FACULDADE CEARENSE CURSO DE DIREITO
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FACULDADE CEARENSE
CURSO DE DIREITO
PALOMA NICODEMOS DE LUCENA PINHO
MEDIDA DE SEGURANÇA: UMA ANÁLISE SOBRE A
INDETERMINAÇÃO TEMPORAL
FORTALEZA – CE
2013
2
PALOMA NICODEMOS DE LUCENA PINHO
MEDIDA DE SEGURANÇA: UMA ANÁLISE SOBRE A
INDETERMINAÇÃO TEMPORAL
Monografia apresentada à Faculdade Cearense,
como exigência final para obtenção do título de
Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor
José Lenho Silva Diógenes.
FORTALEZA – CE
2013
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a uma pessoa muito amada,
que esteve comigo em todos os momentos dessa
caminhada, desde a distante aspiração, como
nesse momento único, de encerramento de ciclo
e realização de um sonho. Obrigada meu amor,
Miguel Eduardo, por ter sempre me incentivado e
por muitas vezes quando as forças me faltaram,
ter me carregado em seus braços, ao longo
dessa jornada.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, sou grata a Deus e a Nossa Senhora, que sempre me
enviaram as suas entidades de luz para emanarem a força e a sabedoria necessária
para que eu pudesse chegar até aqui, nunca permitindo que eu desistisse.
Agradeço o apoio da minha família, em especial aos meus pais, José Osmar
e Roberta Taveira, ao meu Avô materno José Taveira e a minha avó paterna Edith
Lucena, aos meus irmãos Marco Anderson e Otthon Lucena, aos meus queridos
enteados Lucas Ribeiro e Ana Beatriz, ao meu filho Teddy, as minhas cunhadas,
Carla Onteveiros e Andréa Pinho, esta ultima, com o seu bravo exemplo de garra e
determinação. Por fim, a minha querida sogra, Ana Maria, que sempre prestou um
grande apoio.
Dedico ainda, aos professores que pude conhecer ao longo da caminhada,
pela oportunidade de aprender, enriquecendo sempre o meu saber, em especial ao
Júlio Ponte e ao meu orientador Lenho Diógenes, que proveu subsídios necessários
para a concretização desse objetivo.
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“O gênio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio”. Fernando Pessoa
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RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo analisar a medida de
segurança e sua administração pelo Estado. Pretende-se compreender como a
racionalidade jurídica adotada pelo sistema penal repercute na violação dos direitos
fundamentais das pessoas sujeitas a esta espécie de sanção. Para tanto, esse
trabalho fará uso da metodologia de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial,
recorrendo-se ainda, ao método indutivo. O trabalho não visa exaurir o debate
acerca das medidas de segurança, ao contrário, restringe-se à análise da
indeterminação no tempo de aplicação das sanções em que o doente mental tenha
figurado como sujeito ativo de uma conduta delituosa. Nesse sentido, o foco desta
monografia é a questão da indeterminação do tempo de aplicação da medida de
segurança.
Palavras-Chave: Medida de Segurança. Indeterminação temporal.
Inconstitucionalidade.
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ABSTRACT
This course conclusion work aims to analyze the security measure and its
administration by the State. Want to understand how the legal rationale adopted by
the penal system affects the violation of fundamental rights of persons subject to this
kind of sanction. To this end, this work will make use of the methodology of literature
and jurisprudence research, even by resorting to the inductive method. The work
does not aim to exhaust the debate about the safety measures, in contrast, is
restricted to the analysis of indeterminacy at the time of application of sanctions
where the mentally ill has figured as an active subject of a criminal conduct. In this
sense, the focus of this monograph is the issue of indeterminacy of time of
application of a security measure.
Keywords: Security Measure. Temporal indeterminacy. Unconstitutional.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO…………………………………………………………….......................9
2 AS SANÇÕES PENAIS E SUA ADMINISTRAÇÃO PELO ESTADO....................11
2.1 Diferenças entre pena e medida de segurança...............................................11
2.2 Teorias da pena e sua incompatibilidade com as medidas de segurança..15
2.3 O sistema de quantificação da pena privativa de liberdade..........................17
3 APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA NO SISTEMA JURÍDICO PENAL
BRASILEIRO……………………………………………................................................20
3.1 Princípios constitucionais da medida de segurança .....................................21
3.2 O início do cumprimento da medida de segurança........................................23
3.3 Espécies de medida de segurança...................................................................24
3.4 Instituto da desinternação.................................................................................26
4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA INDETERMINAÇÃO TEMPORAL DA
MEDIDA DE SEGURANÇA………………………………............................................29
4.1 Aplicação da vedação de penas perpétuas as medidas de segurança........31
4.2 Compreensão doutrinária..................................................................................32
4.3 A posição do Supremo Tribunal Federal.........................................................37
CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………….............................………………41
REFERÊNCIAS………………………………………………...............................……...43
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo analisar a
medida de segurança e sua administração pelo Estado. Pretende-se compreender
como a racionalidade jurídica adotada pelo sistema penal repercute na violação dos
direitos fundamentais das pessoas sujeitas a esta espécie de sanção. Para tanto,
faz-se uso, no trabalho, da metodologia de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial e
do método indutivo.
É relevante consignar que este trabalho não visa exaurir o debate acerca
das medidas de segurança, ao contrário, se restringe à análise da indeterminação
no tempo de aplicação das sanções em que o doente mental tenha figurado como
sujeito ativo de uma conduta delituosa. Por outro lado, parece oportuno analisar
alguns aspectos da determinação temporal da pena privativa de liberdade, em face
de sua familiaridade com a medida de segurança, no que tange à restrição à
liberdade de locomoção do sancionado.
Em um primeiro momento, será abordado a origem, evolução e função social
da sanções penais. Procura-se indicar as duas espécies de sanções penais de
nosso sistema penal e suas especificidade, principalmente no que consiste à
finalidade de cada uma delas. Para compreender a diferença de tratamento jurídico
no que tange à quantificação do tempo de uma e outra espécie de sanção, discorre-
se sobre as teorias das penas e o sistema de aplicação da pena privativa de
liberdade.
Em seguida, analisa-se o sistema de aplicação das medidas de segurança no
sistema jurídico penal brasileiro e a lacuna legal existente, no que toca à definição
do tempo máximo de seu cumprimento. Nesse sentido, procura-se apontar e
compreender os princípios aplicáveis às medidas de segurança, bem como as
espécies de medidas de segurança existentes e suas peculiaridades. Além disso,
discute-se neste trabalho monográfico o tema do instituto da desinternação.
Por fim, é abordado o tema central deste trabalho, a indeterminação do tempo
de aplicação da sanção penal de medida de segurança e a afronta ao princípio
10
constitucional da vedação de pena de caráter perpétuo. Indica-se a opinião
doutrinária a respeito da indeterminação temporal na aplicação da medida de
segurança e a posição jurisprudencial com relação ao tema. Nessa perspectiva,
aponta-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a problemática da
indeterminação do tempo de aplicação das medidas de segurança em face dos
direitos dos inimputáveis a uma sanção penal certa, determinada, humana e de
caráter não perpétuo.
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2 AS SANÇÕES PENAIS E SUA ADMINISTRAÇÃO PELO ESTADO
A origem da sanção penal, segundo a doutrina, é muito remota. Para
Bitencourt (2011), é tão antiga quanto à história da humanidade. Desde o momento
em que o homem passou a viver em sociedade, começaram a surgir os primeiros
conflitos de interesse e as desavenças entre os indivíduos. Assim, no intuito de
manter a harmonia e a paz social, surgiram as primeiras regras de conduta, bem
como, as correspondentes sanções para quem as descumprissem, garantindo que
tais regras exercessem sua devida finalidade, ou seja, a manutenção do bem
comum.
Embora vista com pesar por muitos, a sanção penal acaba por ser
indispensável para que se possa alcançar a paz social. Dissertando sobre sua
importância para a sociedade, Bitencourt afirma que sem a sanção penal não seria
possível à convivência na sociedade nos dias de hoje. Trata-se, pois, de “um recurso
elementar com que conta o Estado, e ao qual recorre, quando necessário, para
tornar possível a convivência entre os homens” (BITENCOURT, 2011, p. 98).
Da antiguidade até o século XVIII, as sanções penais foram bastantes
aflitivas, iniciando-se desde então todo um processo de sua racionalização e
humanização. Com relação a pena, percebe-se atualmente um sistema que vai
desde as teorias que definem suas funções até o desenvolvimento de um sistema
trifásico, que auxiliam os operadores do direito na quantificação de sua
determinação temporal. O mesmo não pode ser dito em relação à medida de
segurança, que ainda hoje dispõe de poucos recursos teórico-metodológicos para
sua concretização.
