EXMO. JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA …

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1 EXMO. JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DA CAPITAL Processo nº: _______________________________________, qualificado nos autos em epígrafe, irresignado com a r. sentença, vem, tempestivamente, por intermédio da Defensoria Pública, interpor APELAÇÃO de acordo com as razões aduzidas em anexo, requerendo seja o recurso recebido também em seu EFEITO SUSPENSIVO, uma vez que não foi excepcionado o cumprimento da medida socioeducativa aplicada em virtude da não ocorrência do trânsito em julgado, de modo que seja apreciado nos termos do artigo 198 do ECA e do artigo 1.012 do CPC/2015, sendo encaminhados os autos à instância superior em caso de manutenção do r. decisum guerreado. E. deferimento. Rio de Janeiro, 22 de novembro de 2018. _____________________________________ DEFENSOR PÚBLICO mat. ________

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EXMO. JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA

JUVENTUDE DA COMARCA DA CAPITAL

Processo nº:

_______________________________________, já qualificado

nos autos em epígrafe, irresignado com a r. sentença, vem, tempestivamente, por

intermédio da Defensoria Pública, interpor

APELAÇÃO

de acordo com as razões aduzidas em anexo, requerendo seja o recurso recebido

também em seu EFEITO SUSPENSIVO, uma vez que não foi excepcionado o

cumprimento da medida socioeducativa aplicada em virtude da não ocorrência do

trânsito em julgado, de modo que seja apreciado nos termos do artigo 198 do ECA e do

artigo 1.012 do CPC/2015, sendo encaminhados os autos à instância superior em caso de

manutenção do r. decisum guerreado.

E. deferimento.

Rio de Janeiro, 22 de novembro de 2018.

_____________________________________

DEFENSOR PÚBLICO

mat. ________

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EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DESEMBARGADORES DA CÂMARA

CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Processo nº:

Apelante:

Apelado: Ministério Público

Origem: Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital

RAZÕES DE APELAÇÃO

EGRÉGIO TRIBUNAL,

COLENDA CÂMARA,

DA TEMPESTIVIDADE

Inicialmente há que se registrar a tempestividade do presente recurso,

haja vista que a r. sentença foi prolatada em audiência realizada no dia 08/11/2018 e

considerando o disposto no artigo 128, I, da LC 80/941 e no art. 186 do CPC/15, que

conferem à Defensoria Pública a prerrogativa funcional de prazo em dobro – 20 (vinte

dias), em se tratando de apelação de sentença proferida pelo Juízo da Infância e da

Juventude –, em harmonia ao princípio da isonomia previsto constitucionalmente.

1 Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei

local estabelecer:

I – receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em

qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os

prazos; (grifo acrescido) (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

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SÍNTESE DOS FATOS

Trata-se de procedimento para apuração da prática de ato infracional

análogo a crime previsto no artigo 121, §2°, VII, c/c art. 14, II, todos do Código Penal.

A representação foi julgada procedente, aplicando-se ao adolescente a

medida socioeducativa de internação.

Ocorre que a r. sentença merece ser anulada ou, ao menos, reforma,

conforme será demonstrado.

DA PRECARIEDADE DO LASTRO PROBATÓRIO

O CONTEXTO PROBATÓRIO APRESENTADO NOS AUTOS É

FRÁGIL, não sendo suficiente para o douto magistrado aplicar qualquer medida

socioeducativa ao recorrente.

