FANTASIA E GOZO: UM RECORTE POSSÍVEL NO … Zenni de... · perversão como a positivação da...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSO PSICANÁLISE E LINGUAGEM: UMA OUTRA PSICOPATOLOGIA FANTASIA E GOZO: UM RECORTE POSSÍVEL NO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE A PSICOSE E A PERVERSÃO JÚLIA ZENNI DE CARVALHO GUERREIRO Orientadora: Sandra Dias Monografia apresentada como parte dos requisitos para o certificado de Especialização São Paulo 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSO

PSICANÁLISE E LINGUAGEM: UMA OUTRA PSICOPATOLOGIA

FANTASIA E GOZO: UM RECORTE POSSÍVEL NO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE A PSICOSE E A PERVERSÃO

JÚLIA ZENNI DE CARVALHO GUERREIRO

Orientadora: Sandra Dias

Monografia apresentada como parte dos requisitos para o certificado de Especialização

São Paulo

2008

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DEDICATÓRIA

Ao meu amor,

próximo ou distante...mas sempre por perto.

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JÚLIA ZENNI DE CARVALHO GUERREIRO: Fantasia e gozo: um recorte possível no

diagnóstico diferencial entre a psicose e a perversão. 2008

Orientadora: Sandra Dias

Palavras-chave: fantasia, gozo, psicose, perversão

RESUMO

O presente trabalho objetiva caracterizar a psicose e a perversão como estruturas

clínicas constituídas a partir da posição do sujeito diante da falta. O estudo faz um percurso

nas obras de Freud e Lacan, apresentando suas contribuições acerca da construção do conceito

de fantasia e gozo, respectivamente no primeiro e segundo capítulos. A terceira parte do

trabalho compreende uma apresentação a respeito da caracterização estrutural da psicose,

seguida, no capítulo seguinte, pela discussão com relação à perversão. A última seção

desenvolve a idéia de uma articulação possível entre a fantasia e o gozo como elementos

importantes e essenciais na configuração do diagnóstico diferencial entre as duas estruturas

trabalhadas anteriormente: a psicose e a perversão.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------------- 01

1 – Fantasia: de Freud a Lacan -------------------------------------------------------- 04

1.1 – As Primeiras noções 04

1.2 – A Grande virada 12

1.3 – Os Acréscimos de Lacan 15

1.4 – A teoria da sedução e seus desdobramentos 21

1.5 - Últimas observações 23

2 – Gozo: de Freud a Lacan -------------------------------------------------------------- 31

2.1 – Os termos Wunsch e Lust 31

2.2 – O Gozo em Freud 33

2.2.1 As contribuições de “Além do Princípio do Prazer” (1920) 34

2.3 – Do Indizível ao submetimento à Lei do desejo 47

2.4 – O gozo fálico e o Outro gozo 52

3– Sobre a Psicose ----------------------------------------------------------- 54

3.1 – Primeiras notas 54

3.2 – A forclusão do significante e o fenômeno psicótico 59

3.3 – A psicose e o objeto a 65

3.4 – Últimas observações 68

4- Sobre a Perversão 72

4.1 - Primeiras considerações 72

4.2 - As contribuições de “Uma lembrança de infância de Leonardo da Vinci”(1910) 73

4.3 - A Verleugnung como resposta 75

4.4 - Acerca da perversão 80

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5- Fantasia e gozo: possibilidades no diagnóstico diferencial 88

5.1 – Retorno à pulsão 88

5.2 - Real, fantasia e objeto a 89

5.3 - Acerca da psicose 92

5.4 - As contribuições de “Bate-se uma criança”(1919) 101

5.5 - Acerca da perversão 107

5.6 - As contribuições de “Kant com Sade”(1998) 112

PALAVRAS FINAIS ------------------------------------------------------------------------------------- 122

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -------------------------------------------------------- 126

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O presente trabalho é fruto de indagações e questionamentos surgidos a partir de um

caso trabalhado em supervisão. Trata-se de um atendimento realizado, por um período de,

aproximadamente, um ano por uma colega da equipe. Diante do relato do caso, buscava-se

sempre recortar cenas importantes da vida deste sujeito. Mediante algumas passagens ao ato e

sua posição na cena fantasmática, inferia-se sua posição subjetiva diante o desejo do Outro e,

assim, a configuração de sua estrutura clínica. Se tratava de uma psicose ou de uma

perversão?

