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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPACI Av. Floresta, nº 198, Centro. CEP: 76.360-000. Fone/Fax: 62-3361-1327 EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE ITAPACI-GO “O magistrado, segundo anota José Renato Nalini, coroa seu trabalho se, além de decisão acertada e sentença justa, ainda se vale da posição e do momento para exercer uma ação pedagógica. ‘O Direito Ambiental abre área inimaginável para o juiz moderno. (...) Dispõe cada juiz brasileiro de uma eficiente cátedra para disseminar conhecimentos sobre a biodiversidade, sobre a estratégia da proteção ambiental, sobre suas dimensões emergentes de caráter geoeconômico e geopolítico. Depende exclusivamente da atenção e interesse conferido a cada lide ambiental conscientizar a cidadania da importância da sustentabilidade’.” (MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5 a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1117-1118). O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições constitucionais (artigos 23, inciso VI, 129, incisos II e III e 225, caput, todos da Constituição Federal de 1988), e fulcrado no sistema aberto de proteção dos interesses difusos e coletivos estatuído pela fusão harmônica das Leis 8625/93, 8078/90 e 7347/85, vem perante este ínclito juízo propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PRECEITO MANDAMENTAL CONSISTENTE EM OBRIGAÇÃO DE FAZER em desfavor de ROZIRON DE PAULA BRITO JÚNIOR, brasileiro, casado, engenheiro agrônomo, portador do CPF/MF 472178631-04 e do RG 2141942-2 a via SSP-GO, residente e domiciliado na Avenida São João, Qd. 09, Lt. 05/13, apartamento 1002, Bairro Alto da Glória, Goiânia-GO, pela fundamentação fática e jurídica a seguir exposta: VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA Promotor de Justiça 1

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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPACIAv. Floresta, nº 198, Centro. CEP: 76.360-000. Fone/Fax: 62-3361-1327

EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE ITAPACI-GO

“O magistrado, segundo anota José Renato Nalini, coroa seu trabalho se, além de decisão acertada e sentença justa, ainda se vale da posição e do momento para exercer uma ação pedagógica. ‘O Direito Ambiental abre área inimaginável para o juiz moderno. (...) Dispõe cada juiz brasileiro de uma eficiente cátedra para disseminar conhecimentos sobre a biodiversidade, sobre a estratégia da proteção ambiental, sobre suas dimensões emergentes de caráter geoeconômico e geopolítico. Depende exclusivamente da atenção e interesse conferido a cada lide ambiental conscientizar a cidadania da importância da sustentabilidade’.” (MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1117-1118).

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por

intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições

constitucionais (artigos 23, inciso VI, 129, incisos II e III e 225, caput, todos da

Constituição Federal de 1988), e fulcrado no sistema aberto de proteção dos

interesses difusos e coletivos estatuído pela fusão harmônica das Leis 8625/93,

8078/90 e 7347/85, vem perante este ínclito juízo propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PRECEITO MANDAMENTAL CONSISTENTE EM OBRIGAÇÃO DE FAZER

em desfavor de ROZIRON DE PAULA BRITO JÚNIOR,

brasileiro, casado, engenheiro agrônomo, portador do CPF/MF 472178631-04 e do

RG 2141942-2a via SSP-GO, residente e domiciliado na Avenida São João, Qd. 09,

Lt. 05/13, apartamento 1002, Bairro Alto da Glória, Goiânia-GO,

pela fundamentação fática e jurídica a seguir exposta:

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I) DOS FATOS

No dia 19 de abril de 2004, o Sr. Inácio Rodrigues do Nascimento,

então proprietário da “Fazenda Vinagre”, foi autuado administrativamente pelo

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA)1, por destruir/danificar 380 x 60 m² de floresta considerada de

preservação permanente (APP), situada as margens de uma nascente que se

origina naquela propriedade e é do Ribeirão Vinagre (Município de Itapaci).

Instaurado o devido procedimento administrativo (nº

02010.001377/2004-24 – anexo a esta Ação Civil Pública), o Sr. Inácio Rodrigues

do Nascimento apresentou sua defesa alegando que os fiscais do IBAMA

confundiram “limpeza de pasto” (que ele admitiu ter feito) com “desmatamento”. Na

mesma peça defensiva, o réu, confessando a prática do crime ambiental por ele

praticado, afirmou o seguinte:

Esta limpeza que eu fazia era um forma de economizar foices e mão-de-obra, es estava trocando

1 “MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO E AÇÃO ANULATÓRIA - AUTO DE

INFRAÇÃO LAVRADO EM DECORRÊNCIA DE POLUIÇÃO AMBIENTAL - PRESUNÇÃO DE

LEGITIMIDADE QUE EMANA DO ATO ADMINISTRATIVO E QUE NÃO RESTOU ILIDIDA

PELO IMPUGNANTE. RECURSO DESPROVIDO. 1 - Os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, de sorte que cabe ao impugnante o ônus da prova da invalidade dos mesmos, os quais, até sua anulação, gozam de plena eficácia. Não se desincumbindo o autor, ônus que lhe competia, de comprovar vício formal ou a existência de fato inverídico no auto de infração, não há qualquer suporte para anulá-lo. 2 - Se a poluição ambiental resta caracterizada pela

emissão de material particulado, visível a olho nu, situação essa que, por si só, prejudica o bem-estar da

população instalada nas proximidades do moinho, absolutamente desnecessária a elaboração de prova

técnica. (Apelação Cível nº 0234489-0 (3821), 9ª CÂMARA CÍVEL DO TAPR, Londrina, Rel. Luiz Lopes. j.

19.11.2003, unânime, DJ 12.12.2003).

