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EUTANÁSIA Eutanásia tem aprovação quase certa e abre polémica no PSD As incógnitas na bancada socialista e os indecisos na bancada social-democrata não serão suficientes para baralhar as contas Sofia Rodrigues Com o embalo da força da esquerda parlamentar (menos o PCP), a despenali- zação da eutanásia deverá ser hoje aprovada, na gene- ralidade, mas o debate, por causa de um deputado do PSD, des- viou-se ontem para o referendo. E a bancada social-democrata ficou a braços com uma polémica. A iniciativa do deputado e ex-líder da JSD Pedro Rodrigues de avançar com uma proposta de referendo - que, a princípio, foi secundada por outros seis deputados - foi o bastan- te para criar alguma confusão na ban- cada e no partido. Até porque não avisou previamente Rui Rio. O deputado argumentou que a euta- násia não é apenas uma "questão de consciência do deputado, mas sim do cidadão". Mas a iniciativa do ex-líder da JSD levou a movimentações no gru- po parlamentar logo de manhã. Depu- tados que foram dados como subscri- tores da proposta foram abordados pela direcção da bancada que avisou não ser essa a orientação do partido. Ao final da manhã, Adão Silva, vice- presidente da bancada, declarava aos jornalistas que a iniciativa avançou "totalmente à revelia" da direcção do partido e seria "inconsequente", que não seria agendada para debate em plenário. O gesto é "completa- mente inaceitável", criticou, susten- tando que é preciso "articulação" com a direcção do partido. À tarde, alguns dos deputados dados como subscritores, como Alberto Machado (líder da distrital do Porto), Sandra Pereira, Carlos Silva e Cristóvão Norte, demarcaram-se da iniciativa de Pedro Rodrigues. Mantiveram-se Pedro Alves e Paulo Leitão, líderes das distritais de Viseu e de Coimbra, além do promotor da iniciativa. Pedro Rodrigues, que apoiou Rui

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EUTANÁSIA

Eutanásia temaprovação quasecerta e abrepolémica no PSD

As incógnitas na bancada socialista e os indecisos na bancadasocial-democrata não serão suficientes para baralhar as contas

Sofia Rodrigues

Com

o embalo da força daesquerda parlamentar(menos o PCP), a despenali-zação da eutanásia deveráser hoje aprovada, na gene-ralidade, mas o debate, por

causa de um deputado do PSD, des-

viou-se ontem para o referendo. E abancada social-democrata ficou a

braços com uma polémica.A iniciativa do deputado e ex-líder

da JSD Pedro Rodrigues de avançarcom uma proposta de referendo -que, a princípio, foi secundada por

outros seis deputados - foi o bastan-te para criar alguma confusão na ban-cada e no partido. Até porque nãoavisou previamente Rui Rio.

O deputado argumentou que a euta-násia não é apenas uma "questão deconsciência do deputado, mas sim docidadão". Mas a iniciativa do ex-líderda JSD levou a movimentações no gru-po parlamentar logo de manhã. Depu-tados que foram dados como subscri-

tores da proposta foram abordados

pela direcção da bancada que avisounão ser essa a orientação do partido.

Ao final da manhã, Adão Silva, vice-

presidente da bancada, declarava aos

jornalistas que a iniciativa avançou

"totalmente à revelia" da direcção do

partido e seria "inconsequente", jáque não seria agendada para debateem plenário. O gesto é "completa-mente inaceitável", criticou, susten-tando que é preciso "articulação"com a direcção do partido.

À tarde, alguns dos deputados dados

como subscritores, como AlbertoMachado (líder da distrital do Porto),Sandra Pereira, Carlos Silva e Cristóvão

Norte, demarcaram-se da iniciativa dePedro Rodrigues. Mantiveram-sePedro Alves e Paulo Leitão, líderes das

distritais de Viseu e de Coimbra, alémdo promotor da iniciativa.

