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O desejo de participar de um processo formativo que abrisse a possibilidade de reflexão/ação sobre um dos componentes essenciais do discurso e da prática do cuidado em saúde, no caso, a inter-relação entre sujeitos sociais e políticos em ação comunicante compromissados com a conquista da qualidade de vida individual e coletiva a partir da realidade das ações de saúde produzidas no território foi uma das principais motivações para minha decisão de participar do processo seletivo para a segunda turma da Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade (RMSFC). Em 2009, participei de um outro processo formativo, no caso a Especialização em Saúde da Família e Comunidades, que me trouxe a possibilidade de refletir coletivamente sobre alguns aspectos que, do meu ponto de vista, se apresentam como centrais nos processo de produção ampliada de saúde, no caso, os mecanismos de participação social e política das comunidades social e economicamente excluídas. A entrada na Residência para mim representou desafio subjetivo imenso, visto que, já trabalho no município de Fortaleza há 5 anos e na Estratégia de Saúde da Família há 10 anos e esta condição leva muitas vezes a um desgaste ou a uma desesperança em relação ao efetivo potencial das políticas e ações defendidas pela Estratégia e pelo Sistema Único de Saúde de garantirem concretamente o cuidado humanizado formalmente estabelecido no discurso destas Políticas Públicas de saúde. Nestes momentos de desesperança, lembro de um conceito de “esperança” muito

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O desejo de participar de um processo formativo que abrisse a possibilidade de

reflexão/ação sobre um dos componentes essenciais do discurso e da prática do cuidado

em saúde, no caso, a inter-relação entre sujeitos sociais e políticos em ação comunicante

compromissados com a conquista da qualidade de vida individual e coletiva a partir da

realidade das ações de saúde produzidas no território foi uma das principais motivações

para minha decisão de participar do processo seletivo para a segunda turma da

Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade (RMSFC).

Em 2009, participei de um outro processo formativo, no caso a Especialização

em Saúde da Família e Comunidades, que me trouxe a possibilidade de refletir

coletivamente sobre alguns aspectos que, do meu ponto de vista, se apresentam como

centrais nos processo de produção ampliada de saúde, no caso, os mecanismos de

participação social e política das comunidades social e economicamente excluídas.

A entrada na Residência para mim representou desafio subjetivo imenso, visto

que, já trabalho no município de Fortaleza há 5 anos e na Estratégia de Saúde da

Família há 10 anos e esta condição leva muitas vezes a um desgaste ou a uma

desesperança em relação ao efetivo potencial das políticas e ações defendidas pela

Estratégia e pelo Sistema Único de Saúde de garantirem concretamente o cuidado

humanizado formalmente estabelecido no discurso destas Políticas Públicas de saúde.

Nestes momentos de desesperança, lembro de um conceito de “esperança” muito

interessante formulado por Erich Fromm, segundo ele “ter esperança significa estar

pronto a todo o momento para aquilo que ainda não nasceu e, todavia não se desesperar

se não ocorrer nascimento algum durante nossa existência”, ou seja, esperança não tem

nada a ver com o ato passivo de esperar que as coisas aconteçam, ao contrário exige a

ação permanente de estar sempre pronto para o novo e isto envolve a capacidade de

construí-lo, mas de forma tranquila, não desesperada, observando e construindo as

condições objetivas, lembrando, por exemplo, o que Marx falava a respeito da relação

entre Homem e História, “A história nada é e nada faz. O homem é quem é e quem faz”. [1]

A imersão no território que atua aqui também como espaço social formativo para

esta segunda turma da RMSFC, no caso, o território das comunidades do Parque São

José e Conjunto Esperança, revelou para mim mais fortemente que a intervenção do

trabalhador social em geral e do trabalhador da saúde em específico exige da parte

deste, como pressuposto essencial, um posicionamento político consciente. Defendo tal

condição apoiado nas palavras de Paulo Freire (1987) de que, “o trabalhador social não

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pode ser um homem neutro frente ao mundo, frente à desumanização ou humanização,

frente à permanência do que já não representa os caminhos do humano ou à mudança

destes caminhos”. Para Freire, o homem, ao responder aos desafios que partem do

mundo, cria pela ação, seu próprio mundo, o mundo histórico-cultural. A estrutura

social criada pelo homem tem como expressão de sua forma de ser, a “duração” da

dialética mudança-estabilidade e esta exige do trabalhador social, análise crítica e

posicionamento conseqüente. Em suma, ou o trabalhador do SUS enquanto trabalhador

social adere à mudança que ocorre no sentido da verdadeira humanização do homem ou

fica a favor da permanência. Sua condição de homem obriga-o a decidir-se. [2]

Acredito que possivelmente esteja aí a tarefa principal do processo formativo do

trabalhador do SUS, a compreensão de que a transformação social é uma exigência do

trabalho social. A dura realidade de vida das pessoas que procuram os serviços de saúde

para “descarregarem” a chaga dolorosa da opressão social deste modelo de sociedade,

as marcas nos corpos daqueles que carregam o peso da indignidade e da injustiça, a dor

da desesperança ante as misérias de um mundo que tem nos privilégios de uma minoria

e na desonra da maioria sua expressão mais vívida, todas estas são questões que não

estão, nem poderiam estar no horizonte de ação do trabalhador social enquanto homem

neutro.

Apesar de todos os avanços do SUS enquanto política pública, desde o seu

reconhecimento como tal até o desenvolvimento de seus mecanismos de atenção

humanizada, apesar disso o discurso produzido no interior do SUS ainda não conseguiu

reconhecer nem apontar alternativas ao processo de formação do trabalhador social com

vistas à superação das limitações da ação “social e politicamente conformadora” do

trabalho em saúde. No máximo, são enfatizadas a necessidade de se preparar o

trabalhador para o enfrentamento das “necessidades do mercado de trabalho” do setor

saúde, de uma realidade de trabalho que precisa levar em conta a complexidade do meio

social onde vive a camada marginalizada da população, mas pouco se fala a respeito da

necessidade de se guarnecer este trabalhador social de instrumental teórico e prático

minimamente necessário para a reflexão crítica e a ação transformadora desta realidade.

A maior exigência recai então sobre a formação de atores sociais com uma nova

mentalidade e com capacidade de cumprir diferentes papéis sociais, mas dentro da

lógica capitalista. Neste contexto, as propostas mais avançadas apontam no sentido do

reconhecimento da função histórico-política do trabalhador de resgatar, do processo

histórico de construção social da saúde, os conhecimentos, êxitos e fracassos da

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humanidade em sua luta pela cidadania e bem-estar. Bem como de garantir a

valorização dos diferentes conhecimentos como instrumento de denúncia e promoção da

mobilização crescente da sociedade na realização do seu potencial de saúde e exercício

do direito de cidadania. [3]

A imersão na realidade das duas comunidades, principalmente na parte em

efetivo e real “risco social” das comunidades, como no caso, do “Residencial Cônego de

Castro”, estigmatizada social e politicamente como “favela vertical”, revela a

necessidade da ação política do trabalhador da saúde no sentido da denúncia não só das

mazelas sociais deste modelo de sociedade, mas exigem a ação implicada no sentido da

construção coletiva do novo. A abertura do trabalhador da saúde para a construção

coletiva de um novo modelo de sociedade ou de civilização e para a denúncia e luta

contra o velho é tarefa do processo formativo para o SUS, apesar de concretamente

limitada pelo peso institucional do próprio SUS.

Do meu ponto de vista, esta reflexão sobre formação do trabalhador do SUS e

para o SUS apresenta como exigência prévia a efetivação do discurso e da prática da

atenção à saúde enquanto práxis, ou seja, como atividade de transformação das

circunstâncias e de seus determinismos sobre a teoria (formação das idéias, vontades,

teorias, desejos) e sobre a prática (criação de novas circunstâncias). A práxis do cuidado

em saúde deve apresentar então necessariamente um sentido revolucionante, como

atividade teórico-prática em que a teoria se modifica constantemente com a experiência

prática, que por sua vez é modificada constantemente pela teoria, e revela, para, além

disso, a necessidade de compreensão desta relação em conexão com a idéia de

construção de uma sociedade sem exploração.

Nas palavras de Marx, “A doutrina materialista de que os seres humanos são

produtos das circunstâncias e da educação, [de que] seres humanos transformados são,

portanto, produto de outras circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as

circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador

tem ele próprio de ser educado”. [4]

Os mecanismos para se garantir uma práxis revolucionante, muitas vezes se

chocam com o caráter institucionalizado das práticas de saúde e com as dificuldades

inerentes ao processo formativo dos trabalhadores. Acredito que o desafio de se garantir

atenção à saúde à maioria marginalizada da sociedade, longe de se resumir ao ato

concreto de superar as deficiências de caráter gerencial ou técnico, deve

necessariamente envolver a possibilidade de transformação desta realidade sócio-

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econômica estabelecida pelo modelo capitalista e que, cotidianamente, tem nos

processos de assistência à saúde, espaço privilegiado de reprodução de práticas

autoritárias, de dominação e opressão.

O Sistema Único de Saúde (SUS) carrega em si contradições decorrentes de sua

constituição como política de Estado. O caráter de Política Pública “em construção” do

SUS, não muda o fato de que ele representa em última instância mecanismo de

manifestação e ação do aparelho estatal e de que é o Estado produto do antagonismo

inconciliável das classes sociais. [5]

Para Chauí, a construção ideológica do Estado como poder uno, indiviso,

localizado e visível, tem o objetivo de ocultar a realidade do social, qual seja, como

constituído pela divisão em classes e fundado pela luta de classes.[6]

Por outro lado, o caráter contraditório de se ter uma política de Estado, ou seja,

um instrumento institucional normativo, mas que apesar disso ainda carrega fortemente

um caráter imanente instituinte revela uma faceta do Sistema Único de Saúde que

impulsiona a reflexão crítica. Aliás, talvez esteja exatamente nas contradições do SUS,

as razões de sua vitalidade. O fato de se apresentar como modelo institucionalizado a

ser socialmente seguido e, ao mesmo tempo, como política social com caráter contra-

hegemônico ao sistema econômico capitalista, confere ao SUS uma aura de construção

perene, de reconstrução, de mudança. Ainda nos dias de hoje, este modelo de atenção á

saúde teima em resistir aos constantes ataques dos defensores da mercantilização da

saúde e do avanço privatista, revelando com isso, de certa forma, o entranhamento de

suas diretrizes políticas no seio das lutas populares por justiça e dignidade e a conjunção

de seus objetivos com o espírito de homens e mulheres que percebem na sua defesa, a

garantia de uma conquista social que concretamente fortalece a luta por justiça social.

A importância de se refletir criticamente sobre as estratégias utilizadas pelo

capitalismo para enfraquecer, deturpar, destruir o SUS tem no financiamento da política

um dado concreto e relevante. Relatório Anual da Organização Mundial da Saúde

(OMS) divulgado recentemente revela que a parcela de 6 % do Orçamento do governo

brasileiro destinada à saúde é inferior à média africana (de 9,6%) e o setor no País ainda

é pago em maior parte pelo cidadão. O relatório inclui um raio X completo do

financiamento da saúde e escancara uma realidade: o custo médio da saúde ao bolso de

um brasileiro é superior ao da média mundial. Dados da OMS apontam que 56% dos

gastos com a saúde no Brasil vêm de poupanças e das rendas de pessoas. O número

representa uma queda em relação a 2000 - naquele ano, 59% de tudo que se gastava

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com saúde no Brasil vinha do bolso de famílias de pacientes e de planos pagos por

indivíduos. Mesmo assim, a taxa é considerada uma das mais altas do mundo, superior

ao valor que africanos, asiáticos e latino-americanos gastam em média. Em termos

absolutos, o governo brasileiro destina à saúde de um cidadão um décimo do valor

destinado pelos países europeus. Das 192 nações avaliadas pela OMS, o Brasil ocupa

uma posição medíocre - apenas 41 têm um índice mais preocupante que o do País. [7]

Voltando as necessidades de formação do trabalhador para o SUS, a proposta

formal do programa da Residência Multiprofissional de orientado pelos princípios e

diretrizes do Sistema Único de Saúde, intervir socialmente a partir das necessidades e

realidades locais e regionais, aponta no sentido do fortalecimento do caráter instituinte

do Sistema.

Tal caráter passa concretamente pelo reconhecimento das potencialidades e

desafios a serem enfrentados no território destas comunidades que servirão de espaço

sócio-histórico de formação do trabalhador. No caso específico, do Parque São José e

Conjunto Esperança, a necessidade da formação para a atuação implicada e

consequentemente política, tem nas atividades de territorialização, principalmente no

sentido do resgate e valorização da história de luta e resistência e dos mecanismos de

organização comunitária construídos coletivamente bases instituintes fundamentais.

Os grandes desafios concretos dos territórios de ambas as comunidades estão

relacionados ao processo de opressão e desigualdade social, refletidos na violência, no

tráfico de drogas, na falta de oportunidades geradas pela estrutura educacional

precarizada, na falta de espaços e ações voltadas para o trabalho e lazer de jovens e

adolescentes, no abandono da infra-estrutura urbano expressos na falta de saneamento,

drenagem, calçamento, transporte e esgotamento sanitário e nas implicações de todos

estes processos no meio ambiente expressos pela comunidade na poluição do rio

Maranguapinho, por fim, com relação especificamente às ações de saúde, os desafios

estão relacionados em parte às questões ligadas à ações/decisões de nível central da

gestão municipal e outras apresentam relação com processos locais das unidades de

saúde como, por exemplo, a falta de médicos, de informatização do posto e de

condições de trabalho para os Agentes Comunitários de Saúde e a necessidade de

“melhorar” o atendimento, respectivamente.

As potencialidades individuais e coletivas, institucionais e não-institucionais

percebidas no território foram em suas maioria reconhecidas pela própria comunidade,

sendo algumas, concretamente equipamentos institucionais, tais como: o CRAS

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Modubim, o Projeto Escola Aberta, o projeto de urbanização do Rio Maranguapinho, o

CITS, o Colégio Irmão Urbano, o CSF Parque São José, a Igreja sagrado Coração de

Jesus, as igrejas evangélicas e o Conselho Comunitário de Defesa Social (CCDS);

outras são resultantes da ação política exclusiva da comunidade ou do apoio de

organismos da sociedade civil, como o “Cadeiras na Calçada”, o Projeto Vida Nova, os

grupos de oração, as associações comunitárias dentre outras e por fim as potencialidades

subjetivas da comunidade como a participação popular, a boa relação entre as

vizinhanças, a organização e os afetos da comunidade e o apoio dos profissionais de

saúde também foram reconhecidas pela comunidade.

Com relação aos processos de trabalho nos CSF foram significativas as

dificuldades de organização dos fluxos de entrada dos usuários nos serviços do CSF

Parque São José e as precárias condições estruturais do CSF Graciliano Muniz,

principalmente em relação à ambiência decorrente dentre outros fatores do espaço

insuficiente para acomodação dos trabalhadores de saúde e usuários. Várias outras

questões se apresentam como desafios para ambas as unidades como a falta de reuniões

de co-gestão (rodas) nas unidades, a inoperância do Conselho local de saúde do CSF

Graciliano Muniz, a deficiência de espaços dialógicos com a comunidade mesmo em

locais com um Conselho local atuante como no caso do Parque São José, a falta de

organização na divisão das atividades dos trabalhadores que consequentemente

sobrecarrega o trabalho em certos setores, a falta de um modelo de acolhimento das

unidades que construído de forma participativa garanta atenção humanizada, a falta de

articulação entre as equipes de saúde e dos trabalhadores dentro das próprias equipes, a

carência de profissionais, medicamentos e insumos. Como visto este último desafio bem

como o relativo às condições estruturais da CSF Graciliano Muniz são os únicos que

exigem a participação efetiva da gestão central e regional da saúde para superação dos

condicionantes, todas as outras podem e devem ser objeto de atuação da RMSFC junto

com trabalhadores, usuários e gestão local.

A Residência Multiprofissional traz, enquanto processo formativo, alguns

diferenciais em relação aos outros modelos de pós-graduação para a área de saúde em

geral e para o SUS em específico. Uma delas é a disposição de atuar nos cenários de

educação em serviço representativos da realidade sócio-epidemiológica do território, ou

seja, no caso de Fortaleza, a escolha do território da Secretaria Executiva Regional

(SER) V deveu-se ao fato de ser este o território do município que se apresenta em pior

situação sócio-econômica, representados pelo menor Índice de Desenvolvimento

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Humano (IDH) e pela carência de infra-estrutura e equipamentos públicos. Outros

fatores de igual relevância, também apresentados como diretrizes deste processo

formativo apontam no sentido do enfrentamento dos desafios presentes no território

como a proposta formativa baseada na concepção ampliada de saúde, ou seja,

compreendendo os diversos aspectos da vida que repercutem nas condições de saúde da

população como a inserção no meio social, o lazer, a alimentação, a moradia e renda, as

condições dignas de trabalho, o acesso a serviços de saúde de qualidade e a ausência de

violência, assim como fatores como raça, etnia e situação de pobreza que realçam as

desigualdades, as iniqüidades sociais e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde,

considerando o sujeito enquanto ator social responsável por seu processo de vida,

inserido num ambiente social, político e cultural.

O contexto de trabalho das duas unidades mostrou também uma série de

potencialidades como, por exemplo, a estrutura física do CSF Parque São José, a

capacidade de atuação do Conselho Local de Saúde desta unidade, o reconhecimento

pela comunidade da atuação implicada de muitos trabalhadores, a disposição de muitos

destes trabalhadores de planejar, executar e avaliar as ações de saúde junto com a

comunidade, a presença do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), a presença no

território do apoio matricial e a realização de atividades de matriciamento em saúde

mental no CSF Parque São José, a presença da Comissão de prevenção à violência

contra a criança e o adolescente, dentre outras.

A Residência Multiprofissional traz em seu bojo princípios que fomentam a

valorização destas potencialidades no sentido de facilitar o enfrentamento dos desafios

anteriormente elencados, como por exemplo, a instrumentalização de uma abordagem

pedagógica que considere os atores envolvidos como sujeitos do processo de ensino-

aprendizagem-trabalho e protagonistas sociais. O uso de estratégias pedagógicas

capazes de utilizar e promover cenários de aprendizagem configurados em itinerário de

linhas de cuidado, de modo a garantir a formação integral e interdisciplinar; a integração

ensino-serviço-comunidade, por intermédio de parcerias dos programas com os

gestores, trabalhadores e usuários; a integração de saberes e práticas que permitam

construir competências compartilhadas para a consolidação da educação permanente,

tendo em vista a necessidade de mudanças nos processos de formação, de trabalho e de

gestão na saúde e o estabelecimento de sistema de avaliação formativa, com a

participação dos diferentes atores envolvidos, visando o desenvolvimento de atitude

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crítica e reflexiva do profissional, com vistas à sua contribuição ao aperfeiçoamento do

SUS.

A história de ambas a comunidades, seus processos de luta e resistência, bem

como seus mecanismos de organização política são sem dúvida os principais potenciais

presentes no território, há disputas e conflitos políticos locais decorrentes da luta pelo

poder e que aparentemente revelam-se de caráter fisiológico e individualista e que

podem representar ou provocar fissuras no processo de luta organizada da comunidade.

Existem muitos equipamentos sociais importantes no território e que já foram citados

acima, mas se percebe a necessidade de interligar esta rede sócio-assistencial local no

sentido de qualificar as ações. O NASF está presente nas duas unidades, mas com

discrepâncias em relação à dinâmica da organização e efetivação das ações. O NASF

que atua no CSF Parque São José relatou dificuldades locais para formação de grupos

terapêuticos decorrentes da “falta de iniciativa” das equipes de saúde da unidade para

realização de ações conjuntas. Ficou patente no encontro com o NASF a necessidade de

construção de contratos/pactos entre os integrantes da equipes de saúde da família e

destes com os trabalhadores do NASF, um dos motivos desta dificuldade talvez esteja

relacionada ao fato de que não existem espaços-tempos na rotina de ações do CSF

Parque São José para reflexão, deliberação, ação e avaliação coletivas.

Do meu ponto de vista, uma das principais potencialidades percebidas no

trabalho/processo formativo da RMSFC está relacionada diretamente com a conjunção

de afetos e subjetividades entre os residentes e destes com o grupo de preceptores, desde

o início ficou patente a facilidade do trabalho em equipe entre as diversas categorias

componentes do processo formativo. Acredito que um dos responsáveis por esta

condição, seja a disposição coletiva dos residentes e preceptores e a abertura conferida

pela coordenação e gestão da educação permanente para a construção de um ambiente

de trabalho que tenha na prática dialógica um dos eixos principais de organização das

ações. Creio que esta experiência deva ser propagada, não como modelo estanque a ser

seguido, mas como proposta passível de ser trabalha pelas equipes de saúde que hoje

têm na relação entre e intra-equipes obstáculos severos ao trabalho multiprofissional e

que obviamente têm impacto direto na qualidade da atenção à saúde.

