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CLN 407 Bloco C – sala 51 - Asa Norte – Brasília – DF – CEP 70.855-530 E-mail: [email protected] 1 ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL APOINME – ARPIN SUDESTE – ARPINSUL – Comissão Guarani Yvyrupa - Conselho do Povo Terena - ATY GUASU - COIAB EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA DA REPÚBLICA URGENTE ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB, organização tradicional que representa os povos indígenas do Brasil (Art. 231 e 232 da CF/88), sediada na CLN Bloco C – sala 51 - Asa Norte – Brasília – DF – CEP 70.855-530, neste ato representado por seu coordenador executivo ELIZEU LOPES GUARANI KAIOWÁ, brasileiro, solteiro, liderança do Povo Guarani Kaiowá, portador do RG n. 8.715 FUNAI-MS, Coordenador Executivo da APIB, residente e domiciliado na Terra Indígena Amambai, município de Amambai, Mato Grosso do Sul, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos Artigos 5º, inciso XXXIV, “a”, 231 e 232 da Constituição Federal e Artigo 3º da Convenção OIT nº 169/1989, propor a presente REPRESENTAÇÃO com PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS URGENTES pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

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CLN 407 Bloco C – sala 51 - Asa Norte – Brasília – DF – CEP 70.855-530E-mail: [email protected]

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ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL

APOINME – ARPIN SUDESTE – ARPINSUL – Comissão Guarani Yvyrupa - Conselhodo Povo Terena - ATY GUASU - COIAB

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR GERAL

DA REPÚBLICA DA REPÚBLICA

URGENTE

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB, organização

tradicional que representa os povos indígenas do Brasil (Art. 231 e 232 da CF/88), sediada na

CLN Bloco C – sala 51 - Asa Norte – Brasília – DF – CEP 70.855-530, neste ato representado por

seu coordenador executivo ELIZEU LOPES GUARANI KAIOWÁ, brasileiro, solteiro,

liderança do Povo Guarani Kaiowá, portador do RG n. 8.715 FUNAI-MS, Coordenador

Executivo da APIB, residente e domiciliado na Terra Indígena Amambai, município de

Amambai, Mato Grosso do Sul, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com

fundamento nos Artigos 5º, inciso XXXIV, “a”, 231 e 232 da Constituição Federal e Artigo 3º da

Convenção OIT nº 169/1989, propor a presente REPRESENTAÇÃO com

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS URGENTES

pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

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1 - DOS FATOS

Em 2009, o STF fixou as denominadas "salvaguardas institucionais às terras indígenas"

no acórdão proferido no julgamento da PET n. 3.388/RR (caso Raposa Serra do Sol). Instaurou-se

o debate sobre se essas "salvaguardas" ou "19 condicionantes" deveriam ser seguidas em todos os

processos de demarcação de terras indígenas.

Ato seguinte, no ano de 2012, foi editado a Portaria de n. 303 pela Advocacia Geral da

União (AGU) com o propósito de “normatizar” a interpretação e aplicação das 19 condicionantes.

Em 25 de julho de 2012, a Portaria AGU n. 308 suspendeu o início da vigência da Portaria n.

303/2012 em razão da oposição de diversos embargos de declaração ao acórdão do STF na PET

n. 3.388/RR e de um intenso processo de mobilização dos povos indígenas e de organizações

sociais. Em 17 de setembro do mesmo ano, uma nova portaria, a Portaria AGU n. 415,

estabeleceu como termo inicial da vigência da Portaria n. 303 o dia seguinte ao da publicação do

acórdão a ser proferido pelo STF nos referidos embargos.

Em 2013 o STF analisou os embargos opostos no caso da PET n. 3.388/RR e decidiu

que as condicionantes do caso “não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros

processos relativos a terras indígenas diversas (...). A decisão vale apenas para a reserva em

questão.” (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=251738)

Após a publicação do acórdão do STF nos embargos de declaração, a AGU publicou

a Portaria n. 27 de 07 de fevereiro de 2014, determinando à Consultoria-Geral da União e à

Secretaria-Geral de Contencioso a análise de adequação do conteúdo da Portaria n. 303/2012 aos

termos da decisão final do STF. Diversos órgãos da Administração Pública (FUNAI, AGU,

PFE/FUNAI, CONJUR/MJ/CGU/AGU) se envolveram em uma controvérsia sobre a vigência e

eficácia da Portaria em questão. Em 11 de maio de 2016, o Advogado-Geral da União, por meio

do Despacho n. 358/2016/GABAGU/AGU, determinou que a Portaria n. 303/2012 deveria

permanecer suspensa até conclusão dos estudos requeridos por meio da Portaria n. 27/2014.

A partir de 2016, com a ascensão de Michel Temer a presidência da república,

iniciou-se um acelerado retrocesso dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Em maio

de 2017, quando o ex-presidente da Funai, Sr. Antônio Fernandes Toninho Costa entregou o

cargo, acusando o ex-Ministro da Justiça de agir em favor de um lobby conservador de

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latifundiários e outros interesses da bancada ruralista, inclusive impondo indicações políticas

dentro da Funai, o órgão vem sendo dirigido por um general do Exército.

A despeito de protestos do movimento indígena nacional, assumiu a presidência da

Funai o general Franklimberg Ribeiro de Freitas. Empossado no cargo, Sr. Freitas tem assinado

uma série de medidas controversas, particularmente no que diz respeito à perspectiva de

assimilação de povos indígenas, escondida atrás do argumento do desenvolvimento econômico.

Enquanto isso, o Conselho Nacional de Política Indigenista segue inoperante há mais de um ano,

demonstrando a falta de interesse do Ministério da Justiça em estabelecer um diálogo com os

povos indígenas.

Em Julho de 2017, o Ministério da Justiça estabeleceu um grupo de trabalho (Portaria

n. 541/2017 do Ministério da Justiça), com vários representantes das forças de segurança e sem a

participação de representantes indígenas, para elaborar medidas visando a integração desses povos.

Depois de críticas severas por parte de populações indígenas e de organizações da sociedade civil,

o ato foi substituído por um similar (Portaria n. 546/2017 do Ministério da Justiça), sob a

justificativa de que o objetivo não era assimilação, mas a organização de povos indígenas.

Além disso, sem respeito ao direito a consulta prévia aos povos indígenas, foram

editados atos presidenciais que afetam as populações e suas terras, como no caso das Medidas

Provisórias n. 756, 758, 759, 789, 790 e 791, as quais estimulam apropriação ilegal de terras,

reduzem áreas protegidas e enfraquecem salvaguardas ambientais relacionadas à atividade de

mineração no país, é urgente sinalizar ao atual governo que estes processos merecem suspensão

imediata.

Nesse contexto, no dia 20 de julho de 2017 foi publicado no Diário Oficial da União

o Parecer n. 001/2017/GAB/CGU/AGU que obriga a Administração Pública Federal a aplicar as

19 condicionantes que o STF estabeleceu na decisão da PET n. 3.388/RR quando reconheceu a

constitucionalidade da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol a todas as

terras indígenas. O Parecer tem como objetivo, além de determinar a observância direta e indireta

do conteúdo das 19 condicionantes, institucionalizar a tese do "marco temporal" segundo a qual os

povos indígenas só teriam o direito às terras que estivessem ocupando na data de 05 de outubro de

1988, dia da promulgação da Constituição Federal.

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2 - PRELIMINAR. NULIDADE. VIOLAÇÃO A CONVENÇÃO 169 DA OIT. DECRETO N.5.051/2004

Preliminarmente, verifica-se que o Parecer Vinculante da AGU nº GMF-05 (Parecer

n. 001/2017/GAB/CGU/AGU) ora impugnado, possui graves vícios formais que o tornam nulo de

pleno direito, que serão detalhadamente elencados a seguir na presente representação.

A Constituição de 1988 atribuiu à União a obrigação expressa de demarcar as terras

indígenas, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens. Trata-se de poder-dever outorgado ao

Estado Brasileiro, a ser implementado mediante o exercício da competência administrativa,

atividade típica do Poder Executivo Federal.

Nota-se que a demarcação das terras indígenas, nos termos impostos pelo texto

constitucional, possui conteúdo declaratório, vez que corresponde ao reconhecimento de direitos

originários dos povos indígenas, imprescritíveis, inalienáveis e indisponíveis, que precedem a

própria fundação do Estado Brasileiro.

Trata-se de entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência majoritárias, que

decorre da própria literalidade do art. 231 da CF, o qual dispõe:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmenteocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seusbens.

Nesse sentido, o processo demarcatório ostenta caráter indubitavelmente

administrativo e vinculado, insuscetível a discricionariedades políticas.

Não cabem juízos de conveniência e oportunidade na demarcação das terras

indígenas, pois, ao exercer essa competência, a administração pública está apenas cumprindo um

dever constitucional inafastável, e não exercendo uma "prerrogativa". Configurada a

tradicionalidade da ocupação indígena, a terra deve ser demarcada e protegida pela União, não há

opção política ou liberdade do administrador para descumprir essa determinação.

No regramento vigente, o procedimento a ser observado está regulamentado, no

âmbito infraconstitucional, principalmente pelo Decreto nº 1.775/1996. A constitucionalidade e a

legalidade do procedimento previsto nesta norma são incontroversas, conforme reiteradamente

reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive, em especial, no notório julgamento da

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PET 3388/RR, que reconheceu a validade da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa

Serra do Sol.

