Excertos Antropologia de Descartes

download Excertos Antropologia de Descartes

of 10

Transcript of Excertos Antropologia de Descartes

  • 7/25/2019 Excertos Antropologia de Descartes

    1/10

    Extratos da obra de Padre Leonel Franca (1918) sobre FilosofiaModerna de Ren Descartes

    A. O carter mais saliente da filosofia moderna a independncia excessiva de

    qualquer autoridade, o menosprezo completo da tradio cientfica. Inaugurada por Descartes,

    pouco depois que a reforma protestante proclamara o livre exame e a autonomia absoluta em

    matria religiosa, num tempo em que os ataques da Renascena haviam desprestigiado as

    teorias tradicionais, a filosofia moderna rompeu definitivamente com o passado. Os seus

    representantes julgaram-se no dever de construir desde os alicerces sistemas inteiramente

    novos. A instauratio magna ab imis jundamentisde Bacon tem sido a aspirao de quase

    todos os filsofos posteriores.

    . Quanto ao contedo doutrinai, so as questes metodolgicas e psicolgicas as que

    mais preocupam os pensadores. Depois de Kant a criteriologia assume excepcional

    importncia. O aspecto filosfico dos problemas sociais tambm objeto de largos estudos.

    C. Distingue-se ainda a filosofia moderna da escolstica:

    a) pela sua separao completa (no mais simples distino) da teologia, qual muitas

    vezes abertamente hostil;b) pelo uso das lnguas vulgares, que, aos poucos, substituem a latina, usada ainda

    pelos primeiros reformadores;

    c) pela multiplicao extraordinria dos centros de cultura, com a quebra da unidade

    doutrinai. A Frana, a Inglaterra e a Alemanha so os focos principais donde irradia o

    pensamento moderno.

    DIVISO Pela extrema variedade de sistemas e larga difuso das ideias no possvel dar da poca moderna uma diviso to rigorosa e objetiva como das anteriores. Na

    divergncia dos autores, inspirados muitas vezes em critrios diferentes, preferimos seguir os

    que distinguem, nesta poca, dois grandes perodos:

    I. PERODO ANTERIOR A KANT(De Descartes a Kant).

    II. PERODO POSTERIOR A KANT(De Kant at nossos dias).

  • 7/25/2019 Excertos Antropologia de Descartes

    2/10

    PRIMEIRO PERODO(1600-1770)

    CARACTERES GERAIS. As correntes intelectuais que predominam neste perodo sodeterminadas pelos dois grandes reformadores: Descartes e Bacon. O primeiro inaugura o

    racionalismo1do qual derivam vrios outros sistemas; o segundo professa o empirismo cedo

    degenerado em sensismo e materialismo. As duas tendncias filosficas chocam-se com sorte

    vria nos diferentes pases. Nos sculos XVII, triunfa o cartesianismo. No sculo XVIII, com

    Locke e Condillac assume o sensismo a preponderncia na Inglaterra e na Frana ao passo

    que na Alemanha o racionalismo ainda valorosamente defendido por Leibniz.

    Na evoluo destes sistemas o carter dominante o dogmatismo em oposio ao

    perodo seguinte que ,sobretudo, crtico.

    DIVISO Dividiremos naturalmente este captulo em quatro artigos. Nos dois

    primeiros, estudaremos os reformadores, Descartes e Bacon, nos dois seguintes, a evoluo

    dos sistemas por eles formados.

    DESCARTES (1596-1650)

    VIDA OBRAS DE DESCARTES Renato Descartes, latinamente Cartsio.

    nasceu em La Have, na Turena. em 1596. Educado no colgio dosjesutas de La Flche, veio

    aos 19 anos para Paris, continuando por algum tempo os estudos de fsica e matemtica para

    os quais mostrara notvel inclinao. De 1617 a 1629 percorreu quase toda a Europa j em

    viagens de instruo, j combatendo, como soldado sob a bandeira do duque de Nassau emais tarde do Duque de Baviera.

    Depois desta vida agitada, retirou-se para a Holanda, onde, num recolhimento de 20

    anos, se entregou de todo meditao, ao estudo e composio de suas obras. Convidado

    em 1649 pela rainha Cristina da Sucia, partiu para Stockolmo, mas no resistindo s

    inclemncias do frio faleceu poucos meses depois, em 1650, com apenas 54 anos de idade.

