarde e depois lamos um para o outro enquanto preparvamos o jantar. Depois de nove meses desta vida, eu havia escrito os dois livros que desejava completar (a "colheita"). A partir de ento tudo foi "deserto"ler, orar, esquiar.

Recuperado para o Ministrio

Tudo o que eu esperava aconteceu: Voltei com mais energia do que posso lembrar-me de ter tido desde os 15 anos. Eu sempre gostei de ser pastor (com lapsos ocasionais, mas breves). Mas, nunca tanto assim. experincia da minha maturidade juntava-se agora energia de minha juventude, uma combinao que no julguei possvel. As partes do trabalho pastoral que eu antes fizera por obrigao, s porque algum tinha de execut-las, agora desempenhava alegremente. Sentia reservas profundas dentro de mim, espaosas e fluindo livremente. Sentia grandes blocos de tempo ao redor de tudo que faziaconversas, reunies, escrever cartas, telefonemas. Senti que nunca mais teria pressa. O sabtico fizera sua obra.

Um benefcio com o qual eu no contara foi uma mudana na congregao. Estavam refrescados e confiantes de um modo que eu no observara antes. Um dos perigos de um pastorado muito longo o desenvolvimento de dependncias neurticas entre o pastor e seu (151) povo. Eu me preocupara com isso de tempos a tempos. Teria sido saudvel ficar tanto tempo naquela congregao? Ser que eu tomara o lugar de Deus para eles?

Esses temores ficaram mais agudos quando propus o ano sabtico, pois muitos expressaram ansiedade excessivamedo que eu no voltasse, que a igreja no pudesse sustentar-se sem mim, que a vida de f, adorao e confiana que havamos trabalhado tanto para alcanar se desintegraria na minha ausncia. Nenhum desses temores veio a concretizar-se. A congregao prosperou. Eles descobriram que no precisavam absolutamente de mim. Descobriram que podiam ser uma igreja de Jesus Cristo com outro pastor to bem quanto comigo. Voltei para uma congregao confiante na sua maturidade como povo de Deus.

Um incidente recente, aparentemente trivial, ilustra a profunda diferena que continua se manifestando numa variedade de situaes. Cerca de 25 de ns estavam indo para um retiro de liderana de dois dias. Havamos combinado encontrar-nos no estacionamento da igreja s 17,45 para distribuir as pessoas nos carros. Fiz uma visita ao hospital que levou mais tempo do que eu planejara e cheguei cinco minutos atrasado, encontrando o estacionamento vazio. Eles me deixaram para trs. Antes do sabtico isso nunca teria acontecido, agora esse tipo de coisa acontece repetidamente. Eles tomam conta de si mesmos, como sabem que eu tomo conta de mim mesmo. Maturidade.

A congregao e eu estamos experimentando grande liberdade nisto: no precisamos neuroticamente um do outro. No dependo deles; eles no dependem de mim. Isso nos deixa livres para apreciar-nos mutuamente e receber dons de ministrio uns dos outros.

(153)

A PALAVRA RENOVADA

(55)

XIV

POETAS E PASTORES

No significativo que todos os profetas e salmistas bblicos tenham sido poetas?

Os pastores e os poetas fazem muitas coisas em comum: usam palavras com reverncia, se envolvem nos particulares de cada dia, espiam as glrias das banalidades, advertem sobre as iluses, cuidam das ligaes sutis entre ritmo, significado e esprito. Penso que deveramos buscar uns aos outros como amigos e aliados.

Os poetas so os zeladores da linguagem, os pastores das palavras, impedindo que estas sejam prejudicadas, exploradas, mal interpretadas. As palavras no s significam algo; elas so algo, cada uma com um som e um ritmo prprio.

Os poetas no esto tentando principalmente dizer-nos, ou obrigar-nos a fazer algo. Ao cuidar das palavras com disciplina brincalhona (ou brincadeira disciplinada), eles nos levam a um respeito maior pelas palavras e pela realidade que nos apresentam.

