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FACULDADE 2 DE JULHO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO FRANCISCA MARIA BASTOS CONCEIÇÃO ETNOGRAFIA DA COMUNICAÇÃO: LINGUAGENS E TRADIÇÃO DO TERREIRO ILÊ AXÉ OBÁ AYRÁ BODÊ Salvador Ba 2019.1

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FACULDADE 2 DE JULHO

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

FRANCISCA MARIA BASTOS CONCEIÇÃO

ETNOGRAFIA DA COMUNICAÇÃO:

LINGUAGENS E TRADIÇÃO DO TERREIRO ILÊ AXÉ OBÁ AYRÁ BODÊ

Salvador –Ba

2019.1

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FRANCISCA MARIA BASTOS CONCEIÇÃO

ETNOGRAFIA DA COMUNICAÇÃO: LINGUAGENS E TRADIÇÃO DO

TERREIRO ILÊ AXÉ OBÁ AYRÁ BODÊ

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para

obtenção do grau de Bacharela no curso de

Comunicação Social com habilitação em Jornalismo.

Orientador: Prof. Me. Everton da Silva Santana.

SALVADOR- BA

2019.1

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FRANCISCA MARIA BASTOS CONCEIÇÃO

ETNOGRAFIA DA COMUNICAÇÃO: LINGUAGENS E TRADIÇÃO DO

TERREIRO ILÊ AXÉ OBÁ AYRÁ BODÊ

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para

obtenção do Grau de Bacharela, no Curso de Comunicação Social com

habilitação em Jornalismo, da Faculdade 2 de Julho.

Aprovada em: ____/____/_______

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________

Prof. Me. Everton da Silva Santana (Orientador)

_________________________________________________________________

Prof. Me. Haroldo Abrantes da Silva (Membro Interno)

_________________________________________________________________

Esp. Vanice Pereira da Mata (CEPAD/UFBA) – Convidada externa

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DEDICATÓRIA

Dedico primeiramente a Deus pelo o dom da vida, também dedico a meu Orixá

Xangô/Ogum e a minha família, principalmente, a meus filhos. A Leonel Monteiro.

Enfim, a todos que contribuíram para esses momentos de vitórias. Muitíssimo

obrigada!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a meu professor orientador pelo empenho, dedicação e por ter

acreditado que junto poderíamos ser capazes de elaborar, desenvolver e finalizar

essa pesquisa.

Em seguida meus agradecimentos a todos os professores que passaram e

foram essenciais nessa caminhada rumo à minha tão sonhada formatura. A

Faculdade 2 de Julho que tive o conceito e a possibilidade de buscar em prática a

experiência no trabalho desenvolvido, pelo acompanhamento de toda trajetória

nos semestres, contribuindo na formação para eu ser uma boa jornalista.

Agradeço a minha amiga Lilian Santos que me provocou uma nova presença

na faculdade, uma nova sensibilidade para de atitudes no entendimento da

realidade, e também por acreditar em minha forma de enxergar o meu objetivo.

Aos meus amigos que durante quatro anos foram imprescindíveis para fazer

com essa caminhada se tornasse realidade.

.

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"Exu, tu que és o senhor dos caminhos da libertação do teu povo sabes

daqueles que empunharam teus ferros em brasa contra a injustiça e a

opressão”.

Abdias Nascimento, escrito em 2 de fevereiro de 1981.

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RESUMO

Partindo das narrativas etnográficas este trabalho tem a pretensão de historiar, a

partir da experiência de Francisca Maria Bastos Conceição, Yalorixá do Terreiro

ILÊ AXÉ OBÁ AYRÁ BODÊ e estudante de jornalismo, tendo como base o

universo cultural, familiar e da comunicação do terreiro, fundado em 1936

localizado no bairro da Caixa D‟água, em Salvador. A presente pesquisa está

estruturada em três eixos centrais. O primeiro consiste em um breve histórico

sobre o candomblé no Brasil, apresentando dados da pós-abolição e de como a

intolerância religiosa persiste em nossa sociedade. A segunda parte do trabalho

aborda o espaço do terreiro de candomblé como espaço social, político e da

comunicação, apresentando a necessidade do olhar etnográfico neste ambiente,

para além da dimensão religiosa que a constitui. O terceiro aspecto mergulha na

memória da casa, a partir das narrativas da yalorixá perpassando pelas

dimensões históricas, políticas e culturais, até os dias de hoje.

Palavras-chave: Candomblé. Comunicação. Terreiro. Etnografia.

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ABSTRACT

Starting from the ethnographic narratives, this work has the pretension to historicize,

based on the experience of Francisca Maria Bastos Conceição, Yalorixá do Terreiro

ILÊ AXÉ OBÁ AYRÁ BODÊ and student of journalism, based on the cultural, familiar

and communication universe of the terreiro, founded in 1936 located in the Caixa

D'água neighborhood, in Salvador. The present research is structured in three central

axes. The first is a brief history of candomblé in Brazil, presenting data on post-

abolition and how religious intolerance persists in our society. The second part of the

paper approaches the space of the candomblé terreiro as a social, political and

communication space, presenting the need for an ethnographic view in this

environment, beyond the religious dimension that constitutes it. The third aspect

immerses in the memory of the house, from the narratives of yalorixá spanning the

historical, political and cultural dimensions, to the present day.

Keywords: Candomblé. Communication. Terreiro. Ethnography.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Filha da casa de Yansã .................................................................................................... 24

Figura 2: Mãe Lita Obaginã e os filhos de santo ........................................................................... 39

Figura 3: Ernestina Cavalcante Cruz .............................................................................................. 45

Figura 4: Benedito Barros, Mãe Pequenita de Xangô e Francisco Sales ................................. 46

Figura 5: Mãe Divanir de Oyá ........................................................................................................... 50

Figura 6: Carteira de Identidade de Tia Eleonor ........................................................................... 50

Figura 7: Mãe Lita de Xangô ............................................................................................................ 53

Figura 8: Peças dos orixás confeccionas por Gilson de Oliveira ................................................ 54

Figura 9: Gilson de Oliveira e Mãe Lita ........................................................................................... 55

Figura 10: Trabalhos sociais no Ilê Axé Obá Ayrá Bodê ............................................................. 59

Figura 11: Registro da casa na Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-

ameríndia (AFA) ................................................................................................................................. 62

Figura 12: Comprovante de Cadastro e Escritura de legalização do Ilê ................................... 62

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AFA - Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-ameríndia

F2J – Faculdade 2 de Julho

SEPPIR- Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

SEPROMI- Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado

da Bahia

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 12

CAPÍTULO I - CANDOMBLÉ E SUA LITURGIA ................................................................. 14

1.1 OS NEGROS NO BRASIL .................................................................................................. 15

1.2 UNIVERSO RELIGIOSO DO CANDOMBLÉ ................................................................... 18

1.3 O CULTO AOS ORIXÁS ..................................................................................................... 19

1.4 CANDOMBLÉ NA BAHIA ................................................................................................... 24

1.5 EMPREENDEDORISMO, COMUNICAÇÃO E RELIGIÃO DE MATRIZ AFRICANA 27

CAPÍTULO II- O CANDOMBLÉ COMO ESPAÇO PARA COMUNICAÇÃO ....................... 30

2.1 AS NAÇÕES NO CANDOMBLÉ NO BRASIL ................................................................. 30

2.1.1 Nação Jeje ......................................................................................................................... 31

2.1.2 – Nação Ketu ..................................................................................................................... 32

2.1.3 Nação Angola .................................................................................................................... 33

2.2 A EXPERIÊNCIA DA PESQUISA ETNOGRÁFICA ........................................................... 35

2.2.1 Observador participante .................................................................................................. 36

2.3 IMPORTÂNCIA DA ORALIDADE COMO FONTE DE CONHECIMENTO ..................... 37

2.4 FILHOS DA CASA ................................................................................................................... 38

2.5 CONFLITOS, DILEMAS, CONHECIMENTOS INVISIBILIZADOS NO CANDOMBLÉ. 40

CAPÍTULO III - HISTÓRIA, TRADIÇÃO E LIDERANÇA ..................................................... 45

3.1 O TERREIRO ILÊ AXÉ OBÁ AYRÁ BODÊ ......................................................................... 45

3.2 AVÓ ERNESTINA CAVALCANTE CRUZ ............................................................................ 47

3.3 DA SUCESSÃO PARA A MÃE DIVANIR DE OYÁ ............................................................ 49

3.4 DA SUCESSÃO PARA FRANCISCA BASTOS CONCEIÇÃO ......................................... 52

3.5 RITOS DE PASSAGEM .......................................................................................................... 56

3.6 TRABALHOS SOCIAIS ........................................................................................................... 58

3.7 TRADIÇÃO, RELIGIÃO E MODERNIDADE ........................................................................ 60

3.8 REGISTRO DA CASA ............................................................................................................. 61

4. BREVES CONSIDERAÇÕES .......................................................................................... 63

5. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO .................................................................................. 64

ANEXOS ............................................................................................................................. 66

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INTRODUÇÃO

A etnografia é um método de pesquisa utilizado pela antropologia para coleta

de dados, que se baseia no contato em que o antropólogo tem com seu objeto de

pesquisa, neste caso o projeto em questão, trata-se de um estudo a cerca da

minha vivência no terreiro Ilê Axé Obá Ayrá Bodê, um dos mais tradicionais

terreiros de Candomblé da cidade. A casa foi fundada em 1936, por Ernestina

Cavalcante Cruz de Xangô, filha de negros trazidos de Angola para serem

escravizados no Brasil.

Sendo assim, o estudo versa sobre o candomblé, e desse modo se faz

necessário abordar a oralidade, já que a mesma é via exclusiva de transmissão

do saber dentro da roça. Para tanto, além da revisão de literatura e da realização

de entrevistas, percorreremos um dos vários campos da ciência humana

característicos da pesquisa etnográfica da comunicação, que permite observar

como ocorre a relação e interação entre as pessoas através da comunicação.

É devido à dimensão pragmática da comunicação humana que a antropologia se revela especialmente relevante ao fornecer-nos um modelo de análise perfeitamente adaptado à pesquisa empírica das interacções quotidianas: a etnografia. O método etnográfico permite observar os modos como a comunicação - entendida num amplo sentido semiótico incluindo as chamadas para-linguagens como a quinésica e a proxémica – ocorre e se desenvolve nas mais diversas actividades sociais, desde a mais institucionalizada (cerimónia institucional) até à mais prosaica (um turista a pedir informações a um indivíduo local). (MATEUS, 2015, p. 85).

Dito isto o objetivo geral do trabalho é abordar de forma reflexiva o espaço

do terreiro como lugar de diálogo e comunicação por meio da auto etnografia,

contribuindo para o conhecimento como patrimônio imaterial da Cultura afro-

brasileira. O presente trabalho tem como objetivos específicos: Relatar a prática

do Candomblé, suas entidades, tradições, heranças e legados; Descrever a

relação entre a comunicação e a religião de matriz africana; Expor como funciona

a relação entre o terreiro e a comunidade descrevendo as atividades e projetos

sociais realizados pela casa; Narrar os casos e registros de intolerância religiosa

já vivenciados pelos filhos da casa.

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Desta forma, para reforçar o material, foi feita uma pesquisa bibliográfica a

partir de obras acadêmicas voltadas para a religião.

A pesquisa bibliográfica permite ao pesquisador [...] a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Esta vantagem se torna particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço. (GIL, 1996, p. 50).

No entanto é importante ressaltar que os trabalhos acadêmicos voltados

para uma das religiões mais antigas no Brasil, são limitados e os que são

encontrados em sua maioria são estereotipados, criando uma imagem irreal do

candomblé.

Portanto, o presente trabalho tem também a pretensão de narrar a história

do candomblé e do Terreiro Ilê Axé Obá Ayrá Bodê a partir da vivência da yalorixá

Francisca Maria Bastos Conceição, na cidade de Salvador, Bahia.

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CAPÍTULO I - CANDOMBLÉ E SUA LITURGIA

A religiosidade afro-brasileira é um dos mais notáveis patrimônios culturais

deixado pelos negros africanos escravizados que foram trazidos para o Brasil

ainda no período colonial. Historicamente, o surgimento do candomblé

proporcionou às populações negras um foco de resistência religiosa e cultural,

preservando tradições e outros elementos essenciais do seu conjunto de crenças.

Para Braga (1998) o candomblé é, em essência, uma comunidade de

diversificada herança cultural. Neste espaço foram misturados elementos vindos,

em especial, da África Ocidental, com recriações provenientes das relações de

intenso contato aos quais negros de diversas etnias foram submetidos no período

da escravidão. “Pela sua dinâmica interna e pelo sentido de religiosidade que ali

se consta em todos os instantes da vida grupal, é gerador constante de valores

éticos e comportamentais que enriquecem e imprimem a sua marca no patrimônio

cultural do país”. (BRAGA, 1998, p. 37).