    1Em teologia, racionalismo significa negao de toda verdade revelada, em filosofia quer dizer sistema que,

    alm dos sentidos, admite a razo como fonte distinta do conhecimento e faculdade essencialmente superior sensibilidade. neste sentido que empregamos o termo. Suas principais obras filosficas so: Discours de lamthode (1637),Meditationes de, prima philosophia (1641),Principia philo-sophiae (1644), Trait des passionsde lme(1650).

    http://www.consciencia.org/tag/jesuitashttp://www.consciencia.org/tag/jesuitas
  • 7/25/2019 Excertos Antropologia de Descartes

    3/10

    DOUTRINAS FILOSFICAS. Descartes pode justamente ser considerado o pai da

    filosofia moderna. inquestionavelmente o pensador do sc. XVII que mais profunda

    influncia exerceu nos filsofos posteriores. Sua atitude a de um reformador convicto.

    MTODO Ao mtodo concerne a primeira inovao cartesiana. Esprito

    matemtico, afeito exatido das demonstraes geomtricas, Descartes aspira a reconstruir a

    filosofia, aplicando-lhe o mtodo dedutivo a cujo rigor deve, em grande parte, a sua certeza as

    cincias abstratas da extenso. Com este fito, comea por duvidar metdicamente de tudo. "Je

    dracinais de mon esprit toutes les erreurs qui sy taient pu glisser auparavant. Non que

    jimitasse pour cela les sceptiques que ne doutent que pour douter et affectent dtre toujours

    irrsolus2 car, au contraire tout mon dessein ne tendait qu massurer et rejeter la terre

    mouvante et le sable pour trouver le roc ou largile" 3. Depois de ter assim posto em dvida as

    afirmaes do senso comum, os argumentos de autoridade, o testemunho dos sentidos, as

    informaes da conscincia, as verdades deduzidas pelo raciocnio e os prprios princpios

    imediatos, detm-se diante da existncia do prprio pensamento4. Se eu duvido, penso, se

    penso, existo.Cogito ergo sum , pois, a nica verdade de que se no pode duvidar, e que,

    portanto, constitui o fundamento, o aliquid inconcussum, o ponto de partida de qualquer

    construo filosfica. por que no se pode duvidar desta verdade? Porque evidente,

    porque ns a concebemos clara e distintamente. Da a concluso: "les choses que nous

    concevons trs clairement et fort distinctement sont toutes vraies". Uma intuio: a

    existncia do ser que pensa; um critrio: a evidncia eis o donde parte Descartes para

    reconstruir a filosofia.

    Saindo do prprio eu, a primeira existncia exterior por ele provada a de Deus e a

    primeira parte da filosofia a ser reconstruda, a teodicia.

    2A dvida metdica,como se sabe, uma dvida voluntria, fictcia, pro_ visria, limitada, cujo fim tornar

    mais motivada e inconcussa a adeso verdade de que se duvida, submetendo-a a uma nova contraprova. Advida ctica, pelo contrrio, uma dvida real, universal e definitiva, que no chega Jamais a um Juzo certo.

    A primeirasuspensio judicii indagatoria (Kant) legtima, racional e necessria ao progresso cientfico; aoutra, suspensio judicii sceptica, absurda e contrria natureza da inteligncia e por isso fisicamenteimpossvel. A dvida de Descartes , na sua inteno, metdica, de fato, sendo universal , por isso mesmo,ctica.Dvida metdica e universal so termos que se excluem3Discours de la Mthode, 3me partie.

    4Neste naufrgio geral de toda certeza sobrenadaram apenas no esprito de Descartes as verdades de f: "aprs

    mtre ainsi assur de ces maximes (concernentes moral) et les avoir mises part avec lesvrits de la foi,quiont toujours t les premires en ma crance je jugeai que pour le reste de mes opinions je pourrais libremententreprendre de men defaire".Discours de la Mth., VI. Deste lugar se serve Mercier como confirmao de quea dvida cartesiana era real e no somente fictcia-Cfr. Mercier, Critriologie, p. 17 e sege.

