Fabio Konder Comparato

download Fabio Konder Comparato

of 20

description

Metodo de Ensino Juridico

Transcript of Fabio Konder Comparato

  • Reflexes sobre o Mtodo

    do Ensino Jurdico.

    Fbio Konder Comparato Professor Titular de Direito Comercial da Facul-dade de Direito da Universidade de So Paulo.

    O sentido primignio de mtodo radica-se em hodos, isto , a via ou o caminho, com o prefixo meta indicando ligao ou seqncia. O mtodo , pois, antes de mais nada, o caminho a ser percorrido; na acepo figurada, a direo correta para se chegar a u m resultado. No campo intelectual, a ordenao do pensamento, a investigao racional, a pesquisa. E m acepes secundrias ou complementares, j na filosofia grega, mtodo passou a indicar u m trabalho ou obra cientfica (como em ARISTTELES, Poltica, 4, 2, 4), uma doutrina (PLATO, Teeteta, 183, "c") ou a prpria cincia, enquanto oposta arte (ARIST-TELES, tica a Nicmaco, 1,1).

    Essa sucesso semntica parece bem significativa para a poca contempornea, que no somente tem aprofundado a anlise epistemolgica, enquanto pressuposto de toda investi-gao cientfica, como tende, de certa forma, a reduzir a cincia ao seu prprio mtodo. Assim, quando Lord K E Y N E S procura caracterizar as cincias sociais, mais como u m mtodo do que como uma doutrina (it is a method rather than a doctrine, an apparatus of the mind, a technique of thinking, which helps its possessor to draw correct conclusions), ele indica, na verdade, a linha direcional de todo saber cientfico, na poca contem-pornea.

    N O T A : Convidado a comparecer, em exguo prazo, homenagem que to justamente se presta a GO F F R E D O T E L L E S JNIOR, por ocasio do seu jubileu na

    ctedra, vasculhei em meus escritos para encontrar algo que pudesse traduzir, ainda que palidamente, a admirao constante que o discpulo vota ao mestre. S encontrei estas reflexes, por mim apresentadas Comisso de Ensino da Faculdade. Ainda que toscas, elas tm o nico mrito de tratar de tema no qual o nosso querido homenageado viu consagrada uma de suas melhores quali-dades: a arte de ensinar, por ele transformada naquela espcie de paixo esttica, que o esplendor do verdadeiro, como queria P L A T O .

  • 120

    As razes dessa tendncia parecem assentar na extraordi-nria acelerao da descoberta cientfica e da acumulao de fatos histricos, levando o cientista e o pensador a criticar, sistematicamente, o prprio quadro geral de referncias dentro do qual se realiza a sua investigao ou a sua anlise. N o campo das cincias exatas, por exemplo, o grande efeito da "revoluo" einsteiniana no parece ter sido, apenas, a superao do sistema cosmolgico de N E W T O N , mas a revelao da necessidade cien-tfica de uma contnua crtica dos pressupostos da investigao fsica. J no terreno da vida social, constitui uma banalidade reconhecer que o aperfeioamento do sistema de comunicaes de massa conduz a uma tal acumulao de informaes, que a necessidade de uma ordenao preliminar do pensamento surge como princpio de sobrevivncia da razo. Especificamente, em matria de ensino, essa transformao radical do sistema de comunicaes ps fim, obviamente, ao antigo monoplio institu-cional atribudo famlia ou escola. O educando, agora, continuadamente "bombardeado" com informaes de todos os nveis e provenientes de todos os azimutes sociais, sentindo, mais do que nunca, a indispensabiiidade de u m mtodo de pensa-mento que o habilite a criticar e classificar essas informaes, segundo u m plano racional. O Direito e as Finalidades Sociais do seu Ensino.

    Se o mtodo consiste, portanto, na direo correta para se chegar a u m resultado, em se tratando do mtodo do ensino jurdico preciso, antes de mais nada, saber qual o resultado que se quer atingir, ou seja, quais as finalidades sociais do ensino do Direito e, tambm, obviamente, em que sentido se fala em Direito.

    N o que se refere estrutura do fenmeno jurdico, no parece exagerado reconhecer que, hoje, vai se estabelecendo u m largo acordo a respeito do seu carter tridimensional. Pode-se divergir quanto importncia de cada uma dessas dimenses normativa, sociolgica ou valorativa na composio do todo; mas a supresso de qualquer delas ressentida, geral-mente, como uma mutilao.

    Sob o aspecto funcional, h tambm u m razovel consenso no sentido de que o Direito visa convivncia harmnica dos homens, seja pela composio de conflitos de interesse j mani-festados, seja pela previso de conflitos futuros. No primeiro caso, os modelos de harmonizao social apresentam u m carter "processual" e conservador; no segundo, u m carter "poltico" e criador.

  • 121

    Advirta-se, desde logo, que esses gneros de modelos jur-dicos no correspondem, de forma alguma, tradicional dico-tomia direito pblico e direito privado. Os modelos "polticos" no so privativos do primeiro, da mesma forma que os modelos "processuais" no so exclusivos do segundo. Assim, para ficar-mos no exemplo histrico a que sempre se recorre, a evoluo do direito romano, at a poca republicana, acusava no direito privado u m carter "processual" e conservador, enquanto o direito pblico aparecia como predominantemente inventivo e transformador. N o perodo ps-clssico, com o reforo do poder poltico central, os papis se invertem, observando-se maior rigidez nos esquemas de realizao do direito pblico (com a conseqente multiplicao de crises) e maior flexibilidade e intervencionismo em matria de direito privado, com a prolife-rao de rescritos imperiais e o estabelecimento de uma cognitio extra ordinem no processo.

    E m qualquer dessas funes, porm, resulta claro que o Direito s pode ser pensado in concreto, dentro de u m sistema de possibilidades reais. A evoluo histrica tem demonstrado que a harmonia social no u m dado pr-fabricado, uma espcie de direito natural de forma abstrata e contedo varivel, mas a conciliao delicada e sempre precria de interesses mltiplos e complexos, n u m contexto histrico determinado. Como reflexo da vida humana, a ordem jurdica no pode ser experimentada in vitro.