Primeiramente, cumpre destacar que o recorrente, na audiência de

apresentação (fls. 33/37), negou os fatos imputados:

“que não são verdadeiros os fatos narrados na representação; que

não estava em posse de um fuzil e não atirou contra os policiais; que

trabalhava com seu tio em uma obra e estava retornando para a casa de

sua avó; que a comunidade em que reside estava em guerra e havia troca

de tiros; que resolveu voltar para quando foi alvejado por tiros; que

não viu quem atirou contra ele; que apenas estava de posse de sua

identidade e do valor de R$60,00, referente a diária que ganhou na obra;

que nunca viu policial Gilbert; que o reconheceu; que depois de atingido

ficou no chão por 15 minutos; que foi ameaçado de morte por um

policial, mas que o comandante da operação impediu que o mesmo

atirasse contra ele; que o policial que queria agredi-lo era chamado de

´papel´ pelos outros; que não viu o fuzil que foi encontrado; que tem 17

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anos; que estuda e está cursando o 8º ano do ensino fundamental; que

trabalha como camelô e como ajudante de pedreiro com seu tio; que

mora com sua avó; que mora com sua avó porque seus pais são

separados e mora com sua avó porque acha melhor; que não tem filhos;

que não faz uso de drogas; que é sua terceira passagem pela VIJ, sendo

as anteriores por roubo forjado e que foi apreendido em razão de

sarqueamento; que cumpriu internação por 4 meses, sendo progredido e

encontra-se com MSE de semiliberdade, a qual está descumprindo. Dada

a palavra ao MP, nada foi perguntado. Dada a palavra à Defesa, foi

perguntado e respondido que: foi abordado por muitos policiais militares

e não sabe identificar a quantidade; que foi encontrado pelo dono do bar,

o Sr. Lourival, além de outros moradores; que os policiais chegaram

depois e o socorreram, levando-o ao Hospital; que foi puxado pela perna

pelos policiais e eles chutaram o seu rosto, agredindo com o fuzil; que

colocaram uma faca no seu rosto e foi ameaçado de morte pelos policiais

militares; que sofreu fratura exposta na perna em razão do tiro que o

alvejou.”

Não obstante os policiais afirmem terem visto o apelante portando o fuzil

AK-47 e atirando contra os agentes da lei, tais relatos devem ser sopesados com a devida

cautela. Não obstante a jurisprudência admitir a validade do depoimento testemunhal dos

policiais que efetuaram a captura do imputado, tais depoimentos devem ser

necessariamente corroborados por outras provas, tendo em vista o evidente interesse dos

policiais em demonstrar a legalidade da operação (mormente em razão do fato de o

apelante ter sido baleado pelas forças policiais), bem como em obter o reconhecimento

pelo trabalho realizado, conforme destaca FERNANDO CAPEZ2:

Os policiais não estão impedidos de depor, pois não podem ser considerados

testemunhas inidôneas ou suspeitas, pela mera condição funcional. Contudo,

embora não suspeitos, têm eles todo o interesse em demonstrar a legitimidade

do trabalho realizado, o que torna bem relativo o valor de suas palavras.

Por mais honesto e correto que seja o policial, se participou da diligência,

servindo de testemunha, no fundo estará sempre procurando legitimar a sua

própria conduta, o que juridicamente não é admissível. Necessário, portanto,

que seus depoimentos sejam corroborados por testemunhas estranhas

aos quadros policiais. (grifos nossos)

2 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 444.

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No mesmo sentido, esclarecedoras as palavras de AURY LOPES JR.3:

(...) deverá o juiz ter muita cautela na valoração desses depoimentos, na

medida em que os policiais estão naturalmente contaminados pela

atuação que tiveram na repressão e apuração do fato. Além dos

prejulgamentos e da imensa carga de fatores psicológicos associados à

atividade desenvolvida, é evidente que o envolvimento do policial com a

investigação (e prisões) gera a necessidade de justificar e legitimar os

atos (e eventuais abusos) praticados. (...)

No fundo, é um golpe de cena, um engodo, pois a condenação se deu,

exclusivamente, com base nos atos da fase pré-processual e no

depoimento contaminado de seus agentes, natural e profissionalmente

comprometidos com o resultado por eles apontado, violando o disposto

no art. 155 do CPP. Portanto, se não há impedimento para que os

policiais deponham, é elementar que não se pode condenar só com

base nos seus atos de investigação e na justificação que fazem em

audiência.

