COMPETÊNCIAS DO PROFESSOR VIRTUAL DO ENSINO...

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ISSN 2176-1396 COMPETÊNCIAS DO PROFESSOR VIRTUAL DO ENSINO SUPERIOR À LUZ DA COMPLEXIDADE, DO PENSAMENTO ECOSSISTÊMICO E DA TRANSDISCIPLINARIDADE1 Fabrício de Oliveira Ribeiro2 - UCB Maria Cândida Moraes3 - UCB Grupo de Trabalho: Educação, Complexidade e Transdisciplinaridade Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Percebe-se com frequência o equívoco em tentar reproduzir a sala de aula presencial para os ambientes virtuais de aprendizagem, de maneira associada a abordagens instrucionistas que ignoram as potencialidades das novas tecnologias educacionais, a subjetividade humana e o sujeito aprendente. Observa-se também que as competências do professor virtual têm sido concebidas com destaque para aspectos de ordem técnica, tecnológica e didático-pedagógica em detrimento daqueles de natureza atitudinal ou comportamental. Partindo da questão de pesquisa “em que medida, sob a ótica dos princípios da docência transdisciplinar, as competências profissionais do professor da educação superior a distância influenciam positiva ou negativamente o processo de aprendizagem, segundo percepções discentes?”, este artigo trabalha as competências docentes na graduação a distância e sua possível relação com indicativos propulsores e fragilizadores do processo de aprendizagem, segundo percepções discentes e sob o olhar dos princípios da docência transdisciplinar. Tendo como referenciais epistemo-metodológicos os Pensamentos Complexo, Ecossistêmico e Transdisciplinar, foram investigadas, à luz de percepções discentes, competências profissionais do professor virtual, características da docência transdisciplinar, referenciais de desempenho docente na perspectiva da docência transdisciplinar, bem como competências de professores virtuais da educação superior a distância e suas possíveis influências positivas e negativas no processo de aprendizagem. Os resultados decorreram de pesquisa qualitativa em que foram realizadas dezessete entrevistas individuais semiestruturadas com estudantes de curso a distância de licenciatura em pedagogia, ofertado por instituição de Ensino Superior do Distrito Federal. Os discentes revelaram que a atuação dos seus professores é permeada por indicativos 1 Artigo apresentado a partir da pesquisa de Mestrado realizada por Fabrício de Oliveira Ribeiro, intitulada “Docência transdisciplinar e o olhar discente: ressignificando as competências do professor do ensino superior a distância”, sob orientação de M. C. Moraes. 2 Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Analista do Departamento de Marketing da Vice-Presidência da Rede de Agências e Varejo (VIREV) na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. E- mail: [email protected] . 3 Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora de Pós- Graduação em educação na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professora-visitante do Máster em Educação da Universidade de Barcelona. E-mail: [email protected] .

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ISSN 2176-1396

COMPETÊNCIAS DO PROFESSOR VIRTUAL DO ENSINO SUPERIOR

À LUZ DA COMPLEXIDADE, DO PENSAMENTO ECOSSISTÊMICO E

DA TRANSDISCIPLINARIDADE1

Fabrício de Oliveira Ribeiro2 - UCB

Maria Cândida Moraes3 - UCB

Grupo de Trabalho: Educação, Complexidade e Transdisciplinaridade

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Percebe-se com frequência o equívoco em tentar reproduzir a sala de aula presencial para os

ambientes virtuais de aprendizagem, de maneira associada a abordagens instrucionistas que

ignoram as potencialidades das novas tecnologias educacionais, a subjetividade humana e o

sujeito aprendente. Observa-se também que as competências do professor virtual têm sido

concebidas com destaque para aspectos de ordem técnica, tecnológica e didático-pedagógica

em detrimento daqueles de natureza atitudinal ou comportamental. Partindo da questão de

pesquisa “em que medida, sob a ótica dos princípios da docência transdisciplinar, as

competências profissionais do professor da educação superior a distância influenciam positiva

ou negativamente o processo de aprendizagem, segundo percepções discentes?”, este artigo

trabalha as competências docentes na graduação a distância e sua possível relação com

indicativos propulsores e fragilizadores do processo de aprendizagem, segundo percepções

discentes e sob o olhar dos princípios da docência transdisciplinar. Tendo como referenciais

epistemo-metodológicos os Pensamentos Complexo, Ecossistêmico e Transdisciplinar, foram

investigadas, à luz de percepções discentes, competências profissionais do professor virtual,

características da docência transdisciplinar, referenciais de desempenho docente na

perspectiva da docência transdisciplinar, bem como competências de professores virtuais da

educação superior a distância e suas possíveis influências positivas e negativas no processo de

aprendizagem. Os resultados decorreram de pesquisa qualitativa em que foram realizadas

dezessete entrevistas individuais semiestruturadas com estudantes de curso a distância de

licenciatura em pedagogia, ofertado por instituição de Ensino Superior do Distrito Federal. Os

discentes revelaram que a atuação dos seus professores é permeada por indicativos

1 Artigo apresentado a partir da pesquisa de Mestrado realizada por Fabrício de Oliveira Ribeiro, intitulada

“Docência transdisciplinar e o olhar discente: ressignificando as competências do professor do ensino superior a

distância”, sob orientação de M. C. Moraes. 2 Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Analista do Departamento de Marketing

da Vice-Presidência da Rede de Agências e Varejo (VIREV) na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. E-

mail: [email protected]. 3 Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora de Pós-

Graduação em educação na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professora-visitante do Máster em

Educação da Universidade de Barcelona. E-mail: [email protected].