Já Lody (1987) lista alguns grupos étnicos, suas várias nações e variantes

encontrados dentro do candomblé. São apresentados os grupos Angola (banto),

Kêto-Nagô (Iorubá), Jeje (Fon), Jexá ou Ijexá (Iorubá), Caboclo (afro-brasileiro) e

Congo (Banto).

Enquanto uma instituição religiosa e sociocultural, o candomblé possui um

universo simbólico específico recriado a partir das contribuições dos diferentes

povos acima listados. Neste espaço, a liderança e as pessoas envolvidas estão

ligadas aos orixás, vinculação esta que dá sentido às suas ações e existências. O

viés sociocultural da religião se explica pela sua inserção como uma instituição na

sociedade brasileira, responsável pela preservação da tradição e da identidade

afro-brasileira.

A manutenção das tradições socioculturais e a realizações das práticas

religiosas se dão através de práticas litúrgicas. A liturgia é compartilhada com os

fiéis que se submetem ao processo de iniciação. Segundo Santos (2011), os ritos

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de iniciação, cujos conhecimentos são transmitidos via oralidade, se dão ao longo

de toda a vida religiosa e, de modo lento e gradual, são revelados os mistérios e

segredos do candomblé. Dessa forma, a comunicação oral assume papel

fundamental para a organização do espaço e manutenção das tradições. Segundo

Joaquim (2001 apud Cunha 1984), o candomblé era um modo de os negros se

manterem iguais a ele mesmos num contexto hostil, como no caso do Brasil desde

os tempos da escravidão.

1.1 OS NEGROS NO BRASIL

Aproximadamente entre 1501 e 1866 os africanos foram trazidos ao país

para serem escravizados nesta terra. Nesse período conhecido como escravidão

estima-se que cinco milhões de negros foram capturados e escravizados no

Brasil. Sendo que 80% vieram da África Ocidental e os outros 20% da

Contracosta Africana, lado do continente banhado pelo Oceano Índico. Esse lado

da África foi grandemente influenciado na antiguidade pelos povos do oriente,

como indianos, persas e árabes. (PENHA, 2013)

Freyre, (1933 p.16), cita que os negros que vieram para o Brasil viviam livres

em suas terras, muitos deles foram sequestrados durante as incursões militares

ou vendidos após guerras entre tribos, onde os chefes das tribos vitoriosas

aproveitavam o comércio de mão escrava para trocar seus prisioneiros de guerra

por armas estrangeiras. Os portugueses, por sua vez, se beneficiavam com a

situação e adquiriam mão de obra para trabalhar sem descanso nas lavouras, nos

engenhos de açúcar, nas minas de ouro, fazendo todo tipo de trabalho braçal nas

suas colônias.

Assim que os navios chegavam aos portos os mercadores de escravos

organizavam uma espécie de feira para comercializar os escravos. Os senhores

escolhiam em sua maioria os homens que aparentavam ser fortes e com os

dentes bons. Já as mulheres quando não eram escolhidas para trabalhar na

produção da lavoura da cana de açúcar, tinha a sorte de servir as sinhás na casa

grande, realizando os trabalhos dento da casa como domésticas, e sendo

depreciadas a todo momento. (FREYRE, 1933, p.16).

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Freyre (1933, p.229) ainda ressalta que os trabalhos realizados pelas

mulheres negras na casa dos senhores eram humilhantes, e recorda o comentário

de Sá Oliveira publicado em 1895 a respeito das consequências no

desenvolvimento físico dos negros a partir das suas condições de trabalho. As

mulheres negras, por exemplo, tinham o costume de prender seus filhos nas

costas com o pano amarrado por longos períodos quando saiam em direção aos

trabalhos domésticos. Como consequência, os filhos ficavam posteriormente com

as pernas defeituosas ou arqueadas, conforme destaca Sá de Oliveira (1895 apud

Freyre 1933). Sá de Oliveira também relatou a comum existência de um

achatamento em parte do crânio de muitas crianças, pois as mães negras

escravizadas as deixavam deitadas por longos períodos por não poderem levar

presas às costas.

Em aproximadamente três séculos de tráfico de escravos, onde se estima

que foram trazidos cerca de 5 milhões (como foi dito acima) para o Brasil,

acredita-se que por volta de 600 mil morreram no caminho, antes de chegarem ao

seu destino devido os mal tratos sofridos durante a viagem.

Durante os anos que se seguiam e os maus tratos constantes sofridos, os

negros escravizados já cansados buscavam uma forma de fugir da escravidão.

Quando conseguiam, encontravam abrigo nos quilombos. Outros, com o passar

do tempo, poucas vezes conseguiam negociar sua carta de alforria, que não

queria dizer muita coisa, já que devido à falta de oportunidade em uma sociedade

preconceituosa, era melhor ficar nas fazendas onde, apesar dos trabalhos

braçais, possuíam alimento e teto.

Os africanos que chegavam ao Brasil vinham com suas culturas e religiões,

mas o período escravocrata era o mesmo período em que a igreja católica

mantinha grande influência sobre o estado, pois era detentora de terras e possuía

várias propriedades, por isso detinha grande poder nas decisões do governo.

Assim esses escravos eram proibidos de cultivar suas crenças, tendo que

camuflá-las ao seguir os dogmas da igreja católica.

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O Clero colonial insistia em ser esta, fruto de uma vontade divina estabelecida para a vida do escravo. Como nos lembra Felipe de Alencastro, os jesuítas acreditavam que, “nas esferas do mercado Atlântico, a mão invisível de Deus conduzia o africano para o resgate eterno no Brasil”. Pela escravidão, estes adquiriam a liberdade do pecado, ou seja, do seu paganismo, para exercitar a obediência ao Deus Supremo. Pois, “nenhuma liberdade finita pode ser mais livre de restrições que o consentimento para que seja exercida a infinita liberdade”. (...) Como um voto de gratidão, o escravo era “persuadido”, não coagido, a “optar” pela obediência, aceitando o seu destino de cativo. Assim é que muitos jesuítas no Brasil colonial insistiam na necessidade de catequizar os escravos, tornando-os cristãos, para que pudessem exercer a “liberdade de obedecer”. Assim, a estes caberia suportar com paciência sobrenatural sua condição, sem poder aproveitar-se de nenhuma ocasião para recuperar a liberdade. (VIEIRA, 1954, p. 26-27).

De acordo com Bilheiro (2008), a igreja católica foi uma das apoiadoras da

escravidão, pois considerava a África terra dos demônios, e nesse contexto todos

os povos daquela terra estariam destinados ao inferno, mas ao serem trazidos

para o Brasil e inseridos no catolicismo estariam salvos.

Percebe-se, portanto, que a Igreja Católica, em congruência com o Estado, contribuiu para a construção de uma ideologia escravocrata no Brasil. Por se aliar às necessidades e aos planos econômicos de Portugal, a princípio, e aos de uma classe que se beneficiava do sistema escravista (a qual estava intimamente ligada com o Estado); e também por defesa de seus próprios interesses, acabou por concorrer para a montagem de uma escravocracia brasílica, evitando, pela força da teologia, contestações ao regime. (BILHEIRO, 2008, p. 16).

Com a chegada da Lei Áurea deu-se uma dita libertação dos escravos no

campo legal, mas sem concretização efetiva no dia a dia do povo negro, já que os

mesmos foram abandonados à própria sorte no território brasileiro. Apesar disso,

naquele momento notou-se certa flexibilização na política dos costumes,

permitindo aos negros voltarem a realizar sua crença com cantos, danças e

louvou aos orixás, trazendo consigo sua origem africana chamado candomblé.

Com o passar dos anos a religião ganhou adesão de outros povos como os

brancos.

[..] A religião do candomblé, embora africana, não é religião só de negros. Penetram no culto não somente mulatos, mas também brancos e até estrangeiros. [...] preciso dissociar completamente religião e côr da pele. [...] A penetração no mundo dos candomblés se opera por meio de uma série de iniciações progressivas, de cerimônias especializadas, abertas àqueles que são chamados pelos deuses, qualquer que seja sua origem étnica, e é à medida que se vai penetrando no interior do santuário que os mistérios vão sendo apreendidos. [...] São principalmente os sacerdotes que têm a noção do valor do tempo; é o tempo que amadurece o

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conhecimento das coisas. [...] Se ainda não se tornou conhecida, ou se é insuficientemente conhecida, foi porque toda a atenção se tem voltado quase unicamente para o culto público[.]. (BASTIDE, 1958, p.13-14)

1.2 UNIVERSO RELIGIOSO DO CANDOMBLÉ

As religiões de matrizes africanas compõem a diversidade religiosa do Brasil.

Entre as manifestações que tem como referência a cultura trazida pelos povos

africanos, encontra-se o catimbó1, a quimbanda2, a umbanda3 e o candomblé,

uma das mais difundidas e cultuadas em território brasileiro.

O termo candomblé, abonado nos modernos dicionários da língua e na vasta literatura etnográfica, é de uso corrente na área linguística da Bahia para designar os grupos religiosos caracterizados por um sistema de crenças em divindades chamadas de santos ou orixás e associadas ao fenômeno da possessão ou transe místico. Transe que é considerado, pelos membros do grupo, como a incorporação da divindade no iniciado ritualmente preparado para recebê-la. (LIMA, 2003, p. 66).

Presente há vários anos no Brasil, o candomblé é uma religião de raízes

africanas que superou diversas fases no processo de afirmação como uma

religião afro-brasileira. Já que os negros africanos quando pegos para serem

escravizados, não foram só afastados de suas famílias e de sua nação, mas

também de sua crença e religião. Sendo impedidos de cultivar sua cultura, tendo

suas celebrações fiscalizadas e administradas pelos senhores e pela igreja que

eram a favor da escravidão.

Desde suas primitivas origens, a Igreja católica aceitou e promulgou a escravidão como uma prática institucional que se considerava justa, necessária ou inevitável. As Escrituras não a condenavam e esse fato facilitou aos cristãos fazerem uso dela sem problemas de consciência. (BADILLO, 1994, p. 59-60).

Assim, o candomblé, derivado do animismo africano, cultua os orixás e é

uma das religiões de matriz africana mais praticadas no Brasil. Contudo, a

adoração às divindades feitas nas chamadas casas de santo pode variar

dependendo da nação onde se cultua. Isso porque os negros quando trazidos ao

1 Prática ritualista e espirita com base católica, onde faz uso óleos, agua benta e objetos litúrgicos, além da

incorporação de espíritos de pessoas mortas. 2 Religião de origem afro-brasileira, relacionada à Umbanda.

3 Religião que resume as religiões africanas e cristãs.

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Brasil pelos portugueses trouxeram suas culturas, ritos, culinária, dança, magias e

musicalidade advindas de diversos locais e nações da África.

Dentro dos rituais do candomblé é possível distinguir algumas nações, como aponta José da Cunha Grã Ataíde e Mello, o Conde de Povolide, em carta de 10 de junho de 1780 ao rei de Portugal, na qual fala sobre algumas danças de negros. O Conde faz a seguinte observação: “(...) os Pretos divididos em Nações e com instrumentos próprios de cada nação (...)”. (CERQUEIRA, 2007, p. 2)

Esses segmentos que acontecem no candomblé servem para indicar a

procedência de cada negro trazido da África e cada divindade cultuada por eles,

através de seus dialetos e rituais singulares de cada nação. Dentre esses grupos

destacaremos dois, os Jeje e os Ketu.

1.3 O CULTO AOS ORIXÁS

Uma das religiões mais antigas no país caracterizada por suas danças,

músicas e atabaques, o candomblé tem como características o uso dos

elementos da natureza sendo representados pelas divindades africanas, que são

conhecidas como orixás, que por sua vez possuem características humanas,

sendo movidos por sentimentos como amor, compaixão, raiva, orgulho. Essas

entidades são invocadas no terreiro com cantigas próprias, ao som do canto dos

Ogans e das batidas dos atabaques, o que demonstra outra dimensão da

comunicação nesta prática religiosa.

Com particularidades especificas cada um dos orixás dispõe de um sistema

simbólico e singular, descrito abaixo conforme a nação Ketu.

a) EXU - ORIXÁ DA COMUNICAÇÃO

Orixá da organização, da disciplina e comunicação, Exu é o intermediário

entre os dois mundos, Orun (o mundo espiritual) e o Aiyê (o mundo

material), sendo o fiel mensageiro daqueles que enviam ou fazem oferenda. Com

festa comemorada no sábado de aleluia em homenagem ao Elégbára (o senhor

da força), também é chamado de Bára (Senhor). Suas cores são vermelhas e

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pretas e seu dia da semana é consagrado às segundas-feiras. As comidas

oferecidas à divindade são farofa de azeite, cachaça e mel.