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o campim do tido “andropogon” por “brachiarão” para assim ter uma melhor pastagem (fl. 06 das peças informativas anexas).

Por fim, o Sr. Inácio Rodrigues do Nascimento pugnou para que

lhe fosse concedido um desconto de 50% sobre o valor da multa que lhe fora

imposta (no valor de R$ 1500,00 – mil e quinhentos reais) e, também, que seu

débito fosse parcelado em 24 (vinte e quatro) meses, reconhecendo, assim

(indiretamente), a prática do ilícito ambiental.

Vale dizer que, na esfera administrativa, o pleito sobre o

“desconto” foi denegado e o referente ao “parcelamento” deferido, em

acolhimento ao parecer emitido pelo Procurador Federal Dr. Carlos Roberto

Teixeira de Oliveira, que assim se manifestou:

As áreas de preservação permanente são locais especialmente protegidos, tais como matas ciliares, nascentes, encostas e topos de morro, etc. O artigo 3º, § 1º, da Lei nº 4.771/65, estabelece que a supressão dessas áreas somente poderá ocorrer se forem destinadas à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social e após prévia autorização do Poder Executivo Federal.O autuado não contesta a autuação, apenas pede que lhe seja concedido um desconto de 50% sobre o valor da multa e o parcelamento para pagamento em 24 meses.O desconto não pode ser deferido, pois a multa foi aplicada no valor mínimo permitido pelo art. 25, do Decreto nº 3.179/99, todavia, nada obsta que lhe

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seja concedido o parcelamento do débito dentro das condições estabelecidas nos artigos 32 a 36, da Instrução Normativa nº 08, de 18-09-2003 (fls. 14 e 15 das peças de informação anexas).

Nada obstante tenha o Sr. Inácio Rodrigues do Nascimento quitado

o débito pecuniário, este deixou de recuperar a área degradada (fls. 21 e 22 das

peças informativas anexas), mesmo após a concessão do prazo de 60 (sessenta) dias

para a apresentação de um Projeto de Recuperação que contemplasse a correção do

dano ambiental, visando a mais ampla proteção e recuperação do meio ambiente

degradado.

Por conseqüência da omissão do “autuado”, o Gerente Regional do

IBAMA-Ceres, o Sr. José Elias de Brito Jardim, encaminhou o ofício nº 846/07 ao

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS comunicando a desídia do

Sr. Inácio Rodrigues do Nascimento em recuperar a área de preservação permanente2.

2 “É oportuno insistir na visão sistêmica do meio ambiente, em seu conjunto, e na estrutura mesma dos

ecossistemas. Importa muito relembrar que não há elementos naturais indiferentes, porquanto o meio

ambiente é constituído de teias, essas formas impressionantes de amarração que sustentam o mundo

natural e a vida. Ressalte-se que as funções ecológicas (relativas aos ecossistemas) e ambientais (concernentes às

inter-relações existentes no meio, notadamente com a espécie humana) estão claramente explicitadas e

interligadas.

Como se vê, as APPs têm esse papel (maravilhoso, aliás!) de abrigar a biodiversidade e promover a propagação da vida; assegurar a qualidade do solo e garantir o armazenamento do recurso água em condições favoráveis de quantidade e qualidade; já a paisagem é intrinsecamente ligada aos

componentes do ecossistema. E mais, têm muito a ver com o bem-estar humano das populações que

estão em seu entorno”. (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 5ª ed. São Paulo: 2007, p. 693).

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Depois disso, esta Promotoria de Justiça enviou um ofício (nº

244/2007 – fl. 24 do procedimento anexo) ao Gerente Regional do IBAMA em Ceres,

com o seguinte teor:

Senhor Gerente,A par de cumprimentá-lo, tem o presente expediente a finalidade precípua de solicitar a Vossa Senhoria, na qualidade de Gerente do Ibama em Ceres-GO, que este órgão promova a devida averiguação no “local danificado” (mencionado no procedimento administrativo que segue anexo) e, após, que sejam relatadas as medidas administrativas tomadas e, principalmente, se a área lesada continua degradada ou não.Esta medida é assaz necessária para a deflagração de uma eventual Ação Civil Pública na defesa do meio ambiente, especialmente porque da data em que o Ibama tomou conhecimento do fato até o dia de hoje, muito tempo já se transcorreu e, como se sabe, a situação fática pode ter sido alterada pela própria força da natureza.Ademais, para o sucesso da demanda judicial futura, imperioso se faz a “delimitação” (circunstanciada em laudo técnico) das áreas desmatadas e, ainda, a elaboração de laudo pericial comprovando que o local devastado realmente se tratava de APP.Por fim, após a tomada das providências cabíveis e do relato circunstanciado destas, solicito o envio a esta Promotoria de toda a documentação pertinente. (...).

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Em resposta ao que foi requerido extrajudicialmente pelo

MINISTÉRIO PÚBLICO, o técnico ambiental Valtuir Delfino de Araújo elaborou um relatório de fiscalização (fl. 26 do procedimento anexo) no qual deixou

consignado que:

(...) foi realizada, no dia 13 de novembro de 2007, vistoria “in loco” na Fazenda Vinagre, onde constatamos que a área danificada descrita no auto de infração (380 x 60 m²) É REALMENTE CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE pois trata-se de uma nascente (coordenadas geográficas S: 14º52’33.2’’ W: 049º39’17.6’’) cujo fluxo d’água é interrompido no período crítico de estiagem, sendo que a área em questão está sendo utilizada como pastagem bovina e NÃO FOI TOMADA NENHUMA PROVIDÊNCIA NO SENTIDO DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA.INFORMAMOS, AINDA, QUE A PROPRIEDADE NÃO MAIS PERTENCE AO AUTUADO E SIM AO SR. ROSIRON DE PAULA BRITO E ATUALMENTE A FAZENDA SE CHAMA FAZENDA NOVA AMÉRICA.