As estratégias de imersão no território, em especial, a disposição dialógica

apresentada desde o inicio por residentes e preceptores na chegada ao território e, mais

especificamente na Unidade de Saúde, na relação com os trabalhadores de saúde,

facilitou sobremaneira a inserção das categorias profissionais da RMSFC no território.

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Depois da curiosidade e das reservas naturais, conseqüente ao processo de aproximação

e conhecimento dos atores que acabavam de chegar ao território, a relação com as

equipes tem sido, até o momento, de disposição para o trabalho colaborativo entre

residentes e trabalhadores no sentido de qualificar as ações de saúde.

Alguns referenciais teóricos foram fundamentais neste processo de imersão e

territorialização da RMSFC nas comunidades do Parque São José, eu destacaria o

pensamento crítico e transformador de obras que enfatizam a inseparabilidade entre

teoria e prática, reflexão crítica e ação libertadora, para compreensão da realidade e

transformação do homem e do mundo, tais como: “Pedagogia do Oprimido” e

“Educação e Mudança” do mestre Paulo Freire, “Pela mão de Alice – O social e o

político na pós-modernidade” do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, “Cultura e

democracia” da professora Marilena Chauí, “Um método para análise e co-gestão de

coletivos” do professor Gastão Wagner de Sousa Campos. Além de artigos que

trouxeram a discussão sobre o processo de territorialização a partir da análise crítica do

território, como os que tiveram por base os trabalhos do Professor Milton Santos.

A história de luta da comunidade, como foi resgatada no processo de

territorialização, se estende por todas as dimensões da vida social se revelando luta

política em essência, ou seja, se estende das lutas materiais por condições dignas de

vida, às de caráter imaterial/superestrutural por respeito aos seus valores e sua produção

cultural, incluído aí o enfrentamento às determinações do aparelho estatal. Esta relação

subjetiva do sujeito com o lugar onde vive e luta, ou seja, seu território coaduna-se com

o conceito de território defendido por Milton Santos, “É o uso do território, e não o

território em si mesmo, que faz dele objeto da análise social. (...). Seu entendimento é,

pois, fundamental para afastar o risco de alienação, o risco da perda do sentido da

existência individual e coletiva, o risco de renúncia ao futuro”. [8]

A compreensão crítica, pelo trabalhador do SUS, enquanto trabalhador social,

das contradições do capitalismo, deve levar em conta não somente a percepção do

caráter complexo das relações de dominação e opressão social, mas principalmente,

deve ser instrumento potente de impulso deste trabalhador nos processos de luta

implicada e solidária na defesa dos interesses das classes populares. No processo

dialético da estrutura social, não pode “ser o trabalhador social, como educador que é;

um técnico friamente neutro. Silenciar sua opção escondê-la no emaranhado de suas

técnicas ou disfarçá-la com a proclamação de sua neutralidade não significa ser neutro,

mas, (...) trabalhar pela preservação do status quo”. [2]

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A unidade de saúde de lotação (CSF Parque São José) foi inaugurada em 2009 e apresenta um espaço físico amplo, bem distribuído, com todas as salas climatizadas e população adscrita com cerca de 20 mil habitantes com 03 equipes de SF incompletas (02 médicos, 03 enfermeiras e 03 dentistas) e uma equipe de NASF. Podemos constatar uma evidente disputa político partidária no território, com sérios e comprometedores reflexos sobre o serviço de saúde. Fluxo confuso, sem formas humanizadas de acesso e acolhimento, ausência de prontuários, de sistema informatizado e de atividades de grupo na unidade ou na comunidade, com exceção das visitas domiciliares que não eram realizadas por todas as equipes e não envolvia o trabalho em equipe. A equipe do NASF é ausente e atua de forma descontextualizada da realidade do território e separada das equipes de referência. Possui um conselho de saúde local atuante e lideranças comunitárias participativas.

Considerando a problemática relatada e como uma das demandas do Planejamento Participativo realizado pela residência durante o processo de imersão no território, a RMSFC pactuou com os profissionais e com a gestão a formação de 02 GTs: um para discutir e organizar o fluxo e o acesso da unidade e outro para discutir e organizar processo de educação permanente e momentos terapêuticos. Tais grupos não avançaram e logo se esvaziaram... (queria destacar a falta participação da gestão na organização do processo)

Desde a inserção dos residentes no território sua atuação foi pautada pelo planejamento e diálogo constante com a comunidade, profissionais do serviço e gestão local, a qual sempre se mostrou aberta as propostas de trabalho da RMSFC.

Durante todo período de atuação dos residentes no CSF, eles procuraram colaborar e fomentar o planejamento e execução das rodas de gestão da unidade de saúde procurando destacar que a mesma possui 04 dimensões, a saber: administrativa, pedagógica, terapêutica e política. Considerando que até então as rodas de gestão restringiam-se a dimensão administrativa com informes e tentativas de organização do serviço, a RMSFC procurou enfatizar e trabalhar as outras dimensões de forma lúdica e que estimulasse a participação de todos, num esforço constante de estimular a co-gestão da unidade de saúde.

Durante esses dois anos, apesar da coordenação local e regional afirmar ser parceira do PRMSFC, observamos que muitos processos e planejamentos pactuados e propostos com os profissionais e com a gestão não aconteceram justamente pela falta de apoio da gestão local, regional e municipal, dentre os quais podemos destacar:

Implantação do prontuário e do acolhimento; Fomento ao trabalho em equipe; Fomento a articulação Equipe SF e NASF; Não reconhecimento dos residentes como profissionais do serviço e da rede;

Em relação a SER tivemos contatos pontuais com a coordenação e técnicos do Distrito de Saúde durante o processo de territrialização e alguns momentos de articulação para resolução de casos e de algumas fragilidades e dificuldades do serviço de saúde e do PRMSFC. A comunicação e articulação ficou a cargo da preceptoria e não observamos um estímulo por parte destes de fomentar a vivência dos residentes nestes espaços de gestão.

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i. Fomento e apoio à organização/planejamento das rodas de gestão; ii. Participação da coordenação em algumas discussões de caso;

iii. Visita/Atendimento conjunta com a coordenação; iv. Tentativas de implantação do prontuário e do acolhimento; v. Papel da coordenação como articulador com a SER e demais setores

para a resolução de alguns casos.

b. Relação com a SER V Responsável: Pedroi. Período de territorialização (coleta de dados, conhecer os técnicos e

os programas, disponibilização de material (estetoscópio...)ii. Comunicação ficou a cargo apenas da preceptora de território;

iii. Não inclusão dos residentes em algumas atividades ofertadas aos profissionais da rede;

iv. Tentativa de articulação para resolução de algumas fragilidades relativas ao programa de Residência;

v. Atividades em datas especiais (idoso, campanhas, TB, Hansen, dengue)vi. Fomento das atividades de saúde do adolescente tanto no CSF quanto

nas escolas (distribuição das cadernetas).

Historicamente a odontologia foi estruturada enquanto ramo do saber técnico e

disciplinar voltado para formação da força de trabalho e de produção de valor para o

mercado. O predomínio dos interesses mercantis na formação do trabalhador cirurgião

dentista parece estar associado às marcantes influências das ciências médicas francesa e

principalmente norte-americana.

A influência do Relatório Flexner sobre as bases científicas da medicina,

processo desencadeado nos Estados Unidos já no início do sec. XX e que resultou na

redefinição do ensino e da prática médica a partir de princípios tecnológicos rigorosos,

afetou fortemente o discurso e a prática odontológica que naquele momento aspirava

seu reconhecimento como especialidade médica. Na realidade o modelo flexneriano

influenciou todos os campos de saberes da saúde, inclusive a saúde pública, tanto que

podemos afirmar que, ainda hoje, as referências paradigmáticas do movimento da saúde

pública não expressam qualquer contradição perante as bases positivistas da medicina

flexneriana. [1]

Para além do aspecto ideológico da técnica, o processo de trabalho em saúde,

mesmo sem representar produção de valor strictu sensu, assim como todo o “mundo do

trabalho”, sofre a influência direta das crises sistêmicas e cíclicas do modelo econômico

capitalista. O novo regime capitalista “financeirizado” que agora se encontra em crise é

fruto do processo de estagnação econômica, iniciado a partir da década de 1970. Tal

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estagnação tem relação com o fato de que “o crescimento subjacente da mais-valia não

consegue acompanhar o ritmo da acumulação do capital em dinheiro”. A análise da

crise econômica mundial de 1974 e das condições da recuperação econômica

subseqüente permitem compreender melhor o papel que teve a nova articulação entre o

capital financeiro e o produtivo no ciclo econômico que termina por gerar nova crise em

2008 [2]. Após um período de acumulação de capitais, o auge do fordismo e do

keynesianismo das décadas de 1950 e 1960, o capital passou a dar sinais de entrada em

um quadro crítico, observado por alguns elementos como: a tendência decrescente da

taxa de lucro decorrente do excesso de produção; o esgotamento do padrão de

acumulação taylorista/fordista de produção; a desvalorização do dólar, indicando a

falência do acordo de Breton Woods; a crise do “Estado de Bem-Estar Social”; a

intensificação das lutas sociais (com greves, manifestações de rua) e a crise do petróleo. [3]

Estes fatores promoveram na década de 1980, nos países de capitalismo

avançado, profundas transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção

na estrutura produtiva, nas formas de representação sindical e política. Foram tão

intensas as modificações, que se pode mesmo afirmar que a “classe-que-vive-do-

trabalho” sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade,

mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento

destes níveis afetando, inclusive, a sua forma de ser. [3]

Neste contexto, refletir sobre o processo de trabalho do cirurgião dentista, assim

como dos demais trabalhadores, exige a compreensão crítica da conjuntura sócio-

política atual. Tal conjuntura traz implicações óbvias para o mundo do trabalho e afeta

obviamente o processo de trabalho em saúde. A entrada do Estado, como instância

competitiva na compra de mão de obra do setor saúde no final da década de 1980 em

meio ao avanço do discurso neoliberal afetou diretamente a forma de organização e a

base de atuação do trabalhador cirurgião dentista. A nova crise do capitalismo neste

início de século XXI chega agora afetando a proposta reformista do Estado de Bem

Estar Social, anunciando a abertura de nova fase de transformação social e política.

As implicações desta conjuntura sobre o processo de trabalho revelaram-se

transformadoras do discurso e das práticas dos trabalhadores da saúde, afetando

especialmente o trabalhador cirurgião dentista, que historicamente teve no espaço

privado sua base social de atuação. Há, entretanto um longo caminho a ser percorrido

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visto que, a hegemonia do discurso e das práticas de cunho liberal, a conformação

teórico-conceitual flexneriana e biologicista das intervenções, a predominância da

prática clínica individual, tecnicista e curativista, a dependência limitante do uso de

tecnologias “duras” e a valorização do caráter instrumental das intervenções, bem como,

a resistência à superação do discurso higienista, revelam o atraso político do discurso

disciplinar “odontológico” e concretamente ainda hoje limitam fortemente a atuação

deste trabalhador principalmente no sentido de que o mesmo possa avançar na

compreensão da dinâmica sócio-política do processo saúde-doença.

A conquista formal do direito à saúde com a institucionalização do SUS em

1988 gerou por um lado expectativa de mudança da realidade da atenção à saúde e de

avanços das políticas sociais patrocinadas pelo Estado, e por outro, desconfiança em

relação à sua concretização decorrente do momento histórico de crise econômica e

avanço do paradigma neoliberal de Estado mínimo. É nesse contexto contraditório que o

Sistema Único de Saúde (SUS) findou por se inscrever, trazendo em si as ambigüidades

de se pretender universal, justo e democrático em plena crise mundial dos Estados de

proteção social. [5]

A criação da Estratégia de Saúde da Família (ESF), em 1994, representou o mais

importante avanço político do SUS visto que trouxe a possibilidade de se reordenar as

práticas de saúde no âmbito da atenção básica em novas bases e critérios, com foco na

família, a partir do seu ambiente físico e social, servindo de porta de entrada dos

serviços, coordenando cuidados e possibilitando a resolutividade da grande maioria dos

problemas de saúde do território, em suma, promovendo a reafirmação e incorporação

de princípios básicos do SUS como a universalização, descentralização, integralidade e

participação da comunidade.

A ESF representa o modelo brasileiro dos cuidados primários em saúde

defendidos desde a Conferência de Alma Ata em 1978. Os atributos que dão corpo e

forma à Atenção Primária em Saúde (APS): territorialidade, primeiro contato,

longitudinalidade, integralidade e coordenação do cuidado, assim como os não-

exclusivos: orientação familiar e comunitária e competência cultural compõem a

essência do discurso e da prática da ESF.

Demorou seis anos para que a saúde bucal fosse vista como necessidade de

saúde pelo Estado e o acesso aos serviços inseridos como direito de cidadania. A

publicação da Portaria Ministerial n° 1.444, de 28 de dezembro de 2000, pelo Ministério

da Saúde anunciou oficialmente a incorporação de “profissionais de saúde bucal” à

Page 14: Excertos tcc acolhimento

Estratégia de Saúde da Família. A inserção da Odontologia nas equipes de ESF poderia

ocorrer de duas formas, com variações do incentivo financeiro aos municípios:

Modalidade I, composta por um Cirurgião-Dentista e um Auxiliar de Saúde Bucal

(ASB); e a Modalidade II, composta por um Cirurgião-Dentista, um ASB e um Técnico

de Saúde Bucal (TSB). [6] A Portaria criou um incentivo para a reorganização da atenção

à saúde bucal prestada à população brasileira, frente aos alarmantes resultados obtidos

pela Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD 1998. Rio de Janeiro; 2000),

visando à ampliação do acesso coletivo às ações de promoção, prevenção e recuperação

da saúde bucal e a conseqüente melhoria de seus indicadores epidemiológicos. Para

alguns autores, o fato da odontologia não estar presente desde o início da estratégia

possivelmente tenha acarretado prejuízos no processo de integração e co-

responsabilização dos profissionais que compõem a equipe de Saúde da Família, assim

como pode ter determinado formas variadas de implantação das equipes de saúde bucal. [7]

A inserção da saúde bucal na ESF representou a possibilidade de criar um

espaço de práticas e relações a ser construído para a reorientação do processo de

trabalho odontológico. Caracteriza-se por um desafio na mudança do modelo de

atenção, tradicionalmente centrado no indivíduo e na doença, para uma abordagem

integral do sujeito inserido em seu contexto familiar, comunitário e social e para a

própria atuação da saúde bucal no âmbito dos serviços de saúde. Dessa forma, o cuidado

em saúde bucal passa a exigir a conformação de uma equipe de trabalho que se

relacione com usuários e que participe da gestão dos serviços. Dar resposta às demandas

da população e ampliar o acesso às ações e aos serviços de promoção, prevenção e

recuperação da saúde bucal, por meio de medidas de caráter coletivo e mediante o

estabelecimento de vínculo territorial, passou a ser um desafio [6].

A partir da constituição das equipes de saúde bucal (ESB) e sua inserção na ESF,

imensas possibilidades de atuação disciplinar e profissional foram abertas. O trabalho

em equipe multiprofissional, a intervenção interdisciplinar e intersetorial, a

responsabilidade sanitária de base territorial e a concepção de uma intervenção sobre o

processo saúde-doença a partir do contexto familiar e comunitário revelam-se princípios

com potencialidade operadora de uma efetiva mudança no processo de trabalho do

cirurgião dentista.

As mudanças curriculares dos cursos de formação de odontologia, bem como a

criação do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e

Page 15: Excertos tcc acolhimento

Comunidade, se apresentaram como elementos fundamentais para o avanço na

formação sócio-sanitária do cirurgião dentista. A Residência Multiprofissional nasce

como produto da Política de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde,

compreendendo que a formação e o exercício profissional não poderiam estar alheios ao

debate de estruturação da implementação do cuidado no Sistema Único de Saúde (SUS).

Deveria, sim, ter a proposição de considerar o trabalhador sujeito dos processos de

gestão, formação, atenção e participação social, com centralidade no usuário e em suas

necessidades, contrapondo-se às práticas centradas no ato médico e nos procedimentos

técnicos. [8]

A regulamentação pelos Ministérios da Saúde e da Educação, da Residência

multiprofissional como modalidade de formação em serviço, pós-graduação lato sensu é

fundamental no preparo de profissionais qualificados para a atenção à saúde da

população brasileira e para a reorganização do processo de trabalho em saúde na direção

dos princípios e diretrizes constitucionais do SUS. [9]

A análise da experiência destes poucos anos de inserção da odontologia na saúde

coletiva deve levar em consideração pelo exposto acima que na perspectiva da Atenção

Primária em Saúde (APS), a atuação da Equipe de Saúde Bucal (ESB) não deve limitar-

se exclusivamente ao trabalho técnico-odontológico. Além das funções específicas,

mostra-se fundamental a interação da equipe com profissionais de outras áreas, de

forma a ampliar seus conhecimentos, permitindo a abordagem do indivíduo como um

todo, de forma integral, atenta ao contexto cultural, social e econômico no qual ele está

inserido. A troca de saberes e o respeito mútuo às diferentes percepções devem

acontecer permanentemente. A Odontologia, apesar de ser uma profissão da área da

Saúde e vista por muitos como uma especialidade médica, transita com dificuldade em

meio às outras clínicas. Sua formação acadêmica especializada, focada no corpo-objeto,

produz um discurso que não raro se serve de uma linguagem tão específica que a

impede de se pronunciar sobre problemas sociais que julga permanentemente não serem

seus. [6]

O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e

Comunidade de Fortaleza, iniciado em 2009 e que atualmente está na 2ª turma, apesar

das dificuldades estruturais representou um importante avanço no processo de formação

da categoria. Depois de uma primeira turma com 66 trabalhadores, hoje a residência é

formada por 14 trabalhadores, de 6 categorias diferentes, sendo 3 deles cirurgiões

dentistas. As dificuldades de execução do programa parecem decorrentes dentre outros

Page 16: Excertos tcc acolhimento

motivos da falta de investimento das três esferas de governo e da fragilidade das ações

de educação permanente e formação de trabalhadores para o SUS no município, carente

de uma política pública específica para formação dos trabalhadores, ou seja, que não

seja refém de interesses político-partidários ou vítima do avanço privatista sobre a

gestão de recursos e pessoal em formação. Este contexto, não impede que se construam

cotidianamente intervenções multiprofissionais, que apontem para a integralidade da

atenção e que a partir do contexto familiar e comunitário dos usuários dos serviços

produzam cuidado para os dois atores sociais. Um exemplo são as práticas de

acolhimento multiprofissional realizadas no território que além de garantir maior

equidade no acesso aos serviços e melhor organização do processo de trabalho,

potencializam a atenção integral ao possibilitarem um diálogo multiprofissional e que

leva em conta a vivências e saberes dos usuários a respeito de suas vidas, seus desejos,

seus problemas e interesses. Tal situação seria impossível numa atividade centrada no

espaço disciplinar de somente uma categoria profissional.

A possibilidade de construir uma agenda de atividades conjuntas com as outras

categorias, que de forma planejada propicie intervenções de caráter preventivo e de

promoção de saúde, sem deixar de lado as atividades clínicas/individuais, ou seja, a

efetivação de ações centradas na clínica ampliada que fortaleçam as intervenções dos

campos de saberes, sem diminuir a importância dos núcleos, como por exemplo, nas

atividades de puericultura ou nos grupos de ciclos de vida já realizadas pela

enfermagem ou nas atividades de matriciamento de saúde mental feitas em conjunto

com a psicologia, ou nos grupos de alimentação saudável realizadas pela nutrição dentre

outras, possibilitam ao trabalho em saúde bucal romper as fronteiras do trabalho do

“duro” núcleo de saber odontológico e principalmente, incorporá-la ao processo de

cuidado integral em saúde.

O avanço concreto da profissão com o reconhecimento e a inserção da saúde

bucal como política pública não impedem, entretanto que se perca de vista obstáculos e

fragilidades que ainda hoje limitam a atuação do cirurgião dentista como trabalhador

social com responsabilidade sócio-sanitária. A centralização do processo de trabalho da

equipe de saúde bucal na figura do cirurgião dentista em detrimento do trabalho em

equipe; a dificuldade de apropriação pelo trabalhador das situações locais,

principalmente da influência sócio-cultural do território sobre os processos de

adoecimento da população; a secundarização do papel do pessoal auxiliar decorrente,

como dito, do modelo centrado na figura do dentista e do forte caráter corporativista e

Page 17: Excertos tcc acolhimento

mercantil da prática odontológica; a baixa cobertura dos serviços e o baixo impacto das

ações sobre os principais problemas de saúde da população; a ênfase nos procedimentos

clínicos e individuais em detrimento da construção de um processo de intervenção

interdisciplinar e multiprofissional baseados na construção de um modelo de clinica

ampliada que vise garantir a atenção integral e equânime ao usuário dos serviços; a

pouca utilização de um referencial epidemiológico, que garanta um planejamento

racional das ações de saúde bucal e que considere os aspectos e implicações afetivas e

sócio-políticas sobre o cuidado em saúde e a qualidade de vida representam situações

limite importantes para o avanço social e político da categoria.