    Quanto s finalidades do ensino jurdico, observa-se u m aparente antagonismo entre a formao generalizador a e desvin-culada de compromissos profissionais, de u m lado, e o ensino profissionalizante de outro. O primeiro tipo de formao, diz-se, pertenceu ao passado, era prprio de uma sociedade pr-indus-trial e elitista. Estava na origem do bacharelismo. O ensino profissionalizante, ao contrrio, seria o nico adaptado s necessidades de u m pas que deseja desenvolver-se, tanto eco-nmica quanto social e politicamente, no sentido de u m a maior igualdade de oportunidades.

    Pessoalmente, no vejo antagonismo entre essas concep-es, que apresentam, cada qual, virtudes e defeitos. Penso que o ensino jurdico no pode buscar, exclusivamente, uma ou outra dessas finalidades, mas, ao contrrio, procurar, em ambas, desenvolver as suas virtudes e reduzir os efeitos sociais de suas carncias. Parece bvio que, sendo o diploma de bacharel em Direito u m requisito legal para o exerccio de vrias atividades, ofcios ou profisses, as Faculdades de Direito no podem se dar ao luxo de organizar o seu ensino, unicamente, no sentido

  • 122

    da formao de "especialistas em generalidades". A arte profis-sional deve estar, constantemente, na mira de professores de Direito, como uma das metas da organizao do ensino. Mas, tambm, por outro lado, como a melhor tradio humanstica nos ensina, o estudo do Direito u m dos componentes indispen-sveis da formao cvica, dessa educao para a polis, cuja ausncia to cruelmente sentida numa civilizao tecnolgica de massas. De resto, por uma aparente contradio, to prpria de esquemas mentais mal elaborados, os propugnadores de u m ensino profissionalizante so os mais severos crticos do "pro-dutivismo capitalista" em matria educacional; e os adeptos do "ensino humanstico" no deixam de censurar o aspecto elitista das nossas Universidades. J tempo de conjugar ambas essas finalidades em um quadro educacional suficientemente compreensivo e aberto, para abrigar as mais diferentes vocaes.

    Carncias da Atual Metodologia.

    Se essa viso do fenmeno jurdico no se afasta muito da realidade, parece irrecusvel que a metodologia do ensino do Direito, entre ns, tem sido largamente inadequada. De modo geral, prevalece o mtodo da explicao de normas legais em sua estrutura abstrata, sem referncia quase nenhuma sua funo no contexto social. A concretizao da norma, quando se verifica, no esquema de conflitos de interesse j instalados e julgados. Nesse esquema abstrato e "processual", o discente, na grande maioria dos casos, instado a receber as solues do chamado direito positivo, sem nenhuma contribuio crtica ou criadora. N a melhor das hipteses, levado a "redescobrir" a resposta j existente e completa na ordenao jurdica, sob a enganosa aparncia de "julgamento"; quando j se sabe, hoje, que a funo jurisdicional no simples revelao de solues j prontas, mas construo de justia para o caso concreto. Assim, de um lado, no esquema "processual" falta o treino da verdadeira concretizao do juzo jurdico, na considerao das complexas circunstncias de cada caso, como se o Direito se reduzisse a uma lista de receitas. De outro, rarssimas vezes se tenta uma metodologia da criao jurdica, essa ars combina-toria que faz apelo imaginao e ao esprito inventivo. Ora, em certos ramos da advocacia, como a empresarial por exemplo, a construo de solues jurdicas novas se impe a cada dia. O que se pede ao advogado, a, no apenas a indicao do lcito e do ilcito, a informao sobre o estado da jurisprudncia,

  • 123

    mas a criao de esquemas harmnicos e sob medida para o caso concreto, esquemas que a doutrina ainda no imaginou nem os tribunais julgaram.

    Por outro lado, no tocante finalidade de formao cvica, o ensino do Direito tanto aqui como alhures, alis carece de uma adequada viso sociolgica dos institutos jurdicos e de sua crtica axiolgica, em funo das necessidades e aspiraes prprias, de cada povo e cada poca histrica, e m prol de maior justia. significativo observar, assim, como os estilos dogm-ticos revelam, em sua petrificao histrica, os esquemas men-tais que os originaram. N a tradio do ensino jurdico francs, por exemplo, o estilo doutrinrio francamente dissertativo. A tese de doutoramento pice de rsistance de todo candidato ao magistrio , classicamente, dividida em duas partes que no se opem, nem mesmo artificialmente, para dar lugar a uma "superao" final, nos moldes da tradio sorbonneana, mas se completam. O estilo , naturalmente, expositivo e no-crtico; menos ainda inventivo. N a Itlia, predomina o abstra-cionismo conceituai. N o Brasil, o gnero doutrinrio mais pre-zado pela prtica profissional consiste nos comentrios a textos de lei. Mas em nossos meios acadmicos persiste, curiosamente, a tradio "cientfica" inaugurada pelos pandectistas, na segun-da metade do sculo xix, como reao escola da exegese, desen-volvida em funo do movimento de codificao napolenica. O abstracionismo sistemtico e conceituai sempre apresentado, orgulhosamente, como produto da "cincia" e oposto ao pobre casusmo da praxe forense.

    E m todos esses estilos, afinal, transparece com nitidez o desprezo pelas dimenses sociolgica e valorativa do Direito. C o m isto, a "cincia" jurdica reduzir-se-ia a mero exerccio de lgica formal e organizao sistemtica de conceitos (quando realmente se atinge esse resultado, o que nem sempre acon-tece . . . ) . Parece indispensvel que os Professores de Direito tenham uma conscincia clara dessa diferena e dos verdadeiros ttulos racionais do conhecimento jurdico, a fim de evitar no s essa ridcula pretenso "cientfica", como o ceticismo anti-racional de muitos profissionais bem sucedidos.