Os pastores esto tambm no negcio das palavras. Pregamos, ensinamos e aconselhamos usando palavras. As pessoas no geral do especial ateno possibilidade de Deus estar usando nossas palavras para falar com elas. Temos a responsabilidade de usar bem e com exatido as palavras. Mas, isso no fcil. Vivemos num mundo onde as palavras so usadas descuidadamente por alguns, astuciosamente por outros.

fcil para ns dizer o que nos vem mente, nosso papel de pastor compensando nossas palavras vazias. fcil dizer o que lisonjeia ou manipula, adquirindo assim poder sobre outros. De maneira capciosa, ser pastor sujeita nossas palavras corrupo. Essa a razo de ser importante freqentar a companhia de um amigo poetaGerard Manley Hopkins, George Herbert, Emily Dickinson e Luci Shaw so alguns dos meusalgum que se preocupa com as palavras e usa de sinceridade com elas, que respeita e honra seu poder avassalador. Saio desses encontros menos descuidado, vendo restaurada a minha reverncia pelas palavras e pela Palavra.

No significativo que os profetas e salmistas bblicos fossem todos poetas? curioso que tantos pastores, cujo ofcio inclui a rea proftica e slmica (pregao e orao), sejam indiferentes aos poetas. Ao ler os poetas, descubro aliados congeniais no mundo das palavras. Ao escrever poesias, descubro-me praticando minha arte pastoral de maneira bblica.

Os seguintes poemas so baseados no fator principal da encarnao, a doutrina mais prxima do ministrio pastoral. Caro salutis est cardo, escreveu Tertuliano: "A carne o ponto central da salvao".

(156)

xv

POEMAS

(158)

Saudao

Alegra-te, muito favorecida!

O Senhor contigo.

Lucas 1:28

Meu carteiro, dirigindo seu

caminho, enfeitado de azul e vermelho, sem asas

Mas com rodas, comissionado pelo servio civil

Entrega diariamente o Evangelho em cada Advento.

Este Gabriel, em uniforme de gabardine,

Descendente carrancudo de seu deslumbrante original,

Sob o peso das saudaes estico

Mas pontual: anunciaes s dez de cada manh.

Uma ou duas ou trs por dia a princpio;

Na segunda semana o momento termina,

Minha caixa de correspondncia est lotada, cada carto selado.

Com a glria custando apenas vinte e cinco centavos,

(Trazendo as novas de que Deus est aqui conosco)

Primeira classe, endereada pessoalmente mo.

(159)

A rvore

Do tronco de Jess sair um rebento, e das suas razes, um renovo.

Isaas 1:11

As razes de Jess, adubadas com carcaas

De pombas e cordeiros, pergaminhos de bois e cabras,

Sculos de oraes ressecadas e sacrifcios

Sangrentos, agora produzem para mim o fruto do evangelho.

O rabento de Davi, alimentado em solo judeu

Se abre em flor messinica, e ento

Amadurece em uma colheita do reino, conservando

A fragrncia e o calor da primavera para uso no inverno.

Esprito Santo, sacode a nossa rvore familiar;

Lana tua fruta amadurecida em nossos braos estendidos.

Eu gostaria de ver meus filhos fincarem os dentes

Nas roms da terra prometida.

E nas uvas de Cana, dons de Deus,

Enquanto salto uma corda de graa seguindo uma cadncia crist.

(160)

A Estrela

V-lo-ei, mas no agora; contempl-lo-ei, mas no de perto; uma estrela proceder de Jac.

Nmeros 24:17

Estrela alguma visvel exceto noite,

At que o sol se ponha.

O brilho do dia oculta o que a escurido nos revela,

Na hora em que adormeo o urso avana.

Abro os olhos para as trevas amaldioadas mas necessrias,

O fosso escuro que seca a minha cisterna.

E vejo, no de perto, no agora, a marca celestial

Explodindo no cu sua mensagem-quasar.