As dificuldades de integração ao trabalho em equipe multiprofissional, de

incorporação dos princípios defendidos pelo SUS, de gestão das políticas e ações de

saúde pelos cirurgiões dentistas tem como dito acima origem no processo de formação

eminentemente técnica e voltada para o mercado privado da categoria, que não contribui

para subsidiar o serviço público com profissionais preparados, com conhecimento da

realidade social e necessidades de saúde da população usuária do SUS. Há a

necessidade e a sensação de que algo precisa ser mudado e/ou acrescentado na atual

formação em Odontologia, de modo que os futuros profissionais possam atuar

desenvolvendo ações coletivas em saúde. Esta nova concepção implica mudanças no

sujeito do trabalho odontológico, pois o cirurgião-dentista cede lugar à equipe de saúde

bucal, o que implica a necessidade de transformação no processo de formação destes

profissionais. [6]

É perceptível um movimento do setor privado da educação superior no sentido

da adequação curricular dos cursos superiores da saúde aos parâmetros do SUS com o

único objetivo de continuar formando força de trabalho para o mercado representado

pelo Estado consumidor de mão de obra. Obviamente, que a ampliação do “mercado de

trabalho” no setor saúde representa uma importante conquista da sociedade e dos

trabalhadores, afinal revelam um aumento do investimento do Estado em políticas de

saúde, mas a formação e atuação acrítica, hegemonicamente técnica, que tenha nos

princípios do SUS meras consignas formais, sem materialidade, sem abertura para a

mudança e a transformação, que não compreenda a importância da intervenção

implicada do trabalhador da saúde, enquanto trabalhador social, com responsabilidade

pelo cuidado e pelo enfrentamento dos determinantes sociais produzidos pela

exploração do trabalho e pela opressão social jamais garantirá a promoção efetiva do

cuidado, a construção da autonomia e a emancipação dos sujeitos tão essenciais para a

Page 18: Excertos tcc acolhimento

“saúde” em sua concepção “ampliada”. Construções contra-hegemônicas continuam

sendo fundamentais para o enfrentamento desta “tendência” (com)formadora da

sociedade, neste sentido, instrumentos como o Programa de Residência

Multiprofissional podem representar espaços interessantes de formação, não de sujeitos

seriais, como diria Sartre, dotados de excelência técnica simplesmente, mas de sujeitos

com capacidade de intervenção social e política, incomodados com uma realidade cada

vez menos humana e com disposição para enfrentá-la e transformá-la.

O Sistema Único de Saúde e a participação comunitária

No Brasil, o processo de abertura democrática, após novo influxo autoritário

representado pelas mais de duas décadas de ditadura militar, gerou a expectativa de

participação formal dos sujeitos nos processos da vida política. Percebeu-se, contudo,

que o contexto de participação política da sociedade civil mostrou-se limitado pelos

estreitos limites da democracia representativa e pela possibilidade de participação

popular restrita aos periódicos pleitos eleitorais. Conforme Roncalli (2003, p.31) “O

regime autoritário, instaurado após o golpe militar de 1964, trouxe, como conseqüência

imediata para as políticas de saúde no Brasil, um total esvaziamento da participação da

sociedade nos rumos da previdência”.

A reestruturação do modelo sanitário brasileiro, a partir da criação do SUS, teve

como antecedente histórico a VIII Conferência Nacional de Saúde que enfatizou o

direito à saúde como direito de cidadania. Este evento, que teve forte presença dos

movimentos sociais de caráter popular trouxe para o centro do debate o conceito

ampliado de saúde, como a resultante “das condições de alimentação, habitação,

educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso

e posse da terra e acesso a serviços de saúde”. (RONCALLI, 2003, p.33).

Com as lutas do chamado Movimento de Reforma Sanitária e a posterior

promulgação da Constituição Federal de 1988, estabeleceu-se a base formal para a

criação do Sistema Único de Saúde (SUS), modelo de atenção voltado para a construção

das bases estruturais do direito à saúde como componente essencial do exercício da

cidadania plena. Entretanto, para Roncalli (2003, p.30) “A noção de cidadania regulada

deu o tom para o estabelecimento das políticas sociais no Brasil e, dentre estas, das

políticas de saúde”.

Page 19: Excertos tcc acolhimento

A conquista formal do direito à saúde com a institucionalização do SUS gerou

por um lado expectativa de mudança da realidade da atenção à saúde e de avanços das

políticas sociais patrocinadas pelo Estado, e por outro, desconfiança em relação à sua

concretização decorrente do momento histórico de crise econômica e avanço do

paradigma neoliberal de Estado mínimo. “É nesse contexto contraditório que o Sistema

Único de Saúde se inscreve, trazendo em si as ambigüidades de se pretender universal,

justo e democrático em plena crise mundial dos Estados de proteção social” (PIRES e

DEMO, 2006).

O caráter de modelo em construção justifica a necessidade de luta política

contínua, dos diversos movimentos sociais, em defesa do direito à saúde como direito

de cidadania, através da concretização de pressupostos estabelecidos pela legislação e

pela efetivação dos princípios doutrinários e organizativos do SUS. Como expressam

Cunha e Cunha (1998) “o SUS significa transformação e, por isso, processo político e

prático de fazer das idéias a realidade concreta.”. É importante registrar que tal luta se

conflagra num país onde a cidadania é marcada pela forte presença da tutela e

submissão do povo aos ditames do Estado, embora com movimentos de resistência

significativos e influentes (PIRES e DEMO, 2006).

O SUS se estruturou formalmente tendo nos princípios da equidade,

universalidade no acesso aos serviços e integralidade da atenção substrato ideológico-

doutrinário, e nos princípios de descentralização político-administrativa com direção

única em cada esfera de governo, gestão regionalizada e hierarquizada e participação da

comunidade na busca de efetivação do controle social sua base organizativa.

(RONCALLI, 2003).

A inter-relação dos princípios doutrinários e organizativos do SUS pode ser

avaliada a partir do pressuposto de que há a necessidade de se pensar o indivíduo

inserido na comunidade e a partir daí perceber que as ações de saúde não podem ser

voltadas apenas para a assistência ou mesmo para o próprio setor saúde. Com relação à

participação popular há a necessidade de se incorporar a idéia de cidadania ao contexto

das ações integrais em saúde, no sentido de que “nenhum cidadão possa ser considerado

saudável sem que tenha seus direitos garantidos” (ALBUQUERQUE e STOTZ, 2004).

Não menos importante é a necessidade de se perceber que a mudança do modelo

de atenção inapsiano, em termos concretos, não se efetivou, em grande medida, por ter

abandonado a necessidade de superação do grave fosso cultural existente entre serviços

de saúde e população. Tal situação fora prevista pelos grupos populares que

Page 20: Excertos tcc acolhimento

contribuíram para a composição do ideário do movimento da Reforma Sanitária, pois,

para eles “o modelo biomédico que está na base do processo de separação cultural

entre serviços de saúde e população continuou intocado”, afinal, a política de saúde

desde então implementada continuou a manter este modelo como pressuposto da

atenção da saúde. (STOTZ, DAVID E UN, 2009).

Um dos grandes desafios à superação do modelo técnico-assistencial inampsiano

reside na dificuldade de efetivação da integralidade da atenção, afinal ela depende tanto

de mudanças culturais, através de mudanças no modo de atuar do trabalhador de saúde,

pela implementação integrada de ações de promoção, preventivas e curativas; quanto de

mudanças sócio-políticas, já que exigem a adoção do conceito ampliado de saúde como

genuíno direito de cidadania e em conseqüência, efetivamente inscrito na esfera política.

Nesse contexto, o fortalecimento da participação popular, enquanto mecanismo

político de luta pela garantia de direitos, se apresenta como estratégia basilar para

a mudança estrutural da atenção à saúde.

A carta de Ottawa de 1986 se apresenta como referencial para o que acima se

afirma, pois para Albuquerque e Stotz (2004), ela “desloca para o âmbito da política a

garantia da saúde, destacando como fundamental a participação comunitária”.

Um dos maiores entraves ao processo de participação comunitária reside no fato

de que “grandes parcelas da população (camponeses e moradores urbanos favelados)

não são organizadas de modo a sustentar atividades políticas regulares”. Como

conseqüência frequentemente os interesses destes setores são expressos através de

processos informais, ao invés de formas públicas de pressão. No Brasil, a partir da

segunda metade da década de oitenta, os movimentos populares passaram a canalizar

suas demandas para as comissões interinstitucionais municipais de saúde, e depois, para

os conselhos e as conferências de saúde. Através desses canais participatórios, se

apresentavam pública e formalmente as demandas dos setores sociais recorrentemente

excluídos dos processos decisórios. (CORTES, 2002).

A regulamentação do controle social no SUS, através da lei 8142 de 1990,

institucionalizou como foros de participação popular, os Conselhos e Conferências de

Saúde, como espaços formais de participação comunitária e de construção da co-gestão

das políticas e ações de saúde (BRASIL, 2009). Apesar da conquista do aparato legal,

Valla (1998, p. 10) contra argumenta que “os avanços legais, incluindo os dos

Conselhos Municipais de Saúde, (...) não têm levado a transformações efetivas na

realidade dos serviços, a não ser em alguns casos isolados”.

Page 21: Excertos tcc acolhimento

O Conselho de Saúde é órgão colegiado, deliberativo e permanente do Sistema

Único de Saúde em cada esfera de Governo, integrante da estrutura básica do Ministério

da Saúde, da Secretaria de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,

com composição, organização e competência fixadas na Lei nº. 8.142/90. O Conselho

de Saúde consubstancia a participação da sociedade organizada na administração da

Saúde, como Subsistema da Seguridade Social, propiciando seu controle social. O

Conselho de Saúde atua na formulação e proposição de estratégias e no controle da

execução das Políticas de Saúde, inclusive, nos seus aspectos econômicos e financeiros

(BRASIL, 2003).

Diferentemente do que acima está posto a legislação não conseguiu prover os

Conselhos de instrumentos eficazes para a efetivação de políticas ou ações de controle

social, em conseqüência, muito comumente os Conselhos não se consubstanciam em

espaços dotados de poder político (poder de controle/vigilância). O que se percebe é que

“o tom vago e difuso em que a proposta de participação popular aparece em textos

oficiais, ao lado de sua frágil normatização, tende a torná-la, como conseqüência, algo

centralizado nas mãos dos técnicos e na burocracia governamental” (VALLA, 1998).

Obviamente, tal contexto interessa a diversos setores voltados para a

manutenção do status quo, incluídos aí, desde setores governamentais, mesmo daqueles

governos referidos como "progressistas" ou "populares" como também a setores da

sociedade civil organizada, como os partidos políticos e sindicatos, interessados no

fortalecimento dos processos de despolitização das classes populares.

Grande parte dos conselhos de saúde no Brasil enfrenta dificuldades de

estruturação deste controle público em conseqüência da reduzida participação dos

usuários e de representação de setores da sociedade civil de caráter popular, ou seja,

“aqueles preocupados com a construção da cidadania, a melhoria da qualidade de vida e

o controle desse processo pela sociedade civil organizada e pelos cidadãos” (VALLA,

2009).

Neste contexto, está claro, que o processo de efetivação da participação popular

nos Conselhos de Saúde é interdependente da construção de espaços/tempos coletivos

Page 22: Excertos tcc acolhimento

que objetivem a participação política livre de sujeitos capazes de pensar e agir de forma

autônoma ou, dotados de “autonomias possíveis”. A participação popular, neste

contexto, “significa uma força social imprescindível para fazer sair do papel as

conquistas e impulsionar as mudanças necessárias”. (VALLA, 1998).

Pelo acima afirmado, percebe-se claramente, que a efetivação da participação

popular envolve, além destes constructos institucionalizados, a assunção pelo sujeito em

situação de opressão de seu protagonismo social, proporcionando condições para a

análise de problemas, a definição de prioridades, o estabelecimento de projetos, o

planejamento de estratégias alternativas, a intervenção sobre a realidade, o sonhar

enfim. Pressupõe a atuação concreta dos sujeitos na construção do processo político e de

construção de si mesmos.

Observa-se assim que a efetiva participação popular necessita de arranjos outros

além dos garantidos por lei para ser concretizada; diversas situações e momentos podem

ser criados, enquanto dispositivos de participação, como rodas de conversa, reuniões e

fóruns populares. Claro está que a participação da sociedade civil não pode ser

resumida à participação nos espaços dos conselhos ou outros criados na esfera pública.

Até para que haja qualificação, dessa participação, ela deverá advir de estruturas

participativas organizadas autonomamente na sociedade civil. Para isto torna-se

fundamental o chamado trabalho de base, no sentido de “alimentar e fortalecer a

representação coletiva nos colegiados da esfera pública”. Além disso, é importante

que “essa esfera pública não seja vista como um degrau superior, que surgiu para

eliminar ou superar formas e níveis de mobilização e organização que existiram na

sociedade brasileira”. (GOHN, 2004).

O contexto de participação comunitária nos processos de trabalho e na gestão do

Sistema Único de Saúde, infelizmente, mostra uma realidade bem diferente, como

admite o próprio poder público, por exemplo, na cartilha da Política Nacional de

Humanização (PNH) sobre gestão participativa, “Quando se analisa o envolvimento dos trabalhadores de saúde e usuários no dia-a-dia das unidades de atenção do SUS, percebe-se que a participação ainda é muito pequena. Talvez porque lhes pareça que esta participação é difícil, complexa ou impedida pelo excesso de burocracia do sistema de saúde.” (BRASIL, 2004).

A implementação pelo ministério da Saúde da PNH (HUMANIZASUS) em

2004, teve o objetivo de qualificar a atenção e garantir a gestão compartilhada da saúde

Page 23: Excertos tcc acolhimento

pelos três atores envolvidos neste processo, no caso, trabalhador de saúde, usuário e

gestor. (BRASIL, 2004).

O conceito de humanização tem por base a valorização dos diferentes sujeitos

implicados no processo de produção de saúde e deve ser norteado por valores como

autonomia e protagonismo dos sujeitos, a co-responsabilidade entre eles, os vínculos

solidários e a participação coletiva no processo de gestão. Visando intervir de modo

transversal nas diversas instâncias e ações do SUS de modo a consolidar redes, vínculos

e a co-responsabilização entre usuários, trabalhadores e gestores, a PNH foi instituída,

afirmando que ao direcionar estratégias e métodos de articulação de ações, saberes,

práticas e sujeitos, podem-se efetivamente potencializar a garantia de atenção integral,

resolutiva e humanizada (BRASIL, 2006).

A Política Nacional de Humanização tem como princípios norteadores: a

construção de autonomia, capacidade de realização e protagonismo dos sujeitos e

coletivos implicados na rede do SUS e a responsabilidade conjunta desses sujeitos

nas práticas de atenção e de gestão.

Uma das propostas de concretização destes princípios deu-se a partir do

estabelecimento de um novo tipo de relação, de encontro e de diálogo crítico entre o

pólo dos saberes e o pólo de práticas desenvolvido no cotidiano de trabalho, chamada

Comunidade Ampliada de Pesquisa (CAP). (BRASIL, 2006).

Foi neste contexto, que se pretendeu construir, através da proposta formal da

PNH, um espaço/tempo coletivo no território da comunidade Boa Vista/Castelão que

propiciasse a reflexão coletiva sobre os entraves subjetivos e objetivos, teóricos e

práticos à participação política comunitária em suas lutas cotidianas por satisfação das

necessidades de sobrevivência e de superação desta realidade inóspita.

A Estratégia da Saúde da Família e os caminhos da educação popular

A Estratégia de Saúde da Família surgiu sob o caráter de programa

governamental com a denominação, ainda recorrentemente utilizada, de Programa

Saúde da Família (PSF), como tal teve início, em 1994, como um dos programas

propostos pelo governo federal aos municípios para implementar a atenção básica. O

PSF teve como antecedente o PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde),

lançado em 1991, e que já trabalhava a família como unidade de ação programática.

“Concebido como Programa dentro da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), o PSF

Page 24: Excertos tcc acolhimento

foi aos poucos, sendo tomado como prioritário dentro dos modelos propostos para

atenção básica e hoje se fala em Estratégia de Saúde da Família”. (RONCALLI, 2003,

p. 45). De forma crítica, Roncalli (2003, p. 45) enfatiza que “políticas assistenciais

voltadas para grupos vulneráveis e com baixa tecnologia coadunam com a lógica

eficientista que vem sendo imposta para a consecução de políticas sociais nos países de

economia dependente”.

Para o discurso oficial, entretanto, a Estratégia de Saúde da Família se insere no

contexto do SUS como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial,

operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades

básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número

definido de famílias, adscritas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam

visando garantir a integralidade da atenção à saúde com ações de promoção e

manutenção da saúde, prevenção, recuperação e reabilitação de doenças e agravos

(BRASIL, 2009).

A Estratégia de Saúde da Família (ESF) mantém coerência com os princípios do

SUS: acessibilidade, resolubilidade, regionalização, hierarquização e participação

popular; é o componente do sistema responsável pela atenção primária à saúde e

finalmente assim como o próprio SUS, apresenta-se em processo de construção, a partir

do aprofundamento de suas bases conceituais e criação de uma nova práxis envolvendo

todos os atores implicados na produção de saúde (ANDRADE, BARRETO e

FONSECA, 2004).

A Estratégia de Saúde da Família tem o objetivo de dinamizar e consolidar o

SUS, como modelo de organização da atenção à saúde, através da mudança das práticas

convencionais de assistência por um novo processo de trabalho, centrado na vigilância à

saúde. (RONCALLI, 2003). Além disso, prioriza em suas bases teóricas a promoção da

saúde sem desprezar a clínica, ou seja, baseia-se no conceito ampliado de promoção e

tem o coletivo como seu foco de atenção, baseado no conceito de determinantes sociais

do processo saúde-doença. (ANDRADE, BARRETO e FONSECA, 2004).

A ESF se propõe a ampliar a abordagem sobre o processo saúde-doença ao

território, espaço social onde se estabelecem as relações sociais de produção e

reprodução de sujeitos e coletivos. Como afirmam Mendes e Donato (2003), “Sendo

território uma construção, é produto da dinâmica onde tensionam-se as forças sociais

em jogo. Uma vez que essas tensões e conflitos sociais são permanentes, o território

nunca está pronto, mas sim em constante transformação”. Neste contexto, enfatiza-se, a

Page 25: Excertos tcc acolhimento

necessidade de se conhecer a história dos sujeitos, do território onde estão inseridos

e de como o território se insere na dinâmica da cidade.

Deve ser constante o processo de conhecimento e desvelamento da realidade

onde atuam as equipes de saúde tendo como objetivo a transformação social. Neste

sentido a ESF “possibilita a participação cotidiana dos cidadãos na gestão pública e no

controle das condições que podem interferir na sua saúde e da coletividade onde vivem

e trabalham”. Como condição-meio deste processo, Mendes e Donato (2003) defendem

que seja “necessário, que os sujeitos se apoderem do território, o que implica um

processo de identificação com os diferentes lugares e as particularidades históricas e

políticas desses lugares, possibilitando assim uma participação mais efetiva”.

Constituído desta forma o território se expressa como espaço de aprendizado e

conquista de cidadania.

Para Boaventura, “sempre que o capitalismo teve de confrontar-se com suas

endêmicas crises de acumulação, fê-lo ampliando a mercadorização da vida,

estendendo-a a novos bens e serviços e a novas relações sociais”, (SANTOS, 1999, p.34

e 35). Os modelos de atenção à saúde, enquanto produto de políticas sociais, são

conformados à relação estabelecida entre Estado e sociedade e dependem de forma

intrínseca do modo e das relações de produção.

A reavaliação das bases científicas da medicina a partir do relatório Flexner, no

inicio do século XX, e a conseqüente redefinição do ensino e da prática médica a partir

de princípios tecnológicos, com base no conhecimento experimental, proveniente da

pesquisa básica realizada sobre a doença, reforçou o caráter individualista do modelo

biomédico ainda dominante na atenção à saúde no Brasil. O que se percebe é que o

modelo flexneriano reforçou “a separação entre individual e coletivo, privado e público,

biológico e social, curativo e preventivo”. A reflexão sobre o modelo de saúde pública

ainda vigente deixa clara a percepção de que “as referências paradigmáticas do

movimento da saúde pública não expressam qualquer contradição perante as bases

positivistas da medicina flexneriana”. (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998, p. 302 e

303).

