EXPOSIÇÃO DE FACTOS por R. R. KALLEY

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EXPOSIÇÃO DE FACTOS por R. R. KALLEY, M.D. & C. RELATIVOS À AGRESSÃO CONTRA OS PROTESTANTES NA ILHA DA MADEIRA LISBOA, Tipographia Luso-britânica de W. T. Wood, 28 – Rua direita das Janelas Verdes, 28 1875 EXPOSIÇÃO DE FACTOS Eu digo a verdade em Cristo, não minto, dando-me testemunho a minha consciência. Aos Romanos,IX, 1. Havendo sido publicado no dia 25 de Fevereiro próximo passado um oficio dirigido em data de 15 do mesmo mês da parte do Administrador do Concelho a S. Ex.ª o Governador Civil do Distrito, relativo ao Dr. Roberto Kalley, súbdito britânico (Documento n.º 1) e tendo aquele ofício sido subsequentemente seguido de um Edital (Documento n.º 4) de Sua Ex.ª o Governador Civil em data de 17 de Março corrente, censurando em termos fortes a conduta do Dr. Kalley, o mesmo Dr.Kalley julga que o seu carácter pessoal exige que ele publique a seguinte Exposição. O método mais claro que tem a seguir é, na sua opinião, expor primeiro as medidas que o Governo tem julgado a propósito tomar.

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EXPOSIÇÃO DE FACTOS por R. R. KALLEY, M.D. & C. RELATIVOS À AGRESSÃO CONTRA OS PROTESTANTES NA ILHA DA MADEIRA

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EXPOSIO DE FACTOSporR. R. KALLEY, M.D. & C.RELATIVOS AGRESSO CONTRA OS PROTESTANTES NA ILHA DA MADEIRALISBOA, Tipographia Luso-britnica de W. T. Wood, 28 Rua direita das Janelas Verdes, 281875EXPOSIO DE FACTOSEu digo a verdade em Cristo, no minto, dando-me testemunho a minha conscincia. Aos Romanos,IX, 1.Havendo sido publicado no dia 25 de Fevereiro prximo passado um oficio dirigido em data de 15 do mesmo ms da parte do Administrador do Concelho a S. Ex. o Governador Civil do Distrito, relativo ao Dr. Roberto Kalley, sbdito britnico(Documento n.1) e tendo aquele ofcio sido subsequentemente seguido de um Edital(Documento n.4)de Sua Ex. o Governador Civil em data de 17 de Maro corrente, censurando em termos fortes a conduta do Dr. Kalley, o mesmo Dr.Kalley julga que o seu carcter pessoal exige que ele publique a seguinte Exposio.O mtodo mais claro que tem a seguir , na sua opinio, expor primeiro as medidas que o Governo tem julgado a propsito tomar.I. No dia 16 de Janeiro passado recebeu o Dr. Kalley um aviso verbal de S. Ex. por meio do Administrador do Concelho, ordenando-lhe que no falasse a sbditos portugueses acerca de assuntos religiosos sob pena de ser processado. O Dr. Kalley pediu que se lhe fizesse o aviso por escrito, e que se lhe declarasse sobre que lei se basearia o processo. pois que ele ignorava que tivesse transgredido as leis em ponto algum. A nica resposta que recebeu foi tambm verbal: Cale a boca, ou ser processado.A este aviso verbal que se alude no ofcio anexo sob n. 1, como a advertncia de S. Ex. feita pessoalmente.II. No dia 20 de Fevereiro postaram-se oficiais de polcia nos diferentes caminhos que conduzem casa do Dr. Kalley para avisar o povo para l no ir.III. No dia 25 de Fevereiro apareceu noDefensoro ofcio n. 1.IV. No dia 17 de Maro foi enviado ao Dr. Kalley o ofcio, sob n. 2, ao qual ele deu a resposta, sob n. 3.V.Edital do Governador Civil, n. 4.VI. No Domingo, 19 de Maro, estacionaram-se oficiais de policia diante da casa do Dr. Kalley, encarregados do avisar a todos os sbditos portugueses, incluindo os que vinham como doentes, para no entrarem nela.VII. A ordem, sob N.5, transmitida aos Regedores de vrias Parquias e relativa aos Mestres empregados nas escolas do Dr. Kalley, mandando-lhes parar com as suas lies sob pena de priso, s porque eram pagos por ele, e sem serem acusados de haver inculcado algumas doutrinas errneas. Esta ordem foi expedida em 18 de Maro.VIII. No Sbado, 25 de Maro, os oficiais de polcia ocuparam os mesmos pontos do Domingo antecedente, e avisaram mais de 12 doentes para no entrarem na casa do Dr., alm de outras pessoas que vinham buscar remdios, apesar do mostrarem as receitas.IX. No Domingo, 26 de Maro, l esteve ainda a policia porta do Dr. Kalley; e querendo entrar por ordem dele uma sua criada, que serve de ama no seu Hospital, a policia lhe proibiu sem que desse o seu nome. Dado ele, entrou ela; mas sada, eles a prenderam e conduziram cadeia, alegando que ela dera um nome falso.X. No dia 28 de Maro, foi o Dr. Kalley autuado na Administrao Concelho por no cumprir a ordem, que lhe foi intimada pelo Mandado, sob n.2.Enquanto s escolas, o Dr. Kalley apenas dir que, tendo achado o povo num estado de grande ignorncia, estabelecera escolas em diferentes partes da ilha, nas quais mais de 800 adultos tem recebido instruo. Porm nestas escolas foi sua regra constante, nunca empregar outro livro alm da Cartilha usual e os Sagradas Escrituras, e todos os mestres e todos os seus discpulos so membros da Igreja romana. As Bblias e Testamentos empregados so dos traduzidos pelo Rev. Padre Antnio Pereira de Figueiredo, exactamente dos mesmos do que o Governo mandou despachar alguns,livres de direitos,para uso do Clero.O Edital, adoptando uma acusao contida no ofcio, sob n. 1 comea por afirmar, que S. M. F. a Rainha tem dado a mais sria ateno s