Transcrevem-se trechos da ementa do acórdão da PET 3388, que reafirmam esse

entendimento:

(...)3. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVODEMARCATÓRIO. 3.1. Processo que observou as regras do Decreto nº1.775/96, já declaradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal noMandado de Segurança nº 24.045, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa. Osinteressados tiveram a oportunidade de se habilitar no processo administrativo dedemarcação das terras indígenas, como de fato assim procederam o Estado deRoraima, o Município de Normandia, os pretensos posseiros e comunidadesindígenas, estas por meio de petições, cartas e prestação de informações.Observância das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. 3.2.Os dados e peças de caráter antropológico foram revelados e subscritos porprofissionais de reconhecidas qualificação científica e se dotaram de todos oselementos exigidos pela Constituição e pelo Direito infraconstitucional para ademarcação de terras indígenas, não sendo obrigatória a subscrição do laudo portodos os integrantes do grupo técnico (Decretos nos 22/91 e 1.775/96). 3.3. Ademarcação administrativa, homologada pelo Presidente da República, é "atoestatal que se reveste da presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade"(RE 183.188, da relatoria do ministro Celso de Mello), além de se revestir denatureza declaratória e força auto-executória. Não comprovação das fraudesalegadas pelo autor popular e seu originário assistente.(...)8. A DEMARCAÇÃO COMO COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVODA UNIÃO. Somente à União, por atos situados na esfera de atuação do PoderExecutivo, compete instaurar, sequenciar e concluir formalmente o processodemarcatório das terras indígenas, tanto quanto efetivá-lo materialmente, nadaimpedindo que o Presidente da República venha a consultar o Conselho deDefesa Nacional (inciso III do § 1º do art. 91 da CF), especialmente se as terrasindígenas a demarcar coincidirem com faixa de fronteira. As competênciasdeferidas ao Congresso Nacional, com efeito concreto ou sem densidadenormativa, exaurem-se nos fazeres a que se referem o inciso XVI do art. 49 e o §5º do art. 231, ambos da Constituição Federal.(...)12. DIREITOS "ORIGINÁRIOS". Os direitos dos índios sobre as terras quetradicionalmente ocupam foram constitucionalmente "reconhecidos", e nãosimplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de naturezadeclaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situaçãojurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de"originários", a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneiraa preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em

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escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos,estes, que a própria Constituição declarou como "nulos e extintos" (§ 6º do art. 231da CF).(...)(Pet 3388, Rel.: Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em19/03/2009, publicado no DJe-181 em 25/09/2009 e republicado no DJe-120 em01/07/2010 - Grifou-se)

Nesse julgamento, a Suprema Corte, a partir de um caso concreto, estabeleceu uma

série de parâmetros interpretativos acerca do regime jurídico-constitucional das terras indígenas.

Em razão disso, o acórdão foi impugnado por meio de embargos de declaração. Dentre estes,

destacam-se os opostos pelo Ministério Público Federal e pelas Comunidades Indígenas Socó,

Barro, Maturuca, Jawari, Tamanduá, Jacarezinho e Manalai, que questionaram não apenas o

conteúdo material de algumas condicionantes, mas também apontaram graves vícios de

inconstitucionalidade formal na decisão.

Conforme pontuado pelo Ministério Público Federal em seu recurso, não cabia ao

STF, no âmbito de um único processo, de natureza subjetiva, traçar parâmetros abstratos de

conduta para todas as outras terras indígenas, porque isso implicaria, na prática, legislar

abstratamente, violando a separação de poderes.

Além disso, as condições estipuladas na decisão final não foram objeto de discussão

no curso da lide, sequer pelas próprias partes ali envolvidas, não houve contraditório sobre elas,

porque as partes não puderam discutir o conteúdo das condicionantes antes do julgamento.

A edição de condicionantes abstratas para outros casos também violou os limites do

tipo do processo - ação popular - então submetido à apreciação do STF, visto que a decisão numa

ação dessa natureza só poderia valer para aquele caso e aquelas partes, não possuindo efeito

vinculante para outras situações.

Houve, ainda, uma indevida subversão do procedimento para edição de Súmula

Vinculante, o único meio formalmente válido por meio do qual o STF, a partir de reiteradas

decisões sobre matéria constitucional, poderia aprovar um regramento que, a partir de sua

publicação na imprensa oficial, possuiria efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder

Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Assim, do ponto de vista formal, esse excesso normativo implicou, além da ofensa ao

princípio republicano da separação dos poderes, violação dos limites objetivo e subjetivo da coisa

julgada (arts. 469 e 472 do CPC/1973 e art. 18 da Lei nº 4.717/65), do princípio do devido

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processo legal (art. 5º, LIV da CF) e do procedimento para edição da Súmula Vinculante (art. 103-

A da CF).

Contudo, caso eventualmente prevalecesse o entendimento de que as condicionantes

possuíam, de fato, efeito vinculante sobre outros casos, haveria, ainda, violação ao disposto na

Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais da Organização Internacional do Trabalho –

OIT, promulgada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004.

Isso porque, caso fossem atribuídos às condicionantes, na prática, efeitos de ato

normativo, elas se tornariam sujeitas à obrigatoriedade da realização de consulta livre, prévia e

informada aos povos indígenas, nos termos do disposto no artigo 6.1 da Convenção nº 169/OIT.

Ressalta-se que esta norma não faz qualquer distinção a respeito de que órgão público

ou Poder elaborou as medidas legislativas ou administrativas, no âmbito interno de cada país. E é

certo que todos os Poderes podem exercer tais competências, seja dentro de sua função

constitucional típica, seja atípica, como ocorre na hipótese em que o Poder Executivo legisla

mediante Medida Provisória.

O art. 6.1 da Convenção nº 169/OIT se vincula, assim, ao conteúdo da medida capaz

de afetar os povos indígenas, não ao órgão responsável pela sua elaboração, dispondo apenas que:

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e,particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejamprevistas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-losdiretamente;

Nota-se, por oportuno, que o processo de internalização no Brasil da Convenção nº

169/OIT se iniciou dentro do mesmo contexto histórico, político e social, da promulgação da

Constituição de 1988, comungando do mesmo espírito constituinte de pleno - e tardio -

reconhecimento dos direitos originários dos povos indígenas.

Devido à intensa mobilização indígena no plano internacional, a Convenção nº

169/OIT foi editada em junho de 1989 e, ato contínuo, assumida como compromisso

internacional pelo Estado Brasileiro, que encaminhou a mensagem ao Congresso Nacional (MSC

nº 367/1991) solicitando a sua aprovação, dentro da ordem democrática recém restaurada.

Atualmente, já foi ratificada por 22 (vinte e dois) países.

Pois bem, o que se vê é que o próprio STF reconheceu a validade dessa linha de

argumentação e a impossibilidade de aplicação automática das condicionantes a outras situações

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além da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, declarando isso categoricamente no julgamento dos

embargos de declaração opostos na PET 3388/RR.

Embora discordemos da validade das condicionantes inclusive para o próprio caso da

Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com base nos fundamentos que vamos detalhar adiante, urge

ressaltar que o próprio STF afirmou, expressamente, na Ementa do Acórdão que julgou os

embargos de declaração na PET 3388 que a decisão proferidaNÃO POSSUI EFEITO

VINCULANTE e seus efeitos NÃO SE ESTENDEM, DE FORMA AUTOMÁTICA, a outros

processos em que se discuta matéria similar.

Transcreve-se:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO POPULAR. DEMARCAÇÃO DATERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL. 1. Embargos de declaraçãoopostos pelo autor, por assistentes, pelo Ministério Público, pelas comunidadesindígenas, pelo Estado de Roraima e por terceiros. Recursos inadmitidos,desprovidos, ou parcialmente providos para fins de mero esclarecimento, semefeitos modificativos. 2. Com o trânsito em julgado do acórdão embargado, todosos processos relacionados à Terra Indígena Raposa Serra do Sol deverão adotar asseguintes premissas como necessárias: (i) são válidos a Portaria/MJ nº 534/2005 eo Decreto Presidencial de 15.04.2005, observadas as condições previstas noacórdão; e (ii) a caracterização da área como terra indígena, para os fins dos arts.20, XI, e 231, da Constituição torna insubsistentes eventuais pretensõespossessórias ou dominiais de particulares, salvo no tocante à indenização porbenfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (CF/88, art. 231, § 6º). 3. Aschamadas condições ou condicionantes foram consideradas pressupostos para oreconhecimento da validade da demarcação efetuada. Não apenas pordecorrerem, em essência, da própria Constituição, mas também pela necessidadede se explicitarem as diretrizes básicas para o exercício do usufruto indígena, demodo a solucionar de forma efetiva as graves controvérsias existentes na região.Nesse sentido, as condições integram o objeto do que foi decidido e fazem coisajulgada material. Isso significa que a sua incidência na Reserva da Raposa Serra doSol não poderá ser objeto de questionamento em eventuais novos processos. 4. Adecisão proferida em ação popular é desprovida de força vinculante, em sentidotécnico. Nesses termos, os fundamentos adotados pela Corte não se estendem, deforma automática, a outros processos em que se discuta matéria similar. Semprejuízo disso, o acórdão embargado ostenta a força moral e persuasiva de umadecisão da mais alta Corte do País, do que decorre um elevado ônusargumentativo nos casos em se cogite da superação de suas razões.(Pet 3388 ED, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgadoem 23/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-023 DIVULG 03-02-2014PUBLIC 04-02-2014 RTJ VOL-00227-01 PP-00057 - Grifou-se)

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Ocorre que, em um processo ilegítimo, conduzido totalmente às margens da lei e da

Constituição, por um governo igualmente ilegítimo, foi aprovado o Parecer nº GMF-05, elaborado

pela Advocacia-Geral da União, que simplesmente desconsidera essa decisão do STF e estende as

condicionantes da PET 3388 indistintamente e automaticamente a todos os demais processos de

demarcação de terras indígenas, fazendo exatamente aquilo que a Suprema Corte expressamente

determinou que não seria possível.