Como se nota, modificou-se o proprietário da fazenda (antes: Inácio

Rodrigues do Nascimento; agora: ROSIRON DE PAULA BRITO), alterou-se o nome da

mesma (antes: Fazenda Vinagre; agora: FAZENDA NOVA AMÉRICA), mas a degradação

da área de preservação permanente permaneceu! Eis o motivo da ação do Parquet.

II) DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

II-A) DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 129, dispõe que “são

funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a

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ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

No embalo da citada prescrição constitucional, a Lei da Ação Civil

Pública (7347/85), estatuiu, logo no seu primeiro artigo, que:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:I - ao meio ambiente;(...)

Outras regras vertidas na Lei da Ação Civil Pública podem ser

destacadas no afã de confirmar a legitimidade Ministerial para o manejo da presente

demanda e, também, para delinear seu objeto primeiro (obrigação de fazer –

recomposição da área de preservação permanente). In ipsis litteris, vejam-se os artigos que se

seguem:

Art. 3º. A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:I - o Ministério Público;(...)

Colige-se dos dispositivos supratranscritos que a Ação Civil Pública

é o instrumento adequado para a proteção, prevenção e reparação dos danos

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causados aos interesses difusos (meio ambiente), coletivos e individuais

homogêneos, estando o Ministério Público legitimado a ajuizar mencionada ação.

Apenas para argumentar, importa reproduzir alguns julgados que

espelham o pensamento uníssono da jurisprudência brasileira sobre a legitimidade

do Parquet para ingressar em juízo, valendo-se da ação civil pública, para tutelar de

forma ampla o meio ambiente. In verbis, seguem-se os julgados:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LANÇAMENTO EM RIO DE ESGOTO SEM TRATAMENTO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PARA IMPOR À RÉ A REALIZAÇÃO DE OBRAS PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA. REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC. REEXAME DE PROVA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS. I - O Ministério Público, segundo expressa disposição constitucional, tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. É destes interesses que se cuida no caso, pois visa o Parquet a coibir o lançamento em rio de esgoto não tratado, problema cuja solução, segundo procura demonstrar o autor, cabe à recorrente. (...). IV - Recurso especial improvido. (Recurso Especial nº 397840/SP (2001/0191085-2), 1ª TURMA DO STJ, Rel. Min. Francisco Falcão. j. 21.02.2006, unânime, DJ 13.03.2006).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SÃO PAULO. FAZENDA T. REMANESCENTE DA MATA ATLÂNTICA. INVASÃO POR UM GRUPO DE CIDADÃOS E IMPLANTAÇÃO DE PARCELAMENTO POPULAR. PROTEÇÃO DA ÁREA. TOMBAMENTO JUDICIAL. PRELIMINARES. 1. LEGITIMIDADE ATIVA. O Ministério

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Público é parte ativa legítima para a proposição de ações que visem à preservação do meio ambiente, direito difuso por excelência. O interesse de entidades ambientais não afasta nem ilide a legitimação do “Parquet”. (...). 4. ÁREA DE PRESERVAÇÃO. POSIÇÃO DO TITULAR. A obrigação de preservar o meio ambiente é de toda a sociedade. O proprietário e o possuidor, em especial, têm o dever de preservar, vigiar, manter, recompor, de modo a permitir às futuras gerações viver em um ambiente melhor do aquele que receberam. (...). (Apelação Cível com Revisão nº 467.527-5/0-00,

CÂMARA ESPECIAL DO MEIO AMBIENTE DO TJSP, Rel. Torres de Carvalho. j. 19.10.2006).

CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - PROCESSUAL CIVIL - MINISTÉRIO PÚBLICO - ART. 129, INC. III, DA CR - DEFESA DO MEIO AMBIENTE - LEGITIMIDADE ATIVA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ADEQUAÇÃO - DESMATAMENTO FLORESTAL SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE - DANO AMBIENTAL - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1 - A ação civil pública é a via adequada para postular o ressarcimento dos danos provocados pelo desmatamento de área verde de preservação permanente (Constituição da República, art. 129, inc. III). (...) (Apelação Cível nº

1.0400.04.012207-1/001(1), 8ª CÂMARA CÍVEL DO TJMG, Rel. Edgard Penna Amorim. j. 01.03.2007, unânime, Publ. 27.04.2007).

Por tudo o que foi exposto, fica nítido o cabimento da ação civil

pública para a mais ampla proteção do meio ambiente e, de igual forma, a

legitimidade do Ministério Público para o manejo desta ação.

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II-B) PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE – DA LEGITIMIDADE PASSIVA –

OBRIGAÇÃO PROPTER REM

Concebida como direito fundamental, a propriedade não é,

contudo, uma espécie de direito que possa erigir-se na suprema condição de

ilimitado e inatingível. Daí o acerto do legislador em proclamar, de maneira

veemente, que o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social.

Isso significa que a “propriedade moderna” não mais ostenta aquela

concepção individualista do Código Civil de 1916, direcionado a uma sociedade

rural (e eminentemente patrimonialista), com a maior parte da população vivendo

no campo. Hoje, com o predomínio de uma sociedade urbana, aberta aos

imperativos da socialização do progresso, “afirma-se cada vez mais forte o seu

sentido social, tornando-se, assim, não instrumento de ambição e desunião dos

homens, mas fator de progresso, de desenvolvimento e de bem-estar de todos”3.

Em conformidade com isso, a atual Lei Civil Brasileira acabou por

contemplar a função ambiental como elemento marcante do direito de propriedade, a prescrever que tal direito

deve ser exercitado em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o

3 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 04.