Outro motivo presente na construção deste trabalho, é a pequena quantidade de

trabalhos que levam em consideração uma aproximação entre a psicose e a perversão.

Normalmente, o que se discute muito são as relações entre a neurose e a perversão, sendo esta

última uma estrutura clínica que desvela o que se encontra velado na primeira. Além disso,

não se pode deixar de mencionar o trabalho de Freud (1905) – “Os três ensaios sobre a teoria

da sexualidade”- em que o autor aproxima essas duas posições clínicas e afirma que a

neurose é o negativo da perversão. Com Lacan, será possível inverter isso, ao afirmar a

perversão como a positivação da neurose (Braunstein, 2007).

Desta maneira, o trabalho foi desenvolvido no intuito de apresentar elementos

importantes na discussão do diagnóstico diferencial entre a psicose e a perversão.

O primeiro capítulo traz a construção do conceito de fantasia em Freud. Inicialmente,

Freud não consegue diferenciar fantasia, recordação e devaneio. Esses termos ficam confusos

e indiferenciados, sem muito critério em suas utilizações. É bem verdade que ele, antes de

1919 – “Bate-se numa criança”- , não tem instrumentos que viabilizem uma distinção

considerável entre esses termos. Este artigo será de suma importância na discussão, aqui,

proposta. Em seguida, faz-se uma apresentação da noção de fantasia em Lacan. A construção

da fórmula $ ◊ a será mencionada e discutida naquilo que é relevante para compreender como

as estruturas clínicas estão posicionadas na fórmula, assim como o posicionamento do sujeito

diante da falta e do desejo do Outro.

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O segundo capítulo retoma as noções de gozo em Freud e Lacan. É importante

marcar que apesar de conceber a noção de compulsão a repetição e nomear a pulsão de morte,

Freud não operacionalizou o gozo. Trata-se de um conceito do qual se tem indícios em alguns

casos clínicos descritos por Freud. O texto “Além do princípio do prazer” (1920) será

bastante discutido, devido sua importante contribuição na construção metapsicológica

freudiana. Ao ser retomado por Lacan, a partir da leitura dos trabalhos de Freud, o conceito

de gozo será operacionalizado; será diferenciado do desejo. O gozo estaria, assim, do lado da

Coisa, enquanto o desejo, do lado do Outro, vindo do Outro primordial.

A partir disso, o capítulo seguinte se propõe discutir o campo das psicoses. Retoma-

se alguns textos freudianos e delineia as construções posteriores advindas com Lacan.

Trabalha-se o fenômeno psicótico, suas produções delirantes e manifestações. A questão

central suscitada é a rejeição, a falta de um significante primordial que marca a estrutura da

psicose. A Verwerfung do Nome-do-Pai traz conseqüências graves ao sujeito. Diante de um

buraco, de uma falha na simbolização, o sujeito encontra-se em apuros quando demandado a

responder deste lugar. É isso que é retomado nos acontecimentos desencadeantes de uma

crise.

À perversão, foi dedicado o capítulo quatro do presente trabalho. Discute-se, neste

momento, as contribuições freudianas acerca da constituição da estrutura perversa. Alguns

textos, como “Leonardo da Vinci: uma lembrança de sua infância”(1910), “A divisão do Ego

no Processo de Defesa”(1938), “O Fetichismo”(1927) foram levados em consideração nesta

empreitada. Obviamente, não poderia deixar de constar, neste capítulo, as importantes e

fundamentais contribuições trazidas por Lacan. A Verleugnung – como mecanismo de defesa

perverso, a construção do fetiche e a transformação do desejo em vontade de gozo, constituem

alguns pontos da apresentação. Apesar de ser um texto de suma relevância, optou-se por

reservar a discussão de “Kant com Sade” (1998) para o último capítulo, tendo em vista suas

contribuições acerca da noção de objeto, além do posicionamento do sujeito frente ao gozo e

ao desejo.