    http://www.consciencia.org/tag/cogito-ergo-sumhttp://www.consciencia.org/tag/cogito-ergo-sumhttp://www.consciencia.org/tag/duvida-metodicahttp://www.consciencia.org/tag/duvida-metodicahttp://www.consciencia.org/tag/cogito-ergo-sum
  • 7/25/2019 Excertos Antropologia de Descartes

    4/10

    TEODICIA

    Existncia de Deus. Descartes prova a existncia de Deus a priori e a posteriori. Apriori, da ideia de perfeio. (Mdit. 5me; discours de la mth. 4me partie). Na anlise do

    prprio pensamento, que dvida, ele se percebe como um ente imperfeito, mas ao mesmo

    tempo reconhece em si a ideia de um ser imensamente perfeito. Ora, sendo a existncia uma

    perfeio, tal ser necessariamente existe Deus. Desta prova "geomtrica", visivelmente

    decalcada sobre oargumento ontolgico de S. Anselmo diz alhures o seu autor: "La

    dmonstration qui prouve 1xistence de Dieu est beaucoup plus simple et plus vidente que

    celle qui dmontre que la somme des angles dun triangle est gale deux droits" 5. A

    segunda prova chamada a posterioriporque nela se faz uso do princpio de causalidade (aqui

    ilgicamente assumido por Descartes) parte da ideia do infinito. (Princ. philosoph., I, n.

    18,Mdit. 3me). A existncia desta ideia na nossa inteligncia um fato psicolgico

    indiscutvel. Qual, porm, a sua causa? Os seres externos? Mas so todos finitos. A prpria

    inteligncia? Mas dum ser finito e imperfeito no pode provir a ideia do infinito e do perfeito,

    visto como "il doit y avoir pour le moins autant de ralit dans la cause efficiente et totale que

    dans son effet" 6. S resta que realmente uma causa infinita nos tenha infundido a ideia do

    infinito. Esta causa, portanto, existe, Deus. "Cest Dieu qui, en me crant a mis cet te ide en

    moi pour tre comme la marque de louvrier empreinte sur son ouvrage" 7.

    Descartes prova ainda a existncia de Deus, partindo do fato da existncia prpria. Um

    ser contingente reclama imperiosamente a existncia dum ser necessrio. "Il faut donc

    conclure que de cela seul que jexiste, et que lide dun tre souverainement parfait, cest--

    dire, de Dieu, est en moi, lexistence de Dieu est trs videmment dmontre 8.

    Pela urdidura do prprio sistema no pode Descartes alegar os argumentos de ordem

    fsica. O conhecimento da natureza sensvel est, para ele, dependente da existncia de Deus.

    Natureza de Deus. Da ideia de perfeio derivam-se facilmente todos os atributos de

    Deus. Dentre estes, dois desempenham na filosofia cartesiana papel mais importante: a

    liberdade de que faz Descartes depender a lei moral e a possibilidade das coisas com todas as

    verdades lgicas e metafsicas (tese de Ockham) e a bondade da qual infere a veracidade das

    5

    Rep. la 4me object.6Mdit., 3me.

    7Mdit., 3me.

    8Ibid.

    http://www.consciencia.org/tag/argumento-ontologicohttp://www.consciencia.org/tag/argumento-ontologico
  • 7/25/2019 Excertos Antropologia de Descartes

    5/10

    nossas faculdades cognoscitivas, e, portanto, a existncia do nosso prprio corpo e do mundo

    exterior por elas irrefragvelmente atestada. A veracidade divina, em ltima anlise, a

    garantia do critrio da evidncia e assegura a sua legitimidade. Um Deus sumamente bom e

    veraz no poderia permitir que a nossa inteligncia errasse quando percebe o seu objeto clara

    e distintamente. "Je dois donc rejetter les doutes de ces jours passs comme hyperboliques et

    ridicules: car de ce que Dieu nest point trompeur, il sensuit que je ne puis tre tromp" 9. "Je

    reconnais parfaitement que la certitude et la vrit de toute science dpend de la connaissance

    du vrai Dieu, en sorte quil faut le connatre avant de connatre rien autre chose" 10.