Pedro Rodrigues, que apoiou Rui

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Deputados do PSD favoráveis à despenalização, como Rio, não votam nec iissariamente a favor de todas as propostas em causa

Rio para a liderança do PSD, reiteroua sua posição "de princípio". "Pormuito que me tentem isolar, estouconfortável com a minha convicção.Estou ao lado dos militantes do meupartido e do meu eleitorado. (...) Dis-cutirei este tema no conselho nacio-nal", declarou por escrito, lembrando

que o recente congresso aprovou uma

moção a favor do referendo.À voz dissonante de Pedro Rodri-

gues juntou-se uma outra de um depu-tado que é favorável à eutanásia. Oex-líder da distrital de Lisboa, Pedro

Pinto, saiu em defesa do referendo e

contestou a decisão da direcção detentar travar uma proposta nesse sen-

tido. "Não podemos andar a discutiro sistema político e a moralidade da

política dos deputados e, em contra-

partida, dizer sim a tudo o que venhanão sei de onde", afirmou aos jorna-listas, sustentando que o grupo parla-mentar "é um órgão nacional" do PSD

e tem de ter posição sobre o assunto.À tarde, Rio evitou falar aos jorna-

listas no Parlamento e fez saber quevota a favor da despenalização da

morte assistida. Ao seu lado deverãoestar pelo menos mais quatro deputa-dos da bancada do PSD ao abrigo daliberdade de voto dada: Adão Silva,

que vota a favor do projecto do PS e

abstém-se nos outros; Duarte Mar-

ques; Sofia Matos; e Hugo Carvalho.A aprovação da despenalização da

eutanásia (prevista nos cinco projec-tos de lei de PS, BE, PAN, PEV e Inicia-tiva Liberal) deverá ser garantidapelos votos a favor da totalidade dos

deputados do Bloco (19), PAN (4), PEV

(2), Iniciativa Liberal (1) e de Joacine

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Katar Moreira. Assim como estão cer-

tos, do lado do contra, os votos doPCP (10), CDS (5) e do deputado do

Chega (1). Mas a votação não será a

mesma para todos os projectos: o

deputado da IL e o sodal-democrataAdão Silva, por exemplo, só votam afavor da iniciativa do PS. Nas outrasabstêm-se.

Só as bancadas do PS (108) e do PSD

(89), às quais é dada liberdade de

voto, deverão dividir-se: entre os

socialistas, maioritariamente a favor,há quatro deputados que votam con-tra as cinco propostas: AscensoSimões, Pedro Cegonho, José LuísCarneiro e José Leitão. O primeirodeputado votou contra em 2018 e os

três últimos escreveram artigos de

opinião no PÚBLICO e anunciar o seusentido de voto.

As incógnitas na bancada do PS e os

indecisos na do PSD não serão sufi-cientes para baralhar as contas, ape-sar de terem sido as votações cruzadasdo PSD que, em Maio de 2018, contri-buíram para o chumbo de todas as

propostas. Então, foi o projecto do PS

que ficou mais perto de ser aprovado,com 110 votos a favor, 115 contra(incluindo os de Ascenso Simões eMiranda Calha) e quatro abstençõesde sociais-democratas. Os diplomasdo Bloco e do PEV tiveram a mesma

votação global - 104 a favor, 117 contrae oito abstenções - e o do PAN obteve102 votos favoráveis, 116 contra e 11

abstenções. No PSD, só Teresa LealCoelho e Paula Teixeira da Cruz (quejá não estão no Parlamento) se assu-

miram a favor dos quatro projectosem 2018. Bruno Vitorino absteve-seno do PAN e votou contra as restantesiniciativas. Também Cristóvão Nortesó votou a favor da do PAN e absteve-se nas restantes. Duarte Marques,outro social-democrata de quem se

esperava o voto a favor, só apoiou as

iniciativas do BE e d'Os Verdes, nos

projectos do PS e PAN absteve-se. Mar-

garida Balseiro Lopes, líder da JSD,

apenas disse "sim" ao projecto do PS.

Desta vez, encontra-se fora do país e

não votará, com Sônia [email protected]

0 que propõem os partidos

Quem pode candidatar-se àassistência médica naantecipação da morte?

, BE, PAN, , INCidadãos nacionais, ou

legalmente residentes noterritório, maiores de idade, comlesão definitiva ou doença

incurável e fatal, causadora deum sofrimento atroz e intolerável,conscientes e capazes deentender o alcance do pedido.Pessoas com doença mental ecrianças podem candidatar-se?