representaes que tem recebido relativamente ao que ali se chama procedimento abusivo do Dr. Kalley, que se mete a explicar publicamente a seu jeito as Sagradas Escrituras, e a propagar doutrinas ofensivas e contraditrias aos Dogmas essenciais da Religio Catlica, Apostlica, Romana, negando a verdade e blasfemando dalguns dos mesmos Dogmas. O Dr. Kalley declara desde j, que nunca foi, nem ao presente ,da sua inteno ofender de modo algum, nem a S. M. F., nem ao Governo deste pais. Pelo contrario, ele sempre se esforou, desde o momento em que pela primeira vez pisou o solo desta Ilha, por se conduzir mui pacfica e decentemente, a ponto de ter a honra de receber em Maio 1841 um voto do agradecimento da parte da Cmara Municipal do Funchal, por ter durante mais de 18 meses de sua residncia dentro deste concelho, empregado constantemente o seu tempo no que a Cmara se dignou chamar actos da mais desinteressada filantropia, mantendo, sua custa, escolas de primeiras letras em vrias freguesias deste Concelho e Distrito, receitando e ministrando remdios de graa a todas as pessoas que o procuram, sustentando com o seu dinheiro nas imediaes de sua casa um Hospital, onde conserva constantemente diversos doentes, lendo e explicando s pessoas que o quiserem ouvir o sagrado texto do Evangelho, e sem tomar parte em polmicas que possam ferir do algum modo o dogma ou disciplina da Comunho Catlica; dissertando principalmente sobre a necessidade de cumprir com os preceitos morais da religio. (VideDefensor,n. 74, de 29 de Maio de 1841.) Nem relativamente ao jus que o D. Kalley tivesse a este elogio, nem enquanto exactido do que nele se diz, far ele observao alguma; mas contentar-se- com afirmar, que da linha de conduta, que seguia antes da data do Acrdo, pouco se tem desviado depois. Observar tambm, que S. M. foi, ainda que sem duvida inadvertidamente, mal informada enquanto sua explicao das Sagradas Escrituras, e a ter ele expressadopublicamenteopinies algumas contrarias Religio do Pais. Ele nunca pregou, ou explicou as Sagradas Escrituras fora. do lugar da sua morada, excepto numa s ocasio, sendo presente o Rev. Vigrio Francisco J. R. Pereira, o qual publicou uma declarao, e nela disse, que bem longe de ter o Dr. Kalley falado naquela ocasio coisa alguma ofensiva ou ilegal, felizmente naquela prtica, que quase toda consistiu na leitura da Sagrada Bblia, segundo o que ouvi e me informaram pessoas fidedignas, nada apareceu contrrio s Doutrina que a Santa Igreja Catlica, Apostlica, Romana nos manda crer e ensinar(Imparcial,N. 129, de Fevereiro de 1848). Sobre este ponto o Dr. Kalley espera que o amor de justia do Governador o induzir a esclarecer o nimo de S. M.Diz o Edital, que a Religio Catlica Apostlica Romana a Religio do Estado, e que se bem que pelo Art. 145, 4. da Carta constitucional, ningum possa ser perseguido por motivos de Religio, isto somente com, a condio de que se respeite a Religio do Estado; que a conduta do Dr. Kalley irreverente e injuriosa Religio do Estado, e mo pode por conseguinte ser tolerada; e que no sancionada pelo Tratado concludo entre os dois Pases, pelo qual garantido aos sbditos britnicos o livre exercido da sua religio. O Dr. Kalley pede licena, em primeiro lugar, para se referir ao art. 6. da Carta constitucional, que faculta aos estrangeiros o seu culto domstico e particular e tambm ao 6. do art. 145 da mesma Carta constitucional, que declara a casa do cidado um asilo inviolvel. alique ele tem lido as Escrituras, alique ele tem falado sobre assuntos religiosos e ele intimamente cr, que as explicaes que tem feito, e as opinies que tem emitido, tm sido limpas de erro Porm, como h pontos, sobre os quais as Igrejas britnicas diferem das de Portugal, o Dr. Kalley no goza do livre exerccio da sua religio, se lhe proibida a plena expresso das suas opinies acerca destes assuntos na sua prpria casa. Ainda quando pudessem entrar em duvida os seus direitos, considerados meramente com referencia Carta constitucional, ele est convencido, que no poderia acontecer o mesmo, quando fossem considerados com referencia ao Tratado, pelo qual se concedeu mutuamente, aos sbditos do qualquer dos dois reinos, o livre exercido das suas respectivas religies nos territrios de cada um deles. Ainda mesmo usando da mais plena expresso das suas opinies na sua prpria casa, ele no exerce uma to grande liberdade como a que concedida aos sbditos portugueses em Inglaterra. No somente permitido ali aos catlicos romanos o livre exerccio da sua Religio nas suas prprias casas, como tambm lhes concedido levantarem, sem o menor obstculo, qualquer edifcio para o seu culto que julgarem a propsito; e nenhum embarao sofrem os padres catlicos romanos, ou outros quaisquer, nos esforos que faam para converterem sbditos britnicos para as suas religies.O Dr. Kalley positivamente nega ter falado abusivamente, nem da. Religio do Estado, nem dos meus ministros, e cr do seu dever expor claramente quais as doutrinas que ele tem inculcado.Primeiramente observar, que suposto tenha sido assim publicamente acusado de ter pregado contra a Religio do Pais, todavia notvel, que nunca ele foi questionado a respeito das suas doutrinas, nem por algum empregado do Governo, nem por pessoa alguma por ele deputada, excepto por S. Ex. o ex-Governador Baro de Lordelo, o qual, tendo recebido uma explicao da parte do Dr. Kalley, ficou perfeitamente satisfeito. Mas consta ao Dt. Kalley particularmente, e por pessoas em quem julga dever confiar, que ele acusado, ainda que no publicamente, de ter ideias herticas relativamente :- 1.. Santssima Trindade;. 