    CosmologiaO mundo, portanto, existe. Mas que o mundo? Matria e movimento,

    responde Descartes. Com efeito, diz ele, luz, calor e som s existem como sensaes; em si,

    so simples movimentos. As distncias e as figuras dos corpos reduzemse a relaes e

    limites da extenso com a qual essencialmente se identifica a matria. "Dai-me a extenso e o

    movimento, eu vos construirei o mundo" Com estes dois elementos explicam-se todos os

    fenmenos do universo, no excluindo os fenmenos vitais das plantas e dos brutos que no

    passam de meros autmatos, destitudos de sensibilidade, verdadeiras mquinas, um pouco

    mais complexas que as fabricadas pela indstria humana. Destarte, a fsica, a qumica, a

    biologia e a prpria psicologia animal ficam reduzidas a outros tantos captulos de mecnica.

    Sem admitir os tomos propriamente ditos, o inovador francs rejuvenesce, na sua expresso

    mais radical, o mecanismo de Demcrito e Leucipo. Dele, porm, se afasta na questo da

    origem do universo. A matria no eterna, como sonharam os atomistas gregos. Foi

    primitivamente criada por Deus como uma massa homognea e essencialmente inerte. A esta

    massa comunicou o Primeiro Motor certa quantidade de movimento, que atravs das mais

    variadas transformaes permanece constante e causa de todos os fenmenos naturais 11.

    9Mdit., 6me.

    10Mdit., 5me".

    11Leibniz corrigiu-o mais tarde demonstrando a invariabllidade no da mv2/2 quantidade de

    movimento, mv como dissera Descartes, mas da fora vivaNo entramos aqui em mais pormenores,porque s estudamos em Descartes o filsofo. Como matemtico, so bem conhecidos os merecimentos dofundador dageometria analtica.Como fsico, cabe-lhe a glria de haver deixado vrios trabalhos notveissobre tica, formulando, entre outras, a lei dos senos acerca dos fenmenos de refrao e de ter entrevisto, nasua lei de conservao do movimento, o grande princpio que, depois dos trabalhos de Carnot, Meyer eHelmholtz, apresentado sob uma frmula mais exata e completa com o nome de princpio de conservafio daenergia e domina toda a, fsica moderna. No convm, ainda assim, exagerar o valor de Descartes como fsico.

    O seu apriorismo desdenhoso de qualquer verificao experimental, Inspira-lhe um mtodo que diametralmente oposto ao mtodo das cincias de observao. "Toda a minha fsica, diz ele, no passa de uma

    geometria Em fsica no admito princpiosque no sejam tambm recebidos em matemtica a fim de poderprovar com demonstrao tudo o que deles deduzo. Princip. Philosoph.,P. II, . 4, Sobre a fsica de Descartes,

    http://www.consciencia.org/tag/geometria-analiticahttp://www.consciencia.org/tag/geometria-analitica
  • 7/25/2019 Excertos Antropologia de Descartes

    6/10

    Psicologia O ponto de partida da psicologia cartesiana a existncia do

    pensamento. Penso, logo existo. Se cessasse totalmente de pensar, cessaria totalmente de

    existir. O pensamento , pois, aessncia da alma,sum igitur praecise tantum res

    cogitans. Por pensamento entende-se no s a representao intelectual, mas tudo quanto cai

    sob o domnio da conscincia fenmenos sensitivos e afetivos, intelectivos e volitivos.

    Aplicando ao pensamento assim considerado a introspeco ou observao interna nico

    mtodo possvel na sua psicologia, conclui Descartes a espiritualidade da alma. G principal

    argumento desta tese , para ele, a ideia clara e distinta da irredutibilidade absoluta entre o

    pensamento e o movimento, da incompatibilidade irreconcilivel entre os atributos da coisa

    extensa e da coisa pensante.

    Identificada destarte a essncia da alma com o pensamento e posta a salvo a sua

    natureza espiritual, passa Descartes a estud-la sob o duplo aspecto, passivo e ativo. No seu

    modo passivo, a alma entendimento e revela-se pelas ideias que, segundo a sua origem, se

    classificam em inatas 12, adventcias e factcias conforme fazem parte da constituio do

    esprito, derivam do mundo exterior ou resultam da nossa atividade mental.

    No seu modo ativo, a alma vontade, atividade que se manifesta pelos dois atos de

    juzo e da deciso. Pelo primeiro, a vontade une ou separa duas ideias apresentadas pelo

    entendimento. Pelo segundo, escolhe livremente entre dois bens.