A estruturação de bases teóricas capazes de sustentar uma nova prática da saúde

pública necessita, para Paim e Almeida Filho (1998, p.307), de profissionais com uma

nova mentalidade, com capacidade de cumprir diferentes papéis. Desde uma função

histórico-política de “resgatar, do próprio processo histórico de construção social da

saúde, os conhecimentos, êxitos e fracassos da humanidade em sua luta pela cidadania e

Page 26: Excertos tcc acolhimento

bem-estar” até uma “função agregadora de valor através da produção e gestão do

conhecimento científico tecnológico”. Por fim, utilizando o conhecimento como

instrumento de denúncia e promoção da mobilização crescente da sociedade na

realização do seu potencial de saúde e exercício do direito de cidadania.

A Saúde Coletiva trouxe de forma relevante alguns pressupostos fundamentais

para o processo de superação do modelo biomédico, tais como: a necessária articulação

social do setor saúde, “A Saúde, enquanto estado vital, setor de produção e campo do

saber, está articulada à estrutura da sociedade através das suas instâncias econômica e

político-ideológica, possuindo, portanto, uma historicidade”; a necessidade de

constituição das ações de saúde enquanto prática social, “As ações de saúde (promoção,

proteção, recuperação, reabilitação) constituem uma prática social e trazem consigo as

influências do relacionamento dos grupos sociais”; a delimitação do seu objeto de

estudo e ação “O objeto da Saúde Coletiva é construído nos limites do biológico e do

social e compreende a investigação dos determinantes da produção social das doenças e

da organização dos serviços de saúde e o estudo da historicidade do saber e das práticas

sobre os mesmos”; e os processos de produção de conhecimento “O conhecimento não

se dá pelo contato com a realidade, mas pela compreensão das suas leis e pelo

comprometimento com as forças capazes de transformá-la” (PAIM e ALMEIDA

FILHO, 1998, p. 309).

A educação popular se insere no contexto da Saúde Coletiva e em específico na

Estratégia de Saúde da Família como um poderoso instrumento auxiliar na

incorporação de novas práticas, facilitando a inserção das equipes no território e

principalmente estimulando a implicação dos sujeitos. “Sua concepção teórica,

valorizando o saber do outro, entendendo que o conhecimento é um processo de

construção coletiva, tem sido utilizada pelos serviços, visando um novo entendimento

das ações de saúde como ações educativas (ALBUQUERQUE e STOTZ)”.

A educação popular garante uma mudança de perspectiva, de agires e discursos

sobre o processo formativo dos envolvidos na produção e gestão da saúde

(trabalhadores e usuários), gerando em conseqüência um novo olhar sobre os conceitos

de gestão compartilhada e atenção humanizada.

Pela valorização da ação dialógica, a educação popular “caminha para a

superação das formas existentes de opressão, [no sentido de] uma pedagogia

emancipatória”, orientada no sentido da interpretação da natureza complexa do homem

Page 27: Excertos tcc acolhimento

em suas relação com o outro e com o mundo, considerando que “todos se educam pelo

diálogo, intersubjetivamente”. (MELO NETO, 2004).

A educação popular leva em consideração que a educação tem como objeto de

estudo e instrumento teórico e prático o saber, ou seja, o sentir / pensar / agir das

pessoas, grupos, categorias e classes sociais. Portanto, o saber inclui as dimensões

intelectual, afetiva e prática e não somente a produção e transmissão de conhecimentos

e conteúdos, o conhecimento de teorias e metodologias e a produção e circulação de

informações, ou seja, a dimensão intelectual. (SALES, 2001).

A base sobre a qual se justifica a Educação Popular é o fato de que o povo, no

processo de luta pela transformação social, precisa elaborar o seu próprio saber. O

reconhecimento de que estamos em presença de atividades de educação popular se dá

quando, independentemente do nome que levem se está vinculando a aquisição de um

saber (que pode ser muito particular ou específico) com um projeto social

transformador. Neste sentido, se apresenta como técnica privilegiada para atividade

epistemológica da pesquisa-ação. A educação é popular quando, enfrentando a

distribuição desigual de saberes, incorpora um saber como ferramenta de libertação

nas mãos do povo. (VIEIRA, apud BRANDÃO, 1986 p.68).

A desqualificação dos saberes populares é usada como instrumento de

dominação e opressão e os mediadores (trabalhadores e técnicos da classe média)

infelizmente, mesmo uma parcela considerável daqueles engajados às causas populares,

têm dificuldades em interpretar os desejos e interesses das camadas oprimidas

exatamente por não reconhecerem as dimensões do saber popular e a complexidade do

contexto de suas vidas.

È necessária a compreensão de que a não consideração dos sentidos, dos

sentimentos e dos modos de agir das pessoas tem péssimas implicações na prática

educativa: estas práticas desqualificam dimensões fundamentais das vidas das pessoas,

o que do ponto de vista da educação popular que se pretende, significa desqualificação e

empobrecimento das pessoas: “não se vivencia a participação ao se impor às pessoas

e grupos alguns objetivos, conteúdos, metodologia e formas de gestão que não têm

ressonância e importância em sua vida”. Desta forma se compromete a eficácia da

atuação quando não se leva em conta a realidade subjetiva de pessoas de quem se deseja

estar junto ou a quem se pretende prestar um serviço. (SALES, 2001, p. 112)

Para finalizar, é necessário que se afirme o compromisso político da educação

popular com as lutas populares por emancipação. Neste sentido, Stotz lembra que “Nas

Page 28: Excertos tcc acolhimento

suas mais diversas formas de expressão, a educação popular em saúde é também um

compromisso político com as classes populares, com a luta por condições de vida e

de saúde, pela cidadania e pelo controle social”. E lembra sua conexão direta com a

participação popular, ao afirmar que a educação popular “Está diretamente ligada à

valorização e à construção da participação popular. Tem uma perspectiva histórica,

reconhecendo os pequenos passos e os movimentos das forças sociais em busca do

controle de seu próprio destino”. (STOTZ, 1994).

O processo de estruturação das equipes de saúde da família no município de

Fortaleza, iniciou-se em 2006, com a contratação através de concurso público de 850

trabalhadores, médicos, dentistas e enfermeiros que se distribuiriam pelas 88 unidades e

centros de saúde da família da cidade. Fortaleza iniciava naquele instante uma nova

etapa na atenção à saúde, visto que a carência de mão-de-obra para a efetivação de

atividades de assistência à saúde e principalmente para cobertura das áreas adscritas às

unidades era perceptível.

Segundo dados da SMS, um milhão e 600 mil pessoas, o equivalente a 70% da

população de Fortaleza, necessitam do SUS de maneira mais efetiva. Para cobrir 100%

desse contingente, seria necessário o trabalho de 460 equipes do PSF, com médicos,

enfermeiros, auxiliares de enfermagem e odontólogos, além de 2.700 agentes

comunitários de saúde. A partir de 2006 o município dobrou o índice de cobertura da

estratégia, passando de 102 equipes de saúde da família (15%) para algo em torno de

200 equipes.

É importante enfatizar que o processo de inserção das equipes de saúde no

território representa um momento crítico da estruturação dos serviços. No Centro de

Saúde da Família Edmar Fujita isto não foi diferente. Percebeu-se de inicio que apesar

da novidade e do impacto da presença de uma grande quantidade de novos

trabalhadores na unidade, com novos desejos, interesses e aspirações, da inter-relação

tempo-espaço oportuna para novas possibilidades, infelizmente prevaleceu o pilar da

regulação.

Para os atores que já atuavam no processo de produção da saúde no território, a

chegada de novos atores foi recebida com um misto de esperança e desconfiança.

Esperança de um atendimento mais humanizado e desconfiança de que tudo

permaneceria como estava, esperança de avanço quantitativo na assistência e

desconfiança de que de repente se avançasse também qualitativamente, esperança de

poder dividir o peso do atendimento da demanda e desconfiança da possibilidade

Page 29: Excertos tcc acolhimento

iminente do conflito pelo espaço usurpado. Neste contexto complexo em que todos se

envolveram trabalhadores da estratégia de saúde a família, usuários, trabalhadores da

unidade e gerência, prevaleceu o desejo de permanência, de conservação do status quo

do modelo de atenção médico-centrado, individualista e curativista.

Apesar do arcabouço teórico, aberto à mudança paradigmática, da estratégia de

saúde da família já ser conhecido por boa parte dos atores locais o que predominou foi o

medo da liberdade. Prova disso são as raríssimas discussões e reflexões na roda de co-

gestão da unidade a respeito deste modelo, seu caráter negador da autonomia dos

usuários, do conhecimento e dos valores populares, da ação contextualizada e crítica em

relação à realidade objetiva dos grupos em risco social, as possibilidades do poder

terapêutico do poder.

Discute-se a necessidade de ampliação das ações de promoção e prevenção,

contanto que não interfira no atendimento clínico. Discute-se sobre acolhimento

contanto que a demanda se adeque às ofertas da unidade. Discute-se sobre a

participação da comunidade na roda contanto que se garanta a manutenção de um

espaço técnico/profissional restrito. Prevalece o pilar da regulação.

As questões levantadas mostram que estamos distantes de construir a

integralidade da atenção. A roda de co-gestão, aliás, me parece expressão

indevidamente utilizada, visto que ainda não conseguiu se estruturar enquanto espaço

coletivo de deliberação e constituição de sujeitos, longe de representar espaço de

formação e democratização do ambiente de trabalho, no final das contas serve

principalmente como ambiente de repasse de informações.

Os problemas, entretanto não parecem se restringir aos trabalhadores e ao

interior da unidade de saúde. Percebe-se através do diálogo informal com atores locais

que os movimentos sociais comunitários não se sentem representados nos processos

decisórios locais, o conselho local de saúde apresenta dificuldades de estruturação por

conta do desinteresse dos trabalhadores e gestão pelas atividades de controle social e

pela desconfiança dos usuários sobre sua efetividade como espaço de deliberação ou

mesmo de discussão dos problemas locais de saúde, as lideranças comunitárias

reclamam da falta de engajamento e compromisso dos moradores, os trabalhadores

reclamam e se sentem desanimados com a falta de “adesão” dos usuários às atividades

de educação em saúde, por fim, o que se percebe no complexo contexto das relações

entre trabalhadores, usuários e gestão local é uma dinâmica relacional que normalmente

oscila da indiferença ao paternalismo.

Page 30: Excertos tcc acolhimento

Este contexto nos obriga a problematizar questões tais como: de que forma os

diversos atores (trabalhadores, usuários e gestores) encaram este processo de

inserção das equipes no território de adscrição do CSF Edmar Fujita? Que

mudanças foram percebidas na qualidade da atenção do usuário dos serviços?

Como estes atores encaram a contradição da manutenção do modelo inapsiano de

atenção no interior de um modelo que se propõe transformador? Que mecanismos

poderiam ser utilizados para superar a situação limite “medo da liberdade”?

Como favorecer os processos de participação efetiva dos movimentos sociais

locais? Como estimular a participação dos diversos atores nas atividades de

controle social? Como fortalecer o conselho local enquanto espaço de discussão e

deliberação dos problemas locais de saúde? Como estimular os processos de

participação popular na comunidade de modo a garantir a efetividade do trabalho

de promoção da saúde? Como, por fim, construir um ambiente dialógico que

possibilite que os diversos interesses em jogo possam ser postos à mesa de modo a

constituir sujeitos? Estas são questões merecedoras de reflexões futuras, e que este

trabalho se propõe a tentar esclarecer, pelo menos, no que tange ao seu objeto de estudo.

Page 31: Excertos tcc acolhimento

PARTICIPAÇÃO POPULARParticipação popular é tema ainda novo dentro dos marcos teóricos das ciências

da saúde e conceitualmente controverso para as ciências sociais. O objeto participação

popular enquanto tema central do processo de controle social de políticas públicas teve

sua importância reconhecida em contexto histórico recente. Coincidiu com as

discussões visando à formulação dos aspectos técnicos e políticos do Sistema Nacional

de Saúde, ou seja, sua emergência enquanto marco teórico de importância sócio-política

coincidiu com as lutas em defesa do Sistema Único de Saúde, a partir do Movimento de

Reforma Sanitária.

Para Valla (1998, p.09), “participação popular compreende as múltiplas ações

que diferentes forças sociais desenvolvem para influenciar a formulação, execução,

fiscalização e avaliação das políticas públicas e/ou serviços básicos na área social”, mas

pode ter outros sentidos, aliás, uma das características marcantes da discussão sobre

participação é exatamente, seu caráter ambíguo.

Consciente desta ambigüidade e com o intuito de tentar facilitar a compreensão

sobre a categoria participação aqui abordada torna-se necessário um esclarecimento

prévio, “a literatura sobre o tema tem tratado como participantes em potencial a

comunidade, o consumidor, as classes populares (participação popular), o cidadão e o

usuário”. (CORTES, 2002). Este trabalho, apesar de concretamente lidar com o usuário

do sistema de saúde e em vários momentos abordar a questão da participação deste na

construção das políticas do setor, tem o objetivo de articular o processo de atuação

política do usuário, à discussão sobre a construção da emancipação das classes

populares e do protagonismo dos atores comunitários. Para tal fim, considera-se que há

participação quando o envolvido tomar parte no processo de decisão política, ou seja,

quando atua como sujeito e decide os rumos da vida em sociedade.

A referência a “classe popular” é específica à “grande parcela da população que,

se não tiver um trabalho diário remunerado, corre o risco de não satisfazer suas

necessidades mínimas de moradia e alimentação, mas que permanece muito distante de

qualquer forma de realização profissional ou familiar” (VALLA, 2009). Como será

discutida mais adiante, a referência à participação popular aqui abordada, também se

Page 32: Excertos tcc acolhimento

insere no contexto da participação política destas mesmas classes em suas lutas pela

sobrevivência física e pela emancipação sócio-política.

Os conceitos de participação e protagonismo se inter-relacionam, visto que em

essência a categoria participação envolve um processo de vivência que imprime sentido

e significado a um grupo ou movimento social, tornando-o protagonista de sua história,

desenvolvendo uma consciência crítica desalienadora, agregando força sociopolítica a

esse grupo ou ação coletiva, e gerando novos valores e uma cultura política nova. A

construção do protagonismo comunitário envolve necessariamente o “empoderamento”,

ou seja, exige a instauração de processos que tenham a capacidade de gerar

desenvolvimento auto-sustentável, com a mediação de agentes externos - os novos

educadores sociais – atores fundamentais na organização e no desenvolvimento dos

projetos. Uma característica recente deste processo é que ele tem “ocorrido,

predominantemente, sem articulações políticas mais amplas, principalmente com

partidos políticos ou sindicatos”. (GOHN, 2004).

Enquanto em fins da década de 70 predominava entre os movimentos sociais a

idéia de participação e organização da população civil do país no sentido da luta contra

o regime militar, tendo como eixo estruturante a idéia de autonomia. Nos anos oitenta,

ocorreu um descentramento do setor popular (movimento sindical e de bairro) como

“sujeito social histórico” e o conseqüente aparecimento de novos atores que trouxeram

para arena política a discussão sobre o conceito de cidadania. A incorporação ao

discurso oficial e a resignificação do conceito cidadania nos anos 90 promoveram uma

mudança nos mecanismos de atuação dos movimentos sociais, visto que, tal conceito

engloba a idéia de participação civil, de responsabilidade social dos cidadãos, por tratar-

se não apenas dos direitos, mas também de deveres, e consequentemente homogeneíza

os atores. (GOHN, 2004).

A variedade de movimentos sociais, principalmente do chamado terceiro setor e

suas respectivas formas de atuar, gera um “cenário contraditório, no qual convivem

entidades que buscam a mera integração dos excluídos por meio da participação

comunitária em políticas sociais exclusivamente compensatórias” representadas

pelas entidades de perfil corporativo; com “entidades, redes e fóruns sociais que buscam

a transformação social por meio da mudança do modelo de desenvolvimento que impera

no País”. (GOHN, 2004)

Alguns pressupostos sustentadores do que é aqui defendido como participação,

se coadunam com o sistematizado por Gohn (2004), ou seja: a construção de uma

Page 33: Excertos tcc acolhimento

sociedade verdadeiramente democrática só será possível através “da participação

dos indivíduos e grupos sociais organizados”. A sociedade não será transformada

apenas com a participação no plano local, micro, mas “é a partir do plano micro que

se dá o processo de mudança e transformação na sociedade”. É exatamente no plano

local, mais precisamente no espaço do território, “que se concentram as energias e

forças sociais da comunidade, constituindo o poder local daquela região”; mas, além

disso, é no local onde ocorrem as experiências, ele é a fonte do que vem a ser

designado capital social, “aquele que nasce e se alimenta da solidariedade como

valor humano. O local gera capital social quando gera autoconfiança nos indivíduos de

uma localidade, para que superem suas dificuldades”. Acima de tudo o capital social

cria, “junto com a solidariedade, coesão social, forças emancipatórias, fontes para

mudanças e transformação social”. Por fim, “é no território local que se localizam

instituições importantes no cotidiano de vida da população, como as escolas, os postos

de saúde etc.”. È importante enfatizar, entretanto, que o poder local de uma comunidade

não existe a priori, necessita ser organizado, “adensado em função de objetivos que

respeitem as culturas e diversidades locais, que criem laços de pertencimento e

identidade sociocultural e política”.

A participação da sociedade civil na esfera pública - via conselhos e outras

formas institucionalizadas – deve se dar de forma “ativa e considerar a experiência de

cada cidadão que nela se insere e não tratá-los como corpos amorfos a serem

enquadrados em estruturas prévias, num modelo pragmatista” de modo a exigir que o

Estado cumpra seu papel institucional. Ou seja, propiciar educação, saúde e demais

serviços sociais com qualidade, e para todos. (GOHN, 2004).

Valla citando Stotz (1998) chama atenção para a urgência de superar esta mera

defesa do papel do Estado em prover diretamente ou em regular a oferta privada

(contratada ou autônoma) de serviços. Segundo ele, “Para que tais serviços contemplem

de fato as necessidades sociais das populações, precisam levar em conta,

obrigatoriamente, o que as pessoas pensam sobre seus próprios problemas e que

soluções espontaneamente buscam”.

Há a necessidade de se garantir, aos atores sociais das classes populares, o poder

de decisão sobre o que efetivamente deseja e lhe interessa, através do fortalecimento dos

coletivos formais e informais de participação política. Isso pode ser iniciado pelo

resgate da história das lutas comunitárias por conquista e efetivação de direitos sociais e

políticos. Como tão bem lembra o autor “A história nunca começa com o contato dos

Page 34: Excertos tcc acolhimento

profissionais dos serviços com as suas clientelas”. Para ele “há um passado que ainda

vive, em sua virtualidade, no presente e está referido às experiências acumuladas em

uma gama amplamente diversificada de alternativas, bem como às lutas moleculares ou

coletivas que enraízam formas de pensar e agir”. E complementa “É esta experiência

que precisa ser resgatada pelos serviços, pelos profissionais, técnicos e planejadores”

(VALLA, 1998).

No contexto da crise de interpretação dos mediadores, algumas questões podem

estar diretamente implicadas como, por exemplo, as diferenças de concepção sobre o

modo como as classes populares “encaram a vida”. A superação deste obstáculo deve

passar necessariamente pela admissão por parte dos mediadores/profissionais de que “é

bem provável que esses setores da população tenham enorme lucidez sobre a sua

situação social, o que pode significar também que seja ilusória uma considerável

melhoria de vida”. Nesse sentido, a “crença em melhorias e numa solução mais

efetiva pode apenas ser um desejo, embora importante, da classe média

comprometida”.

Para Valla (1998), “ainda que alguns mediadores sejam mais atenciosos e

respeitosos com as pessoas pobres da periferia, os muitos anos de uma educação

classista e preconceituosa faz com que o papel de ‘tutor’ predomine nas suas relações

com esses grupos”.

A reflexão sobre participação política, para Chauí (1989, p.300), envolve

necessariamente a compreensão da categoria “opinião pública”. Segundo a autora, no

contexto atual da indústria e do marketing político, a opinião pública deixou de ser a

“reflexão e ponderação em público”, herança da antiga democracia grega, para tornar-se

o “desabafo dos sem-poder captado pelo mercado político para ser convertido em

‘demanda social’ e para ser trabalhado pelas ‘elites’ a fim de convertê-lo em

mercadoria oferecida pelos partidos aos cidadãos”. Tal situação significa que “a

opinião propriamente dita é produzida pelos vendedores da mercadoria política”, e

consequentemente “produz a ilusão da participação”, ou seja, engendra o contexto de

“cidadãos isolados, privatizados e despolitizados imaginando que a expressão, em

público, de suas angústias, de seus medos, de seus desejos os converteriam em sujeitos

políticos ativos”, ou mais precisamente “como se o desabafo pudesse elidir a impotência

sócio-política no exato momento em que a deixa aparecer em público” .