    A aplicao do mtodo prprio das cincias da natureza ao conhecimento do homem e das realidades humanas constitui, ainda hoje, u m erro tanto mais funesto quanto menos aparente. Ele surge agora, com redobrado vigor, na corrente anti-histo-ricista liderada por K A R L POPPER. Se a tentao da reductio ad unum tem sido permanente na histria do pensamento, o seu perigo torna-se manifesto nos dias que correm, em razo do

  • 124

    formidvel prestgio da tecnologia triunfante. O que no redutvel aos esquemas das cincias exatas no racional. Para-fraseando H E G E L , poder-se-ia dizer que, para o homem moderno, todo natural racional e todo racional natural. Com isto, ou se dilui o fenmeno humano na natureza ou se evacua o homem do universo racional.

    Os Precursores do Novo Mtodo.

    interessante observar, no entanto, como nos primrdios do grande movimento cientfico, duas inteligncias de primeira grandeza P A S C A L e Vio procuraram dar ao conhecimento das coisas humanas foros racionais de autonomia, em relao simples lgica ou s cincias da natureza. No parece demasia-do relembrar, aqui, o seu pensamento, pelo menos como a demonstrao de que os novos mtodos do ensino do Direito no so uma ousadia do nosso tempo.

    N a distino pascalina entre esprit de gomtrie e esprit de finesse j se apontam todos os elementos da antinomia meto-dolgica, explicitados nos sculos seguintes: pensamento abs-trato e julgamento concreto, unidade e pluralidade de princpios, razo lgica e razo axiolgica. No esprit de gomtrie, os poucos princpios so palpveis, mas afastados do uso comum. No campo do esprit de finesse, ao revs, os princpios so to sutis e em to grande nmero, que quase impossvel v-los todos, mesmo para quem dotado de boa viso. N a verdade, esses princpios, a, so antes sentidos do que vistos. preciso possu-los de uma s vez e no progressivamente, por via de raciocnios. Eis por que raro que o gemetras sejam espritos finos e os espritos finos sejam gemetras. Estes ltimos, que-rendo tratar geometricamente as coisas finas, se tornam ri-dculos, pois o conhecimento dessas coisas no se adquire por definies e raciocnios. P A S C A L sentia, pois, a especificidade dos valores e a necessidade da intuio como forma de conheci-mento. lgica da conseqncia, desenvolvida por meio de proposies, antevia a lgica do prefervel, que implica sempre u m julgamento, isto , uma escolha entre possibilidades.

    Por esse caminho entreaberto enveredou G I A M B A T T I S T A V I O meio sculo aps, fazendo da instituio das cincias do homem a querela de toda a sua vida. Precisamente, na lio inaugural da Universidade do Reino de Npoles, em 18 de outubro de 1708, desenvolveu as bases da nova metodologia. Retomando, como tema retrico, a clssica disputa entre antigos e modernos, que ocupara boa parte da atividade intelectual do

  • 125

    sculo xvn, props-se, aparentemente, a demonstrar a exceln-cia do mtodo antigo. N a verdade, sob a aparncia de uma defesa e ilustrao do pensamento clssico, lanou os funda-mentos dessa "cincia nova", adaptada ao conhecimento da realidade humana.

    Vio principia por assinar u m campo preciso e limitado "nova crtica" (o mtodo cartesiano), que passara a empolgar os espritos. Observou que ela servia to-s para aprender as coisas certas, o mundo fsico, sendo propriamente imprestvel para captar a realidade humana, que o mundo do verossmil. A este ltimo, s se pode aceder por meio da prudncia, cuja extrema dificuldade e delicadeza no escapara aos antigos. A geometria, para estes, no passava de uma espcie de "lgica infantil", enquanto a prudncia exigia redobrado esforo, pois implicava, de certa forma, que se "forasse" a natureza pela imaginao e no apenas se a descobrisse pela anlise.

    Ora, o mtodo prprio da prudncia a tpica (retrica ou arte da argumentao), que procede por totalidades e acumulao de razes, e no por meio de anlises em busca de uma razo ltima. Pois, se a finalidade do mtodo cartesiano a verdade e a certeza, a finalidade da retrica a persuaso. A verdade, com efeito, uma s, ao passo que as verossimi-lhanas so muitas e os erros infinitos.

    No se trata, por conseguinte, de substituir u m mtodo ao outro, mas de saber manejar habilmente u m e outro, con-forme o objeto de conhecimento. VlCO percebe com clareza as limitaes de ambos e as suas ms inclinaes, por assim dizer. urn fato que a antiga tpica acabava aceitando, facilmente, o erro, enquanto a nova crtica repele o mundo das verossimi-lhanas. Da preconizar a utilizao de u m mtodo mais com-pleto, o qual, enriquecido com os argumentos da tpica, sou-besse, ao mesmo tempo, "cultivar o bom senso e conduzir prudncia civil e eloqncia; alm de desenvolver a fantasia e a memria, encorajando, com isso, as artes que subsistem mediante essas faculdades da mente; e, somente por ltimo, cultivar a crtica (cartesiana)" ,

    Enfileirando-se entre os defensores do humanismo clssico, sustenta que o mais grave inconveniente dos estudos da poca era a preocupao com as cincias naturais, deixando-se as cincias humanas (morais) relegadas a plano secundrio, sobre-tudo aquela parte das cincias morais que trata da ndole da alma humana e tambm a cincia do Estado. "Hoje", procla-mava, "o nico fim dos estudos a verdade; o que nos leva a investigar a natureza que nos circunda, porque parece certa, e

  • 126

    no a nossa natureza humana, que pelo livre arbtrio faz-se incertssima. Com isto, esse mtodo de estudos engendra, entre os jovens, o grave inconveniente de no faz-los agir com sufi-ciente prudncia na vida cvica (...)".