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patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.4

Sobre o moderno direito de propriedade, bem percebeu o mestre

Miguel Reale que “não foi mais considerada sem limites a fruição do próprio

direito, reconhecendo-se que este deve ser exercido em benefício da pessoa, mas

sempre respeitados os fins ético-sociais da comunidade a que o seu titular

pertence”5.

Nas pegadas dessa orientação, é oportuno dizer que “a propriedade,

sem deixar de ser privada, se socializou, com isso significando que deve oferecer à

coletividade uma maior utilidade, dentro da concepção de que o social orienta o

individual”6.

Nessa esteira de raciocínio, é de ver que a função social da

propriedade rural encontra expressa previsão no artigo 186 da Magna Carta, que

assim dispõe:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:I - aproveitamento racional e adequado;II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;(...).

4 Artigo 1228, § 1º, do Código Civil.5 Espírito da nova Lei Civil. O Estado de S. Paulo, p. A-2, 04/01/2003.6 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. 5a ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p.

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Na verdade, a Lei 4504/64, que dispõe sobre o Estatuto da Terra,

já estabelecia, no artigo 2º, § 1º, que a propriedade da terra desempenha

integralmente sua função social quando, dentre outros requisitos, “assegura a

conservação dos recursos naturais” (alínea c).

No contexto da ordem jurídica atual, ÁLVARO LUIZ VALERY

MIRRA corretamente dispara que:

(...) a função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adeqüe à preservação do meio ambiente.7

Dessa feita, o uso da propriedade merece e deve ser judicialmente

controlado, impondo-se-lhe as restrições que forem necessárias para a salvaguarda

dos bens maiores da coletividade, de modo a conjurar, por comandos prontos e

eficientes do Poder Judiciário, toda e qualquer ameaça ou lesão à qualidade de vida.

Isso tudo sob o manto do princípio da função socioambiental da propriedade, o qual, além de outras coisas, autoriza a responsabilização do

7 Princípios fundamentais no direito ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais,

n. 2, 1996, p. 59-60.

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proprietário/possuidor da terra pela destruição de uma área de preservação

permanente, ainda que este não tenha sido o autor direto do dano ambiental.

Na estrita linha desse entendimento, com a proficiência de sempre,

o grande mestre brasileiro do Direito Ambiental, professor ÉDIS MILARÉ, ensina

que:

É com base neste princípio que se tem sustentado, por exemplo, a possibilidade de imposição ao proprietário rural do dever de recomposição da vegetação em áreas de preservação permanente e reserva legal, mesmo que não tenha sido ele o responsável pelo desmatamento, pois é certo que tal obrigação possui caráter real – PROPTER REM –, isto é, uma obrigação que se prende ao titular do direito real, seja ele quem for, bastando para tento sua simples condição de proprietário ou possuidor. Com efeito, não se pode falar, na espécie, em qualquer direito adquirido na exploração dessas áreas, pois, com a Constituição de 1988, só fica reconhecido o direito de propriedade quando cumprida a função social ambiental, como seu pressuposto e elemento integrante, pena de impedimento ao livre exercício ou até de perda desse direito.8

Dessa forma fica claro que o réu, atual proprietário da terra onde o

Sr. Inácio Rodrigues do Nascimento destruiu/danificou 380 x 60 m² de floresta

8 Direito do Ambiente. 5a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 775-776.

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considerada de preservação permanente (APP), tem total responsabilidade pela

recomposição da área afetada.

Dirimindo todas as dúvidas que ainda possam existir sobre este

ponto, um dos maiores expoentes do Ministério Público do Estado de São Paulo, o

professor HUGO NIGRO MAZZILLI, ensina objetivamente que:

Quando a lei impõe deveres propter rem , o proprietário de imóvel pode sujeitar-se, v. g. , independentemente de dano ou nexo causal, ao dever de conservar vegetação de preservação permanente ou ao dever de reservar uma percentagem da área do imóvel para cobertura vegetal (a chamada reserva legal).(...)A ação civil pública por danos ambientais pode ser proposta contra o responsável direto, contra o responsável indireto ou contra ambos. Trata-se de caso de responsabilidade solidária, apta a assegurar litisconsórcio facultativo (CPC, art. 46, I), e não litisconsórcio necessário (CPC, art. 47).(...)NO TOCANTE A DANOS AMBIENTAIS CAUSADOS POR PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL, UMA VEZ QUE ELE TENHA VENDIDO O BEM, CONTRA QUEM SERÁ PROPOSTA A AÇÃO?A questão tem provocado controvérsia. Em certos casos e em certa medida, graças às peculiaridades da defesa ambiental, o NOVO ADQUIRENTE do imóvel poderá ser parte legítima para responder por ação fundada em dano ambiental. Primeiro, porque, ao adquirir a propriedade, ele a assume com todas as limitações já impostas pela legislação ambiental vigente. Assim, por exemplo, se o dono anterior de

