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FACULDADES NORDESTE FANOR CURSO DE DIREITO MARIA ALINE ANDRADE DE ABREU A INCONSTITUCIONALIDADE DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL FORTALEZA 2015

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FACULDADES NORDESTE – FANOR

CURSO DE DIREITO

MARIA ALINE ANDRADE DE ABREU

A INCONSTITUCIONALIDADE DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE PARA

CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA

ASSISTÊNCIA SOCIAL

FORTALEZA

2015

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MARIA ALINE ANDRADE DE ABREU

A INCONSTITUCIONALIDADE DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE PARA

CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA

ASSISTÊNCIA SOCIAL

Monografia apresentada ao curso de Direito

da Faculdades Nordeste como requisito para

obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Esp. Eduardo Marcelo de

Negreiros Freitas.

FORTALEZA

2015

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MARIA ALINE ANDRADE DE ABREU

A INCONSTITUCIONALIDADE DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE PARA

CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA

ASSISTÊNCIA SOCIAL

Monografia apresentada ao curso de Direito

da Faculdades Nordeste como requisito para

obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Esp. Eduardo Marcelo de

Negreiros Freitas.

Aprovado dia: 17/06/2015.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________

Prof. Esp. Eduardo Marcelo de Negreiros Freitas

Orientador - FANOR

___________________________________________________________________

Prof. Ms. Roberto Guilherme Leitão

Examinador - FANOR

___________________________________________________________________

Prof. Ms. Marcelo de Miranda Montalverne

Examinador - FANOR

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Dedico esse trabalho ao meu esposo Joel, que

sempre acreditou e me incentivou em todos os meus

projetos e sonhos. Aos meus sogros Batista e

Josélia, que sempre me encorajaram e incluíram em

suas orações. Ao meu pai José Alberto, que será

meu eterno exemplo de perseverança e otimismo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelo dom da vida e por todas as bênçãos que tem me

concedido.

Ao meu esposo, que de maneira admiravelmente compreensível, sempre

esteve ao meu lado me encorajando e erguendo em todos os momentos difíceis

dessa jornada.

A toda a família do meu esposo, onde tive apoio, carinho e confiança.

Ao meu orientador, professor Eduardo Marcelo Negreiros de Freitas, pelo

compromisso, atenção e paciência na orientação do presente trabalho.

À professora Raquel Barretto, pelo tratamento humanizado e atencioso.

À querida coordenadora Márcia Sucupira, pessoa muito competente, por

quem nutro profunda e eterna gratidão, por ter me atendido todas as vezes em que

precisei e, em especial, por ter lutado por mim no momento mais árduo dessa

caminhada e me proporcionado a concretização de um sonho, o qual sem a sua

essencial intervenção, não teria acontecido.

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“Lute com determinação, abrace a vida com paixão, perca com

classe e vença com ousadia, porque o mundo pertence a quem

se atreve e a vida é muito bela para ser insignificante.”

Charles Chaplin

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RESUMO

O presente trabalho monográfico traz a lume um tema de extrema relevância para a

parcela menos provida de recursos financeiros da sociedade: a discussão sobre o

critério de miserabilidade de concessão do benefício de prestação continuada. O

propósito desta obra consiste em evidenciar os embates que cercam o assunto, no

intuito de demonstrar que a assistência social é dever do Estado e deve ser prestada

a quem dela necessitar e que essa aferição de necessidade deve ser pautada em

critérios que busquem o alcance da justiça social, de forma a se verificar

subjetivamente as condições de cada requerente. Assim, para se chegar ao cerne

da questão, remontam-se às origens históricas da seguridade social, no mundo e no

Brasil, revelando a assistência social como um direito inerente à pessoa humana.

Nesse passo, o Estado atua como guardião do sistema de proteção contra os

infortúnios sociais, aos quais todos estão sujeitos. Nesse diapasão, são explanados

os princípios e objetivos norteadores do segmento assistencial, discorrendo-se sobre

a legislação específica que o disciplina, bem como a que regulamenta o benefício de

prestação continuada. Nesse sentido, são expostos os critérios para sua concessão

e questiona-se o critério de miserabilidade quanto à sua constitucionalidade. Por fim,

conclui-se que o referido critério é inconstitucional por violar o princípio da dignidade

da pessoa humana e sugere-se alteração legislativa no intuito de corrigir a

inconstitucionalidade.

Palavras-chave: Benefício de prestação continuada. Critério de miserabilidade.

Inconstitucionalidade.

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ABSTRACT

This monograph brings to light a highly relevant topic for the least amount of financial

resources provided society: the discussion on the criterion of misery for granting the

benefit of continued provision. The purpose of this work is to bring the conflicts

surrounding the issue, in order to demonstrate that social assistance is the duty of

the State and should be provided to those who need and that need for assessment

should be based on criteria that seek to reach the social justice, in order to verify

subjectively the conditions of each applicant. So to get to the point, go back to the

historical origins of social security in the world and in Brazil, revealing the social

assistance as a right inherent to the human person. In this step, the state acts as

guardian of the protection system against social misfortunes, of which all are subject.

In this vein, are explained the principles and objectives guiding the care segment,

discoursing on the specific legislation that discipline, as well as regulating the benefit

of continued provision. In this sense explains the criteria for award and wonders the

criterion of misery as to its constitutionality. Finally, it is concluded that that criterion is

unconstitutional for violating the principle of human dignity and it is suggested

legislative changes necessary to remedy the unconstitutionality.

Keywords: Continued provision of benefit. Misery criterion. Unconstitutionality.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

AR Artigo

BPC Benefício de Prestação Continuada

CAP’s Caixas de Aposentadoria e Pensão

CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil

DEC. Decreto

JEF’s Juizados Especiais Federais

IAPAS Instituto de Administração Financeira de Previdência e Assistência Social

IAPB Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários

IAPC Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários

IAPI Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários

IAPM Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos

INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

INPS Instituto Nacional de Previdência Social

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MIN. Ministro

MPF Ministério Público Federal

PNAS Política Nacional de Assistência Social

RE Recurso Extraordinário

RCL Reclamação

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

SUAS Sistema Único de Assistência Social

SUS Sistema Único de Saúde

TNU Turma Nacional de Uniformização

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................11

2 SEGURIDADE SOCIAL....................................................................................13

2.1 CONCEITO.......................................................................................................13

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO MUNDO............................................................17

2.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL.............................................................18

3 DA ASSISTÊNCIA SOCIAL................................................................................23

3.1 CONCEITO.......................................................................................................24

3.2 PRINCÍPIOS ....................................................................................................25

3.3 LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL...................................................26

4 O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA...............................................28

4.1 DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO.....................................................29

4.2 DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE.............................................................36

5 A INCONSTITUCIONALIDADE DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE ...........38

5.1 DA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...................................45

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................50

REFERÊNCIAS......................................................................................................52

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1 INTRODUÇÃO

A seguridade social é assunto de extrema relevância no enfrentamento da

pobreza e da desigualdade na vida das pessoas, em especial, daquelas mais

humildes que se enquadram nas condições de cobertura da assistência social.

Essa prestação assistencial constitui dever do Estado e direito de todos os

cidadãos necessitados, sendo realizada de forma integrada às políticas setoriais,

visando à garantia de atendimento às necessidades básicas e ao provimento dos

mínimos sociais.

É cediço que para ser contemplado com as políticas protetivas da

assistência social, existem alguns requisitos definidos em legislação específica.

Estes, por sua vez, devem estar em consonância com os preceitos da justiça social.

Portanto, a presente obra traz a lume a relevância da justa atuação do

Estado na escolha dos critérios econômicos e sociais que servirão de base para

aferição da pobreza e, consequentemente, concretização dos anseios da assistência

social.

Nesse sentindo, aduziremos sobre o critério de miserabilidade utilizado para

a concessão do benefício de prestação continuada, o qual constitui um dos objetivos

da assistência social, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de

1988.

O escopo da elaboração deste trabalho consiste na avaliação do critério de

miserabilidade, adotado pela Lei Orgânica da Assistência Social para fins de

concessão do benefício, sob o prisma constitucional, onde será verificada a sua

observância aos direitos fundamentais, em especial, ao princípio da dignidade da

pessoa humana.

Na oportunidade, demonstraremos que apesar de o assunto ter batido às

portas do STF em 1995 e ter sido declarado constitucional, reiteradas decisões de

tribunais inferiores contendo clamores sociais por justiça finalmente foram ouvidas e

o Pretório Excelso modificou seu entendimento em favor da dignidade da pessoa

humana.

Julga-se relevante a abordagem sobre o instituto e a análise sobre sua

constitucionalidade, face à importância do alcance da prestação assistencial às

pessoas necessitadas, no combate à pobreza, objetivo da assistência social.

Utilizou-se neste trabalho, para alcançar os objetivos, a metodologia de

caráter bibliográfico, baseando-se os estudos em análise da literatura já publicada,

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em forma de livros, jurisprudência, publicações avulso, imprensa escrita e até

disponibilizada na internet.

Iniciou-se o trabalho fazendo uma abordagem histórica do surgimento da

seguridade social no mundo e sua evolução no Brasil. Em seguida, aduzimos sobre

a assistência social e princípios contidos em sua norma regulamentadora,

denominada Lei Orgânica da Assistência Social.

Posteriormente, conceituamos o benefício de prestação continuada, com

previsão legal no inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, percorrendo o

critério de miserabilidade, o conceito de família e de pessoas com deficiência,

descritos na LOAS.

Por derradeiro, expomos o tema de maior relevância do nosso trabalho: a

inconstitucionalidade do critério de miserabilidade. Discorremos sobre seu processo

de inconstitucionalização e consequente violação ao princípio da dignidade da

pessoa humana, e propomos alterações legislativas com escopo de rechaçar e

corrigir essa inconstitucionalidade.

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2 SEGURIDADE SOCIAL

A proteção social surgiu no seio familiar, onde os mais jovens e dispostos a

trabalhar cuidavam dos mais idosos e incapacitados. No entanto, nem todos os

membros da família gozavam de tal proteção e, ainda que a tivessem, era de

maneira precária.

Percebe-se que apesar da carência de mecanismos para a garantia de

direitos, já existia a ideologia de proteção às pessoas em situação de necessidade.

Para Menezes (2012, p. 19):

A preocupação com os infortúnios da vida tem sido uma angústia constante da humanidade. Desde tempos remotos, o homem tem se ajustado no sentido de reduzir os efeitos das adversidades de sua existência, como doença, velhice, etc.

Diante dessa precariedade da assistência familiar e da necessidade das

pessoas, desponta a inevitabilidade de um auxílio externo, dotado de caráter

voluntário de terceiros, atitude que era bastante incentivada pela Igreja à época.