A pretexto de normatizar a atuação da Administração Pública Federal e uniformizar a

interpretação constitucional a respeito do processo demarcatório de terras indígenas, o que o

Parecer nº GMF-05 fez, na verdade, foi conceder efeito vinculante e automático à decisão do STF,

quando este próprio proibiu essa possibilidade. Só por isso, o Parecer já possui nulidade insanável

e deve ser impugnado por meio de reclamação constitucional, nos termos do art. 102, inciso I,

alínea “l” da CF.

A ementa do Parecer dispõe que:

I. O Supremo Tribunal Federal, no acórdão proferido no julgamento da PET3.388/RR, fixou as "salvaguardas institucionais às terras indígenas", as quaisconstituem normas decorrentes da interpretação da Constituição e, portanto,devem ser seguidas em todos os processos de demarcação de terras indígenas. II.A Administração Pública Federal, direta e indireta, deve observar, respeitar e darefetivo cumprimento, em todos os processos de demarcação de terras indígenas, àscondições fixadas na decisão do Supremo Tribunal Federal na PET 3.388/RR, emconsonância com o que também esclarecido e definido pelo Tribunal no acórdãoproferido no julgamento dos Embargos de Declaração (PET-ED 3.388/RR)

Ora, o próprio STF determinou que as condicionantes não constituem normas e não

valem para todos os processos de demarcação de terras indígenas.

Extrai-se do voto do Relator dos Embargos de Declaração, Min. Luís Roberto

Barroso, o seguinte:

"54. Essa circunstância, porém, não produz uma transformação da coisa julgadaem ato normativo geral e abstrato, vinculante para outros eventuais processos quediscutam matéria similar. No atual estado da arte, as decisões do SupremoTribunal Federal não possuem, sempre e em todos os casos, caráter vinculante.Não se aplica, no Brasil, o modelo de staredecisis em vigor nos países do commonlaw, no qual as razões de decidir adotadas pelos tribunais superiores vinculam osórgãos inferiores. Embora essa regra admita exceções, entre elas não se encontram

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as sentenças e acórdãos proferidos em sede de ação popular, ainda que emanadosdeste Tribunal" (STF - PET 3388-ED, Voto Min. Luís Roberto Barroso).

Mais adiante, o Relator acrescenta que o entendimento exarado pelo STF no caso

Raposa Serra do Sol pode ser utilizado como "diretriz relevante para a as autoridades estatais – não

apenas do Poder Judiciário – que venham a enfrentar novamente as mesmas questões" (parágrafo

57 do Voto), afirmando que "o acórdão embargado ostenta a força moral e persuasiva de uma

decisão da mais alta Corte do País, do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em

se cogite de superação das suas razões" (parágrafo 58).

A partir da leitura do acórdão do STF, conclui-se que o julgamento da PET 3388

constitui um precedente importante, que apresenta a compreensão da Suprema Corte acerca dessa

matéria constitucional nesse caso e nesse momento histórico. Nada mais além disso. Não

configura norma, não configura sequer entendimento jurisprudencial imutável, tanto que o próprio

Plenário do STF já negou a sua aplicação a outros casos posteriores, como se verifica do seguinte

julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO.DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. ATO “EM VIAS DE SERPRATICADO” PELA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PORTARIA DOMINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA. DECRETO 1.775/1996.CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO SUPREMOTRIBUNAL FEDERAL. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DOCONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA.AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - O exame detodas as alegações expostas na exordial da impetração, em face da complexidadeda discussão que a permeia, não se revela possível sem apreciação adequada docontexto fático-probatório que envolve a controvérsia, inexequível, todavia, nosestreitos limites do mandamus . Precedentes. II - O processo administrativovisando à demarcação de terras indígenas é regulamentado por legislação própria -Lei 6.001/1973 e Decreto 1.775/1996 -, cujas regras já foram declaradasconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. III - Não háqualquer ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois, conformese verifica nos autos, a recorrente teve oportunidade de se manifestar no processoadministrativo e apresentar suas razões, que foram devidamente refutadas pelaFUNAI. IV - O Plenário deste Tribunal, quanto ao alcance da decisão proferidana Pet 3.388/RR e a aplicação das condicionantes ali fixadas, firmou oentendimento no sentido de que “A decisão proferida em ação popular édesprovida de força vinculante, em sentido técnico. Nesses termos, osfundamentos adotados pela Corte não se estendem, de forma automática, a outros

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processos em que se discuta matéria similar”. V - Agravo regimental a que se negaprovimento.(MS 31100 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, TribunalPleno, julgado em 13/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG01-09-2014 PUBLIC 02-09-2014)

Também no julgamento da ACO 312/BA (Relator p/ Acórdão Min. Luiz Fux),o STF

afastou a aplicação do precedente da PET 3388, declarando a nulidade dos títulos de propriedade

de terras localizadas na área da Reserva Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu e reconhecendo a

tradicionalidade da ocupação indígena, pelo povo Pataxó Hã Hã Hãe.

Reafirma-se: se normas fossem, as condicionantes deveriam ser precedidas do

procedimento constitucional e legalmente aplicável para sua edição, notadamente de consulta

livre, prévia e informada dos povos indígenas, nos termos do art. 6.1 da Convenção 169/OIT. O

cumprimento de tais requisitos evidentemente não se verifica diante de um parecer elaborado

unilateralmente pela AGU, dentro de seus gabinetes, de forma antidemocrática, por um órgão que

não detém competência para legislar abstratamente.

É importante ressaltar o que significa a adoção desse entendimento via Parecer

Vinculante e como isso contraria o decidido pelo STF.

Com a edição do Parecer, os órgãos que compõem a Administração Pública Direta e

Indireta Federal, destacadamente a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, o Ministério da

Justiça, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral Federal, e seus respectivos membros e

servidores públicos, passam a ter a obrigação de observar as 19 (dezenove) condicionantes,

previstas pelo Supremo Tribunal Federal especificamente para o caso da Terra Indígena Raposa

Serra do Sol, em toda e qualquer demarcação de terra indígena, sob pena de se submeterem a

graves sanções disciplinares.

A obrigação imposta pelo Parecer à Administração Pública Federal, direta e indireta,

de "observar, respeitar e dar efetivo cumprimento, em todos os processos de demarcação de terras

indígenas, às condições fixadas na decisão do Supremo Tribunal Federal na PET 3.388/RR"

possui indiscutivelmente caráter de norma, geral e abstrata, em flagrante ofensa aos limites legais e

constitucionais deste ato.

O dever de observar em todos os processos de demarcação as condições fixadas na

PET 3388/RR é totalmente diferente da possibilidade de considerar os fundamentos de fundo e a

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interpretação constitucional do STF que inspirou a edição dessas condicionantes, se e somente se

cabível em um determinado e específico processo de demarcação de terras indígenas.

A obrigação de aplicar, indistintamente, automaticamente, sem qualquer análise, sem

ponderação, sem demonstrar o porquê em uma determinada situação as condicionantes podem

ou não ser aplicadas, é a pedra de toque que distingue esse Parecer e o motivo pelo qual, além de

todas as razões de ordem material, ele se revela absolutamente nulo e formalmente

inconstitucional.

Não se trata da uniformização de uma interpretação jurídica, mas, sim, de um ato

administrativo de caráter normativo, abstrato e vinculante, travestido de parecer, o qual, ainda,

excede manifestamente o âmbito regulamentar, versando de forma imprópria sobre matéria de

índole constitucional.

O Parecer viola a autonomia técnica dos agentes públicos que participam do processo

de demarcação de terras indígenas, inclusive dos próprios membros da Advocacia-Geral da União

e da Procuradoria-Geral Federal, configurando ato administrativo viciado por excesso de poder.

Priva os servidores da FUNAI, os antropólogos e os advogados da AGU e da

Procuradoria Geral Federal de exercerem em plenitude suas atribuições legais e sua missão

constitucional no processo de demarcação de terras indígenas, que requer, como já vimos,

exercício de competência vinculada e não discricionária.

De forma teratológica e contrária aos interesses da própria União - a quem compete a

obrigação inarredável de proteger todos os bens materiais e imateriais que compõem o patrimônio

indígena -, o malfadado Parecer obstaculiza, até mesmo, a demonstração da incompatibilidade do

precedente da PET 3388 ao caso concreto que esteja eventualmente em análise, o que pode ser

crucial na atuação contenciosa da AGU em processos judiciais que discutem a validade de

processos de demarcação já concluídos pelo Poder Executivo.

Mais uma vez, retoma-se o exato teor da decisão do STF, que reconheceu claramente

que as razões que inspiraram a decisão da PET 3388 podem ser superadas, ainda que mediante

um “elevado ônus argumentativo”. Contudo, o que o Parecer Vinculante nº GMF-05 fez foi

impedir até mesmo o exercício desse ônus argumentativo, pelo que se revela indubitavelmente

viciado, nulo, inconstitucional.

Ademais, o Parecer nº GMF-05 viola também a Convenção n. 169 da OIT, conforme

dispõe o art. 6º, da Convenção n. 169:

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Dispõe o art. 6º, a,:Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos

deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e,

particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam

previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los

diretamente.

Enquanto medida administrativa que afeta diretamente os direitos humanos dos povos

indígenas, o Estado antes de decidir sobre a conveniência do ato e de publicá-lo deveria ter

consultado os povos indígenas brasileiros.

Por medidas administrativasentende-se os“atos com efeitos concretos eespecíficos, (...)

mas tambémde abrangência geral, como decretos ministeriais, portarias, ouinstruções normativas,

que pretendem detalhar ou regulamentardireitos, ou políticas públicas para povos indígenas e

tribais.” (BIVIANY ET AL, 2016, p. 22).