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propulsores e fragilizadores do processo de aprendizagem. Comprovou-se que, enquanto os

indicativos propulsores convergem, os fragilizadores divergem dos pressupostos da docência

transdisciplinar. Observou-se que esses indicativos estão associados a cinco competências

docentes mais evidentes no processo de ensino e aprendizagem: presencialidade virtual;

relacionamento interpessoal; didática; mediação pedagógica; e dar e receber feedback.

Palavras-chave: Competências docentes. Educação a distância. Docência transdisciplinar.

Desvelando a problemática

Uma das problemáticas sobre a qual as instituições têm patinado ao longo da história

da educação se refere à qualidade do ensino e da aprendizagem. Anísio Teixeira, um dos

maiores representantes da educação brasileira, apontou, nos anos 50, um problema que,

infelizmente, permanece atual. Trata-se da disseminação indiscriminada do instrucionismo

como abordagem predominante dos processos de ensino e aprendizagem nos ambientes

educacionais, caracterizado pela mera transmissão de conhecimentos teóricos e noções

superficiais de uma prática que “não forma hábitos, não disciplina relações, não edifica

atitudes, não ensina técnicas e habilidades, não molda o caráter, não estimula ideais ou

aspirações, não educa para conviver ou para trabalhar [...]” (TEIXEIRA, 1953a, p.10).

Em decorrência de pesquisa que durou 12 anos, Herrán Gascón e Sánchez (2004)

respondem questões voltadas para a expressão do ego docente e seu impacto no desempenho

profissional, cujos resultados podem auxiliar na compreensão de postura tão nociva aos

processos de ensino e aprendizagem. Para esses autores, o ego docente está relacionado a

comportamentos limitados e focados em si próprio, no próprio umbigo do sujeito. Afirmam

que o ego docente revela um profissional com ignorância interna, em posição de soberba, em

estado de endeusamento ilusório e que vive se alimentando da própria autoimagem.

Relacionam o ego docente a comportamentos onipotentes, egoístas, hipócritas, desprovidos de

sinceridade, fixados ao passado e que revelam autoproteção. Entendem que se trata da parte

do eu que é “[...] imatura, limitadora, condicionante, dependente, apegada, identificada,

parcial, centrípeta, diluída, que impede uma evolução profunda, que expire, que propague a

consciência” (HERRÁN GASCÓN; SÁNCHEZ, 2004, p.3).

Cabe ressaltar que a EAD tem sido concebida em muitas instituições como um modelo

instrucionista, caracterizado por um planejamento de aula concebido, estruturado e desenhado

de forma engessada, fechada e empacotada hermeticamente para ser entregue ao educando,

conforme prescrito pela tradição positivista e mecanicista construída há mais de um século,

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que “[...] exclui do conhecimento tudo aquilo que é mutante, ambivalente, incerto,

contraditório, irregular e não-observável” (MORAES, 2011, p.14).

O seguinte recado do prof. Moran, em diálogo com o prof. Valente e mediação da

Prof.ª Valéria Amorim, alerta sobre pontos e contrapontos que envolvem os desafios do

ensino superior a distância:

no Brasil, a maior parte dos profissionais de EaD no ensino superior vem da modalidade presencial, com os mesmos pressupostos teóricos, metodologias e visões

de mundo. Tanto no ensino presencial, como no ensino a distância, predominam a

fragmentação do conhecimento, a transmissão de informações e a centralidade da

ação pedagógica no professor. Inicialmente, a EaD reforça as mazelas teóricas da

educação presencial, ampliando a visão distorcida da construção do conhecimento.

Nessa modalidade, a ênfase está no conteúdo e nos materiais didáticos, sejam eles

impressos ou digitais. No entanto, se os modelos pedagógicos e mentais dos principais responsáveis pela EaD continuarem os mesmos, será muito difícil

preparar rapidamente profissionais para que possam atuar dentro de uma nova visão

(VALENTE; MORAN; ARANTES, 2011, p.112).

A partir desse panorama, este trabalho de pesquisa focou as competências técnicas e

comportamentais dos professores virtuais do ensino superior a distância, considerando que

nos espaços educacionais a distância ainda é muito frequente a adoção de abordagens

instrucionistas, ou seja, concepções de aprendizagem que privilegiam o conteúdo

programático, o plano de aula e o material didático – em detrimento do sujeito aprendente e

da subjetividade humana, interações, intercâmbios, emoções, criatividade, pensamento crítico

e construção coletiva e colaborativa do conhecimento.