O Estado, mesmo ante essa situação, só passou a intervir de maneira mais

efetiva com a publicação da célebre Lei dos Pobres, no século XVII, assumindo,

moderadamente com o passar do tempo, a assistência aos necessitados, atitude

que posteriormente veio a culminar na construção de um sistema securitário,

coletivo e compulsório.

A evolução dessa intervenção estatal estabelecendo métodos de proteção

contra variados riscos ao ser humano será melhor demonstrada nos capítulos

subsequentes.

2.1 CONCEITO

A seguridade social, prevista no artigo 194 da Constituição Federal de 1988,

e regulamentada pela Lei 8.212 de 24 de julho de 1991, consiste num conjunto

protetivo composto pelo Estado e por particulares, mediante contribuição de toda a

sociedade (inclusive de quem não é beneficiário), no intuito de fixar ações para a

manutenção de um padrão mínimo de vida digna para pessoas carentes,

trabalhadores e seus dependentes.

O Estado deve intervir na sua composição de maneira obrigatória, conforme

o doutrinador Ibrahim (2014), através de ação direta ou controle, de forma a atender

todas as demandas que sejam referentes ao bem-estar da pessoa humana.

Na acepção de Martinez (2001, p. 390) a seguridade constitui:

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[...] técnica de proteção social, custeada solidariamente por toda a sociedade segundo o potencial de cada um, propiciando universalmente a todos o bem-estar das ações de saúde e dos serviços assistenciários em nível mutável, conforme a realidade sócio-econômica, e os das prestações previdenciárias.

Goes (2014, p. 14) em sua lição assim a define:

A seguridade social engloba, portanto, um conceito amplo, abrangente, universal, destinado a todos que dela necessitem, desde que haja previsão na lei sobre determinado evento a ser coberto. É, na verdade, o gênero do qual são espécies a Previdência, a Assistência Social e a Saúde.

Já para Martins (2015), o direito da seguridade social representa um

conjunto de princípios, de regras e de instituições com a finalidade de estabelecer

um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam

de prover suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, composto por

ações oriundas dos Poderes Públicos e da sociedade, objetivando assegurar os

direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

No que tange aos princípios, os quais serão examinados mais adiante, o

professor Mello (2010, p. 52) preleciona a sua relevância para o mundo jurídico,

engendrando uma definição digna de registro. Vejamos:

[...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

Os princípios da seguridade social encontram-se no parágrafo único, do

artigo 194, da Carta Magna. Importante ressaltar que, embora esse dispositivo os

denomine objetivos, eles adquirem conotação de princípios constitucionais a partir

do momento em que orientam o sistema jurídico, traçando diretrizes a serem

alcançadas. Passemos à análise desses princípios norteadores da seguridade

social.

O princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, derivado do

princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF/88), consiste no fato de que a proteção

social deve abranger todos os riscos sociais (acidentes, doenças, invalidez, velhice

etc.) que possam desencadear o estado de necessidade.

Em seguida, temos o princípio da uniformidade e equivalência dos

benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, também corolário do princípio

da isonomia, informa que as contingências cobertas para os trabalhadores urbanos

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devem ser as mesmas garantidas aos rurais e o critério de apuração do benefício

deve ser idêntico.

O princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e

serviços, por sua vez, atua na delimitação do rol de prestações que serão garantidas

ao beneficiário do sistema, direcionando a abrangência para as pessoas com maior

necessidade e definindo o grau de proteção devido a cada um.

Já o princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios é a garantia contra a

redução do valor nominal do benefício, salvo em caso de erro na sua concessão.

Logo, uma vez concedido não poderá ser reduzido, devendo conservar o poder

aquisitivo inicial.

O princípio da equidade na forma de participação no custeio, mais um

desdobramento do princípio da igualdade, defende que aquele possuidor de maior

capacidade econômica deverá contribuir com mais e, consequentemente, aquele de

menor capacidade, contribuirá com menos. Nessa esteira de raciocínio, as

contribuições das empresas à seguridade social poderão ter alíquotas ou bases de

cálculo diferenciadas, por exemplo, em razão de seu porte ou da atividade

econômica desenvolvida.

O princípio da diversidade da base de financiamento segundo assevera

Goes (2014) consiste na seguridade ter múltiplas fontes de custeio, no intuito de

prevenir que dificuldades na arrecadação de determinadas contribuições

prejudiquem o sistema, haja vista que existirão outras para suprir essa carência.

Por fim, o princípio do caráter democrático e descentralizado da

administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores,

empregadores, aposentados e Governo nos órgãos colegiados objetiva conduzir a

administração do sistema pautada na moralidade, garantindo a atuação da

sociedade na gestão dos recursos, programas, planos, serviços e ações nas três

áreas da seguridade social.

Além desses princípios, a doutrina elenca outros que não constam do rol

taxativo do artigo 194, mas que são de grande valia para a seguridade social, dentre

os quais citaremos alguns.

Iniciaremos expondo o princípio da solidariedade que está encartado no rol

de diretrizes do artigo 3º da Constituição Federal de 1988, em seu inciso I, conforme

explicitado abaixo:

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Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (Grifo nosso)

Neste conduto de exposição, temos o princípio da solidariedade na

assimilação de Ferreira (2007) constitui uma maneira de suprir a carência social e

econômica de determinadas pessoas, produto do próprio sistema, através da

contribuição dos mais abastados financeiramente ao sistema de proteção social.

Em seguida, o princípio da obrigatoriedade informa que a seguridade não é

optativa e sim obrigatória, desse modo, aquele que pode deve contribuir de maneira

obrigatória, não sendo permitida a renúncia à participação no sistema.

O princípio da efetividade, por seu turno, orienta que os benefícios e

serviços da seguridade social devam ser satisfatórios para suprimir de maneira

eficaz uma vicissitude social. Ele também é denominado princípio da suficiência.

Por derradeiro, o princípio da preexistência do custeio em relação aos

benefícios ou serviços ou regra da contrapartida, pressagiado no artigo 195, § 5º da

Carta Magna de 1988, o qual almeja manter o equilíbrio econômico financeiro do

sistema da seguridade social, coibindo a instituição ou elevação súbita do valor de

um benefício ou serviço, sem a designação da correspondente fonte de custeio.

Para uma completa cognição acerca do conceito da seguridade social, como

afirma Balera (2004), faz-se mister avistar a importância e alcance dos valores do

bem-estar e justiça social, já que ambos constituem bases do Estado brasileiro, bem

como são diretrizes de sua atuação.

O bem-estar social pode ser compreendido como cooperação, concretização

da solidariedade, afastando o individualismo. É também considerado como a

erradicação da pobreza e desigualdade, mediante cooperação entre as pessoas,

conforme artigo 3º, da Carta Magna de 1988.

A justiça social, por sua vez, representa a igualitária distribuição de

benefícios sociais, tendo por fito o desenvolvimento nacional. Está amparada pelos

princípios constitucionais da seletividade e distributividade, envolvendo ações do

Poder Público e da sociedade, em especial, de organizações não governamentais.

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Ibrahim (2014) rememora ainda a definição de seguridade social, instituída

pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, na Convenção 102, de 1952,

ratificada pelo Brasil por intermédio do Decreto-Legislativo nº 269/08, in verbis:

A proteção que a sociedade oferece aos seus membros mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que, de outra forma, derivam do desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência, como consequência de enfermidade, maternidade, acidente de trabalho ou enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e também a proteção em forma de assistência médica e ajuda às famílias com filhos.

Insta salientar que a indigitada Convenção também contém normas que

norteiam o tratamento a ser dispensado nos casos de doenças mórbidas, gravidez e

parto. Além de disciplinar a concessão de auxílio-doença, benefício ao idoso,

afastamento por motivo de acidente trabalhista, auxílio-maternidade e benefício por

invalidez, dentre outros.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO MUNDO

A seguridade social no mundo surge do embate dos trabalhadores por

melhores condições de vida. A princípio, detinha caráter familiar, no qual as pessoas

ajudavam os seus parentes que se encontrassem necessitados.

Posteriormente, esse auxílio passou a ser executado por fundos mutualistas,

de caráter privado e voluntário, por meio do qual um grupo de pessoas unia-se com

o intuito de se proteger mutuamente conta os riscos sociais. Vale salientar que

nessa época a assistência aos necessitados era custeada pela sociedade.

O marco inicial da assistência social foi a edição, na Inglaterra, no ano de

1601, da Lei de Amparo aos Pobres (Poor Relief Act), a qual instituiu uma

contribuição obrigatória, que deveria ser paga pela sociedade ao Estado, destinada

a fins sociais.

Em 1883, foi editado na Alemanha o primeiro ordenamento jurídico

previdenciário, pelo Chanceler Otto Von Bismark. O aludido instituto previa a criação

do auxílio-doença. Decorrido um ano, foi instituída a cobertura compulsória para

acidentes de trabalho. E, em 1889, originou-se o seguro de invalidez e de velhice.

No ano de 1885, foi a vez da Noruega se engajar na evolução securitária ao

aprovar a cobertura por acidentes de trabalho e criar um fundo especial em prol de

doentes e do auxílio-funeral. Vindo, em seguida, em 1891, a Dinamarca a criar a

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aposentadoria. E com o passar do tempo, outros países europeus também aderiram

ao movimento, editando suas primeiras leis de proteção social.

Já na América Latina, os primeiros sistemas securitários surgiram, a partir de

1920, na Argentina, Chile e Uruguai. No final dessa década, mais precisamente ,em

1929, os Estados Unidos, cujo presidente à época era Franklin Roosevelt, estavam

enfrentando o empobrecimento causado pela Grande Depressão e resolveram

acrescentar algumas normas à Lei da Seguridade Social (Social Security Act), em

1935.

Em 1940, quando entrou em vigor a lei retrocitada, a maioria dos

trabalhadores encontrava-se sob o manto da seguridade, fato relevante para o

surgimento do New Deal.

Superada a crise de 1929, os Estados Unidos adotaram o New Deal, um

conjunto de normas inspiradas no Welfare State (Estado do bem-estar social) e que

segundo Kertzman (2014, p. 43) era uma política por meio da qual se determinava

“[...] uma maior intervenção do Estado na economia, inclusive com a

responsabilidade de organizar os setores sociais com investimentos na saúde

pública, na assistência social e na previdência social”.

A primeira constituição a mencionar o termo seguro social foi a do México

em 1917. Em seguida, a Constituição de Weimar, em 1919, aduzia sobre

dispositivos referentes à previdência.

