EXPERIÊNCIAS DE ENSINO MUSICAL NO …educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/5022_2796.pdf · O professor...
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EXPERIÊNCIAS DE ENSINO MUSICAL NO CONSERVATÓRIO DE
MÚSICA DE PONTA GROSSA – PR
VENDRAMI, Georgeana Lanzini – UEPG
Eixo Temático: Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: CAPES
Resumo A presente comunicação discute sobre três experiências organizacionais e educativas verificadas entre os anos 1971 e 1995 no Conservatório Artístico Musical Maestro Paulino Martins Alves (CAM), situado no município de Ponta Grossa, Paraná. Este estudo deriva do anseio de compreender a natureza do projeto cultural deste conservatório musical, aspiração de um grupo particular de músicos que atingiu proporções significativas no campo cultural/musical de Ponta Grossa a ponto de ser encampado pelo poder público desde a década de 1970 até os dias atuais, e de compreender a origem dos conflitos que se estabeleceram no decurso histórico de sua existência. A pesquisa em questão apoiou-se em autores da História Cultural, da História Oral e da Sociologia como Peter Burke, Jacques Le Goff , Gwyn Prins, Paul Thompson e Norbert Elias para problematizar as fontes escritas e orais que compõem o corpus documental, orientando o encaminhamento metodológico da pesquisa no sentido de se examinar com base nos princípios da crítica documental a maior variedade possível de evidências aliadas aos contextos políticos e sociais envolvidos, em busca de captar o movimento das ações presentes no campo estudado em sua totalidade. A argumentação teórica da pesquisa teve por base as considerações de Pierre Bourdieu sobre a história da arte e sobre as lutas culturais/simbólicas presentes na sociedade. Ao fim, observa-se que o conhecimento das três experiências educacionais discutidas, quando conjugadas ao contexto sócio cultural que as envolvia, contribuiu, para além do conhecimento das concepções e dos modelos educacionais desenvolvidos, também para uma compreensão das motivações dos conflitos que assinalaram três momentos distintos da história do CAM compreendidos na delimitação temporal da pesquisa. Palavras-chave: Conservatório de Música. Educação Musical. Cultura.
Introdução
A presente comunicação discute três experiências organizacionais e educativas
verificadas entre os anos 1971 e 1995 no Conservatório Artístico Musical Maestro Paulino
3749
Martins Alves (CAM1), situado no município de Ponta Grossa, Paraná, cujo entendimento foi
fundamental para a análise dos conflitos existentes no processo de sua existência. O tema
compreende um dos aspectos analisados na pesquisa de dissertação intitulada Conservatório
de Música de Ponta Grossa: (Re) Produção Cultural e Distinção Social (1971-1995) defendida
em 2010 no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta
Grossa.
Na dissertação em questão estudou-se o projeto cultural e educacional do CAM entre
1971 e 1995, enfatizando os aspectos que determinaram o processo de sua fundação e os
agentes sociais que o organizaram, de forma a reconstituir a história institucional e
compreender as experiências de educação musical empreendidas nesse espaço cultural. A
argumentação teórica da pesquisa teve por base as considerações de Pierre Bourdieu sobre a
história da arte e sobre as lutas culturais/simbólicas presentes na sociedade, abordagem que
possibilitou fundamentar a hipótese da existência, nesta instituição, um processo de distinção
social entre aqueles que a acessaram e aqueles que não a acessaram, além da educação
musical e da difusão da música na sociedade local através das atividades culturais e
educativas desenvolvidas.
O estudo desse processo histórico e social de realização do projeto cultural do CAM
revelou as relações e significações que se estabeleceram entre os campos cultural/artístico e
político em Ponta Grossa. Relações essas marcadas por conflitos derivados dos diferentes
interesses e concepções de arte, cultura, música e educação musical envolvidos.