Assim, refletiu-se sobre as competências necessárias ao docente virtual, tendo em vista

que, na literatura, na legislação e na prática profissional, ainda tem predominado as

competências de caráter técnico, tecnológico e pedagógico em relação às comportamentais,

atitudinais ou sociais. Essa ênfase em aspectos de natureza técnica e pedagógica pode ser

constatada nas funções do professor da educação superior a distância estabelecida nos

referenciais de qualidade definidos pelo Ministério da Educação e Cultura (2007, p.20):

[...] estabelecer os fundamentos teóricos do projeto; selecionar e preparar todo o conteúdo curricular articulado a procedimentos e atividades pedagógicas; identificar

os objetivos referentes a competências cognitivas, habilidades e atitudes; definir

bibliografia, videografia, iconografia, audiografia, tanto básicas quanto

complementares; elaborar o material didático para programas a distância; realizar a

gestão acadêmica do processo de ensino-aprendizagem, em particular motivar,

orientar, acompanhar e avaliar os estudantes; avaliar-se continuamente como

profissional participante do coletivo de um projeto de ensino superior a distância.

O instrucionismo é um modelo causal tradicional que funciona como uma espécie de

produto fabricado pelo professor cujos objetivos, conteúdos, estratégias e carga horária

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aprisionam os processos de ensino e aprendizagem, pois não leva em consideração a

subjetividade humana (a) que foi “[...] reintroduzida na ciência porque, no nível quântico, há

uma interferência entre observação e observador” (PAUL, 2013, p.14); e (b) revelada nas

emergências, dúvidas, incertezas, resistências, necessidades, ritmos, estilos e tempos

diferenciados de aprendizagem. Portanto, pode-se inferir que o instrucionismo é calcado

numa epistemologia objetivista, ou seja, “[...] o conhecimento e a verdade existem fora da

mente do indivíduo [...]” (ASSMANN, 2001, p.137).

Esse instrucionismo indiscriminado guarda íntima relação com o positivismo, que

“[...] em seus fundamentos, é a procura de certa universalidade por meio da objetividade e da

reprodutibilidade” (PAUL, 2013, p.90). Portanto, pergunta-se: qual é a efetividade de se

empacotar conhecimentos e engessar os processos de ensino e aprendizagem, como se todos

os indivíduos fossem meramente iguais? Ora, se o homem é um ser variável, contraditório,

imprevisível e livre (PAUL, 2013), em que lugar ficam a incerteza, o acaso, o imprevisto, a

singularidade, a subjetividade e, sobretudo, a identidade humana frente ao instrucionismo?

Uma identidade que é intransferível, inimitável, incopiável e irreproduzível porque é pessoal,

única, singular, própria, particular, peculiar, exclusiva. Uma identidade que está relacionada a

“[...] um sentimento, o sentimento de existir, que está ligado à apreensão de forças,

competências, qualidades, mas também dos seus próprios limites, variando o conjunto com o

tempo” (PAUL, 2013, p.128 e 129).

Ora, apoiar-se cegamente no instrucionismo é não reconhecer que a aprendizagem é

constituída de experiência individual, única, singular, particular, pessoal e individual daquele

que aprende, “[...] pois decorre de processos eco-sistêmicos, auto-organizadores e emergentes

que, a cada instante, se modificam” (MORAES, 2008b, p.28). É preciso levar em conta que

cada sujeito aprendente possui seu próprio estilo, ritmo, tempo e preferência de aprendizagem.

Uma aprendizagem que é (sempre) sujeita ao acaso, ao indeterminismo, ao desconhecido e às

emergências que ocorrem nos espaços e processos de ensino e aprendizagem, conforme

ensinam as teorias dos Pensamentos Complexo, Ecossistêmico e Transdisciplinar.

Nesse contexto, à luz desses referenciais epistemo-metodológicos, cabe refletir sobre

uma possível ressignificação das competências dos professores virtuais do ensino superior,

tendo como âncora a docência transdisciplinar, cujos pressupostos passam pela compreensão

acurada dos distintos níveis de realidade que se apresentam nos processos de ensino e

aprendizagem. Assim, deve-se questionar a lógica clássica proveniente de um pensamento

linear e unidirecional, a fim de resgatar o sujeito que foi esquecido – por muitos anos – pela

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ciência positivista, e propor uma docência nutrida de consciência ecológica, integradora,

reflexiva, criativa, renovada, ética, transformadora e transdisciplinar.

Moraes (2008b, 2011) produz, com riqueza de detalhes, a radiografia do conhecimento

à luz dos princípios da docência transdisciplinar, cuja prática efetivamente não combina com

apatia, egocentrismo e instrucionismo, uma vez que o conhecimento nos processos de ensino

e aprendizagem: (a) resulta de uma rede de relações, significados, disciplinas, saberes e seres

que articulam os conhecimentos científicos com aqueles do cotidiano, na prática docente; (b)

é aberto para os movimentos imprevistos, emergentes e transcendentes à sala de aula; (c) é

resultante de negociação e flexibilidade para renegociação; (d) é elaborado, desconstruído e

reelaborado devido à sua natureza processual, dinâmica, fluida e auto-eco-organizadora; (e)

emerge de reflexões pessoais e grupais autorreguladoras; e (f) “[...] implica construir e

participar do objeto que se conhece e construir o objeto pressupõe estabelecer relações

significativas” (MORAES, 2008b, p.30).