2.1 Diferenças entre pena e medida de segurança
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A pena é uma sanção penal imposta ao indivíduo que praticou uma infração
penal e que goza de plena capacidade mental. Implica dizer que para sua aplicação
é fundamental que, no momento do crime, o agente entenda o caráter ilegal de seu
ato e tenha a capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento,
cabendo ao Estado, na pessoa do Juiz, impor tal sanção penal, fundamentado na
culpabilidade do agente.
Pena é a espécie de sanção penal aplicável ao indivíduo que goze de plena
faculdade mental, ou seja, a quem se possa imputar a responsabilidade por seus
atos. Segundo Capez, pena é uma espécie de sanção penal:
de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade (CAPEZ, 2012, p. 385-386).
A pena é imposta ao indivíduo pelo Estado, por meio da força de sua tutela
jurisdicional, para que o destinatário seja privado de um bem jurídico no intuito de
retribuir o mal causado à sociedade mediante sanção penal. Assim como,
objetivando a sua readaptação social, para que esse indivíduo ao ser devolvido ao
convívio em sociedade não volte a delinquir.
A espécie de sanção penal aplicável aos agentes considerados inimputáveis
ou semi-imputáveis, por outro lado, é a medida de segurança. Segundo Capez,
trata-se de “sanção penal imposta pelo Estado, na execução de uma sentença, cuja
finalidade é exclusivamente preventiva, no sentido de evitar que o autor de uma
infração penal que tenha demonstrado periculosidade volte a delinquir” (CAPEZ,
2012, p. 385-386).
Conforme estabelece o Código Penal Brasileiro, em seu art. 26, “é isento de
pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação, ou da omissão, inteiramente incapaz de entender
o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.
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Para o direito, o indivíduo só poderá ser considerado inimputável se através
de instrumento jurídico próprio, o incidente de insanidade mental, for diagnosticado
pelo perito oficial, psiquiatra, que ao tempo da ação ou da omissão, agiu em
desconformidade com a lei devido à irresistível influência da doença ou da
perturbação mental o impedindo de ter pleno entendimento do caráter ilícito do ato.
Uma vez considerado inimputável, mediante perícia médica efetuada por
perito, por intermédio de sentença penal, ao agente que violou norma penal
incriminadora aplica-se internação ou tratamento ambulatorial, conforme a
punibilidade do fato considerado como crime. Essa é a inteligência do art. 97 do
Código Penal Brasileiro. Senão, veja-se: “Se o agente for inimputável, o juiz
determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for
punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”.
Pode-se concluir que o sujeito passivo da medida de segurança, ou seja, o
destinatário, é o indivíduo considerado pelo Estado inimputável. Sendo evidente a
existência da distinção na aplicação da sanção penal, de um lado os imputáveis, de
outro os inimputáveis e os semi-imputáveis. Quanto aos semi-imputáveis, esses
poderão vir a sofrer pena, ou excepcionalmente, medida de segurança, conforme as
peculiaridades do caso, contudo, nunca as duas espécies de sanções penais.
Bitencourt explana as principais diferenciações entre as modalidades de
sanção penal, isto é, a pena e a medida de segurança:
a) As penas possuem caráter retributivo-preventivo; as medidas de segurança têm natureza eminentemente preventiva.
b) O fundamento da aplicação da pena é a culpabilidade; a medida de segurança fundamenta-se exclusivamente na periculosidade.
c) As penas são determinadas; as medidas de segurança são por tempo indeterminado. Só findam quando cessar a periculosidade do agente.
d) As penas são aplicáveis aos imputáveis e semi-imputáveis; as medidas de segurança são aplicáveis aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis, quando estes necessitarem de especial tratamento curativo (BITENCOURT, 2011, p.782).
Damásio de Jesus também aponta com propriedade as várias diferenciações
entre pena e medida de segurança, nos seguintes termos:
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a) as penas têm natureza retributiva – preventiva; as medidas de segurança são preventivas;
b) as penas são proporcionais à gravidade da infração; a proporcionalidade das medidas de segurança fundamenta-se na periculosidade do sujeito;
c) as penas ligam-se ao sujeito pelo juízo da culpabilidade (reprovação social); as medidas de segurança, pelo juízo de periculosidade;
d) as penas são fixas; as medidas de segurança são indeterminadas, cessando com o desaparecimento da periculosidade;
e) as penas são aplicáveis aos imputáveis, e aos semi-responsáveis; as medidas de segurança não podem ser aplicadas aos absolutamente imputáveis (DAMÁSIO, 2001, p. 545).
Ante o exposto, é possível compreender que se falando em pena, não se tem
a mesma ideia da finalidade da medida de segurança, pois na pena objetiva-se punir
o indivíduo que transgrida a lei, responsabilizando-o pelos seus atos. Além disso,
busca-se com a pena que seja dada uma resposta eficiente à sociedade, no sentido
de desestimular a prática de novos delitos, portanto, tem essência preventiva e
retributiva, bem como, a pena pressupões culpabilidade do agente.
As medidas de segurança possuem finalidade preventiva, de cautela,
objetivando em primeiro momento impedir que o indivíduo acometido de
deformidade orgânica volte a praticar atos tipificados na legislação penal como
crime, bem como, o seu devido tratamento com a finalidade curativa ou terapêutica.
A medida de segurança tem como objetivo principal é a prevenção, tanto do
doente mental em desacordo com a lei, como da própria sociedade. A pessoa
portadora de doença mental ou com desenvolvimento mental incompleto ao tempo
da ação reconhecido pelo Estado não pode ser responsabilizado pelos seus atos,
desse modo poderá apenas sofrer a sanção penal com objetivo curativo e
preventivo, devendo-se ponderar a periculosidade do agente e não sua
culpabilidade.
O ponto relevante a ser enfrentado no presente estudo é quanto à
determinação temporal das sanções penais, especificamente, das medidas de
segurança. Quando se trata de pena, o indivíduo antes mesmo de praticar o crime
15
sabe que, se o fizer, deverá ser punido pelo Estado dentro dos limites temporais
determinados por certa cominação penal, seja a pena restritiva de direito, seja
privativa de liberdade, ou de multa. A determinação prévia e certa, por lei em sentido
estrito da quantidade de pena cominada ao delito, é um direito fundamental do
indivíduo.
Com relação às medidas de segurança, esse raciocínio é um tanto diferente.
A medida de segurança é aplicada em função da periculosidade do agente, contudo
o tempo de aplicação de sua aplicação não está claramente disciplinado pela
legislação penal. Em face desta lacuna legal, o indivíduo com anomalia psíquica que
comete ato ilícito acabar sofrendo grande afronta aos seus direitos constitucionais,
como o de não sofrer pena perpétua.
A hipótese que se levanta no presente trabalho é que a falta de interesse
teórico-metodológico sobre as medidas de segurança relegou esta espécie de
sanção penal a um baixo grau de racionalidade do instituto. Não é difícil perceber a
pouca atenção que as medidas de segurança recebem nos livros de Direito Penal,
alguns bastante lacônicos no que concerne ao tema. Nesse sentido, é interessante
confrontar a racionalidade da pena com a da medida de segurança.
2.2 Teorias das penas
Dentre as teorias que surgiram ao longo dos tempos para explicar a pena,
destaca Bitencourt aquelas apontadas como as três de maior relevância pela
doutrina nacional e estrangeira: “teorias absolutas, teorias relativas (prevenção geral
e prevenção especial) e teorias unificadoras ou ecléticas” (BITENCOURT, 2011, p.
98).
As teorias absolutas ou retributivas das penas concebem-nas como “a
retribuição à perturbação da ordem (jurídica) adotada pelos homens e consagrada
pelas leis” (BITENCOURT, 2011, p. 100). Segundo esta teoria, a função da pena
consiste em um castigo pelo qual se expia um mal cometido. Nessa perspectiva, a
culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, ou seja, a pena
(BITENCOURT, 2011).
16
Segundo as teorias relativas ou preventivas, as penas objetivam prevenir a
prática do delito, diferenciando-se das teorias absolutas ou retributivas que visam
exclusivamente retribuir, ou seja, devolver o ato ilícito cometido de forma a castigar
quem os praticou. As teorias relativas das penas fazem uso da punição como forma
de tentar prevenir que atos ilícitos sejam cometidos e subdividem-se em duas
vertentes: a teoria da prevenção geral e a teoria da prevenção especial.