[...] O orixá Exu tem esse encargo de transportador. [...]. Exu propicia essa comunicação, traz suas mensagens, é o mensageiro. É fundamental para a sobrevivência dos mortais receber as determinações e os conselhos que os orixás enviam do Aiê. Exu é o portador das orientações e ordens, é o porta-voz dos deuses e entre os deuses. Exu faz a ponte entre este mundo e o mundo dos orixás, especialmente nas consultas oraculares. [...] Exu. Nada se faz sem ele, nenhuma mudança, nem mesmo uma repetição. Sua presença está consignada até mesmo no primeiro ato da Criação: sem Exu, nada é possível. O poder de Exu, portanto, é incomensurável. (PRANDI, 2003, p. 25).

b) OGUM - ORIXÁ DO FERRO

Ògúné (Ogum), filho de Yemanja, é o orixá do ferro, da guerra e da

metalurgia. Considerado o mais ativo dos orixás, é amigo, conselheiro e

companheiro das caminhadas. Seu dia da semana é terça-feira, suas vestes são

azul com o mariwô4. No mês de julho é realizada uma feijoada em sua

homenagem. Sua comida é inhame assado e feijão preto. A sua saudação

Ògúnyé, pàtàkìorí (Salve ogùn, orixá).

c) OXÓSSI - ORIXÁ DA MATA

Considerado rei de Ketu (nação Africana), Oxóssi é o irmão mais novo de

Ogum. Este orixá é protetor das matas, da caça e da fartura. Por sua ligação com

a natureza, está em contato com Osanyn (médico das divindades e das folhas

terapêuticas e litúrgicas). Seu dia da semana é quinta-feira, sua cor é azul claro,

possui como símbolo Ofá, que é o arco e flecha em ferro forjado e outros metais.

Sua festa comemorada em abril é uma homenagem ao rei do Ketu e da fartura. A

comida preferida da divindade é milho cozido com coco ralado chamado de

asosó. Sua saudação é Ode òkeàró (Salve o caçador).

d) LOGUNEDÉ - ORIXÁ DA FARTURA

Longunedé é o orixá soberano e andrógino, por ser filho de Osum mãe da

água doce e do grande caçador Ode InlèYéyéIponda, possui acesso a esses dois

4 É o nome da folha do dendezeiro, utilizado nas portas e janelas dos terreiros de candomblé como proteção.

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reinos. É o grande príncipe do Ijesá5 dono da fartura e caçador habilidoso, suas

ferramentas são abébé e ofá. Com o símbolo de uma balança que representa o

equilíbrio, suas cores são azul e amarelo ouro, e sua saudação Lògún ó akofà!

(Ele é lògùn, pequenos o arco e a flecha).

e) OBÁ - ORIXÁ DA GUERRA

O orixá do rio é Obá, e a terceira mulher de Xangó. Guerreira, caçadora e

irmã de Oyá (Iansã), foi enganada por Oxum. Como forma de oferenda a Xangó

decepou sua própria orelha. Seus símbolos são a espada (ida) e uma arco e

flecha (ofá), sua cor é o rosa claro, sua comida acarajé, feijão fradinho, amalá,

caruru e o abacaxi. Sua saudação é Èsó.

f) OBALUAÊ - ORIXÁ DONO DA TERRA

Obalúwàiyé (Obaluaê) é o dono da terra, orixá ligado aos mortos, sua dança

é Opanijé (dança africana), com o Sasará e Azé (veste feita de palha). Filho de

Nana, irmão de Osumaré, sua saudação é Atótóo a jíbéèrù sápadà (silencio! O

filho do senhor é o senhor que grita, nós acordamos com medo e corremos de

volta!). Sua festa é chamada de olubajé, sua cor vermelho e preto ou rajada.

Veste-se de palha e seu dia é segunda-feira.

g) OXUMARÊ - ORIXÁ DA VITALIDADE

Oxumarê é denominada Dan com a definição do arco-irís, é um orixá que

simboliza a força vital, sua lenda diz que é servidor de Xangó, sua cor amarelo e

preto, sua ferramenta representa duas cobras de metal. Sua saudação é Àróbòboyi

(Vamos cultuar a intermediário que se estica).

h) EWÁ - ORIXÁ DA BELEZA

Ewá, orixá da beleza e dos mistérios, está relacionada à mata, à água e ao

ar, deusa do rio e lagos, seu símbolo Ofá6 dourado, escudo, espada. Dança junto

com Oxumarê, na nação Jejé sua dança é bravum7 e sató8 que acompanha

5 Cidade localizada no sudoeste da Nigéria.

6 Arco

7 Toque da nação Jeje

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Omulú e Nanã. Seu dia é quarta-feira, cor branco marfim, vermelho, e coral, sua

comida batata da terra.

i) NANÃ - ORIXÁ DA MORTE

Nanã, senhora dos ibas9 dos orixás, dos pântanos e da morte, cuida dos

corpos enquanto se decompõem no lodo que se prepara para formar novos seres.

É protegida dos feitiços e da morte, porém vingativa, seu dia terça-feira sua

comida é mungunzá, sarapatel, feijão com coco, pirão de batata roxa, sua cor anil,

branco e roxo, saudação SálùbáNànáBurúkú! (nos refugiaremos com Nàná da

morte ruim!).

j) IRÔKO - ORIXÁ DO TEMPO

Tempo (Irôko) é um orixá antigo cultuado no candomblé pela nação

Angola/Congo e Ketu, Loko, pela nação. Seu Símbolo é um fogareiro com a

grelha. Sua cor: verde/branco. Dia da semana, quinta-feira. A comida fubá de

milho, amendoim, castanha, pipoca, milho branco. Sua festa na roça10 acontece

todos os anos no mês de agosto.

k) XANGÔ- ORIXÁ DA JUSTIÇA

Xangô recebe o nome de Kossõ quando é rei de Óyo, senhor do trovão viril,

agressivo, violento, justo. Teve três divindades como esposa Oyá, Osum e Oba.

Xangó, orixá da justiça e da lealdade, espírito guerreiro, veste branco e suas

ferramentas são prateadas. AiráIgbonam (Agoynham ou Ibonã) é o pai do fogo

para o qual dança-se sobre brasas de fogueiras, o Amalá de Xangô é a comida

típica oferecida ao Orixá, seu dia é na quarta-feira, fio de conta branco com

vermelho ou marrom rajada são relacionadas com a cor do fogo, sua saudação

káwòóokábiyèsí( podemos olhar vossa real majestade).

8 Ritmo rápido das batidas do Run que significa a manifestação dedicada aos orixás Oxumaré ou Nanã

9 Nome dos assentos sagrados dos orixás na cultura nago vodun, onde são colocados apetrechos e fetiches

inerente a cada um deles na feitura de santo 10

Roça é o mesmo que Casa de santo ou Terreiro de Candomblé

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l) YEMANJÁ - ORIXÁ DA ÁGUA SALGADA

Yemanjá é a mãe dos orixás, deusa do mar salgado com encontro do rio,

seu cristal representa o poder genitor, seu dia sábado, sua cor azul claro, branco,

sua saudação, Odoyá (mãe das espumas das águas).

m) OXUM - ORIXÁ DA ÁGUA DOCE

Osum (Oxum) deusa das águas doces, segunda esposa de Xangó, é

vaidosa amante da beleza, seu dia é sábado, sua cor amarelo ouro, sua comida

Omolocum, feita de feijão fradinho com camarão saudação Rorayèyé ó Fí Dé

Omon, (mãe cuidadora aquela que usa coroa e olha os seus filhos).

n) IBEJI - ORIXÁ DAS CRIANÇAS

Ibeji é o Orixá-criança, duas divindades gêmeas infantis, ligadas a todos os

orixás chamados de Erê. Sua regência está ligada à infância, brincadeiras,

alegria, ele também está presente em todos os rituais do axé sua cor colorida, sua

comida caruru, queimados, doces e bolo. Em setembro o Terreiro faz a festa dos

êres com direito a tudo que gostam.

o) YANSÃ

Na África é considerada a deusa do rio Niger, guerreira, dos ventos, senhora

das almas, das tempestades, dos raios e relâmpagos. Uma guerreira de

temperamento forte vinculada a Egum por ser o único que vence a morte. Conta a

lenda que Yansã tornou-se a orixá do fogo por ter comido as escondidas uma parte

do encanto dada por Oxalá a Xangô, por esta razão adquiriu poderes idênticos ao

deus do trovão. O sincretismo religioso a Iansã está associada à imagem de Santa

Bárbara, santa conhecida como protetora contra os relâmpagos e tempestades. Sua

relação com Obaluaê e devido a lugares de maior reunião de Egun chamada de

Cidade Eterna. Também é conhecida como a senhora dos ventos e tempestades.

Suas cores são o marrom, rosa e vermelho. Seu símbolo é a Espada e Eruexin que

significa instrumento feito de rabo de cavalo. Sua saudação é Epahei.

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Figura 1: Filha da casa de Yansã

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

1.4 CANDOMBLÉ NA BAHIA

A partir do século XIX pesquisadores vem direcionado seus estudos e

pesquisas que norteiem o entendimento quanto aos cultos do candomblé no

Brasil, sendo que muitos deles obtiveram conhecimento através dos relatos de

experiências vividas por pessoas de dentro do culto, nelas estão as mulheres

escravizadas de origem do Ketu que, após serem libertas fundaram o primeiro

candomblé na Bahia.

Segundo Verger (1981) Iyá Omi À Àirá Intile, terreiro fundado por escravas

libertas na Bahia, os nome dessas africanas eram: Iyalussô Danadana, Iyanassô

Akalá, e Iyanassô Oká, todas pertencente à Irmandade de Nossa Senhora da

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Boa Morte da Igreja da Barroquinha, que ficava atrás da igreja na Rua Visconde

de Itaparica, depois mudou para o Calabar na Baixa de São Lázaro, e se instalou

na Avenida Vasco da Gama com o nome de Ilê Iyanassô, hoje chamado de Casa

Branca do Engenho Velho. Em seguida fundou o Terreiro Iyá Omi À Iyámase, no

Alto do Gantois, depois o Axé Opô Afonjá. Sendo esse o modo de transmitir as

histórias de gerações e sucessões matriarcal ate os dias atuais.

Várias mulheres enérgicas e voluntariosas, originárias de Kêto, antigas escravas libertas, pertencentes à Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte da Igreja da Barroquinha, teriam tomado a iniciativa de criar um terreiro de candomblé chamado Ìyá Omi À Àirá Intil, numa casa situada na Ladeira do Berquinha , hoje Rua Visconde de Itaparica, próxima à Igreja da Barroquinha. (VERGER, 1981, p. 19-20).

De acordo com Costas (2004), o candomblé na Bahia teve algum líderes

religiosos que se destacaram na defesa da liberdade da religião, como o babalaô

Martiniano Eliseu do Bonfim e a yalorixá Eugênia Ana dos Santos, chamada de

Mãe Aninha, fundadora do Ilê Axé Apô Afonjá, que escreveu em seus cadernos os

mitos religiosos e documentados passou a circular anonimamente no meio dos

pesquisadores e estudiosos. Édison Carneiro foi um desses seguidores que

conheceu o terreiro de mãe Aninha na época, porém foi perseguido pela polícia

política, mas se sentiu abraçado e protegido pela atitude e hospitalidade dela ao tê-

lo escondido dentro do seu tempo religioso.

[...]dois líderes religiosos, por sua intensa atuação na sociedade global, no plano da influência política, no sentido atual e abrangente do conceito de política. Carneiro foi amigo de ambos, de Martiniano e de Aninha. O babalaô é mencionado muitas vezes nas cartas dessa Correspondência e Aninha, citada, embora, uma vez apenas, o foi de um modo que resume sua personalidade forte e sensível [...] Édison Carneiro resumir, nesta curta frase, carregada de intenções, todos os sentidos de respeito e gratidão que mantinha pela falecida ialorixá, desde a ajuda que ela lhe prestou na realização do Congresso até o„santuário que lhe concedeu, no seu terreiro de São Gonçalo, no fim do ano de 1937, quando Carneiro ali se refugiou da perseguição da polícia política[...]. (LIMA, 2004 p. 202)

Segundo Bastide (1961) o médico legista e psiquiatra Nina Rodrigues foi o

primeiro baiano a ter seu artigo publicado na Revista Brasileira, que foi o

“Candomblé na Bahia” com sua pesquisa e estudos sobre as sobrevivências

religiosas africanas. Ele acreditava que os negros tinham uma fragilidade e

incapacidade de se integrar a uma civilização.

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Nina Rodrigues acreditava na inferioridade do negro e em sua incapacidade para interagir-se na civilização ocidental. [...], não viu mais que simples manifestações de histeria nos transes místicos e nas crises de possessão que caracterizavam o culto público dos africanos brasileiros (BASTIDE, 1961, p. 25).

Bastide (1961) ainda comenta sobre as falhas do primeiro livro de Nina

Rodrigues -"o animismo fetichista" por estar incompleto nos detalhes explorados a

respeito do culto tradicional africano do candomblé do Gantois. Na sua observação

o autor diz que poderia ter sido melhor as informações passadas e detalhadas do

informante por ser ele uma pessoa ligada ao terreiro.

Com os estudos dos pesquisadores antropólogos veio a evidenciar a

existência da fortaleza de duas décadas através de determinadas proposições veio

uma nova política entre líderes dos terreiros da Bahia, foi devido estas atitudes

tomadas que resolveram cria associações e organizações governamentais para o

desenvolvimento das raízes culturais.