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imóvel rural destruiu a reserva legal de MATA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE , a ação para RESTAURAÇÃO da área só pode ser dirigida contra o novo titular do domínio, até porque o novo vendedor não mais teria como responder à pretensão (lógico que, se a ação for indenizatória, deverá ser movida contra o causador do dano ou seus sucessores; mas a ação para restauração da área só poderá ser ajuizada contra o atual proprietário). Em se tratando de reserva florestal, graças às limitações impostas por lei, o novo proprietário, ao adquirir a área, recebe o ônus de sua preservação; assim, ele se torna responsável pela recomposição da área degradada, mesmo que não tenha contribuído para devastá-la. Por fim, a obrigação de não poluir um bem, ou, em caso de tê-lo poluído, A OBRIGAÇÃO DE RECOMPOR O BEM ASSIM LESADO, MODERNAMENTE SE VEM RECONHECENDO SER DE NATUREZA PROPTER REM , e não mera obrigação pessoal supostamente afeta apenas ao poluidor direto.EM FACE DO CARÁTER OBJETIVO E PROPTER REM DA RESPONSABILIDADE AMBIENTAL, O SUCESSOR RESPONDE PELOS DANOS CAUSADOS À COISA ALIENADA, ATÉ PORQUE, EM CASO CONTRÁRIO, BASTARIA AO POLUIR ALIENAR O BEM POR ELE DETERIORADO, E O DANO CÍVEL FICARIA SEM POSSIBILIDADE DE RESTAURAÇÃO DIRETA.9

Como não poderia ser diferente, também a jurisprudência é

uníssona em afirmar o caráter propter rem da obrigação de recomposição do dano

ambiental, motivo pelo qual o réu, inegavelmente, possui legitimidade para figurar 9 A defesa dos interesses difusos em juízo. 15a ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 127, 131 e 132. No exato sentido

do texto, v. EDSON LUIZ PETERS, Reserva Florestal Legal – obrigação de reflorestar, em Revista do Centro de

Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente do Estado do Paraná (www.mp.pr.

gov.br/institucional/publica/meioambi/obrirefl.html, jul. 02); LUIZ HENRIQUE PACCAGNELLA, Reserva

florestal legal (www.ambientalonline.hpg.ig.com.br/artigo8.htm, jul.02).

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no pólo passivo da presente demanda (por estar perpetuando do dano praticado pelo seu antecessor). A propósito, confiram-se as ementas:

RECURSO ESPECIAL. FAIXA CILIAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVA LEGAL. TERRENO ADQUIRIDO PELO RECORRENTE JÁ DESMATADO. IMPOSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM . AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. As questões relativas à aplicação dos artigos 1º e 6º da LICC, e, bem assim, à possibilidade de aplicação da responsabilidade objetiva em ação civil pública, não foram enxergadas, sequer vislumbradas, pelo acórdão recorrido. Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade, incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, de maneira que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, REFERIDAS ZONAS NÃO PODEM SERVIR COMO PASTAGENS. NÃO HÁ COGITAR, POIS, DE AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL, VISTO QUE AQUELE QUE PERPETUA A LESÃO AO MEIO AMBIENTE COMETIDA POR OUTREM ESTÁ, ELE MESMO, PRATICANDO O ILÍCITO . A obrigação de conservação é automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental. Recurso especial não conhecido. Decisão: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Paulo Medina, Francisco Peçanha Martins e Eliana Calmon

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votaram com o Sr. Ministro Relator. (Recurso Especial nº 343741/PR (2001/0103660-8), 2ª TURMA DO STJ, Rel. Min. Franciulli Netto. j. 04.06.2002, DJ 07.10.2002).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. DEGRADAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ALEGADA RESTAURAÇÃO NATURAL COM GRAMÍNEA. INSUFICIÊNCIA. ÁREA EM TORNO A CURSO D'ÁGUA NÃO PRESCINDE DE MATA CILIAR E DE ÁRVORES NATIVAS. RESPONSABILIDADE SUBSISTENTE DO RÉU PARA REGENERAR O ESPAÇO. APELO DESPROVIDO. A alegação de que a área já se encontrava devastada não isenta o arrendatário de proceder à regeneração da gleba devastada, imprescindível o replantio de árvores nativas e de recomposição de mata ciliar, sem a qual não haverá preservação do curso d'água e recuperação da biodiversidade e da fauna silvestre. (Apelação Cível com Revisão nº 401.085-5/9-00,

CÂMARA ESPECIAL DO MEIO AMBIENTE DO TJSP, Rel. Renato Nalini. j. 30.03.2006, unânime).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE CUMULADO COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. POSSIBILIDADE. CONSTRUÇÃO DE CASA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INADMISSIBILIDADE. RECURSAL VISANDO A ALTERAÇÃO DA SENTENÇA, SOB O ARGUMENTO DE QUANDO ADQUIRIU A PROPRIEDADE O IMÓVEL JÁ ESTAVA CONSTRUÍDO NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. IRRELEVÂNCIA. (...). AQUELE QUE PERPETUA A LESÃO AO MEIO AMBIENTE COMETIDA POR OUTREM ESTÁ, ELE MESMO, PRATICANDO O ILÍCITO. PARA ALÉM DISSO, A MANUTENÇÃO DA ÁREA DESTINADA A PRESERVAÇÃO PERMANENTE É OBRIGAÇÃO PROPTER REM , ou seja, decorre da relação existente entre o devedor e a coisa, a obrigação de

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conservação é automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental. Precedentes do STJ. (...). (Apelação Cível nº

0217645-4 (3384), 10ª CÂMARA CÍVEL DO TAPR, Loanda, Rel. Guido Dobeli. j. 23.10.2003, unânime, DJ