Como paradoxalmente “o processo da despolitização só será eficaz se também

produzir o sentimento da participação (ainda que ilusória)”. Chauí (1989, p. 300-301)

Page 35: Excertos tcc acolhimento

provoca, ao indagar “se as contradições entre a ilusão de participar e a percepção efetiva

da heteronomia crescente das práticas sociais e das idéias políticas [de repente] não

provocaria um movimento que fizesse aparecer (...) os limites da ilusão e da

heteronomia e pudesse introduzir o tema da autonomia”. Para ela, os “movimentos

sociais e populares que agem como contra-poderes sociais” poderiam ser uma pista

deste movimento.

Para Glória Gohn, movimentos sociais são “ações sociais coletivas de caráter

sócio-político e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e

expressar suas demandas”. Podem ter caráter diversificado, mas quando assumem

postura política progressista “constituem e desenvolvem o chamado empowerment de

atores da sociedade civil organizada à medida que criam sujeitos sociais para atuação

em rede”. Para a autora, os movimentos atuais construíram um novo entendimento sobre

autonomia; para eles, ter autonomia é “ter projetos e pensar os interesses dos grupos

envolvidos com autodeterminação; é ter planejamento estratégico em termos de metas e

programas; é ter a crítica, mas também a proposta de resolução para o conflito”. A

autora continua “é ser flexível para incorporar os que ainda não participam, mas têm o

desejo de participar, de mudar as coisas e os acontecimentos da forma como estão”. E

finaliza, “é priorizar a cidadania: construindo-a onde não existe, resgatando-a onde foi

corrompida”. (GOHN, 2003, p. 13-17)

Para Chauí, autonomia é a “capacidade interna para dar-se a si mesmo sua

própria lei ou regra e, nessa posição da lei-regra, pôr-se a si mesmo como sujeito”. E

complementa, “a autonomia não consiste, então, no poder para mudar o curso da

história e sim na capacidade para, compreendendo esse curso, transformar-lhe o

percurso”. (CHAUÍ, 1989. p, 300-301).

A luta política em defesa da autonomia pressupõe: “a compreensão de que a

forma contemporânea da dominação e da exploração cristaliza-se na separação radical,

em todas as esferas da vida social, entre dirigentes e executantes”. Separação na qual, os

primeiros “detêm a decisão, a direção, o controle e as finalidades de uma prática,

enquanto os segundos devem adotar comportamentos prescritos (...) cujo modo de

realização, sentido e fins lhes escapam inteiramente”. Chauí complementa “essa

heteronomia (...) é reforçada e naturalizada porque encontra suporte na ideologia da

competência, isto é, na crença de que o saber dos especialistas enquanto saber legitima o

exercício de autoridade”. Tal conjuntura ocorre sem que se leve em conta que de um

lado “a criação dos competentes só pode ser feita pela criação simultânea dos

Page 36: Excertos tcc acolhimento

incompetentes” e por outro lado “o vinculo entre saber e poder, tal como o conhecemos,

é resultado das instituições sociais criadas pelo capitalismo”. (CHAUÍ, 1989. p, 306).

Aqui recorremos mais uma vez a reflexão freireana, quando afirma que “um dos

elementos básicos na mediação opressores-oprimidos é a prescrição. Toda prescrição é a

imposição da opção de uma consciência à outra”, o autor finaliza afirmando, “por isto, o

comportamento dos oprimidos é um comportamento prescrito. Faz-se à base de pautas

estranhas à ele – as pautas dos opressores” (FREIRE, 2005, p. 36-37)

Há a necessidade de se refletir sobre até que ponto os mediadores estão

contribuindo para processo de culpabilização das classes populares e consequentemente

estão fortalecendo os processos de dominação e opressão. “Uma das justificativas

para se culpar as vítimas é a desqualificação do saber popular. Assim, o monopólio

do saber técnico, seja médico ou de outro tipo, põe em segundo plano o saber

acumulado da população trabalhadora, ao lançar mão da escolaridade como parâmetro

da competência”. (VALLA, 1998).

Tal concepção aponta para a necessidade de se desvelar esta outra categoria,

construída ideologicamente pela sociedade capitalista. O discurso da “competência” é

responsável pela forma contemporânea de dominação, através da separação entre o

controle técnico-científico do processo de trabalho por um grupo de dirigentes

competentes (concepção) e a execução do trabalho pela maioria incompetente

(realização) (CHAUÍ, 1989. p, 109). Para Chauí, o discurso competente “se instala e se

conserva graças a uma regra que poderia ser assim resumida: não é qualquer um que

pode dizer qualquer coisa a qualquer outro em qualquer ocasião e em qualquer

lugar”. E complementa “com esta regra, ele produz sua contraface: os incompetentes

sociais”. Incompetentes tolhidos na capacidade de construir seus destinos através da

participação política. Todavia, Chauí aponta um caminho “se procurarmos desvendar os

mecanismos de produção da incompetência social, teremos alguma possibilidade de

desfazer internamente o discurso da competência”. Complementa, “trata-se de contestar

o uso privado da cultura, sua condição de privilégio ‘natural’ dos bem dotados, a

dissimulação da divisão social do trabalho sob a imagem da diferença de talentos e de

inteligências”. E finaliza “é a noção de competência que torna possível a imagem da

comunicação e da informação como espaço da opinião pública (...) ao fazer do público

espaço da opinião, essa imagem destrói a possibilidade de elevar o saber a condição de

coisa pública, isto é, de direito a sua produção por parte de todos”. (CHAUÍ, 1989, p.

02).

Page 37: Excertos tcc acolhimento

Essa desqualificação do saber das classes populares é utilizada como

instrumento de dominação e tem seu contexto ampliado de forma a desqualificar os

sujeitos destes saberes, castrando a “vocação dos homens” de humanizarem-se

(FREIRE, 2005). Daí que a “desqualificação da classe trabalhadora também passa pela

construção de uma imagem do bruto, do carente, do nulo, afirmando, aliás, que família

pobre é ‘igual à doença’”. Neste contexto, estrutura-se o objetivo da dominação de

“apagar as diversidades do interior das classes populares e de infantilizar os mesmos

trabalhadores”, para isso “chama-os de mentirosos quando alegam problemas de saúde,

de apáticos quando demonstram desinteresse na sala de aula, ou acusa-os de não

compreender os conselhos de prevenção”. (VALLA, 1998).

Tal condição gera dentro do processo educacional, enquanto troca de saberes,

situações ou idéias mitificadas, como o fato de que na “aceitação” de que “os saberes

dos profissionais e da população são iguais, esteja implícita a idéia de que o saber

popular copia o dos profissionais”. Gera ainda obstáculos muitas vezes intransponíveis à

autenticidade do processo, como por exemplo, o fato de que “se a referência para o

saber é o profissional, tal postura dificulta a chegada ao saber do outro”. Tal processo se

dará possivelmente pela superação da incongruência de nós oferecermos nosso saber,

por pensarmos que “o da população é insuficiente e, portanto, inferior, quando, na

realidade, é apenas diferente”. Bem como, de certas artimanhas políticas, como o fato

de que, “embora haja profissionais preocupados com a necessidade de a população

se organizar e reivindicar seus direitos e serviços básicos de qualidade, na

realidade a tradição dominante no Brasil é o convite das autoridades para que a

população participe mais”, no sentido de cumprir obrigações que em verdade são

do Estado. (VALLA, 1998).

METODOLOGIA

Neste trabalho se utilizarão as bases teórico-metodológicas da comunidade

ampliada de pesquisa como uma modalidade de pesquisa-ação aplicada à realidade da

comunidade Boa Vista/Castelão. Assim, perseguindo a abertura de espaços de análise

da realidade local, foram criadas algumas estratégias que constituíram um programa de

formação de diversos atores locais que incluiu várias etapas, de forma que cada uma

delas preparava as condições necessárias para o desenvolvimento das subseqüentes. A

Page 38: Excertos tcc acolhimento

primeira, que consideramos como o momento disparador das discussões, e que

destacamos aqui por razões metodológicas foi o Fórum Popular que teve o objetivo de

permitir os primeiros contatos entre os saberes populares e dos técnico-mediadores,

estimular o diálogo/reflexão e a ação sobre a realidade concreta a partir da análise dos

problemas e potencialidades locais pelo grupo de trabalho do Fórum e fortalecer o

caráter democrático e participativo dos coletivos comunitários.

A pesquisa-ação é uma abordagem, específica em ciências sociais, definida

como uma pesquisa na qual há um ação deliberada de transformação da realidade e

que possui duplo objetivo: transformar a realidade e produzir conhecimentos

relativos a essas transformações. (BARBIER, 2002).

Para Thiollent (1988, p. 15), uma pesquisa pode ser qualificada como pesquisa-

ação quando houver uma ação do tipo não trivial, ou seja, “uma ação problemática

merecendo investigação para ser elaborada e conduzida”, para o autor é necessário

ainda que tal ação “seja conduzida por pessoas ou grupos implicados no problema sob

observação”.

Uma das principais características da pesquisa-ação está relacionada ao papel do

pesquisador ou dos pesquisadores na pesquisa e a relação entre as unidades de pesquisa.

Para Barbier (2002, p.14), “a pesquisa-ação obriga o pesquisador a implicar-se. Ele

percebe que está implicado pela estrutura social na qual está inserido e pelo jogo de

desejos e de interesses de outros”. O autor complementa afirmando que o pesquisador

“também implica os outros por meio de seu olhar e de sua ação singular no mundo. Ele

compreende, então que as ciências humanas são, essencialmente, ciências de interações

entre sujeito e objeto de pesquisa”. E finaliza afirmando que “o pesquisador realiza que

sua própria vida social e afetiva está presente na sua pesquisa sociológica e que o

imprevisto está no coração de sua prática”.

Na pesquisa-ação os sujeitos-atores da pesquisa não são excluídos. Nela “o

pesquisador descobre que (...) não se trabalha sobre os outros, mas e sempre com os

outros”. E mais, “ele não apresenta sozinho seu relatório de pesquisa ao solicitante da

pesquisa (...) sem antes o ter apresentado ao seu grupo de pesquisa de campo, principal

interessado. Quando possível, ele o redige coletivamente” (BARBIER, 2002, p. 14-15).

Voltando ao papel do pesquisador, Barbier descreve o pesquisador em pesquisa-

ação, como “antes de tudo um sujeito autônomo e, mais ainda, um autor de sua prática e

de seu discurso”. Este processo de autorização, segundo o autor, “leva-o juntamente

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com outros a formarem, na incompletude, um grupo-sujeito no qual interagem os

conflitos e os imprevistos da vida democrática” (BARBIER, 2002, p.19).

Com relação ao processo de pesquisa, em termos comparativos, a pesquisa-ação

apresenta vantagens nas cinco fases por que normalmente passa a pesquisa clássica. Ela

não tem de formular a priori hipóteses e preocupações teóricas ou de traduzi-las em

conceitos operatórios suscetíveis de serem medidos por instrumentos padronizados.

Nela o pesquisador constata o problema de pesquisa, não o provoca e seu papel consiste

em ajudar a coletividade a determinar todos os detalhes (...), por uma tomada de

consciência dos atores do problema numa ação coletiva. O pesquisador leva em

consideração “as questões da coletividade inteira e não as de uma amostra

representativa” e seus instrumentos de pesquisa podem ser semelhantes, mas, em geral

são mais interativos e implicativos (discussões de grupo, desempenho de papéis,

conversas aprofundadas)”. Na pesquisa-ação “os dados são retransmitidos à

coletividade, a fim de conhecer sua percepção da realidade e de orientá-la de modo a

permitir uma avaliação apropriada dos problemas detectados”. Por fim, os dados de

pesquisa “são o produto de discussões de grupo”, desta forma, a análise e discussão

impõe a comunicação dos resultados da investigação aos membros nela envolvidos,

objetivando a análise de suas reações”. No fim da pesquisa, “há sempre discussão sobre

os resultados e uma proposta de novas estratégias de ação”. (BARBIER, 2002, p.54-

56).

A Comunidade Ampliada de Pesquisa foi dispositivo criado pelo médico Ivar

Oddone e sua equipe na Itália (1978-1982) e materializa a necessidade constatada de

articular as formas de cultura, de acumulação de patrimônios (saberes e valores) que

existem no trabalho com as disciplinas acadêmicas. Essa articulação, segundo Oddone

(1986), sempre foi muito incipiente, evidenciando uma “incultura” por parte do

pesquisador e do trabalhador, evidencia tanto um desconhecimento por parte dos

pesquisadores com relação ao trabalho realizado em situações específicas, quanto por

parte dos trabalhadores no que se refere à produção científico-acadêmica. (BARROS E

OLIVEIRA, 2009). Conhecer as formas de cultura e patrimônios deve segundo essa

perspectiva, passar pelo conhecimento dos próprios trabalhadores que será então

confrontado com os saberes formais dos pesquisadores e vice-versa. A CAP, também

chamada Comunidade Científica Ampliada, seria então um instrumento privilegiado

para o conhecimento do trabalho e para provocar nele transformação.

Page 40: Excertos tcc acolhimento

Voltado para o estudo sobre as condições de trabalho e a produção de

conhecimento por quem executa, atua, produz valor, ou seja, o trabalhador, a CAP traz a

discussão a respeito das condições de trabalho a partir de certas categorias como a

diferença entre trabalho prescrito e efetivo. As prescrições são as regras que definem

como o trabalho deve ser realizado. No entanto, as situações cotidianas, os imprevistos

nem sempre são definidos pelas prescrições. Para dar conta da realidade complexa

do trabalho, os trabalhadores são convocados a criar, a improvisar ações, a

construir o curso de suas ações, a pensar o melhor modo de trabalhar, a maneira

mais adequada de realizar o trabalho, de forma a atender os diversos contextos

específicos.

O caráter imanente do trabalhador enquanto gestor de suas ações é percebido a

partir do fato de que “a cada situação que se coloca, o trabalhador elabora estratégias

que revelam a inteligência que é própria de todo trabalho humano. Portanto, o

trabalhador também é gestor e produtor de saberes e novidades. Trabalhar é gerir. Gerir

junto com os outros”.

A criação implica experimentação constante, maneiras diferentes de fazer.

Assim, evita-se fazer a tarefa de forma mecânica, em um processo de aprendizagem

permanente, uma vez que se questionam as prescrições e se constroem outros modos de

trabalhar para dar conta de uma situação nova e imprevisível.

Os projetos de pesquisa que se articulam a essa perspectiva consideram,

portanto, que para conhecer o trabalho desenvolvido pelos viventes humanos, coloca-se

o desafio de conjugar diferentes pesquisas, colocar em diálogo crítico os conhecimentos

e análises científicas com ações práticas concretas de mudanças. Essa seria uma

estratégia para compreender-transformar as condições de trabalho nos diferentes

estabelecimentos, baseada no diálogo-confrontação entre conhecimento científico e

experiência dos trabalhadores. (ATHAYDE et al, 2003, p. 13-14).

Para Oddone (1986), surgia neste contexto uma forma original de pesquisa-ação

em torno do tema das mudanças das condições de vida e trabalho que chamou de

“pesquisa não ritual” porque alterava os métodos da pesquisa tradicional, uma vez que

todos os atores se tornariam co-autores da pesquisa, portadores de saberes

específicos e, no caso dos trabalhadores, de “saberes informais”, conforme

denominavam a experiência. Ao invés de desprezar e/ou desqualificar, exalta-se a

iniciativa dos trabalhadores, fazendo um apelo à cultura da classe para modificar o

ambiente de trabalho, pois sem a participação dos trabalhadores o objetivo das

Page 41: Excertos tcc acolhimento

pesquisas empreendidas pelos especialistas poderia se reduzir aos interesses das

empresas. Assim, parte-se da perspectiva de que produzir cultura não significa somente

fazer “descobertas originais”, mas, também especialmente, difundir de modo crítico as

invenções, socializá-las e fazer com que se tornem base de ações vitais, elementos de

coordenação de ordem moral e ética (VICENTI, 1999).

Essa iniciativa poderia oferecer aos trabalhadores e pesquisadores uma forma de

aprender e utilizar a experiência acumulada nos centros de pesquisa e nos coletivos de

trabalho para que destes dois tipos de experiências emergisse uma experiência científica

que priorizasse as demandas das categorias profissionais e uma nova comunidade

científica ampliada. O lugar do especialista, possuidor da verdade, da única fala

autorizada, foi questionado através da Comunidade Ampliada de Pesquisa, apesar

de que obviamente com isso não se estava negando a importância do saber dos

especialistas, uma vez que ninguém pode ser competente pelo outro, no lugar do outro.

A experiência realizada permitiu, assim, definir três conceitos articulados, sobre

os quais o modelo operário italiano se institui que são: grupo operário homogêneo de

produção, validação consensual e não-delegação. O primeiro refere-se a um grupo de

trabalhadores que vivem conjuntamente a mesma experiência de trabalho. Portanto, são

portadores não somente da experiência bruta de seus membros, como também daqueles

que já o deixaram e dos julgamentos de valor que eles estabeleceram (VICENTI, 1999).

A validação consensual refere-se ao julgamento coletivo, pelo qual o grupo valida a

experiência de cada trabalhador relativa às condições de trabalho. A não-delegação

exprime a recusa de delegar aos especialistas o julgamento sobre a nocividade das

condições de trabalho e a fixação dos padrões de nocividade. Não se trata de

desqualificar as análises dos especialistas, mas, acima de tudo, afirmar que a

interpretação dos resultados da pesquisa será aceita somente após a validação por parte

do grupo homogêneo. A historia da organização da classe trabalhadora, mais

precisamente o “modelo operário italiano de produção do conhecimento”, pode,

portanto, nos oferecer pistas importantes para as investigações sobre as atividades de

trabalho. Esse paradigma está centrado na valorização da experiência dos trabalhadores,

busca pensar coletivamente o trabalho para transformá-lo, uma vez que parte substancial

da experiência dos trabalhadores, muitas vezes, lhe escapa.

Conforme Oddone (1986), a mudança que se espera nesse processo não é

mensurável, uma vez que, dentre outros aspectos e, principalmente, objetiva-se operar

transformações nos processos de subjetivação. Ao se modificar as relações tradicionais

Page 42: Excertos tcc acolhimento

entre técnicos e trabalhadores sobre as definições dos modos de produção, deu-se início

à problematização/desnaturalização da divisão social do trabalho, da divisão entre

trabalho manual e trabalho intelectual, e a busca da produção coletiva de trabalhadores e

técnicos. Torna-se necessário e possível um modo diferente de fazer pesquisa.

Como percurso metodológico e como pesquisador inserido na prática a ser

estudada, lançarei mão da observação-participante. Segundo Schwartz e Schwartz, trata-

se de um processo na qual “o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo

tempo modificando e sendo modificado por este contexto” (SCHWARTZ e

SCHWARTZ apud MINAYO, 2008, p. 273-274).

Como técnica de problematização estruturante deste trabalho, lançarei mão das

técnicas do círculo de cultura originada nos trabalhos do Movimento de Cultura Popular

(MCP) da Universidade Federal de Pernambuco, coordenado por Freire na década de

60. Valorizando o conhecimento popular construído a partir do “seu fazer no mundo”.

É reconhecida a cultura dos excluídos, o que pressupõe a existência de uma cultura

dominante. Esta última, por sua vez determina valores e atitudes exteriores aos sentidos

construídos por sua história, prática e vida. Assim sendo, o Círculo de Cultura é o

espaço da "Ação Cultural, através da qual se enfrenta, culturalmente, a cultura

dominante" (Freire, 1982, p.54).

O processo “freireano” ação-reflexão-ação é proposto como um modelo cíclico.

Parte da auto-reflexão – perguntas geradoras, da escuta – a partir das perguntas

temáticas e da análise da experiência, do diálogo - a partir da reflexão grupal, da análise

de caso ou da realidade concreta, da ação – como parte do planejamento de alternativas

e soluções para a situação problema e da síntese – que pressupõe a avaliação coletiva

das alternativas e dos argumentos. Esses pressupostos podem dar suporte para que

educadores se engajem em um diálogo crítico, utilizando múltiplos métodos e

estratégias. Podem, sobretudo, auxiliar no desenvolvimento de habilidades de

negociação e outras habilidades também necessárias para o estabelecimento de diálogo

entre os diversos atores em relação.

Uma outra abordagem a ser utilizada será um roteiro de entrevistas, mais

especificamente entrevistas semi-estruturadas como instrumentos orientadores. Para

Minayo (2008, p. 261) a entrevista é “acima de tudo uma conversa a dois, ou entre

vários interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador, destinada a construir

informações pertinentes [a] um objeto de pesquisa” e que visa também a “abordagem

pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes” ao objeto. O roteiro semi-

Page 43: Excertos tcc acolhimento

estruturado deve “desdobrar os vários indicadores considerados essenciais e suficientes

e m tópicos que contemplem a abrangência das informações esperadas”, devem ainda

induzir uma conversa a experiência e conter apenas alguns itens indispensáveis para o

delineamento do objeto (MINAYO, 2008, p.191).