Em meio escurido, por trs de mim, um sol

Lanado h anos-luz, completa o seu curso;

Os cus no-decifrados de mito e histria

Narram agora a magia cadenciada da glria.

Pilotos perdidos esperam a noite para planejar seu vo,

Os peregrinos diurnos, por sua vez, louvam a meia-noite.

(161)

A Vela

O povo que andava em trevas viu grande luz, e aos que viviam na regio da sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz.

Isaas 9:2

Candelabros sem velas e lmpadas sem leo abandonados

Por virgens insensatas apressadas demais para esperar

E cuidar da luz so pistas para a viglia fracassada,

A chegada perdida, o-que-poderia-ser da meia-noite.

O pavio e a cera protestam,

Chama frgil, desafiadora contra terrores

Demonacos que sopram em rajadas, invisveis e annimos,

Do vazio das galxias sem Deus.

Bem fundo na escurido incndios alimentados por

Crentes sbios surpreendem, iluminando tudo que foi abandonado.

Feridos e tropeando num mundo ignorante

O sbito claro envolve cada cabea com uma aurola.

Feixes de sol filtrados pela tempestade buscam e destroem

a sombria desolao. Eu vejo. Eu vejo.

(162)

O Tempo

Vindo, porm, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebssemos a adoo...

Glatas 4:4-5

Passei metade, ou mais da metade, da minha vida

Esperando, esperando a chegada do dia

Quando a aurora lana o sol animado de riso

Atravs do firmamento de Deus at minha tenda.

Em meu outro relgio, o pecado vou adiando

At que esteja pronto, o que nunca pareo

Estar, o dia apreendido, o sonho do reino

Realizado. Minha cabea ficou tempo demais no cocho.

Mantendo um ritmo messinico firme,

Mars ocenicas e sangue de mulher penetram

O abismo que chama outro abismo e traz luz

Os anos de semeadura, e agraciam esta terra invernosa.

Medido pela lua metronmica,

Nada conta melhor o tempo do que um tero.

(163)

O Sonho

...lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor.

Mateus 1:20

Amigavelmente familiarizado com a virtude e o mal,

A justia de Jos e a perversidade

De Herodes, sou sempre e sempre um estranho graa

e preciso desta visitao anual do anjo.

mergulho sbito do sonho para a realidade

Para saber que a virgem concebe e que Deus est conosco.

O sonho segue seu caminho atravs da estao do inverno

E me permite contemplar em viso o dom de Jesus.

A luz do sonho dura um ano impenetrvel

De equincio e solstcio so doze meses

De luz do dia em que vejo o prespio onde meu

Redentor vive. Arqutipos de louvor tomam forma

Profundos em meu esprito. Quando o outono se vai

Conto os dias at que sonhe novamente.

(164)

O Bero

E ela deu luz o seu filho primognito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura.Lucas 2:7

Para ns que s conhecemos pais imperfeitos

E mes mal-sucedidas, esta criana uma surpresa:

Uma realizao sbita de tudo que esperamos

pudesse acontecer. Esperanas acumuladas supridas pelas profecias,

Fragmentos de velhos sermes e cnticos, agora chora

Balbucia e murmura no bero, uma protolinguagem

Confusa que no momento em que conseguir

Uma lngua (e ns, claro, abrimos os ouvidos)

Pronunciar os grandes substantivos: alegria, glria, paz;

E viver os melhores verbos: amar, perdoar, salvar.

Juntamente com as faixas as palavras so lavadas

De todo sentimento vulgar, limpas de

Todas as promessas no-cumpridas e depois penduradas no

Quintal do mundo, alvas e brilhantes, o evangelho

desfraldado.

(165)

A dor

...uma espada traspassar a tua prpria alma, para que se manifestem os pensamentos de muitos coraes.

Lucas 2:35

O choro das criancinhas, de certo modo sempre

Inadequadopor que os amados e inocentes devem

Cumprimentar a existncia com choro? uma prova de que

Nem tudo est bem. Sonhos e partos quase no combinam.