Para a teoria da prevenção geral, a pena é uma espécie de ameaça que a lei
apresenta aos indivíduos de determinada sociedade, para que esses se intimidem
de praticar atos contrários à lei. Tal ameaça possui cunho psicológico, ou seja, fica
registrada na mente do indivíduo que se ele vier a praticar determinado ato ilícito,
este será punido conforme tipificação legal, exercendo sob o mesmo uma espécie
de coerção psicológica (BITENCOURT, 2011).
A vertente da prevenção geral se embasa em duas ideias essenciais, quais
sejam, a ideia da intimidação ou da utilização do medo e a racionalidade do homem.
Por um lado, esta teoria pressupõe a “capacidade racional absolutamente livre do
homem – que é uma ficção como o livre-arbítrio – e, por outro lado, um estado
absolutamente racional em seus objetivos, que também é uma ficção” (RAMIREZ
apud BITENCOURT, 2011, p. 108).
A teoria da prevenção especial da pena, por seu turno, tem como argumento
principal a ideia de que o objetivo da pena é fazer com que o indivíduo não mais
volte a praticar atos ilícitos. Segundo Bitencourt (2011), o verdadeiro intuito da teoria
da prevenção especial não é o de restabelecer a ordem jurídica, ou de impor o temor
ao grupo social, e sim, fazer com que aquele indivíduo que já violou a lei, não mais
venha cometer novos ilícitos.
Por fim, a teoria mista ou unificadora da pena visa conjugar em um conceito
único os resultados da pena, reconhecendo as circunstâncias mais relevantes das
teorias anteriormente mencionadas, ou seja, as teorias absolutas e relativas da
pena. Para a teoria mista ou unificadora, as teorias absolutas e relativas da pena
são baseadas em princípios únicos, desse modo, em uma ideia central, que acaba
por torná-las incapazes de albergar toda a complexidade dos fenômenos sociais
relevantes ao Direito Penal, portando, ineficazes.
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Segundo Bitencourt, a teoria mista ou unificadora da pena teve início na
Alemanha, no século XX, tendo como seu mentor o Merkel. Conforme Mir Puig,
citado por Bitencourt, nos termos desta teoria “entende-se que a retribuição, a
prevenção geral e a prevenção especial são distintos aspectos de um mesmo e
complexo fenômeno que é a pena (MIR PUIG, 1985, apud BITENCOURT, 2011,
p.112).
Conforme leciona Greco (2011), o sistema jurídico penal brasileiro adotou a
teoria mista ou unificadora da pena, porque “a parte final do caput do artigo 59 do
Código Penal conjuga a necessidade de reprovação com a prevenção do crime,
fazendo, assim, com que se unifiquem as teorias absoluta e relativa, que se pautam,
respectivamente, pelos critérios da retribuição e da prevenção” (GRECO, 2011, p.
539).
Pessoas que possuam capacidade de discernimento reduzida ou
prejudicada, isto é, que não gozam de plena faculdade mental, inviabiliza a
aplicação das teorias da pena, na medida em que essa parcela de indivíduos não
consegue ponderar de forma racional as vantagens e as desvantagens de
determinado ato considerado ilícito. Nesse sentido, é a lição de Ramirez:
A pena, segundo dizem, implica a liberdade ou a capacidade racional do
indivíduo, partindo de um conceito geral de igualdade. Já a medida supõe
que o delinquente é um sujeito perigoso ou diferente do sujeito normal, por
isso, deve ser tratado de acordo com sua periculosidade. Como o castigo e a
intimidação não tem sentido, o que se pretende, portanto, é corrigir,
ressocializar ou inocuizar (RAMIREZ, 1989 apud BITENCOURT, 2011, p.
111).
2.3 O sistema de quantificação da pena privativa de liberdade
Compreendida a finalidade na pena nos termos analisados na seção
anterior, isto é, como uma punição necessária e suficiente para a reprovação e
prevenção do crime, cumpre analisar o sistema de aplicação das penas privativas de
liberdade. Tal sistema traduz a racionalidade adotada pelo sistema legal que garante
a determinação temporal desta espécie de sanção.
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O Código adotou, no que tange à quantificação da pena privativa de
liberdade, o sistema trifásico. Veja-se o que dispõe o artigo 68:
A pena base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste
código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes
e agravantes; por ultimo, as causas de diminuição de pena e de
aumento.
Desse modo, observa-se que o artigo citado toma como parâmetro de
quantificação de pena um método que apresenta três fases. Conforme se percebe,
somente ao final do procedimento previsto no dispositivo em tela, o juiz encontrará a
pena para o caso concreto.
No primeiro momento, o juiz fixa a pena de acordo com as circunstâncias
judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal. Trata-se de circunstâncias
inominadas, não expostas de forma taxativa pela lei. Aqui, prepondera a
discricionariedade do magistrado, que goza de certa margem de liberdade para
analisar o caso concreto, contudo sempre vinculado à Lei. Nesse contexto, conforme
estabelece a Lei Penal:
Art.59. O juiz, atendendo à culpabilidade, antecedentes, reincidência
e condições pessoais do acusado, bem como as oportunidades
sociais a ele oferecidas, aos motivos, circunstâncias e
consequências do crime e ao comportamento da vítima estabelecerá
conforme seja necessário e suficiente a individualização da pena:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
Em seguida, o magistrado considera as circunstâncias agravantes e
atenuantes legais, previstas no artigo 61, 62 e 65 do Código Penal. Nessa fase,
existindo fato que provoca diminuição de pena, não pode o juiz furtar-se de invocá-
la. E, por fim, cumpre ao magistrado examinar as causas de aumento ou de
diminuição de pena, para determinar a pena definitiva do agente.
Além disso, ao sentenciar, o juiz deve analisar se há ou não qualificadora,
para que, assim, possa se determinar em relação aos limites irá conduzir à
dosimetria. Tendo em vista que a dosimetria da pena privativa de liberdade aplica-se
em respeito ao princípio constitucional da individualização da pena, conforme impõe
o artigo 5º, inciso LXVI, da Constituição Federal de 1988.
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Deve-se consignar que, segundo a doutrina, tanto na primeira como na
segunda fase do sistema trifásico de quantificação da pena o magistrado não poderá
decidir aumentar, muito menos diminuir a pena fora dos limites legais. Esse
entendimento doutrinário é endossado pela jurisprudência. Nos termos da súmula
231 do Superior Tribunal de Justiça: “A incidência da circunstância atenuante não
pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.
Conforme esclarece Capez:
Somente na ultima fase, com as causas de aumento ou de
diminuição, é que a pena poderá sair dos limites legais. Inclusive,
“prevendo o tipo penal os índices mínimo e máximo para o
agravamento da pena, em decorrência da causa especial de
aumento, não pode a sentença adotar o índice máximo se
fundamentação específica” (CAPEZ, 2007, p.457).
Conforme registra a doutrina, esse sistema de quantificação da pena privativa
de liberdade é um dado fundamental para que se garanta a concretização do
princípio constitucional da individualização da pena. Por meio dele, é possível
assegurar a individualização da pena na fase judicial, mediante dosimetria da pena.
Nesse sentido, tal racionalização serve à humanização na aplicação da pena
privativa de liberdade.
Convém registrar que o magistrado terá de considerar os elementos
classificatórios previstos na lei penal para que ocorra a correta individualização da
pena, sob pena de violar o princípio constitucional. Além disso, encontra-se na Lei
de Execuções Penais, em seu artigo 5º, que: “os condenados serão classificados,
segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da
execução penal”.
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3 A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA NO SISTEMA JURÍDICO
PENAL BRASILEIRO
A medida de segurança é uma espécie de sanção penal imposta pelo
Estado aos inimputáveis e, de forma excepcional, aos semi-imputáveis, que
tenham praticado fato considerado pela legislação penal como crime.
Segundo o jurista Guilherme de Sousa Nucci, a medida de segurança
“possui caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido
como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade,
torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado” (NUCCI, 2007, p. 576).
Outra parte da doutrina entende que esse instituto tem como objeto central a
prevenção, isto é, evitar que o autor do delito volte a delinquir. Nas lições do autor
Fernando Capez, a finalidade da medida de segurança é “exclusivamente
preventiva, visando tratar o inimputável e o semi-imputável que demonstrarem, pela
prática delitiva, potencialidade para novas ações danosas” (CAPEZ, 2007, p.429).