    l a prudncia a virtude magna da vida social, pois "as coisas humanas so dominadas pela ocasio e pela escolha, uma e outra incertssimas". N a cincia, distinguem-se os que buscam uma causa nica, qual possam reduzir todos os fenmenos naturais; enquanto na "prudncia civil" ilustram-se os que, diante de u m fato, investigam o maior nmero possvel de causas, para discernir, dentre elas, qual a decisiva, conforme as circunstncias do caso concreto. Nas coisas humanas, h pois duas atitudes a evitar: a "racionalidade retilnea" das cincias exatas e a submisso ao capricho e ao acaso, to freqente no homem comum. A verdade das coisas humanas no apenas o domnio do ser, mas tambm o do aparecer: manifestao do ser enquanto aceito como tal pelo consenso dos homens, segundo o critrio supremo do convvio ou socialidade. Por isso, certissimamente, os romanos se manifestavam, nessas matrias de prudncia, seja como jurisconsultos, seja como senadores, por meio de pareceres (videri ut...).

    Quanto ao mtodo prprio da jurisprudncia, VlCO lembra que ela era, na Grcia, tripartida em filosofia, praxe e retrica, enquanto em Roma a sabedoria dos jurisconsultos distinguia-se, cuidadosamente, da arte dos advogados. A poca moderna, po-rm, unificou a jurisprudncia, produzindo u m resultado am-bguo. De u m lado, o advogado tende a conhecer melhor o Di-reito, o que uma vantagem. De outro lado, porm, a jurispru-dncia torna-se "esqueltica", pela falta de eloqncia, e se enfraquece com a ausncia de uma segura orientao filosfica.

    A Lgica Prpria do Saber Jurdico.

    Precisemos, agora, mais exatamente, o tema destas refle-xes. O mtodo do ensino jurdico ser uno ou mltiplo? A pluralidade de mtodos vlidos, no mesmo tempo histrico, so existir na medida em que houver mais de u m objeto dentro no qual aplicar essa direo correta ou caminho apropriado. E, efetivamente, o Direito, em sua realidade tridimensional, tanto pode ser objeto de cincia (conhecimento racional), como de arte. Embora ambas existam como momentos de implicao recproca, tendo por objeto, largamente, idntico fenmeno social, distinguem-se quanto funo que cada qual exerce. Nesse sentido, o mtodo jurdico no , apenas, uma via ratio-

  • 127

    nalis inquirendi, mas tambm u m a via rationalis operandi. E o mtodo de ensino do Direito no pode deixar de se fundar tanto na lgica prpria dessa cincia ou sabedoria, quanto na tcnica adequada dessa arte.

    Os desenvolvimentos doutrinrios mais recentes tm reve-lado que a lgica prpria do Direito, enquanto processo orde-nado de conhecimento, distingue-se, nitidamente, do procedi-mento silogstico ou raciocnio por conseqncia. Neste, a con-cluso uma s, ainda que as premissas no sejam verda-deiras. U m a vez postas estas, portanto, a concluso decorre necessariamente (salvo erro grosseiro de raciocnio), como conseqncia implcita, sem qualquer acrscimo ou inveno. A lgica jurdica, diferentemente, a da deciso e da esco-lha entre vrias possibilidades; a lgica da preferncia e no da conseqncia, revelando, pois, a sua ndole voluntarista e axiolgica (o que no significa, de modo algum, irracional). A norma geral, assim como a deciso particular, no objeto de demonstrao, mas de justificao. N o procedimento desta, o sujeito que comanda, interpreta ou decide contribui, necessa-riamente, para a soluo dada, com a sua vontade e as prefe-rncias axiolgicas, prprias ou da sociedade em que vive. A razo fundamental dessa diferena parece residir no fato de que as cincias da natureza constituem o domnio da obje-tividade (ou, se quiser, da unisubjetividade, para se no olvidar a necessria implicao sujeito-objeto em todo processo de co-nhecimento) ; enquanto o Direito, tal como a poltica, supe a intersubjetividade, isto , a interferncia vital de mais de u m sujeito. A demonstrao cientfica deve ser apodtica; justifi-cao jurdica, porm, basta ser convincente, pois aquela busca a verdade, enquanto esta se contenta com verossimilhanas. A discutibilidade de normas ou decises jurdicas no pode ser totalmente eliminada, a no ser mediante u m acordo de vontades, pois no h critrio fsico ou "natural" que elimine as preferncias subjetivas.

    O valor educacional dessas asseres m e parece evidente. C o m efeito, a pretenso de descobrir a verdade, no campo da moral social e do Direito, apresentando-a sob a forma de evi-dncia unicamente recusvel por espritos desonestos ou vicia-dos, constitui a matriz de todos os totalitarismos. E m direo oposta, a prtica do mtodo dialtico e da tcnica argumenta-tiva, para se chegar a u m acordo entre partes com interesses distintos, representa a grande escola de convivncia social, o primeiro e fundamental aprendizado da democracia pluralista.

  • 128

    A justificao do decisrio na sentena, sob pena de nuli-dade (Cdigo de Processo Civil, art. 458 II), e o dever imposto ao magistrado, ao aplicar a norma, de atentar para os fins sociais a que ela se destina e as exigncias do bem comum (Lei de Introduo ao Cdigo Civil, art. 5.) inserem-se nessa lgica prpria do juzo jurdico, feita de razo voluntarista e axiol-gica. P A S C A L , alis, j assinalara, em matria de f (ou seja, de confiana, to importante na vida do Direito), essa interfe-rncia da vontade, sem importar em irracionalismo. La volont, observou, est un des principaux organes de Ia crance (leia-se croyance); non qu'elle forme Ia crance, mais parce que les choses sont vraies ou fausses, selon Ia face par ou on les regarde. La volont qui se plait Vune plus qu' Vautre, dtourne Vesprit de considrer les qualits de celles qu'elle n'aime pas voir; et ainsi Vesprit, marchant d'une pice avec Ia volont, s'arrte regarder Ia face qu'elle aime; et ainsi il en juge par ce qu'il voit (Penses, ed. Brunschvicg, n. 99).