Como bem afirma Kertzman (2014), o ponto crucial da evolução securitária

mundial é o Plano Beveridge, lançado na Inglaterra, em 1942, por William Beveridge,

com o escopo de estabelecer alternativas para a reconstrução da sociedade no

período pós-guerra.

Esse plano foi responsável pela origem da seguridade social, prevendo a

participação universal de todas as categorias de trabalhadores e a cobrança

compulsória de contribuições para o custeio das três áreas da seguridade: saúde,

previdência e assistência social.

2.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL

A Seguridade Social no Brasil, segundo Kertzman (2008), apresentou seus

primeiros movimentos através das organizações privadas. Foi por intermédio dos

serviços prestados nas Santas Casas de Misericórdia que Assistência Social ganhou

espaço em nosso ordenamento jurídico.

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Nesta toada, Ibrahim (2014) afirma que a proteção social no Brasil seguiu a

mesma esteira de direcionamento do plano internacional, tendo origem privada e

voluntária e, posteriormente, ocorrendo a formação dos primeiros planos

mutualistas, com a intervenção crescente do Estado.

Nesse diapasão, afirma Balera (2004) que a assistência social surge da

ajuda mútua e só depois passa a agir o Estado. Essa colaboração mútua era

desempenhada por pessoas que conjugavam alguma afinidade profissional,

geográfica ou religiosa, por exemplo.

As primeiras entidades a atuarem na proteção social foram as santas casas

de misericórdia (1543), na prestação de serviços assistenciais. Já em 1795, foi

fundado o Plano de Benefícios dos órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha.

No século seguinte, em 1835, foi criado o MONGERAL (Montepio Geral dos

Servidores do Estado), com caráter mutualista, sendo reconhecido como a primeira

entidade privada do país.

Logo após, vieram os Socorros Mútuos, dos quais podemos citar o Marquês

de Pombal, disciplinado pelo Decreto n º 8.504, de 29 de abril de 1882, que tinha por

função precípua beneficiar seus sócios quando necessitados ou acometidos de

enfermidades, mediante o pagamento de mensalidade fixada.

Registra-se, outrossim, o Socorro Mútuo denominado Previdência, instituído

pelo Decreto nº 5.853, de 16 de janeiro de 1875, bem como o Socorro Mútuo Vasco

da Gama, originado no Estado do Rio de Janeiro, por meio do Decreto nº 8.361, de

31 de dezembro de 1881.

No âmbito constitucional, a proteção social surgiu na Constituição Federal

de 1824, quando o Estado brasileiro implementou os primeiros socorros públicos.

Cumpre ressaltar que no cenário passado esse serviço era oferecido apenas pelas

instituições particulares. Dessa forma, o estado começou a participar por meio de

políticas assistenciais como modo de suprir as deficiências enfrentadas pela

sociedade.

A Constituição Federal de 1891, na interpretação de Ibrahim (2014, p. 55),

“foi a primeira a conter a expressão “aposentadoria”, a qual era concedida a

funcionários públicos em caso de invalidez”. O doutrinador afirma ainda que os

demais trabalhadores não possuíam qualquer proteção.

Em 1919, foi instituído o seguro de acidentes de trabalho pelo Decreto-

Legislativo nº 3.724. Em seu arcabouço, era prevista uma indenização para o

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empregado, vítima de acidente trabalhista, ou a sua família. O valor era custeado

pelo empregador que somente seria isento dessa obrigação em caso de força maior

ou dolo da própria vítima ou de terceiros.

Transcorridos alguns anos, tivemos a edição da Lei Eloy Chaves, instituída

por meio do Decreto nº 4.682 de 24 de janeiro de 1923, sendo considerada como

marco inicial da seguridade social no país. Através dela, foram criadas as primeiras

Caixas de Aposentadorias e Pensão – CAP’s – em favor dos empregados das

empresas ferroviárias.

A norma legal previa contribuições dos trabalhadores, das empresas do

ramo e do Estado, sendo assegurada a redução dos custos de medicamentos e

assistência médica, aposentadoria ordinária ou por invalidez aos trabalhadores e

pensão aos dependentes em caso de morte do segurado.

A responsabilidade da administração do sistema era dos empregadores,

assim como ocorria no seguro de acidentes. A função do Estado configurava-se

apenas em determinar sua criação e funcionamento, conforme a lei.

Cumpre salientar que os benefícios supramencionados não eram estendidos

a todos os trabalhadores, mas apenas aos empregados e operários permanentes,

entendendo-se por permanente aquele que possuía mais de seis meses de serviços

contínuos na mesma empresa.

A empresa pioneira na criação de uma caixa de aposentadoria e pensão no

país foi a Great Western do Brazil, sendo posteriormente chamada de Estrada de

Ferro Santos-Jundiaí e, mais tardiamente, tendo novamente seu nome alterado para

FEPASA.

Em 1933, de acordo com Menezes (2012), foi criada a caixa de

aposentadorias e pensões dos marítimos e, em 1934, por sua vez, foram criados os

Institutos de Aposentadoria e Pensões dos comerciários (IAPC) e dos bancários

(IAPB).

Já em 1936, na acepção da mesma doutrinadora, teve origem o Instituto de

Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) e transcorridos dois anos, em

1938, surgiu o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados dos

Transportes de Cargas (IAPTC).

Durante as décadas de 1930 a 1950, as mais de 180 CAP’s existentes se

reuniram culminando na formação de IAP’s, dentre os quais os mais conhecidos são

os retrocitados.

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Vale frisar que as CAP’s, segundo entendimento de Kertzman (2014), eram

organizadas por empresas, enquanto os IAP’s eram organizados por categoria

profissional, fato que imprimia mais solidez ao sistema previdenciário, uma vez que

este continha um número bem mais expressivo de segurados, fazendo do sistema

mais consistente.

A Constituição de 1934 foi a primeira ordem constitucional a prever a tríplice

forma de custeio da seguridade social, tendo como contribuintes o Governo,

empregadores e trabalhadores.

A Constituição de 1937 fez referência pela primeira vez do termo “seguro

social” e instituiu seguros em decorrência de acidente de trabalho, no entanto, não

trouxe grandes avanços no setor securitário.

Em 1942 foi instituída a Legião Brasileira da Assistência (LBA), associação

fundada com o objetivo de prestar assistência social diretamente ou em colaboração

com instituições especializadas, para ela sendo estabelecida uma contribuição

especial por meio do Decreto-Lei nº 4.830, de 15 de outubro de 1942.

A Constituição Federal de 1946 foi a primeira a utilizar o termo “previdência

social”, desaparecendo a nomenclatura “seguro social”. Nela foi garantida a proteção

aos eventos de doença, invalidez, velhice e morte.

No ano de 1960, foi criado o Ministério do Trabalho e Previdência Social,

mesmo ano em que foi editada a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, fato

que nas palavras de Kertzman (2014, p. 46):

[...] marca a unificação dos critérios estabelecidos nos diversos IAP’s até então existentes para a concessão de benefícios dos diversos institutos, persistindo ainda a estrutura dos IAP’s. Os trabalhadores rurais e os domésticos continuavam excluídos da previdência social.

Em 1966, foi editado o Decreto-Lei nº 72, através do qual todos os IAP’s

foram unificados, centralizando a organização previdenciária no INPS – Instituto

Nacional da Previdência Social, instalado em 02 de janeiro de 1967.

Com o advento da Constituição Federal de 1967, foi criado o auxílio-

desemprego. Logo após, os trabalhadores rurais também puderam ser

contemplados com os direitos securitários por meio do FUNRURAL (Lei

Complementar nº 11/1971). Sendo, em 1972, por sua vez, contemplados os

empregados domésticos (Lei nº 5.859/1972).

Em 1977, foi originado o SINPAS – Sistema Nacional de Previdência Social,

que era responsável, segundo lição de Kertzman (2014, p. 46): “... pela integração

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das áreas de assistência social, previdência social, assistência médica e gestão das

entidades ligadas ao Ministério da Previdência e Assistência Social”.

Os órgãos e entidades que o compunham eram os seguintes: INPS, IAPAS,

INAMPS, LBA, FUNABEM, CEME e DATAPREV. Posteriormente, foram todos

extintos, com exceção da DATAPREV que perdura até os dias de hoje.

Por derradeiro, a Constituição Federal de 1988, trouxe em seu arcabouço

disposições que visavam a ampliação e democratização do acesso da população à

saúde, à previdência e à assistência social, envolvendo iniciativas dos poderes

públicos e da sociedade, com vistas à promoção de maior justiça e bem-estar social.

Consoante leciona Ibrahim (2014, p. 61), esse dispositivo constitucional:

[...] tratou, pela primeira vez, da Seguridade Social, entendida esta como um conjunto de ações nas áreas da Saúde, Previdência e Assistência Social. É a marca evidente do estado de bem-estar social, criado pelo constituinte de 1988.

Em 1990, ano em que o SINPAS foi extinto, a Lei nº 8.029 de 12 de abril de

1990 criou o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS , mediante a fusão do INPS

com o IAPAS.

Atualmente, as leis que regem a seguridade social são: a Lei nº 8.212/1991,

que trata do Plano de Organização e Custeio da Seguridade Social – PCCS; a Lei

nº 12.618/2012, que aduz sobre a previsão legal para criação da previdência

complementar dos servidores públicos federais – FUNPRESP; bem como a Lei nº

8.213/1991, que aborda o Plano de Benefícios da Seguridade Social – PBSS.

Temos ainda a Lei nº 8742/1993, denominada Lei Orgânica da Assistência

Social – LOAS – que disciplina a assistência social; o Decreto nº 3.048/1999, que

contém o Regulamento da Previdência Social, bem como o Decreto nº 6.214/2007

que regulamenta o benefício de prestação continuada.

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3 DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

A assistência social é uma política integrante da seguridade social, de

caráter não contributivo, com vistas à garantia de acesso a recursos mínimos e

provimento de condições para atender às contingências sociais e promover a

universalização dos direitos sociais. Ela está prevista no artigo 203, da Constituição

Federal de 1988, onde também estão elencados seus objetivos. Vejamos:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Sua regulamentação eclodiu anos depois mediante a edição da Lei nº 8.742

de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), bem como em

normas, portarias, decretos, entre outros dispositivos.

Ibrahim (2014) aponta que a assistência social será prestada somente às

pessoas que não possuem condições de manutenção própria, e seu acesso

independe de contribuição direta do beneficiário, assim como ocorre na saúde.

Para Balera e Mussi (2014), seu objetivo é a proteção do nascimento à

morte do indivíduo, perseguindo a inclusão social de todos aqueles que se

encontram à margem da sociedade.