Não há provas nos autos corroborando o depoimento dos policiais. Note

que não há perícia do suposto fuzil AK-47 portado pelo apelante.

Sendo assim, verifica-se a fragilidade do conjunto probatório no curso do

processo em questão, que são suficientes para apontar a ausência de autoria do ato

infracional que ao representado foi imputado.

DA DESCLASSIFICAÇÃO PARA RESISTÊNCIA

Subsidiariamente, em caso de manutenção da condenação, deve o ato

infracional análogo a tentativa de homicídio qualificado ser desclassificado para ato

infracional análogo a resistência, pelos motivos a seguir descritos.

3 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo, Saraiva, 2014. p. 676.

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Segundo a prova oral colhida nos presentes autos, policiais militares

estavam em uma diligência na comunidade, momento no qual foram cercados e houve

troca de tiros.

A conduta da pessoa que atirou não foi dirigida para levar a óbito

algum policial específico, mas sim evitar a abordagem pela guarnição, evitando a prisão

ou apreensão em flagrante, de modo que resta afastado o dolo de matar (animus necandi).

Dessa forma, a conduta encontra adequação típica no art. 329 do Código Penal

(resistência), uma vez que voltada a assegurar a execução e impunidade, e não matar

alguém (como, aliás, era a imputação originária, antes do indevido aditamento da

representação na audiência em continuação).

Assim já teve oportunidade de decidir o Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro em hipótese semelhante:

“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRIBUNAL DO JURI.

DECISÃO QUE JULGOU ADMISSÍVEL A ACUSAÇÃO E

PRONUNCIOU O ACUSADO COMO INCURSO NAS SANÇÕES DO

ARTIGO 121, § 2º, INCISO V, C/C ART. 14, INCISO II, POR SEIS

VEZES N/F DO ART. 70, CAPUT TODOS DO CÓDIGO PENAL,

SOMADAS EM CONCURSO MATERIAL ÀS DO ART. 35, C/C ART.

40, INCISOS IV E VI DA LEI Nº 11.343/06 E ART. 16, PARÁGRAFO

ÚNICO, INCISO III DA LEI Nº 10.826/03, PARA QUE SEJA

SUBMETIDO A JULGAMENTO PELO E. TRIBUNAL DO JÚRI.

INCONFORMADA A DEFESA INTERPÔS RECURSO EM SENTIDO

ESTRITO, SUSTENTANDO QUE NÃO RESTOU DEMONSTRADO

O "ANIMUS NECANDI" EM RELAÇÃO AO ACUSADO, AUSENTE,

POIS, NA CONDUTA O ELEMENTO SUBJETIVO, CONSISTENTE

NO DOLO DE MATAR, AFIRMANDO QUE A NARRATIVA DOS

FATOS SE AMOLDA AO CRIME DE RESISTÊNCIA, POIS A

CONDUTA DO ATIRADOR CONSISTIRIA EM EMPREENDER

FUGA E EFETUAR DISPARO EM OPOSIÇÃO AOS POLICIAIS

MILITARES, OS QUAIS FORAM QUALIFICADOS COMO

SUPOSTAS VITIMAS, APÓS INICIO DE ABORDAGEM, EM

CLARA TENTATIVA DE DEMOVER OS MESMOS DA INTENÇÃO

DE PERSEGUI-LO, E, PORTANTO, NÃO ENCONTRA

ADEQUAÇÃO NA FIGURA TÍPICA DO ART. 121 DO CP, EIS QUE

NÃO HÁ INICIO DE EXECUÇÃO DE CRIME DOLOSO CONTRA A

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VIDA, REQUERENDO, POIS, A REFORMA DA DECISÃO,

OBJETIVANDO A DESCLASSIFICAÇÃO, AFASTANDO-SE A

COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI, E SUBSIDIARIAMENTE

A EXCLUSÃO DA IMPUTAÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART.