Ressalta-se quea Convenção n. 169estabelece um procedimento de consulta para que

a medida administrativa tenha influência ou vinculação. Deve ser a Consulta realizada de modo

prévio, livre, informado, de boa-fé e adequado.

Entende-se por livre a garantia de participação dos povos sem pressão, coação ou

intimidação no procedimento e/ou tomada de decisão. Como prévio o dever do Estado de

consultar os povos indígenas antes de qualquer autorização, atividade administrativa ou medidas

que os atinjam. Informada é a consulta que dispõe sobre a natureza, envergadura, reversibilidade

e alcance do projeto, a razão e o objetivo do projeto e/ou medida, a sua duração, a área atingida, a

identificação preliminar dos impactos econômicos, sociais, culturais e ambientais e os riscos

possíveis, quem são os atingidos e os procedimentos que serão realizados durante o projeto. A

adequada é a consulta que respeita as práticas sociais, culturais e cronológicas dos povos indígenas,

assim como sua estrutura organizativa e de representação (PARRÁ, 2011, p.8).

O Parecer nº GMF-05, como medida administrativa, violou a Convenção n. 169 da

OIT ao não realizar a consulta prévia com os povos indígenas que foram afetados em seus direitos

pela Portaria vinculante. Da mesma forma, a portaria viola o art. 19 da Declaração das Nações

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Unidas sobre direitos dos povos indígenas, que da mesma forma determina a consulta prévia

quando medidas legislativas afetarem povos indígenas.

3 - PRELIMINAR. NULIDADE. ATO ADMINISTRATIVO VICIADO. PARECER EIVADODE VÍCIOS DE INCONGRUÊNCIA LÓGICO-RACIONAL ENTRE O MOTIVO EFINALIDADE.

Não bastasse isso, vê-se que o Parecer Vinculante nº GMF-05 também é nulo porque

contém uma série de vícios do ato administrativo, em especial quanto aos seus motivos

determinantes.

Consoante a doutrina pacífica, os motivos são pressupostos de validade dos atos

administrativos, que servem de suporte à sua edição e o condicionam. Na definição de Celso

Antônio Bandeira de Mello, “motivo é o pressuposto de fato que autoriza ou exige a prática do

ato”1 e causa é a "correlação lógica entre o pressuposto (motivo) e o conteúdo do ato em função da

finalidade tipológica do ato"2, ou seja, na análise da causa se examina se a atuação administrativa

visa a resultado legalmente permitido.

No mesmo sentido, Hely Lopes Meirelles expõe que os motivos "determinam e

justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e

a realidade"3.

A violação de qualquer desses aspectos permite o controle judicial da validade do ato

administrativo, de modo que tanto a inexistência do motivo de fato, quanto a incongruência lógico-

racional entre o motivo indicado e o resultado finalístico previsto pela lei para aquele ato,

determinam que ele seja invalidado, inclusive judicialmente.

A Lei nº 4.717/1965, que regula a ação popular, considera nulos os atos que se

enquadrem nas seguintes hipóteses:

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas noartigo anterior, nos casos de:a) incompetência;

1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 30 ed. São Paulo: Malheiros Editores,2013. p. 4012BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 4123MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo, Malheiros, 1993. P. 181.

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b) vício de forma;c) ilegalidade do objeto;d) inexistência dos motivos;e) desvio de finalidade.

Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão asseguintes normas:a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuiçõeslegais do agente que o praticou;b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregularde formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violaçãode lei, regulamento ou outro ato normativo;d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, emque se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamenteinadequada ao resultado obtido;e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fimdiverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

Pela teoria dos motivos determinantes - amplamente aceita na jurisprudência brasileira

e aplicável tanto a atos vinculados quanto discricionários -, os motivos declarados pela

Administração Pública para justificar a edição do ato administrativo integram o seu plano de

validade, vinculando a legitimidade do ato à existência efetiva do motivo declarado. Conforme

elucida Celso Antônio Bandeira de Mello:

De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, istoé, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato.Sendo assim, a invocação dos “motivos de fato” falso, inexistentes ouincorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a leinão haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática doato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quandoa lei não haja expressamente imposto essa obrigação de enunciá-los, o ato seráválido se estes realmente ocorreram e o justificavam4.

Na lição de Carvalho Filho, que faz menção à Lei da Ação Popular, tem-se que:

"Sendo um elemento calcado em situação anterior à prática do ato, o motivo devesempre ser ajustado ao resultado do ato, ou seja, aos fins a que se destina. Impõe-se, desse modo, uma relação de congruência entre o motivo, de um lado, e o

4MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009. (P. 398)

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objeto e a finalidade de outro. Nas corretas palavras de MARCELO CAETANO,"os motivos devem aparecer como premissas donde se extraia logicamente aconclusão, que é a decisão".Encontra-se a exigência dessa compatibilidade na própria lei. A Lei nº 4.717/1965,que regula a ação popular, depois de considerar nulos os atos que tenham o vícioda inexistência de motivos (art. 2º, "d"), procura definir o que significa tal distorção:"a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, emque se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamenteinadequada ao resultado obtido" (art. 2º, parágrafo único, "d")."5

Em síntese, havendo incongruência entre o motivo declarado e o resultado do ato, este

se torna nulo, não produz efeitos jurídicos e pode - e deve - ser prontamente invalidado pelo

Poder Judiciário.

O Parecer Vinculante nº GMF-05 aponta como suposta motivação o cumprimento da

jurisprudência do STF, chegando ao ponto de se debruçar em um capítulo inteiro sobre "A

intenção do STF em dar aplicabilidade geral às salvaguardas institucionais".

Contudo, o próprio STF expressou literalmente que as salvaguardas não possuem

aplicabilidade automática e efeito vinculante a outros processos demarcatórios, eis que dependem

da estrita análise da situação fático-concreta de cada terra indígena.

Com a devida vênia, afastar uma determinação expressa para sustentar a tese de que,

na verdade, bem no fundo, a intenção do STF seria outra, consiste em acrobacia interpretativa que

somente poderia ser admitida no âmbito da psicanálise, mas nunca da hermenêutica jurídica.

Está-se diante de um raro caso de ato administrativo que contém, a um só tempo,

todos os vícios descritos no art. 2º da Lei nº 4717/65.

As determinações contidas no Parecer Vinculante excederam as competências do

Presidente da República e da Advocacia-Geral da União, que só poderiam normatizar a atuação

da Administração Pública Federal nas hipóteses constitucional e legalmente aceitáveis, jamais

impondo normas abstratas por meio de parecer jurídico que distorce e contraria o teor expresso

de decisão do Plenário do STF.

O Parecer Vinculante contém vício de forma, porque não foi submetido à consulta

prévia dos povos indígenas, nos termos do que dispõe a Convenção nº 169/OIT, norma válida e

cogente, que possui status supralegal, nos termos do entendimento do STF.

5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2013. (p. 119)

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O objeto do Parecer Vinculante é inconstitucional e ilegal, porque viola os direitos

originários dos povos indígenas à demarcação, à proteção e ao usufruto exclusivo das terras que

tradicionalmente ocupam, nos termos do regime jurídico-constitucional estabelecido em 1988.

Seu conteúdo viola, ainda, o regramento internacional ao qual o Estado Brasileiro se

comprometeu a observar, tanto na Convenção nº 169/OIT, quanto na Declaração das Nações

Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, sujeitando o Brasil a sanções no plano internacional,

por meio da atuação inconstitucional, por parte de um governo que, além de tudo, é ilegítimo.

É juridicamente viciado no que toca aos seus motivos, porque os motivos indicados

para a sua edição são inexistentes e, ainda, incongruentes à sua finalidade, já que a sua edição foi

fundamentada no suposto intuito de cumprir determinação do STF, a qual, na verdade, é em

sentido diametralmente oposto.

A única interpretação admissível do ponto de vista lógico-racional para o

entendimento do STF na PET 3388, esclarecido no acórdão que julgou os embargos

declaratórios, é que as suas razões de decidir e, em especial, as condicionantes, possam ser

consideradas, caso a caso, como premissas interpretativas, mas, jamais, em hipótese alguma, como

normas abstratas, cogentes, vinculantes e automáticas, com força de lei, como impõe o Parecer.

Constatam-se, ainda, nulidade por desvio de finalidade na edição do Parecer, uma

vez que ele foi divulgado antes mesmo de sua publicação oficial, em vídeo compartilhado pelas

redes sociais6, em que seu conteúdo é anunciado pelo Deputado Federal Luis Carlos Heinze,

notório expoente da bancada ruralista.

Trata-se de questão que foi objeto de inúmeras indagações na imprensa7, indicando

uma articulação política movida por interesses escusos para edição desse ato. Tal suspeita, caso

eventualmente se revele verdadeira, implicaria não apenas a nulidade do ato administrativo, mas

atuação ilícita, sujeitando os envolvidos à responsabilização no âmbito da improbidade

administrativa ou, até mesmo, criminal.

É estarrecedor o grau de violação do direito fundamental dos povos indígenas a serem

consultados previamente à edição de uma medida capaz de afetá-los tão seriamente, considerando-

se que o governo federal optou por informar e consultar apenas os ruralistas, cujos interesses e

6 Disponível online em: https://www.youtube.com/watch?v=onCmKzJAVcU. Acesso em 31/07/2017.

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desejos, políticos e econômicos, são frequente e inadmissivelmente sobrepostos aos direitos e

garantias de matiz constitucional dos indígenas.

Especificamente sobre essa questão do desvio de finalidade cabe fazer mais algumas

considerações.