21.11.2003).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE COM OBRIGAÇÃO DE FAZER - ALEGADA AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE - DESNECESSIDADE - NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO - INOCORRÊNCIA - TERRENO RESERVADO - EDIFICAÇÃO SOBRE A FAIXA DE MATA CILIAR - ART. 2º, LETRA 'A', ITEM '5', DA LEI Nº 4.771/65 - LEGITIMIDADE DO IAP PARA FISCALIZAÇÃO (...) - RECURSO DESPROVIDO. 1. A fruição da propriedade e da posse, não pode legitimar a degradação do meio ambiente, em áreas de preservação permanente. 2. Constitui uso nocivo da propriedade, destinação diversa daquela determinada pelo Código Florestal, nas áreas de preservação permanente, desrespeitando-se a limitação administrativa, cuja RESPONSABILIDADE NO DIREITO AMBIENTAL É OBJETIVA . 3. A preservação e a recomposição de mata ciliar é um imperativo que se impõe ao proprietário de terras, CONSTITUINDO-SE EM OBRIGAÇÃO PROPTER REM . 4. Considera-se de preservação permanente, as florestas e demais formas de vegetação natural, situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água, desde o seu nível mais alto em faixa marginal, cuja largura é fixada no Código Florestal (art. 2º). 5. As florestas de preservação permanente, instituídas, no art. 2º, do Código Florestal, são consideradas as propriedades como de

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limitações administrativas. 6. Terrenos reservados são faixas de terras particulares, marginais dos rios, lagos e canais públicos, como define o Código de Águas. 7. Configura, limitação administrativa a propriedade, visando a proteção ambiental, a definição, como área de preservação permanente, das florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água. Tal limitação, não importa em violação do direito de propriedade, tampouco infringe qualquer direito. (...). (Apelação Cível nº 0145317-4

(13243), 1ª CÂMARA CÍVEL DO TAPR, Loanda, Rel. Juiz Lauro Augusto Fabrício de Melo. j. 10.10.2000,

unânime, DJ 27.10.2000).

Lançadas estas razões, não há como desconsiderar a legitimidade

passiva do réu, que está perpetuando a lesão ao meio ambiente praticada

(inicialmente) por seu antecessor.

II-C) DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL AO MEIO AMBIENTE E DA RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA PELO DANO AMBIENTAL CAUSADO

Como é cediço o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado caracteriza-se como típico direito humano fundamental de terceira geração, de acordo com a conceituação formulada pelo pensador italiano

Norberto Bobbio (em sua clássica obra “A Era dos Direitos”).

Acolhendo exatamente esta lição, calha reproduzir um interessante

julgado do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, redigido nos seguintes termos:

O direito à integridade do meio ambiente — típico direito de terceira geração — constitui

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prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) — que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais — realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) — que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas — acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. (STF. MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-95, DJ

de17-11-95).

Ultrapassado este ponto inicial, impende evidenciar a importância

ímpar que o Pacto Social de 1988 dispensou à proteção do meio ambiente. Nesse

caminho, diz a Carta Maior:Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

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III - função social da propriedade;VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação10;Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

ART. 225. TODOS TÊM DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO, BEM DE USO COMUM DO POVO E ESSENCIAL À SADIA QUALIDADE DE VIDA, IMPONDO-SE AO PODER PÚBLICO E À COLETIVIDADE O DEVER DE DEFENDÊ-LO E PRESERVÁ-LO PARA AS PRESENTES E FUTURAS GERAÇÕES 11 .

10 “A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar

efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por

interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais

se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está

subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art.

170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente

cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural”. (STF. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello,

julgamento em 1-9-05, DJ de 3-2-06).11 Sobre o PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, consagrado neste

dispositivo constitucional, necessário destacar a voz do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: “A

questão do desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II) e a necessidade de preservação da integridade do

meio ambiente (CF, art. 225): O princípio do desenvolvimento sustentável como fator de obtenção do

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§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.§ 3º - AS CONDUTAS E ATIVIDADES CONSIDERADAS LESIVAS AO MEIO AMBIENTE SUJEITARÃO OS INFRATORES, PESSOAS FÍSICAS OU JURÍDICAS, A SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS, INDEPENDENTEMENTE DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS CAUSADOS.

Deste delineamento constitucional sobre a tutela do meio ambiente,

acima estampado, pode-se extrair, esquematicamente, que o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado é um dos pilares de maior sustentação da própria força

normativa da constituição, haja vista que tal direito foi expressamente consagrado

como: i) direito humano fundamental de 3ª geração (ou dimensão); ii) princípio base

da ordem econômica; iii) requisito essencial para caracterização da função social da

propriedade rural.

Calha ressaltar, ainda, que a sadia qualidade de vida, que pressupõe o

respeito ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, se compõe do

primado da existência digna – finalidade da ordem econômica (art. 170 da CF/88) – e

do almejado bem-estar de todos – objetivo da ordem social (art. 193 da CF/88).

justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia. O princípio do desenvolvimento

sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador

em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo

equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse

postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição

inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de

uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações”.

(STF. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-9-05, DJ de 3-2-06).

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Nesse contexto, invariavelmente, conclui-se que o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado se revela como a mola propulsora da

formação e garantia da dignidade da pessoa humana – fundamento da República

Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF/88).

Por tudo isso, é dever do Poder Público defender o meio ambiente e

para preservá-lo para as presentes e futuras gerações, sendo certo que os responsáveis

por atividades lesivas ao meio ambiente estarão obrigados a reparar os danos

causados e, ainda, sujeitos a sanções penais e administrativas (art. 225, § 3º, CF/88).

Em consonância com o norte traçado pela Carta Maior, a legislação

ambiental brasileira, além de ter definido importantes conceitos, estabeleceu

diretrizes sobre a política ambiental, objetivando a harmonização do

desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade do meio

ambiente e do equilíbrio ecológico.