    ANTROPOLOGIA DE DESCARTES

    fcil agora entender a nova antropologia. O homem composto de alma e corpo. A

    alma puro esprito, sede de todos os fenmenos conscientes. O corpo, com todas as funes

    vitais inconscientes uma mquina, inteiramente sujeita s leis da mecnica. Como explicar

    ento a unio destas duas substncias completas na unidade de uma s natureza? Difcil

    problema para Descartes. Nos apuros em que o entalou a sua psicologia ultra-espiritualista

    recorre a uma espcie de mediador plstico os espritos animais, fluido sutilssimo,

    anlogo ao fogo. por meio destes espritos que a alma, cuja sede a glndula pineal, recebe

    as impresses internas (passio) e influi no corpo, modificando-lhe os

    cfr. um valioso artigo de A. Poulain, La Physique de Descartes, tudes, Septembre, 1892: J. Bertrand, Journaldes savants, Sept. 1893; E. Naville, La physique moderne, pp. 77-115. 12

    De outros lugares se colige que, para Descartes, mais que a ideia inata na faculdade a disposio de aformar sem nenhum influxo externo.

    http://www.consciencia.org/tag/essencia-da-almahttp://www.consciencia.org/tag/essencia-da-alma
  • 7/25/2019 Excertos Antropologia de Descartes

    7/10

    movimentos (actio). Como se v, a unidade substancial do homem fica seriamente

    comprometida e o problema antropolgico permanece insoluto. Numa longa correspondncia

    epistolar com Isabel, princesa platina, que lhe pedia esclarecimentos sobre a rdua questo,

    Descartes esfora-se por lhe resolver as dificuldades, declara inconcebvel tal espcie de

    unio e termina por confessar ingenuamente: "Je serais trop prsomptueux, si josais penser

    que ma rponse doive entirement satisfaire Votre Altesse". A ns to pouco no satisfaz.

    Em moral, Descartes no chegou a formular um sistema completo e original. No

    oferece por isso, neste ponto, nenhum interesse particular.

    JUZO SOBRE DESCARTES

    A.O principal merecimento de Descartes foi ter compreendido a necessidade de uma

    reforma filosfica, de ter restaurado a dvida metdica 13, pondo assim cobro aos sistemas

    intemprantes da Renascena e de ter chamado de novo a ateno sobre a evidncia

    comocritrio da verdade 14.

    B. Na sua parte construtiva foi menos feliz. Menosprezando a tradio

    15

    recaiu emvrios erros que com um estudo menos superficial dos antigos houvera podido evitar. Comea

    por desnaturar a dvida metdica transformando-a em dvida universal, de cujo crculo frreo

    logicamente nunca houvera podido sair. Comete depois um ilogismo evidente ao passar do

    estado de dvida primeira certeza, admitindo ento como garantia da verdade de sua

    intuio primitiva cogito, ergo sum a mesma evidncia que no fora suficiente para

    13A dvida metdica no , com efeito, como pensam alguns, uma criao dofilsofo francs.Foi inculcada e

    praticada por Aristteles, S. Agostinho, S. Tomaz e os grandes escolsticos. Aristteles: "Antes de empreender asoluo dum problema, convm comear por bem duvidar e investigar todas as dificuldades que oenvolvem".Metaphy., . S. Agostinho pe nos lbios de Evdio estas palavras: "Quanquam haec inconcusse fide teneam, tarnen quia conitione {scilicet scientlfica) nondum teneo ita quaeramus quasi omnia incertasint"De lib. arb., L. II, c. II. E sabido como S. Tomaz prope sempre as questes em forma dubitativa: utrumDeus sit, utrum anima humana slt incorruptibilis, e, antes de as resolver, lhes enumera escrupulosamente as

    principais dificuldades. Cfr. S. Theol.14

    S. Tomaz: "Certitudo quae est in intellectu est ex ipsa evidentia eorum, Quae certa esse dicuntur" III Sent., D.23. q. 2 a. 2 Cfr.De Verit. q. 16, a. 2: q. 11, a. 1; S. Theol., I p. q. 82, a. 2. Ad cujus evidentiam etc, repete ele acada passo em suas obras.15