Desde sua fundação, em 1971, por iniciativa de um grupo de integrantes da Orquestra
Sinfônica de Ponta Grossa2 (OSPG) e da sua oficialização como instituição pública de ensino
musical pela Prefeitura Municipal em 1972, o CAM atende a uma crescente demanda de
alunos oriundos de diversos contextos socioculturais, sendo um espaço destinado à educação
musical e à difusão cultural/musical em Ponta Grossa3. Um decurso histórico que, porém, é
1 Chamou-se inicialmente Escola Municipal de Música Tenente Paulino Martins Alves (EMM), em homenagem ao Maestro Paulino Martins Alves (1893-1973), músico de grande reconhecimento no meio musical de Ponta Grossa. Devido a readequações administrativas, teve sua denominação jurídica alterada para Conservatório Dramático Musical em 1991 e para Conservatório Artístico Musical em 2010. Para maior clareza textual, será utilizado unicamente a sigla CAM para referência ao objeto de pesquisa. 2 Orquestra Sinfônica de Ponta Grossa fundada em 1955, atualmente denominada Orquestra Sinfônica Cidade de Ponta Grossa. 3 De acordo com dados de agosto de 2011, o CAM conta cerca de 360 alunos e 20 professores. Disponibiliza, para alunos a partir de quatro anos até adultos, iniciação musical, ensino básico dos instrumentos: violino, viola,
3750
acompanhado do contínuo conflito de relações entre o corpo docente e a administração
pública municipal, seu gestor financeiro, incidindo em dificuldades na sua efetivação como
projeto cultural. Nas entrevistas e documentos pesquisados, é recorrente a menção sobre a
problemática ligada a instalações físicas, falta de instrumentos musicais, volubilidade da
administração municipal quanto ao subsídio financeiro e à gestão do corpo docente e a
constante necessidade de adaptação das ações educativas do CAM à rotatividade de políticas
culturais, por vezes discordantes, impostas com as alternâncias políticas na gestão pública.
Para compreender mais aprofundadamente as motivações dessa disposição conflituosa
que se perpetua ao longo dos 39 anos de existência do CAM, foi pesquisado quais concepções
de cultura, de música e de educação musical permearam o movimento de sua fundação, a sua
organização pedagógica e as atividades artísticas e educativas desenvolvidas. Este estudo
apontou particularidades nas concepções sobre diferentes formas e objetivos de educação
musical, as quais materializaram-se em três experiências educativas e organizacionais que
implicaram características específicas ao movimento de relações que permeou a efetivação do
projeto cultural do CAM no período estudado.
Três experiências de ensino musical do Conservatório de Música de Ponta Grossa
Encaminhamento Metodológico
Para a compreensão dos fatores importantes à análise do processo de constituição e
funcionamento do CAM no período entre 1971 e 1995, foi analisada uma conjunção de
elementos – história da sua formação, demandas atendidas, agentes envolvidos e suas
concepções – aliada aos contextos políticos e sociais envolvidos. Entende-se que a análise dos
documentos institucionais e pedagógicos e dos relatos orais por si só, sem uma compreensão
mais ampla da sociedade que os envolve, não permitiria captar em sua totalidade, o
movimento das ações presentes no campo estudado. Esta definição foi reforçada pela ideia de
que estudos que envolvem fatos históricos devem ser analisados sob uma perspectiva
multifatorial, que considera o contexto histórico, político, social e cultural no qual o objeto de
estudo encontra-se inserido. (ELIAS, 1995). violoncelo, clarinete, saxofone, trompete, flauta transversal, piano, violão e os cursos de técnica vocal e canto lírico, Musicalização Infantil, Teoria Musical, História da Música, Solfejo, Prática Artística, Prática em Conjunto e Coral. Promove concertos, apresentações didáticas, oficinas, palestras e cursos de curta duração direcionados aos alunos e ao público interessado. (CONSERVATÓRIO..., 2011).