16, PARÁGRAFO ÚNICO, III DA LEI 10.826/03, DEVENDO SER

ABSORVIDA PELO CRIME DE HOMICÍDIO. RECURSO QUE

MERECE SER PROVIDO. COMPULSANDO OS AUTOS,

VERIFICA-SE QUE TRATA-SE DE IMPUTAÇÃO DE SEIS

TENTATIVAS DE HOMICÍDIO QUALIFICADO SUPOSTAMENTE

PRATICADAS PELO ACUSADO EM COMUNHÃO DE AÇÕES E

DESÍGNIOS COM ADOLESCENTE INFRATOR, E OUTROS TRÊS

INDIVÍDUOS, UM DELES IDENTIFICADO APENAS PELA

ALCUNHA, OS QUAIS EM RAZÃO DE INCURSÃO DE POLICIAIS

MILITARES NO LOCAL DESCRITO NA DENÚNCIA,

EFETUARAM DISPAROS DE ARMA DE FOGO COMO FORMA DE

ASSEGURAR A EXECUÇÃO E IMPUNIDADE DO CRIME DE

TRAFICO DE DROGAS, QUANDO OS POLICIAIS REPELIRAM

INJUSTA AGRESSÃO TAMBÉM EFETUANDO DISPAROS,

MOMENTO EM QUE O ACUSADO E OS OUTROS INDIVÍDUOS

EMPREENDERAM FUGA PELA MATA, ABANDONANDO NO

LOCAL UM ARTEFATO EXPLOSIVO, O QUAL FOI

ARRECADADO JUNTAMENTE COM 03 (TRÊS) ESTOJOS DE

MUNIÇÃO CALIBRE 9MM. NO CASO CONCRETO, EM QUE PESE

A PROVA DE EXISTÊNCIA DOS CRIMES E INDÍCIOS DE

AUTORIA, RESTOU INEQUÍVOCA, NO CONTEXTO

PROBATÓRIO DOS AUTOS, A AUSÊNCIA DE "ANIMUS

NECANDI" NA CONDUTA DO AGENTE, INEXISTINDO,

QUALQUER ELEMENTO QUE INDIQUE, AO MENOS

MINIMAMENTE, O ANIMO HOMICIDA DO ACUSADO. NÃO SE

TRATA, DE USURPAR A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO

JÚRI, MAS APENAS DE ESTABELECER UM FILTRO INERENTE

À DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DA DENÚNCIA, EIS QUE

PARA QUE SEJA SUBMETIDO O RÉU A JULGAMENTO PELO

JÚRI É PRECISO A COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DO

FATO E A DEMONSTRAÇÃO DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE

AUTORIA E DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO PENAL, O

DOLO, POIS A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI É

EXCLUSIVA PARA JULGAMENTO DE DELITOS DOLOSOS

CONTRA A VIDA E DOS DEMAIS CONEXOS A ELE. IN CASU, O

CENÁRIO FÁTICO DESENHADO PELOS POLICIAIS

MILITARES, DEIXA CLARO TER O RÉU, O

CORREPRESENTADO E DEMAIS COAUTORES AGIDO COM

O INTUITO DE EVITAR A ABORDAGEM DA GUARNIÇÃO

POLICIAL E, COM ISSO, IMPEDIR A SUA PRISÃO EM

FLAGRANTE, MORMENTE AO SE CONSIDERAR AS DEMAIS

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IMPUTAÇÕES DOS CRIMES CONEXOS, A SABER, ASSOCIAÇÃO

PARA O TRAFICO E PORTE DE ARTEFATO EXPLOSIVO. ASSIM,

ORIENTADA A AÇÃO DO SUJEITO A IMPEDIR A AÇÃO

POLICIAL E EVITAR O FLAGRANTE, E NÃO A MATAR UMA

PESSOA DETERMINADA, NÃO ESTÁ CARACTERIZADO O

"ANIMUS NECANDI". COM EFEITO, SÃO DIFERENTES OS

INTUITOS DE MATAR E DE EVITAR A APROXIMAÇÃO DOS

POLICIAIS. NESSE ÚLTIMO CASO, POSSÍVEL SERIA

TRABALHAR COM A HIPÓTESE DO DOLO EVENTUAL, MAS O

CONTEXTO PROBATÓRIO DOS AUTOS NÃO APRESENTA

INDÍCIOS SUFICIENTES NESSE SENTIDO E, ADEMAIS, A