Anseios profundos permanecem insatisfeitos, feridas

continuam abertas. O que natural e alegre se transforma

em esgares e maldies medonhos. Um ferimento surge

no lugar do xtase. O nascimento envolto em sangue.

Todo sofrimento um preldio da sinfonia, da doura.

A prola comea como uma dor no estmago da ostra.

O corniso, reciclado do bero cruz, entra

De novo no mercado como uma canga para aliviar os fardos.

Cada lado aberto pela espada a matriz para Deus

Vir novamente a mim mediante o labor, causando alegria.

(166)

A Guerra

...e o drago se deteve em frente da mulher que estava para dar luz, a fim de lhe devorar o filho quando nascesse...Houve peleja no cu.

Apocalipse 12:4,7

Este nascimento um sinal para a guerra. Os amantes brigam,

Os amigos se separam. Brindes alegres de taas

De ponche desaparecem no estmago dos drages.

A me e a criana sobrevivero a esta noite infernal?

Tive a minha parte de luta no trnsito:

Brigas na cozinha, socos no recreio;

Todo coro de querubins tem seu lado agressivo,

Aprendi ento um dia que a luta era csmica.

Trgua: Abaixo as armas; meus braos se enchem

de presentes: selvagens e domsticos, reais e empalhados

Lees. Cordeiros brincando, o gado em repouso,

A fora festiva dos pais da criana. Um corvo

Grasna desafiador na brancura que vai embora,

Satnica e vazia ameaa confrontando a claridade.

(167)

O Cntico

Glria a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem.

Lucas 2:14

Fora de sintonia, com os ps plantados no cho, minha lngua

aguada,

Uma discrdia marchante, falante, aborrecida,

Os murmrios do meu corao registrados em fichas

de laboratrio.

O rudo entre minhas orelhas no pode ser cantado.

Insatisfeito, me uno a uma fila de pessoas difceis de

agradar

Que querem trocar suas almas speras e burguesas

Por uma mente grega perspicaz e um nariz romano aquilino,

E ento nos encontramos surpresos na entrada de um estbulo.

Anjos cantando e um Deus jubiloso

Se unem ao coro de vacas, ovelhas e ces.

Na beirada da manjedoura, entre desejos e presentes

Vislumbro a carne recm-formada, agora minha. Eles levantam

Vozes de louvor e cantam doze tons

De prazer em meus msculos, em meus ossos.

(168)*A Festa

Porque o Poderoso me fez grandes cousas...Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos.

Lucas 1:49,53

Os seios pejados de leite transbordam de bnos e acalmam

A criana, fazendo-a aquietar-se, deixando o sofrimento: El

Shaddai

Fez grandes coisas por mim. A terra amamenta o cu nas encostas do

Grand Teton (O mais alto pico da Cordilheira Teton, que faz parte das

Montanhas Rochosas).

Adulto, ele oferece desjejuns, parte o po,

Hspede itinerante de um milho de festas.

Seus ossos alimentados de leite so sepultados intatos

No tmulo de Arimatia.

O mundo sente fome:

E corre para a mesa que Ele preparou:

Carne forte, vinho encorpado.

Brindando com meus amigos nas Montanhas

De inverno, estou de volta durante segundos

Com a freqncia de toda semana:

Beba longamente! Beba!

(169)

A Dana

Logo que me chegou aos ouvidos a voz da tua saudao, a criana

estremeceu de alegria dentro em mim.

Lucas 1:44

Um outro corao estabelece a batida que me pe

em movimento, em perichoresis, passos

Aprendidos no tero antes da fundao do mundo.

Nunca perdendo uma batida: disposio de louvar.

Saltando em direo luz, Estou danando

No escuro, tocando agora a barriga da bno,

Agora o lado dolorido, pronto para o nascimento,

Para dar nome e viver o mistrio do amor abertamente.