3751
A compreensão dessas frentes de pesquisa guarda relação com a pesquisa histórica, a
qual engloba a análise de documentos de natureza impressa e de informações orais obtidas por
meio de entrevistas com pessoas que participaram e/ou testemunharam o processo de
fundação do CAM, bem como sua continuidade. Quanto às fontes de informação oral, foram
entrevistadas dez pessoas – fundadores, professores, diretores, funcionários e alunos – que se
situaram em posições e momentos distintos da história do CAM durante o período delimitado
e que compõem a memória coletiva do grupo social envolvido na história pesquisada. Entre as
fontes documentais, foram analisados decretos municipais, documentos internos como atas,
históricos, listagens de alunos, programas de curso, repertórios de concertos musicais,
correspondências internas e notícias de jornais.
O corpus documental da pesquisa foi problematizado com apoio em autores da
História Cultural, da História Oral e da Sociologia, como Peter Burke (1992), Jacques Le
Goff (1996), Gwyn Prins (1992), Paul Thompson (1998) e Norbert Elias (1995). Adotou-se
uma visão crítica e ampliada sobre documento e conteúdo e também se atentou para a
possibilidade de influência do entrevistador sobre os dados orais, da situação da entrevista
sobre o depoimento da testemunha e da seletividade humana entre o que lembrar e o que
esquecer, reconhecendo a importância da leitura das entrelinhas dos documentos e narrativas,
e da necessidade de se examinar a maior variedade de evidências possível. Por fim, no
exercício de análise, os elementos constituídos foram associados à história do ensino de
música dos conservatórios europeus e brasileiros e às discussões sobre a natureza do processo
educativo dessas instituições.
Análise dos elementos constituídos
No período compreendido neste estudo, distinguiram-se três momentos na história do
CAM marcados por três experiências de ensino musical inseridas numa série de continuidades
e rupturas cujos aspectos mais específicos serão discutidos a seguir.
CAM entre 1971 e 1983: formação técnica de músicos para a OSPG
A primeira experiência de ensino musical identificada aparece compreendida entre sua
fundação em 1971 e 1983. Nesse período, o ensino musical no CAM ocorre numa estreita
relação institucional com a OSPG, que foi um projeto cultural organizado na década de 1950
3752
por iniciativa de um grupo particular de músicos que, posteriormente, idealizou e instituiu
também o CAM, à época, destinado a garantir a continuidade do funcionamento da OSPG
através da formação técnica de músicos para integrá-la. Este grupo, em função de sua
trajetória sociocultural, mantinha uma concepção de valorização da arte e da música no
sentido estético e diletante que remetia a um gosto distinto e cujas ações culturais promovidas
eram centralizadas na difusão da arte através do espetáculo de orquestra dirigido ao público.
O CAM iniciou suas atividades como uma pequena escola com 34 alunos, um
professor de violino, viola e violoncelo e uma professora de piano e encerrou este período, em
1983, com 124 alunos e 9 professores. Para a análise do processo pedagógico do CAM nesta
primeira fase não foram encontrados registros de Programas de Curso ou de repertório.
Porém, as entrevistas revelaram nuances sobre as práticas educacionais desenvolvidas.
Fábio M. H. Maia4 (entrevista, jul. 2009) afirma que entre 1977 e 1979, período em
que estudou violoncelo no CAM, os alunos eram, em sua maioria, jovens e adultos. As aulas
ministradas eram práticas e individuais (duas semanais) e a formação teórica se dava na
medida daquilo que o repertório requeria. Sobre a metodologia de ensino da teoria musical,
ele recorda que “os pontos” eram escritos pelo próprio professor em caderno pautado para
música, devendo os alunos estudá-los para a aula seguinte. Se corretamente aprendidos, o
professor passava nova lição, sempre sobre conteúdos direcionados aos conhecimentos
necessários para o aprendizado da peça musical que estava sendo estudada. Quanto à
metodologia de ensino do instrumento musical, no caso o violoncelo, o entrevistado recorda
que era utilizado um único “livro estrangeiro”, no qual eram seguidas as atividades
apresentadas numa ordem crescente de dificuldade. Recorda-se também que o repertório
contemplava “músicas clássicas”, cujos graus de complexidade técnica eram direcionados
para o músico iniciante.