4 - PRELIMINAR. NULIDADE. DESVIO DE FINALIDADE. PARECER VINCULANTE N.GMF-05 (PARECER N. 001/2017/GAB/CGU/AGU)

A finalidade é um dos elementos de validade do ato administrativo. Nas palavras de Maria

Sylvia Zanella Di Pietro (2003), fundamentando-se no Art. 2º da Lei 4.717/1965, o ato

administrativo deve conter cinco elementos: competência, objeto, forma, motivo e finalidade.

A finalidade, dispõe Di Pietro (2003), trata-se do “resultado específico que cada ato deve

produzir em decorrência da lei”. Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2010), “o resultado

previsto legalmente e correspondente à tipologia do ato administrativo ou ao objetivo intrínseco à

categoria do ato”. Todo ato administrativo contém duas finalidades: genérica e específica. A

finalidade genérica trata-se do interesse público. Incorrendo o ato administrativo na satisfação de

um interesse individual ou de um desejo de um particular, estará eivado de vício insanável. A

finalidade específica está definida em lei e estabelece qual o escopo de cada ato especificamente

(CARVALHO, 2017).

Desse modo, o ato administrativo deve atender ao interesse público e a finalidade

específica pretendida para alcançar o escopo específico conforme definido em lei. Assim, “não se

pode buscar através de um dado ato a proteção de bem jurídico cuja satisfação deveria ser, em face

da lei, obtida por outro tipo ou categoria de ato” (BANDEIRA DE MELLO, 2010). Quando um

ato administrativo incorre nessa hipótese, estamos ante a um vício de finalidade, denominado

doutrinariamente como “desvio de finalidade” ou “desvio de poder”.

Cretella Jr. (2000) conceitua como desvio de finalidade ou de poder “o uso indevido que a

autoridade administrativa, dentro de seu campo de discricionariedade, faz da potestas que lhe é

conferida para atingir finalidade pública ou privada, diversa daquela que a lei preceitua. Desvio de

Poder é o desvio do poder discricionário, é o afastamento da finalidade do ato”.

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Para André de Laubadère “há desvio de poder quando uma autoridade

administrativa cumpre um ato de sua competência mas em vista de fim diverso daquele para o

qual o ato poderia legalmente ser cumprido.”

O art. 2º, parágrafo único, alínea “e” da Lei da Lei 4.717/1965, dispõe:

e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a

fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de

competência.

Nesse sentido, o desvio de finalidade ocorrerá quando houver uma finalidade diversa do

pretendido pelo ato administrativo, de modo explícito ou implícito, pelo agente público. Para

tanto, Celso Antônio Bandeira de Melo há duas formas de manifestação do desvio de finalidade

ou de poder quando:

(i) o agente busca finalidade alheia ao interesse público, como no caso em que usa de

poderes para beneficiar a si próprio ou parente ou para prejudicar inimigos, ou

(ii) o agente pretende uma finalidade – ainda que de interesse público – alheia a categoria

do ato que utilizou como remover alguém para castigá-lo.

O Parecer GMF-05 publicado pelo Presidente Temer incorre flagrantemente na hipótese

de desvio de finalidade, isto porque o parecer da AGU foi assinado e publicado no dia 20 de julho

de 2017 pelo presidente Michel Temer no contexto da votação de crime de responsabilidade em

razão de denúncia criminal pela Procuradoria Geral da República. Nesta esteira, objetivando

manter e ampliar sua base de apoio entre os partidos, o presidente Michel Temer, segundo

notícias amplamente divulgadas na mídia nacional e internacional, teria se reunido com deputados

e até mesmo liberou verbas parlamentares, as quais estão na esfera de articulação.

● Deputado ensina como pedir cargos e verbas a Temer: 'Faço cara de coitadinho' -https://oglobo.globo.com/brasil/deputado-ensina-como-pedir-cargos-verbas-temer-faco-cara-de-coitadinho-21610371

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● De olho em 211 votos, Temer negocia apoio da bancada ruralista -http://www.gazetaonline.com.br/noticias/politica/2017/07/de-olho-em-211-votos-temer-negocia-apoio-da-bancada-ruralista-1014081006.html

● Temer negocia nossos direitos em troca de favores políticos -http://desacato.info/temer-negocia-nossos-direitos-em-troca-de-favores-politicos/

● Ruralistas representam 40% dos favoráveis a Temer na Câmara -

https://www.brasildefato.com.br/2017/07/24/ruralistas-representam-40-dos-

favoraveis-a-temer-na-camara/

● Temer ataca direitos indígenas para tentar se livrar de denúncia no Congresso -

https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/temer-ataca-direitos-

indigenas-para-tentar-se-livrar-de-denuncia-no-congresso

● Temer acena a ruralistas com apoio a mudança em demarcação de área indígena-

https://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/13/politica/1468363551_264805.html

● Temer acolhe pleito dos ruralistas e reedita medidas que afrontam os direitosindígenas - https://www.ecodebate.com.br/2017/07/31/temer-acolhe-pleito-dos-ruralistas-e-reedita-medidas-que-afrontam-os-direitos-indigenas/

Ademais, corroborando este entendimento, um dia antes da publicação do Parecer

GMF-05, o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS) publicou nas redes sociais um vídeo em que

afirmava textualmente:

“Desde abril do ano passado, quando assumiu o presidente Michel

Temer, nós temos cobrado a sua posição. Qual é posição do governo

Michel Temer com relação a essa questão indígena. A gente sabe a

posição do governo Lula e do governo Dilma, que hoje deixou mais de

700 processos em andamento em todo o Brasil. Do Lula para cá. De 2003

para cá. Tem hoje milhares de produtores que estão sendo afetados por

esses laudos antropológicos fraudulentos, essa baderna, essa bagunça, de

não respeitar o Marco Temporal de 05 de outubro de 1988, fazendo valer

direitos imemoriais, a chamada posse imemorial. Ao longo desses meses,

nós conversamos com o Ministro Alexandre de Moraes, quando Ministro

da Justiça, com o próprio Ministro Osmar Serraglio, que também foi

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Ministro, e por último agora, com o Ministro Torquato. Da mesma forma,

com a Advocacia Geral da União, hoje a Ministra Grace, foram várias

reuniões. E a última reunião que fizemos ainda em abril, com o Ministro

Padilha, com o Ministro Osmar Serraglio e com a Ministra Grace,nós

acertamos um parecer vinculante, que o grupo de técnicos da casa civil, do

Ministério da Justiça e também da Advocacia Geral da União, liderado

pelo Dr. Renato Vieira, que é um advogado geral da união, assessor

especial hoje do Ministro Padilha da casa civil, tem já um parecer

vinculante. O que que é esse parecer vinculante. Esse parecer, que será

assinado pelo presidente da república e pelo advogado geral da união, vai

fazer o que? Vai unificar todas as decisões das 19 condicionantes do

Supremo Tribunal Federal. E com isso vão revisar que tem andamento até

esse momento, que ainda não foram sacramentado. Seguramente na

minha avaliação, mais de 90% dos processo no Brasil, são mais de 700

processos, só no Rio Grande do Sul eu tenho mais de 31 processos em

andamento. Seguramente mais de 90% são ilegais, portanto serão

arquivados. Então, primeiro o presidente já se comprometeu de assinar

esse parecer vinculante junto com a advogada geral da união, a Dra. Grace.

É um grande avanço para os produtores brasileiros que estão ansiados,

agoniados em cima da pressão que fazia a Funai, que fazia o Ministério da

Justiça e que agora o presidente Michel Temer, uma nova direção para os

produtores rurais brasileiros”

(https://www.youtube.com/watch?v=onCmKzJAVcU )

A manifestação do Deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS) revela uma aliança com o

presidente da república e a “bancada ruralista” e explicita claramente que o Parecer foi articulado

nesse contexto. Como ressaltado em sua fala o Deputado Heinze: "acertamos um parecer

vinculante" com a AGU, Ministério da Justiça e a Casa Civil.

Desde a sua ascensão à presidência, Michel Temer (PMDB) teve em sua base de

aliados partidos que compõem a “bancada ruralista”, que tem entre os seus escopo a paralisação

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absoluta da demarcação de terras indígenas, quilombolas e de reforma agrária. Embora a

proximidade com a bancada ruralista, foi apenas agora, com a proximidade da votação do crime

de responsabilidade na câmara que o Presidente Michel Temer assinou e publicou o Parecer

vinculante. No período em que há uma intensa mobilização pela presidência para que seja

reprovada a denúncia de crime de responsabilidade, conforme notícias amplamente veiculadas

pela imprensa.

De forma flagrante, o Parecer nº 001/2017/GAB/CGU/AGUincorre na hipótese de

desvio de finalidade ou de poder, pois fica cristalino que “o agente busca uma finalidade alheia ao

interesse público. Isto sucede ao pretender usar de seus poderes para prejudicar um inimigo ou

para beneficiar a si próprio ou amigo” (Conf. BANDEIRA DE MELO, 2010).

A manifestação pública do deputado Luis Carlos Heinze, prévia a própria publicação do

citado parecer vinculante,demonstra de forma cabal que a finalidade do ato administrativo está

alheio ao interesse público, e visa atender a manifesto interesse de um grupo de parlamentares

(deputados) que têm proximidade política com o presidente da república em detrimento do

direito fundamental dos povos indígenas. Neste sentido, Carvalho (2017, p. 29) esclarece que

"mesmo que a conduta pareça estar permitida na legislação aplicável ela será ilegítima se o

administrador público estiver exercendo suas atividades visando a outro fim que não aquela que

estava previsto no texto legal, sempre orientado na busca pelo interesse da coletividade".

Assim, quando um ato administrativo desvirtua a finalidade constante em lei gera um vício

(desvio de finalidade ou poder) que enseja em nulidade da conduta praticada. Isto porque não

pode o gestor público, utilizar-se da sua competência para praticar um determinado ato, visando

uma finalidade diversa da expressa no normativo que fundamentou a sua conduta. A finalidade

está intimamente relacionada ao princípio da legalidade, haja vista exigir que o poder público atue

em respeito às normas legais e visa alcançar os objetivos de interesse público como prescrito em

lei.