BE, PAN, ILNão.

Quem pode administrar osfármacos letais (eutanásia) oudisponibilizá-los para que odoente os auto-administre(suicídio assistido)?

, BE, PANMédicos ou enfermeiros sob

supervisão médica.

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PEVMédicos.ILO médico responsável, cujapresença é obrigatória, e outroprofissional de saúde.Quantos médicos avaliam opedido do doente?

PSNo mínimo, dois: o "médicoorientador" e um especialista na

patologia do doente e que podecancelar o procedimento. Podehaver lugar ao parecer de umpsiquiatra. O processo avançacom o aval da Comissão de

Verificação e Avaliação doProcedimento Clínico deAntecipação da Morte (médico,enfermeiro e especialista embioética) e da Inspecção dasActividades em Saúde.BEDois ou três. Além do "médico

Decidir com serenidade

OpiniãoJosé Luís Carneiro

Luz dos dados conhecidos,sou contra a eutanásia. Sou¦¦ contra por entender que o

B^H Homem é Liberdade, sendoRazão. E é Razão sendo

M BLiberdade. É uma Unidade

que também é um Todo e é um Todo

que também é Unidade. O Homem é

eminentemente um "ser" social.Descobre-se "no" outro e "com" o

outro. Acrescento: realiza-se "pelo"outro. O Homem é, por isso,

"intersubjetividade". Impõe, pois,um olhar "compreensivo". O

individualismo, de per si, conduz oHomem à dissolução dessa sua

condição fundamental. Ora, se é

dever da sociedade, expressão da

razão, respeitar a individualidade

expressa na autonomia e naautodeterminação da vontade, é

também seu dever tudo fazer parapromover e preservar a vida

individual, até aos limites doconhecimento técnico e científico.Contribuindo para remover os

elementos nocivos - a dor e o

sofrimento - que levam à formaçãodessa vontade.

O Humanismo cristão, oHumanismo de Erasmo de Roterdão,os alicerces do liberalismo social e

político partem de um imperativoético e moral que coloca na defesada vida humana todos os meios dasociedade e do Estado. E oiluminismo fundador das sociedades

e Estados modernos reforçou e

alimentou a crença no progresso e

na razão técnica como solução paraos problemas do Homem. Essa é,

aliás, desde os primórdios da

humanidade, a mais imperativarazão da sociedade e do Estado.

Quero, contudo, reconhecer queos projetos que os vários deputados,eleitos pelo PS e por outros partidos,apresentam em sede de discussão e

votação no Parlamento não deixamde integrar a liberdade e a razão. É

nessa sensatez que assenta a

justificação para que o seu projetotenha o apoio da maioria. Cuidam de

garantir o respeito pela formação e

autodeterminação da vontadeindividual e, simultaneamente,procuram garantir um escrutínio,

concomitante e consecutivo, dessavontade individual por parte de

quem assume, em nome do Estado,a responsabilidade de realizar o

acompanhamento da vontadeindividual. Ouvi com atenção as

palavras dos meus colegasdeputados. A maioria vota a favor

pela mesma razão que eu votocontra. Por entenderem que o fim deum sofrimento duradouro,tecnicamente sem cura, está na

procura de uma certa dignidade nomodo de encarar o fim da vida.

Para mim, a formação e

autodeterminação da vontade de

partir será sempre o resultado de

circunstâncias objetivas e subjetivase cumpre-nos a todos, comosociedade assente em determinadosvalores e politicamente organizada,atuar sobre essas circunstânciastendo em vista promover e garantiro desejo e a vontade de viver. Porquea sociedade será sempre muito maisdo que a soma de vontadesindividuais.

Deputado do PS

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responsável", escolhido pelodoente, e do especialista napatologia em causa, pode ser

requisitada a avaliação de um

psiquiatra. Numa fase posterior, o

processo é escrutinado por três

profissionais de saúde queintegram a Comissão de

Avaliação dos Processos de

Antecipação da Morte.