O professor de violão Luis Procópio Schmidt (entrevista, out. 2009) afirma que seu
objetivo maior era ensinar “violão clássico” aos alunos e incentivar para que seguissem a
carreira de violonista “com possibilidades de tornarem-se solistas de orquestra”. Entre 1982 e
1984, eram ofertadas duas aulas semanais, uma individual para instrumento e uma em grupo
para teoria. Era utilizado principalmente o método “Minhas primeiras notas ao violão” de
Mário Mascarenhas e um repertório de peças eruditas, as quais tinham feito parte da sua
4 Por tratar-se de uma pesquisa histórica, optou-se pela divulgação dos nomes dos agentes sociais envolvidos, a qual foi autorizada por escrito por todos os entrevistados.
3753
formação. Schmidt relata que não havia programas de curso para as aulas de instrumento ou
qualquer diretriz que norteasse as ações pedagógicas da escola, ficando a cargo de cada
professor a organização de seu curso e a escolha do repertório e da metodologia de ensino.
Essas informações indicam que a educação musical no CAM, até o início da década de
1980, privilegiava a instrução musical e o desenvolvimento do domínio da técnica
instrumental, provavelmente devido à urgência na formação de músicos instrumentistas de
cordas para compor a OSPG e também por isso, a presença de uma maioria de alunos jovens e
adultos. Era desenvolvida uma metodologia de ensino da música centrada no
desenvolvimento da técnica para execução do repertório, onde atividades gerais de
musicalização como percepção, apreciação, composição e improvisação não eram
prestigiadas, ainda que novas concepções ligadas às questões culturais e sociais da música e
da educação musical representadas por autores como Hans J. Koellreutter (serialismo e
Manifesto Música Viva desde 1946), e Keith Swanwick (teoria espiral da aprendizagem
musical, desde a década de 1970) entre outros, estivessem nas discussões do meio pedagógico
musical nacional.
A concepção de ensino de música que transparece nos relatos sobre esse período
aponta para um modelo tradicional-tecnicista que se aproxima do que Freire (1994) e Mateiro
(1999) apresentam como um enfoque técnico-linear, voltado para interesses técnicos dentro
de um modelo de educação em que o professor “treina ou adestra” o aluno para realizar uma
tarefa com êxito e rapidez – capacitação do indivíduo para tocar na orquestra. Mas, ao mesmo
tempo, calcado num modelo tradicional de educação em que o professor transmite ao aluno os
conhecimentos que acumulou em sua própria formação, claramente observável na reprodução
do repertório e dos métodos utilizados pelos professores para o ensino do violão e do
violoncelo, enquanto o aluno se apropria e reproduz o conhecimento recebido. (MEKSENAS,
1990).
Além disso, esse modelo tradicional-tecnicista de ensino praticado no CAM
transparece envolto por uma visão essencialista do homem. A noção de essência artística
revelada no talento, na vocação e no dom inato, assim como a representação da música como
de origem divina e como símbolo de cultura e civilização são temas frequentes nos textos
deste período e nos relatos dos entrevistados. Um exemplo é a afirmação encontrada no
Histórico (1981, p. 1, grifo nosso) de que o CAM tinha “por finalidade promover
gratuitamente o ensino dos fundamentos da expressão e comunicação humanas na área
3754
musical, principalmente aos jovens que tivessem talento”. Essa concepção de valorização do
talento, fortemente presente também nas declarações de dois fundadores do CAM,
acompanhou, segundo Oliveira (1993, p. 32), a proliferação dos conservatórios no mundo
ocidental no século XIX e incentivou “o ensino instrumental de alto nível, fundamentado [...]
na crença de que somente os alunos talentosos conseguem se desenvolver musicalmente”.
Ao longo desta experiência educativa, o grupo gestor do CAM teve dificuldades diante
da impossibilidade de qualificação imediata de alunos, uma vez que o aprendizado
instrumental mínimo para a formação de um músico de orquestra requer alguns anos de
estudos e desenvolvimento técnico. Além disso, no início da década de 1980, evidenciou-se
uma crescente procura de alunos crianças e adolescentes, principalmente pelo curso de piano,
como um novo fator que também afastava a possibilidade de direcionar o CAM unicamente
para servir à OSPG.