Nesse ritmo, vale sublinhar outros importantes dispositivos legais,

que podem dar amplo substrato à Vossa Excelência para o deslinde do caso ora em

apreciação. Verbi gratia:

LEI 6938/81 (DISPÕE SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, SEUS FINS E MECANISMOS DE FORMULAÇÃO

E APLICAÇÃO, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS).Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança

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nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;VIII - RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS;IX - PROTEÇÃO DE ÁREAS AMEAÇADAS DE DEGRADAÇÃO;X - educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

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III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

Art. 4º. A Política Nacional do Meio Ambiente visará:I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;II - à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;III - ao estabelecimento de critérios e padrões da qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais;

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IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais;V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico;VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à PRESERVAÇÃO OU CORREÇÃO DOS INCONVENIENTES E DANOS CAUSADOS pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios. II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público;

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III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; IV - à suspensão de sua atividade. § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE CULPA 12 , a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. § 5º - A execução das garantias exigidas do poluidor não impede a aplicação das obrigações de indenização e reparação de danos previstas no § 1º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006).

LEI 9605/98 (DISPÕE SOBRE AS SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS DERIVADAS DE CONDUTAS E ATIVIDADES

LESIVAS AO MEIO AMBIENTE, E DÁ OUTRAS

PROVIDÊNCIAS).

12 “(...) Parece fora de dúvida ter-se vinculado a RESPONSABILIDADE OBJETIVA, EM TEMA DE TUTELA AMBIENTAL, À TEORIA DO RISCO INTEGRAL, que atende à preocupação de se

estabelecer um sistema o mais rigoroso possível, ante o alarmante quadro de degradação que se assiste não

só no Brasil, mas tem todo mundo”. Em decorrência da adoção desta teoria, eis as “conseqüências

principais para que haja o dever de indenizar: a) prescindibilidade de investigação da culpa; b) a irrelevância da licitude da atividade; c) a inaplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil” – caso fortuito, força maior, fato de terceiro e cláusula de não-indenizar (MILARÉ, EDIS. Direito do

Ambiente. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 897-898 e 904). No mesmo sentido: PAULO AFONSO LEME MACHADO (Ação Civil Pública e Tombamento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 46-47),

RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO (Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 157-170),

PAULO DE BESSA ANTUNES (Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 1990, p. 100), dentre outros.

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ART. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Fincadas estas balizas, denota-se que todo aquele que “devassa”

uma área de preservação permanente (ou que adquire a propriedade devassada e não a recompõe), além de inviabilizar a efetivação da política constitucional do meio

ambiente (por impedir a compatibilização do meio ambiente e do equilíbrio

ecológico), deve ser considerado poluidor e, por isso mesmo, obrigado,

independentemente da existência de culpa, a recompor o meio ambiente danificado

(obrigação de fazer).

Dessarte, ressai cristalina a constatação no sentido de que quem

destrói uma área de preservação permanente para fazer em seu lugar uma

“pastagem”13 (ou quem perpetua essa prática), polui e degrada a qualidade

ambiental, violando o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida (art. 225, caput, CF/88) e,

consequentemente, deve ser compelido a reparar (integral e objetivamente) os

danos ambientais causados (recompondo a APP).

II-D) DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA14

13 Como ocorrera in casu. Importa, mais uma vez, rememorar o julgado da 2a Turma do STJ consignado

nas páginas 16/17 desta ação civil pública, para rebater a possibilidade das alegadas “pastagens” em APP

e, de igual modo, para pacificar a responsabilização de quem perpetua um dano ambiental praticado por

outrem. 14 “Desse modo, considerada REGRA DE JULGAMENTO, a distribuição do ônus da prova não

penaliza quem não se desincumbiu da prova, apenas indicando uma presunção desfavorável a si quando

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A regra geral imposta pelo sistema do Código de Processo Civil

(artigo 333) é a de que o ônus da prova cabe ao autor (em regra, portanto, o ônus da

prova compete a quem alega).

Diversamente, o macrossistema (aberto) processual de defesa dos

interesses difusos e coletivos, concebido em virtude da integração harmônica das regras processuais estabelecidas na Lei da Ação Civil Pública (7347/85) e no

Código de Defesa do Consumidor (8078/90), em decorrência da conjugação

impositiva entre tais diplomas (estabelecida pela análise conglobante dos artigos 21

da LACP e 90 do CDC)15, previu a regra da inversão do ônus da prova como regra

a ser seguida, sempre que as alegações do autor, a critério do juiz, forem

verossímeis (artigo 6º, VIII, do CDC).

Além disso, importa notar que o Ministério Público, ao propor

ações civis públicas em defesa do meio ambiente, age em prol da coletividade e não

em seu próprio interesse. Este, sem dúvida alguma, se afigura como mais um

da decisão. É a transformação da compreensão subjetiva do onus probandi (a quem compete provar) em

uma percepção objetiva (apenas se utiliza a regra de ônus da prova quando da decisão da causa).

Percebe-se, então, que a tendência atual é de somente conferir importância ao ônus da prova quando

ausente ou insuficiente a prova produzida. É que se o juiz dispuser de provas suficientes para o seu

convencimento, pouco interessa quem a produziu, uma vez que a prova é do juízo e não das partes.

Somente quando o magistrado não consegue formar, pelo manancial probatório colhido, o seu juízo de

valor sobre os fatos postos à sua apreciação é que incide, como regra de julgamento, a distribuição do

ônus da prova. Este é o entendimento cimentado na jurisprudência (...). Tem-se, pois, um nítido caráter

supletivo na regra de distribuição do ônus da prova”. (FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil – Teoria

Geral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 547).15 “(...) o sistema das ações civis públicas e coletivas interage completamente (LACP, art. 21, e CDC, art.

90)”. (MAZZILLI, Hugo Nigro. Aspectos Polêmicos da Ação Civil Pública. Juris Plenum, Caxias do Sul:

Plenum, v. 1, n. 97, nov./dez. 2007. 2 CD-ROM.