Sua organização se dará com recursos do orçamento da seguridade social,

tendo por diretrizes a descentralização político administrativa e a participação da

população, consoante aduz o artigo 204, incisos I e II, da Constituição Federal de

1988, respectivamente.

A descentralização político-administrativa consiste na assunção da

coordenação e normais gerais pela esfera federal, enquanto os Estados, municípios,

entidades beneficentes e de assistência social assumem a coordenação e execução

dos respectivos programas.

Já a participação da população busca efetivar a participação da sociedade

por meio de organizações representativas, formulando políticas e controlando ações

em todos os níveis.

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Essas diretrizes de transparência e universalização dos acessos aos

programas, serviços e benefícios socioassistenciais, fomentadas pelo modelo de

gestão descentralizada e participativa, consolidam, em definitivo, a responsabilidade

do Estado brasileiro no enfrentamento da pobreza e da desigualdade, mediante a

participação complementar da sociedade civil organizada, através de movimentos

sociais e entidades de assistência social.

Registre-se que a assistência social representa uma estratégia para

minimizar as situações de desigualdades sociais e promover acesso a condições

dignas de vida. Balera e Mussi (2014, p. 26) dissertando acerca da relevância da

assistência para a sociedade, assim concluem:

Como se verifica, a assistência social cumpre papel importantíssimo no sistema de seguridade social, ao garantir proteção aos desamparados que, mesmo não contribuindo para a manutenção do sistema, nele terão vez, voz e lugar.

3.1 CONCEITO

A Assistência Social tem por escopo a garantia de acesso a recursos

mínimos e provimento de condições para atender eventualidades sociais e fomentar

a universalização dos direitos sociais. Consoante entendimento dos doutrinadores

Mendes e Branco (2014, p. 663), essa área da seguridade destina-se a:

[...] garantir o sustento, provisório ou permanente dos que não têm condições para tanto. Sua obtenção caracteriza-se pelo estado de necessidade de seus destinatários e pela gratuidade do benefício, uma vez que, para seu recebimento, é indiferente que a pessoa contribua ou não com a seguridade social.

Através dela, busca-se proteger todas as pessoas que, não dispondo de

capacidade econômica para contribuir, precisem de amparo de tal sistema e não

figurem no rol de segurados obrigatórios da Previdência Social. Sua definição legal

está inserta no artigo 1º, da Lei nº 8.742/1993, in verbis:

Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

A assistência social irá cuidar de uma maneira geral dos hipossuficientes,

concedendo um benefício previsto por lei àqueles que nunca contribuíram para o

sistema da seguridade social. Dessa forma, constitui garantia de amparo social pelo

Estado aos necessitados em casos de deficiência ou idade avançada para

sobreviverem. Na inteligência de Martinez (2011, p. 28), ela representa:

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[...] um conjunto de atividades particulares e estatais direcionadas para o atendimento dos hipossuficientes, consistindo os bens oferecidos em pequenos benefícios em dinheiro, assistência à saúde, fornecimento de alimentos e outras pequenas prestações. Não só complementa os serviços da Previdência Social, como a amplia, em razão da natureza da clientela e das necessidades providas.

Já o professor Tavares (2014, p. 18) a define como “[...] um plano de

prestações sociais mínimas e gratuitas a cargo do Estado para prover pessoas

necessitadas de condições dignas de vida”.

Portanto, temos a previdência que ampara os trabalhadores segurados e a

assistência que direciona seus serviços aos carentes e necessitados. Importante

frisar que a situação de carência deve ser sinônimo de miserabilidade, que será

definido pelos requisitos legais que serão abordados mais adiante.

3.2 PRINCÍPIOS

As ações da assistência social, segundo Tavares (2014), são pautadas,

mormente, nos princípios da gratuidade e da seletividade. Pela gratuidade,

depreende-se que o benefício não necessita estar vinculado a sistema

previdenciário, ou seja, o indivíduo terá acesso às prestações assistenciais mesmo

sem contribuir para a seguridade social. Já a seletividade tem como sustentáculo a

necessidade.

Dotados de valores morais, políticos e jurídicos, os princípios representam o

ponto de partida de toda a dogmática jurídica. Consoante afirma Berclaz (2002, p.

03):

[...] conhecer as normas jurídicas sem a adequada compreensão dos princípios que as informam é mais ou menos como conhecer as árvores sem conhecer a própria floresta, ou seja, conhecer o particular sem ter a noção do que seja o todo, primar pela individualidade em detrimento do conjunto.

Diante do considerado relevo dos princípios para hermenêutica jurídica,

veremos a seguir os que compõem a assistência social, expressos no artigo 4º da

Lei Orgânica da Assistência Social, quais sejam:

Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios: I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;

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IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

Ibrahim (2014, p. 13), assim define o propósito da assistência social:

“preencher as lacunas deixadas pela previdência social, já que esta, como se verá,

não é extensível a todo e qualquer indivíduo, mas somente aos que contribuem para

o sistema, além de seus dependentes”.

O segmento assistencial da seguridade rege-se pelos seguintes objetivos:

proteger a família, maternidade, infância, adolescência e velhice; amparar crianças e

adolescentes carentes; promover a integração ao mercado de trabalho; habilitar e

reabilitar pessoas com deficiência e promover sua integração à vida comunitária; e

garantir 01 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao

idoso que comprovarem não dispor de meios para prover a própria manutenção ou

de tê-la provida por sua família (Lei nº 8.742/93, artigo 2º).

Dentre os objetivos sobreditos, daremos ênfase nos próximos capítulos ao

previsto no art. 2º, inciso I, alínea “e” da LOAS, que trata do benefício de prestação

continuada.

3.3 LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

A Lei Orgânica da Assistência Social (8.742/1993) veio regulamentar os

artigos 203 e 204, da Constituição Federal de 1988, disciplinando direitos e deveres

inerentes à assistência social e estabelecendo a democratização e descentralização

das políticas sociais, prevendo a estruturação dos Conselhos integrados pela

comunidade.

Em seu arcabouço estão descritos os benefícios, serviços, programas e

projetos de assistência social a serem prestados à população necessitada, além dos

princípios e objetivos como anteriormente exposto.

As diretrizes da assistência social estão previstas no artigo 5º da LOAS,

conforme abaixo:

Art. 5º A organização da assistência social tem como base as seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;

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III - primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo.

Sua composição foi substancialmente alterada pelas Leis nº 12.435, de 06

de julho de 2011 e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011. Estas inseriram em seu

texto, dentre outros, o conceito de família e de pessoas com deficiência para fins de

concessão do benefício assistencial, bem como o critério para considerar que uma

pessoa está em situação de necessidade, consoante explicaremos nos próximos

capítulos.

No que concerne aos benefícios, são previstas duas modalidades: os

eventuais que constituem provisões complementares e provisórias destinadas aos

cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de

vulnerabilidade temporária e de calamidade pública (artigo 22, LOAS) e o benefício

de prestação continuada (artigo 20, LOAS) que será objeto de estudo do próximo

tópico.

Relevante frisar que o acesso aos benefícios assistenciais constitui um

direito do cidadão e deve ser concedido primando-se pelo respeito à dignidade dos

indivíduos que deles necessitem.

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4 O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

O benefício de prestação continuada corresponde à garantia de um salário

mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso a partir de sessenta e cinco

anos de idade, que comprovem não dispor de meios para prover a própria

manutenção e também não possam tê-la provida por sua família.

Integrante do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o BPC é

constitutivo da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e tem objetivo o

enfrentamento da pobreza, a garantia da proteção social, o provimento de condições

para atender contingências sociais e a universalização dos direitos sociais.

Com fulcro na Constituição Federal de 1988, em seu inciso V, in verbis:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...] V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Sendo disciplinado pela Lei Orgânica da Assistência Social em seus artigos

20, 21 e respectivos incisos. E regulamentado pelo Decreto nº 6.214/2007, com

redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011.

Mantido pelos recursos financeiros da Seguridade Social, sendo

administrado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS e

repassado ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio do Fundo

Nacional de Assistência Social - FNAS.

Já sua concessão e fiscalização são efetivadas pela Autarquia

Previdenciária (INSS). Essa delegação se justifica na acepção de Leitão e Meirinho

(2013, p. 745):

[...] por economia e eficiência, afinal o INSS, além de contar com estrutura de abrangência nacional (agências espalhadas em todo o território nacional), tem acesso a uma base de dados necessária para a apuração do direito ao benefício assistencial (CNIS, sistema que viabiliza pesquisa sobre a renda dos interessados e de seus familiares).

Possui caráter gratuito, uma vez que independe de contribuições à

Seguridade Social, logo, não há carência para poder recebê-lo. É também

personalíssimo, não ensejando, dessa forma, direito à pensão por morte (artigo 23,

Decreto nº 6.214/2007).

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Importante salientar que o instituto não pode ser cumulado com qualquer

outro benefício da seguridade social, com exceção de assistência médica e pensão

especial de natureza indenizatória, nos termos do artigo 20, § 4º, da LOAS.

Como exemplo de pensão especial de natureza indenizatória, podemos citar

a decorrente da “Síndrome da Talidomida”, com previsão na Lei nº 7.070/1982, e a

devida aos dependentes das vítimas fatais de hepatite tóxica, por contaminação em

processo de hemodiálise no Instituto de Doenças Renais, em Caruaru, no estado de

Pernambuco, com previsão na Lei nº 9.422/1996, como elucidam Leitão e Meirinho

(2013).

Convém ressaltar que em caso de o beneficiário se encontrar acolhido em

instituições de longa permanência, seu direito ao recebimento do benefício será

mantido (art. 20, § 5, LOAS).

O abono anual (13º salário) que é concedido aos aposentados pelo Regime

Geral de Previdência Social não é estendido aos assistidos pelo BPC, conforme

redação legal do artigo 22, do Decreto nº 6.214/2007.

4.1 DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO

Seus requisitos para concessão estão descritos no artigo 20, da Lei nº

8.742/1993. Vejamos:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria

manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei

nº 12.435, de 2011)

Não possuir meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por

sua família denota estado de necessidade, ou seja, que a pessoa não dispõe de

condições para garantir o mínimo existencial e, consequentemente, não pode

manter sua dignidade.