Se não bastasse, ainda neste contexto de buscar apoio pessoal, o governo de Michel

Temer publicou no dia 01 de agosto de 2017 uma medida provisória para aliviar dívidas

previdenciárias de produtores rurais. Esta mesma medida prevê a redução de alíquota paga pelos

produtores ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). Tal fato foi amplamente divulgado

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conforme notícia do portal G1 intitulado “Governo publica medida provisória que alivia dívidas previdenciárias

de ruralistas”, disponível em http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/governo-publica-medida-provisoria-

que-alivia-dividas-previdenciarias-de-ruralistas.ghtml .

Neste diapasão, tem-se a autoridade pública que pratica determinado ato tem

competência para tal atribuição, mas, ao fazê-lo, comete erro quando se afasta do fim legal para

buscar finalidade distinta daquela visada pela norma que lhe concedeu o poder de agir. Nessa

discrepância objetiva entre a finalidade do ato e a finalidade inserta na competência do agente

público reside o instituto do desvio de poder.

Por fim, é de grande valia é a menção da doutrina a respeito dos meios de prova do

desvio de finalidade. Como ato jurídico que é, o ato administrativo exterioriza a vontade daquele

que o emanou, neste caso, a Administração Pública, por meio de seu agente. Este, por sua

natureza humana, está suscetível de falhas.

In casu, pelo conceito alhures mencionado, percebe-se como ardilosa a tarefa de

identificação do instituto em comento haja vista que, como bem frisou Adilson Dallari de Abreu8:

“(...) o desvio de poder nunca é confessado, somente se identifica pormeio de um feixe de indícios convergentes, dado que é um ilícitocaracterizado por um disfarce, pelo embuste, pela aparência da legalidade,para encobrir o propósito de atingir a um fim contrário ao direito,exigindo um especial cuidado por parte do Judiciário (...)”

Neste sentido ainda é a manifestação de Hely Lopes Meirelles9:

“(...) O ato praticado com desvio de finalidade – como todo ato ilícito eimoral – é praticado – ou é consumado às escondidas ou se apresenta sobo capuz da legalidade do interesse público. Diante disso há que sersurpreendido por circunstâncias que revelem a distorção do fim legal,substituído habilidosamente por um fim ilegal ou imoral não desejadopelo legislador. A propósito, já decidiu o STF que ‘indícios vários econcordantes são provas. (...) Tudo isso dificulta a prova do desvio de

8DALLARI, Adilson Abreu. Desvio do Poder na Anulação do Ato Administrativo. Instituto de Direito Público daBahia. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Numero 7 – julho/agosto/setembro, 2006. Disponível em:http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-7-JULHODESVIO%20DE%20PODER-ADILSON%20DALLARI.pdf

9MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 92

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poder ou finalidade, mas não a torna impossível se recorrermos aosantecedentes do ato e à sua destinação presente e futura por quem opraticou (...)’.

O professor José Cretella10 traz sintomas indiscutíveis, inventariados pela doutrina

clássica de outros países. Assim os enumera:

1. Contradição do ato com atos ou medidas posteriores;2. Contradição do ato com atos ou medidas anteriores;3. Motivação excessiva, contraditória ou insuficiente;4. Alteração dos fatos;5. Ilogicidade manifesta;6. Injustiça manifesta;7. Disparidade de tratamento;8. Derrogação de norma interna;9. Precipitação na edição do ato;10. Caráter sistemático de certas proibições;11. Circunstâncias locais que precederam a edição do ato;12. Convergência de feixe de indícios;13. Caráter geral dado à medida que deveria ter permanecido.

Posto isto, a Portaria nº 001/2017/GAB/CGU/AGU ao adotar conduta com fins

diversos do definido em lei, incorre na hipótese de desvio de finalidade ou poder, como disposto

no art. 2ºda Lei da Lei 4.717/1965.

Nesse ponto, entende-se imprescindível que o Ministério Público Federal apure a

vinculação do Parecer Vinculante como contrapartida para obtenção de apoio político,

especialmente no que se refere à obtenção dos votos necessários à rejeição da denúncia criminal

contra o Presidente da República Michel Temer, que está pendente de análise no Congresso

Nacional.

5 - VIOLAÇÃO A TERRITÓRIOS INDÍGENAS PROTEGIDOSCONSTITUCIONALMENTE. INFRAÇÃO A BENS DA UNIÃO. VIOLAÇÃO AOPATRIMÔNIO CULTURAL INDÍGENA

O teor do parecer também coloca em grave ameaça a garantia da manutenção das

terras indígenas e, com isso, do patrimônio da União. De acordo com o artigo 231 da Constituição

10CRETELLA JUNIOR, José. Op. cit. p. 220.

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Federal de 1988, cabe à União a demarcação e a proteção das terras tradicionalmente ocupadas

pelos povos indígenas, de modo a assegurar o usufruto dos seus bens por tais sujeitos.

Nisso, a União é a detentora da propriedade das terras indígenas, conforme o artigo

20, inciso XI, da Constituição Federal de 1988, disponibilizando aos povos indígenas o usufruto

exclusivo de acordo com suas tradições e autodeterminação. Ora, se o título civil da terra é da

União, cabe a ela assegurar que sua posse seja, antes de tudo, de domínio público, evitando o uso

privativo, quando não estiver legalmente constituído.

Neste sentido, ao adotar a “tese do marco temporal” presente na PET n. 3.388/RR-

2009, excluindo da análise demarcatória as terras que não estiverem ocupadas por povos indígenas

até a data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, o dia 5 de outubro de 1988, quer o

parecer ora impugnado tornar legítima a apropriação privada de terras públicas obtidas por meios

ilegais ou de manifesta violência histórica contra os povos indígenas.

E, em sendo estas terras cujo uso tradicional indígena tem um sentido sociocultural de

território étnico, ainda que não esteja sobre a posse indígena efetiva na atualidade, reveste-se,

como bem da União, da impossibilidade de serem “alienadas ou ter destinação diversa da inscrita

constitucionalmente” (Villares, 2013, p. 118).

Com isso, o afastamento de povo indígena de determinada terra reivindicada como

sendo de seu uso tradicional, ainda que não efetivo na atualidade, não deveria ser alvo do

afastamento da proteção da União para resguardar a propriedade, pois está justamente nesse ato a

possibilidade de a manutenção do domínio público da terra, evitar a apropriação privativa eivada

de ilegalidade ou violência, e proporcionar aos povos indígenas o direito originário à terra que a

Constituição Federal postula no artigo 231.

Nesse sentido, em decisão pretérita à PET n. 3388/RR, o Ministro Gilmar Mendes já

havia consubstanciado o entendimento de que:

“[é] certo, também, isto é algo pacífico, que eventual afastamento ou expulsão dosíndios das terras a eles destinadas, ou por eles ocupadas, não constituía modusoperandi ou faciendi para a eliminação da propriedade – isso, parece-me,implícito, inclusive, na discussão. De modo que a União continuava a serproprietária dessas terras” (STF, RE 416.144-3/MT – Voto Min. Gilmar Mendes– Rela. Mina. Ellen Gracie – DJ 01.10.2004)

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O que se quer evitar, reforça-se, é o uso do marco temporal como discurso de

legalização de atos ilegais de usurpação de terras indígenas, cujas condições políticas, sociais e

jurídicas estruturadas até a promulgação da Constituição Federal de 1988, e mesmo depois dela,

impediam os povos indígenas de reclamar o esbulho por vias judiciais ou administrativas, mas não

de compreendê-las como terras de uso tradicional para o desenvolvimento de seus modos de vida.

Aventa-se também, tal como indica Carlos Marés (2012), que o ato demarcatório é ato

de reconhecimento estatal da ocupação indígena, mas não um ato constitutivo de direitos, pois a

ocupação da terra é direito originário indígena. E, numa comparação com as terras devolutas,

postula:

“[a]o contrário das terras devolutas que dependem de demarcação pelo processoadministrativo, as terras indígenas já estão separadas ainda que suas fronteiras oulimites não sejam conhecidos pelos não-indígenas. Enquanto as terras devolutasse definem pela negativa, são as que não são públicas nem privadas, as indígenasse definem pela afirmativa, são terras tradicionalmente ocupadas pelos povosindígenas, independentes de qualquer ato de reconhecimento oficial” (Mares,2012, p. 149).

Nisto, reside a capacidade de gerar segurança jurídica à sujeitos etnicamente

diferenciados que sempre viveram sob a égide da insegurança no reconhecimento estatal de seus

direitos originários às terras. Portanto, há de se inverter a lógica sustentada pelo marco temporal,

pois não são os povos indígenas que devem comprovar ocupação de territórios na data da

promulgação da Constituição Federal de 1988 para pleitear suas demarcações, mas sim o Estado

reconhecer a insegurança jurídica gerada aos povos indígenas ante o histórico de esbulho de

territórios por agentes não-indígenas.

No entanto, caso a tese do marco temporal avance, as afetações às demarcações em

curso ou realizadas de terras indígenas atingem não apenas a garantia de manutenção dos bens

como propriedades da União e usufruto dos indígenas, mas, fundamentalmente, a própria

sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, cuja relação com a terra está vinculada aos seus

modos de vida.

Aqui, subjaz outra ameaça real da manutenção do marco temporal como regra

jurisprudencial para demarcação das terras indígenas: os riscos aos diferentes aspectos das terras

indígenas que conformam uma noção de patrimônio cultural aos povos indígenas.