Para que o professor virtual possa dar conta da realidade complexa do ambiente virtual

de aprendizagem e atender efetivamente as expectativas do estudante da EAD, torna-se

necessário o desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais específicas para

compor seu perfil profissional. A visão sistêmico-complexa da realidade ajuda a entender a

necessária conjunção desses dois tipos de competências no processo de formação docente, ao

invés de negá-los ou isolá-los devido a um pensamento linear, simplificador e pautado no

paradigma da simplicidade.

Para Martinazzo (2010), essa visão complexa é formada por aspectos de ordem

econômica, política, ética, biológica, ecológica, mitológica, emocional, e sociológica, entre

outros, formando uma teia em que as partes estão ligadas com o todo e vice-versa. Fragmentar

ou recalcar as competências de caráter técnico e comportamental do professor virtual, que

aparentemente são antagônicas ou divergentes, implica minar o desenvolvimento de

competências que integrem o racional com o emocional no processo de construção de

aprendizagens significativas decorrentes da compreensão acurada da realidade e da

multidimensionalidade dos fatos, situações, fenômenos, interações e problemas complexos

que emergem numa sala de aula virtual.

Torna-se urgente o desenvolvimento de competências docentes que contribuam para

eliminar dos espaços educativos essa visão fragmentada que leva à simplificação e que, assim,

“[...] remete a um estilo de pensar que não reconhece a ambiguidade, tampouco a existência

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de equívocos, incorporando-se da arrogância da certeza, que age manipulando a lógica, para

simplificar o pensamento” (RIBEIRO; MORAES, 2014, p.238-239).

Referenciais epistemo-metodológicos: uma tessitura envolvendo o Pensamento

Complexo, o Pensamento Ecossistêmico e a Transdisciplinaridade

Em consonância com esse panorama e sabendo-se que do ponto de vista

epistemológico, “[...] a complexidade é um dos componentes constitutivos da matriz geradora

da transdisciplinaridade” (MORAES, 2008a, p.125), optou-se pelas teorias da complexidade

defendida por Edgar Morin, da Transdisciplinaridade ensinada por Basarab Nicolescu, bem

como pelo Pensamento Ecossistêmico concebido por Maria Cândida Moraes como

referenciais epistemo-metodológicos da pesquisa. Esses princípios teóricos, decorrentes de

uma visão pluralista e multirreferencial, em conjunto, colaboram para uma melhor

compreensão da complexidade dinâmica inerente aos processos de pesquisa, ensino e

aprendizagem em qualquer modalidade educacional.

Moraes conceitua o Pensamento Complexo como aquele “[...] que relaciona, que

religa, que integra, que se auto-eco-organiza, que é tecido em conjunto [...]” (MORAES,

2012, p.71). Explica que a complexidade é “[...] um princípio regulador do pensamento e da

ação, algo que não perde de vista a realidade dos fenômenos que constitui o nosso mundo

[...]” (MORAES, 2012, p.73). Ressalta ainda que, apesar deste conceito inicialmente remeter

a confusão, incerteza e desordem aos mais desavisados, o Pensamento Complexo possibilita

interação, diálogo e negociação com aquilo que é real.

O Pensamento Complexo implica o reconhecimento da não fragmentação, não

compartimentação, não redução, do inacabamento e da incompletude do conhecimento

(MORIN, 2007). Assim, promove o diálogo entre a diversidade de saberes e revela que ter

consciência do quanto a realidade é complexa favorece a adoção de uma prática pedagógica

que considera a trama que conecta tudo e todas as coisas do mundo e da vida

(MARTINAZZO, 2010).

No entendimento de Nicolescu (1999), a Transdisciplinaridade (a) tem por objetivo a

compreensão do mundo presente, em destaque, a unidade de conhecimento; (b) considera

limitado o território de aplicação do pensamento clássico; (c) é um fenômeno que engloba,

unifica, equilibra, dialoga, integra – sendo caracterizado pela quebra “[...] da dualidade que

opõe os pares binários: sujeito/objeto, subjetividade/objetividade, matéria/consciência,

natureza/divino, simplicidade/complexidade [...]” (NICOLESCU, 1999, p.64); e (d) se

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encontra, simultaneamente, naquilo que está entre as disciplinas, através das distintas

disciplinas e além de qualquer disciplina.

Mas o que circula entre as diferentes disciplinas, que as atravessa e até mesmo as

ultrapassa? “Entre e além delas, está o Homem. Estamos nós, está a criança. Como pode

haver compreensão se este saber que aprendemos na escola não está ligado a nós mesmos, à

nossa vida interior, à criança por inteiro? ” (NICOLESCU, 1993).

Ancorado nos fundamentos da Transdisciplinaridade, Paul (2013) reforça a

importância do resgate desse sujeito que foi esquecido por muitos anos pela ciência positivista

e apresenta pressupostos acerca do fenômeno humano que podem contribuir no processo de

ressignificação das práticas pedagógicas à luz da abordagem transdisciplinar: (a) é necessário

resgatar o sentido da vida e compreender o ser humano de maneira ampla, aberta, complexa,

global e plural, considerando sua subjetividade; (b) o “trans-” questiona tanto as disciplinas

quanto os indivíduos situados “dentro”, “através” e “além” de toda e qualquer abordagem que

se apresente fracionada; e (c) “[...] a introdução da subjetividade das pessoas vem modificar

as certezas e a efetividade do saber” (PAUL, 2013, p.70).