O critério etário para considerar a pessoa idosa já foi alvo de várias

alterações, sendo reduzido com o passar dos anos, conforme expõe Kertzman

(2014, p. 435):

a) No período de 01/01/96 a 31/12/97, a idade mínima para o idoso era de 70 anos;

b) A partir de 01/01/98 até 31/12/03, a idade mínima para o idoso passou a ser de 67 anos;

c) Com a aprovação do Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03, a partir de 01/01/04, a idade mínima para o idoso passou a ser de 65 anos;

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d) A Lei 12.435/2011 atualizou o art. 20, da Lei 8.742/93, trazendo a idade mínima de 65 anos para o idoso fazer jus a benefícios assistenciais. (Grifo do autor)

No que tange à pessoa com deficiência, era considerada aquela

incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em virtude de anomalias

ou lesões irreversíveis, de caráter hereditário, congênito ou adquirido (artigo 20, § 2º,

da antiga redação da Lei nº 8.742/1993).

Entretanto, essa compreensão foi alterada de acordo com a Convenção

Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo

Facultativo, assinada em Nova York, em 30 de março de 2007, tendo sido inserida

no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 09 de

junho de 2008, com força de emenda constitucional e promulgada pelo Decreto nº

6.949, de 25 de agosto de 2009, consoante afirmam Leitão e Meirinho (2013).

Inicialmente, a legislação pátria em consonância com a supracitada

convenção, alterou essa definição do artigo 20, § 2º, inciso I da LOAS por meio da

Lei nº 12.435/2011, cujo conteúdo estabelecia:

Pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.

Em seguida, no mesmo ano, essa definição foi acrescida de alguns termos

introduzidos na LOAS por meio da Lei nº 12.470/2011 e passou a constituir a

definição atual do seu artigo 20, § 2º. Vejamos:

Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Como podemos observar, a Lei nº 12.470/2011, reduziu a exigência contida

no antigo § 2º, do artigo 20, da LOAS, retirando da norma a incapacidade para a

vida independente, restando a incapacidade laboral.

Em relação ao impedimento de longo prazo, a Lei nº 8.742/1993, em seu

artigo 20, § 10, o define como aquele que produz efeitos pelo prazo mínimo de 02

(dois) anos.

Na prática, o INSS tem concedido o benefício às pessoas acometidas de

doenças em estágio terminal, bem como em caso de doenças crônicas, estas se

ocasionarem limitações para a realização de atividades diárias.

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Constitui entendimento jurisprudencial que nos casos de doença

estigmatizante como, por exemplo, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

(AIDS), o benefício deve ser concedido, ainda que esteja na fase assintomática e

não cause limitações às atividades laborais, tendo em vista o preconceito e a

consequente dificuldade de inserção no mercado de trabalho.

Nesse passo, segue decisão da TNU:

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PORTADOR DE VÍRUS HIV. CONSIDERAÇÃO DAS CONDIÇÕES SOCIAIS. NECESSIDADE. INCIDENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. [...] 5. Esta Turma Nacional de Uniformização decidiu em casos semelhantes que “os portadores do vírus da AIDS, mesmo que assintomáticos, devem ter sua incapacidade aferida com base nas condições pessoais, sociais e econômicas, pois se trata de doença estigmatizante”. (Representativo Pedilef 05038635120094058103 – Relator Juiz Federal Alcides Saldanha Lima, DOU 31/08/2012). Isso porque as pessoas que padecem de tal moléstia, embora muitas vezes capazes para o labor do ponto de vista médico, podem ter o acesso ao mercado de trabalho dificultado pelo preconceito, mesmo na fase assintomática da doença, a depender do contexto social em que vivem, razão pela qual se faz necessária a análise das condições pessoais e econômicas do requerente portador de HIV. Este entendimento foi reafirmado na sessão de julgamento pretérita (Pedilef 0513045-52.2009.4.05.8300, Relatora Juíza Federal Marisa Cláudia Gonçalves Cucio, j. 14/02/2014).[...] . (TNU - PEDILEF: 50078231720124047001, Relator: JUIZ FEDERAL JOÃO BATISTA LAZZARI, Data de Julgamento: 10/09/2014, Data de Publicação: 26/09/2014) (Grifo nosso)

Cumpre salientar que para a concessão do benefício, a pessoa deverá ter

sua deficiência e o grau de impedimento avaliados por médicos peritos e assistentes

sociais do INSS, em avaliação médica e social respectivamente.

Importante frisar que para a concessão do BCP às crianças e adolescentes

menores de 16 (dezesseis) anos, é necessária uma avaliação no intuito de verificar

a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade

e restrição da participação social, compatível com a idade, nos termos do artigo 4º,

§ 1º, do Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.

Os benefícios da assistência, segundo Kertzman (2014), são destinados

apenas aos brasileiros natos e aos estrangeiros naturalizados e domiciliados no

Brasil, desde que não estejam amparados por sistema previdenciário de sua pátria

originária. Impende salientar que os índios também fazem jus a esses benefícios.

Não obstante, vale ressaltar que várias decisões judiciais têm sido proferidas

no sentido de reconhecer o direito do estrangeiro residente no Brasil ao recebimento

do BPC, com fulcro no artigo 5º, da Constituição Federal de 1988 que declara que

todos nós somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

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garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, diversos direitos

fundamentais.

Nesse sentido, julgou o a quinta turma do TRF 4ª Região:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. LEI Nº 8.742/93. ESTRANGEIRO NÃO NATURALIZADO. REAPRECIAÇÃO DE PEDIDO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. 1. A condição de estrangeiro, ainda que não naturalizado, não impede a concessão de benefício assistencial ao idoso, haja vista a Constituição Federal, em seu art. 5º, assegura ao estrangeiro residente no país o gozo dos direitos e garantias individuais em igualdade de condição com o nacional. 2. Deve a Autoridade Impetrada abstenha-se de negar o deferimento com base no simples fato de o impetrante ser estrangeiro, devendo ela verificar o atendimento aos demais requisitos legais do benefício pretendido. (TRF4, APELREEX 5013567-56.2013.404.7001, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 04/07/2014) (Grifo nosso)

A matéria teve sua relevância reconhecida, por meio de um projeto de lei (PL

nº 1.438/2011), apresentado no dia 25 de maio de 2011, na Câmara dos Deputados,

tendo por objeto a extensão do direito ao benefício de prestação continuada ao

estrangeiro domiciliado no Brasil.

Sobre o assunto, o STF reconheceu, em 26 de junho de 2009, existência de

repercussão geral da matéria constitucional suscitada nos autos do RE 587.970/SP.

O processo está na Seção de Recursos Extraordinários, encontrando-se pendente

de julgamento.

Para sua obtenção faz-se mister que reste comprovado o estado de

necessidade, o qual representa a condição de miserabilidade descrita no § 3º, do

artigo 20, da LOAS, qual seja, a família incapaz de prover o sustento de pessoa

idosa ou com deficiência, cuja renda mensal per capita corresponda a valor inferior a

¼ do salário mínimo vigente no Brasil.

Nesse contexto, urge a necessidade de explanarmos o conceito de família,

que na inteligência de Bernardo e Fracalossi (2009, p. 337) deve ser entendido

como:

Para fins de benefício assistencial, o conceito de grupo familiar deve ser obtido mediante interpretação restrita das disposições contidas no § 1º, do artigo 20, da Lei nº 8.742/1993 e no artigo 16 da Lei nº 8.213/1991, o que, no caso, exclui a sobrinha do autor do grupo familiar.

Podemos perceber que a Lei nº 12.435/2011 também alterou a redação da

LOAS no tocante à família. Eis que a antiga definição englobava apenas o conjunto

de dependentes previdenciários que viviam sob o mesmo teto.

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Atualmente, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou

companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os

irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que

vivam na mesma residência.

Vejamos o que informa a redação da Lei nº 8.742/1993, em seu artigo 20,

§1, in verbis:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Agora partiremos para a definição de família incapacitada de prover a

manutenção da pessoa com deficiência ou idosa, que seria aquela cujo cálculo da

renda familiar per capita (ou seja, a soma da renda mensal de todos os seus

integrantes, dividida pelo número total de membros que compõem o grupo familiar)

seja inferior a ¼ do salário-mínimo vigente.

Convém esclarecer que, em conformidade com o artigo 4º, inciso VI do

Decreto nº 6.214/2007, no cálculo da renda mensal serão considerados salários,

proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou

privada, seguro-desemprego, comissões, pró-labore, outros rendimentos do trabalho

não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos

auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação

Continuada, percebidos por quaisquer dos membros do grupo familiar.

Além das melhorias já mencionadas, a Lei nº 11.470/2011 trouxe ainda a

possibilidade de que a remuneração da pessoa com deficiência, que esteja

trabalhando na condição de aprendiz, não seja considerada para fins do cálculo da

renda familiar.

Nessa situação, ainda que esteja trabalhando, a pessoa com deficiência não

perderá o direito ao benefício e poderá recebê-lo cumulado com a remuneração pelo

prazo máximo de 02 (dois) anos (artigo 21-A, § 2, da LOAS).

Poderão também ser conciliados com o BPC os benefícios e auxílios

assistenciais de natureza eventual e temporária, valores oriundos de programas

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sociais de transferência de renda; bolsas de estágio curricular, pensão especial de

natureza indenizatória e benefícios de assistência médica, rendas de natureza

eventual ou sazonal, tendo em vista que são excluídos do cálculo de renda mensal

bruta familiar (art. 4º, § 2º, Decreto Nº 6.214/2007).

No tocante ao recebimento do BPC por mais de um membro do mesmo

grupo familiar, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) prevê em seu artigo 34,

parágrafo único, que no cálculo para aferição da renda total familiar não será

computado o valor do benefício já concedido ao idoso. Vejamos:

Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007) Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.

No entanto, a jurisprudência em geral vem atribuindo exegese extensiva ao

parágrafo único do artigo em análise, determinando a exclusão, no cálculo da renda

familiar per capita, não só de idoso contemplado com o amparo social como também

de pessoa com deficiência (beneficiária do BPC) e de pessoa que aufira qualquer

benefício previdenciário no valor de um salário mínimo.