Por fim, o último capítulo traz as colaborações lacanianas, tomando como referência-

primeira o artigo “Kant com Sade” (1998), conforme anteriormente mencionado. Nesta

última parte, almejou-se aproximar os ensinamentos lacanianos da clínica, a fim de viabilizar

uma configuração diagnóstica diferencial entre a psicose e a perversão. Para tal, utilizou-se

duas matrizes: a fantasia e o gozo; ambas noções muito trabalhadas e incansavelmente

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discutidas por Lacan. Foi possível articular essas “categorias” ao posicionamento do sujeito

frente à castração. Ou seja, a partir deste trabalho, chegou-se a conclusão da viabilidade de

vislumbrar a estrutura clínica, a partir do posicionamento do sujeito na fantasia e em sua

relação com o gozo. Não cabe adiantar que divergências se dão, nesta relação, entre a psicose

e a perversão. Será construído, passo a passo, as marcas e os vestígios desta distinção. É

possível apenas dizer que é viável essa diferenciação diagnóstica, utilizando como referência

o viés do gozo e da fantasia. Estes elementos trazem consigo o posicionamento do sujeito no

campo do Outro; peça fundamental na estruturação e constituição do sujeito.

De uma certa maneira, o que se propôs neste trabalho foi uma discussão inicial a

respeito do tema da psicose e da perversão. É claro que esta produção não contempla todas as

considerações relevantes a este respeito. Limitou-se a alguns conceitos principais e

fundamentais para uma primeira tentativa de se colocar a perversão e psicose frente a frente.

Tem-se conhecimento de como este campo é vasto e complexo. Trata-se apenas de um ponta-

pé inicial para futuras discussões e aprofundamentos.

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Fantasia1: de Freud a Lacan

(...) o significante, a partir do momento em que é introduzido, tem, fundamentalmente, um valor duplo. De que

modo se sente o sujeito, afetado como desejo pelo significante, na medida em que é ele que é abolido, e não o outro

que detém o chicote imaginário e, é claro, significante? Como desejo, ele se sente escorado naquilo que como tal o

consagra e o valoriza, ao mesmo tempo que o profana. Há sempre, na fantasia masoquista, uma faceta degradante

e profanadora, que indica ao mesmo tempo a dimensão do reconhecimento e o modo de relação proibido do sujeito

com o sujeito paterno. É isso que constitui o fundo da parte desconhecida da fantasia (Lacan, 1957-58, p. 255).

1.1 As Primeiras Noções

Desde seus momentos iniciais, pode-se dizer que Freud se ocupou das fantasias. É

bem verdade que nos primórdios de seu pensamento, Freud não tinha idéia da importância

que estas teriam para suas construções analíticas.

O termo Phantasie, em alemão, é utilizado para designar o mundo imaginário, as

imaginações e as próprias fantasias.

É interessante notar como a noção de fantasia vai sendo implementada na teoria

freudiana, juntamente com suas contribuições na formulação de uma metapsicologia; que

servem de apoio para o entendimento dos processos psíquicos e estruturais do sujeito.

1 É bem conhecida a discussão que há com relação à utilização dos termos e a tradução que melhor cabe para dar conta das questões que a mesma traz. Adverte-se que o objetivo do dado trabalho não é fazer uma discussão aprofundada sobre as questões terminológicas e os efeitos de tradução, mas sim discutir e tentar alcançar como a fantasia ou o fantasma podem estar articulados com a estrutura clínica do sujeito; além do mais, como ela/ele podem contribuir nas peculiaridades de um diagnóstico diferencial.