Ribeiro e Moraes (2014) enfatizam que o olhar de cunho transdisciplinar possibilita

“[...] enxergar além dos horizontes preestabelecidos e alcançar a percepção refinada de que

existe sempre um terceiro elemento, uma terceira possibilidade, que certamente a lógica

inclusiva do pensamento complexo não deixará escapar” (RIBEIRO; MORAES, 2014, p.233).

Esclarecem que essa lógica – chamada por Nicolescu de lógica ternária ou lógica do terceiro

termo incluído – possibilita a resolução de conflitos, o entendimento das divergências, o

reconhecimento das distintas formas de traduzir a realidade e uma percepção acurada dos

problemas e identificação de soluções.

Em consonância com o Pensamento Complexo e a Transdisciplinaridade, Moraes

(2008c) explica que o Pensamento Ecossistêmico constitui também um rico instrumento para

a compreensão do campo educacional, porque auxilia a conectar elementos lógicos,

ideológicos e epistemológicos e integrá-los aos pressupostos do Pensamento Complexo, uma

vez que também é um princípio: (a) aberto às emergências e aos acontecimentos do dia a dia;

(b) capaz de compreender a complexidade presente na realidade e suas implicações nos

processos de construção do conhecimento e de aprendizagem; (c) que promove a autonomia,

as relações, as interações e a subjetividade, enquanto pensamento integrador; (d) que se

preocupa com o binômio autonomia/dependência nos processos de auto, hetero e ecoformação

do indivíduo; e (e) que contribui para o esclarecimento dos meandros presentes na

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disciplinaridade, na multi-, na inter- e na Transdisciplinaridade enquanto pensamento

sistêmico e ecologizado.

Ressignificando a EAD e as competências do professor virtual do ensino superior: por

uma educação sem distância e uma docência com consciência

A educação a distância tem sido caracterizada como uma modalidade flexível de

educação que utiliza diversas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) nos

processos de ensino e aprendizagem em que o educador e o educando geralmente realizam

atividades em lugares e tempos distintos. É uma forma de ensino e aprendizagem complexa e

multifacetada, cuja conceituação tem sido difundida por diversos autores como Belloni

(2003), Filatro (2004), Giusta (2003), Litwin (2001), Mattar (2011) e Moore e Kearsley

(2008, 2013), sendo que “[...] possui especificidades que não permitem a transposição da

prática pedagógica presencial para aquela realizada a distância” (BEHAR et al., 2013b, p.44).

Na verdade, a educação é um processo de natureza complexa em qualquer modalidade, se

considerarmos o pensamento de Anísio Teixeira: “A escola é uma instituição servida por uma

arte complexíssima, que é a de educar e ensinar em todos os níveis da cultura humana”

(TEIXEIRA, 1953b, p.5).

A progressão do quantitativo de matrículas em cursos superiores nessa modalidade de

ensino confirma a importância da EAD para a Educação Superior no Brasil, além de impor

grandes desafios aos educadores e às instituições de ensino, conforme censo divulgado pelo

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). A relevância

da EAD na graduação também é ratificada pelo crescente número de Instituições de Ensino

Superior (IES) públicas e privadas que ofertam cursos a distância, à luz de dados do Conselho

Nacional de Educação (CNE). É igualmente expressiva a evolução do número de cursos

ofertados pelas IES no Brasil, segundo levantamento do INEP (2013), incluindo bacharelados,

licenciaturas e tecnológicos. Enquanto no ano de 2003 o quantitativo de IES era de 37, com

oferta de 52 cursos e 49.911 matrículas contabilizadas, o ano de 2013 registrou 165 IES,

1.258 cursos e 1.153.572 matrículas na graduação superior a distância no Brasil (CNE, 2014;

INEP, 2013, 2015).

Mas afinal, quem são os sujeitos matriculados? Monereo e Pozo (2010) fornecem

ajuda nessa complexa reflexão ao contextualizarem que estamos vivendo uma mudança de

época caracterizada por transformações na organização social, no relacionamento interpessoal

e nas maneiras de gerenciar socialmente o conhecimento. Explicam que se trata de uma

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verdadeira revolução silenciosa ou mudança epistemológica que tem em seu bojo a

modificação das pessoas. Diferenciam dois tipos de usuários que utilizam as mesmas

tecnologias da informação e comunicação de forma distinta: (a) os imigrantes digitais são

aqueles cuja cultura é voltada para o uso de textos impressos e que foram adaptados às novas

formas de interação e comunicação digital; e (b) os nativos digitais são os indivíduos que

vivem no ciberespaço, ou seja, levam a vida on-line.

Guimarães (2012) caracteriza o nativo digital como aquele sujeito cuja linguagem é

própria da internet, da telefonia móvel e do videogame, enquanto que o imigrante digital é o

indivíduo que precisa se adaptar a essas tecnologias uma vez que não manteve contato com

elas durante a sua infância. Apontam as principais características do nativo digital:

digitalmente alfabetizado; conectado; imediatista; experimentador; social; orientado para

resultados; prefere o engajamento e a experiência; visual e cinestésico; e prefere trabalhar

com coisas que realmente importam. Enfim, são estudantes “[...] multitarefas, visuais,

multimídias e buscam a interação, inclusive na sala de aula” (BEHAR et al., 2013b, p.42).