Desse modo, objetiva a medida de segurança evitar que indivíduos que não
se encontram inteiramente capazes ou totalmente incapazes de compreender o
caráter ilícito de seus atos cometam novos delitos penais. Assim, essa sanção penal
teria como objeto, não só preservar o próprio inimputável, mas principalmente a
sociedade das consequências dos possíveis atos insanos praticados.
No que toca a preservação do inimputável, essa é uma característica com
eficácia um tanto questionável, tendo em vista que do modo que são aplicadas as
medidas de segurança sinalizam certo desrespeito aos direitos e garantias
individuais inerentes ao ser humano que possui anomalia psíquica e comete um ato
tipificado penalmente como crime.
Tratando-se da natureza jurídica da sanção penal de medida de segurança,
surge na doutrina um questionamento com relação à natureza desse instituto,
Discute-se se a medida de segurança possui conteúdo de caráter efetivamente
penal ou se teria natureza administrativa. Conforme observa vasta maioria, trata-se
de sanção penal, tendo em vista restringir o direito de ir e vir.
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O Código Penal prevê que para que se possa aplicar a sanção de medida de
segurança ao infrator, este deve ser considerado ao tempo da ação ou da omissão
incapaz de determinar o seu caráter delitivo. Desse modo, que a medida de
segurança trata-se de uma medida preventiva tanto para o doente mental infrator
como para a sociedade. Constatando-se assim que a medida de segurança alberga
natureza preventiva e curativa embasada na periculosidade do agente.
Desse modo é possível perceber que a medida de segurança além do
caráter preventivo e curativo, possui ainda natureza cautelar e jurisdicional, tendo
em vista que é o Estado o detentor dessa tutela, pois ele quem pode sentenciá-la,
bem como executá-la.
Nesse contexto, entende-se “ser um verdadeiro instrumento sancionatório
que restringe a liberdade do indivíduo – doente aplicada somente em decorrência da
prática de um ilícito penal” (BRITO, 2006, p. 291). Implica dizer que a medida de
segurança é uma espécie de sanção penal imposta pelo Estado aos indivíduos que
são considerados como inimputáveis, bem como, os que são considerados semi-
imputáveis, em consequência dos ilícitos praticados por esses indivíduos.
3.1 Princípios constitucionais da medida de segurança
O ordenamento jurídico pátrio possui alguns princípios que norteiam o
instituto da medida de segurança, tendo em vista que são os princípios a base
fundamental para a formação do direito.
Desse modo, visa à proteção dos direitos e garantias dos indivíduos
acometidos de doença mental que acabam por se tornarem infratores, sendo
necessário serem submetidos a esse instituto.
Tratando-se do instituto da medida de segurança a doutrina elenca
uma quantidade bem menor de princípios em relação aos aplicáveis a pena. Alguns
doutrinadores sequer apontam princípios específicos para as medidas de segurança.
Dentre aqueles que abordam especificamente este aspecto, Mirabete (2010)
leciona que os princípios da legalidade, da anterioridade e da jurisdicionalidade são
os que regem o instituto.
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Segundo o princípio da legalidade, firmado no art. 5º, II, da Constituição
da República Federativa do Brasil, de 1988, “ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Como consequência do princípio da legalidade, nasce o direito do
agente do fato punível tomar ciência de quanto tempo incidirá a sua sanção penal,
bem como, quanto tempo irá durar a sua privação de liberdade, tendo em vista ser
direito inerente a todos a segurança jurídica.
Nesse contexto, é categórico ao afirmar Luiz Regis Prado (2000, p. 533) que
“por razões de segurança jurídica, a lei deveria estabelecer um limite máximo,
determinado em função da duração regular do tratamento cientificamente
recomendado ao agente”.
Desse modo, é necessário que seja racionalizado pelo sistema jurídico
de forma clara o tempo total de abrangência da sanção da medida de segurança,
tendo em vista que nenhum indivíduo está imune de, em algum momento de sua
vida, ser submetido ao citado instituto, tornando-se, assim, vítima dos efeitos
negativos dessa lacuna legal.
Conforme o princípio da anterioridade da lei penal, consagrado no art. 5º,
inciso XXXIX, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, “não há
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
O fato de legislador ter feito menção no dispositivo constitucional somente à
pena não significa, é claro, que se possa aplicar medida de segurança sem lei prévia
e anterior ao fato praticado por inimputável ou semi-inimputável.
Pelo contrário, o agente acometido de distúrbio mental que se comportar em
desconformidade com a lei penal somente poderá sofrer a sanção de medida de
segurança caso o ato praticado seja tipificado, previamente, como ilícito penal.
Segundo o princípio da jurisdicionalidade, previsto no art. 5º, XXXV, da
Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, “a lei não excluirá da
apreciação do Poder judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Nos termos do princípio supracitado, é competente o poder judiciário para a
devida apreciação do fato imputado como crime ao indivíduo portador de doença
23
mental, que provavelmente será declarado por sentença judicial como inimputável
ao tempo da referida ação.
3.2 O início do cumprimento da medida de segurança
O início do cumprimento da sanção penal de medida de segurança imposta
pelo Estado-Juiz ao indivíduo declarado inimputável ou semi-inimputável, assim
como nas penas, só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença que
aplicá-la, com a devida expedição da guia para execução ou de tratamento
ambulatorial, conforme o artigo 171 da Lei de Execução Penal (LEP), assegurando-
se o respeito à garantia constitucional ao direito à liberdade, inerente a todos os
indivíduos.
A guia de execução é a peça fundamental, o elemento documental basilar
para a execução da medida de segurança, sendo expedida pelo Juiz competente da
ação penal, isto é, pelo Juízo que proferiu a decisão, para que possa ser dado
prosseguimento ao cumprimento da sentença pelo Juízo das Execuções.
Isso é o que se extrai da inteligência do art. 172, da LEP, que estabelece:
“ninguém será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, ou
submetido a tratamento ambulatorial, para cumprimento de medida de segurança,
sem a guia expedida pela autoridade judiciária”.
No que diz respeito à guia expedida pelo Estado-Juiz, é necessário apontar
os requisitos de validade desse documento, que se encontram disposto no art. 173,
da Lei de Execuções Penais:
Art. 173 - A guia de internamento ou de tratamento ambulatorial,
extraída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a
subscreverá com o juiz, será remetida à autoridade administrativa
incumbida da execução e conterá:
I - a qualificação do agente e o número do registro geral do órgão
oficial de identificação;
II - o inteiro teor da denúncia e da sentença que tiver aplicado a
medida de segurança, bem como a certidão do trânsito em julgado;
24
III - a data em que terminará o prazo mínimo de internação, ou do
tratamento ambulatorial;
IV - outras peças do processo reputadas indispensáveis ao
adequado tratamento ou internamento.
Além de todas essas formalidades legais acima expostas, para validade da
guia de internamento ou de tratamento ambulatorial, o representante do Ministério
Público tem de ser cientificado da sua expedição, conforme dispõe o parágrafo
primeiro do artigo 173 da Lei de Execuções Penais. Esta medida é fundamental para
que o Ministério Público possa fiscalizar a fiel execução da medida de segurança.
Ademais, nos termos do parágrafo segundo da Lei de Execuções Penais, a
guia será retificada sempre que sobrevier modificação quanto ao prazo de execução.
Somente assim, a supracitada sanção penal pode ser cumprida pelo inimputável
dentro dos parâmetros legais, no intuito de cumprir a finalidade desse instituto.
3.3 Espécies de medida de segurança
Conforme o Código Penal Brasileiro, a sanção de medida de segurança
comporta duas espécies: A Internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico, também conhecida como medida de segurança detentiva, e a sujeição a
tratamento ambulatorial. Senão veja-se:
Art. 96. As medidas de segurança são:
I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à
falta, em outro estabelecimento adequado;
II - sujeição a tratamento ambulatorial.
Estas duas espécies não se confundem no sistema legal brasileiro. Acerca
da primeira, esclarece Bitencourt que “na falta de hospital de custódia e tratamento,
pode ser cumprida em outro estabelecimento adequado”. Com relação à segunda,
acrescenta ainda o autor: “essa medida consiste na sujeição a tratamento
25
ambulatorial, através do qual são oferecidos cuidados médicos à pessoa submetida
a tratamento, mas sem internação” (BITENCOURT, 2011, p. 783).