    N o campo jurdico, o arbtrio da vontade na deciso indi-vidual limitado pelo quadro legal, assim como o arbtrio do legislador circunscrito pelo quadro constitucional. Mas dentro desses limites, a vontade no s pode como deve se manifestar na criao e na aplicao da norma, pela eleio de uma dentre vrias possibilidades.

    Da por que o ensino jurdico no deve se mover, unica-mente, na rea das certezas, mas tambm suscitar a dvida, como mtodo de pensamento. J se assinalou que a dvida difere, radicalmente, da ignorncia, que u m estado no apenas nega-tivo mas, sobretudo, passivo. a quietao no no-saber, m-xime quando o ignorante no sabe que ignora. Quem duvida, ao revs, j principia por perceber que no sabe e no se conforma com esse estado negativo. Procura uma via ou direo para chegar ao saber. Toda dvida, pois, se resolve n u m mtodo, da mesma forma que todo mtodo supe a dvida, como disposio de procura. A contribuio genial de D E S C A R T E S , na histria do pensamento, consistiu, justamente, em apontar esse cami-nho simples e direto para resolver as inquietaes do "outono da Idade Mdia". a dvida metdica.

    Nesse ponto, frise-se que u m dos grandes vcios do estilo tradicional de ensino do Direito o de evitar, sistematicamente, a dvida. A esse desempenho de pobre auto-suficincia se chega por dois caminhos diversos. O primeiro consiste em supor, esco-lasticamente, que assim como todas as hipteses de fato esto previstas no sistema de direito positivo o postulado clssico da inexistncia material de lacunas assim tambm toda inda-

  • 129

    gao especulativa encontra resposta na cincia jurdica, e uma s resposta. A outra maneira de se evitar a dvida fecunda consiste em apresentar, ceticamente, a multiplicidade infindvel de solues legais, jurisprudenciais ou doutrinrias para justificar a escolha individual e "livre" de qualquer deciso. U m a espcie de adaptao, ao mundo jurdico, do lugar-comum de gustibus non disputandum. De ambos os modos, desencoraja--se, no educando, o hbito de pensamento criador e a confiana na razo jurdica; pois toda criao, nesse campo, s pode ser racional, isto , justificvel segundo critrios aceitveis pelas demais inteligncias.

    O verdadeiro mtodo de pensamento jurdico parte da in-quietao, requer a dvida como ponto de partida, mas se resolve sempre na escolha mais justa, isto , socialmente mais apta a pacificar os espritos. Isto supe, necessariamente, u m quadro objetivo de referncias a ser respeitado, anterior e supe-rior vontade das partes, como elemento garantidor da certeza e da segurana, indispensveis ao convvio humano.

    Foi exatamente nessa linha de pensamento que se situou H A N S K E L S E N em suas consideraes finais a respeito da inter-pretao jurdica, na Teoria Pura do Direito. A interpretao da norma consiste no delineamento da moldura, dentro da qual cabem as diferentes possibilidades. E a aplicao da norma uma escolha, u m ato de vontade, elegendo a interpretao prefe-rvel no caso concreto, mas sempre dentro da moldura legal. Ele critica, com razo, a opinio largamente aceita, de que uma norma comporta sempre e necessariamente uma nica interpre-tao : a interpretao "correta". por fora dessa fico ideo-lgica que a histria das doutrinas jurdicas e a evoluo das correntes jurisprudenciais aparecem geralmente, aos olhos dos estudantes, como autntica "comdia de erros", como disse ASCARELLI.

    Mas embora se rejeite a lgica do dualismo "verdade erro" na interpretao das normas jurdicas, admitindo-se a sua plurissignificao e, portanto, a possibilidade jurdica de vrias leituras, bem de ver que, mesmo in abstracto e em termos gerais, h sempre uma interpretao melhor, isto , prefervel s demais. E essa preferncia funda-se numa justificao de ordem valorativa, nem sempre consciente ao prprio intrprete.

    justamente por se fundar nessa lgica voluntarista e axiolgica que o Direito parte de u m acordo de vontades e visa sempre a u m acordo de vontades. Mesmo quando a soluo do conflito de interesses se revele impossvel sem o concurso de

  • 130

    uma vontade externa e superior das partes, deve-se sempre, como condio legitimadora da ordem social, pressupor a exis-tncia de u m acordo fundamental quanto soluo de litgios particulares por uma autoridade soberana. Nesse particular, como salientou LVI-STRAUSS, a antropologia e a sociologia contemporneas trazem u m apoio considervel intuio fun-damental do "Contrato Social", apresentada por R O U S S E A U .

    Mas se essa lgica da preferncia difere, sensivelmente, da lgica da conseqncia, preciso evitar qualquer adeso ao irracionalismo e supor que, no campo do Direito, no h lugar para os procedimentos tradicionais da anlise conceituai, das classificaes sistemticas e do encadeamento rigoroso de propo-sies. Seria isso desconhecer as prprias matrizes intelectuais da jurisprudentia, como saber autnomo, em Roma, sob o influxo da filosofia grega. Todo o impressionante trabalho de constru-o doutrinria do Direito Romano que ainda hoje admira-mos como u m dos grandes monumentos culturais da humani-dade fundou-se no mecanismo, afinal bem simples, de diffe-rentiae, distinctiones ou divisiones, de u m lado, e de regulae e definitiones, de outro.

    O saber jurdico no repudia, pois, a lgica formal; simples-mente, no lhe atribui uma funo exclusiva no raciocnio. Mas sem o respeito lgica formal no h saber algum nem tampou-co possibilidade, ainda que remota, de transmisso do saber, ou seja, de cultura. A linguagem da comunicao racional , estru-turalmente, moldada pelos princpios lgico-formais. Seria u m funesto desvio abandonar essas exigncias elementares de racio-nalidade, para aderir a u m modismo intelectual qualquer.