CAM entre 1984 e 1993: visão ampliada de educação musical
Frente à insustentabilidade do objetivo educacional vigente e à necessidade de
adequação à nova demanda de alunos, estabeleceu-se um extenso debate entre professores,
alunos do CAM e integrantes da OSPG, calcado no imperativo de se pensar em algo que fosse
além do ensino exclusivo da execução do instrumento musical. Discutiu-se sobre a
necessidade de se voltar o pensamento para uma formação musical ampla a ser desenvolvida
em longo prazo e que envolveria a sensibilização artística e a musicalização desde a infância.
Pensou-se ainda, frente à aspiração de aperfeiçoamento técnico da orquestra, sobre a
necessidade de se incrementar e formalizar a estrutura pedagógica do CAM.
Em 1984, após negociação e exposição junto à Secretaria Municipal de Educação,
Cultura e Esportes sobre a nova proposta pedagógica e institucional, o CAM passa a ser
dirigido e integrado por professores e músicos que mantinham um vínculo de formação e
atuação profissional com a Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP), naquele
contexto uma das principais instituições de ensino musical do Estado, representando ao novo
grupo diretor do CAM o principal lócus de formação de músicos. Verifica-se uma apropriação
do modelo pedagógico da EMBAP, principalmente através da adaptação dos programas de
ensino para os cursos de instrumento e disciplinas teórico-musicais.
Nesse momento, foi iniciado um projeto educacional direcionado à formação musical
“em longo prazo” que propunha a iniciação na infância, a implantação do ensino de outros
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instrumentos além dos que compunham a orquestra, a organização escolar burocrática e
administrativa e o desenvolvimento de projetos que previam a difusão das ações educativas.
Esse direcionamento prevaleceu durante o período de 1984 a 1993, englobando duas gestões
de diretoria que expressaram continuidade nos objetivos e nas ações pedagógicas.
O grupo de músicos e professores representados por Taís Ferronato (entrevista, fev.
2010), diretora do CAM na gestão 1984- 1989, propunha uma concepção de ensino musical
que valorizava uma forma de iniciação musical que, além da leitura e da execução
instrumental, proporcionasse “momentos musicais” descritos por Ferronato como “práticas de
tocar e cantar em conjunto”, participação e apreciação de concertos, cursos de férias, oficinas
de música, “musicalizar cantando” através de Coro Infantil, entre outros. A agregação de
novos professores com formações musicais diversificadas derivou propostas de projetos
educacionais para o CAM como grupo de flautas, coro infantil, ciclos de palestras sobre
música antiga e um curso de apreciação musical aberto à comunidade em que eram
desenvolvidas atividades de “audição de discos”, percepção de timbres, comentários de
concertos, palestras, conhecimentos sobre instrumentos e história da música.
(RELATÓRIO..., 1987).
Em suma, foram organizados projetos que intencionavam desenvolver disposições
duradouras à prática artística musical. Outro exemplo foi um projeto que complementava as
atividades de musicalização e visava à formação de plateia. Nesse projeto, a agenda dos
concertos e espetáculos que se apresentavam em Ponta Grossa era monitorada. Aqueles de
interesse eram divulgados na escola, antes da apresentação fazia-se uma breve exposição
sobre as obras, compositores, intérpretes, instrumentos musicais e depois se seguia em grupo
para o espetáculo.
Essa experiência educativa de musicalização proporcionava aos alunos do CAM uma
familiarização com referências que lhes permitiam perceber a música, o concerto e o meio
cultural de forma significativa através da promoção da visita assídua ao meio artístico
cultural. Segundo PENNA (2008, p. 31), esse é um processo de musicalização desenvolvido
na perspectiva sociológica e educacional, cuja sensibilização à música ocorre através da
articulação entre o “quadro das experiências acumuladas” e os esquemas de percepção
desenvolvidos.