Nesta época as comunidades religiosas afro-brasileiras foram muito

perseguidas pelos policiais que se inspirava no preconceito conta a existência da

região africana.

[...] a natureza coletiva dos ataques funcionam como estratégia para preservar o conteúdo de suas crenças e práticas religiosas. Da mesma forma, a cultura de resistência das religiões de matriz africana, cuja importância foi vital no passado para a sua sobrevivência [..]. (MOTTIN, 2007, p. 19)

Quando surgiu o afro-brasileiro e suas matrizes que afirmaram no começo foi

o candomblé na Bahia que levou ao Rio de Janeiro, os sacerdotes que foram para

o Rio buscar o candomblé e levar para sua cidade no Recife local onde passaram

cultua o orixá de xangô quando chegou, em seguida veio a casa de Mina no

Maranhão, e depois o batuque no Rio Grande do Sul.

Para Verger (1981) no passado o candomblé estava ligado aos orixás sobre

uma divindade para com olhos da ancestralidade dos vivos e mortos, que

estabelecia vínculos que garantem um controle da força da natureza sagrada.

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A religião dos orixás está ligada à noção de família. A família numerosa, originária de um mesmo antepassado, que engloba os vivos e os mortos. O orixá seria, em princípio, um ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas forças da natureza, como o travão, o vento, as águas doces ou salgadas, ou, então, assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a caça, o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilização o poder, à, do ancestral-orixá teria, após a sua morte, a faculdade de encarnar-se momentaneamente em um de seus descendentes durante um fenômeno de possessão por ele provocada (VERGER, 1981, p. 09)

1.5 EMPREENDEDORISMO, COMUNICAÇÃO E RELIGIÃO DE MATRIZ

AFRICANA

O empoderamento dentro das religiões de matriz africana tem crescido

consideravelmente nos últimos anos. Na comunicação, essa observação em 2016

foi concluída através do Projeto Feira Homenageia as Mulheres do Axé, que

segundo Marina Bonfim fala do candomblé e do modo de vida, e determina o

caminho o portal de viver. “Tudo depende do orixá que está acima de todos,

educando e reeducando”. Estas foram as suas palavras.

Quando participei do evento em homenagem as mulheres empreendedoras

do candomblé, no dia 11 de maio de 2016, o encontro foi com várias outras

autoridades religiosas. Sendo que a abertura foi com a fala da Yalorixá Jaciara

Ribeiro, que defendeu o projeto dizendo que deveria ser contínuo e estendido à

outras casas de candomblé, que desejava que Oxum orixá da prosperidade e

Orunmilá o Deus maior no candomblé abrissem os caminhos à todas as mulheres

empreendedoras do Axé.

Esta comunicação fez com que varias mulheres de liderança no candomblé

apoiasse cada atitude de emponderamento com isto à palavra da Ekede Makota

Valdina Pinto, em dizer que “as mulheres emponderadas são frutos de conquistas

adquiridas através da luta e da fala.” Menciona que, hoje, as mulheres de terreiro

buscam assegurar os seus direitos pela via política.

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Os entendimentos destas mulheres da origem afrodescendente é que a

comunicação esta entre dois mundo diferente, mais que a causa da luta e uma só

quando se fala empreendedorismo dentro de um terreiro de candomblé, e assim

foi o analise de Maria Clara de Sôgbo, de tradição Jeje Mahi quando se referiu

que “há algum tempo, o povo preto e pobre pode se unir para falar o que sente

com relação aos problemas”.

Hoje a união destas mulheres trás o entendimento de uma comunicação

entre os terreiros de candomblé, segundo a pedagoga, gestora pública, Mariana

Bonfim, que também é Ekede , ressalta em dizer que seu “cargo feminino tem um

grande valor dentro do candomblé da Roça do Ventura, na cidade de Cachoeira,

o terreiro tem o papel de se impor na sociedade, como um espaço de construção,

sobretudo, às mulheres do axé.”

Já o entendimento entre a comunicação no terreiro de candomblé á

Advogada Gabriela Ramos, Iaó, filha de santo do terreiro Abassá de Ogum, diz

que “em cinco anos de faculdade não conheceu tanto de política, quanto no

espaço do candomblé e que o empreendedorismo nos terreiros deve ultrapassar

os seus muros e se estender por toda a sociedade”.

Durante o debate, o estudante André Santo, pós-graduando em

Administração questionou como levaria estes valores do axé para outros espaços.

Assim respondeu a advogada Gabriela “considerou que levar os valores do axé

para outro ambiente é uma atitude corajosa, porque são espaços avessos a estas

práticas. Acrescentou que é preciso empoderar as crianças do axé e trabalhar

com a diversidade deles desde o nascer, para que saibam enfrentar espaços e

situações de preconceito”.

Para mãe Jaciara a comunicação nos terreiros de candomblé o seu

entendimento ao dizer que “gostaria de ver todos os seus filhos com anel no dedo

e a cabeça nos pés de Xangô. Poder viver essa África secular moderna, sem

perder a essência. É preciso tomar o Brasil pela mão para que o chicote não volte

nas mãos deles”.

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A comunicação dentro da religião de matriz africana também se deu a partir

das batidas do atabaque11 no inicio do século XIX. Os povos de aldeias distantes

utilizavam o instrumento para se comunicarem, as mensagens eram passadas

através do som das batidas.

No Candomblé os atabaques são chamados ou denominados de tambor,

usados nas cerimônias religiosas. Este instrumento de percussão tocado pelos

ogãns que seguem um esquema de hierarquia, onde o maior RUM, conduz os

menores RUMPI e LE. Através desse som produzido os orixás são conduzidos. O

conjunto desses elementos forma uma espécie de comunicação entre ayé.

No ketu e Jeje o Rum invoca os orixás ou a entidades com os ritmos das

cantigas do atabaque, sendo que o toque são; Aderé, Aderejá, Adarrum, Agueré,

Alujá, Bravun, Batá, Hamunha, Ibi, Ilú, Ijexá,, Igbin, Opanijé Savalú, Sato. Já no

angola são barravento, Cabula, chamados de Engoma.

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Conhecidos também como grandes Ilu, pequeno Batá, e Batá koto.

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CAPÍTULO II- O CANDOMBLÉ COMO ESPAÇO PARA COMUNICAÇÃO

Para além do campo religioso, o candomblé pode ser compreendido como

uma visão de mundo africana, que busca o equilíbrio perfeito das energias do

mundo através da integração entre a natureza, a ancestralidade, os humanos e os

orixás. Como já visto, a oralidade é o principal recurso de comunicação utilizado

nos terreiros para a transmissão dos conhecimentos entre as gerações. Por sua

vez, tal fato demonstra a resistência secular de homens e mulheres para manter a

tradição, a sabedoria e segredos litúrgicos, apesar das perseguições, violências e

preconceitos.

Diferente da sociedade em geral na qual a escrita assume papel fundamental

nos processos de educação e comunicação de massa, por exemplo, no contexto

específico dos terreiros a oralidade e as expressões corporais são os principais

recursos utilizados como forma de comunicação. Isto não significa que a escrita

não esteja presente nesses espaços, destacamos apenas que ela não é o recurso

principal nos processos religiosos. No candomblé, os cantos, rezas e gestos são

exemplos de recursos comunicativos utilizados com o intuito de transmitir

conhecimento, preservar as tradições trazidas de África e reorganizadas no

território brasileiro através de povos de diferentes nações.

A oralidade dentro do Ilê Axé Oba Ayrá Bodê funciona através um sistema

de comunicação, que se encontra presente nas palavras que são pronunciadas em

forma de saudações, como a benção, sistema de comunicação entre mim e meus

filhos de santos que é compreendido entre a família do axé. Os ensinamentos orais

passados dentro do terreiro servem como meio para a transmissão do saber da

casa, difundido entre meus filhos de santo.

2.1 AS NAÇÕES NO CANDOMBLÉ NO BRASIL

Com a chegada dos escravos ao Brasil as nações que mais se destacaram

foram: Jeje que veio da região de Dahomé e trouxe consigo a língua fon. E os

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povos Mahins que os deuses chamados de Voduns e também o Savalu estes

povos era do lado sul o lugar onde cultuava Nanã.

De acordo com histórias orais, a princesa era de Oyó do Ketu, na condição

de escravas. Essas mulheres falavam Yorubá quando chamavam os Orixás. Já

no Angola o Banto de Inkices.

A relação que possuo com essas três nações,vem desde avó Pequenita, que

foi iniciada no Jeje, e depois quando abriu seu terreiro mudou para o ketu. Já

minha mãe Divanir era da mesma linhagem da origem da casa.

No entanto meu pai de Santo Elias, veio de outra raiz da yalorixa Edite

Apolinária (conhecida como Samba Diamongo) da nação angola, após a sua

morte ele pagou obrigação com mãe Senhora da naçao ketu. Eu por outro lado fui

iniciada no Ketu. Desse modo, trago uma ligação com essas três nações.

2.1.1 Nação Jeje

Nome de origem Iorubá, adjeje significa estrangeiro ou forasteiro. Apesar

disso, Jeje é o nome que identifica essa nação. Entretanto, existem divergências

quanto à relação do nome se estão ligadas aos dois reis Dan Imé ou Dahomé.

Daí, passou a pronunciar como Dan Imé ou Dahomé (aquele que morreu na Terra

da Serpente), ou Ramilé que se transformava em serpente e morreu na terra de

Dan, com o trono sustentado por serpentes de cobre.

Nesta época a terra era propriedade direta do rei, que coletava tributos de todas as colheitas com isto teve um confronto entre o povo, que alguns deles pertencia a própria origem Jejedaomeana e Aladá, Mahi, Uidá, e outros povos de origem yorubá, nos quais o Reino de Oyó, que acabou vencendo foram os daomeanos. (PRANDI,1996, p. 18)

Ainda segundo PRANDI (1996), no ano de 1650 houve uma batalha em que os

Adjás12 dominam os Fons13, assim o rei Hwegbajá se declara dos dois povos,

12

Povo africano que ocupa as partes sudoeste de Gana e dos países vizinhos Togo e Benin. 13

Também conhecido como Fon nu, os Fons, são um grupo étnico da África Ocidental no sul do Benin e sul do

Togo.

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dominando seu território tornando Abamey capital. Dessa maneira seus

sucessores centralizaram o culto da realeza aos Voduns14 Reais, assim os povos

Fons, Ewes, Adjas, Minas, Popos, e Gans, passam a cultuar a mesma religião.

Quanto a classificação dos Voduns Jeje, por exemplo, no Jeje Mahin tem-se a classificação do povo da terra, ou os voduns Caviunos, que seriam os voduns Azanssu, Nanã e Becém. Temos, também, o vodun chamado Ayzain que vem da nata da terra. Este é um vodun que nasce em cima da terra. É o vodun protetor da Azan, onde Azan quer dizer "esteira", em Jeje. Achamos em outro dialeto Jeje, o dialeto Gans-Crus, também o termo Zenin ou Azeni ou Zani e ainda o Zoklé. Ainda sobre os voduns da terra encontramos Loko. Ele apesar de estar ligado também aos astros e a família de Heviosso, também está na família Caviuno, porque Loko é árvore sagrada; é a gameleira branca, que é uma árvore muito importante na nação Jeje. Seus filhos são chamados de Lokoses. Ague, Azaká é também um vodun Caviuno. (...)Estou falando do Jeje de um modo geral, não especificamente do Mahin, mas das famílias que englobam o Mahin e também outras famílias Jeje. (PRANDI,1996, p. 18)

O dialeto usado pelos povos era os mesmos voduns, o que levava a muitos

deles a se confundirem com os orixás nagôs. Em cada localidade possuía uma

forma de identificação, em Salvador Jeje-mahin, em São Luís do Maranhão, Jeje-

mina, já em Cachoeira de São Félix os ewê-fon.

2.1.2 – Nação Ketu

Em meados do século XIX surgiu a nação Ketu, umas das mais populares

nação do candomblé. Queto como também é conhecida, é uma região da

República do Benim, que segue tradições e costumes dos povos Iorubás.

Acredita-se que os costumes destes povos foram trazidos por mulheres de

linhagem nobres, das famílias Oyó e Ketu, conhecidos como povos Nagôs.

Com a aglomeração de mulheres, surgiu a Irmandade da Barroquinha, que se situava anexada à Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte. Após a transferência de local, a irmandade passou a ser conhecida como Casa Branca do Engenho Velho, ou Ilê Axé YyáNassô, considerada a primeira casa de Ketu no Brasil. (BAPTISTA, PAULA, GONÇALVES, 2006, p.3).

Com o surgimento da irmandade dois terreiros de Ketu foram criados em

Salvador: Ilê Axé Opô Afonjá15 e o Ilê Iyá Omin Axé Massê16, conhecido como

14

Termo que se refere aos vários ramos de uma tradição religiosa baseada nos ancestrais. 15

Fundado em 1910, fica localizado na Rua Direta de São Gonçalo do Retiro, nº557, Cabula

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Terreiro do Gantois, fundado por Mãe Maria Julia da Conceição Nazaré, que se

desvinculou da casa em 1849. O mesmo é reconhecido pela liderança da Mãe

Menininha no período de 1922 a 1986.