Essa releitura jurisprudencial surge no intuito de guarnecer as decisões do

poder judiciário de isonomia e razoabilidade, como podemos verificar em decisão do

TRF4 a seguir:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO E AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. IDOSOS E INCAPAZES. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI N.º 10.741/03. 1. Consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao Ministério Público é dado promover, via ação coletiva, a defesa de direitos individuais homogêneos, porque tidos como espécie dos direitos coletivos, desde que o seu objeto se revista da necessária relevância social. Ademais, dispõe o art. 74, inciso I, da Lei n.° 10.741/03, competir ao Ministério Público instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso. 2. Despropositada se afigura a interpretação literal e restritiva do art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/03, segundo a qual somente o benefício concedido a qualquer membro da família nos termos do caput do indigitado dispositivo "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS". Fere a razoabilidade e, sobretudo, a isonomia, o fato de aquele que contribuiu a vida inteira para a Previdência Social ter seu benefício no valor de um salário mínimo computado no cálculo da renda familiar, ao passo

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em que excluído do referido cálculo o benefício assistencial percebido pelo idoso que nada verteu para o sistema previdenciário. 3. Ainda que tratando especificamente do idoso, o art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/03 não pode deixar de ser aplicado no caso do "incapaz para a vida independente e para o trabalho", porquanto não se pode dizer que economicamente haja qualquer distinção. 4. Agravo regimental improvido. Agravo de instrumento provido. (Ag. Instrumento nº 2005.04.01.050868-3/SC, Rel Juiz RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Sexta Turma, DJU de 22/02/06)

Nessa linha, segue entendimento da TRU da 4ª Região, em sessão

realizada em 13 de fevereiro de 2009:

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 34 DO ESTATUTO DO IDOSO (LEI 10.741/2003). APLICAÇÃO ANALÓGICA A BENEFÍCIO DE DEFICIENTE. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE VALOR MÍNIMO RECEBIDO POR IDOSO DO GRUPO FAMILIAR. EXCLUSÃO DA RENDA DO GRUPO FAMILIAR. Para fins de concessão de benefício assistencial a deficiente, o disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso Lei 10.741/2003) se aplica por analogia para a exclusão de um benefício previdenciário de valor mínimo recebido por membro idoso do grupo familiar, o qual também fica excluído do grupo para fins de cálculo da renda familiar per capita. (IUJEF 2007.70.51.006794-0, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relatora: Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, D.E. 19/02/2009). (Grifo nosso)

Diante dessa transmutação interpretativa, o Supremo Tribunal Federal, em

decisão proferida no RE nº 580.963/PR, declarou incidentalmente a

inconstitucionalidade por omissão parcial, sem pronúncia de nulidade, do parágrafo

único do artigo 34 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, como podemos

verificar a seguir:

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E AO DEFICIENTE. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO. A LEI DE ORGANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS), AO REGULAMENTAR O ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ESTABELECEU OS CRITÉRIOS PARA QUE O BENEFÍCIO MENSAL DE UM SALÁRIO MÍNIMO SEJA CONCEDIDO AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA E AOS IDOSOS QUE COMPROVEM NÃO POSSUIR MEIOS DE PROVER A PRÓPRIA MANUTENÇÃO OU DE TÊ-LA PROVIDA POR SUA FAMÍLIA. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão

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do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso a Alimentacao; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (STF - RE: 580963 PR, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 18/04/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO) (Grifo nosso)

Entretanto, embora o direito não deva caminhar distante da realidade e no

caso em análise exista um clamor social por mudança, essa decisão produziu efeitos

apenas inter partes, uma vez que não foi alcançado o quorum especial de 2/3 dos

votos favoráveis para modulação dos efeitos para que a norma tivesse validade até

31/12/2015.

4.2 DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE

Consoante citado anteriormente, o BPC será concedido ao idoso e ao

deficiente que se encontrem em situação de necessidade. Essa situação será

caracterizada mediante a utilização de um requisito financeiro, denominado critério

de miserabilidade.

O critério de miserabilidade, de acordo com a Lei nº 8.742/1993, consiste na

aferição da renda total familiar, para tanto devendo ser considerados todos os

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membros da família, conforme o já mencionado artigo 20, § 1º do aludido diploma

legal. Devendo essa renda ser inferior a ¼ de salário mínimo por pessoa para que o

requerente seja considerado miserável, nos termos da lei. Vejamos redação legal:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) [...] § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

Corroborando com entendimento de Leitão e Meirinho (2013), é um critério

objetivo e único, por se tratar de uma simples operação numérica na qual a renda de

todo o grupo familiar é somada e dividida pela quantidade de integrantes.

Vale salientar que o INSS deve estrita observância ao princípio da

legalidade, consoante artigo 37 da Constituição Federal de 1988, não sendo

possível relativizar a aludida norma legal para beneficiários cuja renda per capita

ultrapasse o limite descrito no referido dispositivo legal, ainda que se façam

presentes circunstâncias peculiares que possam conduzir a alguma situação de

pobreza.

Nessa senda, verificamos tratar-se de um requisito que não avalia possíveis

gastos com medicamentos e/ou alimentação especial em decorrência da idade

avançada ou da deficiência, fato que distancia o BPC do propósito da assistência

social que é proporcionar o mínimo de dignidade ao ser humano.

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5 A INCONSTITUCIONALIDADE DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE

O critério objetivo considerando a renda familiar per capita máxima inferior a

¼ do salário mínimo, instituído pela Lei nº 8.742/1993, artigo 20, § 3º, a qual veio a

regulamentar o artigo 203, inciso V, da Constituição Federal que até então tinha

eficácia limitada, surgiu no intuito de proporcionar eficácia plena para o referido

dispositivo.

O requisito financeiro estipulado pela lei passou a gerar dúvida quanto à sua

constitucionalidade, tendo em vista que, na prática, situações de patente

miserabilidade social estavam ficando fora da cobertura do benefício assistencial

previsto na Constituição Federal de 1988, consoante lecionam Mendes e Branco

(2014, p. 664).

Segundo Ibrahim (2014, p. 14):

[...] ainda que o legislador frequentemente utilize-se de parâmetros objetivos para a fixação de direitos, a restrição financeira pode e deve ser ponderada com características do caso concreto, sob pena de condenar-se à morte o necessitado. Ainda que a extensão do benefício somente possa ser feita por lei, não deve o intérprete omitir-se à realidade social.

Ocorreram vários questionamentos acerca do assunto, fato que culminou no

ajuizamento, no Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade

de nº 1.232/DF, tendo por finalidade a análise do § 3º, do artigo 20, da LOAS. A

ação foi ajuizada pelo Procurador-Geral da República tendo sido provocada por

meio de representação do Ministério Público Federal do Estado de São Paulo.

A tese sustentada pelo MPF era de que o § 3º, do art. 20, da LOAS firmava

a prescindibilidade da comprovação de necessidade assistencial para os casos de

renda familiar per capita inferior a ¼ de salário mínimo, no entanto, isso não excluía

a possibilidade de, na prática, em casos reais, comprovar-se que o idoso ou pessoa

com deficiência não dispunha de meios para prover a própria subsistência ou de tê-

la provida por sua família.

O Ministro Relator da ação, à época, Ilmar Galvão acolheu a tese do MPF,

porém a maioria de seus colegas discordou de seu voto, sendo a tese vencedora a

do Ministro Nelson Jobim, cujo conteúdo afirmava que o critério de renda de ¼ do

salário mínimo não era incompatível com a Carta Magna de 1988 e que uma

possível necessidade de criação de outros requisitos para conceder o BPC seria um

caso a ser analisado pelo legislador.

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Dessa forma, o § 3º do artigo 20 da LOAS, foi declarado constitucional face

ao julgamento improcedente da ação, vejamos:

EMENTA: Constitucional. Impugna dispositivo de lei federal que estabelece o critério para receber o benefício do inciso V do art. 203, da CF. Inexiste a restrição alegada em face ao próprio dispositivo constitucional que reporta à lei para fixar os critérios de garantia do benefício de salário mínimo à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso. Esta lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial do estado. Ação julgada improcedente. (STF, ADin 1232 DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, 27/08/1998)

Não obstante o julgamento da ação, os juízes, tribunais e Juizados Especiais

Federais (que haviam sido instituídos há pouco tempo) permaneceram julgando na

busca pela justiça social, analisando caso a caso, mesmo que para tanto

precisassem criar critérios judiciais não estipulados em lei e assim, de certa forma –

ainda que com o melhor dos intuitos que era a proteção da sociedade contra o

estado de miserabilidade – chegando a afrontar a decisão do Pretório Excelso.

A atitude desses magistrados deu ensejo a inúmeras reclamações do INSS

no STF, o qual as julgava procedentes, cassando as decisões de instâncias

inferiores que concediam o BPC analisando outros critérios de necessidade que não

somente o definido na LOAS.

Insta salientar que a referida decisão do STF foi proferida em 1998 e por

essa época começaram a ser editadas normas legais contendo critérios mais

abrangentes de concessão de outros benefícios assistenciais como, por exemplo, a

Lei nº 10.219/2001 (Bolsa Escola), a Lei nº 10.689/2003 (Programa Nacional de

Acesso à Alimentação) e a Lei nº 10.836/2004 (Bolsa Família).

Tal fato influenciou ainda mais os magistrados a se utilizarem de critérios

menos enrijecidos para julgar a concessão do benefício assistencial. Dessa forma,

juízes e tribunais passaram a utilizar o valor de ½ salário mínimo como parâmetro

para aferição da renda familiar per capita, fato que resultou, no âmbito do Tribunal

Regional Federal 4ª Região, na aprovação da Súmula nº 6, em 16 de novembro de

2004, com o seguinte conteúdo:

O critério de verificação objetiva da miserabilidade correspondente a ¼ (um quarto) do salário mínimo, previsto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, restou modificado para ½ (meio) salário mínimo, a teor do disposto no art. 5º, I, da Lei nº 9.533/97, que autorizava o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituíssem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas, e art. 2º, § 2º, da Lei nº 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA.

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Como leciona Santos (2013, p. 128), em sua obra, na mesma linha seguiu o

entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que “o STF não retirou a

possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova”. Nesse sentido,

segue decisão de sua Quinta Turma:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DA PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. I - A assistência social foi criada com o intuito de beneficiar os miseráveis, pessoas incapazes de sobreviver sem a ação da Previdência. II - O preceito contido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no art. 203, V, da Constituição Federal. A renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade do autor. Precedentes. (...) (STJ/ Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 835.439/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ de 9/10/2006) (Grifo nosso)

O critério de concessão do benefício já não aparentava mais ser justo para

todas as famílias necessitadas, pois nem todas podiam ser por ele alcançadas. Na

mesma direção, sinalizam Mendes e Branco (2014, p. 664):

A aplicação dos referidos critérios encontrou sérios obstáculos na complexidade e na heterogeneidade dos casos concretos. Se, antes da edição da Lei n. 8742/93, o art. 203, V, da Constituição era despido de qualquer eficácia – o que a doutrina especializada costuma denominar norma constitucional de eficácia limitada -, o advento da legislação regulamentadora não foi suficiente para dotá-lo de plena eficácia. Questionamentos importantes foram suscitados logo no início da aplicação da lei. E, sem dúvida, o mais importante dizia respeito ao critério de mensuração da renda familiar per capita. O requisito financeiro estabelecido pela lei começou a ter sua constitucionalidade contestada, pois, na prática, permitia que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.