Os quase-mortos e os quase-vivos captam

Os ritmos tonos em seus msculos ociosos.

E alegremente do cambalhotas e gritam trs aleluias

Mas nem todos: "Os surdos sempre mostram desprezo.

Pelos que danam". Isso no interrompe os danarinos:

Todos que esperam a luz saltam ao ouvir a voz de saudao.

(170)

O Presente

Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo est sobre os seus ombros; e o seu nome ser: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Prncipe da Paz.

Isaas 9:6

Quase doente de excitao e sob luzes brilhantes

Repito sempre, ano aps ano aps ano.

No posso esperar para abrir as caixas e

Mostrar a meus amigos: Vejam o que ganhei!

Rasgo o papel de cada presente, mas descubro

Que todas as etiquetas mentiram. Pedras.

E meu corao uma pedra tambm. "Morto em transgresses

E pecados". As luzes vo embora. Mais tarde meus olhos,

Acostumados ao escuro, vem envolto

em papel Cristo-laminado e com fitas Esprito-coloridas

O messias de muitos nomes, rtulos de amor

Na forma de f, cada nome uma promessa

E cada promessa um presente, feito e nomeado

Tudo ao mesmo tempo. Eu aceito.

(171)

A Oferta

Paguem-lhe tributos os reis de Trsis e das ilhas;

os reis de Sab e de Seb lhe ofeream presentes...

Viver, e se lhe dar do ouro de Sab!

Salmo 72:10,15

Nascido num mundo onde no existe alimento gratuito

E educado para usar presentes como objetos de troca, passo

O resto de minha vida recebendo este presente sem

Condies, mas no me saio muito bem.

Trs sbios de roupo com quinze ou dezessete

centmetros de jeans e tnis aparecendo, se ajoelham

E oferecem ddivas que simbolizam os presentes

Que nenhum de ns est ainda pronto para dar.

Alguns ficam para trs, apagam as velas,

Varrem a palha e guardam o prespio.

Abrimos a porta para a noite do mundo

E descobrimos que tivemos um melhor

Desempenho. Vamos embora com o que nos resta substitudo

No ofertrio por ouro do reino.

4a Capa

Todo pastor que quiser voltar s bases espirituais far bem em ler e assimilar este livro. Conhecido por muitos como "pastor dos pastores", Eugene Peterson apresenta aqui palavras de sabedoria e renovao para os pastores envolvidos no trabalho de pregar, ensinar e "dirigir a igreja".

Para tratar dos elementos essenciais freqentemente esquecidos, Peterson redefine o significado de pastor mediante trs adjetivos vvidos e revigorantes: sem esprito comercial, subversivo e apocalpticoe depois se concentra no ministrio pastoral e na direo espiritual "entre os domingos". Ilustrado com exemplos interessantes extrados das experincias do prprio Peterson como pastor, o livro inclui reflexes poticas sobre as Bem-Aventuranas e discusso de temas como cura de almas, ministrio da conversa trivial, a linguagem da orao e o sabtico.

O Pastor Contemplativo termina com vrios poemas fervorosos centrados na encarnao, a doutrina mais prxima do ministrio pastoral. Sob o ttulo "A Palavra Renovada", esta seo final encerra adequadamente os discernimentos de Peterson, sobre a arte do pastoreio, apoiados em uma slida base bblica.

EUGENE H. PETERSON foi pastor da igreja presbiteriana Christ Our King em Bel Air, Maryland, durante vinte e nove anos, at sua mudana recente para a Faculdade Regent em Vancouver, Colmbia Britnica. Seus livros muito bem aceitos para pastores incluem, Five Smooth Stones for Pastoral Work, Working the Angles: The Shape of Pastoral Integrity, e Under the Unpredictable Plant: An Exploration in Vocational Holiness.

EUGENE H. PETERSON

O PASTOR CONTEMPLATIVO

Volta Arte da Direo Espiritual

Traduo: Neyd Siqueira

Editora Sepal

Abril 2002