2. Virgindade de Maria, Me de nosso Senhor Jesus Cristo; 3. adorao dos Santos 4. adorao das Imagens; 5. de ter falado com desprezo da Sagrada Comunho; 6. de ser protestante.O Dr. Kalley expor desde j o que tem ensinado, e depois responder quelas acusaes.O Dr. Kalley cr firmemente, e por muitas vezes tem declarado sua crena nas seguintes verdades : 1. que h um Deus, que um esprito vivente, possuidor de infinita sabedoria, poder ilimitado, e existncia eterna, que olha com infinito desprazer para todos os pecados, porque do contrrio no poderia ser infinitamente santo; que tambm um Rei to justo, que todos os actos feitos dentro dos limites do seu Reino ho de receber a sua devida retribuio de prmio ou de castigo; que aquele SER glorioso v todas as criaturas, e perfeitamente sabe de todas as suas aces, ainda mesmo aquelas que so praticadas nas trevas, porqueas trevas no so escuras para Ele(Salm., cxxxviii, 21) ;-2. que todos tem pecado; queno h homem justo sobre a terra que faa bem, e que no peque(Eccles. vii, 21); nem um s; pois, para o qual, s pelo seu merecimento individual, Deus possa olhar sem desprazer;no h pois nenhum justo(Rom. iii, 10) ;que Deus, compadecido deste mundo rebelde, proveu um meio de salvar os criminosos da condenao eterna do inferno que a justia declarava terem eles merecido, o qual foi a morte de seu Filho Jesus Cristo Nosso Senhor, que voluntariamente se entregou a ela, e sofreu a clera e maldio em que incorrem os homens por causa do pecado. Cristomorreu por nossos pecados segundo as Escrituras(1 Cor. xv, 3) ;-4. que a sua morte tem suficiente valor para expiar todos os pecados, como Deus diz pela boca de S. Joo na 1. Epstola, i, 7:o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado,e isto porque a mesma pessoa, que morreu como homem, na verdade tambm Deus. Deus e Homem, duas naturezas distintas estando unidas numa s pessoa; a morte dela (Deus-Homem) foi urna expiao, a qual de merecimento infinito, porque aquele que se deu por ns infinitamente precioso ;- 5. que ele oferece a todos os pecadores a salvao de graa, declarando que:quem nele cr, no condenadoS. Joo, iii, 18),mas tem a vida eterna(36)e no morrer eternamente(xi, 26).Cr no Senhor Jesus, e sers salvo(Actos, xvi, 31). Assim, pois, a f que nos salva; e esta consiste em aceitar e confiar no Salvador que Deus mesmo nos oferece ;- 6.. que todos os que aceitam a Jesus por seu Profeta, Sacerdote e Rei, ho-de viver, e com efeito vivem, uma vida de boas obras. Como seu Profeta, ele ensina isto por escrito, e exemplificou-o com a sua vida; corno seu Sacerdote,deu-se a si mesmo por ns outros para nos remir de toda a Iniquidade, e para nos purificar para si(A Tito, ii, 14);. e como Rei, assim o manda. Se eles, pois, no vivem assim, por falta de confiana nele como seu Profeta, Sacerdote e Rei. E assim ao segue:pelas obras justificado o homem, e no pela f somente (Tiago, ii, 24);-7.Vem a hora em que todos os que se acham nos sepulcros, ouviro a voz do Filho de Deus; e os que obraram bem, sairo para a ressurreio da vida; masos que obraram mal sairo ressuscitados para a condenao (S. Joo, v, 28, 29, 30).O Dr. KALLEY OCUPAR-SE- AGORA COM AS ACUSAES CITADAS.I. Enquanto primeira acusao, declara mui solenemente, que cr, e sempre tem ensinado, que h um s Deus, que criou e sustenta todas as coisas; que h trs pessoas distintas, o Pai, o Filho, e o Esprito Santo; cada uma das quais por sua natureza Deus, possuindo todas as perfeies divinas, co-eternas e co-iguais; e que todavia no h trs Deuses, mas sim um s Deus distinto em pessoas, um em substncia, conforme ao que se ensina nos catecismos da Igreja romana.II. Enquanto segunda, ele tem por muitas vezes declarado, que est firmemente convencido, que a bem aventurada Me de Nosso Senhor Jesus Cristo era Virgem antes do parto, no parto e depois do parto de Jesus, Salvador do mundo.III. Enquanto terceira, ele se referir ao catecismo publicado por Carlos Joaquim Colbert, Bispo de Montpellier:Pergunta.- permitido adorar a Santssima Virgem, os Anjos, ou os Santos?Resposta NO; PORQUE ISSO SERIA IDOLATRIA. A IGREJA NO ENSINA, NO APROVA, NEM TOLERA UMA TAL ABOMINAO. Parte segunda,pag. 110.