Esta nova terminologia adotada pela reforma do Código Penal, introduzida
pela Lei 7.209, de 7 de dezembro de 1984, não tem logrado maiores transformações
no que tange ao cumprimento das medidas de segurança. Em tom de crítica às
condições estruturais de cumprimento dessa espécie de sanção no Brasil, Bitencourt
observa que:
A nova terminologia adotada pela reforma não alterou em nada as
condições dos deficientes manicômios judiciários, já que nenhum
Estado brasileiro construiu os novos estabelecimentos
(BITENCOURT, 2011, p. 783 e 784).
Seja como for, em rega, a medida de segurança detentiva “é aplicável tanto
aos inimputáveis quanto aos semi-imputáveis (art. 97, caput, e 98 do CP) que
necessitem de especial tratamento curativo” (BITENCOURT, 2011, p. 783). Bem
como, a internação pode ser substituída por tratamento ambulatorial, “se o fato
previsto como crime for punível com detenção”.
Nos termos do artigo 97 do Código Penal, “se o agente for inimputável, o juiz
determinará sua internação. Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com
detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”.
Deve-se observar, contudo, no que concerne ao tratamento ambulatorial,
que o simples fato de o ato ilícito ser punível com pena de detenção, isoladamente,
não tem o condão de determinar a espécie de medida de segurança aplicável ao
caso concreto. Para isto, é necessário também ter em consideração a análise das
condições pessoais do infrator para que seja imposta a medida.
Entretanto, no sistema jurídico penal brasileiro prepondera como fator
determinante para se estabelecer a modalidade da sanção penal de medida de
segurança a ser imposta pelo Estado ao indivíduo portador de anomalia psíquica a
natureza da possível pena privativa de liberdade relacionada ao caso. Outro não é o
entendimento de Bitencourt, para quem:
Não é a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade que determinará a
aplicação de uma ou de outra medida de segurança, mas a natureza
26
da pena privativa de liberdade aplicável, que, se for de detenção,
permitirá a aplicação de tratamento ambulatorial, desde que, é claro,
as condições pessoais recomendem.
Em face das considerações até aqui tecidas, não é possível deixar de
levantar o seguinte questionamento: e se a conduta praticada pelo indivíduo com
deformidade orgânica for prevista com pena de reclusão, contudo, seu quadro
clínico, ou seja, sua condição pessoal, indicar um outro tipo de tratamento, isto é,
uma modalidade diversa, o tratamento ambulatorial, como fica?
O que atualmente encontra-se previsto na Lei, nos incisos I e II do art.
97, do Código Penal, é que por se tratar de rol taxativo, em tese, não seria cabível
interpretação de modo extensivo, tendo o indivíduo que se submeter a tal medida de
segurança, mesmo que acabe por prejudicar o progresso do seu quadro clínico.
3.4 Instituto da desinternação
Depois de alcançada a finalidade da sanção penal de medida de segurança,
que conforme já foi discorrido neste trabalho, é preventiva e curativa, tendo em vista
que o objetivo primordial da justiça penal é a recuperação do indivíduo, a lei
assegura o direito a desinternação ou a sua liberação.
Contudo, para que se alcance a desinternação, é indispensável à
realização da perícia médica no doente mental que fora sentenciado a cumprir
medida de segurança, conforme se verifica nas lições de Mirabete: “a perícia médica
é realizada ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano,
ou a qualquer tempo, se a determinar o juiz da execução (art. 97, § 2º)” (MIRABETE,
2010, p. 351).
Ademais, quando se refere ao instituto da desinternação do destinatário da
medida de segurança também se faz necessário mencionar o parágrafo 3º, do artigo
97, que regula o procedimento liberatório nos seguintes termos: “a desinternação, ou
a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior
se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência
de sua periculosidade”.
27
Conforme se percebe, a liberação da pessoa sujeita à medida de segurança
é condicionada ao não cometimento de novo fato indicativo de persistência de sua
periculosidade, pois caso isso ocorra será restabelecida a sanção penal, isto é, a
medida de segurança que estava anteriormente cumprindo.
Nesse contexto, fica claro que a concretização da desinternação do doente
mental depende de que se verifique a cessação da periculosidade desse indivíduo,
obedecidos os devidos requisitos legais, conforme a inteligência do art. 175, da Lei
de Execuções Penais. Veja-se:
Art. 175 - A cessação da periculosidade será averiguada no fim do
prazo mínimo de duração da medida de segurança, pelo exame das
condições pessoais do agente, observando-se o seguinte:
I - a autoridade administrativa, até 1 (um) mês antes de expirar o
prazo de duração mínima da medida, remeterá ao juiz minucioso
relatório que o habilite a resolver sobre a revogação ou permanência
da medida;
II - o relatório será instruído com o laudo psiquiátrico;
III - juntado aos autos o relatório ou realizadas as diligências, serão
ouvidos, sucessivamente, o Ministério Público e o curador ou
defensor, no prazo de 3 (três) dias para cada um;
IV - o juiz nomeará curador ou defensor para o agente que não o
tiver;
V - o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, poderá
determinar novas diligências, ainda que expirado o prazo de duração
mínima da medida de segurança;
VII - ouvidas as partes ou realizadas as diligências a que se refere o
inciso anterior, o juiz proferirá a sua decisão, no prazo de 5 (cinco)
dias.
É preciso ressaltar que o instituto da desinternação do indivíduo sentenciado
com medida de segurança será sempre condicional, bem como, após haver sido
providenciadas as devidas verificações da cessação da periculosidade do indivíduo.
Nesse sentido aponta Greco:
Inicialmente, deve ser esclarecido que com a chamada
desinternação o doente deixa o tratamento realizado em regime de
internação, junto ao Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e
dá início, agora, ao tratamento em regime ambulatorial. Ele ainda se
encontra em tratamento, mas já não há mais necessidade de
continuar internado para esse fim. Pode acontecer, contudo, que pelo
exame de cessação de periculosidade se verifique que o paciente já
28
se encontra completamente restabelecido do mal que o afligia, sendo
que, neste caso, o juiz determinará a sua liberação, ou seja, não
mais estará obrigado a continuar o tratamento por ele indicado, seja
em regime de internação, ou mesmo por tratamento ambulatorial
(GRECO, 2011, p. 663).
Portanto, a desinternação do agente que sofre a medida de segurança
dependente da verificação da cessação da periculosidade, sendo inclusive, a
liberação, algo provisório. Sujeitando-se o indivíduo desinternado ao período de um
ano não cometer ato que indique o restabelecimento periculosidade. Essa
periculosidade superveniente pode ser demonstrada por meio do descumprimento
das condições impostas pelo juiz da vara de Execuções Penais a sua desinternação.
Diante dessas peculiaridades e em face da precariedade do sistema dos
hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico existentes no País, não é incomum
encontrarem-se casos em que as pessoas sujeitas a medidas de segurança ficam
cumprindo em regime de quase perpetuidade. Esta falta de determinação temporal
das medidas de segurança é uma afronta aos direitos fundamentais dos
inimputáveis a elas sujeitos.
29
4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA INDETERMINAÇÃO TEMPORAL DA
MEDIDA DE SEGURANÇA
Uma análise histórica e comparativa das medidas de segurança com as
penas permite fazer uma constatação de que a sanção penal de medida de
segurança manteve uma lenta evolução, principalmente no tocante à incapacidade
do sistema penal de oferecer mecanismos jurídicos capazes de garantir
determinação do tempo de sua aplicação.
A questão da não determinação no prazo máximo de cumprimento da
medida de segurança, como tem sido verificado ao discorrer deste trabalho
monográfico, tem contribuído para uma grave afronta aos princípios norteadores da
Constituição Federal de 1988.
Atualmente, é possível verificar uma quantidade significativa de juristas que
tem levantado em suas obras a temática do prazo de aplicação da medida de
segurança, firmando o entendimento que essa indeterminação ocasiona um grande
desrespeito à dignidade humana do doente mental.
A baixa racionalidade do sistema de desinternação e de quantificação das
medidas de segurança, corporifica uma gritante lacuna legal. São lentos os passos
que levam à ampliação dessa discussão, contudo, o que se encontra atualmente na
doutrina permite que seja levantado a bandeira da inconstitucionalidade na
indeterminação temporal na aplicação na sanção penal de medida de segurança.
Diante desse quadro, convém lembrar que o Brasil é signatário da
Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra as pessoas portadoras de deficiência, incorporada com a promulgação do
Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001.
A existência dessa legislação é um reforço aos direitos dos inimputáveis e
dos semi-imputáveis, em que se pede uma maior atenção na defesa dos direitos dos
inimputáveis, em especial do doente mental que venha sofrer algum tipo de sanção
penal.