DENÚNCIA NÃO IMPUTA AO ACUSADO O DOLO

EVENTUAL, MAS APENAS O DOLO DIRETO, A IMPEDIR

UMA PRONÚNCIA NESSE FORMATO. POR OPORTUNO,

REGISTRE-SE QUE OS DISPAROS SUPOSTAMENTE

DESFERIDOS CONTRA OS POLICIAIS NÃO ACERTARAM

NENHUM DELES, NÃO HAVENDO REGISTRO OU MENÇÃO DE

QUE ALGUMA VIATURA FOI ATINGIDA, INEXISTINDO EXAME

PERICIAL DE LOCAL. ASSIM, HÁ ELEMENTOS QUE

PODERIAM, EVENTUALMENTE, DEMONSTRAR AS

ELEMENTARES TÍPICAS DO DELITO DO ARTIGO 329 DO CP, E

AUSENTES INDÍCIOS SUFICIENTES DO ELEMENTO SUBJETIVO

DO TIPO PENAL - O DOLO DE MATAR - A SOLUÇÃO É A

DESCLASSIFICAÇÃO DOS FATOS DENUNCIADOS PARA

OUTRO TIPO PENAL NÃO DOLOSO CONTRA A VIDA.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, PARA

DESCLASSIFICAR OS DELITOS DE HOMICÍDIO

QUALIFICADO TENTADO (POR SEIS VEZES) IMPUTADOS

AO ACUSADO, POR ENTENDER NÃO SE TRATAR DE CRIME

DOLOSO CONTRA A VIDA, NOS TERMOS DO CAPUT DO

ART. 419 DO CPP, DEVENDO O FEITO SER REDISTRIBUÍDO

AO JUÍZO SINGULAR COMPETENTE.” (TJ/RJ, Recurso em

sentido estrito nº 0482105-39.2015.8.19.0001, Rel. Des. Siro Darlan de

Oliveira, 7ª Câmara Criminal, j. 06/06/2017)

Diante do exposto, em caso de condenação, deve a conduta ser

desclassificada de tentativa de homicídio para resistência, uma vez que não comprovado o

animus necandi.

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DA NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DA MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA

Oportuno salientar, inicialmente, a previsão legal contida no § 2º do art.

122 da Lei 8.069/90, que consagra o princípio da excepcionalidade, in verbis: “Em

nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.”.

É preciso observar, ainda, que a gravidade abstrata do ato infracional

não pode fundamentar, por si só, a aplicação da MSE de internação, uma vez que só pode

ser aplicada às hipóteses taxativamente previstas nos incisos do art. 122 do Estatuto da

Criança e do Adolescente, bem como é imprescindível que se mostre como única

medida adequada para propiciar a ressocialização do adolescente.

Ademais, todas as medidas impostas devem priorizar o fortalecimento

dos vínculos familiares, de acordo com o disposto no art. 35, IX da Lei 12.594/12 e no art.

100 do ECA, sendo a medida de internação a que implica o maior afastamento do

adolescente do seio de sua família.

O Estatuto da Criança e do Adolescente reservou a aplicação da medida

extrema para as situações excepcionais, ditadas não exclusivamente pela gravidade do ato

cometido, devendo haver criteriosa análise quanto ao contexto social e familiar em que o

adolescente vive, observando-se a sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.