Do mesmo modo que o Gantois, o Ilê Axé Opô Afonjá nasceu da cisão do Engenho Velho. Em 1909, Mãe Aninha funda o Ilê, que, igualmente ao Gantois, possui uma líder de destaque, Mãe Stella de Oxóssi, que preside projetos sociais voltados à população que vive em situação de vulnerabilidade em Salvador. O Opô Afonjá foi tombado patrimônio histórico em 2002. (BAPTISTA, PAULA, GONÇALVES, 2006, p.3).

Os terreiros de nação Ketu, cultuam e reverenciam o senhor da caça e dos

caçadores como "ỌbaAlákétu (título real de Kétu), Rei de Kétu e dos Kétu": rei do

candomblé Kétu. Nessa mesma nação, o ÒrìṣàÈṣù, é o principal comunicador,

"articulador" e "transformador" de todo o sistema religioso yorubá e ganha mais

notoriedade quando é agraciado, saudado e cultuado como Èṣù Alákétu, Rei em

Ilé-Kétu. (AULO, 2010, p.75).

Dentro dos terreiros de candomblé Ketu, existe uma hierarquia nas posições

ocupadas. A de maior autoridade é exercida pela Iyálorixa (sacerdotisa) ou

Babalorixá (sacerdote), escolhidos pelos Orixás para ocupar tal posição.

2.1.3 Nação Angola

O Candomblé de Angola traz suas tradições linguísticas e seus ritmos

culturais africanos dos antepassados bantu, que são mantidas pelos povos até os

dias atuais, mesmo alguns tendo influência de outros povos, como os yorubás e

ewe fon, assim formaram tradições diferentes. Existe ainda em suas raízes

heranças da angola que permaneceu liderando sua cultura como Angola da

Mariquinha e Goméia, Bate-Folha e Tumba Junsara.

Segundo Bastide (1961) os religiosos africanos conseguiram sobreviver no

Brasil mesmo com tradições e costumes diferentes. Quando chegaram a Bahia as

diversas nações existentes na África permaneceram com a mesma liturgia nos

candomblés.

16

Fundado em 1849, fica localizado no Alto do Gantois, na Rua Mãe Menininha de Gantois, nº 23, Federação

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[...] é possível descobrir, no Brasil, sobrevivências religiosas africanas. Mas a Bahia, com seus candomblés em que, nas noites mornas dos trópicos, as filhas de santo dançam ao martelar surdo dos tambores, permanece a cidade santa por excelência. Os candomblés pertencem a "nações" diversas e perpetuam, portanto, tradições diferentes: Angola, Congo, Gêge (isto é, Ewe), Nagô (têrmo com que os franceses designavam todos os negros de fala yoruba, da Costa dos Escravos), Quêto (ou Ketu), Ijêxa (ou Ijesha). É possível distinguir estas "nações" umas das outras pela maneira de tocar o tambor (seja com a mão, seja com varetas), pela música, pelo idioma dos cânticos, pelas vestes litúrgicas, algumas vêzes pelos nomes das divindades, e enfim por certos traços do ritual. (BASTIDE, 1961, p. 17)

Tendo as matriarcas como suas lideranças, na nação Angola é costume

seguir a hierarquia dos mais novos para com os mais velhos, como: Mam‟etu Ria

Mukixi o significado é sacerdotisa no Angola Bantu, Tata Nganga Menso o que

quer dizer responsável pelo nascimento do inkisi através do oráculo que faz todos

os processos para trazer o Munzenza, que significa iniciados, Mam‟etu Nkisi seu

significado é sacerdotisa do terreiro, que dizer mãe espiritual dentro da religião.

Sendo essa a língua africana que está sempre presente na comunidade através

de conhecimentos dos mais velhos.

O Tata Zanbura Manso significa os olhos de tudo, o Tata Locongo Menso

significa os olhos que preparam o oráculo os caurés. No Banto joga vintiti coco

africano e 21 búzios e o Ngonga de kaiola o oráculo de ossos que é uma letra

com a data do dia que vai determinar o caminho da pessoa por 7 dias.

Uandumba significa pessoa novíssima no terreiro que é preciso se adaptar

com a ancestralidade mais importância que é o transe durante a iniciatória. E

Manganza significa quando já está iniciada.

Bastide (1961) ainda cita que na angola existe duas diferenças. A primeira é

a incorporação, onde significa que a entidade é brasileira com o caboclo. A

segunda é a possessão que é exigida na hora das necessidades de cruzar a

história de vida daqueles que precisam ser iniciados.

[...]Mas o transe de possessão tem caráter antes sociológico do que patológico; Herskovits observa com muita razão, não devemos esquecer que êste transe é fenômeno ''normal" para certas civilizações como as da África Negra, impôsto pelo meio e constituindo uma espécie de adaptação

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social [...]. É preciso estudar o cerimonial da iniciação sem nenhum etnocentrismo, sem escolher entre os elementos constitutivos aquêles que nos parecem os mais importantes ou os mais explicativos [...]: o contrôle da vida mística. a associação do indivíduo com seu Orixá, a incorporação de um novo membro na confraria religiosa,[...] (BASTIDE, 1961, p. 40).

2.2 A EXPERIÊNCIA DA PESQUISA ETNOGRÁFICA

De acordo com Mattos (2011), a pesquisa etnográfica é um método de

investigação guiado pelo julgamento do pesquisador. Sendo assim as técnicas,

procedimentos e parâmetros seguidos não mantém um padrão rígido, contudo a

pesquisa é guiada pelo discernimento do etnógrafo.

A etnografia é um processo guiado preponderantemente pelo senso questionador do etnógrafo. Deste modo, a utilização de técnicas e procedimentos etnográficos, não segue padrões rígidos ou pré-determinados, mas sim, o senso que o etnógrafo desenvolve a partir do trabalho de campo no contexto social da pesquisa. Os instrumentos de coleta e análise utilizados nesta abordagem de pesquisa, muitas vezes, têm que ser formulados ou recriados para atender à realidade do trabalho de campo. Assim, na maioria das vezes, o processo de pesquisa etnográfica será determinado explícita ou implicitamente pelas questões propostas pelo pesquisador. (MATTOS,2011, p.50)

Assim os estudos realizados nos Terreiros de Candomblé por se tratar de um

campo de antropologia e de relacionamento e um espaço de comunicação, se faz

necessário o uso da etnografia da comunicação para busca e captação de

informações que venham construir o referido trabalho através da vivência, já que

a mesma possui relação entre linguagem e sociedade.

A etnografia da comunicação condensa um vasto programa de pesquisas sobre a relação entre linguagem e sociedade. O seu objectivo é levar os antropólogos a considerar a relação entre linguagem e a comunicação como um fenómeno cultural essencial, tão importantes para o funcionamento das sociedades como as estruturas de parentesco ou os modos de organização social. Esta nova área de estudos explora a linguagem como algo culturalmente modelado que ocorre em qualquer contexto da vida social. Advoga uma antropologia que seja capaz de perceber na comunicação um produto eminentemente social. (MATEUS, 2015, p.86)

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2.2.1 Observador participante

Pelo contexto apresentado, a construção desse trabalho se estabeleceu a

partir da observação em campo, mais precisamente, através da técnica de

investigação denominada observação participante, que se encontra localizada no

conjunto das metodologias qualitativas, em especial, etnográficas.

A Observação Participante é realizada em contacto direto, frequente e prolongado do investigador, com os atores sociais, nos seus contextos culturais, sendo o próprio investigador instrumento de pesquisa. Requer a necessidade de eliminar deformações subjetivas para que possa haverá compreensão de factos e de interações entre sujeitos em observação, no seu contexto. (CORREIA, 1999 apud MÓNICO et al., 2017, p. 725).

A técnica da observação participante nos permite, então, partilhar papéis e

hábitos com a comunidade em condições favoráveis para a observação de

situações, fatos e comportamentos. Este tipo de pesquisa nos permite elaborar a

narração e recontar momentos históricos que dificilmente aconteceriam ou que

possivelmente seriam reprimidos ou adulterados na presença de estranhos. “Por

estar imerso na progressão dos eventos, o investigador espera encontrar-se

numa posição privilegiada para obter muito mais informações, e um conhecimento

profundo do que aquele que seria possível se estiver a observar de fora (Vinten,

1994 apud MÓNICO et al., 2017, p. 726).

Como sacerdotisa do Terreiro Ilê Axé Obá Ayrá Bodê a minha observação se

deu de modo participante através da realização de entrevista, coleta de dados,

repetição das ações e hábitos presentes naquele espaço.

O uso do método etnográfico e da observação participante me permitiu

vivenciar a história dos meus antepassados desde o tempo em que foram trazidos

e escravizados no Brasil, assim como suas lutas e batalhas como forma de

resistência as barbaridades sofridas e os direitos roubados. Além de possibilitar

um entendimento melhor das civilizações e processos das sociedades passadas.

A cada entrevista realizada com a comunidade e os filhos da casa, tem se tornado

uma experiência gratificante falar do universo chamado candomblé. Espaço que

nasci e cresci e pude criar meus filhos e netos.

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Ao explorar a história da fundação do Terreiro Ilê Axé Obá Airá Bodê pude

conhecer mais sobre a minha avó, Mãe Pequenita, que foi a matriarca e

precursora da casa, que lutou contra as diferenças e desigualdades para defender

e cultuar sua crença. Do mesmo modo conheci mais sobre minha mãe, Divanir

Cavalcante Cruz, a sucessora da Mãe Pequenita, que esteve pouco tempo à

frente da casa e devido uma fatalidade que lhe tirou a vida prematuramente.

As conversas com os moradores antigos da comunidade me causaram

tamanha emoção ao perceber o respeito e carinho que todos mantinham esses

anos por minha avó. Seus relatos serviram para mim, que hoje assumo a

liderança do terreiro, como uma forma de aproximação e demonstração de

respeito pelos seus anos de experiência. Até porque essas pessoas conviveram

mais tempo com a minha avó Pequenita que eu, já que a mesma se foi eu ainda

era apenas uma criança.

2.3 IMPORTÂNCIA DA ORALIDADE COMO FONTE DE CONHECIMENTO

Com o avanço tecnológico, os meios de comunicação como, rádio, internet,

televisão, revistas e telefone se tornaram uma das fontes de informações mais

utilizadas pelo ser humano no século XXI. Contudo o uso da oralidade como fonte é

um dos meios mais antigos e eficazes segundo historiadores.

[...]a história oral pode dar grande contribuição para o resgate da memória nacional, mostrando-se um método bastante promissor para a realização de pesquisa em diferentes áreas. É preciso preservar a memória física e espacial, como também descobrir e valorizar a memória do homem. A memória de um pode ser a memória de muitos, possibilitando a evidência dos fatos coletivos (THOMPSON, 1992: 17).

Assim a história oral está baseada na memória humana, entretanto, não

somente na lembrança de um único indivíduo de forma isolada, mas um indivíduo

que está inserido em um contexto familiar ou social ao relembrar fatos vividos e

passados de gerações a gerações, como uma construção de fragmentos na

memória que revive o passado. De acordo com Xavier (2009), a história oral

mantém a identidade viva de um determinado grupo ou povo.

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A História Oral é considerada como fonte identitária de um povo, capaz de retratar as realidades, as vivências e os modos de vida de uma comunidade em cada tempo e nas suas mais variadas sociabilidades. Esse tipo de fonte não só permite a inserção do indivíduo, mas o resgata como sujeito no processo histórico produtor de histórias e feitos de seu tempo. (XAVIER, 2009, p.13)

Para Alves e Silva (2012), o uso da fala nas religiões de matriz africana é

considerado de suma importância e essencial por se tratar de uma religião oral,

onde a transmissão do conhecimento, práticas e valores se dá pelas lembranças

dos antigos ou os Domas17, guardiões da tradição oral da comunidade ou povo. O

que fortalece os laços entre o homem e a palavra no decorrer dos séculos.

A oralidade dentro do Ilê Axé Oba Ayrá Bodê funciona através um sistema

de comunicação, que se concretiza através de palavras que são pronunciadas nas

saudações, como a benção, sistema de comunicação entre eu e meus filhos de

santos que é compreendido entre a família do axé como maneira de demonstrar

respeito. Os ensinamentos orais passados aos meus filhos de santo dentro do

terreiro servem como meio de transmissão do saber dos ritos e tradições da religião

e da casa.

2.4 FILHOS DA CASA

No ano de 1935 Pequenita resolveu abri a reunião de mesa com duas

pessoas uma sua irmã Tia senhora e o outro Manuel de ogum. Assim continuou a

realizar sua reunião que começou a ficar conhecida por todos da comunidade,

então resolveu com seus amigos e irmão do axé fundar seu terreiro, com isso

começou a chegar àqueles que seriam os seus primeiros filhos de santos.