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argumento apto a reforçar a opção feita pelo macrossistema de proteção coletiva

pela regra da inversão do ônus da prova (que tem a pretensão de facilitar a defesa da

sociedade e do meio ambiente), atribuindo ao sujeito passivo da relação processual o

ônus de desconstituir as asserções do autor.

Nas pegadas dessas idéias, RODOLFO MANCUSO aduz que:

(...) em verdade, cabe salientar que hoje podemos contar com um regime integrado de mútua complementariedade entre as diversas ações exercitáveis na jurisdição coletiva: a ação civil pública 'recepcionou' a ação popular, ao indicá-la expressamente no caput do art. 1º da Lei 7.347/85; a parte processual do CDC ... é de se aplicar, no que for cabível, à ação civil pública (art. 21 da Lei 7.347/85); outras ações podem ser exercitadas no trato de matéria integrante do universo coletivo (arts. 83 e 90 do CDC); finalmente ... o CPC aparece como fonte subsidiária (CDC, art. 90, Lei 7.347/85, art. 19; LAP, art. 22).16

No mesmo sentido, o talentoso professor MARCELO ABELHA

leciona que:

(...) devido ao objeto deste trabalho versar sobre as relações de consumo, procuraremos, sempre, ter como base a figura do consumidor e seu respectivo Código. Entretanto, como dissemos, dada à visceral interligação entre a Lei de Ação Civil e o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, quando falarmos em defesa do consumidor em juízo, visando à tutela

16 Ação Civil Pública. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 31.

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de direitos coletivos lato sensu e seus princípios que serão minuciosamente analisados, nada impede que, resguardadas algumas peculiaridades que dizem respeito às normas materiais do Código de Defesa do Consumidor, possam (e devam) ser estendidos aos demais direitos coletivos que, mesmo não sendo relativos ao consumidor, possuam natureza coletiva.17

Em conclusão, com o mesmo raciocínio, discorrendo sobre o artigo

90 do CDC, NELSON NERY JÚNIOR aduz que “as normas processuais do CDC são aplicáveis às ações que versem sobre direitos difusos e coletivos em geral”.18

III) DOS PEDIDOS

Na defesa de uma ordem jurídica justa, do direito fundamental de

se viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado e, com estribo na

fundamentação fática e jurídica deduzida nesta peça inaugural, é que o

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS vem perante o Poder

Judiciário estadual requerer a prestação de uma tutela efetivamente protetiva e, para

tanto, apresenta os seguintes pedidos e requerimentos:

a) seja a presente ação recebida, autuada e processada de acordo com o rito ordinário, com a observância das regras vertidas no macrossistema de proteção coletiva (inaugurado

17 Título III do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Juris Plenum, Caxias do Sul: Plenum, v. 1, n. 97,

nov./dez. 2007. 2 CD-ROM.18 Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, 1402.

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pela conjugação dos artigos 21 da Lei 7347/85 e 90 da Lei 8078/90);

b) a citação do réu, para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia e suas conseqüências jurídicas;

c) que as diligências oficiais sejam favorecidas pelo teor do artigo 172, § 2º, do Código de Processo Civil;

d) a comunicação pessoal dos atos processuais, nos termos do artigo 236, § 2º, do Código de Processo Civil, e do artigo 41, inciso IV, da Lei nº 8625/93;

e) a condenação do réu ao cumprimento de obrigação de fazer, consistente na recomposição da área de preservação permanente destruída/danificada, referida no auto de infração do IBAMA e no relatório de fiscalização do mesmo órgão, juntados ao procedimento anexo, respectivamente, a fls. 04-05 e 26, sob pena de execução específica, com aplicação das medidas de apoio previstas nos artigos 461, § 5º do Código de Processo Civil e 84, §§ 4º e 5º, do Código de Defesa do Consumidor, especialmente: multa diária, a ser fixada no valor de R$ 1000 (mil reais), atualizada monetariamente de acordo com os ditames do artigo 12, § 2º, da Lei da Ação Civil Pública;

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f) que a multa eventualmente aplicada seja destinada ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (em conformidade com o artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública, com a ressalva prevista no parágrafo único do mesmo artigo);

g) que a reparação do dano ambiental (recomposição da APP destruída/danificada, referida na letra “e”) siga um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), devidamente aprovado pelo IBAMA;

h) a publicação de edital em órgão oficial, a fim de que eventuais interessados, querendo, possam intervir no processo como litisconsortes, em conformidade com a previsão legal do artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor.

i) a inversão do ônus da prova, conforme exposição feita no item “II-D”;

j) a condenação do réu ao pagamento das “despesas processuais”.

Por fim, este Órgão Ministerial protesta, ainda, por provar o

alegado (por ser a inversão do ônus da prova uma “regra de julgamento”19 – conferir

19 “Quanto ao chamado ônus objetivo da prova, há que se afirmar, calcado nas lições da mais moderna doutrina, que as regras sobre distribuição do ônus da prova são regras de julgamento, a serem

aplicadas, como já afirmado, no momento em que o órgão jurisdicional vai proferir seu juízo de valor

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nota de rodapé nº 14) através de todos os meios de prova em direito admitidos, em

especial, a oitiva de testemunhas, a realização de perícia, a inspeção judicial e a

posterior juntada de documentos.

Malgrado inestimável, dá-se à causa o valor de R$ 1000,00 (mil

reais), para fins legais. Nestes termos, pede DEFERIMENTO .

Itapaci-GO, 30 de novembro de 2007.

VINÍCIUS MARÇAL VIEIRAPROMOTOR DE JUSTIÇA

acerca da pretensão do autor”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 12ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 404). CÂMARA cita em abono a sua tese os seguintes autores: GIAN ANTONIO MICHELI e JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA.

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