[i]O Dr. Kalley nunca disse coisa alguma a este respeito mais forte, do que assim foi dito por um Bispo catlico romano. Ele tem por diversas vezes declarado que os homens devem amar, honrar e imitar os santos, mas que estes no tem adorao, como Jesus diz:Ao Senhor teu Deus adorars, e a ele s servirs.S. Mateus, iv, 10:IV. Relativamente s imagens, ele tem lido as palavras da Lei de Deus, gravadas em Tbuas de pedra o registadas no xodo (xx, 4, 5), que diz:No fars para ti imagem de escultura, nem figura alguma de tudo o que h em cima no cu, e em baixo na terra, nem de coisa, que haja nas guas debaixo da terra. No as adorars, nem lhes dars culto; porque eu sou o Senhor teu Deus, o Deus forteezeloso, que vinga a iniquidade etc;e outras passagens semelhantes nas Sagradas Escrituras; e tambm tem repetidas vezes lido aos seus amigos as palavras do Conclio Tridentino, Sesso xxv: Non quod credatur in esse aliqua in eis (i. e. imaginibus) divinitas vel virtus propter quam sint colend, vel quod ab sit aliquid petendum, vel quod fiducia in imaginibus sit figenda veluti olim fiebat a Gentibus, qu in idolis spem suam collocabant. Esta passagem vertida literalmente, diz: No que se deva crer que haja nelas (imagens) divindade ou virtude alguma, que lhes d jus a serem adoradas; nem que se lhes deva pedir coisa alguma; nem que se deva pr confiana nelas como antigamente faziam os Gentios, que nos dolos punham suas esperanas. Mais do que isso nunca o Dr. Kalley disse.V. Enquanto o sacramento da Sagrada Comunho, o Dr. Kalley tem por muitas vezes declarado, que cr, que Deus est verdadeiramente presente naquele Sacramento; que ele o considera como um poderoso e eficaz meio de graa; e que os emblemas sensveis, empregados nele, tendo sido estabelecidos por nosso Senhor Jesus Cristo para representar o seu corpo e sangue,todo aquele que comer este Po, ou beber o Clice do Senhor indignamente ser ru do Corpo e do Sangue do Senhor(1. Cor. xi, 27), e por outro lado, aqueles que os recebem com f, alimentam-se verdadeiramente, e de uma maneira espiritual, do Corpo e Sangue de Cristo. Estas ideias no encerram o menor vislumbre de desprezopara com a Sagrada Comunho. O Dr. Kalley mui positivamente nega ter jamais falado com a menor falta de respeito daquela instituio to solenemente estabelecida por N. S. Jesus Cristo[ii].VI. Relativamente acusao n. 6. o Dr. Kalley diz queprotestacontra todos os que se atreverem a acrescentar revelao, que Deus nos deu da sua vontade, pois que o homem no mais sbio que Deus, nem se deve imaginar que Este pudesse omitir coisa alguma que quisesse ter revelado. Ele acha que S. Joo debaixo do ensino divinoprotesta,dizendo Euprotestoa todos os que ouvem as palavras da[iii]profecia deste livro: que se algum lhe ajuntar qualquer coisa, Deus o castigar com as pragas que esto escritas neste livro. E se algum tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, tirar Deus a sua parte do livro da vida e da cidade santa, e das coisas que esto escritas neste livro. Apoc.xxii, 18, 19.Se protestar, como S. Joo protestou, ser Protestante, o Dr. Kalley protestante: alis, no .Se qualquer indivduo, seja ele quem for, das igrejas de Roma, Inglaterra, Esccia, ou de outra qualquer confiar em JESUS, como seu Salvador, e se esforar por cumprir os seus preceitos e conselhos, o Dr. Kalley o reconhece por seu irmo.No preciso que o Dr. Kalley toque em nenhum outro ponto, visto que se lhe no faz nenhuma outra acusao. Entretanto observar que se, no exerccio do seu reconhecido direito, como cidado britnico, ele tivesse lido os Artigos e Homilias de Inglaterra, e as Confisses de F de Westminster, todos os entendedores no poderiam deixar de confessar, que ele teria introduzido coisas muito mais opostas a Religio deste Pais, do que nenhuma daquelas que ele tem tratado. Ele de todo o seu corao, aprova, e deseja ver realizada a esperana expressada no Edital do Governador: de que o Clero da Ilha se esforara por rebater (o que chama) asdesvairadasdoutrinas do Dr. Kalley porque ningum mais do que este deseja, que as suas doutrinas sejam passadas pelo toque das Sagradas Escrituras; porquanto certo, que se elas no puderem sofrer aquele toque, nenhum valor tero.No oficio sob n. 1, diz o Adm. do Concelho que, advertido pelas vozes do povo, pelas folhas publicas, e pelas prticas dos Procos em toda a Provncia; advertido pessoalmente por ordem de S. Ex. (o Governador Civil), e pelos processos comeados legalmente contra ele (Dr. Kalley) de que os seus sermes no a causanicados seus receios e dos pblicos incmodos, bastava-lhe (ao Dr. Kalley) recorrer sua vontade para restabelecer o seu e o publico descanso, desistindo de pregar, respeitando a religio e a Constituio do Estado, e observando ou sagrados direitos da hospitalidade.O Edital do Governador diz no mesmo tom: que no contente com propagar o erro, o Dr. Kalley procuratranstornara ordem pblica, sem considerao alguma para com a paz do pais onde vive.Que em tudo isto o Dr. Kalley tem sido injustamente representado, parece ficar j satisfatoriamente demonstrado. Todavia, como asseres tais, especialmente quando dimanadas de autoridades superiores, se no forem contraditas, podem prejudicar no s o seu carcter moral e respeitabilidade, como tambm os seus interesses: profissionais, ele desde j protesta contra elas, considerando-as como uma medida cruel o injustificvel. esta a primeira vez que ele tem ouvido mencionar com seriedade num documento publico a voz do povo, ou as observaes das gazetas, ou sermes do clero, como fundamentos para se proceder em respeito ao exerccio de um direito particular. Ele nega mui positivamente ter tido notcia alguma de se haverem instaurado processos contra a sua pessoa, excepto pelo dito Ofcio, sob n. 1, e ultimamente pela autuao que se