Sem embargo, o STF manteve seu posicionamento, mesmo perante as

reclamações ajuizadas para reverter as decisões que, adotando uma interpretação

sistemática das leis sobre o assunto, concediam o benefício assistencial tendo por

base outros critérios fixados por alterações legislativas posteriores, citados

anteriormente.

Foi com base nesse entendimento que o Tribunal julgou as Reclamações

Constitucionais de nº 2.323/PR, publicada no DJ em 20/05/2005, cujo relator foi o

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Ministro Eros Grau e a de nº 2.303/RS, de relatoria da Min. Ellen Gracie, publicado

no DJ em 04/04/2003.

Porém, nem mesmo as frequentes decisões do STF foram o bastante para

reprimir as decisões das instâncias inferiores dos casos concretos. A criatividade

interpretativa tornou-se cada vez mais aprimorada, em virtude da necessidade de

escapar da imposição jurisprudencial do STF.

A análise de casos diversos e complexos ensejou a adoção de uma

multiplicidade de critérios de concessão do benefício. Dentre eles, podemos citar o

contido na Súmula nº 20 das Turmas Recursais de Santa Catarina, aprovada em 14

de agosto de 2008, in verbis:

O benefício previdenciário de valor mínimo percebido por idoso é excluído da composição da renda familiar, apurada para o fim de concessão de benefício assistencial.

Outro preceito defendido pelos magistrados era de que os gastos inerentes à

condição do beneficiário, como alimentação e medicamentos, deveriam ser

excluídos do cálculo da renda familiar. Nesse sentido, segue julgado do TRF 4ª

Região:

[...] A condição concreta de miserabilidade é aferida pelas mínimas condições de sobrevivência da entidade familiar, observando-se as condições de moradia, alimentação, vestuário, saúde e gastos com medicamentos ou essenciais despesas extraordinárias. [...] (TRF4, AC 2003.04.01.037618-6/RS, Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Quinta Turma, j. 14/06/2005, DJU nº 106, 22/06/2005, p. 921).

Nesse diapasão, também foram sustentadas teses afirmando que a

composição do grupo familiar seria considerada a mesma contida no artigo 16, da

Lei nº 8.213/1991 e que os maiores de 21 (vinte e um) anos não seriam

considerados para fins de cálculo da renda per capita, bem como a tese de que o

benefício assistencial percebido por qualquer outro membro da família não seria

considerado para apuração da renda total.

Vejamos o que informava a redação do artigo 16, da Lei nº 8.213/1991 à

época:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) IV - a pessoa designada, menor de 21 (vinte e um) anos ou maior de 60(sessenta) anos ou inválida. (Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995)

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Diante desse novo horizonte hermenêutico, a Turma Nacional de

Uniformização (TNU) dos Juizados Especiais Federais (JEF’s) editou a Súmula nº

11, estabelecendo que o requisito financeiro de ¼ de salário mínimo não excluía a

possibilidade de concessão do benefício, caso comprovada a miserabilidade por

outros meios. Todavia, a norma foi cancelada em 24 de abril de 2006. Assim aduzia

o dispositivo:

A renda mensal, per capita, familiar, superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º da Lei nº. 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante.

Insta salientar que já era entendimento do STJ de que, além do critério de ¼

do salário mínimo, o juiz podia se valer de outros elementos de prova para se

constatar a miserabilidade do requerente, conforme abaixo:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO RECEBIDO POR PARENTE DO AUTOR. CÔMPUTO DO VALOR PARA VERIFICAÇÃO DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. ART. 34 DA LEI Nº 10.741/2003. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA AO BPC. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE POR OUTROS MEIOS. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O benefício de prestação continuada é uma garantia constitucional, de caráter assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo art. 20 da Lei nº 8.742/93, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal aos portadores de deficiência ou idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida pelo núcleo familiar. 2. O art. 34 da Lei nº 10.741/2003 veda o cômputo do valor do benefício de prestação continuada percebido por qualquer membro da família no cálculo da renda per capita mensal. 3. A Terceira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família. 4. Recurso especial a que se dá provimento. (REsp 841.060/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 12/06/2007, DJ 25/06/2007, p. 319). (Grifo nosso)

A Autarquia Previdenciária, tendo por sustentáculo a ADI nº 1.232/DF,

permaneceu ajuizando uma enxurrada de reclamações constitucionais e recursos

extraordinários perante a Suprema Corte.

Em meio a tantas controvérsias, a partir do ano de 2006, decisões

monocráticas dos ministros da Corte Maior passaram a reconsiderar seu

entendimento acerca do assunto. Diante da dificuldade de apresentar uma mudança

súbita da ideologia firmada na ADI nº 1.232/DF, bem como nas Rcl nº 2.303/RS e nº

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2.323/PR, os Ministros passaram a se utilizar de estratégias para não conhecer das

reclamações.

Foi o que fizeram os Ministros Celso de Mello, Ayres Britto e Ricardo

Lewandowski no julgamento das Rcl nº 4.422/RS (DJ 30.06.2006), Rcl nº 4.133/RS

(DJ 30.6.2006) e Rcl nº 4.366/PE (DJ 01.06.2006), ocasião em que negaram seu

seguimento sob o argumento de que esta via processual não era apropriada para o

reexame fático-probatório em que teve alicerce a decisão reclamada para comprovar

a miserabilidade e conceder o benefício assistencial sem atender ao estabelecido no

§3º do artigo 20, da LOAS.

A partir do ano de 2007, os Ministros após muitas reflexões passaram

indeferir as pretensões cautelares do INSS, mantendo as decisões de primeira

instância que concediam o benefício assistencial em situações de manifesta

miserabilidade social. Nesse sentido se deu o voto do Min. Gilmar Mendes na Rcl nº

4.374/PE (DJ 04.09.2013).

No intuito de firmar seu novo entendimento, o STF ouviu o Governo, os

requerentes e entidades interessadas na causa. Em sua decisão, indicou que o

benefício deve ser suficiente para garantir o mínimo existencial dos seus

destinatários. Essa assertiva está fundamentada no artigo 1º, inciso III, da Lei

Fundamental, que considera a dignidade da pessoa humana como inviolável e

obriga todos os poderes do Estado a observá-la e protegê-la.

Entretanto, foi em 2008 que o STF reconheceu a repercussão geral referente

à concessão do BPC, no RE nº 567.985/MT (cujo Relator era o Min. Marco Aurélio).

Posteriormente, a sessão foi suspensa por pedido de vista do Min. Luiz Fux, sendo

retomado o julgamento do RE nº 567.985/MT junto com o RE nº 580.963/PR em

2012.

Nessa ocasião, finalmente o STF, em 18 de abril de 2013, reconheceu e

declarou incidentalmente no RE nº 567.985/MT a inconstitucionalidade parcial do §

3º, do artigo 20, da LOAS, sem pronúncia de nulidade, por entender que tal critério

estabelecido na mencionada lei estaria defasado para caracterizar a condição de

miserabilidade para concessão do benefício de prestação continuada. Vejamos:

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E AO DEFICIENTE. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO. A LEI DE ORGANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS), AO REGULAMENTAR O ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ESTABELECEU OS CRITÉRIOS PARA QUE O BENEFÍCIO MENSAL DE UM SALÁRIO MÍNIMO SEJA CONCEDIDO AOS PORTADORES DE

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DEFICIÊNCIA E AOS IDOSOS QUE COMPROVEM NÃO POSSUIR MEIOS DE PROVER A PRÓPRIA MANUTENÇÃO OU DE TÊ-LA PROVIDA POR SUA FAMÍLIA. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (STF/ RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013)

Acerca do processo de inconstitucionalização desse dispositivo, vejamos

trecho do voto do Ministro Marco Aurélio, no julgamento do aduzido RE nº

567.985/MT:

Ao fixar-se apenas no critério “renda”, o legislador olvidou outros elementos do mundo dos fatos que são relevantes para o exame do parâmetro “miserabilidade”. Por exemplo: uma família com duas ou três pessoas deficientes, além de diversos idosos com situação de saúde debilitada, possui maiores necessidades que uma família composta por apenas um idoso. Observem que, de todo modo, a legislação proíbe a percepção simultânea de mais de um benefício de assistência social – artigo 20, § 4º, da Lei nº 8.742, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei nº 12.435/2011. Mostra-se patente que o artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, embora não seja, só por si, inconstitucional, gerou situação concreta de inconstitucionalidade. (Grifo nosso)

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Sobre a nova compreensão do STF acerca da temática, decorrente de

mudanças fáticas e jurídicas dos patamares econômicos utilizados com parâmetros

de concessão de outros benefícios assistenciais, afirmam Mendes e Branco (2014,

p. 675):

A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei 8742/93) demonstra que o Supremo Tribunal federal reconheceu o processo de inconstitucionalização desse artigo. [...] O tribunal considerou que esse critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade que a Constituição buscou tutelar, o que corrobora as considerações precedentes.

Contudo, nesse julgamento também não foi atingido o quorum especial de

2/3 dos votos favoráveis à modulação dos efeitos da decisão para que a norma

tivesse validade até 31/12/2015, fato que ensejou sua produção de efeitos somente

entre as partes do processo.

Destarte, os idosos e pessoas com deficiência necessitados continuam a

testemunhar o indeferimento de seus benefícios assistenciais em virtude de um

critério objetivo legal de concessão defasado e injusto. E, consequentemente,

precisam manejar ações judiciais para aguardar durante longos e sofridos anos o

trânsito em julgado de uma sentença na busca da retração de sua miséria e do

aumento de sua dignidade, e infelizmente na incerteza se ela lhe será favorável.

5.1 DA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A dignidade da pessoa humana é um dos alicerces da República,

constituindo o mais importante dos fundamentos, pois, além de iluminar a

interpretação das leis ordinárias, detém um conteúdo valorativo imensurável. Ela

está prevista no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana;

Dotada de um valor supremo do Estado democrático de direito, ela orienta a

interpretação e aplicação de todos os direitos fundamentais, reconhecendo a

prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa e em ser

compreendido como o centro e o fim do direito. Constitui no entendimento de

Moraes (2013, p. 61):

[...] um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria

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vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

A doutrina indica que direitos fundamentais como direito a vida privada,

intimidade, honra, imagem, incolumidade física, condição digna de trabalho e saúde,

dentre outros, são corolários da consagração da dignidade da pessoa humana como

fundamento da República Federativa do Brasil.

Piosevan (2003) afirma que todo ser humano possui uma dignidade que lhe

é inerente, incondicionada e que independe de qualquer critério, senão apenas ser

humano.