Nesse sentido, é preciso que o educador não caia na armadilha do instrucionismo,

devendo “[...] levar em conta que o aluno não aprende nunca uma habilidade isolada; que,

simultâneamente, estará aprendendo outras coisas no gênero de gostos, aversões, desejos,

inibições, inabilidades [...]” (TEIXEIRA, 1957, p.10). O perfil do estudante virtual, em

decorrência da evolução das TIC e das mudanças socioeconômicas, se apresenta como

importante subsídio para compreender as suas reais necessidades, desejos, demandas e

expectativas. Por outro lado, revela também que o educando da EAD exige a elaboração de

uma nova identidade docente para atuação no espaço virtual, a fim de redimensionar o papel,

as competências, as responsabilidades, as atribuições, as atividades e os resultados esperados

do professor virtual nos processos e situações multimidiáticas de ensino e aprendizagem a

distância.

Isso implica atentar para que a EAD não caia no poço da banalidade, da ineficiência,

do instrucionismo e da qualidade irreconhecível, não sendo “[...] peixe nem carne, reduzindo-

se a uma série de estudos disparatados e inconseqüentes, se não fôssem nocivos” (TEIXEIRA,

1953a, p.9). Compreender as competências docentes necessárias para atuação em ambientes

virtuais de aprendizagem, à luz da complexidade, passa pela reflexão sobre importantes

aspectos que às vezes são esquecidos, ignorados ou minimizados.

A descrição das atribuições, atividades, funções, ou competências apresentadas em

grande parte da literatura e nos documentos governamentais que regulamentam a EAD,

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aponta, em maior ou menor intensidade, para uma lacuna quanto às competências

comportamentais necessárias a uma boa atuação do professor virtual. Pode-se inferir que a

precarização desse tipo de competência e respectivos referenciais de desempenho nos

processos de identificação, caracterização, formalização, disseminação, captação, seleção e

formação resultam na ausência de (ou pouca) consciência do professor quanto ao seu

verdadeiro papel nos processos de ensino e aprendizagem a distância.

Ora, se as competências ou referenciais de desempenho do professor virtual têm sido

prioritariamente focados em habilidades de ordem técnica, tecnológica e pedagógica – com

pouca ênfase na postura, conduta, atitudes ou comportamentos –, o perfil docente construído

revela-se reducionista e desintegrado, pois não valoriza as competências humanas e

profissionais como partes de um fenômeno complexo e multidimensional. Por isso, torna-se

urgente recorrer aos ensinamentos de Morin sobre a reforma do pensamento, a fim de extrair

subsídios necessários à elevação da consciência quanto ao verdadeiro papel docente e (por

que não?) ressignificar suas competências profissionais. Afinal, ter competência passa,

sobretudo, por ter consciência: “Toda fala, toda ação e todo comportamento são flutuações de

energia da consciência. Toda a vida emerge e é mantida pela consciência. O universo inteiro é

expressão da consciência” (MAHARISHI MAHESH YOGI apud MORAES, 2008a, p.146).

Pode-se inferir que a “fala” expressa os conhecimentos, a “ação” remete às habilidades e o

“comportamento” representa as atitudes – tríade formadora da competência profissional. Essa

linha de raciocínio remete ao entendimento de que a competência é um fenômeno que possui

conexão direta com a consciência.

Quais são os caminhos para construção de uma docência com consciência?

Certamente um deles passa pelos princípios da docência de natureza transdisciplinar. E quais

são os caminhos para construir referenciais de desempenho do professor na perspectiva

transdisciplinar? É preciso que o docente tome consciência de que pensar e agir em

conformidade com o Pensamento Complexo não exige que ninguém dê conta de tudo, que

saiba todas as respostas e soluções, que conheça todas as saídas ou que carregue a “bandeira”

das certezas e verdades absolutas. Ao contrário, segundo seus pressupostos, “[...] a

complexidade sempre irá comportar incompletudes e interrogações mais do que respostas

seguras” (MARTINAZZO, 2010, p.204).

O docente encontra nas bases da educação transdisciplinar instrumentos para

desenvolver um pensar complexo que o leve a compreender que tudo está conectado e que

“[...] a missão de todo educador é criar as condições, os estímulos, os climas e um ambiente

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adequado para que cada educando possa expressar, criar, manifestar e materializar seus

talentos, valores e capacidades” (BATALLOSO; MORAES, 2012, p.9).

Ao abordar a complexidade como um dos pressupostos epistemológicos do

Pensamento Ecossistêmico, Moraes (2008c) também contribui ao afirmar que pensar de

maneira complexa implica (a) entender a dinâmica das inter-relações das partes que compõem

o todo; (b) compreender as relações e conexões presentes nos fenômenos; (c) enxergar o

objeto sob o ponto de vista histórico, afetivo e sociocultural, considerando sua natureza

ecológica e relacional; (d) perceber objetos e problemas de forma abrangente e não

fragmentada; (e) compreender relações ecossistêmicas; (f) perceber o mundo na perspectiva

de um padrão em rede, sem fragmentar a realidade; e (g) considerar, ao pensar o objeto, as

variadas relações contextuais e recursivas, interações e retroações imbricadas nos processos.