lhe fez no dia 28 de Maro. Repete, que sempre se tem conduzido pacificamente, e que se por sua causa tem havido alguma aparncia de desassossego, tem sido causado por aqueles mesmos, que tinham por especial dever manter a ordem, como se ver pela seguinte enumerao dos factos.Na noite de 23 de Janeiro, alguma pessoa ou pessoas desconhecidas afixaram um papel na porta do Dr. Kalley, ameaando mata-lo, se continuasse a falar sobre matrias religiosas. Na noite de 27 do mesmo ms, foi a sua casa atacada, as suas vidraas da parte da rua quebradas por alguma pessoa, ou pessoas desconhecidas. Consequentemente, reclamou o Dr. Kalley no dia seguinte a proteco do Vice-Cnsul britnico, e em resposta se lhe assegurou que a polcia se esforaria por prevenir que se repetissem aqueles insultos. No oficio, sob N. 1,diz-se, que a residncia do Dr. Kalley era guardada de noite e de dia por oficiais de policia reforados por patrulhas militares noite, e que esta guarda ainda continuava data daquele papel em 15 de Fevereiro passado. Entretanto, durante aquele i intervalo, cometeram-se vrios atentados contra a paz pblica: O 1. no dia 29 de Janeiro pela volta das trs horas e meia da tarde, quando um Oficial de Diligncias procurou entrar violentamente em casa do Dr. Kalley, e no o podendo conseguir, postou-se com outros defronte da porta, e na presena de uma multido de testemunhas, insultou, na rua pblica, da maneira mais escandalosa as pessoas da amizade do Dr. Kalley, que saiam de sua casa. Indo ele em pessoa porta, o mesmo oficial lhe falou em termos que a decncia no permite repetir, e ameaou-o de ser deitado fora da ilha s pedradas. 2. Na noite seguinte (30 de Janeiro), coisa de 20 a 30 pessoas encapotadas postaram-se diante da casa do Dr. Kalley, dando gritos horrveis a ponto de o fazerem recear algum ataque declarado, e de induzirem a muitos dos seus amigos da vizinhana a acudirem sua casa para o defenderem, se fosse preciso. 3. Em 5 de Fevereiro passado, o mesmo oficial do governo local postou-se outra vez porta do Dr. Kalley, acompanhado ao menos por outro oficial, e empregou na rua pblica gestos ameaadoras, falando da maneira mais violenta contra ele. Portanto, ou quando se diz no oficio que a casa do Dr. Kalley era guardada de noite e de dia falso, ao se esses guardas estavam presentes, deixavam totalmente de cumprir com as suas obrigaes. Quem teve a culpa, pode inferir-se da seguinte circunstncia; no dia 5 de Fevereiro, e em outras ocasies, o Juiz Eleito da freguesia esteve presente, e depois assim escreveu ao Dr. Kalley a 9 de Fevereiro passado: Quando disse, que como Juiz Eleito me retirava de minhas obrigaes a respeito de V. S., quis dizer, que no recebendo efectiva e positivamente os socorros e providncias que exigi, para devidamente, o sem contradio, guardar o sossego da freguesia o prevenir quaisquer rixas, ou motins, como determina a Lei; e vendo que me abandonaram, como fizeram no Domingo de tarde, sem disso alcanar satisfao alguma, por isso me retirava; visto que a outros, ainda mais responsveis do que eu, lhes no importava o que era de sua obrigao guardar.Considerando a linguagem indecente e insultadora do oficial para com todos as pessoas que saiam porta do Dr. Kalley, parece espantoso que da parte dessas pessoas no houvesse a mnima violncia, e a sua pacincia digna dos maiores louvores.D-se a entender no ofcio, sob n. 1, que o Dr. Kalley Missionrio enviado por alguma Sociedade, porm isto nega ele solenemente. Ele no est, nem nunca esteve, desde que pela primeira vez veio a esta Ilha, no emprego, ou debaixo da dependncia de Sociedade ou Individuo algum. No tem recusado receber donativos voluntrios em benefcio dos pobres, j da parte dos seus amigos portugueses, j dos ingleses, os quais sinceramente agradece; mas excepto da parte dos seus doentes mais abastados a quem ele atende medicamente, nunca recebeu a menor remunerao pelos seus trabalhos na Madeira. Ele obrigado a mencionar, ainda que no sem bastante repugnncia (porque lho podem atribuir a ostentao), que tem atendido o administrado remdios de graa a muitos milhares de pessoas nesta Ilha.O Dr. Kalley protesta mui particularmente contra uma, que ele no pode deixar de apelidar -.grande injustia que se lhe tem feito geralmente; injustia que ele confia que o Governo prontamente reconhecer logo que lhe for apontada. Tem sido declaradocriminoso e perturbador da paz pblica,no somente sem prova, mas o que mais, sem processo, e sem ser ouvido em sua defesa. Desde que o Governo deu os primeiros passos a seu respeito, procurou ele saber -que lei tinha infringidoque crime se lhe imputavaque prova havia contra ele.Anica resposta que tem recebido foi, supor-se-lhe um crime, e conden-lo arbitrariamente.Ora, um dos primeiros princpios da jurisprudncia inglesa, assim como o h-de ser de todos os sistemas justos, que todo o homemdeve ser considerado inocente, enquanto se lhe no provar o crime.No basta que um indivduo seja acusado por magistrado, ou outras quaisquer pessoas, de ter cometido uma ofensa; porque a ser assim, estaria na mo de qualquer autoridade declarar quem deveria, ou no, ser considerado criminoso; e o governo se converteria em