Dois (médico titular e psiquiatra^além dos três médicos e doisenfermeiros da Comissão de

Verificação responsável pelaemissão dos pareceres prévios.

PANTrês. Formulado, o pedido éanalisado por uma equipa de trêsmédicos: aquele a quem foi

dirigido o pedido, um especialistae um psiquiatra. Exige-se aindaum parecer prévio da Comissãode Controlo e Avaliação da

Aplicação da Lei (dois juristas,médico, enfermeiro e um

especialista em bioética).ILDois ou três. O pedido deve ser

expresso ao médico de família,por exemplo, e o doente ficaobrigado a cumprir três H

dias de reflexão, acompanhadopor um psicólogo. Depois, odossier é remetido para um

especialista. Caso o parecer sejafavorável, pode ainda ter de sersubmetido a um psiquiatra e,depois, ao crivo de umacomissão (dois juristas, um

médico, um especialista embioética e um enfermeiro.E se o doente ficarinconsciente?

, BE, PAN, , ILO procedimento não se realiza.Prevê-se o direito à objecçãode consciência dos médicos?

, BE, PAN, , ILSim.Quais os locais onde oprocedimento pode ser feito?

, BE, PAN, ILNos estabelecimentos do SNS e

dos sectores privado e socialcom internamento e local

adequado. Pode ser praticado

em casa do doente ou noutrolocal por ele indicado, desdeque o médico conclua que há

condições.

Só em hospitais públicos,atendendo à obrigatoriedade deo doente ser tratado no Serviço

Nacional de Saúde, e não emprivados, "de modo a evitareventuais ânsias de negócio".Como é formalizado o pedido?

, BE, PAN, , IL Por escrito,mas há procedimentos previstospara que, não podendo assinar,o doente se faça substituir por

pessoa designada. A assinaturadeste terá sempre de fazer-se na

presença do médico (sobre o

qual incide a obrigação deinformar o doente dostratamentos disponíveis,nomeadamente ao nível doscuidados paliativos) e,

eventualmente, de outrastestemunhas. O processo é

suspenso, caso decorra ou seinicie um processo judicialvisando a declaração da

incapacidade do doente.Os pedidos são depoissubmetidos ao aval das

comissões de Verificaçãocomuns às diferentes propostas.Quantas vezes tem de serreiterado o pedido?

, BE Até cinco vezes.Quatro vezes.

PAN Formalmente, duas vezes(aquando da formulação do

pedido e antes da morte). Pelomeio, o médico fica obrigado a

verificar que o doente mantém a

sua vontade "um númerorazoável" de vezes,pressupondo-se que o médicoconsultado e o psiquiatra o

façam também.

IL Depois de verbalizado o

pedido, e cumprido o períodode reflexão obrigatório, estedeve ser reiterado por escritoaté sete vezes, consoante o

processo requeira ou não a

intervenção de um psiquiatra.Natália Faria

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Um referendo tem muitosperigos, muitas emoções,muitos alçapões, mas osdeputadostambémtêmperigos, emoções e alçapões

Eutanásia sem paliativosé "coagir" a "umaescolha capciosa"

Miguel Oliveira da Silva O professoradmite rever a sua oposição à

despenalização da eutanásia quandotodos tiverem acesso a paliativos

EntrevistaNatália Faria

Promover

a despenalizaçãoda eutanásia quando 80%das pessoas não têm acessoa cuidados paliativos "éaltamente incorrecto do

ponto de vista ético e da

justiça e da equidade", considera

Miguel Oliveira da Silva, professorde Ética Médica e ex-presidente doConselho Nacional de Ética para as