Nesse sentido, deve-se esclarecer que, segundo o artigo 1º da convenção
referida, “o termo "deficiência" significa uma restrição física, mental ou sensorial, de
30
natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais
atividades essenciais da vida diária causada ou agravada pelo ambiente econômico
e social.”
Também, foi inserida na legislação brasileira a Lei 10.216/2001, que trata dos
direitos dos indivíduos portadores de doença mental. Desse modo, abre-se um
espaço maior para discussão doutrinária e, posteriormente, jurisprudencial a respeito
do modelo segundo o qual é tratado o sujeito que possui anomalia psíquica e pratica
ato previsto como crime na lei penal.
Nos termos da Lei 10.216/2001, mais precisamente no seu artigo 2º, “Nos
atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou
responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo
único deste artigo”.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno
mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde,
consentâneo às suas necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse
exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação
pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para
esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua
doença e de seu tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos
invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de
saúde mental. (negrito meu)
Portanto, é direito do inimputável acometido de algum tipo de anomalia
psíquica, ao sofrer sanção penal ser tratada com humanidade e respeito no intuito
31
de promover a recuperação de sua saúde, para que este, em um futuro próximo,
possa ser devolvido ao seio da sociedade. Isso se choca com a realidade atual do
sistema penal brasileiro.
4.1 Aplicação da vedação de penas perpétuas a medida de segurança
Tratando-se das garantias constitucionais, conforme o art. 5º, inciso XLVII,
alínea b, da Constituição Federal de 1988, no Brasil não existirá pena de caráter
perpétuo. Contudo, ao analisar o instituto da medida de segurança, o Código Penal
em seu artigo 97, parágrafo 1º, estabelece que a internação ou o tratamento
ambulatorial seja por tempo indeterminado.
Diante disso, surge um grande contrassenso. Tal previsão legal pode
acarretar que, na prática, as medidas de segurança podem ter caráter perpétuo,
mesmo sabendo que a própria Carta Magna assegura que tais sanções penais estão
vedadas, tendo em vista seu caráter cruel. Não custa lembrar que, segundo o
entendimento de Luigi Ferrajoli:
embora não seja pena, a medida de segurança representa exercício
do poder estatal, eis que sua disciplina jurídica está inserta no
Código Penal, sua aplicação se dá por sentença, é aplicada em
razão da prática de injusto penal e limita a liberdade do inimputável
(FERRAJOLI, 2006, p.779).
Sendo a medida de segurança uma representação efetiva do exercício do
poder estatal, que interfere diretamente na liberdade do indivíduo portador de
doença mental ou com desenvolvimento mental incompleto, se faz necessário um
cuidado especial no tocante a sua aplicação, para que as garantias constitucionais
sejam devidamente respeitadas.
32
4.2 A compreensão doutrinária
Na atual conjuntura da legislação penal brasileira, existe apenas
estabelecido um prazo mínimo acerca do cumprimento da sanção penal da medida
de segurança, que é de um a três anos, segundo o artigo 97, parágrafo 1º, bem
como o artigo 98, do Código Penal Brasileiro. Tratando ainda do prazo mínimo de
aplicação do instituto acima mencionado, este independe do tipo penal praticado
pelo agente.
Desse modo, ocorrendo indeterminação do tempo de aplicação da sanção
penal da medida de segurança, faz surgir casos como o que bem ilustra o jurista
Luiz Flávio Gomes em seus artigos. Segundo Gomes, o caso mais famoso que
ocorreu no Brasil foi o do “Índio Febrônio do Brasil, que ficou 57 anos num hospital
de custódia no Rio de Janeiro. Entrou com 27 anos e morreu com 84 anos, dentro
do hospital, cumprindo medida de segurança”.
Casos como o acima mencionado, do Índio Febrônio, provavelmente
ocorrem pelo fato de alguns juristas interpretarem que a medida de segurança não é
pena. Sabe-se que a medida de segurança é uma espécie de sanção penal, no
entanto, quando se trata de direitos fundamentais, as restrições devem ser as
menores possíveis, pois o que tudo indica é que o legislador quis dizer foi que não
haverá sanção penal de caráter perpétuo.
O fato de não haver previsão legal quanto ao prazo máximo de aplicação ao
indivíduo que praticou conduta típica e ilícita, no entanto, não culpável, conforme
citado anteriormente, a medida de segurança aplicável ao indivíduo inimputável que
venha a praticar um injusto penal, objetiva o seu tratamento. Assim, por tal instituto
possuir natureza de tratamento, o Estado ao devolver o indivíduo ao convívio social
pretende que este retorne curado.
A existência da indeterminação temporal na aplicação da medida de
segurança é defendida por parte da doutrina, pelo fato de ter como objetivo o
tratamento, bem como, a posterior cura do indivíduo portador de distúrbio psíquico,
que se encontra em desacordo com a legislação penal. Assim, não seria possível a
quantificação, isto é, a determinação do tempo de seu cumprimento. Segundo
consta na doutrina de Rogério Greco:
33
A medida de segurança, como providência judicial curativa, não tem
prazo certo de duração, persistindo enquanto houver necessidade do
tratamento destinado à cura ou à manutenção da saúde mental do
inimputável. Ela terá duração enquanto não for constatada, por meio
de perícia médica, a chamada cessação da periculosidade do
agente, podendo, não raras vezes, ser mantida até o falecimento do
paciente (GRECO, 2011, p.661).
Observa-se em seguida que o jurista acima citado argumenta em sua
doutrina que foi por meio dessa concepção, ou seja, da possibilidade do inimputável
permanecer encarcerado ad eternum, sob o argumento do caráter curativo da
medida de segurança, que parte da doutrina envereda por um novo raciocínio, da
não constitucionalidade da indeterminação temporal da sanção de medida de
segurança. Nesse pensar, Zaffaroni e Pierangeli afirmam:
Se a Constituição Federal dispõe que não há penas perpétuas (art.
5º, XLVII, b), muito menos se pode aceitar a existência de perdas
perpétuas de direitos formalmente penais. A periculosidade de uma
pessoa que tenha cometido um injusto ou causado um resultado
lesivo a bens jurídicos pode não ser maior nem menor do que a de
outra que o tenha causado, se a mesma depende de um
padecimento penal. Não existe razão aparente para estabelecer que
um azar leve à submissão de uma delas a um controle penal
perpétuo, ou, possivelmente perpétuo, enquanto outra fica entregue
às disposições do direito ou legislação psiquiátrica civil (ZAFFARONI
e PIERANGELI, 2002, p.857).
Mister se faz ressaltar que a monografia aqui produzida possui como linha
de entendimento apontar a afronta a Constituição Federal de 1988, tendo em vista
que inúmeros são os juristas que também defendem essa tese. Nesse pensar,
encontra-se nas lições de Cézar Roberto Bitencourt, autor já citado neste trabalho,
que a aplicação da medida de segurança não pode ultrapassar o limite máximo da
pena em abstrato, cominada ao delito, sob pena de desrespeitar o princípio
constitucional da vedação a pena perpétua.
Além disso, afirmam os autores já citados, Zaffaroni e Pierangeli, que “não é
constitucionalmente aceitável que a título de tratamento se estabeleça a
possibilidade de uma privação de liberdade perpétua, como coerção penal. Se a lei
34
não estabelece o limite máximo, é o intérprete quem tem a obrigação de fazê-lo.”
(ZAFFARONI e PIERANGELI, 2008, p.858)
Luiz Flávio Gomes, por outro lado, afirma que:
Seguindo o pensamento de Muñoz Conde urge enfatizar que a
finalidade preventiva conferida às medidas de segurança tem que ser
limitada de algum modo, „se não se quer fazer do enfermo mental
delinquente um sujeito de pior condição que o mentalmente são que
comete o mesmo delito‟. Este limite vem representado pelo princípio
da intervenção mínima, pelo princípio da proporcionalidade, pelo da
legalidade e o da judicialidade. E, ainda, pode-se acrescentar o
princípio da igualdade, o da humanidade, e, sobretudo, os
decorrentes do Estado de Direito. (GOMES, 1993, p.66).
Limitar o tempo de aplicação do instituto da medida de segurança é algo
necessário e essencial, tendo em vista garantir a todos os indivíduos o respeito aos
princípios e garantias constitucionais. Dizer que a medida de segurança tem duração
indeterminada, não pode significar que ela poderá perdurar perpetuamente.
Mesmo que a medida de segurança tenha finalidade terapêutica, continua
sendo uma sanção regulada pela lei penal e nessas condições aplicam-se a elas as
limitações próprias das sanções penais. Ou seja, a indeterminação das medidas de
segurança só pode ser relativa e não absoluta (DOTTI, 2010).