Nesse viés, deve-se primar pela adoção de medidas que sejam capazes de

fortalecer os laços do adolescente com o seio social e com sua família. Seguindo esse

direcionamento, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu no § 1° do art. 112, in

verbis:

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Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá

aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

(...)

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de

cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. (grifo nosso)

Nesse sentido, a aplicação de uma medida socioeducativa deve levar em

consideração todo o contexto referente ao adolescente em conflito com a lei, inclusive no

que diz respeito à existência de laços familiares capazes de auxiliar em seu processo de

socioeducação. Cumpre, sobre o tema, trazer à colação algumas decisões retiradas do livro

AÇÃO SÓCIO-EDUCATIVA PÚBLICA, ob. citada, págs. 93 e 94, in verbis:

“Adolescente. Prática de ato infracional grave. Advertência. Insuficiência da

medida. Confessada pela adolescente sua reiterada participação em atos

infracionais de extrema gravidade, análogos aos descritos no art. 157 § 2º, I e II

do CP, estando, portanto, em franco processo de marginalização, com assistência

familiar precária e deficiente, mais do que uma simples admoestação verbal, faz-

se necessária a imposição de vigilância preventiva. Provimento do recurso para

aplicar-se à adolescente a medida de liberdade vigiada (CM/RJ, Processo nº

396/93, Rel. Des. Adolphino A. Ribeiro) Grifo nosso.

“Menor infrator. Medida sócio-educativa aplicável. Praticado pelo adolescente

fato grave, análogo ao crime de roubo armado, em concurso de agentes, não se

justifica a aplicação de mera advertência, ainda quando primário o investigado.

Provimento da apelação para imposição da liberdade assistida postulada pelo

Ministério Público”. (CM/RJ, Processo nº 892/93, Rel. Des. Adolphino A.

Ribeiro) Grifo nosso.

Ora, como saber que a medida extrema era a mais adequada? Na verdade,

nenhuma análise foi realizada, tendo sido a medida fixada com base na

gravidade abstrata do ato infracional, o que é vedado pelos Tribunais Superiores,

ferindo ainda os princípios constitucionais da excepcionalidade e

peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.

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Importante destacar que o recorrente estuda no 8º ano do ensino médio,

trabalha como camelô e ajudante de pedreiro e possui suporte familiar.

Aliás, tal situação corrobora a afirmação de que a medida aplicada teve por

base tão somente a gravidade abstrata, fato que macula a r. sentença de nulidade,

configurando a ausência de fundamentação idônea (ofensa ao art. 93, IX

da CR).

O certo é que deve ser preferida a medida que propicie o fortalecimento

dos vínculos familiares. Assim dispõem os artigos 113 c/c art. 100 ambos do ECA, sendo

a medida imposta, uma medida privativa de liberdade que, por conseguinte, implica severo

afastamento do adolescente do seio de sua família.

Cumpre trazer à colação a opinião do culto Promotor de Justiça do

Ministério Público do Paraná, Murillo José Digiácomo, defendida em artigo intitulado

“Internação não é a solução:

“Na correta compreensão que a consecução dos objetivos sócio-educativos

não se dará através da reprodução do sistema penal, procurou o Estatuto da

Criança e do Adolescente, com respaldo na Constituição Federal, reservar a

aplicação de medidas sócio-educativas privativas de liberdade para situações

extremas e excepcionais, ditadas não pela gravidade do ato infracional em tese

praticado, mas sim em razão das necessidades pedagógicas da pessoa do

adolescente apuradas através da criteriosa análise, por equipe

interprofissional habilitada de todo o contexto pessoal, familiar e social em

que o mesmo vive, tendo sempre por objetivo a solução que seja a ele menos

gravosa, com a sistemática aplicação de medidas de proteção e sócio-

educativas em meio aberto, somadas a medidas de orientação e promoção

sócio-familiar, que permitam estabelecer os tão necessários limites e

responsabilidades ao jovem, sem ter de privá-lo de sua liberdade.” (Grifo

nosso).