    A. Gassendi declara Descartes "quil ne sinquite pas mme de savolr sil y a eu des hommes avant lui et

    quil va philosopher comme siltait seul au monde". Ao que ponderadamente acrescenta Lahr: "Le chtimentordinaire de ceux qui ne veulent rien rpter de ce qui a t dit avant eux, est de dire ce que personne ne rpteraaprs eux. Cest la loi du talion". O estado de decadncia em que ento se achava a escolstica, se atenua a culpade Descartes, no lha redime de todo. Os gnios so guias que enxergam mais longe e mais profundo que o

    vulgo. Cumpria-lhe desembaraar o ouro da ganga que o envolvia e no desherdar oesprito humano do preciosotesouro de verdades que lhe haviam legado as geraes passadas.

    http://www.consciencia.org/tag/criterio-da-verdadehttp://www.consciencia.org/tag/filosofo-franceshttp://www.consciencia.org/tag/espirito-humanohttp://www.consciencia.org/tag/espirito-humanohttp://www.consciencia.org/tag/filosofo-franceshttp://www.consciencia.org/tag/criterio-da-verdade
  • 7/25/2019 Excertos Antropologia de Descartes

    8/10

    salvar da dvida as verdades matemticas e os primeiros princpios. No tinha porventura

    Descartes ideia clara e distinta de que dois e dois so quatro?

    Um paralogismo flagrante vicia ainda o mtodo cartesiano. A existncia de Deus nele

    representa o importante papel de fundamento lgico de toda certeza. Ora, Descartes prova a

    existncia de Deus pressupondo a veracidade de suas faculdades e prova a veracidade destas

    mesmas faculdades pela bondade divina. O crculo vicioso manifesto e constitui um

    exemplo tpico de teoria circular da certeza. Muito fundada, pois, a crtica de Leibniz: "Ille

    (Cartesius) dupliciter peccavit, nimium dubitando et nimium facile a dubitatione recedendo".

    C. A sua teodicia encerra uma afirmao vigorosa da existncia de Deus, e. uma das

    partes mais importantes e fundamentais de toda a sua filosofia. Fora, porm, para desejar que

    lhe cimentasse o grandioso edifcio em mais slidos e profundos alicerces. A prova

    ontolgica j a rejeitara S. Toms como ilegtima.

    D. A psicologia ultra-espiritualista e, por isso, frgil. Espiritualizar toda a atividade

    consciente at os fenmenos de sensibilidade oferecer ao materialismo formas de refutao

    fcil e parcialmente vitoriosa.

    .Mais diretamente levam ao materialismo as suas doutrinas cosmolgicas, que

    reduzem as mais elevadas manifestaes da vida animal a simples fenmenos mecnicos

    explicveis pela matria e movimento. O nico baluarte que Descartes ope irrupo

    completa do materialismo mais radical a espiritualidade da alma humana.

    F.O erro capital, porm, que vicia toda a filosofia do grande reformador francs foi um

    erro de mtodo: o apriorismo exagerado com evidente menosprezo da observao e da

    experincia, a pretenso ridcula de aplicar ao estudo concreto da natureza o mtodo das

    cincias abstratas. Com as trs ideias de perfeio, pensamento e extenso julga ele poder

    construir dedutivamente a teodicia, a psicologia e a cosmologia como, com as primeiras

    noes de espao, se constri toda a cincia geomtrica. o matemtico a dominar eabsorver

    por toda a parte o filsofo. Teve razo V. Cousin quando escreveu:"Le dmon de la

    gomtrie fut le mauvais gnie de Descartes".

    Contudo, apesar destes graves defeitos, a obra filosfica de Descartes trabalho de um

    gnio de incontestvel valor, e lhe h de assegurar para sempre um lugar de honra na galeria

    dos grandes pensadores da humanidade.