desptico. Todos os ingleses, e at mesmo o mais alto magistrado de Inglaterra, so responsveis pela sua conduta, mesmo quando fazem uma simples acusao contra algum; e o conhecimento daquele facto uma das garantias da nossa liberdade. PRESUME-SE QUE TODO O HOMEM EST INOCENTE, AT SER CONVENCIDO DE CRIME PELO TRIBUNAL COMPETENTE. Nenhum tribunal pronunciou ainda sobre o crime do Dr. Kalley, e ele conscienciosamente cr no ter cometido infraco alguma de lei.Diz-se no ofcio, sob n. 1: que se tm comeado processos contra ele. Se assim ,ainda mais revoltante se torna a injustia que se lhe faz naquele ofcio, no subsequente, e no Edital. A. administrao da justia deve ser pura e imparcial; porm no caso actual, todo o peso do Governo lanado na balana em prejuzo do acusado - ele j est julgado com antecipao. Se ele chegar a ser processado, o Juiz e o Jri dificultosamente podero resistir influncia, no somente do Administrador do Concelho, e da maior autoridade da Ilha, que o Governador Civil; mas at do prprio Governo da Rainha. Com esta preponderncia de autoridade contra si, que probabilidade ter ele de um processo justo e imparcial?Enquanto aos passos dados para impedir que venha gente sua casa, ele tem somente a notar, que se a Carta constitucional d ao Governo um poder to arbitrrio, sujeitar-se- a este, corno ele tenciona fazer, a outro qualquer acto da legal autoridade. No pde, contudo, acreditar, que aquele poder se estenda at o ponto a que tem sido levado; porquanto no somente se impediu a entrada da sua casa aos doentes, que tratava e que vinham v-lo por sua ordem; mas at a uma senhora que vinha, por convite, jantar com Mrs. Crawford, sua sogra.O Dr. Kalley est devidamente autorizado pela Escola mdico-cirrgica de Lisboa para praticar como Medico, o esta autorizao foi examinado e achada regular pelas autoridades da Madeira; e vista disto no pode deixar de julgar, que a arbitrria proibio feita aos doentes que a ele recorrem, uma interferncia ilegal nos seus direitos.Enquanto ordem promulgada pelo Governo relativa aos mestres de escola pagos pelo Dr. Kalley, se ela constitucional e legal, por mais que ele lamente este acto de autoridade to prejudicial ao povo, e destruidor dos seus esforos para o beneficiar, ele ser a ltima pessoa a opor-se-lhe e se ela no justificvel perante a lei, incumbe mais aos interessados a sustentao dos seus direitos, do que ao Dr Kalley interferir a este respeito.O Dr. Kalley julga, que no pode, de modo melhor terminar estas observaes do que servindo-se das palavras de Gamaliel, outrora pronunciadas no Conselho judaico, em respeito s doutrinas dos Apstolos:Agora pois enfim vos digo, no vos metais com estes homens, e deixai-os: porque se este conselho, ou esta obra vem dos homens, ela se desvanecer; porm se vem de Deus, no a podereis desfazer, porque no parea que at a Deus resistis. E eles seguiram o seu conselho. -Actos, V, 38.Funchal, 31 de Maro de 1843.P.S. Depois do Edital do Exm. Sr. Governador Civil, foi o Il.mo. Sr. Roque C. dArajo a casa do Dr. Kalley no Domingo 19, no Sbado 25, e no Domingo 26 do passado. Foi em consequncia autuado, assim como vrias outras pessoas, pelo Sr. Administrador do Concelho; e sendo o negcio levedo ao Poder Judicial, houve a deciso abaixo transcrita, enquanto ao Sr. Arajo, publicado noDefensor,n.170; e consta, que a respeito dos outros autuados houvera o mesmo resultado.1. Auto.Se as intimaes fossem feitas em virtude da lei, haveria desobedincia, porm no h lei alguma que proba um cidado ir a casa doutro; pelo contrrio, isto uma faculdade que provem da Liberdade Civil, aqual no podeser tirada nem coarctada por simples vontade da autoridade,porque est garantida na Carta Constitucional; por isso nada promovo .- Funchal Ocidental, 22 de Maro de 1843.Jos Jlio Rodrigues.Despacho.No h lugar a procedimento Criminal vista do Requerimento do Ministrio Pblico, e D. fique no Cartrio do respectivo Escrivo. Funchal Ocidental, 23 do Maro do 1843.Coelho.2. Auto.A matria deste auto a mesma doutro sobre que j dei a minha opinio; por isso se servir V. S. ordenar que se junte este quele e se lhe d o mesmo destino, distribuindo-se quando ainda o no esteja.-Funchal Ocidental, 29 de Maro de 1843.-Jos Jlio Rodrigues.Despacho.Na forma requerida pelo Ministrio Publico.-Funchal Ocidental, 30 de Maro de 1843.- CoelhoNo obstante esta deciso, a Polcia postou-se de novo na porta do Dr. Kalley no dia 2 do corrente, e intimou a todas as pessoas portuguesas, incluindo dois servos seus, e o portador de uma carta, para que no entrassem.Funchal,5de Abril de 1843.Documento. N. 1.Administrao do Concelho do Funchal2. Repartio.