A Constituição Federal, em relação aos adolescentes, estabeleceu em seu

artigo 227, caput, o princípio da prioridade absoluta, devendo ser prestado ao adolescente

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tratamento diferenciado, impondo-se, quando da aplicação de medida socioeducativa, a

observância das necessidades pedagógicas do mesmo, devendo ser considerada a sua

individualidade e os princípios da brevidade, excepcionalidade e condição

peculiar de pessoa em desenvolvimento, sendo que em especial os dois

últimos foram diretamente inobservados pela I. Magistrada, ao fixar

medida extrema de internação, inadequada ao contexto social e familiar

do apelante.

Art. 227, par. 3º. V da CR - obediência aos princípios de brevidade,

excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da

liberdade;

Note que eventual medida de internação necessita de indicação nesse

sentido, seja por afirmação expressa em estudo interdisciplinar ou por análise do

contexto social e demais dados trazido pelo estudo, o que não ocorreu no caso em

tela.

Com a devida vênia, resta totalmente desnecessário retirar o jovem do

convívio familiar, com o objetivo utópico de ressocializá-lo, para mantê-lo em instituição,

onde conviverá com outros adolescentes que poderão inclusive corromper sua

personalidade, o que obviamente não irá auxiliá-lo, podendo, até mesmo, prejudicá-lo.

A medida privativa de liberdade causaria mais malefícios ao

apelante do que propriamente uma reintegração deste à sociedade, mantendo-o onde não

se vislumbra meio efetivo de recuperação, além de contrariar vários princípios do Estatuto

da Criança e do Adolescente, mostrando-se, portanto, INADEQUADA ao caso em tela.

Por tal razão, requer a reforma da sentença para a aplicação de medida

de LIBERDADE ASSISTIDA, mais adequada às peculiaridades do caso em tela.

Subsidiariamente, requer a aplicação da medida de SEMILIBERDADE.

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DA PRECARIEDADE E DA SUPERLOTAÇÃO DAS UNIDADES DO

DEGASE

Também deve ser levado em consideração o estado absolutamente

precário em que as Unidades do DEGASE se encontram, bem como a superlotação,

fatores que prejudicam e comprometem o êxito da ressocialização dos socioeducandos,

além de colocar em risco a integridade física e a vida dos adolescentes.

Trata-se de um problema generalizado, enfrentado por todas as Unidades

de Internação do Estado do Rio de Janeiro. Nesse sentido, vale transcrever o trecho

extraído da matéria jornalística recentemente publicada no site G14:

“No Centro de Socioeducação Dom Bosco, na Ilha do Governador, os

internos convivem com paredes descascadas, sujeira e corredores e

dormitórios alagados. No Centro de Atendimento Intensivo Belford

Roxo, na Baixada Fluminense, há paredes com mofo e muitos

adolescentes que cumprem medida socioeducativa caminham por um

corredor de esgoto.

O sistema socioeducativo no Rio de Janeiro vive um colapso por causa

da superlotação. O Educandário Santo Expedito conta com cerca de 470

internos, quando a legislação preconiza o máximo de 90. Temos

unidades como em Campos e o Centro de Triagem, na Ilha do

Governador, operando com cerca de 300% de superlotação. Realmente é

um absurdo”, explicou João Luiz Pereira, presidente do sindicato dos

funcionários do Degase.”

Reportagem do Jornal O Globo, intitulada Unidades de ressocialização

de menores infratores são precárias e superlotadas no Rio5, confirma a precariedade e

superlotação de todas as unidades do DEGASE:

4 Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/09/unidades-do-degase-no-rj-tem-

superlotacao-doencas-e-mofo.html>. Acesso em 05 out. 2016.