Ciências da Vida.Quando a despenalização daeutanásia foi votada pelaprimeira vez estava contra "porprincípio e regra". Mantém essa

posição?Este debate é urgente mas há umaurgência maior, superlativa, que é anecessidade de cuidados paliativospara toda a população - mesmosabendo que há doentes que podemrecusar os cuidados paliativos e

pedir a eutanásia. Mas, tratando-sede uma questão de consciência, tem

de haver direito à escolha. F

para haver escolha tem dehaver pelo menos umaalternativa. Ora, 80% a85% dos doentes não têmacesso a cuidados

paliativos no ServiçoNacional de Saúde -algumas consultasdemoram seis mesesa ser marcadas e, emdoentes terminais,seis meses bastam

para morrer odoente. Portanto,estamos perante uma

situação em que não háliberdade nem justiça e nemequidade. E estarmos a

promover uma lei quando 80%das pessoas não têmpossibilidade de escolher,

porque não têm outra opçãosenão pedirem a eutanásia, éaltamente incorrecto do pontode vista ético e da justiça e da

equidade. E concordo com [oconstitucionalista] Jorge Miranda

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quando diz que a ausência decuidados paliativos é umainconstitucionalidade por omissão.

Portanto, estamos a ferir a

Constituição por omissão. Quando oEstado disponibiliza a eutanásia e

não disponibiliza cuidados

paliativos está a coagir a pessoa a

uma escolha enviesada e capciosa.Admitiria a discussão, adespenalização da eutanásia, seo país estivesse devidamentedotado de cuidados paliativos?A discussão admito-a sempre e a

prova de que a discussão é

importante é que nos últimos dias

quatro subscritores da petição"Direito a morrer com dignidade",de 2016, vieram acrescentar pontos

importantes. O médicoConstantino Sakellarides, por

exemplo, veio defender quea comissão de verificação e

\de avaliação prevista nalei tem a obrigação de

recusar o pedido deeutanásia se o doentenão tiver tido direito

a cuidados

paliativos.Havendo garantiade cuidadospaliativosacessíveis,

admitiriaposicionar-se a

favor da eutanásia?Quando isso

acontecer, terei todo o

gosto em rever senecessário a minha opinião.

É capaz de antecipar odesfecho da votação [dehoje]?É óbvio que, se houver votação,

vai passar à especialidade. Acho

que era bom haver umanegociação para o referendo entre

as votações na generalidade e na

especialidade. Sei que é difícil,

porque parece que a Assembleia e oGoverno não querem, portanto,alguém tem de propor isso aoPresidente da República, já que ainiciativa não pode ser dele. Masacho que é mais saudável haver umreferendo do que corrermos o risco

de, de 20 meses em 20 meses,maiorias sempre conjunturais ediversas votarem uma questão de

importância superlativa como esta

com resultados opostos. Há 20meses, votou-se contra; 20 meses

depois, vamos votar a favor. E quemé que me diz que na próximaAssembleia da República, com outra

composição, não se vai reverter isto

outra vez? Um referendo temmuitos perigos, muitas emoções,muitos alçapões, mas os deputadostambém têm perigos, emoções e

alçapões. Prefiro o referendo a istotudo. Além do mais, a eutanásia nãoconstou dos programas eleitorais doPS e do PSD.A petição para um referendo deiniciativa popular poderá alteraro curso dos acontecimentos?Se tiver 60 mil proponentes, seria

gravíssimo que o Parlamento a

ignorasse. Para mim, a questão estáem saber o que vai fazer oPresidente da República. Há

pessoas que sonham que o católicoMarcelo Rebelo de Sousa se

recusará a promulgar a lei daeutanásia.Poderá sempre remeter a leipara o Tribunal Constitucional.Pode. Para o professor JorgeMiranda a lei tem duasinconstitucionalidades - a vidahumana é inviolável e ainconstitucionalidade por omissão

por causa da ausência de cuidados

paliativos. Mas toda a gente diz quea posição no Constitucional é

imprevisível.

[email protected]

Referendo? "Esta nãoé uma decisão de simou de não simples"

José Manuel Pureza 0 deputado do BEe vice-presidente da Assembleia daRepública é das das vozes em São Bentoa favor da despenalização

[Cuidados paliativos eeutanásia] não são coisasalternativas, são abordagenscomplementares naquilo que é

o combate a uma morte má

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EntrevistaLiliana Borges

0deputado do Bloco de

Esquerda e vice-presidenteda Assembleia da

República diz que temaprendido muito "com otrabalho de profundidade"

que foi feito no Parlamento e foradele sobre morte assistida. Aos quepedem um referendo responde queé o "argumento dos que procurampretextos para deslegitimar umprocesso que é legítimo".Há hoje mais condições paraaprovar a eutanásia?Acredito que há umamadurecimento sobre esta

questão. É um debate que vem dehá muito tempo, que teve umaprofundamento grande na últimalegislatura. Tudo isso está presente,não se apagou e, portanto, acredito

que os argumentos que entretantoforam adicionados à discussão

permitem a cada deputado ter uma

reflexão mais serena. Os

vaticínios relativamente às

aritméticas só se fazem no fim,mas creio que será sempre umadecisão mais amadurecida do

que a da legislatura anterior.