- Il.mo. e Exm. Sr. - Tendo-se pronunciado fortemente a opinio pblica contra o Dr. Roberto Reid Kalley, Mdico e sbdito britnico, por ter ultimamente ousado pregar entre ns contra a Religio Catlica Apostlica Romana, pediu esse estrangeiro por via do seu Cnsul, que se desse proteco sua casa para afastar dela qualquer insulto. Tem sido desde ento guardada a residncia do Dr. Kalley de dia e de noite por gente da Polcia com reforo de patrulhas militares noite; e protegido assim, continua os seus sermes aos rsticos e incautos que tem sabido atrair; parecendo portanto que se empenha em procurar e aumentar a indisposio pblica, e que se serve da proteco para ofender os protectores.Advertido pelas vozes do povo, pelas folhas pblicas, e pelas prticas dos nossos Procos em toda a Provncia, advertido pessoalmente por ordem do V. Ex. e pelos processos legalmente comeados contra ele, de que os seus sermes so a causa nica dos seus receios, e dos nossos incmodos, bastava-lhe recorrer sua vontade para restabelecer o seu e o nosso descanso; bastava-lhe no se obstinar contra tantas advertncias, desistir de suas catequeses, deixar de ostentar em terra de Cristos o esprito dos antigos mrtires em terra de infiis, - respeitar a religio o a Constituio do Estado,observar os sagrados deveres da hospitalidade.Ele porm no quer suspender sua carreira; exige imperiosamente que as Autoridades lhe guardem e defendam sua casa e pessoa para lhe entreterem o gosto de pregar contra a nossa Religio, e de livremente nos ofender.Sua vontade tem sido cumprida; todos os meios se tem empregado para que nenhuma violncia se pratique contra o perturbador da nossa tranquilidade, o s a Lei o puna; rondas civis e militares velam toda a noite porta do sua casa suportando quedas todo o rigor da estao.Tanta docilidade da parte das Autoridades, tanta prontido e esforo para manter a ordem, e cumprir a lei, deveriam ensinar o Dr. Kalley a ser tambm dcil connosco, cedendo a tantas advertncias, e afastando dos empregados e do povo, os trabalhos, desassossego e incmodos de que s ele causa, sem misso legitima.Mas j que ele se esquece do que por muitas e mui respeitveis consideraes deveria ter presente, rogo a V. Ex., a bem do sossego deste Concelho, que se sirva autorizar-me para lho lembrar por via do seu Cnsul, empregando mais este meio brando e delicado de o chamar a seus deveres, e de prevenir a continuao das consequncias de seu desautorizado e ofensivo procedimento, que com razo se antolham como funestas. Deus guarde a V. Ex.. Funchal, 25 de Fevereiro de 1843.- Il.mo e Exm. Sr. Governador Civil deste distrito. O Administrador do Concelho interino,Valentim Mendona Drummond.Est conforme.O Escrivo da Administrao,Joo Accioly de Noronha.Documento n. 2Joo Chrysostomo Ferreira Uzel, Administrador do Concelho do Funchal, Provncia da Madeira, &c. Em virtude das ordens que recebi do Exm. Governador Civil deste Distrito em Ofcio expedido pela 2. repartio, L. 5, N. 351, mando ao Oficial de Diligncias desta Administrao, Bernardino Roiz Pereira, que intime ao Dr. em Medicina Roberto Reid Kalley, da Nao britnica, morador no caminho do Monte, freguesia de S. Luzia, para que no continue a admitir em sua casa reunies de sbditos portugueses, nem a dirigir-lhes prticas, palestras ou discursos sobre matrias religiosas em sua dita casa, ou fora dela. O que cumpra. Funchal, 16 de Maro de 1843. Eu, Joo Accioly de Noronha, Escrivo da Administrao, o escrevi.Joo Chrysostomo Ferreira Uzel. Bernardino Roiz Pereira,Oficial de Diligncias.Documento n. 3RESPOSTA (Traduo.)Senhor. Tenho a honra de acusar a recepo da cpia de uma ordem de V. S. em data de 16 de Maro corrente, que diz expedida em conformidade com as determinaes de S. Ex. o Governador Civil do Distrito; pela qual, se bem a entendo, me proibido 1. admitir na minha casa reunies de sbditos portugueses; e 2. dirigir a sbditos portugueses prticas, palestras ou discursos sobro matrias religiosas, ou em minha casa ou fora dela. Enquanto primeira parte da ordem, peo licena, com todo o respeito, para perguntar de que fonte deriva S. Ex. a autoridade para me proibir receber na minha casa a quem eu quiser? Tenho examinado o Tratado ultimamente concludo entre o Governo portugus e o de S. M. britnica, assim como a Constituio, ora em fora neste pais, e no me possvel descobrir, nem em um, nem em outra, o menor direito para uma tal proibio. Enquanto segunda parte da ordem, em primeiro lugar julgo ter jus a fazer igual pergunta; porquanto me parece que, suposto eu pudesse vir a ser merecedor de castigo, se infringisse as leis (o que no sei que tenha feito at agora), todavia enquanto as no infringir, tenho todo o direito liberdade, garantida pela Constituio a todas as pessoas, de livremente expressar as minhas opinies. Outrosim reclamo o direito do expor francamente, em minha prpria casa, os meus pensamentos sobro todo e qualquer assunto, seja ele religioso ou de outra qualquer qualidade, estejam ou no presentes, pessoas naturais desta Ilha, e desde j protesto contra todo o ataque que se fizer minha liberdade neste ponto.Fazendo estas observaes, peo a V. S., que acredite que no pretendo em coisa alguma faltar ao respeito que devo ao Governador, nem a V. S., para com os quais desejo expressar a minha alta considerao. Sou,Senhor,Com todo o respeito, &c.Roberto Reid Kalley17 de Maro de 1843Documento n. 4EDITAL.Domingos Olavo Correia de Azevedo, Bacharel formado em leis pela Universidade de Coimbra, Comendador da Ordem de Cristo, Governador Civil do Distrito do Funchal, &c.Tendo S. M. F. a Rainha prestado a mais sria ateno s representaes que recebera sobre o abusivo procedimento do Dr. Roberto R. Kalley, residente neste Concelho do Funchal, o qual explicando publicamente e