Em relação ao coro infantil, que foi inserido como disciplina curricular no programa
do CAM, Haydée H. Gorosito (entrevista, abr. 2010), diretora na gestão de 1989-1993, relata
3756
que o objetivo era musicalizar através do canto de peças folclóricas e infantis. A escolha desse
repertório para o coro é um indicativo de que o referencial musical dessa segunda experiência
educacional seguia o mesmo padrão de expressão cultural musical da experiência anterior,
privilegiando, nesse caso, a música folclórica nacional e estrangeira arranjada nos padrões
harmônicos da música europeia ocidental. A entrevistada relatou que músicas populares como
Carinhoso (de Pixinguinha) e Fascinação (de Marchetti e Feraudy com versão em português
de Armando Louzada) constavam no repertório do coro, porém, não porque fossem
consideradas indispensáveis ou de “qualidade superior” para a formação musical, mas sim
porque agradavam aos pais dos alunos, motivando a permanência do filho no CAM.
A gestão que encerrou em 1993, além da consolidação e continuidade das ações
pedagógicas e organizacionais iniciadas em 1984, empreendeu decisões administrativas
importantes como a definição do convênio de cooperação técnica e financeira entre a
Prefeitura Municipal e a Associação de Pais e Mestres do CAM. A nova forma de gestão
econômica advinda desse convênio possibilitou a ampliação dos cursos ofertados, bem como
facilitou à gestão do período seguinte a criação de grupos para a prática musical em conjunto
e o empreendimento de uma série de eventos artístico-culturais que visivelmente legitimava
as ações e a importância do CAM frente ao gestor público.
CAM entre 1993 e 1995: educação musical ampla associada à formação musical técnica
É interessante observar nessa gestão a convergência e a transformação das duas
perspectivas anteriores. A partir de 1993, vê-se a “educação musical ampla” do segundo
grupo gestor continuada na subsequente integração de alunos crianças ao CAM, que
oportunizava disciplinas de Musicalização, Vivência Musical (teoria musical adaptada para a
faixa etária infantil e pré-adolescente), Coro Infantil e Música em Grupo com flauta-doce ou
piano. Da mesma forma, é possível identificar uma tendência que se aproxima a do grupo
fundador para a formação musical em instrumentos para orquestra, porém, desde a infância.
Marcelo Urias, diretor do CAM neste período, possui formação musical em piano e
regência e estudou na EMBAP, porquanto mantinha acesso próximo à OSPG, por vezes
regendo-a ou ministrando alguns cursos e por outras, organizando espetáculos que
vinculavam o CAM e a OSPG, abrindo caminho para novo contato entre as duas instituições.
Visivelmente a EMBAP continua representando o principal lócus de formação de professores
para o CAM – em 1995 eram onze entre os vinte e quatro contratados mais o próprio diretor –
3757
delegando a garantia e legitimidade às suas ações como referencial de qualidade, de
estruturação curricular e de visão sobre a arte.
Durante esse período observa-se uma grande mobilidade na contratação e dispensa de
professores, segundo alguns relatos, devido à incompatibilidade nas relações profissionais
com a diretoria. Porém, ao mesmo tempo em que essa mobilidade gerou conflitos e vacância
no quadro de profissionais do CAM, permitiu a concentração de novos professores com
diferentes visões e experiências, gerando o empreendimento de diversos gêneros de grupos
musicais.