Dessa forma, o princípio da dignidade da pessoa humana apresenta-se

como uma norma direcionadora de um fim a ser alcançado, uma diretriz de atuação

para o Estado, ditando os deveres para a promoção dos meios necessários a uma

vida humana digna. Na acepção de Sarlet (2002, p. 22) ela representa:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Diante de sua notória importância, a dignidade foi reconhecida como

inerente a todos os membros da família humana e como fundamento da liberdade,

da justiça e da paz no mundo, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos,

adotada e proclamada pela Resolução nº 217, A, da Assembleia Geral das Nações

Unidas, em 10 de dezembro de 1948.

Acresça-se que a dignidade da pessoa humana como preceito ético e

fundamento constitucional requer do Estado respeito, proteção e garantia de

efetivação dos direitos dela decorrentes. Dessa forma, todo ser humano é sujeito de

direitos e deveres e como tal deve ser tratado.

Percebe-se que a Lei Orgânica da Assistência Social, ao prever o critério

objetivo e “engessado” de aferição de renda familiar no valor inferior a ¼ de salário

mínimo mensal por pessoa, viola diretamente esse princípio, uma vez que a não

observância do caso concreto, dos gastos reais de cada grupo familiar pode

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culminar em famílias em condições de patente miserabilidade excluídas da

assistência social.

O fato de possuir uma renda mensal por pessoa que ultrapasse o limite

supramencionado não significa que a família disponha de uma confortável situação

financeira, uma vez que ela pode necessitar arcar com despesas essenciais, em

razão da deficiência ou idade avançada.

É de bom alvitre acrescentar que dependendo da situação do beneficiário,

esses custos que pela legislação em vigor não são considerados, podem sujeitar a

família ao desembolso de quantias desmoderadas que se deduzidas da renda total e

calculada a renda per capita, implicam um valor bem inferior a ¼ de salário mínimo

por indivíduo, estando abaixo do mínimo existencial vital que o Estado deve

proporcionar, caracterizando o estado de penúria.

Quando nos referimos ao mínimo existencial, estamos versando sobre

assunto intrinsecamente ligado à realização dos direitos fundamentais, que retrata a

concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Embora seja fruto de

uma conquista histórica, o reconhecimento e promoção da dignidade exprimem uma

construção da razão, apontam um dever ser. Significa que ela não pode ser violada,

devendo ser protegida e promovida.

Os direitos fundamentais, mormente os sociais contidos no artigo 6º da

Carta Magna de 1988, são, nessa situação, a manifestação do conteúdo da

dignidade humana e a sua concretização efetiva nas instituições sociais. Dessarte, a

partir da dignidade, como fundamento constitucional, que se justifica e até mesmo se

impõe o reconhecimento do direito ao mínimo existencial.

Consequentemente, quando o indivíduo tem seu benefício negado nessas

circunstâncias, eis que junto ao indeferimento esvai-se sua dignidade; sua condição

de adquirir os medicamentos que não são disponibilizados pelo SUS; de comprar

fraldas geriátricas que, diga-se de passagem, são bastante onerosas para quem não

dispõe de muitos recursos; de custear consultas, exames ou cirurgias particulares,

vez que é dramático esperar pelo Sistema Único de Saúde que de forma penosa

insere o cidadão em astronômica fila de espera até que seja atendido; de obter a

alimentação especial etc.

Embora haja visões mais ambiciosas do alcance desse princípio, existe

razoável consenso de que ele inclui pelo menos os direitos à renda mínima, saúde

básica, educação fundamental e acesso à justiça. Infelizmente, até mesmo esses

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direitos mais básicos muitas vezes não são respeitados. Piosevan (2006, p.26), em

sua obra, dotada de clareza meridiana:

[...] as violações, as exclusões, as discriminações, as intolerâncias, são um construído histórico, a ser urgentemente desconstruído. Há que se assumir o risco de romper com a cultura da “naturalização” da desigualdade e da exclusão social, que, enquanto construídos históricos, não compõem de forma inexorável o destino de nossa humanidade. Há que se enfrentar essas amarras, mutiladoras do protagonismo, da cidadania, da dignidade e da potencialidade de seres humanos.

É lamentável que o ordenamento jurídico pátrio permaneça inalterado diante

de tanta injustiça social, demonstrada pela quantidade de ações manejadas na

justiça por pessoas humildes e necessitadas pleiteando o BPC, após o indeferimento

do benefício pelo INSS, por motivo da renda ultrapassar o limite legal, porém sem

levar em conta o real e elevado custo com produtos indispensáveis à manutenção

da sua vida e saúde.

Referendando esse raciocínio de que a legislação em vigor não traz em seu

arcabouço os elementos suficientes para a identificação e alcance de muitas famílias

necessitadas que permanecem descobertas pela Assistência Social, aduz Ibrahim

(2014, p. 14):

De fato, ainda que o legislador frequentemente utilize-se de parâmetros objetivos para a fixação de direitos, a restrição financeira pode e deve ser ponderada com características do caso concreto, sob pena de condenar-se à morte o necessitado. Ainda que a extensão do benefício somente possa ser feita por lei, não deve o intérprete omitir-se à realidade social.

Na Reclamação em que teve início a mudança de entendimento do STF,

sinalizando pela inconstitucionalidade do aduzido critério de miserabilidade,

podemos confirmar a sua afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana na

redação dos votos de alguns Ministros. Vejamos o voto da Ministra Carmen Lúcia:

[...] Quer o INSS, ora Reclamante, se considere ser a definição do benefício concedido pela sentença reclamada incompatível com o quanto decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232. Não é o que se tem no caso. Também afirma que haveria incompatibilidade entre aquela decisão e a norma do § 3º do art. 20 da Lei n. 8.742/93. Afirmo: e a miséria constatada pelo juiz é incompatível com a dignidade da pessoa humana, princípio garantido no art. 1º, inc. III, da Constituição da República; e a política definida a ignorar a miserabilidade de brasileiros é incompatível com os princípios postos no art. 3º e seus incisos da Constituição; e a negativa do Poder Judiciário em reconhecer, no caso concreto, a situação comprovada e as alternativas que a Constituição oferece para não deixar morrer à míngua algum brasileiro é incompatível com a garantia da jurisdição, a todos assegurada como direito fundamental (art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da República). Portanto, não apenas não se comprova afronta à autoridade de decisão do Supremo Tribunal na sentença proferida, como, ainda, foi exatamente para dar cumprimento à Constituição da República, de que é guarda este Tribunal, que se exarou a sentença na forma que se pode verificar até aqui. (Grifo nosso)

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Como podemos observar, a dignidade da pessoa humana, o mínimo

invulnerável que o estatuto jurídico deve assegurar e o valor que merecem as

pessoas enquanto seres humanos não estão sendo respeitados no âmbito

administrativo de concessão do benefício assistencial.

Entretanto, a atividade da Autarquia Previdenciária está vinculada ao

comando normativo, não tendo outra opção, senão o cumprimento da legislação

pertinente ao BPC.

Diante do exposto, roga-se por impreterível alteração da legislação que

regulamenta os critérios de concessão do BPC, expurgando do seu texto qualquer

dispositivo que viole o princípio da dignidade da pessoa humana.

Bem como, inserindo novos critérios que assegurem a igualdade de direitos

entre os homens, a independência e autonomia como ser humano, o acesso a meios

fundamentais para o desenvolvimento como pessoa e condições dignas de vida.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma das obrigações mais relevantes do Estado constitui amparar as classes

menos favorecidas. Ademais, sobreviver dignamente é um direito constitucional que

assiste a todos os brasileiros.

Importante frisar que a proteção social deve atingir a todas as pessoas

necessitadas e a aferição dessa necessidade deve ser observada subjetivamente,

no intuito de se alcançar a justiça social.

Discorrendo sobre o tema, realizamos nesse trabalho um estudo minucioso

acerca das condições para o recebimento do benefício de prestação continuada.

Inicialmente foram abordados o conceito e evolução da seguridade social,

bem como o segmento assistencial e sua legislação específica.

Explicitamos os requisitos para a concessão do benefício assistencial da

LOAS, com especial atenção e críticas ao critério de miserabilidade legal adotado

para sua concessão. Exigência que cerceia seu acesso a muitas pessoas de fato

necessitadas, implicando condições de vida de extrema pobreza.

Por conseguinte, após demonstrar a inconstitucionalidade do referido

critério, demonstramos o entendimento dos magistrados, os quais adotam visão

humanitária no que concerne à concessão do BPC por via judicial.

Percebemos que a pretensão do Poder Judiciário é a de que o BPC cumpra

sua finalidade social de erradicação da fome e da miséria entre os idosos e as

pessoas com deficiência que não possuam outros meios de sobrevivência.

No entanto, para que essa pretensão seja alcançada de uma maneira mais

célere já na esfera administrativa, sem a necessidade de recorribilidade ao Poder

Judiciário, faz-se mister que ocorram alterações legislativas tanto na LOAS quanto

no Estatuto do Idoso, com o desígnio de afastar as inconstitucionalidades

atualmente presentes nesses ordenamentos jurídicos.

Nesse sentido, propomos que o Congresso Nacional edite lei ordinária

alterando o artigo 20, § 3º da Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993 (Lei

Orgânica da Assistência Social), modificando o critério objetivo de aferição de renda

de ¼ para ½ salário mínimo.

Por conseguinte, que seja inserido um critério possibilitando a exclusão de

gastos comprovados com medicação, alimentos, higiene pessoal e outros gastos

relacionados à condição de deficiente/idoso para serem deduzidos do valor total da

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renda familiar e, consequentemente, calculado o valor per capita para que se

conceda o benefício ao requerente.

Alvitramos ainda que, nessa alteração legislativa, seja inserido no artigo 20,

da LOAS, mais um parágrafo constando que no cômputo da renda familiar per capita

para fins de concessão do BCP, deve ser excluído qualquer benefício assistencial já

concedido a algum membro da família, quer seja de idoso, quer seja de deficiente.

Do mesmo modo, que não seja computado qualquer benefício de natureza

previdenciária no valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da

família. E que seja expressamente revogado o parágrafo único do artigo 34, da Lei

nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso).

Diante do exposto, deduz-se que para se aproximar da justiça social é

necessário que cada ser humano, independente de condição física, mental ou etária,

tenha o direito de experimentar viver com dignidade, e essa alteração legislativa

garantirá um acesso mais imediato a uma vida digna aos necessitados.

Por fim, o desiderato desta obra é de que as controvérsias que circundam o

tema sejam dissipadas e que o assistido não tenha mais o seu direito cerceado em

virtude de um critério defasado e que não atende aos ditames da justiça social.

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