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“RIO – Em vez de meninos, é um rato que nada na piscina do Centro de

Socioeducação Dom Bosco (antigo Instituto Padre Severino), na Ilha do

Governador, uma das 24 unidades do Departamento Geral de Ações

Socioeducativas (Degase), para onde são levados jovens infratores. A

imagem foi feita há dois meses por um agente do Degase e repassada ao

sindicato da categoria (Sind-Degase). Funcionários do departamento

filmaram ainda as condições precárias das galerias onde adolescentes

deveriam ser ressocializados, como o Educandário Santo Expedito

(ESE), em Bangu, e o Centro de Atendimento Intensivo Belford Roxo

(CAI-Baixada).

Ao quadro insalubre se soma a superlotação das oito unidades de

internação e de internação provisória do Degase, vinculado à Secretaria

de Educação, onde estão 1.913 mil jovens infratores, de 12 a 21 anos

incompletos. A capacidade total dessas unidades, no entanto, é 986

vagas. Com isso, diz o Sindicato dos Servidores do Degase, João Luiz

Pereira Rodrigues, são dois meninos dividindo a mesma cama e até

alguns dormindo no chão.

[...]

João Luiz lembra que um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC),

firmado com o Ministério Público em 2006, estabelecia que seriam

construídas quatro novas unidades. Apenas duas foram implantadas: em

Campos e Volta Redonda.”

As mortes de adolescentes dentro das Unidades de Internação têm sido

recorrentes, estando a situação totalmente fora de controle. Verifica-se que as Unidades de

Internação mais se parecem com calabouços medievais, sendo uma falácia a

ressocialização nestas condições absolutamente degradantes.

Deve-se atentar, ademais, ao estabelecido no artigo 5º, inciso XLVII,

alínea “e” e no art. 5º, XLIX, da CRFB/1988, segundo os quais não haverá penas cruéis,

devendo ser assegurado às pessoas privadas de liberdade o respeito à integridade física e

moral, o que se coaduna com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III,

CRFB/88).

5 Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/unidades-de-ressocializacao-de-menores-infratores-sao-

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Saliente-se, ainda, que a situação descrita é corroborada por ofício

expedido pelo ESE (vide anexo), uma vez que os dados numéricos apresentados

demonstram nitidamente um contexto de superlotação e quantitativo profissional

desproporcional. Configura-se, portanto, um risco real e iminente de colapso de todos os

serviços que envolvem as atividades da instituição, o que distancia, claramente, os

internos das chances da socioeducação e transforma a medida de internação aplicada em

puro encarceramento.

Logo, inadmissível que se confira tratamento degradante e hostil aos

adolescentes, sendo imprescindível priorizar a aplicação de medidas socioeducativas em

meio aberto, sempre que possível, de modo a viabilizar a efetividade do processo

socioeducativo, evitando-se o afastamento dos adolescentes de seus núcleos familiares.

DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer o conhecimento e provimento do presente

recurso de apelação para que seja julgado IMPROCEDENTE o pedido formulado na

representação do Ministério Público, absolvendo-se o adolescente na forma do art. 114 do

ECA.

Contudo, caso essa E. Câmara entenda não ser caso de improcedência,

pugna pela desclassificação da conduta para ato análogo ao delito descrito no art. 329

do CP (resistência), bem como pela aplicação de medida socioeducativa de

LIBERDADE ASSISITIDA ou, subsidiariamente, de SEMILIBERDADE, a fim de

melhor atender às necessidades do adolescente e não o afastar do convívio familiar.

precarias-superlotadas-no-rio-21430866. Acesso em: 16/11/2017.

Page 16: EXMO. JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA …

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Caso sejam superados os pedidos anteriores, pugna pela colocação

do adolescente em medida socioeducativa em meio aberto, até que seja solucionado o

problema da superlotação.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 22 de novembro de 2018.

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DEFENSOR PÚBLICO

mat. __________