Em 22 de janeiro 1936 foi fundado o terreiro Ilê axé Oba Aira Bodê, e a partir

desta data as sessões da casa passaram a ser realizadas toda semana, sendo

que na segunda-feira era de mesa e na quinta-feira de caboclo.

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Conhecidos também como Griots, são homens responsáveis pela transmissão de informações entre as

comunidades e as gerações, nas sociedades da costa ocidental da África.

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No mesmo ano da sua fundação foram iniciados os primeiros filhos de santo

do terreiro: Maria Madalena de Jesus de obaluae, Virginia Coelho de Nanã, Jorge

Garcia de oxumarê, assim foram chegando os demais.

Figura 2: Mãe Lita Obaginã e os filhos de santo

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

Em 2004, quando assumir o terreiro, logo em seguida veio a obrigação da

Ekede Rogéria Lucia de xangô, já em 2005 Felipe Lisboa de Logum Ede iawo foi

iniciado aos 16 anos. Assim que as atividades da casa reiniciaram em 2006, Emily

Victoria de Oxumare com 12 anos foi iniciada após uma visita com seu pai

Divaldo Lisboa um dos ogan da roça.

Os demais filhos da roça vieram depois como, Gabriel Santos de Oxalá,

Samanta Agnes de Iemanjá, Sabrina Agatha de Ogum, Sonia Oliveira, Shirley

Rosário, Jessica Fernandes ambas de Oxum e Jessica Conceição de Yansa,

todos iawos. Contudo houve outros: Ogan do Ilê, Jonas Santos de Oxaguiã,

Divaldo Lisboa de Oxaguiã, Bruno Santos de Logum Ede, Samuel Pinto de

Oxóssi, Denílson Lisboa de Oxóssi. Ekede Doralice Magalhães de Ogum, Abian

Dilma Ferreira e Natasha Apoemo de Oxum, Barbara Luane, Flavia Batista de

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yansa, Damare de Iemanja, Ronold Santo de Ossaem, Alan Santos de ogum,

André Souza de oxossi, etc.

2.5 CONFLITOS, DILEMAS, CONHECIMENTOS INVISIBILIZADOS NO

CANDOMBLÉ.

No candomblé o conhecimento acerca da religião é a riqueza da cultura

africana, que é transmitida dentro do culto dos orixás, sendo assim passada dos

pais para os filhos. Os ensinamentos e os processos de aprendizagem são

adquiridos com os mais antigos através do relato das experiências vividas.

Através desse processo de conhecimento no candomblé, aprendi desde

cedo o respeito aos mais velhos, as pessoas e as divindades dos orixás

supremos de cada etnia. Estes ensinamentos me permitiram estimular as boas

ações e a não desprezar, nem desrespeitar qualquer que seja a pessoa.

Os dilemas vividos na roça que significa para o povo do axé um templo

religioso de candomblé, que também são conhecidos como, casa de santo, roças,

terreiros, barracão ou axé. Possuem ainda denominações oriundas de línguas

africanas, de acordo com a nação ao qual pertencem: ilê axé (nações ketu, efon e

ijexá), kwe, abaçá ou humpame (nações jeje), nzo, mbazi, canzuá (nações bantu).

Já existiam desde a sua fundação com os antepassados e continuam no

momento que iniciei minhas obrigações para exercer as funções de liderança.

Como mãe, Lita Obaginã, compreendi que ser do candomblé é trazer toda a sua

clareza que existe entre dois mundos diferentes.

Assim após longos anos decorrentes, passei por vários conflitos de racismo

devido minha religião de matriz africana. Alguns desses conflitos aconteciam

dentro do próprio terreiro. Haviam certos filhos da casa que se tornavam

arrogantes após serem iniciados, e por muitas vezes usavam de palavras duras e

me ofendiam, mesmo sendo eu sua mãe de santo.

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Diante desta situação é difícil acreditar que este é o Brasil criado a partir de

uma miscigenação histórica, entre índios, negros e brancos. Um país que é

constituído de extensa diversidade cultural, mas que se mantém racista até os dias

atuais. Muitas dessas ações são mantidas não só por falta de conhecimento, assim

como por intolerância.

Desse modo vemos o quanto as pessoas tem resistência de aceitar este

mundo fantástico, cheio de cultura, e nem pensa em procurar se atualizar para

compreender de que maneira deveria se relacionar com o povo do candomblé.

Para de José (2007, p.15) é preciso que compreendamos que antes

devemos entender e explicar como se constrói a visibilidade, para depois abordar

a invisibilidade como problema sociológico.

As vezes este dilema interfere em nossa vida como um acontecimento único

de ensinamento para refazer nossos pensamentos do que foi ensinado na sua

doutrina, foi dessa maneira que consegui fazer com que todos passassem a me

respeitar.

Mesmos sabendo que em outro lugar continuaria a discriminação por

algumas pessoas que pensam em cometer intolerância com palavra agressiva

verbal dentro do trabalho ou na escola, ou qualquer outro lugar

Como aconteceu dentro de uma unidade escolar pelo porteiro e uma aluna,

que chamava uma das minhas filhas de santo de macumbeira adoradora de diabo

e que iria queimar no caldeirão do inferno. Essa foram as palavras dele para uma

menina de apenas 12 anos idade já iniciada na religião de matriz africana.

A primeira providência que tomei foi acionar a direção da unidade escolar, e

resolver esta questão dizendo que se tratava de um crime de intolerância

religiosa, previsto na Constituição de 1988, Art. 5º que diz que:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

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propriedade, nos termos seguintes: VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, Art. 5).

Nesta ocasião, informei que o caso poderia ser levado para justiça, se não

houvesse acordo para reparar o constrangimento promovido pelo funcionário da

escola à uma aluna da classe.

A diretora conseguiu controlar a situação conversando com seu funcionário e

convocando a família da aluna para uma reunião. No dia marcado compareceram

a tia da estudante, que mesmo sendo cristã, entendeu que se tratava de

intolerância religiosa cometida contra a sua sobrinha.

Pouco tempo depois, outra ação de intolerância aconteceu com duas filhas

de santos mais novas. Uma delas passou por um constrangimento na Faculdade

Cidade, em Salvador, na hora de fazer a prova do Enem em 2016. Os fiscais

responsáveis pela aplicação do exame fizeram ela sair do local onde estava

sendo realizada a prova duas vezes para passa detector de metal no seu corpo.

Esta filha estava com uma veste branca e com a guia do seu orixá. A esta ação

foi bastante em vergonhosa para ela, como seria para qualquer um adepto do

candomblé.

Quando foi questionado porque só era com ela que aquilo estava

acontecendo, a resposta foi que a direção da unidade, responsável pela

realização e aplicação do exame havia mandado revistá-la nas duas vezes. Por

coincidência, o tema da redação no Enem daquele ano foi justamente intolerância

religiosa.

Já outra filha de santo, iniciada em 2017 no candomblé, sofria ataques todos

os dias na rua vindos dos seus vizinhos cristãos. Esta filha costumava ser

violentada com palavras ofensivas na hora de levar seu filho para creche.

Palavras que faziam com que ela ficasse indignada com tamanha ignorância

cometida por determinadas pessoas. Estes são exemplos de conflitos que

ocorrem constantemente com o povo das religiões de matriz africana.

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Este dilema continua nos atingindo diariamente no Brasil e nos faz

questionar o mito de que a sociedade brasileira é uma democracia racial. Apesar

da sua origem culturalmente diversa as diferenciações e discriminações se

estabelecem por causa das nossas vestes e linguagens, da nossa religião, dos

nossos costumes e tradições. Sendo que as características culturais de igualdade

religiosa e a sua execução plena previstas em lei deveriam assegurar o

cumprimento desses princípios.

Com tudo isso herdamos ou aprendemos com essenciais a construção da

identidade cultural do país o rico em diversidade, de existência de racistas que

atacam os descendentes dos povos africanos e afro-brasileiros, por serem ainda

as principais vítimas das mazelas econômicas, políticas e sociais de uma

sociedade. Para Domingues (2008), o afro-brasileiro é o único que deve participar

das hostes anti-racistas na sua concepção a outro que podem ser designado

também, este entendimento é devido a existência de desigualdade racial no pais

democrático então este movimento de luta é pelo seus direitos de defesa numa

sociedade.

[...] A maior parte do setor racialista desse movimento entende que os afro-brasileiros são os únicos que devem participar das hostes anti-racistas. [...] tal concepção vai ser designada de política de “gueto”, pois se pleiteia estabelecer um cordão de isolamento político dos negros em relação aos brancos. Ora, a luta contra a desigualdade racial é antes uma tarefa democrática (Fernandes, 1989), que deve ser travada pelo conjunto da sociedade, perpassando, evidentemente, pelo apoio efetivo dos não-negros. Tem-se que atrair o maior número de pessoas à defesa de uma sociedade mais igualitária, educando os negros e reeducando os brancos. Em realidade, a política de alianças com os não-negros é fundamental para qualquer projeto consequente de superação das desigualdades raciais (DOMINGUES, 2008, p. 116)

A discriminação e intolerância religiosa são percebidas quando os negros

ainda são humilhados verbalmente e violentados dos seus direitos de ir e vir

dentro da sociedade e por seguirem suas religiões de Matriz Africanas.

O Brasil apesar de ser um país laico, deveria assegurar o princípio da

igualdade religiosa e a sua execução plena é benevolente diante das denúncias,

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ainda são os brancos que continuam controlando as estruturas de mando e do

poder, isto ainda é uma Intolerância.

Mesmo com a indiferença que ocorreu de racismo, no Ilê Axé Oba Aira Bode

continuamos passo a passo fazer vários trabalho de associação social na

comunidade dando oportunidade para muitos que procuravam, com isso veio a

integração das prova de vestibular no terreiro, assistência medica e jurídica,

tratamento de glaucoma, também passou oferecer na rua agasalhos e alimentos

quente para aqueles que necessitavam como moradores de rua.

Trabalho esse que resultou em várias atividades dentro do Ilê, mesmo assim

não diminui a maneira e comportamento das pessoas querer nos atingir com

palavras ofensiva.

É triste ver que ainda existem pessoas que nem procuram, nem tentam ter

um raciocínio de análise de si mesmo, seu objetivo é fazer com que as vitima

sinta dor, mesmo sabendo que não vai chegar a nenhuma conclusão por que são

conhecedores dos seus próprios atos.

Hoje luto contra esse desrespeito conta falta de igualdade, grito como

expressão quando vejo em cada rosto do povo brasileiro em mostrar quanto ainda

é invasivo o gesto repugnante de comentários polêmicos de racismo, por existir a

anos esta atitude no Brasil com vestígios.

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CAPÍTULO III - HISTÓRIA, TRADIÇÃO E LIDERANÇA

3.1 O TERREIRO ILÊ AXÉ OBÁ AYRÁ BODÊ

O Ilê Axé Oba Ayrá Bodê é um dos mais tradicionais Terreiros de

Candomblé da cidade. Fundado em 1936, por Ernestina Cavalcante Cruz (Vó

Pequenita) filha de Xangô, filha de negros que de acordo com relatos de parentes

e conhecidos foram trazidos de Angola para serem escravizados no Brasil.

Figura 3: Ernestina Cavalcante Cruz

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

Em 1934, Vó Pequenita comprou um terreno sem escritura, só com um

documento de compra e venda. Então começou a construir sua casa, que se

tornaria futuramente o terreiro, com toda dificuldade já que ali não possuía água

encanada, sendo preciso carregar água em uma fonte que ficava a uns 100

metros da localidade. Ao terminar a construção foi feita a solicitação para a

instalação da energia elétrica junto a Coelba, que não atendeu o pedido.

Diante da falta de atenção do poder público para a comunidade, Vó

Pequenita resolveu lutar conta tudo e todos para conseguir seus objetivos. Assim

resolveu fazer a gambiara para ter energia em sua casa. A ligação elétrica

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favoreceu não só a ela como aquelas pessoas que moravam na redondeza. Aos

poucos veio abastecimento de água encanada e instalação de energia. Naquele

momento a comunidade era conhecida como Rocinha.

No ano de 1935 Pequenita resolveu abrir a reunião de mesa com duas

pessoas, uma era sua irmã e o outro Manuel de Ogum. Desse modo continuou a

dar sua reunião que ficou conhecida por todos da comunidade. Foi aí que então

resolveu, com seus amigos e irmãos do axé, fundar seu terreiro e aos poucos

vieram os seus primeiros filhos de santo.

Figura 4: Benedito Barros, Mãe Pequenita de Xangô e Francisco Sales

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

Os primeiros registros e aumento dos números de sessões da casa foram

feitos ao perceber o apoio de seus amigos, irmãos e os filhos de santos que se

reunirão para ajudar a manter a casa como Virginia Coelho, Jorge Garcia, Celia

Santos, Maria da Conceição, Jorge Andrade, Maria Madalena e José Pinto, então

resolveu finalizar em atas todos os registros do seu terreiro. Desse modo ela

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passou a conduzir todas as semanas suas sessões sendo que na segunda-feira

era de mesa e na quinta-feira de caboclo e assim continuou sendo.