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O direito ao patrimônio cultural disposto no artigo 216 da Constituição Federal de

1988 recepciona os bens culturais como elementos materiais e imateriais que contenham

diferentes aspectos dos “modos de fazer, criar e viver” (Art. 216, Inc. II) dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira, incluindo os povos indígenas.

É evidente que, nisto, está o valor do território como extensão geográfica que possui

diferentes elementos que remetem à historicidade, à identidade e ao modo de vida de

determinada sociedade, em particular dos povos indígenas. Pois território, na concepção indígena,

“é o conjunto de seres, espíritos, bens, valores, conhecimentos, tradições que garantem a

possibilidade e o sentido da vida individual e coletiva.” (Baniwa, 2006, p. 101).

Portanto, todos estes elementos, formados do patrimônio cultural numa perspectiva

indígena, estão ameaçados de violação se se mantém o entendimento atual sobre o marco

temporal. Isto se deve ao fato do marco temporal gerar impasse decisivo para a demarcação de

terras indígenas que contém diversos elementos que remetem, para os indígenas, à condição de

patrimônio cultural, a impossibilidade de assegurar a demarcação destas terras coloca,

automaticamente, em ameaça ou em violação iminente estes elementos que conformam o

patrimônio cultural pela ótica dos povos indígenas.

Assim, conhecimentos, seres, lugares sagrados, valores culturais, entre outras questões,

dependem de uma relação tradicional com a terra para subsistirem e serem protegidas. Em se

mantendo a lógica do marco temporal, não só de violação ao direito à terra estar-se-á legitimando

com tal medida, mas, associado à ele, a manutenção e a proteção de diversos elementos no

território que tem valor de patrimônio cultural para os povos indígenas.

6 - SOBRE AS “CONDIÇÕES”: AFRONTA À VONTADE CONSTITUINTE ORIGINÁRIAE A EXORBITÂNCIA DE PODER REGULAMENTAR

Um dos principais aspectos referentes à territorialidade indígena afirmada na

Convenção OIT n° 169 de 1989 diz respeito a obrigatoriedade dos Estados Parte de respeitar a

especial importância para os valores espirituais e culturais dos povos indígenas a relação com as

terras e territórios que ocupam ou de outro modo usam, e em particular, o aspecto coletivo dessa

relação.

A noção de “terra” para efeito da Convenção que se projeta na observância dos

Governos inclui a noção de território, considerado como o espaço total que abrange o ambiente

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das áreas que os povos interessados ocupam ou de outra forma usam. O uso, na expressão

convencional, não se restringe ao uso material, pois a dimensão do vínculo com a terra é cultural e

espiritual. Nesse aspecto é imaterial e a dimensão da propriedade ancestral é de caráter

incorpóreo.

Os termos “ocupar” e “de outra forma usar” estão associadas a abrangência do que se

pode considerar como ocupação ou uso dentro das cosmovisões étnicas. Cada povo e

comunidade interessados protagonizam e titularizam sua forma de compreender e de se relacionar

com o espaço ancestral e que os Governos devem levar em consideração, frente ao compromisso

jurídico internacional que afirmam ao se tornarem signatários de uma convenção internacional de

direitos humanos, no caso a Convenção OIT n°169/1989.

O artigo 14 da Convenção é ainda mais expressivo da concepção adotada

contemporaneamente no que se refere aos direitos decorrentes da afirmação da diversidade étnica

como um valor insubstituível nas sociedades plurais como na América Latina, em particular, ao

dispor que o direito de propriedade e posse dos povos interessados sobre as terras que eles

tradicionalmente ocupam devem ser reconhecidos.

A Convenção da OIT nº 169/1989 impõe normativamente que os governos tomem as

medidas necessárias para identificar as terras que os povos interessados tradicionalmente ocupam,

e para garantir efetiva proteção para seus direitos de propriedade e posse. É também

indispensável e vinculante que sejam adotados procedimentos adequados.

Os fundamentos apresentados no julgamento da Ação Popular PET 3388/RR-2009,

como antes referido, relativamente ao que denominou-se “salvaguardas institucionais” aos direitos

territoriais indígenas demonstra a ausência de parâmetros jurídicos compatíveis com a ordem

jurídica, política e cultural anunciada pela incorporação dos artigos 215, 216 e 231 da

Constituição Federal de 1988. Como se vê, as decisões judiciais produzidas pelo Supremo

Tribunal Federal, ao longo desses 27 anos da nova ordem constitucional, inaugurada em 1988,

ainda não estão compatibilizadas nem com o espírito da Constituição nem com a dinâmica das

reformas exigidas por um cenário internacional de responsabilidade histórica dos Governos para

com os povos originários.

Diante desse vácuo conceitual, juristas e juízes ainda ortodoxos tendem a utilizar e

reproduzir conceitos e categorias jurídicas envelhecidas e isolacionistas, que não respondem

adequadamente aos novos problemas da contemporaneidade pluriétnica, ao afirmar a dimensão

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de um marco de tempo para verificar a presença indígena na terra demarcanda, conforme descrito

em tópicos anteriores.

Os Agentes Públicos, mais uma vez, tentam resolver um problema moral, da

moralidade ocidental como forjada historicamente, anulando a historicidade da experiência da

espacialidade ancestral. Decorre dessa decisão uma orientação retórica da segurança jurídica, e a

reversão ao dogma do “ato-fato” jurídico, considerado alienativa das identidades étnicas ao

incorporar o indígena como mera categoria e não como sujeito. Tal plano argumentativo que

fundamenta o voto do então Ministro Menezes Direito, cujas razões foram adotadas pelo Relator

da já mencionada Ação Popular, polariza e reduz a potência constitucional no que declara

relativamente às diretrizes político-jurídicas de governar com fundamento na diversidade étnica e

dos direitos territoriais vinculado aos usos e costumes de cada comunidade, como incorporado no

artigo 215 da Constituição Federal cabendo ao Estado e reafirmado no artigo 231.

Afora os vícios formais antes apontados, a adoção de parâmetros administrativos

condicionantes ao processo demarcatório apontados nesta decisão e que ora sustentam a

regulamentação da atividade da Advocacia Geral da União contém flagrante incompatibilidade

com a vontade constituinte originária e com a base normativa internacional a que o Brasil aderiu.

Nesse sentido o Parecer, que reúne caráter normativo não pode subsistir como norma válida.

Pela Assembleia Nacional Constituinte em 1987 foi vencida a tese do marco temporal

e pelo artigo 215 está vencida qualquer prática estatal que não assegure o pleno exercício dos

direitos culturais. Significa dizer que qualquer atividade do Poder público sem consulta e sem

verificação das circunstâncias e interesses dos povos indígenas e comunidades tradicionais quanto

aos seus modos de vida é incompatível com a vontade constituinte originária.

O Parecer afronta, diretamente, preceitos constitucionais consolidados como o da

segurança jurídica e gera, com isso, a desconfiança no Estado. Não pode agora o Poder Judiciário

ou o Poder Executivo definir um parâmetro para o processo demarcatório sobre questão já

resolvida pelo Poder Constituinte originário.

As 19 condicionantes desconfiguram, substancialmente, os preceitos constitucionais

sobre os direitos culturais, como sendo o direito de viver nos seus próprios termos, e sobre os

direitos territoriais que lhe são indissociáveis. A Defesa da vontade constituinte originária exige o

controle dos atos do dos poderes constituídos que de modo direto negam e invalidam os preceitos

constitucionais relativamente ao pleno exercício dos direitos culturais, e que ofendem a

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autodeterminação e autonomia dos povos indígenas. Tais aspectos são evidenciados na

enumeração que se segue, referente às condições trazidas no Parecer n.

001/2017/GAB/CGU/AGU.

Ao estabelecer a orientação (I condição) para os Advogados da União, em todas as

esferas atuarem no sentido de considerar válida a relativização do usufruto das riquezas do solo,

dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da Constituição Federal)

modifica o preceito constitucional. Nesse ponto estabelece uma análise restritiva de aplicação do

direito ao usufruto exclusivo, não autorizada pela vontade constituinte. E o faz em abstrato. No

caso, não há que se falar sequer em exorbitar o poder regulamentar, pois não o tem.

O § 2º do artigo 231 é norma de eficácia plena. Na doutrina majoritariamente não se

confere ao legislador ordinário, menos ainda ao Poder Executivo, por meio de um mero ato

infralegal, a competência para definir restrições, no caso ao direito ao usufruto das riquezas ali

descritas.

No tocante a II condição, referente a estabelecer que o usufruto dos índios não

abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de

autorização do Congresso Nacional, cria um sistema de divisibilidade do usufruto que não possui

fundamento constitucional nem legal.

O mesmo vício alcança as condições IV ao afirmar que o usufruto dos índios não

abrange a garimpagem nem a faiscação, e V ao definir que o usufruto dos índios não se sobrepõe

ao interesse da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e

demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária; a exploração de alternativas

energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos

órgãos competentes (Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional), serão implementados

independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI.

No que se refere a condição VI quando estabelece que a atuação das Forças

Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se

dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI, afronta

não só preceito supralegal, no caso a Convenção da OIT nº169/1989, quanto torna o parecer uma

norma autônoma, abstrata e inclinada a substituir a atividade do legislador.

Nesse ponto há visível evidência de usurpação do poder e nesse âmbito é passível de

sofrer invalidação, conforme pacífico entendimento do STF, por analogia, ao considerar que “se

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um decreto regulamentar fere o texto constitucional, das duas uma: ou a lei que ele regulamenta

(ou aplica) é inconstitucional, e como tal deve ser objeto de uma ação direta, ou houve

exorbitância do poder regulamentar e existe um conflito de ilegalidade entre o ato e a lei matriz.