Que debate é que aindafalta fazer?

Acho que para aquelessectores que reclamam faltade debate nunca haverádebate que chegue. E, naverdade, sejamos sérios,este debate está presentenos países quedespenalizaram a morte Iassistida. Éum debate I

continuado e é assim quedeve ser em sociedades

pluralistas e democráticas.

Ninguém reclama que se

chegue a um momento em

que o debate termina paratodo o sempre. Isso não existe e

nem deve existir.

Receia que seja aprovado umreferendo?Não tenho nenhum receio, nenhum

democrata deve ter receio de uminstrumento democrático como é oreferendo. Não concordo que hajareferendo em relação a esta

questão. Está mais do que provadoque esta não é uma questão a pretoe branco, não é uma decisão de simou de não simples. É uma decisão

que envolve muita ponderação. Nãoé despenalizar sem mais, é

despenalizar em circunstâncias

perfeitamente delimitadas. E isso é

que pode fazer uma lei, não é aquiloque é perguntado num referendo -sim ou não, ponto final.Não há nenhum parecer positivosobre os projectos apresentados.Há margem para melhorá-los?

Há sempre margem. Os projectossão muito próximos, no essencial e

portanto, creio que a haver, como~

espero, uma aprovação na

generalidade serárazoavelmente fácil haver umesforço de aproximação. Os

projectos são muitorigorosos, muito bem feitosdo ponto de vista jurídico edo ponto de vista da

ponderação de todos os

valores em causa.

Qual é o calendário paraa lei entrar em vigor?Não faço nenhum vaticíniosobre datas. Não o querofazer porque há umtrabalho que deve ser feito:

o de aproximação de pontosde vista, de ponderação devários argumentos, váriasmedidas de precaução e de

determinação.O que responde a quem diz que,ao partirmos para a eutanásia,estamos a desistir dos cuidadospaliativos?Primeiro, empenhando-metotalmente, eu e o BE, no reforçoquantitativo e qualitativo doscuidados paliativos que são

prestados em Portugal. O BE

apresentou uma proposta para quehaja uma equipa de suporte acuidados paliativos em cada

agrupamento de centros de saúde e

para que haja uma equipa decuidados paliativos em todos os

centros hospitalares e em todas as

delegações regionais do IPO. Em

segundo lugar, chamo a atençãopara que a realidade dos países quedespenalizaram a morte assistida é

a de uma grande maioria das

pessoas que solicitaram a

antecipação da sua morte poreutanásia serem pessoas que estãonesse mesmo momento numaabordagem de cuidados paliativos.Não são coisas alternativas, são

abordagens complementaresnaquilo que é o combate a umamorte má.

Espera um veto do Presidente daRepública?O que o Presidente da Repúblicafará, só o Presidente da República

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sabe. Há uma coisa que eu sei: oPresidente da República tem diantedesta lei, como de todas as outras,três hipóteses: ou veta ou envia parao Tribunal Constitucional (TC) oupromulga. Tenho ouvido muita

gente comentar que o Presidente ouveta ou manda para o TC. Não! Ele

pode promulgaríeis, costumafazê-10. Lembro apenas que naúltima legislatura este Presidentedisse, em consonância com o quetinha proferido no momento em

que se candidatou, que jamaisvetaria uma lei sobre a

despenalização da morte assistida

por razões pessoais. Isto quer dizer

que não será a mundividênciapessoal do cidadão Marcelo Rebelode Sousa que interferirá no seu juízosobre uma lei que venha a ser

aprovada no Parlamento.

[email protected]

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