Em 1995, há registros de que o CAM possuía Grupo de Violão Contemporâneo que
executava repertório popular e erudito, incluindo a música do início do século XX, algo
inédito no CAM até então; Grupo de Acordeões e Grupo Regionalista (compostos por
percussão, canto, violão, clarinete e acordeom) que executavam musicais regionais e
folclóricas; Grupo de Metais (composto por trompete, trompa, trombone, flauta, clarinete e
saxofone), cujo repertório era variado; Coro Adulto, Coro Infantil, além de Orquestra de
Câmara e Orquestra Mirim (para alunos até 12 anos, formada por violino, flauta doce, piano e
violoncelo) com repertório erudito. Diante dessa diversidade de possibilidades, praticamente
todos os alunos eram envolvidos com a prática musical em grupo, a qual foi tão almejada nas
duas experiências educativo-musicais anteriormente estabelecidas no CAM. Um acréscimo
significativo foi a criação do curso de Teatro Amador em 1993, pela inovação representada na
instituição que pela primeira vez fez uso da possibilidade de ampliação para outra área
artística além da música. Até 1995, foram realizadas várias peças teatrais em diversos espaços
de Ponta Grossa, além de apresentações em cidades próximas. Muitas apresentações do grupo
de teatro eram sonorizadas por grupos musicais compostos por alunos do CAM, numa
proposta de integração das duas áreas artísticas na formação dos alunos.
Os empreendimentos culturais e musicais realizados nessa gestão imprimiram ao
CAM uma conjugação dos sentidos técnico, cívico e estético observados historicamente nos
conservatórios. O sentido técnico surge na sucessiva formação de grupos musicais utilizados
para, além do exercício da prática musical em conjunto, promover e legitimar o CAM perante
a sociedade e ao gestor público através da promoção de espetáculos. Esse direcionamento
transparece uma prática de ensino que conserva a concepção tecnicista no sentido da aceitação
de que a aprendizagem adequada para a execução de um instrumento musical requer treino,
repetição e disciplina, para em última instância formar um profissional ou técnico competente.
3758
Porém, assim como no período entre 1984 e 1993, diferencia-se da concepção tradicional de
ensino da primeira experiência, na medida em que o programa de ensino não é pautado
unicamente no repasse do repertório adquirido pelo professor na trajetória de sua formação
artística pessoal e sim adequado aos parâmetros definidos por uma instituição de referência,
no caso, ainda a EMBAP.
O sentido cívico surge relacionado à tendência de promoção de espetáculos
argumentada pela direção como intenção de se levar “música de qualidade” à comunidade.
Um argumento que era explicitamente atrelado ao uso da música como animação cultural em
eventos do Departamento de Cultura, o que criava a contrapartida do financiamento para a
realização de eventos bastante pretensiosos. (CONSERVATÓRIO..., 1995).
Reaparece ainda, o sentido estético e diletante que remete ao domínio de um gosto
distinto pelos agentes que o promovem e pelos que o acessam. Mas, nesse período, esse gosto
é aliado à ampliação das práticas musicais e do repertório, diferentemente do grupo fundador
da OSPG e do CAM que centrou sua atenção na orquestra e no repertório erudito, ainda que
em sua versão mais popularizada entre a sociedade média (música ligeira, árias de óperas
conhecidas ou obras nacionais de compositores eruditos) como única fonte de difusão
cultural/musical e de marca distintiva. Nesta terceira experiência de ensino musical no CAM
o gosto artístico também baliza a distinção social de um grupo específico pela estética, porém
agora não unicamente pela hierarquização do repertório, mas, principalmente, pelo
profissionalismo devotado a sua execução, ligado à busca do virtuosismo e da comprovação
de competência artística na veiculação de espetáculos musicais.
Considerações Finais
A inquietação sobre a natureza do projeto cultural do CAM, aspiração de um grupo
particular de músicos que atingiu proporções significativas no campo cultural/musical de
Ponta Grossa a ponto de ser encampado pelo poder público até os dias atuais, e sobre a
origem dos conflitos que se estabeleceram no decurso histórico de sua existência, levou, entre
diversas variantes analisadas, ao estudo das ações educativo-musicais promovidas pela
instituição. Para tanto, o encaminhamento metodológico da pesquisa foi orientado no sentido
de examinar com base nos princípios da crítica documental a maior variedade possível de
evidências aliadas aos contextos políticos e sociais envolvidos, em busca de captar o
movimento das ações presentes no campo estudado em sua totalidade.