3.2 AVÓ ERNESTINA CAVALCANTE CRUZ

Iniciada aos três anos de idade como Iaô de Xangó por Tia Mariana Africana,

uma mãe de santo que era da cidade de Cachoeira, filha de escravos. Segundo

informações e relatos populares, dona Mariana era baixinha, de cor negra, com

olhos vivos e uma personalidade forte, e quem a conhecia dizia que possuía um

coração nobre.

Recordo-me também que minha avó adorava fazer caridade e doações para

aqueles que precisavam mais da sua ajuda. Uma das características mais fortes

dela era a alegria, a todo tempo ela estava sorrindo ou cantando, e isso

contagiava a todos a sua volta. Assim como sua sabedoria que atraia os que

necessitavam de um conselho ou orientação, mesmo quando estava doente em

cima de uma cama, nunca deixou de ajudar aquele que estava aflito.

Quando criança, eu ouvia Faustina de Jesus, filha de Maria Madalena de

Jesus, que era uma das filhas de santo que morava na roça, comentando que

veio morar com sua mãe por que tinha passado por maus tratos onde trabalhava,

aos oito anos de idade, que minha avó teria mandado buscá-la pra conviver com

a mãe, desde então sua morada passou a ser ali com todos.

Aos dezesseis anos de idade, Faustina passou a tomar conta de mim. Sua

mãe sempre foi considerada por minha avó como uma filha que era mais que de

santo, e sua filha era como neta para a Pequenita. Tinha toda a regalia da casa,

contudo nunca participou das reuniões que aconteciam às segundas-feiras que

era para os mortos, já as de quinta-feira que era reunião de giro de caboclo

estava sempre presente para assistir.

Faustina comentava do tempo que conheceu várias pessoas que vinham de

longe para as reuniões na roça. No mês de setembro o caruru na roça formava

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filas grandes e que não sabia de onde apareciam tantas crianças, muitas delas

vindas de todos os bairros da cidade.

Ela também lembra que no mês de dezembro minha vó Pequenita distribuia

presentes para a comunidade, sendo ela uma das beneficiadas.

“Dona Pequenita sempre foi bondosa, ela sempre ajudava as pessoas daqui,

nunca teve nada nas mãos. Quem chegasse pedindo ela dava alimento, calçados,

roupas. Se ela soubesse que tinha alguém que estava precisando de alguma

coisa ela ficava inquieta até ajudar. No natal mesmo aqui a porta ficava cheia de

pessoas, gente branca, preta, criança adulto todo mundo vinha pegar os

presentes. Ela era muito boa para todos no bairro”, conta Faustina com lágrimas

nos olhos.

Na minha adolescência quando passava pela rua as pessoas me

cumprimentavam e ao me virar para ir embora elas comentavam que eu era neta

daquela senhorinha boa, que sempre ajudava as pessoas daqui, se referindo à

comunidade. Muitas delas também falavam de como foi boa a vinda da avó

Pequenita para a rua Segunda Mandchuria, onde fundou seu terreiro Ilê Obá Airá

Bodê.

Em 1975, minha avó Pequenita veio a falecer e ali no seu próprio templo

religioso seu corpo foi velado. Naquele momento foi realizada a cerimônia de

Axexê, onde o corpo é preparado para ser separado do espírito. Depois

aconteceu o velório propriamente dito, com cantigas louvando os espíritos

clamando que os orixás acolhessem o Egum18.

No Candomblé, a morte não significa a extinção total, ou aniquilamento. Morrer é uma mudança de estado, de plano de existência; fazendo parte do ciclo, ao mesmo tempo religioso e vital, que possui início, meio e fim. Sabendo-se que quando ocorre a perda do emí, os orixás se retiram e Ikú deverá devolver a Íyá-nlá, a terra, a porção símbolo da matéria na qual cada indivíduo fora encarnado, em seu local de origem. Sendo que cada pessoa humana traz consigo seu orí, seu destino; é necessário assegurar que o eterno renascimento de um plano da existência ao outro, a imortalidade, se cumpra. Sem o ritual do axexê, isto ocorrerá, porém com maior lentidão e dificuldades para o Egum. (BANDEIRA, 2010, p.50).

18

Espirito daquele que morreu.

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Após velar o corpo (Ará) de minha avó, todos que estavam presentes

seguiram como que em um cortejo carregando o caixão e cantando até o

cemitério Quintas do Lázaro. Neste momento estavam presentes amigos, filhos

de santo e irmãos que acompanhavam a cerimônia.

Ao voltar para o terreiro depois do enterro eu não sabia que naquele

momento haveria outra cerimônia especial. Uma iniciada para os mortos, no qual

há uma liberação do Orixá protetor do corpo, a qual eu não poderia estar

presente, como disse minha mãe Divanir: “Filha agora você não poderá mais

estar aqui por que vamos realizar um ritual”.

Mesmo não sabendo o que era naquele momento, saí e fui para o quarto.

Cheguei a ver as pessoas que dançavam e cantavam. Horas depois essas mesmas

pessoas passaram a beber e comer a comida que ali estava, e todos

permaneceram durante sete dias na casa.

3.3 DA SUCESSÃO PARA A MÃE DIVANIR DE OYÁ

Em 1975 com a morte da minha avó, o terreiro ficou fechado por cerca de

três anos, sendo reaberto em 1978, por minha mãe Divanir Cavalcante. Uma

mulher, vaidosa, doce e dedicada a criação dos filhos, mas que por outro lado era

de poucas amizades, sendo um tanto retraída quando se tratava de lidar com o

público. Gostava muito de manter a rotina que incluía suas atividades em casa e o

serviço interno no terreiro. Esse foi um dos motivos que levou a casa ficar fechada

durante alguns anos.

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Figura 5: Mãe Divanir de Oyá

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

Anos após, minha mãe Divanir decidiu reabrir o terreiro, então foi consultar

os búzios de sua tia Eleonor Sacramento de Obaluaê com Yansã, uma yalorixá que

foi iniciada junto com minha avó Pequenita e que também possuía um terreiro em

Mandchuria.

Figura 6: Carteira de Identidade de Tia Eleonor

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

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Quando meu pai Wilson Araújo de oxalá começou a frequentar o terreiro de

tia Senhora ele passou a ser seu filho de coração, já que ele cuidava dela e dos

assuntos da casa. Assim com o passar do tempo todos só passaram a reconhecer

como o terreiro de Oxalá de (Oxé) por causa de Wilson. Tendo em registro sua

fundação em 1956, apesar de ter sido aberto bem antes. Sendo este o Ilê que fui

iniciada.

Os búzios deram a direção para minha mãe que no começo de sua liderança

as atividades eram mais internas. Ao se sentir mais segura com a ajuda dos orixás

resolveu abri para comunidade, contudo esteve a frente da roça apenas por nove

meses, já que logo depois foi vitima de um acidente fatal de carro.

Em 1983, eu agora com dezessete anos de idade, presenciei pela segunda

vez aquela cerimônia que tanto me marcou com a morte de minha avó, só que

dessa vez com minha mãe. Neste momento houve uma diferença, já que o corpo

dela não foi velado no terreiro, mas sim no cemitério Quinta dos Lázaros19. Ficaram

horas de portas fechadas e depois abertas, eu estava muita assustada porque

ainda não compreendia como a cerimônia funcionava, foi quando o tio Benedito

tentou explicar algumas coisas para que eu pudesse entender o que estava

acontecendo no momento.

Assim ele começou a explicar que aquela cerimônia estava sendo realizada

no cemitério porque a mãe Divanir tinha sofrido um acidente de carro e, por isso,

seu corpo foi conduzido diretamente para o local fúnebre, e que depois todos

retornariam para o Ilê, e assim foi feito. Ali era o início para o ritual do Axexê.

[...]O axexê propriamente dito, é um momento de individualização, dando continuidade ao rompimento de vínculos sagrados, com os integrantes da casa de Candomblé, sejam estes humanos ou divinos. Todos os pertences pessoais do morto, utilizados em obrigações e sacrifícios, são reunidos, e após consulta oracular se saberá o destino a ser dado a estes. Os objetos determinados pelo jogo de búzios ou dilogum a ser entregues aos herdeiros revelados são lavados em água sagrada são entregues aos mesmos. (BANDEIRA, 2010, p.50).

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Localizado na Praça Rubin Müler, 99 - Baixa de Quintas, Salvador – BA.

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Após tais acontecimentos relacionados à morte de mãe Divanir, a casa

entrou em luto pela segunda vez. Nesse momento eu ainda não tinha um

amadurecimento e nem entendimento sobre o candomblé mesmo conhecendo e

convivendo diariamente com todos da casa. Eu os tinha como minha família já

que morava no terreiro e minhas lembranças e experiências são com os irmãos

de santo que iam além dos laços da religião.

3.4 DA SUCESSÃO PARA FRANCISCA BASTOS CONCEIÇÃO

Durante o período em que a casa permaneceu fechada foi meu tio Benedito

quem assumiu a responsabilidade de cuidar internamente da roça, já que ele era

ogã e não podia jogar, nem estar à frente do terreiro. Anos se passaram e até que

pela segunda vez foram consultados os búzios, para saber quem iria ser o(a)

novo(a) sucessor(a) do terreiro, quem daria continuidade as atividades da casa.

Assim foi marcado o dia do jogo no próprio terreiro por tia Eleonor e todos os

filhos da casa interessados. Eu uma das filhas de santo também estava presente e

ansiosa como todos no recinto. No momento que o jogo correu para os meus pés,

naquele instante todos tiveram a certeza que eu era a nova sucessora.

Naquele momento eu ainda não sabia o que estava acontecendo só fui

alertada que precisava fazer uns procedimentos para depois assumir direção, em

nenhum momento eu imaginava que estavam falando era sobre a minha sucessão,

e assim foi feito a obrigação. Quando me prepararam pra fazer o santo, eu ainda

não incorporava e todos acreditavam que se tratava de uma Ekejde. Mas não foi

isso que Xangô quis, ele me colocou em prova, mas não imaginava o que estava

para vir, pois o meu destino estava traçado pela determinação do vodun que era

dar continuidade a minha origem, posição que nunca pensei em exercer.

Nos anos que se seguiram eu passei por muitas provações. Em 1996 tive um

acidente no qual me tornei deficiente. Nessa mesma época fui diagnosticada com

um quadro depressivo, só superei apoiando-me em tudo que sempre acreditei

dentro dos meus princípios éticos e hierárquicos do candomblé.

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Sendo assim eu Francisca Maria Bastos Conceição, assumi o terreiro me

tornando yalorixá e sucessora da casa.

Então em 2004 dei início ao meu chamado dando seguimento a linhagem da

família no axé. Sendo assim eu Francisca Maria Bastos Conceição de Xangô a

yalorixá e sucessora da casa.

Figura 7: Mãe Lita de Xangô

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

Neste mesmo ano recebi o cargo de sacerdotisa, passando a ser chama de

mãe Lita Obaginã, nome adquirido na iniciação. Também me tornei membro da

Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia – AFA, dirigida

por Leonel Monteiro.

Em 2013 com os esforços e trabalhos realizados o Ilê Obá Airá Bodê ganha

à concessão de uso especial efetuada na forma estabelecido pela lei do município

de Salvador a escritura de legalização, concedida pelo então prefeito Antônio

Imbassahy.

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Já no ano de 2015, o terreiro adquiriu o comprovante de cadastro definitivo

pela Secretaria Municipal da Reparação. No ano seguinte saiu no edital à

publicação concedendo ao Ilê Axé Oba Aira Bodê a isenção do IPTU.

Nesses anos de fortalecimento das minhas raízes através da religião,

encontrei assim como meus antepassados muitas dificuldades, mas também pude

contar com o apoio de vários amigos, filhos e simpatizantes da fé. É o caso do o

artesão Gilson de Oliveira, ogan do Terreiro Ilê Axé Iya Boni Alá, em Dias D'Ávila,

que desde a reabertura da casa vem dando suporte e apoio, principalmente na

hora de confeccionar peças, para os orixás da casa, sem querer receber

nenhuma remuneração, já que as faz como presente para as entidades. As peças

construídas são entregues quando homenageamos os orixás.

“Eu tenho prazer eu fazer essas peças para os orixás, faço com todo carinho

e amor, é a minha forma de homenageá-los com respeito e dedicação faço

detalhe por detalhe”.

Figura 8: Peças dos orixás confeccionas por Gilson de Oliveira

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

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Figura 9: Gilson de Oliveira e Mãe Lita

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

Há também a costureira Gildete Santos, que desde o primeiro filho iniciado

na casa tem dedicado seu tempo e suas habilidades na confecção de vestimentas

e adereços. Mesmo não sendo adepta do candomblé tem demonstrado afeto no

seu trabalho, se empenhando cada dia mais nos detalhes de cada roupa realizada.

Apesar de eu ter sofrido perseguições e preconceito durante muitos anos,

hoje no terreiro é possível encontrar pessoas de todas as classes sociais,

professores, enfermeiras, executivos, advogados, padeiro, donas de casa. Todos

com seus cargos e deveres, e obedecendo sempre a hierarquia como ogãn, ekejde

e iyawo.