    Por outro lado, no se pode deixar de assinalar que a tenta-tiva de aplicao em Direito da tradicional antinomia entre o mtodo dedutivo e o indutivo perde sentido quando se admite a estrutura tridimensional do fenmeno jurdico. A simples deduo de uma concluso, pela anlise da norma geral e a qualificao do caso concreto, to insuficiente para a justa composio dos conflitos de interesse, quanto a expresso de uma soluo normativa a partir do levantamento estatstico dos fatos ocorridos. mister habituar o aluno a harmonizar a anlise do texto normativo, no s com a considerao das peculiaridades do caso concreto, mas tambm com as exigncias tico-sociais do momento histrico. O que exige, obviamente, muito maior esforo didtico e preparao cultural do professor.

  • 131

    O Mtodo do Ensino da Arte Jurdica

    Saldemos agora, antes de prosseguir, o balancete das refle-xes at aqui expostas. Vimos que a lgica prpria do saber jurdico e que deve, portanto, ser ensinada e m suas bases racionais e aplicada sistematicamente, em nossas Faculdades de Direito a da preferncia, cuja meta no consiste na demonstrao de uma verdade "objetiva", mas na justificao de uma escolha. Vimos, igualmente, que essa justificao axio-lgica s tem sentido no contexto de u m acordo de vontades, o qual no se obtm, perfeitamente, seno por via de convenci-mento.

    Resulta de tudo isso a importncia considervel da tcnica da argumentao, como instrumento da arte jurdica. A sua ausncia nos programas e mtodos de ensino do Direito, nos ltimos tempos, constitui uma das mais srias razes do despre-paro de nossos bacharis para o exerccio de uma profisso jurdica.

    A teoria da argumentao representa o que a tradio aristotlica denominou "retrica". O retrico, na definio clssica, o vir bnus dicendi peritus. Dois elementos devem ser ressaltados nessa definio: a boa formao da persona-lidade humana (vir bnus) e a habilidade ou proficincia na arte da expresso verbal (peritus dicendi).

    A destreza retrica supe, em primeiro lugar, a boa forma-o da mentalidade jurdica, em funo dos grandes valores que devem enformar toda a ordem social: a justia, a ordem, a segurana, a liberdade. a que faz sentido, justamente, pensar no ensino do Direito como destinado, tambm, preparao para a vida cvica e poltica, como salientei acima. E a, igual-mente, que se verifica o grave erro pedaggico de relegar s trevas exteriores nas Faculdades de Direito, com a invocao do lugar comum de que aos estudantes cabe estudar e no "fazer poltica", todos os debates em torno da legitimidade de nossa ordenao jurdica. Que "formao moral e cvica" esta, capaz de impedir as novas geraes de exercitar o seu livre julga-mento moral e a sua escolha cvica? A institucionalizao desse debate tem que ser feita nas Faculdades de Direito, educando-se os alunos pluralidade de preferncias e ao recurso s anlises crticas, que no so meras "paixes do crebro", mas sim o "crebro das paixes", como escreveu o jovem M A R X na Crtica Filosofia do Direito de Hegel.

    A habilidade ou proficincia na arte da expresso verbal significa, antes de mais nada, como bvio, o domnio grama-

  • 132

    tical e estilstico da lngua. Nesse sentido, a antiga formao literria do curso secundrio, abandonada em proveito de pseudo-exigncias tecnolgicas e de u m desastroso "objetivis-m o " do exame vestibular, representava u m a preparao muito mais inteligente aos cursos jurdicos do que o atual empilha-mento catico de noes mal digeridas, realizando em sua pleni-tude o ceticismo do poeta: "estudar uma coisa em que est indistinta a distino entre nada e coisa nenhuma." Tradicionalmente, a realizao do discurso retrico se decompe e m cinco elementos: inventio, dispositio, elocutio, memria e pronunciatio. Para os efeitos da argumentao jur-dica, os trs primeiros so os mais importantes.

    A inventio a elaborao das idias, dos argumentos. a parte do raciocnio jurdico, propriamente dito, consistente nas razes justificadoras da soluo escolhida.

    A dispositio consiste na organizao dessas idias ou argu-mentos pela forma mais adequada, tendo em vista o destinatrio da argumentao (juiz togado, jri popular, empresrio, sindi-cato operrio, administrao pblica, etc.). A fora de convic-o de cada argumento varia, com efeito, segundo a mentalidade da pessoa a convencer e o seu meio social. preciso, pois, desco-brir a ordem mais adequada de apresentao, que pode consistir na acumulao do maior nmero possvel de razes ou, ao con-trrio, na insistncia inicial em u m ou dois argumentos, apenas, guardando-se os demais para u m momento ulterior; na orde-nao dos argumentos segundo u m critrio de importncia cres-cente ou decrescente. A elocutio a busca da melhor forma expressional, do estilo mais adaptado ao assunto, ao objetivo e ao destinatrio. nesse ponto que a carncia de formao literria e artstica de nossos bacharis se faz, cruelmente, sentir. O estilo de "boca de frum" amlgama de frmulas praxsticas, expresses latinas e frases feitas o nico praticado pela grande maioria dos advogados, qualquer que seja o auditrio ou a circunstncia.

    Urge, pois, voltar o quanto antes ao estudo da retrica original, que to distante da retrica decadente da idade barroca, quanto a lgica grega o da escolstica de fins da Idade Mdia. Mas a arte jurdica no supe, apenas, a mestria da tcnica argumentativa. Ela exige, tambm, o correto emprego de uma faculdade humana at h pouco totalmente desconsiderada no campo cientfico, pelo pensamento positivista: a imaginao.

  • 133

    curioso assinalar que, no mesmo ano de 1950, a huma-nidade chegou ao supra-sumo da objetivao do raciocnio lgico e matemtico, meramente reprodutivo, com o lanamento do primeiro computador U N I V A C i; ao mesmo tempo e m que se reconhecia, pela primeira vez, a importncia decisiva da imagi-nao para o progresso da cincia, com o resultado das pesquisas de J. P. G U I L F O R D e seus colaboradores, nos Estados Unidos (The Relation of Intellectual Factors to Creative Thinking). Desde ento, a preocupao com a "criatividade", como componente da personalidade psicolgica, tem sido constante.