Procedimentos metodológicos da pesquisa

Com a intenção de responder a questão “em que medida, sob a ótica dos princípios da

docência transdisciplinar, as competências profissionais do professor da educação superior a

distância influenciam positiva ou negativamente o processo de aprendizagem, segundo

percepções discentes?”, foi realizada pesquisa com as seguintes características metodológicas:

(a) abordagem qualitativa; (b) entrevista individual semiestruturada (presencial); (c) público-

alvo constituído de dezessete estudantes de curso superior a distância de IES sediada em

Brasília/DF, sendo quatorze do gênero feminino e três do masculino, idade média de 40,5

anos, sendo um recém-formado e os demais cursando entre o 5º ao 8º período; (d) projeto

político pedagógico e matriz curricular da instituição pesquisada incluindo o Pensamento

Complexo; (e) os estudantes cursaram disciplina que inclui o Paradigma da Complexidade e

seus operadores cognitivos, a mediação pedagógica na ótica da complexidade, noções sobre

prática educacional interdisciplinar e transdisciplinar; (f) a coleta de dados foi realizada com

utilização de tópico guia, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e teste piloto,

cujas entrevistas computaram tempo médio de 38,1 minutos cada, totalizando 10,8 horas de

conversação; e (g) e o texto das entrevistas foi integralmente transcrito pelo pesquisador.

Busca de sentidos e significados das vozes discentes

O processo de análise clássica de conteúdos e interpretação das vozes discentes

possibilitou a definição das seguintes categorias “a posteriori”, num percurso de idas e vindas,

517

bifurcações, tropeços e avanços em busca de uma legítima e fidedigna tradução dos sentidos e

significados do conteúdo que emergiu das (singulares) falas dos entrevistados: modalidade

EAD, características do estudante virtual, competência profissional, características gerais dos

professores virtuais, competências dos professores virtuais, resultados positivos de

aprendizagem e competências da instituição. Da categoria “competência dos professores

virtuais” foram desdobradas as seguintes subcategorias: presencialidade virtual,

relacionamento interpessoal, didática, mediação pedagógica, além de dar e receber feedback.

A análise e a interpretação dos dados coletados nas entrevistas possibilitaram o

aprofundamento em questões cruciais relativas à educação a distância e às competências

docentes para atuação nessa modalidade de ensino. Sem a intenção de esgotar teorias,

conceitos ou metodologias e com a consciência de que a pesquisa apresenta pontos e

contrapontos, o trabalho final remeteu a uma (possível) ressignificação de parte das

competências docentes que levem ao alcance de desempenhos de aprendizagem condizentes

com as potencialidades de professores e estudantes virtuais, das tecnologias educacionais e da

modalidade EAD no ensino superior, à luz dos pressupostos da docência transdisciplinar.

Assim, foram observados, entre outros, os seguintes pontos relevantes:

a) Os discentes percebem a complexidade e os benefícios da educação a distância,

sobretudo quanto à sua flexibilidade e praticidade, bem como o desenvolvimento

da autonomia. Parte deles manifestou certa resistência, principalmente quanto ao

aproveitamento da EAD em relação à modalidade presencial.

b) Entre as características dos estudantes virtuais, os entrevistados ressaltaram a

imbricada relação entre a sua autonomia e a dependência do professor virtual no

processo de ensino e aprendizagem, além da necessidade de serem preparados

para o estudo e o aprendizado a distância.

c) As vozes discentes revelaram que as competências profissionais dos docentes –

técnicas e comportamentais – influenciam diretamente o processo de

aprendizagem, ratificando a complexidade, multidimensionalidade, convergência

e interdependência que existe entre elas.

d) Entre as características dos professores virtuais, na ótica dos entrevistados,

destacam-se atributos voltados para as competências “mediação pedagógica” e

“relacionamento interpessoal”, a exemplo de postura humanista, acolhimento,

abertura, escuta, humildade, flexibilidade e afetividade – de forma simbiótica e

associada à presencialidade e ao fornecimento de feedback, valorizando a

518

bagagem técnica e suplantando o instrucionismo. Os depoimentos revelaram ainda

características como bagagem acadêmica e pedagógica, atenção, mente aberta,

boas atitudes e amor pelas disciplinas. Por outro lado, ressaltaram a existência de

professor inabilitado para atuação na EAD, desatencioso e sem afetividade.

e) As competências docentes que mais se evidenciaram nos relatos estão

apresentadas no Quadro 1: presencialidade virtual; relacionamento interpessoal;

didática; mediação pedagógica; e dar e receber feedback, sendo que todas

apresentaram pontos fortes (indicativos propulsores) e oportunidades de melhoria

(indicativos fragilizadores) passíveis de impactar positiva ou negativamente o

processo de aprendizagem a distância, respectivamente, observando-se que os

propulsores convergem e os fragilizadores divergem da docência transdisciplinar.