  • 7/25/2019 Excertos Antropologia de Descartes

    9/10

    BIBLIOGRAFIA

    Ch. Renouvier, Manuel de philosophie moderne Paris, 1842 (neo-criticista);j. M. Degrando, Histoire de la philosophie moderne, 4 vols., Paris, 1847;V. Cousin, Cours de lhistoire de la phil. moderne,Premire srie, 5 vols., Paris, 1841;Deuxime srie, 3 vols., Paris, 1847;F. Papillon, Histoire de la phil. mod. dans ses rapports avec le dveloppement des sciences de lanature, 2 vols., Paris, 1876;P. Janet, Les matres de la pense contemporaine, Paris, 1883;A. Rey, La philosophie moderne, Paris, 1908;H. HFFDING, Histoire de la phil. moderne, Paris, 1924 (h tambm trad. al. ital. e ingl. do originaldinamarqus) ;G. Sortais, La philosophie moderne depuis Bacon jusqu Leibniz,3 vols., Paris, 1920-29;J. Marechal, Precis dhist. de la philos, moderne,Louvain, 1933; Souilh, La philosophie

    chrtienne de Descartes nos jours, 2 vols., Paris, 1934; j. . Erdmann, Versuch einer wissenschaftlichen Darstellung der Geschichte der neuerenPhilosophie, 3 vols., Riga, 1834-54;K. Fischer, Geschichte der neueren Philosophie, 10 vols., Mannheim, 1854 e segs. (citaremos cadavolume a propsito dos diferentes filsofos em particular); A. Stockl, Gesch. d. neueren Philos., 2vols., Mainz, 1883; R. Falcken-berg, Gesch. d. neueren Phos., Berlin, 1921;W. Windelband, Die Gesch. d. neueren Phos. in ihrem Zusammenhang mit der allgemeinen Kulturund den besonderen Wissenschaften dargestellt, 2 vols., Leipzig, 1911 (trad, ital. de T. Zambono,Palermo 1911) ;Paul Deussen, Die neuere Philos. von Descartes bis Schopenhauer, Leipzig, 1917;R. Hnigswald, Gesch. der Phil, von der Renaissance bis Kant. Berlin u. Leipzig, 1923;

    Fr. Bowen, Modern Philosophy from Descartes to Schopenhauer and Hartmann, New-York a.London, 1877;B. C. Burt, A history of mod. Philos. 2 vols., Chicago, 1892;J. Royce, The spirit of modern Phil. Boston, 1892;R. Adamson, The developpment of mod. philos. 2 vols., Edinburg a. London. 1903-904;P. J. Snider, Modern European Philosophy The history of modern Phil, psychologically treated. St.-Louis, 1904;P. de Azcarate, Exposicin historico-critica de los sistemas filosficos modernos, 4 vols., Madrid,1861-82.

    Obras completas de Descartes:

    ed. lat. Amsterdam 1650; ed. francesas. Paris 1701; 1724; 1824-26 (Victor Cousin); ult. ediode Adam e Tannery, 12 vols., 1897-1910L. Liard, Descartes2, Paris, 1903; A. Fouille,Descartes, Paris, 1893;E. S. Haldane, Descartes, his life and time, London, 195;A. Hoffmann. R. Descartes,Stuttgart, 1923;K. Jungmann, R. Descartes, eine Einfhrung in seine Werke, Leipzig, 1908;L. DBRICON, Descartes, Paris, 1909;O. Hamelin, Le systme de Descartes, Paris, 1910;M. Frischeisen-Koehler, R. Descartes2, Leipzig, 1923,

    Denys Cochin, Descartes, Paris, 1913;Kuno Fischer, DescartesLeben, Werke u. Lehre, Heidelberg, 1921;J. Chevalier, Descartes, Paris, 1921;

  • 7/25/2019 Excertos Antropologia de Descartes

    10/10

    Revue de mtaphysique et de morale,Juillet, 1896 (todo este nmero consagrado a Descartes) ;H. Gouhier, La Pense religieuse de Descartes, Paris, 1924;J. Maritain, Le songe de Descartes, Paris, 1932;Fr. Olgiati, Cartesio, Milano, 1934

    Id., La filosofia di Descartes, Mi-lano, 1937;Cartesio nel terzo centenrio del Discorso sul mtodo, Milano, 1937 (obra coletiva).

    Fonte: Livraria Agir Editora. 20 edio.

    Sobre o Padre Leonel.

    Leonel Edgard da Silveira Franca(So Gabriel,6 de janeiro de1893Rio de Janeiro,3

    de setembro de1948)foi umsacerdote catlico eprofessorbrasileiro.Entrou para a Companhia de Jesus em1908, ordenando-se sacerdote em1923. Foi ento

    paraRoma,onde doutorou-se emteologia efilosofia naUniversidade Gregoriana.