    Ora, a capacidade imaginativa sempre foi elemento indis-pensvel no processo de criao jurdica, seja no campo legisla-tivo, seja no terreno da prtica administrativa e contratual, seja na prpria atividade judicante. Nesse trabalho de "engenharia social", para usar da expresso de ASCARE L L I , no se cuida de descobrir o dado jurdico, mas de inventar solues ainda no compreendidas no estado atual da evoluo do Direito. A fecundidade dos juristas, advogados e magis-trados brasileiros, quanto a isso, est longe de ser desprezvel. A posse de direitos pessoais, para suprir a inexistncia de remdios jurdicos adequados; a ampliao do "habeas-corpus" proteo de liberdades outras que no a de simples ir e vir; a elaborao do mandado de segurana; a concesso de medida liminar no habeas-corpus, pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, analogamento ao procedimento do mandado de segurana; a correo monetria de dvidas de valor face ao surto inflacionrio posterior a 1945; a legtima defesa putativa na vigncia da Consolidao das Leis Penais de V I C E N T E PIRAGIBE, que a desconhecia; a transformao das gratificaes natalinas em dcimo-terceiro salrio, pelo meca-nismo da habitualidade; o reconhecimento do instituto da sociedade de fato para evitar injustias na partilha patrimonial, por ocasio da cessao do estado de concubinato, num pas que desconhecia o divrcio, tendo recebido aprecivel conti-gente de imigrantes e sofrido grandes correntes migratrias internas tudo isso e tantas outras criaes da prtica atestam a incontestvel vitalidade de nossa imaginao jurdica.

    Pois essa disposio mental criadora a disciplina da fantasia para transform-la, pelo acrscimo da previso controlada, em autntica imaginao tambm se ensina. A finalidade das Faculdades de Direito no pode, por conseguinte, cingir-se a transmitir conhecimentos, mas deve tambm propiciar aos educandos a aquisio de adequadas atitudes mentais.

  • 134

    Sugestes

    Com fundamento nas observaes feitas, possvel, guisa de concluso, apontar algumas sugestes para o aperfeioamento dos atuais mtodos do ensino jurdico. Parece ocioso, no entanto, assinalar que no se trata, absolu-tamente, de solues de resultado automtico ou de receitas de efeito mecnico. A nenhum professor escaparo, por certo, os graves acentos de verdade contidos na reflexo que E M I L E F A G U E T : AU fond de Veducaton, comme au fond de toutes choses humaines peut-tre, il y a une contradiction essen-tielle (...). Nous enseignons crire, et tout style qui n'est pas original n'est pas un style; nous enseignons penser, et toute pense que nous tenons d'un autre n'est pas une pense, c'est une formule; et toute mthode pour penser que nous tenons dfun autre n'est pas une mthode, c'est un mcanisme. Nous enseignons sentir, et tout sentiment d'emprunt est une affectation, une hypocrisie, une dclamation. No nos devemos predispor, obviamente, a u m ceticismo desabusado, recusando f nas virtudes da educao. Mas tambm no podemos dar guarida, no melhor estilo do tecnicismo contem-porneo, ao otimismo ingnuo e superficial dos que cuidam que lidar com a nobre matria humana algo de semelhante manipulao de insumos industriais. O objetivo de toda verdadeira educao no o mimetismo do adestramento, mas a plena criatividade da pessoa humana, no desenvolvimento harmnico de suas faculdades.

    As recomendaes que se seguem procuram atender, mais especificamente, situao prpria da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo. Fica subentendido, no entanto, que grande parte do xito na reformulao da metodologia didtica depende de uma revalorizao do ensino primrio e secundrio, abandonado s trevas exteriores pelos Poderes Pblicos, desde h muitos anos. A nica influncia que as Faculdades de Direito poderiam ter, nesse campo, indireta-mente atravs dos exames vestibulares. Nesse sentido, a primeira recomendao a ser feita consistiria na reviso das normas e critrios do vestibular, na Universidade de So Paulo, procurando-se adequ-lo s exigncias do ensino do Direito.

    I A exposio das diferentes matrias deveria desen-volver, com maior amplitude, os princpios e regras gerais, sem se preocupar com normas regulamentares ou de mera aplicao. A rapidez com que evolui o contedo do direito positivo e a enorme mole de textos normativos produzidos pelo Estado intervencionista aconselham o professor a dar

  • 135

    aos alunos antes seguros elementos de orientao, diante do mar magnum normativo, do que informaes completas e minuciosas sobre regras de durao precria e efeitos secund-rios. Alis, como a experincia demonstra, sem o domnio adequado dos princpios e das grandes articulaes do sistema jurdico, impossvel realizar essa "reciclagem" ou atualizao peridica dos profissionais do Direito, por meio dos cursos de ps-graduao ou extenso universitria.

    Isto no significa perder-se em algum nefelibatismo doutrinrio, ou encorajar o aluno a conhecer antes o manual do professor do que a lei em vigor. Trata-se, sem dvida, de ensinar o direito positivo, mas na sua racionalidade intrnseca. No basta, pois, saber, como leguleio, se a norma existe, mas por que existe, para que existe e como atua.

    recomendvel, e m conseqncia, que na disciplina de Introduo ao Estudo do Direito, como j se tenta fazer hoje, possa ser desenvolvida uma verdadeira Teoria Geral do Direito, superando-se a antiga "iniciao enciclopdica" herdada do positivismo comteano. Para tanto, talvez se haja de acrescentar mais u m semestre letivo a essa disciplina.