Quadro 1 – Indicativos propulsores [+] e fragilizadores [-] do processo de aprendizagem a distância associados a

competências docentes

Competência Presencialidade Virtual

[+] A presença virtual é percebida pela preocupação

com a ausência discente, atenção, receptividade, acolhimento, atenção, interesse, interação,

participação, suporte, organização,

acompanhamento, condução, estímulo, fornecimento

de feedback tempestivo, auxílio, esclarecimento de

dúvidas e incentivo.

[-] A ausência virtual ocasiona debate “pobre”,

acompanhamento “superficial”, ansiedade, desmotivação, reclamação, pedido de aula virtual e

encontro presencial, incômodo, insatisfação,

insegurança, sentimento de abandono, evasão de

disciplina e desistência do sonho de ser educador.

Competência Relacionamento Interpessoal

[+] Os docentes são percebidos como “maternais”,

“amigos”, “calorosos”, afetivos, presentes,

receptivos, acolhedores, atenciosos, humanos,

abertos, empáticos, compreensivos, cuidadosos,

éticos, carinhosos, pacientes, gentis, dóceis,

apoiadores, bem como dispostos ao atendimento e

ao diálogo.

[-] Os entrevistados percebem ausência, “frieza”,

indisposição para atender, desatenção, descuidado,

descortesia, grosseria, desrespeito, incompreensão,

insensibilidade, severidade, egocentrismo,

autoritarismo, machismo, falta de apoio, abertura e

diálogo, falta de afetividade, acolhimento e

flexibilidade.

Competência Didática

[+] Os relatos apontam fatores como superação do

instrucionismo, boa didática, aplicação de princípios

da interdisciplinaridade, estratégias vinculadas ao

contexto discente, conexão da teoria com a prática,

consideração aos estilos de aprendizagem, atividades grupais e fomento à criatividade.

[-] Os relatos remetem a indicativos como mediação

“programada”, interação “engessada”, baixo

estímulo à criatividade, exige “decoreba”, educação

“bancária”, falta de aulas síncronas, professores

“rudes”, robóticos e “mecânicos”, necessidade de sala de aula mais flexível, debate não mediado e

curso muito “apostilado”.

Competência Mediação Pedagógica

[+] Os indicativos decorrentes da atuação docente

passam por disposição para “aprender junto” com os

estudantes, entrega, paciência, incentivo à pesquisa,

desenvolvimento do pensamento livre e da

autonomia, presença, doação, afetividade,

dedicação, reflexão além do texto, estímulo à

interação, resolução de situações adversas e

conflitos.

[-] Os entrevistados percebem, na mediação

pedagógica, aspectos como: falta envolver, instigar e

estimular o estudante, ausência de clima grupal, falta

disponibilidade, falta abertura, presença e apoio às

dúvidas, falta fomento e debate de temas

emergentes, poucos acolhem e solucionam os

conflitos, falta percepção, afetividade e dedicação.

Competência Dar e Receber Feedback

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[+] As vozes discentes percebem os seguintes

fatores na atuação docente: diálogo, elogio,

disposição, fornecimento adequado de feedback,

elevação da autoestima discente, estímulo ao

crescimento, atenção e sensibilidade.

[-] Os estudantes percebem, na atuação dos

professores, aspectos com mediação “superficial”,

sem intervenção efetiva, intransigência e resistência

ao diálogo, descumprimento de prazos de resposta,

respostas incoerentes e inconsistentes, feedback

grosseiro e falta de atendimento individual.

Fonte: Elaborado por Ribeiro (2015).

Considerações finais provisórias

Os pressupostos dos Pensamentos Complexo, Ecossistêmico e Transdisciplinar

levaram à compreensão de que as competências docentes (técnicas ou atitudinais) devem ser

identificadas, consideradas, observadas, analisadas, mensuradas e avaliadas individual e

conjuntamente (todo/partes), uma vez que – nos processos de ensino e aprendizagem –

manifestam-se de maneira simultânea, sinérgica, dialógica, indissociável, relacional,

interdependente, interconectada, complementar, interligada e integrada, corroborando a

recursividade e a retroatividade existentes entre o ser e o fazer.

Os indicativos fragilizadores do processo de aprendizagem ratificam o impacto

negativo decorrente das competências docentes, na medida em que é permeado por fatores

que (infelizmente) ainda predominam em muitos espaços de educação a distância, tais como:

ausência e silêncio virtual, sentimento de solidão e abandono, falta de vínculos relacionais e

afetivos, instrucionismo generalizado, não acolhimento de emergências, mediação não

partilhada, além de feedbacks vazios e “estéreis”.

Os indicativos propulsores do processo de aprendizagem a distância evidenciam o

grau em que a competência a eles vinculada se aproxima da docência transdisciplinar em

ambientes virtuais de aprendizagem, cujos atributos principais estão simbolicamente

apresentados na Figura 1 – que inclui as cinco competências do professor virtual que

emergiram de forma mais significativa na pesquisa –, apontando para uma (possível)

ressignificação das competências do educador na modalidade a distância, ou seja, uma

docência com consciência ecológica, integradora, reflexiva, criativa, renovada, ética,

transformadora e transdisciplinar.

520

Figura 1 – Ressignificação de competências do professor virtual à luz de indicadores da docência transdisciplinar

Fonte: Ribeiro (2015), com ilustração e design gráfico de Alex Guenther.

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