No mesmo sentido, acerca da não determinação do tempo de cumprimento
da sanção penal de medida de segurança, complementa o autor Paulo Queiroz,
afirmando que:
Tal indeterminação é, no entanto, francamente inconstitucional, visto
que ofende os princípios da proporcionalidade, da não-perpetuação
da pena e da igualdade. Com efeito, não é razoável, por exemplo,
que alguém que responda por lesão corporal leve (CP, art. 129,
caput), cuja pena máxima é um ano de detenção, possa ficar sujeito
à medida de segurança superior a esse prazo (3, 5, 10 anos),
desproporcionalmente. Também se viola o princípio da não-
perpetuação das penas, haja vista que, embora as medidas de
segurança não sejam penas em sentido estrito ou formalmente, não
se pode ignorar que constituem um gravíssimo constrangimento à
liberdade de quem as suporta. Por último, ao fixar penas
determinadas, não obstante persista, eventualmente, a
periculosidade do réu imputável e mesmo a probabilidade de
reincidência, o Código, ao disciplinar, diferentemente, as medidas de
35
segurança, fere o princípio da igualdade, pois dá ao réu inimputável
tratamento injustificadamente diferenciado: os imputáveis perigosos e
não perigosos, ao final da pena, serão postos em liberdade; os
inimputáveis, ao contrário, e a pretexto de não ter cessado a
perigosidade permanecerão em tratamento indefinidamente, privados
de liberdade, não raro (2005, p. 378-379).
Ainda falando sobre a limitação eterna de direitos que a atual aplicação da
medida de segurança impõe ao indivíduo a quem ela destina-se, é possível observar
o pensamento da autora Mariana Weigert, que afirma:
O que não pode é deixar indivíduos submetidos às medidas de
segurança à mercê de laudos técnicos que podem conduzir à
limitação perene de direitos por parte do Estado. Mesmo porque, não
é possível precisar, com juízo de certeza, se alguém apresenta ou
não perigo concreto à sociedade. Na medida em que a prognose é
um juízo probabilístico, a valoração penal do inimputável a partir
destas probabilidades restringe-se, exclusivamente, a um perigo
abstrato, inverificável, fato que pode gerar enormes riscos aos
direitos e garantias individuais (WEIGERT, 2007, p.137).
Outro fato a ser observado é que não ocorre o adequado tratamento
psiquiátrico ao destinatário da medida de segurança. Nesse contexto, leciona
Rogério Greco “cientes de que o Estado não fornece o melhor tratamento para seus
doentes, devemos deixar de lado o raciocínio teórico e ao mesmo tempo utópico de
que a medida de segurança vai, efetivamente, ajudar o paciente na sua cura”
(GRECO, 2011, p.661).
Tendo em vista as inúmeras deficiências do sistema, Souza reafirma a tese
da afronta aos princípios norteadores da Constituição Federal de 1988:
O tema toca não só o aspecto social da questão, mas também viola
princípios básicos e basilares de nosso sistema jurídico, contrariando
o próprio Estado Democrático de Direito, a dignidade e até mesmo a
condição de ser humano. Ao se tentar impor permanência perpétua
de uma pessoa junto a um manicômio judiciário, esquece-se que,
mesmo sendo doente mental, não se deixa de ser pessoa humana,
tendo, portanto, os mesmos direitos que qualquer um de nós nos
orgulhamos em ter, mesmo que não saibamos defende-los na
maioria das vezes (SOUZA, 2008, p. 3).
36
Por esse motivo, não é demais lembrar o que aponta a autora acima citada,
observando que ela conclui seu pensamento emitindo a seguinte alerta:
Ao contrário do que muitos imaginam, a enfermidade mental pode
ser controlada com remédios e tratamento terapêutico adequado,
sendo esta circunstância inteiramente capaz de propiciar ao doente a
plena convivência em sociedade, ao lado de sua família. A
incompetência estatal, que na maioria das vezes, se não sempre,
não é capaz de curar o paciente, não pode, de modo algum,
contribuir com o cerceamento da liberdade dos particulares, devendo
o Estado, ao contrário, privilegiar o retorno dessas pessoas ao
convívio social (SOUZA, 2008, p.3).
Assim, pode-se entender que encarcerar ad eternum um indivíduo portador
de doença mental que comete um crime, não é a alternativa mais justa, pelo
contrário, é desproporcional e desumana. Devendo o Estado proporcionar um
adequado tratamento ao doente mental infrator, para que esse possa viver em
sociedade de forma harmônica e humana.
Segundo Prado, indeterminação do tempo de aplicação da medida de
segurança não mais é recomendável. Segundo este autor, “por razões de segurança
jurídica, a lei deveria estabelecer um limite máximo, determinado em função da
duração regular do tratamento cientificamente recomendado ao agente” (PRADO,
2011, p.608). Nessa perspectiva, se mesmo transcorrido o lapso temporal ainda
persistir o estado de periculosidade, nada deveria impedir a liberação do condenado,
tendo em vista que a persecução criminal do Estado não deve imperar eternamente.
Desse modo, é possível entender que a falta de limite máximo para o
cumprimento de uma medida de segurança não deixa de ser um grande desrespeito
à Constituição Federal, na medida em que fere a dignidade da pessoa humana,
tendo em vista que não se pode deixar uma pessoa internada o resto de sua vida
pagando por uma conduta ilícita, num prazo que pode vir a ultrapassar a pena
máxima cominada ao crime cometido.
Como é de conhecimento de todos, existem doenças mentais incuráveis e o
Estado encontra-se totalmente despreparado, pois não implantou políticas públicas
no Brasil capazes de proteger os inimputáveis e semi-inimputáveis. Fazendo com
que estes indivíduos acabem ficando desatendidos e condenados perpetuamente,
37
com base em sua suposta periculosidade, sem que se promova uma solução
plausível para cada caso em particular.
4.3 A posição do Supremo Tribunal Federal
Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal tem sinalizado que o tempo de
duração da medida de segurança não pode exceder ao limite máximo de trinta anos.
A decisão a seguir ilustra essa compreensão:
MEDIDA DE SEGURANÇA - PROJEÇÃO NO TEMPO - LIMITE. A
interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os
dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções
Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora
das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao
período máximo de trinta anos. (HC84219SP Rel. Min. Marco Aurélio,
Julgado em 15/08/2005, publicado no Dj 23/09/2005).
Na jurisprudência acima, a corte inova o ordenamento jurídico firmando o
entendimento segundo o qual o período máximo que o inimputável que sofre medida
de segurança deverá suportar a privação de sua liberdade é de 30 anos. Desse
modo, endossa e consolida a corrente doutrinária que há algum tempo vem
sustentando a inconstitucionalidade da lacuna legal existente acerca da não
determinação do tempo de cumprimento da medida de segurança.
Além de afirmar o entendimento da limitação do período de cumprimento da
medida de segurança, que não poderá ultrapassar trinta anos, a Suprema Corte
também tem decido, com respeito à aplicação da prescrição na medida de
segurança, que o parâmetro para o cálculo da prescrição é a cominação em
abstrato, para o tipo penal:
AÇÃO PENAL. Réu inimputável. Imposição de medida de segurança.
Prazo indeterminado. Cumprimento que dura há vinte e sete anos.
Prescrição. Não ocorrência. Precedente. Caso, porém, de
desinternação progressiva. Melhora do quadro psiquiátrico do
paciente. HC concedido, em parte, para esse fim, com observação
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sobre indulto. 1. A prescrição de medida de segurança deve
calculada pelo máximo da pena cominada ao delito atribuído ao
paciente, interrompendo-se-lhe o prazo com o início do seu
cumprimento. 2. A medida de segurança deve perdurar enquanto não
haja cessado a periculosidade do agente, limitada, contudo, ao
período máximo de trinta anos. 3. A melhora do quadro psiquiátrico
do paciente autoriza o juízo de execução a determinar procedimento
de desinternação progressiva, em regime de semi-internação. (HC
97621 RS Rel. Min. Cezar Peluso, Julgado em 02/06/2009, publicado
no DJ 26/06/2009).
Ao entender que a extinção da punibilidade pela prescrição é perfeitamente
aplicável a sanção penal de medida de segurança, o Supremo respeita a
Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, incisos XLII e XLIV determina a
imprescritibilidade de apenas para determinados crimes. Reafirmando, assim, a
posição da corrente doutrinária que entende a existência da extinção da punibilidade
pela prescrição, ou ainda, pelo abolitio criminis.