De acordo com Azambuja (2010), a religião que antes era cultuada apenas

por negros às escondidas, que foram obrigados a criar uma relação com os

santos da igreja católica para poder cultuar sua fé em uma sociedade que só se

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permitia o catolicismo, surgindo assim o sincretismo religioso, com adeptos de

várias etnias.

Aqueles que fossem brasileiros também deviam ser católicos ou não encontrariam lugar na sociedade. O candomblé teve nascimento, desse modo, como uma espécie de segunda religião de negros católicos, quer fossem livres ou escravos, no Brasil ou na África. O candomblé tornou-se religião autônoma, apartada do catolicismo só em anos recentes, mas ainda tem persistido o sincretismo na maioria dos terreiros. O candomblé, que deixa de lado o sincretismo aos poucos, de1960 para cá transforma-se em religião para todos, sejam negros, pardos, brancos ou amarelos, sem fronteiras de etnia, cor, classe social ou origem geográfica. (AZAMBUJA, 2010, p. 13)

A casa que já sofreu e ainda continua sofrendo preconceitos por ser uma

religião de matriz africana. Todavia os seus cultos e preceitos, tem aumentado

cada vez mais o número de seguidores. Entretanto, esse crescente número de

adeptos não restringe só ao Ilê Axé Oba Ayrá Bodê.

Um dos aspectos importantes do terreiro é que o Ilê Axé Oba Ayrá Bodê o

dono da casa é xangô e sua fundadora minha avó Pequenita era de xangô e eu

também.

3.5 RITOS DE PASSAGEM

O ritual de iniciação de matriz africana no Ketu, consiste em os filhos de

santos novos passam por uma cerimonia de renascimento na vida. Este

procedimento é conhecido como feitura o primeiro passo são os ebós, as

oferendas, bori, e rezas, depois a raspagem do orô (cabelos) as danças, para o

aprendizado, o conta egum, umbigueira adoxu, os delogun, mokan, xaorô,

ikodidé, o Kele e por último o giz das suas pinturas.

Yàwó é quando o abian passa a ser iniciado com todo cuidado e preparo,

conduzido pela sacerdotisa. Nesse momento é utilizada a pintura que é usada na

hora que em que eles são deitados sobre uma esteira dando a reverência como

adobá que é paó.

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Dentro da comunidade a festa ritualística é a saída de iawo, período em que

denomina a marca momento mais aguardado da cerimônia, quando ele é

apresentado por uma sacerdotisa na frente de todos para dar o nome do orukó.

Depois do Rum do orixá, o resguardo permanecerá fora do barracão por um

período de três meses, até a queda de kelê neste período sua cor da roupa é o

branco.

Segundo Verger os filhos iniciados após pagar suas obrigações de sete anos

o seu futuro é ser o mais novo sacerdote para o orixá.

Na região iorubá, a iniciação de um elégùn (aquele que pode ser “montado”, possuído, pelo orixá) não apresenta problemas. Geralmente ele foi indicado para desempenhar esse papel por ocasião do seu nascimento, pela adivinhação, quando seus pais consultaram um babalaô para conhecer o destino do recém nascido. O futuro elégùn, muito cedo, geralmente aos sete anos de idade, é confiado a um sacerdote do orixá” [...] (VERGER, 2004 p. 25)

Sobre este rito de passagem, o autor ainda destaca que

noviços forma-se de novo e dirige-se, acompanhada pelas mulheres encarregadas da iniciação e por um conjunto formado de atabaques bàtá ou de cabeças agbè.[...] o corpo inclinado para frente e a cabeça levantada para manter o equilíbrio [...] Caminham dançando, seguindo o ritmo dos atabaques, e de vez em quando esboçam alguns passos mais firmes, com os joelhos dobrados” [...]( Verger 2004 p 27,28)

Já o rito de passagem do Rumbê, é a educação do axé, o que quer dizer

hierarquia, regras usadas para sustentar a ordem dentro do Ilê e com isso todos

passam compreender cada significado das funções. Como Sacerdotisa ou

sacerdote significa Iyá, mãe de santo, o babá, pai de santo e nesse sentido são

denominados outros cargos. Abaixo segue alguns:

Iyalaxé é um cargo dado para mulher que significa Mãe do axé e com isso

passa a cuida dos objetos ritual do axé. Iyaegbé ou Babaegbé, é a conselheira e

responsável pela manutenção da Ordem da Tradição da Hierarquia, é a. segunda

pessoa do axé.

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Iyakekerê ou Babakekerê é um cargo dado para mulher e homem chamado

de Mãe Pequena e Pai pequeno responsável para a ajudar e ensinar a todos

iniciados no terreiro como segunda sacerdotisa ou sacerdote do axé.

Ojubonã ou Agibonã é quem ajuda na iniciação dos iaos como a mãe

criadeira. Iyamorô ou Babamorô é responsável pelo Ipadê de Exú. Alagbê, é um

ogan responsável pelos toques rituais dos musicais sagrados do Candomblé

Ketu.

Ekejde: é nome de origem Jeje conhecida como mãe e também a camareira

do Orixá. Em outro terreiro as Ekejde é chamada de ajoiés, é o mesmo sentido

na classificação do cargo. Ogan é responsável de toca dos atabaques

Ebômi Ou Egbomi, significa que o irmão mais velho já cumpriu o período de

sete anos da iniciação. Elègun é o Orisá dono da cabeça dos iniciado filho de

santo que entra em transe.

3.6 TRABALHOS SOCIAIS

Na cidade os números de terreiros vêm crescendo consideravelmente desde

as últimas décadas. É o que confirma um estudo realizado pelo Centro de

Documentação e Memória dos Terreiros de Candomblé em Salvador.

Hoje, na capital baiana, existem diversos terreiros distribuídos na cidade, assim, o Centro de Estudos Afro Orientais da Universidade Federal da Bahia possui em seus registros 1.165 (mil cento e sessenta e cinco) terreiros de candomblé difundidos na capital baiana. [...] Foi realizado trabalho de campo que privilegiou uma metodologia de observação e análise das rotinas, logísticas de arquivamento de documentos - atas de fundação, atas de criação da associação religiosa, solicitação de permissão para bater candomblé na delegacia de jogos e costumes, atas de reuniões; escrituras, contratos de compra e venda, fotografias de festas, líderes religiosos e membros da comunidade - e do espaço físico, interno e externo, e suas simbologias. (SANTOS, 2018, p.42).

A preocupação do terreiro com a comunidade também vêm aumentando, o

que abre portas para parcerias e convênios com a prefeitura e o governo do

estado. É o caso do projeto “Crescendo e Empreendendo nas casas de axé”,

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promovido pela Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Emprego (Sedes) em

parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

(Sebrae-Ba). A iniciativa fez parte das ações do programa Salvador Capital

Empreendedora. Neste projeto que aconteceu em 2016, a comunidade teve

acesso a aulas de empreendedorismo dentro dos terreiros de candomblé.

Figura 10: Trabalhos sociais no Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

O objetivo da ação é despertar o empreendedorismo local como uma das estratégias de inclusão social e acesso ao mercado de trabalho. Para

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participar das oficinas, é necessário apenas ter concluído o Ensino Fundamental e procurar o respectivo terreiro para fazer a inscrição. No total, 11 terreiros localizados em diferentes bairros da cidade foram contemplados. A abertura será no Centro Espírita Caboclo Itapuã (Alto do Coqueirinho), mas o curso também será ministrado no Nzo Leemba Mukumbi Junsara (Periperi), Ilê Axé Bualan Omó ti Gbara (Lagoa da Paixão), Terreiro Axé Jezubun (Beiru), Ilê Axé Obá Ayrá Bodê (Caixa D‟Água) e Casa de Oxumarê (Federação). (SUBÚRBIO NEWS, 2016).

Além dos cultos realizados no terreiro, o povo de santo abre as portas para

que a comunidade usufrua do espaço realizado atividade através dos trabalhos

sociais.

3.7 TRADIÇÃO, RELIGIÃO E MODERNIDADE

A tradição no Ilê Axé Obá Airá Bodê, vem desde os primórdios de sua

fundação com a matriarca Mãe Pequenita de Xangô. Os orixás regentes da casa

foram trazidos de uma cidade antiga da África chamada Oyo. Eles se tornaram

reconhecidos em vários países como orixá supremo do candomblé.

É um costume que as festas na casa sejam organizadas durante a noite

anterior à data, onde passamos a madrugada até o sol raiar elaborando os

preparativos. A herança veio da África com os negros na época em que o Brasil

era colônia.

A celebração sempre foi feita na casa com danças e comidas típicas. Com o

passar dos anos, outros orixás passaram a fazer parte da festa, assim vem sendo

desde que assumi. Abaixo apresento alguns outros elementos da vivência no

candomblé.

O uso do branco sinal de hierarquia e respeito à Oxalá, assim como

representar a paz, a purificação espiritual na hora de resguardar os Omo Òrìxá20 dos

filhos de santos. Os adeptos do candomblé costumavam comemorar a passagem do

fim de ano na praia trajado de branco para homenagear Iemanjá, influência que veio

20

Filhos dos orixás

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dos negros africanos, e assim com os anos 70 as pessoas começaram a usar o

branco, com a finalidade de realização de seus pedidos pela paz21.

Benção no candomblé tradição africana trazida para o Brasil, onde cada

nação as pessoas tinham o costume de abaixar a cabeça e pedir a benção aos seus

mais velhos e mais novos sem comparação da idade. No candomblé a benção faz

parte da rotina das casas, e demonstra humildade perante as divindades. No Ilê Axé

Oba Ayrá Bodê a benção é Motumbá, que significa Deus te abençoe, e a resposta é

Motumba laxé (Deus te abençoe).

Ficar descalço o terreiro é a morada dos ancestrais, assim ficar descalço é

uma forma de estar em contato com os antepassados, demostrando respeito as

entidades, mesmo em um contexto como o nosso marcado por elementos da

modernidade.

3.8 REGISTRO DA CASA

O terreiro Ilê Axé Oba Ayra Bobé possui a escritura de legalização desde

2005, onde conta com 101,50 M² de área, localizada na Avenida Joana Darc, nº

21, no bairro Caixa D‟água, na cidade do Salvador. Detém também cadastro

definitivo da Secretaria Municipal da Reparação, concedido em 04/11/2015.

Já no ano de 2006 a yalorixá Francisca Bastos, resolveu se associar na

Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA) onde hoje

encontra o registro da roça.

21

Disponível em https://www.ceert.org.br/noticias/datas-eventos/14785/de-onde-surgiu-a-tradicao-de-usar-

branco-no-ano-novo. Acessado em 10 de Jan de 2018.

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Figura 11: Registro da casa na Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-ameríndia

(AFA)

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

Figura 12: Comprovante de Cadastro e Escritura de legalização do Ilê

Fonte: Acervo Ilê Axé Obá Ayrá Bodê

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4. BREVES CONSIDERAÇÕES

O trabalho foi dividido em três partes, na primeira resgatamos noções

históricas sobre a chegada dos negros ao Brasil, o tráfico negreiro, as dificuldades

de desenvolverem sua crença, em uma terra com uma única religião

predominante, a contribuição para nossa formação social e cultura com as

diversas etnias vindas para o território brasileiro.

A segunda parte do trabalho foi reservada para realizarmos um mergulho no

universo do candomblé. Apresentamos o histórico e características principais de

uma religião fundada no território brasileiro. Nesta parte, através da pesquisa

bibliográfica e etnográfica, pudemos apresentar um breve relato sobre os orixás

cultuados nessa religião, bem como a importância de elementos como a oralidade

como forma de comunicação.

Por fim, a última parte do nosso trabalho remonta para a história, a

hereditariedade no axé, os desafios e as ações do terreiro Ilê Axé Obá Ayrá Bodê,

desde a sua fundação aos dias atuais. A pesquisa etnográfica e a realização de

entrevistas nos auxiliaram neste caminho. Através destes métodos, foi possível

registrar as sucessões entre as yalorixás, bem como os seus feitos, contribuições

para a constituição de um espaço de comunicação no axé e para a sociedade

próxima ao terreiro. O que respondeu de forma reflexiva o questionamento acerca

de que forma o terreiro pode ser visto como lugar de diálogo e comunicação.

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5. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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BANDEIRA, L. C. C. A morte e o culto aos ancestrais nas religiões afro-brasileiras. Último Andar, n. 19, p. 33-39, 2010.

BEAUD, S. e WEBER, F. Guia para a pesquisa de campo: produzir e analisar dados etnográficos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

BRAGA, J. Fuxico do candomblé: estudos afro-brasileiros. Feira de Santana, Bahia. Universidade Estadual de Feria de Santana, 1998.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.Acesso: 11 de março de 2019.

DA MATTA, R. O ofício de etnólogo ou como ter uma anthropologial blues. Brasília, 1974. Disponível em: http://goo.gl/BWp4Ku

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ANEXOS

Calendário de atividades da casa