Através da entrevista buscar-se-á coletar dados objetivos e subjetivos. Dessa

forma escolhi como entrevistados, os participantes do grupo-sujeito da comunidade

ampliada de pesquisa, oriundos do Fórum Popular local, formada por: uma agente

comunitária, três lideranças comunitárias, uma conselheira local de saúde e dois

usuários.

Os dados serão analisados a partir da técnica de análise de conteúdo que, para

Bardin (1979, p.42), trata-se na realidade de “um conjunto de técnicas de análise de

comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do

conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos

relativos às condições de produção/recepção destas mensagens” (BARDIN apud

MINAYO, 2008, p.303).

Será realizada, ao final da pesquisa, a apresentação da análise dos dados ao

conjunto dos entrevistados de forma a ensejar a reflexão coletiva sobre o processo de

construção de estratégias de participação popular e de formação de sujeitos capazes de

construir coletivamente a autonomia possível.

SINTESE DE UM CAMINHAR Apresentamos abaixo o que o pensamento freireano designa como síntese, ou

seja, instante do processo ação-reflexão-ação que pressupõe a avaliação coletiva das

alternativas às impertinências deste modelo de sociedade propostas pelo coletivo e dos

argumentos utilizados pelo mesmo para construírem sua pronúncia do mundo. Nas

palavras do autor “De um lado, incorporar-se ao povo na inspiração reivindicativa. De

outro, problematizar o significado da própria reivindicação”. (Freire, 2005, p.212)

O Fórum Popular

Page 44: Excertos tcc acolhimento

O Fórum Popular no contexto deste trabalho é concebido como um dispositivo

de participação política e como espaço coletivo que aponta para a constituição de

sujeitos com capacidade de análise e intervenção na realidade concreta. Representou o

primeiro passo no processo de construção de alternativas de participação popular das

comunidades Boa Vista e Castelão e serviu de base para a estruturação da Comunidade

Ampliada de Pesquisa.

Ele se deu também como um desafio à turma do Estágio Extra-Mural II do

Curso de Odontologia da UNIFOR, que reafirmando a importância do território como

efetivo campo de formação, se dispôs a construir um espaço/tempo comunitário capaz

de estimular o debate sobre o contexto social e político local.

O Fórum Popular se propôs constituir o espaço coletivo onde se buscaria

fortalecer os processos democráticos de discussão e participação política da

comunidade, estimulando a reflexão sobre a realidade local, seus problemas e

potencialidades a partir da práxis dos atores locais, que histórico-social e culturalmente

foram alijados de qualquer participação nas instâncias formais de poder. Em suma, seria

a tônica de um movimento inicial em busca de autonomias possíveis.“Não somos seres completamente autônomos, porque dependemos sempre dos outros (os outros também nos constituem), não sendo viável historicamente autonomia absoluta (destruiria, ademais, a autonomia dos outros). Mas podemos alargar enormemente, indefinidamente, a autonomia, se soubermos pensar, conhecer, aprender” (DEMO, 2005).

Para Gastão Wagner (2000, p.47), o espaço coletivo se estrutura como “um

arranjo organizacional montado para estimular a produção/construção de sujeitos e de

coletivos organizados”. Neste sentido, refere-se a “espaços concretos (de lugar e tempo)

destinados à comunicação (escuta e circulação de informações sobre desejos, interesses

e aspectos da realidade), à elaboração (análise da escuta e das informações) e tomada de

decisão (prioridades, projetos e contratos)”. Gastão identifica quatro modalidades de

espaço coletivo: os conselhos de co-gestão, os colegiados de gestão, os dispositivos e o

diálogo e tomada de decisão no cotidiano. Segundo ele, “a combinação dessas distintas

modalidades de espaço coletivo conformam sistemas de gestão participativa”.

(CAMPOS, 2000, p. 147).

O fórum popular da comunidade Boa Vista/Castelão tem atuado como um

dispositivo de participação comunitária cujo objetivo é deflagrar o processo de análise

coletiva dos problemas e potencialidades locais a partir do resgate da história local e

Page 45: Excertos tcc acolhimento

assim tem buscado o fortalecimento da co-gestão dos processos do mundo da vida

potencializando espaços de reflexão-ação sobre a realidade objetiva. Nesse sentido tem

contribuído para a democratização do trabalho em saúde.

Democratização é aqui vista como processo necessariamente dependente da

“práxis de grupos sujeitos (no sentido dado por Sartre de oposição à ‘serialidade’ e

Guattari como grupo capaz de lidar, com certa autonomia, com os constrangimentos da

história e do seu contexto) e produtora de sujeitos”. Gastão Wagner Campos afirma que

como produto social, a democracia depende da “correlação de forças entre movimentos

sociais e poderes instituídos”, da “capacidade social de se construírem espaços de poder

compartilhado” e da “intervenção deliberada de sujeitos concretos”. Neste contexto,

para o autor “democracia refere-se à possibilidade de alteração dos esquemas de

dominação, à produção de novos contratos e à construção de nova hegemonia”

(CAMPOS, 2000, p. 41).

Para Boaventura (1999, p.297) a forma representativa de democracia como

modelo exclusivo do paradigma dominante “significou um empobrecimento dramático

do potencial democrático que a modernidade trazia no seu projeto inicial”, sendo,

portanto “necessário reinventar esse potencial, o que pressupõe inaugurar dispositivos

institucionais adequados a transformar relações de poder em relações de

autoridade partilhada”.

Para Chauí (1989, p.49), é fundamental a compreensão crítica do caráter

ideologicamente construído da categoria “competência”, “a elite está no poder, acredita-

se, não só porque detém a propriedade dos meios de produção e o aparelho do Estado,

mas porque tem competência para detê-los, isto é, porque detém o saber”.

As discussões durante a fase de planejamento do Fórum foram importantes e

evidenciavam, concomitantemente, o desejo e o medo do novo. A professora e os alunos

de Odontologia de inicio não entendiam perfeitamente que relação haveria entre

atividades de mobilização e discussão sobre problemas sociais com a formação das

mesmas enquanto “dentistas”. Houve inclusive a solicitação para que não se fizesse

“somente” a discussão política, mas se abrisse espaço também para atividades de

educação em saúde, o que foi aceito contanto que não se descaracterizasse o caráter de

coletivo organizado para discutir, a história da comunidade, problemas sociais e ações

políticas locais. O receio de não comparecimento da comunidade levou o grupo a pensar

em atrativos, como a oferta de serviços e brindes, inclusive com a sugestão de se usar

um título diferente para a atividade como “dia D da comunidade”. Tivemos muitas

Page 46: Excertos tcc acolhimento

dúvidas com relação à organização e à metodologia da atividade e neste instante o apoio

de pessoas que trabalhavam a educação popular na gestão foi de fundamental

importância.

As atividades do Fórum foram realizadas em espaço institucional do território e

tiveram a participação de um número próximo a 200 (duzentas) pessoas, entre adultos e

crianças.

O processo incluiu vivências de acolhimento e de resgate da história local,

conduzido pela Agente Comunitária de Saúde mais antiga da área de adscrição do CSF

Edmar Fujita, que trazia ao centro da roda momentos importantes da história da

comunidade. Para esse resgate os moradores lançaram mão de imagens fotográficas

representativas dos vários momentos históricos: as primeiras casas, as primeiras

famílias, a enchente do rio Cocó na década de 70, a luta pela posse da terra, as invasões

e expulsões, os conflitos. Como provocação, levamos algumas questões tais como: O

porquê do nome bairro Boa Vista? Como surgiu? Quais as características culturais

e étnicas dos moradores? Qual a origem de sua gente (de onde vieram)? Quais os

aspectos culturais locais mais marcantes? Como surgiram os espaços sociais

locais?

A comunidade pôde então expressar suas percepções sobre a própria história,

sua origem e suas lutas. Dona M. L. S., moradora, trabalhadora da saúde, liderança

política local traz em sua fala a história de um povo que, fugindo à tradição messiânica

da política brasileira construiu com suas próprias mãos sua história e deu-lhe um

sentido.

“Em 1960 o bairro Parque Boa Vista era um bairro praticamente despovoado as casas eram muito distante de uma pra outra, comercio, só tinha duas mercearia, nós não tínhamos água, luz, transporte coletivo, escolas e nem posto de saúde. Só tínhamos muitas carnaúbas, já existia o Seminário Regional e o Convento das Irmãs Dorotéias enquanto isso o bairro foi se povoando e como não tinha escola então foi montada a Escolinha São José no Seminário Regional e os maiores estudavam na Escola Antonio Dias Macedo.”

O resgate histórico se revelou instante primeiro de descrição das situações-limite

apresentadas pela comunidade. Para Freire (2005, p.104-105) situações limites são

“dimensões concretas e históricas de uma dada realidade. Dimensões desafiadoras dos

homens”, nas quais os mesmos incidem através dos seus atos limites.

Page 47: Excertos tcc acolhimento

“Daí começamos a lutar por água potável, transporte coletivo, iluminação pública, calçamentos para todas as ruas etc. E graças às lutas comunitárias hoje nós temos água, luz, escolas públicas particulares as ruas todas asfaltadas, temos vários comércios e empresas, temos 3 creches, 6 templos evangélicos, 2 conventos com igrejas católicas, uma delegacia que é modelo, um complexo de cidadania que inclui posto de saúde, CRAS, creche e uma bela escola. Isso tudo foi fruto de uma grande luta da associação”.

Este o instante da proclamação do ato limite. Segundo Freire (2005, p. 105)

“atos limites são aqueles que se dirigem a superação e a negação do dado, em lugar de

implicarem sua aceitação dócil e passiva”.

“Então começamos a discutir as necessidades da comunidade, principalmente as maiores necessidades e resolveu-se ir à luta, que era em primeiro lugar, seria água, luz, escola e ônibus. Ao passar a luz de Paulo Afonso dentro do bairro nós começamos fazer passeata de lamparina, solicitando iluminação para todos, até que conseguimos. A luta continuou por água e escola até que um dia através de muita briga conseguimos. Porque antes nossas crianças estudavam no seminário regional que lá funcionava a escolinha São José, depois se mudou para dentro da fazenda Uirapuru, Escolinha Nossa Senhora de Fátima, até que conseguimos a Escola Profa. Maria Gonçalves depois de muita briga. Daí não paramos mais de ir em busca de nossos benefícios como saúde, segurança, ruas todas asfaltadas, cinco linhas de ônibus, 4 para o centro e 1 terminal.”

No momento em que a percepção critica se instala, a partir da ação mesma do

grupo, percebe-se o desenvolvimento de um clima de esperança e confiança que os leva

a se empenharem na superação das situações limites. Para Freire (2005, p.105) esta

superação, “não existe fora das relações homens-mundo, somente pode verifica-se

através da ação dos homens sobre a realidade concreta em que se dão as situações

limites”. “Então nosso bairro cresceu muito, de acordo com a necessidade. Temos vários comércios, inclusive fábrica. Temos muita ocupação, que não é moradia digna de se morar, mas também tem muitas moradias dignas inclusive condomínio. Hoje nossa maior luta é pelo saneamento básico é mudar o perfil das moradias de ocupação, a urbanização do rio que antes o lazer e sobrevivência do bairro e hoje é totalmente poluído. Outra luta da comunidade é resgatar o nome original do bairro que é Boa Vista e não Mata Galinha e nem Castelão, pois Castelão é o estádio construído dentro do bairro Boa Vista.”

Superadas as situações limites, com a transformação da realidade o grupo se

prepara para novas que surgirão, provocando outros atos limites. Este processo exige

uma separação do mundo, objetivando-o, separação de sua atividade de si mesmo, “ao

terem o ponto de decisão de sua atividade em si, em suas relações com o mundo e com

os outros, os homens ultrapassam as situações limites”. (FREIRE, 2005, p.104)

Page 48: Excertos tcc acolhimento

As principais situações-limite identificadas pelos grupos foram: violência,

drogas, precariedade do saneamento básico, moradias ruins, falta de emprego,

dificuldade de acesso à informação, políticas sociais insuficientes, transporte

coletivo deficiente e mal distribuído, enchentes, doenças, ausência de médico;

deficiência e dificuldade de acesso ao atendimento odontológico, entre vários

outros citados com menor freqüência. Mais uma vez a fala da moradora M.L.S. é

emblemática desse olhar da comunidade sobre suas situações-limite:

“Boa Vista é um bairro que em vista de outros é pequeno. Mas apesar de minúsculo a sua área de risco se torna mais do que de outros bairros. Só as margens do rio têm uma população de 1600 famílias que geralmente são alagadas e também temos 3 ocupações onde todos têm água potável e iluminação publica mais as moradias não são dignas de se morar, pois a maioria é feita de taipa ou materiais aproveitáveis e não se tem fossas. Mais nelas podemos contar com a violência e o trafico de drogas. Usuários e traficante usa e repassa as droga na presença das crianças e muitas vezes usam as crianças como avião e estas ocupações só uma tem ACS.”

Enquanto potencialidades da comunidade foram citadas o artesanato, crochê,

as rezadeiras, os grupos de oração e a igreja. Foi considerado como passível de ser

trabalhado pela comunidade e pelas equipes da unidade, situações-limite como o

agendamento odontológico, melhor utilização dos espaços sociais disponíveis,

oferta e busca por cursos profissionalizantes entre outras.

Um ponto importante a ser destacado neste instante refere-se à dificuldade dos

“profissionais/mediadores admitirem, nos contatos que desenvolvem com as classes

populares, a cultura popular como uma teoria imediata, isto é, um conhecimento

acumulado e sistematizado, que interpreta e explica a realidade”. A origem ideológica

desta mitificação aparece representada na “formação escolarizada da classe média”,

infelizmente comum naqueles profissionais que agem como mediadores entre os grupos

populares e a sociedade e que freqüentemente “os leva a ter dificuldade em aceitar o

fato de que o conhecimento também é produzido pelas classes populares”. È necessário

o reconhecimento de que “os saberes da população são elaborados sobre a experiência

concreta, a partir das suas vivências, captadas de uma forma distinta daquela vivida pelo

profissional” (VALLA, 1998).

O problema condições de moradia foi trazido pela comunidade da Boa Vista

durante o Fórum Popular envolto em uma gama de problemas sociais e foi conduzido à

condição de tema gerador pelos pesquisadores populares desta comunidade ampliada de

Page 49: Excertos tcc acolhimento

pesquisa e reflexivamente posto como situação limite, passível de sofrer a ação do

grupo como ato-limite.

Como resultado deste processo, criou-se, um grupo de trabalho, composto por

17 representantes da comunidade, engajados espontaneamente, visando à

continuidade das discussões iniciadas, o encaminhamento das demandas passíveis de

serem resolvidas localmente e o estabelecimento de estratégias para encaminhamento

daquelas que precisam de ação institucional de esferas estatais, bem como o

fortalecimento do vínculo da comunidade com as equipes de saúde. Nesse processo a

roda de gestão da comunidade constituiu-se espaço de encaminhamento desses atos-

limite.

Trazendo a perspectiva do diálogo-confrontação entre os saberes acadêmicos e

os saberes da experiência defendido pela Comunidade Ampliada de Pesquisa foi

realizada a sistematização das percepções das alunas do curso de odontologia da

UNIFOR a partir dos relatos individuais, presentes em seus portifólios. Este inclusive,

foi um dos instrumentos de avaliação processual das atividades desenvolvidas durante o

estágio no Centro de Saúde da Família Edmar Fujita. Os relatos permitem perceber o

grau de apropriação e/ou mudança da percepção da realidade das comunidades

periféricas da cidade de Fortaleza pelos mediadores/estudantes de um curso superior da

área de saúde, de uma universidade particular, de reconhecida predominância de setores

médios (classe média) da sociedade.

Nos relatos a perspectiva da superação do mito do desinteresse das classes

populares pela discussão dos seus problemas e pela tomada de decisões sobre seu

destino,

“O fórum superou minhas expectativas quanto à participação e à quantidade de pessoas / As pessoas se mostraram interessadas no assunto, em relatar as dificuldades e as potencialidades da comunidade / O interesse da população nos motivou ainda mais”;

A percepção da importância da formação dos vínculos com a comunidade para o

trabalho em saúde,

“Possibilitou ver de perto o comportamento da comunidade, seus anseios e reclamações / Serviu para que os profissionais de saúde conhecessem as necessidades da população relatadas pelos próprios moradores e pensassem em medidas e programas de melhoria da qualidade de vida desta

Page 50: Excertos tcc acolhimento

comunidade / Trouxe pontos positivos para nosso crescimento como futuros profissionais da saúde pública e o fortalecimento do vínculo da UBS com a comunidade / Nos ensinou a conviver com outras pessoas, nos ajudou a superar desafios e sermos capazes de aumentar o vínculo da população com a unidade de saúde”.

A centralidade da escuta, do diálogo, da implicação para o trabalho em saúde na

estratégia de saúde da família,

“Deu pra ver melhor como funciona uma atividade no PSF e da importância de realizá-las, uma vez que a gente interage de forma ativa e direta com os usuários, passa informações, ouve o que as pessoas têm a dizer, observa o grau de satisfação da população e vê onde tem que melhorar /

A percepção da importância da participação popular como estímulo ao trabalho

em equipe e componente essencial da estratégia de saúde da família,

“Vi também a importância de trabalhar em equipe, uns ajudando aos outros e o resultado foi o sucesso da atividade / O trabalho em grupo foi muito importante”.

O impacto da atividade coletiva sobre os aspectos subjetivos relacionados ao

crescimento pessoal e profissional,

“Contribuiu bastante para o engrandecimento e o amadurecimento profissional / Momento de superação, na prática, das nossas dificuldades e limitações pessoais”.

A perspectiva da troca de saberes e de superação do caráter prescritivo da

relação profissional/paciente, técnico/ população, dirigente /subalterno,

“A comunidade pôde trocar experiências vividas, discutindo seus direitos para que junto com os profissionais da unidade, buscassem a melhoria do serviço público de saúde da sua localidade e com isso garantir um atendimento de qualidade à população”.

A percepção da centralidade da participação popular como mecanismo

instituinte dos processos de fortalecimento do protagonismo e autonomia dos sujeitos,

Page 51: Excertos tcc acolhimento

“Interagir para as pessoas melhorarem sua auto-estima, para que sejam atores do processo de saúde, do auto-cuidado, fazendo-os menos dependentes dos profissionais de saúde”.

O processo de elaboração, participação, vivência e construção de práticas

coletivas revela-se de fundamental importância no processo de formação do trabalhador

social, e funciona como atividade dinamizadora do processo de construção do sujeito

social, consciente de sua realidade objetiva e da necessidade de emancipação humana,

por tudo revela-se aqui, através das percepções das alunas do Estágio Extra-Mural

(EEM II), o impacto cultural sobre todos os envolvidos nas práticas políticas

construídas através da participação popular, reveladoras das iniqüidades sociais e

capazes, também, de funcionar como mecanismo dialético superador desta realidade.

“No momento em que atores sociais tomam consciência das causas mais profundas dos problemas de saúde e das relações sociais que os permeiam, podem apontar para a luta social de forma mais conseqüente, ficando também mais comprometidos com a saúde da comunidade. É nessa dicotomia que surgem as discussões sobre o apoio social. Lideranças, profissionais e agentes comunitários de saúde estão diretamente envolvidos nesse processo, estimulados a lutar pela saúde da comunidade e compelidos a buscar na própria comunidade formas de resolver e minorar algumas questões de saúde que não podem e nem devem esperar só pelo Estado”. (ALBUQUERQUE & STOTZ, 2004)

O grupo-sujeito

No segundo semestre de 2008 foram retomadas as atividades a partir dos

encaminhamentos levantados pela comunidade. Para isso, algumas atividades foram

discutidas com o intuito de se mobilizar o grupo de trabalho formado durante o Fórum,

de modo, a se refletir sobre as questões levantadas pelo coletivo comunitário acerca dos

seus problemas sócio-econômico, de suas potencialidades locais e acima de tudo da

possibilidade concreta de intervenção dos atores sociais na realidade local.

A proposta era mobilizar o grupo de trabalho numa perspectiva de se articular a

formação de um “grupo sujeito”, no sentido proposto por Guattari e Rolnik (1993). Um

coletivo que tenha a possibilidade de captar elementos da situação, construir suas

referências teóricas e práticas, sem ter que ficar na posição constante de dependência ao

“poder global, a nível econômico, a nível do saber, a nível técnico, a nível das

Page 52: Excertos tcc acolhimento

segregações, dos tipos de prestígio que são difundidos”. Enfim, que seja capaz de

efetivar um processo de “singularização” através de sua “automodelação”. O objetivo

era que o grupo adquirisse “a liberdade de viver seus processos”, que passasse a ter a

capacidade de ler sua própria situação e aquilo que passa em torno dela.

Foi articulada então a realização de um seminário com o objetivo de garantir o

encaminhamento dos problemas apontados pelo fórum através da reflexão e atuação do

grupo. Para Thiollent (1988, p. 58), o “seminário” constitui a técnica principal de

condução da investigação e do conjunto do processo de pesquisa-ação, tendo o papel de

“examinar, discutir e tomar decisões acerca do processo de investigação”.