Além disso, pode-se extrair da referida decisão que o Supremo admite a
aplicação da desinternação progressiva ao doente mental, baseado em melhora do
quadro clínico, fazendo com que seja cumprido a finalidade da sanção penal da
medida de segurança, que além de ser preventiva, tem o caráter curativo, ou seja de
tratamento do doente mental. Aliás, essa posição foi reafirmada em 2011, conforme
demonstra a seguinte decisão:
PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MEDIDA
DE SEGURANÇA. CUMPRIMENTO DA MEDIDA EM PRAZO
SUPERIOR AO DA PENA MÁXIMA COMINADA AO DELITO.
PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. INÍCIO DO CUMPRIMENTO.
MARCO INTERRUPTIVO. PERICULOSIDADE DO AGENTE.
CONTINUIDADE. PRAZO MÁXIMO DA MEDIDA. 30 (TRINTA)
ANOS. PRECEDENTES DO STF. DESINTERNAÇÃO
PROGRESSIVA. ART. 5º DA LEI 10.216/2001. APLICABILIDADE.
ALTA PROGRESSIVA DA MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO DE 6
(SEIS) MESES. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. A prescrição
da medida de segurança deve ser calculada pelo máximo da pena
cominada ao delito cometido pelo agente, ocorrendo o marco
interruptivo do prazo pelo início do cumprimento daquela, sendo
certo que deve perdurar enquanto não haja cessado a periculosidade
do agente, limitada, contudo, ao período máximo de 30 (trinta) anos,
conforme a jurisprudência pacificada do STF. Precedentes: HC
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107.432/RS, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma,
Julgamento em 24/5/2011; HC 97.621/RS, Relator Min. Cezar
Peluso, Julgamento em 2/6/2009. 2. In casu: a) o recorrente, em
6/4/1988, quando contava com 26 (vinte e seis) anos de idade,
incidiu na conduta tipificada pelo art. 129, § 1º, incisos I e II, do
Código Penal (lesões corporais com incapacidade para o trabalho
por mais de 30 dias), sendo reconhecida a sua inimputabilidade, nos
termos do caput do artigo 26 do CP. b) processada a ação penal, ao
recorrente foi aplicada a medida de segurança de internação
hospitalar em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, pelo
prazo mínimo de 3 (três) anos, sendo certo que o recorrente foi
internado no Instituto Psiquiátrico Forense, onde permanece até a
presente data, decorridos mais de 23 (vinte e três) anos desde a sua
segregação; c) o recorrente tem apresentado melhoras, tanto que
não está mais em regime de internação, mas de alta progressiva,
conforme laudo psiquiátrico que atesta seu retorno gradativo ao
convívio social. 3. A desinternação progressiva é medida que se
impõe, provendo-se em parte o recurso para o restabelecimento da
decisão de primeiro grau, que aplicou o art. 5º da Lei 10.216/2001,
determinando-se ao Instituto Psiquiátrico Forense que apresente
plano de desligamento, em 60 (sessenta) dias, para que as
autoridades competentes procedam à “política específica de alta
planejada e reabilitação psicossocial assistida” fora do âmbito do IPF.
4. Recurso provido em parte. (RHC 100383 AP Rel. Min. Luiz Fux,
Julgado em 18/10/2011, publicado no DJ 04/11/2011).
A aceitação pelo Supremo Tribunal Federal da aplicação da desinternação
progressiva nas medidas de segurança, sob a égide da Lei 10.216/2001, reflete a
necessidade de promoção da reinserção social do doente mental no convívio social.
Isso indica uma mudança na finalidade desta sanção penal, aproximando-as das
penas.
Percebe-se por meio das jurisprudências acima mencionadas que o
Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo, pontualmente, a inconstitucionalidade
da indeterminação temporal na aplicação da medida de segurança. Significa dizer
que a Suprema Corte tem reconhecido a natureza punitiva desse instituto e fixando-
lhe o limite temporal estabelecido para o cumprimento das penas.
De fato, as decisões supracitadas revelam que, ante a ausência de
racionalização de um sistema próprio de quantificação temporal das medidas de
segurança STF tem aplicado às mesmas medidas previstas pelo Código para as
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penas privativas de liberdade. Assim, ao reconhecer que o limite temporal das
medidas de segurança não pode ultrapassar trinta anos, sob pena de caracterizar
pena de caráter perpétuo, que é vedado expressamente pela Constituição Federal
de 1988, o Supremo aplicou o limite preconizado para as penas privativas de
liberdade, exposto no artigo 75 do Código Penal.
Não faz sentido, em face do princípio da legalidade, que o destinatário da
medida de segurança não saiba o período de duração máximo de sua internação.
Entendimento em contrário viola o princípio da dignidade da pessoa humana e da
proporcionalidade.
Ademais, viola o princípio da igualdade que para o imputável exista um limite
máximo de reclusão e para o inimputável não. A falta de equiparação para com o
inimputável viola vários princípios constitucionais que já foram mencionados neste
trabalho, e aqui em especial, o princípio da isonomia.
Nesse sentido, as decisões proferidas pela corte demonstram-se totalmente
condizentes com o texto constitucional, o qual tolhe expressamente o cárcere
perpétuo da liberdade de um indivíduo. Sendo ainda, proferido um grande passo
pelo Supremo Tribunal Federal ao entender que deve ser algo determinado o prazo
de cumprimento da sanção penal acima supracitada.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho tratou da sanção penal medida de segurança. Procurou-
se compreender as implicações da ausência de um sistema de quantificação das
medidas de segurança, que acarreta a uma indeterminação temporal. Isto, sustenta
a doutrina, viola diversos princípios constitucionais.
Ante a proximidade das medidas de segurança com as penas privativas de
liberdade, tentou-se estabelecer um paralelo com o sistema de aplicação das penas
privativas de liberdade, previsto expressamente no Código Penal brasileiro, como
um instrumento para a concretização, caso a caso, do princípio da individualização
das penas.
Conforme se observou, a sanção penal passou por uma grande evolução no
decorrer do tempo, apontando para uma notória humanização desse recurso
jurídico. Mas, se isso pode ser dito com relação às penas, no que tange à medida de
segurança não ocorreu o mesmo. Nota-se que ainda carece de um sistema próprio
de determinação temporal. Ademais, seu processo de humanização parece
caminhar a passos mais lentos que o da pena.
Existe uma configurada omissão e inércia para com aqueles que clamam por
cuidado especial, justamente por se encontrarem em situação de vulnerabilidade.
Pode-se compreender que o legislador não cumpriu o seu papel de forma clara e
determinada sobre a matéria examinada no presente trabalho, fazendo surgir uma
lacuna legal.
Restou a clara constatação que a imposição de medidas de segurança por
prazo indeterminado configura grave afronta a Constituição Federal de 1988, pois
viola direitos, princípios e garantias fundamentais, sobretudo, a igualdade,
proporcionalidade e dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, ficou claro que é imprescindível para que se possa garantir a
eficácia das garantias constitucionais que seja fixado pela legislação um limite
máximo para a execução da medida de segurança, seja de tratamento ambulatório,
seja a de internamento.
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É razoável o entendimento, tanto doutrinário como jurisprudencial, de que o
limite máximo das penas, a saber o tempo máximo de 30 anos, seja aplicável às
medidas de segurança. Se assim não for, resta configurado desrespeito à
Constituição Federal, uma vez que viola princípios, direitos e garantias
fundamentais, como os da igualdade, proporcionalidade, da não perpetuação da
sanção penal, bem como da dignidade da pessoa humana.
Desse modo, entende-se como um avanço as decisões do Supremo Tribunal
Federal apresentadas no trabalho com relação à problemática da indeterminação do
tempo que afeta as medidas de segurança. Para além do acerto e da justeza das
recentes decisões do STF, no que tange à indeterminação temporal das medidas de
segurança, o que fica claro com suas decisões é falta de um regramento próprio
para as medidas de segurança que possa garantir a individualização dessa espécie
de sanção penal.
O intuito do presente trabalho, ao estudar o tema da indeterminação
temporal da medida de segurança, foi buscar trazer contribuições para sua
interpretação, bem como, contribuir para uma justa aplicação, fazendo com que seja
respeitado o princípio da dignidade humana. Noutros termos, preocupou-se o
presente estudo com a humanização do instituto da medida de segurança.
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Princípios de ética médica aplicável à função do pessoal de saúde, especialmente
os médicos, na proteção de pessoas presas e detidas, contra a tortura e outros
tratos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.