    De volta ao Brasil, foi professor doColgio Santo Incio-RJ. Lecionouhistria da

    filosofia,psicologia experimental equmica noColgio Anchieta,emNova Friburgo.

    Foi membro do Conselho Nacional de Educao em1931 e vice-reitor do Colgio Santo

    Incio. Teve papel destacado na fundao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de

    Janeiro e foi, tambm, seu primeiro reitor. Em1947 recebeu oPrmio Machado de Assis.

    Conhea um pouco mais da obra de Padre Leonel em um blog dedicado disponvel em:

    http://cristianismopatriotismoenacionalismo.blogspot.com.br/2011/09/padre-leonel-franca-por-victor-emanuel.html

    https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Gabriel_(Rio_Grande_do_Sul)https://pt.wikipedia.org/wiki/6_de_janeirohttps://pt.wikipedia.org/wiki/1893https://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_de_Janeiro_(cidade)https://pt.wikipedia.org/wiki/3_de_setembrohttps://pt.wikipedia.org/wiki/3_de_setembrohttps://pt.wikipedia.org/wiki/1948https://pt.wikipedia.org/wiki/Sacerdote_cat%C3%B3licohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Professorhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Brasilhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_de_Jesushttps://pt.wikipedia.org/wiki/1908https://pt.wikipedia.org/wiki/1923https://pt.wikipedia.org/wiki/Romahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Teologiahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofiahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_Gregorianahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%A9gio_Santo_In%C3%A1cio_(Rio_de_Janeiro)https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_filosofiahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_filosofiahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Psicologia_experimentalhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Qu%C3%ADmicahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%A9gio_Anchieta_(Nova_Friburgo)https://pt.wikipedia.org/wiki/Nova_Friburgohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Conselho_Nacional_de_Educa%C3%A7%C3%A3ohttps://pt.wikipedia.org/wiki/1931https://pt.wikipedia.org/wiki/Pontif%C3%ADcia_Universidade_Cat%C3%B3lica_do_Rio_de_Janeirohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Pontif%C3%ADcia_Universidade_Cat%C3%B3lica_do_Rio_de_Janeirohttps://pt.wikipedia.org/wiki/1947https://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_Machado_de_Assishttp://cristianismopatriotismoenacionalismo.blogspot.com.br/2011/09/padre-leonel-franca-por-victor-emanuel.htmlhttp://cristianismopatriotismoenacionalismo.blogspot.com.br/2011/09/padre-leonel-franca-por-victor-emanuel.htmlhttp://cristianismopatriotismoenacionalismo.blogspot.com.br/2011/09/padre-leonel-franca-por-victor-emanuel.htmlhttp://cristianismopatriotismoenacionalismo.blogspot.com.br/2011/09/padre-leonel-franca-por-victor-emanuel.htmlhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_Machado_de_Assishttps://pt.wikipedia.org/wiki/1947https://pt.wikipedia.org/wiki/Pontif%C3%ADcia_Universidade_Cat%C3%B3lica_do_Rio_de_Janeirohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Pontif%C3%ADcia_Universidade_Cat%C3%B3lica_do_Rio_de_Janeirohttps://pt.wikipedia.org/wiki/1931https://pt.wikipedia.org/wiki/Conselho_Nacional_de_Educa%C3%A7%C3%A3ohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Nova_Friburgohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%A9gio_Anchieta_(Nova_Friburgo)https://pt.wikipedia.org/wiki/Qu%C3%ADmicahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Psicologia_experimentalhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_filosofiahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_filosofiahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%A9gio_Santo_In%C3%A1cio_(Rio_de_Janeiro)https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_Gregorianahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofiahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Teologiahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Romahttps://pt.wikipedia.org/wiki/1923https://pt.wikipedia.org/wiki/1908https://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_de_Jesushttps://pt.wikipedia.org/wiki/Brasilhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Professorhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Sacerdote_cat%C3%B3licohttps://pt.wikipedia.org/wiki/1948https://pt.wikipedia.org/wiki/3_de_setembrohttps://pt.wikipedia.org/wiki/3_de_setembrohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_de_Janeiro_(cidade)https://pt.wikipedia.org/wiki/1893https://pt.wikipedia.org/wiki/6_de_janeirohttps://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Gabriel_(Rio_Grande_do_Sul)