O Grupo de Trabalho constituiu-se sujeito coletivo responsável por intervir na

realidade objetiva de modo a transformá-la, tendo como ponto de partida, a

compreensão de toda produção histórico-social engendrada pela experiência do Fórum

Popular. Ou seja, o pensar coletivo sobre o processo histórico de formação da

comunidade, as principais situações-limite enfrentadas por seus moradores, as

potencialidades comunitárias individuais e coletivas e por fim, os níveis concretos de

ação comunitária capazes de construir a categoria freireana dos inéditos-viáveis.

Além disso, o grupo sujeito seria a base sobre a qual se articularia a composição

da Comunidade Ampliada de Pesquisa, que teria ali seus primeiros passos dados e seria

desenvolvida em etapas subseqüentes.

Dos dezessete representantes da comunidade que se dispuseram a trabalhar e

refletir sobre os problemas colocados pelo fórum, apenas sete se engajaram

efetivamente na formação do grupo de trabalho, visando a estruturação do grupo sujeito.

Foram realizadas oficinas de planejamento participativo utilizando o MAPP

como técnica-modelo de reflexão das causas e conseqüências dos problemas

comunitários. Para Matus (1989) o planejamento é uma, “atividade de cunho

nitidamente político”, no sentido da constituição da política como um jogo e um conflito

de estratégias que constituem e requerem um esforço de planejamento com os recursos

técnicos disponíveis, organizando informações, hierarquizando e ordenando as ações,

orientando as decisões. No planejamento participativo “o ator que planeja é parte do

processo social e político e está por este contido, ele é, ao mesmo tempo, sujeito e

objeto do planejamento”.

Page 53: Excertos tcc acolhimento

O MAPP (Método Altadir de Planificação Popular) se estrutura na análise de

problemas, na identificação de cenários, na visualização de outros atores sociais e na

ênfase na análise estratégica e, pelas suas características operativas, constitui-se no

método de eleição para planejamento no nível local. Visto favorecer o

comprometimento da comunidade e de suas lideranças com a análise e enfrentamento de

seus problemas.

Os problemas diagnosticados e referidos pelo Fórum foram classificados

quanto à urgência, importância e capacidade de enfretamento do grupo. Cinco

problemas receberam classificação “alta” nos três quesitos, Violência, Condições das

Moradias, Falta de Médicos, Dificuldade no Acesso ao Dentista e Transporte

Coletivo Deficiente, após nova rodada de discussão, elegeu-se como prioritário, o

problema “Condições Inadequadas das Moradias, a partir dele foi construída a

“Espinha de Peixe” identificando as causas e seus condicionantes e as conseqüências e

suas implicações na realidade sobre o problema “moradias ruins/indignas”, de modo a

aprofundar a discussão sobre o problema em foco.

Entre as causas referidas pelo grupo estão: as invasões (ocupações irregulares),

as enchentes, o desemprego, a falta de espaço no território, a falta de planejamento;

como fator condicionante da causa “invasões” foi colocado, pelo grupo, a questão das

migrações do campo para a cidade e das áreas centrais da cidade para a periferia. Dentre

as conseqüências: as doenças, o desrespeito à comunidade, a violência, a falta de

saneamento e o problema ambiental (poluição do Rio Cocó). Foram citadas como

implicações das conseqüências elencadas: o preconceito contra o pobre/favelados, as

drogas e acúmulo de lixo.

Foi proposta a realização de um ato limite de cunho político-educativo, e

realizado a divisão de tarefas dentro do grupo de trabalho. Os representantes da

comunidade assumiram a responsabilidade pela mobilização dos moradores.

Tais atividades culminaram no ato público: “Caminhada pelo Direito à

Moradia e Ambiente Saudáveis da comunidade Boa Vista/Castelão” que percorreu

as ruas do bairro Boa Vista, chamando as pessoas da comunidade a participar, refletir e

reivindicar sobre o direito dos moradores de acesso à moradia digna, e chamando a

atenção para o cuidado com a preservação do rio Cocó, principalmente na questão da

Page 54: Excertos tcc acolhimento

necessidade de acondicionamento do lixo domiciliar e de preservação da vegetação e do

solo às margens do rio.

O ato público, apesar do visível impacto simbólico em todos os que

participaram, principalmente nas lideranças comunitárias, na concepção do grupo

sujeito, não conseguiu atrair um número de pessoas condizente com a dimensão do

problema. Os representantes da comunidade no grupo associaram o problema da

mobilização comunitária às dificuldades de participação política da comunidade,

tema que será utilizado para análise e reflexão desta Comunidade Ampliada de Pesquisa

e que será abordado a seguir. Tal situação apresenta pertinácia ao que Barbier afirma

“ora, é somente durante o processo de pesquisa que o verdadeiro objeto (a necessidade,

o pedido, os problemas) emerge, e que os participantes são capazes de apreendê-lo

progressivamente, de nomeá-lo e de compreendê-lo” (BARBIER, 2002, p.51).

A comunidade ampliada de pesquisa da Boa Vista

Foram retomadas as atividades do grupo, a partir da reflexão sobre a situação-

limite colocada pelo grupo, ou seja, a necessidade de reflexão sobre a questão da

participação política da comunidade nas lutas cotidianas em defesa dos interesses locais.

O grupo manteve a composição original que participara da maioria das reuniões do

seminário anterior sobre planejamento participativo e do ato-limite “caminhada pela

moradia digna”. Ou seja, três lideranças comunitárias, uma agentes comunitária de

saúde, duas usuárias do CSF Edmar Fujita e uma conselheira local de saúde, que na

realidade também é agente comunitária e liderança local, mas que aqui representou o

ponto de vista de um ator do controle social, visto ser além de conselheira local,

conselheira municipal de saúde. Neste momento, a meta de desenvolver a Comunidade

Ampliada de Pesquisa como mecanismo/instrumento de reflexão sobre participação

popular, por sua estrutura baseada no encontro e no diálogo crítico entre o pólo dos

saberes e o pólo de práticas desenvolvidos no cotidiano de trabalho, na aliança/conflito

entre os saberes formais/técnicos dos trabalhadores/especialistas e os saberes

informais/empíricos da comunidade, se revelou conciso com os objetivos do grupo.

O primeiro encontro teve o duplo propósito de trazer para o grupo experiências

outras de atuação coletiva existentes na comunidade e reavivar a iniciativa do grupo a

partir da reflexão sobre suas dificuldades. Para tanto foi apresentado um vídeo

Page 55: Excertos tcc acolhimento

produzido pelo grupo de fotografia Vista Boa em Boa Vista que traz o contexto atual da

realidade do bairro ao mesmo tempo em que abre espaço para o resgate da história da

comunidade a partir da fala de seus atores sociais mais antigos. A experiência serviu

para que estes atores sociais se vissem refletidos no contexto da história da comunidade,

afinal dois dos atores sociais que aparecem no vídeo são protagonistas desta

Comunidade Ampliada de Pesquisa. Proporcionou ainda a possibilidade primeira de

“objetivação” da realidade concreta da comunidade pelo grupo da comunidade ampliada

que seria aprofundada nos encontros posteriores.

No segundo encontro realizou-se um seminário de reflexão utilizando o método

do círculo de cultura, criado e desenvolvido pelo educador Paulo Freire, com o objetivo

de aprofundar a questão da participação realizando coletivamente a problematização

sobre o tema. Foram convidados a participar deste momento, profissionais de saúde

componentes da Residência Multiprofissional em Saúde da Família. Em seguida foi

realizada a reconstituição da caminhada do grupo através da apresentação de fotografias

das atividades realizadas durante o fórum e das reuniões e ato-limite do grupo de

trabalho.

Os integrantes do grupo em círculo foram chamados para, a partir de imagens

(fotografias e recortes de revista) dispostas aleatoriamente no centro da roda, trazer para

reflexão as palavras geradoras. Para tanto foi solicitado que a partir das imagens fosse

registrado em tarjetas palavras capazes de codificar/representar a imagem escolhida.

Os participantes foram chamados, em seguida, a descodificar as imagens, exprimindo

questões subjetivas e objetivas para as escolhas, as relações das imagens com suas vidas

e a vida da comunidade. As palavras foram posteriormente conformadas em formato de

mandala de modo a que o grupo pudesse refletir sobre a totalidade expressa pela

reflexão coletiva.

Em seguida foi realizada a divisão da comunidade ampliada em três subgrupos

para problematização do tema participação popular a partir de algumas questões

geradoras. (anexo 8.1)

Com o intuito de aprofundar as análises coletivas sobre o objeto participação

popular foi proposta a realização de entrevistas individuais ou em duplas, a critério do

grupo, dispostas sob a forma de roteiro semi-estruturado, contendo 10 (dez) perguntas e

divididas de acordo com os papéis sociais. Foram 07 (sete) os entrevistados, sendo,

Page 56: Excertos tcc acolhimento

como já dito anteriormente, três lideranças comunitárias, uma agentes comunitária de

saúde, uma conselheira local de saúde e duas usuárias do CSF Edmar Fujita. (anexo 8.2)

A categoria classe social apresentou-se de forma expressiva nas falas do grupo e

é trazida desde o primeiro instante no próprio relato histórico feito ainda durante o

fórum popular. Tal percepção é assim expressa pelo grupo, entretanto torna-se

necessário que o esforço de compreender as condições e experiências de vida, e também

a ação política da população, seja acompanhado de maior clareza das suas

representações e visões de mundo. Caso contrário corre-se o risco de procurar uma

suposta identidade, consciência de classe e organização que, na realidade, é uma

fantasia criada por nós, já que há várias subdivisões, na cidade e no campo, entre as

classes populares no Brasil. (VALLA, 1998)

“Assim a população passava por muita dificuldade, pois não tinha transporte

suficiente para ir ao centro não tinha água potável e nada de conforto”; “pois éramos

a classe pobre do bairro”; “tive uma infância pobre” (M. L. S. - conselheira). / “na

minha profissão, você vai morrer pobre!”; “eu era pobre, mas era uma menina feliz!”.

(M. G. - liderança)

A relação da posição social com as condições estruturais é expressa como,

“Eu andava na beirada desse rio e via muita criança chorar, um choro de

criança que pedia socorro”; “O pessoal saía daqui pra pegar água lá no Dias Macêdo,

não tinha água, não tinha luz”; “na época não tinha nada” (A. N. - liderança). / “uma

das melhores ruas do bairro era só lama”. (M. S. – usuária) / “à noite, nossa

iluminação era os vagalumes e a lua” (M. L. S. - conselheira).

A análise de tal categoria se liga diretamente aos conceitos de conflito social ou

luta de classes, ambos fundamentais para a teoria marxista explicativa da história e por

esta considerada os verdadeiros motores da história. A percepção de luta, de conflito é

homogeneamente expressa pelo grupo, mas de forma velada, envolta na trama

ideológica que torna o inimigo invisível. Percebe-se a divisão, mas não a

oposição/antagonismo entre as classes, que é base estrutural deste modelo de sociedade.

Estes conceitos são perceptíveis em todas as falas, em expressões como,

“Isso tudo foi fruto de uma grande luta da associação”; “brigando por

educação, água e etc.” (M. L. S. – conselheira) / “mostrar para as pessoas a

verdadeira potencialidade da comunidade através da luta”; “a luta do posto de saúde

Page 57: Excertos tcc acolhimento

com a comunidade da Boa Vista” (expressões retiradas do circulo de cultura); “nada

caiu do céu, tudo foi uma luta comunitária”; “eu ainda luto porque sou teimoso” /

“sem luta não vinha nada”, “comecei minha luta comunitária como presidente de

associação”; “esse pessoal que tá na beirada do rio, não nasceu caído como feijão

não, foi luta mesmo, foi briga mesmo” (A. N. - liderança) / “a Boa Vista é uma

comunidade que luta muito” (M. L. – usuária) / “através de lutas comunitárias foi

conquistado posto de saúde, escola, delegacia, sinal, CRAS e etc.” (V. S. - ACS).

Para Chauí, (1989. p, 20). “O social histórico é o social constituído pela divisão

em classes e fundado pela luta de classes”. É essa divisão entre as classes que faz com

que a sociedade seja, em todas as esferas, atravessada por conflitos e por antagonismos

que expressam a existência de contradições constitutivas do próprio social.

“O meu trabalho mesmo não é com filho de ‘papaizim’ não, os filhos de

‘papaizim’ se acolhem, misturam com a gente porque eles vêem o tratamento que a

gente vem dando” (A. N. - liderança).

A separação entre Estado e Sociedade Civil, fruto dos processos abstratos de

separação do mundo político e econômico, do poder e das relações sociais de produção,

instituído pela estrutura ideológica burguesa, se presta, a ocultar a divisão e a luta entre

as classes sociais. Tal construção ideológica leva a percepção mitificada de uma

sociedade civil unificada e homogênea. A figura do Estado (poder público) representa a

construção ideológica responsável por ocultar estas contradições. Ao aparecer

socialmente como um poder uno, indiviso, localizado e visível, o Estado “pode ocultar a

realidade do social, na medida em que o poder estatal oferece a representação de uma

sociedade, de direito, homogênea, indivisa, idêntica a si mesma, ainda que de fato

esteja dividida” . (CHAUÍ, 1989. p, 20). Tal função, até a revolução burguesa de 1789

pertenceu à igreja/religião, em conseqüência se percebe, ainda hoje, um imbricamento

entre as concepções de lei (forma concreta do ente abstrato Estado) e Deus,

“É lei, hoje, a comunidade sair da beirada do rio, é lei a Boa Vista ser um

bairro de elite, portanto é coisa de Deus” (A. N. - liderança) / “Deus não criou o

homem para ser senhor de si!” (M. G. - liderança).

Page 58: Excertos tcc acolhimento

Para Boaventura, “as classes são um fator de primeira importância na explicação

dos processos sociais”, mas contrariando as teorias fundadas no reducionismo

econômico das teorias marxistas, principalmente do materialismo histórico ortodoxo, é

“errôneo reduzir a identificação, formação e estruturação das classes à estrutura

econômica da sociedade. As classes são uma forma de poder e todo poder é político”.

Neste momento de transição paradigmática cada vez mais os fenômenos mais

importantes são simultaneamente econômicos, políticos e sociais, sem que seja fácil

“destrinçar estas diferentes dimensões”. Nos países periféricos “as formas de opressão e

dominação assentes na raça, na etnia, na religião e no sexo afirmaram-se pelo menos tão

importantes quanto às assentes nas classes”. Para o autor “o valor explicativo das

classes depende das constelações de diferentes formas de poder nas práticas sociais

concretas. (...) a constelação desse poderes é política”. (SANTOS, 1999, p. 37-41).

A responsabilização dos cidadãos em arenas públicas, através de parcerias nas

políticas sociais governamentais, por um lado representou um ganho, visto ter

significado o reconhecimento de novos atores em cena. De outro, entretanto,

representou “um risco, com o qual as lideranças progressistas da sociedade civil devem

estar alerta: o de assumirem o papel que deve ser exercido pelo poder público estatal,

pois para tal ele é eleito, ou indicado, e os cidadãos pagam impostos”. (GOHN, 2004).

“Nossa luta é por melhorias, contra o poder público, pois pagamos impostos”

(M. L. S. – conselheira).

A categoria empírica liderança, aliás, está presente em praticamente todos os

discursos e apresenta-se como será visto normalmente ligada à categoria poder.

Para alguns, a liderança apresenta-se como fator de agregação e união da

comunidade,

“Por ele ser liderança e estar sempre presente ajuda na formação dos grupos”

(V. S. - ACS) / “outras lideranças, começaram a luta e elas foram despertando o desejo

de alguém que viu que ‘sem luta não vinha nada’” (A. N. - liderança) / “a comunidade

fortalecida proporciona o fortalecimento da liderança” (F. E. - liderança).

Como indivíduo dotado de grande respeitabilidade/poder junto à comunidade,

“O usuário do posto, antes de ir ao posto, ele passa antes na liderança,

conversa primeiro com seus lideres, pra ter orientação, isso é maravilhoso, isso é

Page 59: Excertos tcc acolhimento

importante, a participação da liderança, isso traz conhecimento, e melhora” (A. N. –

liderança). “A Boa Vista tem um conselho de anciãos que contam a história de trás pra

frente e quando o ‘bicho vai pegar’ os novinhos aqui correm, reúnem e tomam os

conselhos (M. G. - liderança)”.

Há a percepção clara nas falas, da presença de um conflito interno entre as

lideranças e que a primeira vista parece ser um dos grandes desafios aos processos de

participação popular da comunidade, de um lado lideranças tradicionais, reconhecidas

pelo histórico das lutas pela organização da comunidade e pela conquista da infra-

estrutura local,

“Formou-se um grupo para fazer a reivindicações necessárias, (...) em 1980

formou-se a 1ª associação (...) então começamos a discutir as necessidades da

comunidade, principalmente as maiores necessidades e resolveu-se ir à luta, que era em

primeiro lugar, seria água, luz, escola e ônibus”. / “E graças às lutas comunitárias

hoje nós temos água, luz, escolas públicas particulares as ruas todas asfaltadas, temos

vários comércios e empresas, temos 3 creches, 6 templos evangélicos, 2 conventos com

igrejas católicas, uma delegacia que é modelo, um complexo de cidadania que inclui

posto de saúde, CRAS, creche e uma bela escola. Isso tudo foi fruto de uma grande luta

da associação”. (M. L. S. – conselheira) / “a Boa Vista tá (...) um céu, mas nada caiu

do céu, tudo foi uma luta comunitária, foi feita passeata por água, por luz, por comida

e daqui pra frente nós vamos fazer passeata, assim como fizemos pela saúde, pelo que

for necessário” (A. N. – liderança).

De outro, novas lideranças que lutam por reconhecimento e por espaço de

atuação, o conflito é perceptível nas falas,

“Pra mim a liderança é aquela que sente necessidade de estar fundando,

criando, e não [de] estar avançando em cima do que ela criou (...), se a gente começa a

ficar, ficar, ficar, a coisa fica com a minha cara, fica minha, é meu, é meu, daqui a

pouco é meu e pronto”; “A nível de organização comunitária, a nível de associação,

me parece que eles têm medo de prestar a devida informação, eu acho que eles têm

medo de deixar de ser assistencialista porque eles têm medo de perder a liderança”;

“Eu também fui influente nessa questão da conquista do posto, nas passeatas, nas

negociações”; “foram vocês mesmos que legitimaram os terrenos da fazenda com a

Page 60: Excertos tcc acolhimento

Kolping, o poder da fazenda com a igreja, vocês legitimaram vocês ‘antigos’(...) quem

legitimou foram as lideranças daqui”; “eu não cheguei aqui nas [passeatas das]

lamparinas” “ são as referências que estão sem sentido”(M. G. - liderança).

Percebe-se ainda um conflito de concepções sobre o papel da liderança,

“Liderança comunitária é você não ter nada e o pessoal lhe ouvir, não precisa

você oferecer cesta básica” (A. N. – liderança) / “o intuito da liderança que se preza

é discutir os problemas da comunidade e cobrar que seja feito, embora que seja feito

por políticos, porque a gente precisa muitas vezes do político até pra abrir certo

canal de negociação” (M. L. S. – conselheira) / “a liderança deve fazer a coisa

crescer e voar, buscar outro lugar pra ajudar a crescer, pra mim liderança é isso”;

“Eu não gosto de executar, mas de habilidade de dizer ‘tem que fazer e eu arranjar

as peças certas pra fazer a coisa andar’(...) eu queria tá sempre no comando, dizendo

é assim, assim, faz!, tu pode!, constrói!, eu quero assim!, tal e tal (...) eu era a cabeça,

mas eu não gosto de fazer” (M. G. - liderança).

Importante a retomada do pensamento freireano, para quem “não é possível à

liderança tomar os oprimidos como meros fazedores ou executores de suas

determinações” (FREIRE, 2005, p. 142), que a liderança negue ao oprimido a

possibilidade da reflexão sobre seu próprio fazer. Nestas condições, o que ocorre é

que oprimido tendo a ilusão de que atua, na atuação da liderança, continua

manipulado por quem, por sua natureza, não poderia fazê-lo. Ao impor sua palavra a

eles, torna-a falsa, de caráter dominador.

Há, pelo contrário, a necessidade da dialogicidade entre a liderança e as massas

oprimidas, para que no processo de busca de sua libertação, reconheçam o caminho da

superação verdadeira da contradição em que se encontram, como um dos pólos da

situação concreta de opressão. (FREIRE 2005, p.144)

Com relação à importância da liderança nos processos de participação, houve

um aparente tom consensual,

“O líder comunitário que não vê a participação popular como critério de

capacitação e de crescimento dele mesmo, por que se ele desenvolve um bom trabalho

ele é visto pelos órgãos competentes, e se ele afasta o povo do conhecimento, tanto é

Page 61: Excertos tcc acolhimento

cego ele como o seu povo” (A. N. – liderança) / “a participação ativa da comunidade

é o principal para a atuação da liderança” (F. E. - liderança).