No tocante às condições VII (o usufruto dos índios não impede a instalação, pela

União Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte,

além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de

saúde e educação), X (o trânsito de visitantes e pesquisadores não- índios deve ser admitido na

área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico

Mendes de Conservação da Biodiversidade, XI (devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a

permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições

estabelecidas pela FUNAI), tratam de situações jurídicas que não podem ser projetadas sobre a

vida dos povos e comunidades envolvidas, sem que lhes seja assegurada a consulta, nos termos da

Convenção OIT nº 169.

A condição XVII que veda a ampliação da terra indígena já demarcada, ultrapassa as

atribuições regulamentares. O que se pretende é suplantar a atividade legislativa, suprimento

competências específicas ao processo legislativo, com ampla participação popular e dos povos

indígenas interessados privando-os de obter reparação por demarcações errôneas e desprovidas

dos parâmetros contemporâneos relativamente ao respeito aos modos de vida próprio e de

definição de espacialidade adequada a sua existência cultural.

Não se pode descuidar do fato de que própria decisão afronta a Convenção OIT nº

169/1989 e o devido processo legal, pois ao tratar de um assunto que não foi objeto da ação, não

oportunizou aos povos interessados apresentarem suas razões jurídicas contrárias. Assim, não se

cumpriu o contraditório nem foi assegurada a ampla defesa. Trata-se de uma decisão que

acomodou pretensões em abstrato representativas de interesses concretos em “dar um basta às

demarcações”.

O vício da decisão se irradia e contamina a atuação do Poder Executivo ao aprovar o

Parecer ora questionado.

Como mencionado em linhas anteriores, o teor do Parecer ora questionado foi, em

outro momento, objeto de oposição dos Povos Indígenas e Organizações envolvidas nas questões

indígenas ao questionar a Portaria 303/2012. Significa que os povos interessados manifestaram sua

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recusa ao teor da Portaria, não consentiram sobre as condições apontadas. Em total desprezo aos

povos indígenas, o Poder Executivo reedita como Parecer da AGU.

No que se refere a vedação de novas demarcações adotando-se as razões de um

suposto marco temporal, é indispensável revisar o processo constituinte. A redação do artigo 231

passou por um prolongado debate no momento Constituinte, inclusive já se anunciava ali, em

1987, a preocupação com a ambiguidade do texto. Tentou-se, sem êxito definir o marco temporal.

A redação vencida tentava forçar a aprovação do texto estabelecendo que os direitos originários

deveriam considerar a posse sobre as terras onde estivessem permanentemente localizados. Não

houve êxito nesse ponto. Como se lê nos anais da Constituinte, na fala de um dos deputados

constituintes:

O que prevaleceu da disputa narrativa constituinte foi a consagração normativa dos

direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional, e não à permanência ou ocupação

permanente naquele momento da promulgação da Constituição. Significa dizer que o debate foi

esgotado na Constituinte e qualquer mudança pressuporia novo debate e desta vez com a

participação dos povos interessados acaso consentisse com as modificações. Por outro lado,

impõe-se considerar que a autorização constitucional de natureza regulamentadora é bastante

restrita, restringe-se estabelecer os marcos georeferenciais para conferir segurança à permanência e

assegurar usufruto das terras pelos povos indígenas, e consequentemente o pleno exercício dos

direitos culturais como previsto no artigo 215 da CF/1988. Não cabe ao Poder Executivo,

tampouco ao Judiciário estabelecer que o marco da ocupação tradicional seja a data de 05 de

outubro de 1988.

32

recusa ao teor da Portaria, não consentiram sobre as condições apontadas. Em total desprezo aos

povos indígenas, o Poder Executivo reedita como Parecer da AGU.

No que se refere a vedação de novas demarcações adotando-se as razões de um

suposto marco temporal, é indispensável revisar o processo constituinte. A redação do artigo 231

passou por um prolongado debate no momento Constituinte, inclusive já se anunciava ali, em

1987, a preocupação com a ambiguidade do texto. Tentou-se, sem êxito definir o marco temporal.

A redação vencida tentava forçar a aprovação do texto estabelecendo que os direitos originários

deveriam considerar a posse sobre as terras onde estivessem permanentemente localizados. Não

houve êxito nesse ponto. Como se lê nos anais da Constituinte, na fala de um dos deputados

constituintes:

O que prevaleceu da disputa narrativa constituinte foi a consagração normativa dos

direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional, e não à permanência ou ocupação

permanente naquele momento da promulgação da Constituição. Significa dizer que o debate foi

esgotado na Constituinte e qualquer mudança pressuporia novo debate e desta vez com a

participação dos povos interessados acaso consentisse com as modificações. Por outro lado,

impõe-se considerar que a autorização constitucional de natureza regulamentadora é bastante

restrita, restringe-se estabelecer os marcos georeferenciais para conferir segurança à permanência e

assegurar usufruto das terras pelos povos indígenas, e consequentemente o pleno exercício dos

direitos culturais como previsto no artigo 215 da CF/1988. Não cabe ao Poder Executivo,

tampouco ao Judiciário estabelecer que o marco da ocupação tradicional seja a data de 05 de

outubro de 1988.

32

recusa ao teor da Portaria, não consentiram sobre as condições apontadas. Em total desprezo aos

povos indígenas, o Poder Executivo reedita como Parecer da AGU.

No que se refere a vedação de novas demarcações adotando-se as razões de um

suposto marco temporal, é indispensável revisar o processo constituinte. A redação do artigo 231

passou por um prolongado debate no momento Constituinte, inclusive já se anunciava ali, em

1987, a preocupação com a ambiguidade do texto. Tentou-se, sem êxito definir o marco temporal.

A redação vencida tentava forçar a aprovação do texto estabelecendo que os direitos originários

deveriam considerar a posse sobre as terras onde estivessem permanentemente localizados. Não

houve êxito nesse ponto. Como se lê nos anais da Constituinte, na fala de um dos deputados

constituintes:

O que prevaleceu da disputa narrativa constituinte foi a consagração normativa dos

direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional, e não à permanência ou ocupação

permanente naquele momento da promulgação da Constituição. Significa dizer que o debate foi

esgotado na Constituinte e qualquer mudança pressuporia novo debate e desta vez com a

participação dos povos interessados acaso consentisse com as modificações. Por outro lado,

impõe-se considerar que a autorização constitucional de natureza regulamentadora é bastante

restrita, restringe-se estabelecer os marcos georeferenciais para conferir segurança à permanência e

assegurar usufruto das terras pelos povos indígenas, e consequentemente o pleno exercício dos

direitos culturais como previsto no artigo 215 da CF/1988. Não cabe ao Poder Executivo,

tampouco ao Judiciário estabelecer que o marco da ocupação tradicional seja a data de 05 de

outubro de 1988.

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Conforme apontado anteriormente acerca da inexistência de efeito vinculante da

decisão do STF na PET 3388/2009, importa considerar outro aspecto da impossibilidade real de

projetar-se as ditas “salvaguardas institucionais” em todos seus aspectos, e em especial, acerca do

marco temporal. O STF no julgamento da ADO nº 22-DF decidiu que uma vez que determinado

tema fora objeto de discussão no Parlamento - Congresso Nacional - não caberia ao STF dizer

qual conteúdo deve conter uma lei. Ao mesmo tempo essa decisão consagra a tese da

impossibilidade de o Poder Judiciário atuar como legislador positivo.

Orientando-se pela “pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal” com

fundamento na interpretação dos princípios da harmonia e independência entre os poderes, a

Relatora, Ministra Carmem Lúcia, aponta pela impossibilidade de, em sede jurisdicional, criar-se

norma geral e abstrata em substituição ao legislador. Nesse aspecto, não se pode admitir que as

“salvaguardas” tenham qualquer caráter de fundo normativo que subsidie sem afronta preceito

constitucional a atividade do próprio Poder Executivo.

Por este aspecto, tal entendimento deve servir de parâmetro para afastar do Poder

Judiciário um comportamento analítico sobre a conveniência política da edição de normas

notadamente aquelas que decorrem da projeção da decisão constituinte originária. Ao mesmo

tempo deve servir como diretriz para, invalidar atos que afrontam a vontade constituinte originária.

A autoridade normativa da Constituição exige afastar a adoção, pelos poderes constituídos, de

normas procedimentalmente simplificadas que venham alterar preceito constitucional e

desestabilizar a vontade constituinte sobre os direitos territoriais indígenas.

Por fim, revisando o artigo 215, em sua potência normativa, é dever do Estado

assegurar o pleno exercício dos direitos culturais e não gerar situações de insegurança,

instabilidade e temor aos povos indígenas interessados.

7 - PEDIDOS

Diante de todo o exposto, requer seja a presente REPRESENTAÇÃO recebida para

que sejam iniciados os procedimentos prévios para propositura de eventual ADI, bem como

promover a investigação para apurar eventual responsabilidade administrativa atentatória à

moralidade administrativa, a democracia e ofensa aos direitos culturais dos povos indígenas, a fim

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de promover eventual Ação Civil Pública visando anular o Parecer nº

001/2017/GAB/CGU/AGU, seja por conter vícios insanáveis decorrentes de inconstitucionalidade

e/ou por eventual exorbitância do poder regulamentar.

Em qualquer caso, enseja medidas urgentes a fim de evitar risco de dano irreparável

aos povos indígenas pela interrupção dos procedimentos demarcatórios atingidos por eventual

comportamento de Advogados da União que impeçam a conclusão ou abertura de procedimentos

de demarcação.

Para subsidiar a ação desta Procuradoria, juntam-se os documentos em anexo que

corroboram as alegações acima expostas.

Brasília, 03 de agosto de 2017.

Elizeu Lopes Guarani KaiowáCoordenador Executivo

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Luiz Henrique Eloy AmadoAssessor JurídicoOAB/MS 15.440