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A presente comunicação relata em parte o resultado desse exercício teórico-
metodológico, mesmo que, em alguns aspectos da contextualização social e política, de forma
um pouco implícita em função da limitação de espaço dessa modalidade textual. É
interessante perceber como o estudo das três experiências educacionais discutidas contribuiu
para a compreensão dos conflitos e rupturas que assinalaram três momentos distintos da
história do CAM compreendidos na delimitação temporal da pesquisa.
No primeiro caso, compreendido no período de 1971 a 1983, o grupo particular de
músicos que idealizou e instituiu o CAM vinculado à missão de garantir a continuidade do
funcionamento da OSPG, mantinha uma concepção que valorizava a arte e a música no
sentido estético e diletante que remetia a um gosto distinto. Este, expresso unicamente na
forma de concertos dirigidos ao público capaz de fruir tal tipo de arte, do qual o grupo ligado
ao campo político de Ponta Grossa não fazia parte, tendo seus interesses voltados mais para o
desenvolvimento urbano econômico e estrutural da cidade.
No segundo caso, compreendido no período entre 1984 e 1993, vigorou uma cultura
musical que valorizava a formação musical ampla do indivíduo, planejada para longo prazo,
cujo início se dava preferencialmente na infância e contemplava inclusive o aprendizado das
regras sociais de comportamento em ambientes artístico culturais. Esta gestão obteve êxito
um pouco maior nas relações com o gestor público em função da relação estabelecida com a
EMBAP que legitimava suas ações no campo musical de Ponta Grossa, bem como entre as
autoridades políticas dessa cidade. Nos termos de Bourdieu, constituindo o processo de
consagração de suas ações (BOURDIEU, 2008b, p. 87).
No terceiro momento, entre 1993 e 1995, observa-se um processo de síntese das
experiências pedagógico-musicais empreendidas nos dois períodos anteriores. Porém,
observa-se um novo direcionamento das estratégias de legitimação do CAM que resultou
numa visibilidade frente ao gestor público e à sociedade de Ponta Grossa muito maior do que
em qualquer das fases que o antecederam.
A distinção dos agentes do CAM, nesse contexto, aparece ligada não ao repertório em
específico, à capacidade de fruição de um tipo específico de música, ou ao seu respaldo numa
instituição de reconhecimento, mas sim à competência artística e musical que compreende a
virtuosidade na execução, a versatilidade em transitar por diversos gêneros musicais e,
principalmente, a capacidade de idealizar e empreender o espetáculo, que, por sua vez, sugere
a posse de uma rede de relações influente tanto no meio artístico como político. Frente aos
3760
impasses com o gestor público, essa gestão assume um posicionamento diferente dos
manifestados pelas outras gestões nos conflitos anteriores, usando como estratégia de
persuasão do grupo político a continuar apoiando as ações do CAM, a sugestão da utilidade
prática que o CAM poderia representar, destacando sua versatilidade para oferecer “todo tipo
de conjunto instrumental e vocal, tocando desde o erudito ao popular”, que seria colocado à
disposição do gestor público. (CONSERVATÓRIO..., 1993, p. 2).
O posicionamento de disponibilizar a arte/música como bem de troca no mercado de
interesses entre os campos envolvidos originou um mecanismo diferente em suas relações.
Desse momento em diante, surgem inúmeros comunicados, cartas e memorandos, que
registram trocas e até parcerias entre a Secretaria de Educação e Cultura e o CAM, que
garantiram financiamento para diversas aquisições e projetos musicais. Essa forma de obter
distinção social a partir da disposição estética é captada por Bourdieu (2008a, p. 64) quando
afirma que a competência cultural adquirida na relação com determinado campo é definida
por suas condições de aquisição, mas é perpetuada no modo de utilização, predispondo a
receber “valores diferentes nos distintos mercados”.
Dessa forma, a identificação e o entendimento das concepções de educação presentes
no CAM, conjugadas aos demais elementos do contexto social, político e cultural de Ponta
Grossa no período estudado foram importantes para ponderar as diferenças que estiveram em
jogo na efetivação do projeto desta instituição de educação musical.
REFERÊNCIAS
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