    Por outro lado, no seria absurdo pensar na reformulao de nossos programas, de modo a fazer preceder as diferentes matrias de Direito Pblico e de Direito Privado de u m ensinamento das noes fundamentais desses grandes ramos jurdicos, com maior proveito de sua unidade sistemtica. O que se v, atualmente, uma certa repetio concorrencial ou contraditria dessas noes fundamentais, em cada disciplina jurdica, pblica ou privada, em detrimento da racionalidade.

    II imprescindvel, pois, que os programas das diferentes disciplinas do curso de graduao sejam compostos mediante u m acordo interdepartamental, e no fiquem submetidos, unicamente, deliberao do conselho do Departa-mento em que se insere cada disciplina.

    III A anlise estrutural dos institutos, feita com o maior rigor lgico, deve ser completada com a sua apreciao funcional, reolocando-se cada instituto no contexto histrico em que foi elaborado, e situando-o no ambiente social, poltico e econmico do presente, a fim de se verificar se e em que medida ainda preenche os objetivos para os quais foi criado. lamentvel que as nossas Faculdades de Direito sejam incapazes de levar a termo pesquisas de sociologia jurdica, mxime quando da preparao de reformas legislativas, de modo a envolver curricularmente, nessas tarefas, o corpo discente.

  • 136

    IV A crtica axiolgica do sistema jurdico deve ser estimulada e orientada, de forma a se evitar tanto o pseudo--neutralismo poltico quanto a algaravia sentimental ou a atuao falsamente universitria de grupos de presso. O professor no pode, portanto, se recusar ao debate sobre a justia do Direito que existe, sob a pobre escusa de que o ensino jurdico se limita exposio "pura" do sistema em vigor; mas deve tambm saber formar os sentimentos dos seus alunos e preparar, com sabedoria, o aperfeioamento do Direito vigente em funo dos grandes valores da pessoa humana. V A fim de evitar a tradicional inclinao do estudante memorizao ininteligente de apostilas e manuais, seria recomendvel que os diferentes Departamentos preparassem a composio de antologias de textos fundamentais de cada disciplina, incentivando-se o aluno a colher subsdios nas prprias fontes doutrinrias (devidamente expurgadas de suas excrescncias), no se contentando com as compilaes de segunda mo que ora inundam o mercado dos livros ditos didticos. VI Recomenda-se que os princpios fundamentais da lgica jurdica sejam ministrados desde o incio do curso de graduao. Seria igualmente recomendvel que da preparao de futuros docentes, nos cursos de ps-graduao, constasse sempre o ensinamento da lgica jurdica. VII A formao do raciocnio e do estilo jurdico deve ser procurada, insistentemente, como uma das metas fundamentais do ensino. A experincia tem mostrado as vantagens do mtodo consistente na proposio de problemas que comportam mais de uma soluo, para a discusso, pelos alunos, dos mritos e demritos de cada soluo, tanto sob o aspecto lgico quanto luz das exigncias do bem comum e das finalidades sociais da ordem jurdica. N a obedincia a esse mtodo problemtico, preciso sempre estimular a capacidade inventiva do aluno, habituando-o a "construir" a soluo mais adequada ao caso, segundo o seu prudente julgamento, mesmo na ignorncia das normas legais vigentes. A correo das "construes" propostas, luz do direito positivo, vir a posteriori. Deve-se, igualmente, estimular a composio e apresen-tao de litgios figurados, ou a reproduo de litgios reais, sempre sobre questes da atualidade, comportando o debate contraditrio e o julgamento motivados.

  • 137

    Maior ateno deve ser dada, nas aulas prticas, ao emprego das tcnicas prprias da arte de persuaso, seja oralmente, seja por escrito. bvio que isso implica uma adequada preparao dos docentes, encarregados de ministar esse tipo de aulas, no se podendo confi-las a qualquer voluntrio.

    VIII condenvel a multiplicao de docentes na exposio seqencial da mesma unidade disciplinar, durante o semestre letivo. O corpo discente queixa-se, com razo, da enorme incoerncia que resulta desse fracionamento expositivo.

    IX Recomenda-se o estudo de horrios de aula mais flexveis. N a impossibilidade de se multiplicarem as turmas de alunos, reduzindo o nmero de seus componentes, torna-se praticamente impossvel a realizao de seminrios com a durao de 45 minutos. Com isto, as chamadas aulas prticas tendem a ser mera repetio expositiva das prelees principais.

    X Impe-se, urgentemente, a reformulao das provas de aproveitamento, que devem constituir, tambm, u m meio de ensino.

    Escusa dizer que os chamados testes de mltipla escolha, pela sua manifesta impropriedade a formar o raciocnio e o estilo jurdicos, devem ser totalmente banidos.

    Os exames podem e devem comportar dissertaes, porque grande parte da atividade profissional do bacharel em Direito consiste em dissertar (por exemplo, o arrazoado forense). Mas, apesar de representar uma caracterstica comum a todas as dissertaes, consistente em tratar a questo proposta sob todos os ngulos, a dissertao jurdica tem a peculiaridade de procurar convencer algum sobre determinadas solues ou escolhas. Por isso, no pode afetar u m estilo neutro ou abroquelar-se unicamente no argumento, de autoridade, por meio da mania citatria, to tpica do bacharelismo. Deve estruturar-se em torno de argumentos bem apresentados, comportando sempre uma opinio pessoal. Alm das dissertaes, os exames deveriam consistir, tambm, na soluo de problemas inteligentemente elaborados, com a possibilidade de consulta a fontes doutrinrias e jurisprudenciais, e no apenas legislao. Seria altamente recomendvel que os examinadores demonstrassem maior rigor na correo das provas, quanto apreciao da forma gramatical e estilstica. Se o hbil manejo

  • 138

    da lngua u m instrumento imprescindvel no exerccio da arte jurdica, no se pode relegar a forma literria ao nvel de questo de segunda ordem, sob a influncia de u m certo "cientificismo"

    No ciclo bsico, parece desejvel que a seleo dos exami-nandos se faa em funo de sua cultura geral e no, apenas, do conhecimento de teorias ou sistemas expostos em aula.