a seu jeito as Sagradas Escrituras, tem propagado doutrinas ofensivas e contraditrias aos dogmas essenciais da Religio Catlica Apostlica Romana, que professamos, negando o verdade, e blasfemando dalguns dos mesmos dogmas; E tendo outrosim a Mesma Augusta Senhora, expedido a esta Governo Civil os mais positivas e terminantes ordens para fazer proibir e embaraar as prticas, palestras e discursos daquele estrangeiro, no consentindo que mais se realizem os concursos e ajuntamentos em que ele propaga doutrinas condenadas pela Santa Igreja, e contrrias nossa Religio. Fao saber aos habitantes deste Distrito, que tenho no s tomado as medidas necessrias para fazer prontamente observar as determinaes de S. M. que deixo mencionadas, mas tambm hei recomendado s autoridades competentes hajam de proceder inexoravelmente contra todo aquele que de qualquer modo apoiar criminosamente os herticos intentos do Dr. Kalley. Verdade que este cismtico tem podido atrair proslitos dentre os desvalidos e ignorantes, levando-os com demonstraes de caridade e beneficncia; sendo por isso de esperar que rebatidos pelo nosso clero em desempenho dos seus deveres, os desvairados princpios derramados pelo mesmo cismtico, se consiga prontamente desviar esses incautos e menos ilustrados, do abismo em que se precipitam.Por extremo tem sido notvel o procedimento do Dr. Kalley; porquanto no s pretenda coma propagao de seitas errneas desviar do verdadeiro caminho da salvao este Povo Catlico Romano, virtuoso e respeitvel por seu amor e cordial venerao pela religio dos seus Maiores, mas tenta, sem considerao alguma para com o pais onde vive, transtornar a ordem pblica, desacatando o objecto da nossa primeira contemplao!Nesta coliso, pois, foroso proceder contra tamanha ousadia. Pelo artigo 6. da Lei Fundamental da Monarquia, a Religio Catlica Apostlica Romana a Religio do Estado, e como tal, protegida pelas leis do Pas, deve ser desagravada pela Autoridade, de todas as agresses e ofensas com que a pretendam destruir; e se bem que a mesma Lei diga no art. 145, 4.: Que ningum pode ser perseguido por motivos de religio todavia ali mesmo se imps a todos de respeitar a do Estado,e s assim lhes garantida a liberdade de conscincia. Em tais circunstncias sendo inegvel que no procedimento do Dr. Kalley se encontram factosde irreverncia e injria da Religio do Pas, no podem ser estes tolerados pelo Governo, e como tais, so tambm reprovados pelo Tratado celebrado com a Gr-Bretanha e ratificado em 29 de Julho de 1842, o qual assegurou, sim, aos sbditos britnicos o livre exerccio da sua religio, mas no lhes deu o direito de pregarem suas opinies religiosas, e de as derramarem em Portugal e seus domnios com detrimento da Religio do Estado, nem lhes permitiu a faculdade de fazerem proslitos, agredindo impunemente a mesma Religio.Por todos estes motivos chamo a ateno dos habitantes deste Distrito sobre to importante matria, assegurando-lhes que serei enrgico e terminante na pontual observncia das leis do Pas, e que farei punir implacavelmente aqueles, que infringirem e menoscabarem as mesmas leis. Suscito tambm em particular a ateno daqueles incautos que inconsideradamente se ho deixado levar das stolidas doutrinas, propagadas nas prticas do Dr. Kalley; espero que prestando madura reflexo gravidade de seu errado procedimento, se desviem da cega carreira que comeam a trilhar, abraando falsos princpios diametralmente opostos nossa Religio.Palcio do Governo Civil no Funchal, aos 17 de Maro de 1843.-DomingosOlavo Correia de Azevedo.Documento n. 5Cpia da ordem aos Regedores.V. S. apenas receber esta, passar a intimar na presena de duas testemunhas, quaisquer Professores ou professoras das Escolas de Primeiras Letras, que existam nessa parquia, pagas pelo Sr. Dr. Roberto Reid Kalley, da Nao britnica, para que no continuem a ensinar pessoa alguma, e quando depois de recebida a intimao, conste a V. S. que eles continuam, V. S. mos enviar a esta administrao acompanhados de dois cabos de polcia.V. S. me dar conta at segunda feira prxima da execuo da presente ordem, mencionando as pessoas que em virtude dela houver intimado. Deus guarde a V. S..Joo Chrysostomo Ferreira Uzel,Administrador do ConcelhoA Exposio publicou-se primeiro em Funchal no ano de 1843.NOTAS:[i]O Catecismo do Bispo de Montpellier foi impresso em Lisboa em 1776, com licena da Mesa Real Censria.[ii]Vendoque algum tem dito que o Dr. Kalley tem proibido vir o Sacramento ao seu hospital, julga ser do seu dever publicar o testemunho seguinte:Gerardo Jos de Nbrega diz, que tanto quanto ele sabe, o Dr. Kalley nunca proibiu o Sacramento de vir a qualquer doente, que o desejava no seu hospital, nem proibiu qualquer rito religioso que qualquer doente ou parente do doente pedia.(Assinado)Gerardo Jos de Nbrega.Testemunhas,William Fullerton, Fred. D. DysterOutros testemunhos iguais so assinados pelo dono da casa, o Sr. Francisco Xavier, e pela ama e sua filha.[iii]V-se dos versos 1 e 3 e outros do cap. XIV da 1. Epist. de S. Paulo aos Cor. que as palavras profeciae profetizartm o sentido de ensino e ensinar.

Disponvel em: http://arlindo-correia.com/020206.htmlAcesso em: 04 de agosto de 2015