Há uma percepção homogênea de que os trabalhadores de saúde não se

envolvem nas questões sociais da comunidade,

“Eu não acho que os trabalhadores se envolvam nas questões sociais da

comunidade” (V. S. - ACS) / “era para se envolverem” (M. S. – usuária) / “deveria ser

obrigação o profissional se envolver com os movimentos, para que assim fizesse um

atendimento mais humanizado, procurando soluções para os problemas.” (M. L. S. –

conselheira) / “hoje, o médico de saúde da família, eu acredito que (...) se ele ficar

calado no consultório dele, com medo de enfrentar a calamidade da favela, ele não vai

ter êxito não, porque vai ser sempre um médico ‘vip’” (A. N. – liderança) / “seria bom

que os profissionais se envolvessem mais” (F. E. - liderança). “Não, pelo ato da

obrigação, porque vêem como ato da obrigação, não vêem como aquela coisa (...)

interior, porque é novo, tem que executar, tem que se envolver, participar, é uma coisa

nova que está sendo imposta por uma secretaria, pelo governo federal, aí eu tenho que

fazer porque se eu não fizer, eu posso perder meu emprego” (M. G. - liderança).

Talvez aí esteja uma das explicações para a desconfiança da comunidade das

intervenções do trabalhador de saúde no território, visto como um representante do

Estado contra qual luta, um invasor ao invés de um aliado. Para Vincent Valla (1998),

“embora muitos profissionais sejam sinceros na sua intenção de colaborar com uma

participação mais efetiva, e de acordo com os interesses populares, a população os

identifica como atrelados às propostas das autoridades das quais ela, em geral, descrê”.

A partir dessa percepção, o autor sentencia, “daí a sua aparente falta de interesse em

‘participar’”.

“Não vão pensar que se mexerem com a gente, não vão trazer um doutor

Cláudio da Cidade dos funcionários pra cá, é, os ‘intelectuais’ hoje estão querendo vir

pra cá”; “o seu superior mandou que você fizesse esse conhecimento” (A. N. –

liderança) / “os trabalhadores são muito ‘donos da história’, (...) eles se apropriam

muito da história achando que a História é deles, e não admitem que a História é de

todos e eles passaram por ela também” (M. G. - liderança).

Page 62: Excertos tcc acolhimento

Um dos grandes obstáculos ao processo de resgate histórico e consequentemente

de intervenção implicada dos mediadores nas comunidades reside na dificuldade de

diálogo entre os atores sociais das comunidades e os mediadores. “Na realidade, essa

discussão – que não é nova no campo da educação popular – trata das dificuldades de

profissionais e políticos interpretarem as classes subalternas”. Neste ponto é impossível

discordar da percepção de que “a crise de interpretação é nossa, assim como também

[o] é o enfoque da idéia de iniciativa”. Este cenário gera a mitificação de que “muitos

profissionais trabalham com a idéia de que iniciativa é parte da tradição dos mediadores,

e que a população falha neste aspecto, fazendo com que ela seja vista como passiva e

apática”. (VALLA, 1998). Percebeu-se nas falas que os saberes populares apesar de

vistos como representativos para a comunidade, não são valorizados ou reconhecidos,

“Acho que são válidos porque vê resultados, porque não são formalizados, não

se tornam técnicos”; “não estão sendo incluídos por nenhum técnico, eles não admitem

os saberes populares” (M. G. - liderança) / “o conhecimento da comunidade referente

ao que eles têm hoje precisa ser aprimorado” (F. E. - liderança) / “acho que não existe

um estimulo ao saber popular” (A. N. – liderança) / “acredito que são poucos, pelos

profissionais são muito pouco, eles não procuram conhecer quais são os potenciais que

tem dentro da comunidade, e aí falta estimulo dos próprios funcionários” (M. L. S. –

conselheira) / “no caso das doenças de verdade, tem que ser profissional. As pessoas

são orientadas a só confiarem no trabalho do profissional”.

De acordo com Valla (1998), vários estudiosos vêem diversas contradições nas

relações entre profissionais e classes populares, ainda que o profissional seja um

mediador aliado. Os profissionais costumam ter dificuldade em interpretar a fala e o

fazer das classes populares de maneira apropriada. Para o autor, a dificuldade dos

mediadores (profissionais, técnicos, políticos) de compreender o que os membros das

chamadas classes subalternas estão lhes dizendo se relaciona “mais com a postura do

que com questões técnicas”. Relaciona-se com a dificuldade em aceitar que pessoas

humildes, pobres, moradoras da periferia sejam capazes de produzir conhecimento, que

sejam capazes de organizar e sistematizar pensamentos a respeito da sociedade, fazer

uma interpretação capaz de contribuir para a avaliação dos mediadores sobre a mesma

sociedade. Em relação à contribuição para o fortalecimento da participação popular na

comunidade por parte de trabalhadores, gestão, lideranças e conselheiros as falas

expressam a sensação de abandono, esquecimento, desinteresse,

Page 63: Excertos tcc acolhimento

“Os trabalhadores não estão se envolvendo, somente alguns e muito pouco, (...)

porque se eles participassem mais talvez incentivasse mais a participação da

comunidade naquele movimento”; “Tanto da prefeitura como da regional eu estou

achando ‘zero’, ainda tem um pouco de participação da gestão local, (...) a gerência se

envolve mais nos problemas de saúde”;” eu acho que é no conselho, o melhor espaço

para discutir os problemas de saúde e ir em busca das soluções”; “deveria ter mais a

presença do profissional, que não é muito freqüente a não ser quando tem interesse

próprio, e não se preocupa em refletir os problemas de saúde da comunidade”. (M. L.

S. – conselheira) / “ele [o trabalhador] pouco se envolve no social referente ao diálogo

com a comunidade, mas de suma importante seria que se integrasse, se envolvesse junto

a associações e conselhos, para desenvolver maior trabalho na questão de saúde

comunitária” (F. E. - liderança) / “a comunidade não participa do conselho porque

não foram chamados”; “o conselho não tem ido até a comunidade saber seus

problemas”; “a comunidade não sabe nem o que é conselho de saúde” (M. L. –

usuária).

Os desafios e potencialidades à participação foram expostos pelo grupo e

revelaram novamente os conflitos internos,

“Praticar novas diretrizes, novos temas com reciclagem e partir para a

execução do plano, de formação das lideranças, de lutar contra o paternalismo e o

assistencialismo, contra o medo da perda do poder, contra o medo de passar o poder”

(M. G. – liderança) / “precisa maior compromisso de todos os envolvidos”; “utilização

do espaço da associação, conselho, segurança e saúde” (F. E. - liderança) / “

incentivo, hoje dentro do nosso bairro os nossos princípios estão desaparecendo, o

mais idoso vai falar ele não tem vez e voz pois a juventude com os seus idealismos [não

permite]; “ a desunião”; “as potencialidades são a crença em Deus, a história de luta

da comunidade e as entidades que são forças mas estão divididas” (A. N. – liderança) /

“ser persistente e perseverante, fazendo uma maior divulgação” (M. L. S. –

conselheira) / “a comunidade acreditou em promessas não cumpridas”; “hoje se

tornou uma comunidade acomodada, que não acredita mais em nada”; “as lideranças

perderam o moral, o poder” (M. L. – usuária).

Neste ponto, importante trazer a categoria poder que nas falas da comunidade se

inter-relaciona com as noções de liderança e/ou poder público (Estado). Para

Page 64: Excertos tcc acolhimento

Boaventura (1999, p. 125-127), nas sociedades capitalistas são perceptíveis quatro

tempos/espaços estruturais de produção de poder que se articulam de maneira

específica. Cada um com sua unidade de prática social, forma institucional, mecanismo

de poder, forma de direito e modo de racionalidade. São eles: o espaço doméstico

constituído pelas relações sociais entre o homem e a mulher e entre ambos (ou qualquer

deles) e os filhos. Nele, os sexos e as gerações são as unidades de prática social, a forma

institucional é o casamento, a família, o parentesco; o mecanismo de poder é o

patriarcado normatizado pelo direito doméstico, ou seja, as normas partilhadas ou

impostas que regulam as relações familiares; e o modo de racionalidade operado pela

maximização do afeto. O espaço da produção constituído pelas relações do processo de

trabalho tem como unidade de prática a classe social já abordada acima,

institucionalizada na fábrica ou empresa, cujo mecanismo de poder é a exploração, a

juridicidade é baseada no direito da produção (código da fábrica, regulamento da

empresa) e a racionalidade centrada na maximização do lucro. O espaço da cidadania é

constituído pelas relações da esfera pública entre o cidadão e o Estado, a unidade da

prática é o indivíduo e a forma institucional é o Estado, neste espaço o mecanismo de

poder é a dominação, normatizada pelo direito territorial (o direito oficial estatal) e

racionalizada pela maximização da lealdade. Por último, o espaço da mundialidade é

constituído pelas relações econômicas internacionais e pelos Estados nacionais, sua

unidade de prática social a nação, institucionalizado nas agências, acordos e contratos

internacionais. Seu mecanismo de poder é a troca desigual, a forma de juridicidade é o

direito sistêmico (normas muitas vezes não escritas e não expressas que regulam as

relações desiguais entre os Estados e entre empresas no plano internacional) e o modo

de racionalidade é a maximização da eficácia. Para o autor esta concepção permite

mostrar que a natureza política do poder não é atributo exclusivo de determinada forma

de poder, mas antes o efeito global da combinação entre as diferentes formas de poder.

No espaço comunitário se interrelacionam os espaços familiar (doméstico), do trabalho,

da cidadania na conformação das relações sociais no território, conforme as falas,

“Eles [os primeiros moradores] me tinham como neta”; “então nós somos uma

família” (M. G. - liderança) / “não, mas eu vou falar com ele, ele também foi meu

garoto, e cheguei pra esse cidadão [traficante], e dei uma dura mesmo”; “uma das

minhas maiores tristezas é quando eu chego à beira do campo com material esportivo,

que vou dar para os meus meninos trocarem de roupa” (A. N. – liderança).

Page 65: Excertos tcc acolhimento

Por fim, a percepção da comunidade ampliada sobre o fórum popular revelou-se

positiva para o grupo, como se percebe nas falas,

“Achei muito bom o Fórum, eu vi que houve expressão da comunidade” (V. S. -

ACS) / “serviu pra arranjar mais conhecimento, ganhar mais amizade, mais

capacidade” (M. L. – usuária) / “eu acho importante porque além da troca de

conhecimento, nós também passamos a conhecer os anseios da comunidade e suas

potencialidades”; “o fórum e o grupo são importantes mobilizando, chamando para o

processo de discussão”. (M. L. S. – conselheira) / “aquele fórum nos abriu a idéia de

nos interessar, eu da minha parte fiquei interessado e cada dia que eu participo eu

tenho mais conhecimento, eu posso dizer que sou um homem de conhecimento popular”

(A. N. – liderança) / “serviu de experiência, conhecimento e [para] desenvolver um

trabalho de aproximação com a comunidade” (F. E. - liderança) / “é show, porque é

ver a mistura, é instigar o povo, (...) é jogar suas necessidades em discussão e fazer

com que eles [próprios] decidam” (M. G. - liderança).

Bem como a certeza das conquistas através do processo de participação popular,

as falas fazem referência tanto às conquistas materiais (a maioria), quanto às

subjetivas/simbólicas,

“Mesmo sem apoio das autoridades as lutas da comunidade conseguiram

respeito e valorização” (M. S. – usuária) / “o Complexo da Cidadania, a ‘saúde’, a

delegacia, as escolas e creches, os cursos profissionalizantes” (M. L. – usuária) /

“foram inúmeras as conquistas que não dá nem pra descrever e, já houve uma grande

participação, tanto que hoje tudo que tem de ‘bom’ foi luta e conquista da

comunidade” (M. L. S. – conselheira) / “moradia, escola, creche, posto de saúde,

centro social, calçamento, água, luz” (F. E. - liderança).

Para finalizar, o registro de algumas expressões de medo, angústia e ansiedade,

pela possibilidade da comunidade ser despejada, expulsa de seu território por conta do

evento esportivo da Copa do Mundo, que como toda política pública de estímulo ao

mercado turístico deve necessariamente “esconder” as mazelas sociais, concretamente

representadas na condição indigna de sobrevivência do indivíduo pobre. Nesse sentido,

retomamos o pensamento freireano, para salientar, “quem, melhor que os oprimidos, se

encontrará preparado, para entender o significado terrível de uma sociedade opressora?

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Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir

compreendendo a necessidade da libertação?”. (FREIRE, 2005, p. 34).

Tais percepções trazem a interrelação das diversas categorias apresentadas, mas,

além disso, a denúncia, a súplica,

“Querem pegar a Boa Vista hoje e jogar lá na rampa do lixo, mas estão

enchendo de ‘gringo’ aqui dentro da fazenda, que é terra nossa”; “nós estamos sendo

jogados no lixo, mas aqui está cheio de gringo” “estão jogando nossas raízes,

arrancando”; “cada vez que a Boa Vista se manifestava pelos seus ideais, quantas

vezes eu não vi criança chorando com sede aqui, água passando dentro do nosso bairro

e nós sem direito à água” (A. N. – liderança) / “essa fazenda não vai ficar assim não,

deixa melhorar tudo aqui, pra ver se não vão construir prédios aí dentro” (M. L. S. –

conselheira).

Como proposta de encaminhamento das reflexões foi agendado um novo

encontro, desta feita com os trabalhadores da unidade de saúde, durante a roda de co-

gestão, para a construção de um novo fórum popular.

Como etapa final deste trabalho foi feita apresentação de todo o material

epistemológico produzido pela comunidade, para sua análise e reflexão final, visando o

fechamento do relatório final e a apresentação do mesmo à comissão científica

avaliadora desta especialização. O objetivo, já explicitado anteriormente, era garantir

aos participantes/co-autores desta obra o empoderamento de sua produção científica, a

consciência da possibilidade da autoralidade e a certeza da capacidade de reflexão-

ação/práxis dos sujeitos das classes oprimidas sobre esta realidade social que o esmaga,

desumanizando-o.

CONCLUSÕES

O processo de participação política das comunidades em situação de opressão

social e política é problema reconhecido por todos os autores aqui citados e, creio eu,

por todos aqueles que apóiam as lutas das classes populares. As dificuldades de

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mobilização comunitária, mesmo quando a luta se desenrolava sobre interesses diretos

da comunidade, como os da moradia aqui exemplificados, foram claramente percebidos

em todos os instantes desta experiência social. Mesmo uma comunidade como a Boa

Vista/Castelão que, como foi visto, apresenta rica história de lutas apresenta obstáculos

que a primeira vista parecem intransponíveis. Ao mesmo tempo ficou aqui explícita, a

capacidade destas mesmas comunidades de criarem alternativas ao que está posto, de

criar mecanismos de superação de seus problemas sociais e políticos. Neste sentido as

técnicas da educação popular se apresentam como mecanismos com fantástico poder de

mobilização das forças transformadoras da sociedade, principalmente por trazer

explícito em sua estrutura, como exigência conceitual, a emergência do oprimido como

agente central da transformação social.

O fórum popular da comunidade Boa Vista/Castelão utilizou-se das técnicas de

educação popular para estimular a reflexão coletiva sobre problemas sociais, alçada aqui

a condição de situação limite, e ao mesmo tempo, das potencialidades comunitárias.

Para o senso comum, inclusive de boa parte dos mediadores engajados, as comunidades

pobres, em situação de risco social, são espaços permeados somente de problemas e

nesta condição, como se diz, é muitas das vezes mais cômodo não “mexer no vespeiro”

até para não se criar falsas expectativas, afinal, isto é problema do Estado e de suas

políticas públicas. Esta condição é construída ideologicamente e utilizada como

mecanismo de “invasão cultural” das classes opressoras, de modo que, o sujeito

oprimido “acredita” que ele realmente é um “problema social” e somente como tal pode

ser percebido.

No mesmo sentido a comunidade ampliada de pesquisa utilizou-se das técnicas

de educação popular para problematizar o tema gerador participação popular, como

situação limite percebida pelo grupo no seu processo de reflexão-ação social.

Por meio desta experiência, a comunidade pôde despertar para a necessidade de

construção de espaços coletivos com a potencialidade de constituição de sujeitos e

coletivos com capacidade de análise e intervenção na realidade concreta. Espaços de

debate, discussão e formulação de políticas.. Espaços, enfim, capazes de construírem

coletivamente, alternativas para o enfrentamento e superação de situações-limite, mas,

sobretudo com capacidade de estimular, através da prática efetiva da co-gestão, o

exercício do poder dos sujeitos e coletivos enquanto prática pedagógica, terapêutica e,

sobretudo libertadora.

Page 68: Excertos tcc acolhimento

Certas percepções aqui devem ser destacadas, percepções que o discurso

ideológico dominante tenta desqualificar, ou até, suprimir ou negar, como a riqueza

existencial dos sujeitos das classes socialmente oprimidas, seus saberes acumulados e

adquiridos na experiência, teoria concreta e imediata forjada no contato direto com a

realidade. A percepção e compreensão sobre uma vida tão dependente do “jeitinho”, da

“ginga”, da “malandragem”, ou seja, marcadamente dependente de saberes construídos

a partir da experiência, baseados na ação individual e coletiva visando a construção de

mecanismos de luta pela sobrevivência, diretamente dependentes de sua história e sua

cultura, fundadas na carência material e na abundância afetiva. Saberes autênticos e

esquecidos propositadamente, não reconhecidos socialmente, ideologicamente

desconstruídos, desvalorizados e desvalorizadores de seus possuidores. Esta condição

de desvalorização do oprimido e de sua cultura alarga o fosso social, distancia ainda

mais os pobres dos centros de decisão e poder, obstaculiza a efetivação de políticas

públicas de caráter autenticamente popular, justifica e fortalece o caráter opressor e

dominador deste modelo de sociedade.

O sentido de “comunidade”, no caso dos moradores da Boa Vista é fruto

exatamente de sua história, de sua luta política por direitos sociais básicos negados, luta

por reconhecimento e por respeito, por dignidade e justiça. O orgulho pelas conquistas

se entrelaça com a percepção das muitas dificuldades a serem enfrentadas.

A realidade de desigualdade, injustiça e opressão desta comunidade, comum à

maioria das comunidades periféricas das grandes cidades, propiciou as condições

necessárias para que, a partir de minha “imersão” na realidade objetiva local, se

construísse este processo de “emersão” coletiva dos sujeitos envolvidos nesta

comunidade ampliada de pesquisa.

Percebeu-se ao final um ânimo renovado pela possibilidade de retomada pela

comunidade de um protagonismo social há algum tempo esquecido, visto que, era

demanda das lideranças comunitárias locais a necessidade de mobilização popular em

defesa de diversos direitos sociais historicamente negados. A “Caminhada pelo Direito à

Moradia e Ambiente Saudáveis da comunidade Boa Vista/Castelão” representou para

muitas das antigas lideranças comunitárias a possibilidade de reinserção da comunidade

no contexto das lutas políticas por justiça social e pelo protagonismo comunitário no

processo de transformação social e política.

Estas comunidades, ou melhor, esta comunidade, sofre hoje em dia a “aflição”

de habitar a circunvizinhança do estádio Castelão e de se ver ameaçada de “expulsão”

Page 69: Excertos tcc acolhimento

do território, por conta da recente escolha de Fortaleza como uma das capitais sub-sedes

da Copa do Mundo de 2014. Obviamente, a ameaça que refiro é feita exatamente contra

os setores mais pobres da comunidade, aqueles que habitam as margens do rio e que,

historicamente esquecidos pelo poder público, agora se vêem obrigados a sair de seus

lares para dar passagem ao “progresso” urbanístico decorrente do evento esportivo. A

reflexão sobre este contexto nos obriga a certos questionamentos, como até que ponto,

a ameaça, o medo, a ansiedade pelo risco de perda concreta dos laços afetivos e

sociais desta comunidade afetam sua qualidade de vida, ou seja, sua saúde? De que

forma estes eventos são expressos pelos indivíduos e percebidos pelos

trabalhadores de saúde? Será que o sistema de saúde em geral e os trabalhadores

de saúde em específico estão atentos à influência dos fatores sociais sobre a saúde

dos indivíduos? Habituados por formação/deformação a atuarem sobre a doença

expressa nos corpos físicos, aonde chegarão os trabalhadores com seus limitados

mecanismos de atuação ante a natureza complexa dos problemas sociais/de saúde

enfrentados pelas comunidades socialmente oprimidas? Essas são questões

merecedoras de trabalho reflexivo específico e que epistemologicamente aqui não serão

tratadas diretamente. Fica, entretanto, a proposta de problematização de questões que

pelo caráter histórico-político, e não apenas epistemológico, a que este trabalho se

propõe, não poderiam ser esquecidas.

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