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Em seus primeiros momentos, pensando a histeria, Freud (1897) escreve em seu

Rascunho L, anexo à carta 61, datada de maio de 1897, que as fantasias constituem-se em

fachadas psíquicas que bloqueiam o caminho direto às lembranças, ou ainda, o acesso às

cenas primárias; formadas de restos ouvidos e vistos. Há que se reconhecer, aqui, sua

aproximação com os sonhos; teorização que ocorre numa fase posterior, mas que encontra

seus germes desde essa época. Freud (1897), já neste momento, afirma ser viável perseguir

todo processo de estruturação e, ainda, todos os elementos fundamentais na construção da

fantasia. Outro ponto a ser considerado são as fantasias como defesas. O autor apenas aponta,

não desenvolve, neste momento, essa noção.

Em seu Manuscrito M (1897), intitulado “A Arquitetura da Histeria”, Freud afirma

que algumas cenas são, para o sujeito, acessíveis; em compensação, outras o são apenas por

meio das fantasias. Tudo acontece como se os acontecimentos estivessem dispostos em ordem

crescente de resistência, ou seja, as cenas menos investidas estão mais próximas da barreira da

consciência do que aquelas que se encontram em grau elevado de investimento. É claro que

estas cenas não vêm à tona completamente, já que estas mantêm conexão com aquelas que

foram recalcadas mais fortemente, se é que é possível assim dizer (Freud, 1897).

De maneira simples e inicial, pode-se afirmar que as fantasias são oriundas de uma

combinação inconsciente de restos ouvidos e vividos, de maneira a tornar remota e, de certa

forma, incessível as lembranças traumáticas da qual os sintomas decorrem e emergem. É

possível comparar a constituição da fantasia a um processo químico de amálgama e

decomposição de um elemento combinado com outro (Freud, 1897). A primeira etapa

consiste numa distorção da memória por meio de uma fragmentação da relação temporal e

cronológica. É perceptível, aqui, os germes da noção de atemporalidade inconsciente que se

postulará mais adiante nos trabalhos freudianos – “O Inconsciente” (1915).

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Um fragmento da cena visual junta-se, depois, a um fragmento da experiência

auditiva e é transformado numa fantasia, enquanto o fragmento restante é ligado a

alguma outra coisa. Desse modo, torna-se impossível determinar a conexão original.

Em conseqüência da construção de fantasias como esta (em períodos de excitação),

os sintomas mnêmicos cessam. Em vez destes, acham-se presentes ficções

inconscientes não sujeitas à defesa. Quando a intensidade dessa fantasia aumenta

até um ponto em que forçosamente irromperia na consciência, ela é recalcada e

cria-se um sintoma mediante uma forca que impele pra trás, indo desde a fantasia

até as lembranças que a constituíram (Freud, 1897, p.302).

Neste mesmo artigo, ele (1897) vai marcar a diferença entre as fantasias na histeria e

na paranóia. Neste momento inicial, o que chama mais atenção é que, na última, as fantasias

são mais sistematizadas e estruturadas; enquanto, na histeria, são desarticuladas e

independentes entre si, de maneira até serem contraditórias. Este ponto constitui apenas um

acréscimo acerca do que será desenvolvido com maior rigor posteriormente. Há que se ter em

mente, apenas, que o foco principal do presente trabalho não está no diagnóstico diferencial

entre a neurose e a psicose, mas entre esta última e a perversão.

De forma sucinta, pode-se entender o funcionamento da histeria como tendo o seu

esqueleto relacionado com a reedição das cenas, umas com acesso livre, enquanto outras,

apenas por intermédio das fantasias; sendo estas frutos de coisas ouvidas e compreendidas no

“só - depois”. É interessante ressaltar o papel de defesa das fantasias, funcionando, por vezes,

como escudos protetores.

Acredita-se ainda que, apesar do processo de recalque, as fantasias e as cenas,

poderão ser, em algum momento, determinadas e caracterizadas. Esse pensamento inicial

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freudiano marca e define o trabalho em análise, construído mediante a ponte transferencial

entre o analista e seu analisando.

Outra consideração freudiana, neste momento inicial da construção teórica da

histeria, é abordar que as estruturas psíquicas afetadas pelo processo de recalque não se

constituem lembranças, mas impulsos advindos da cena primária. De acordo com essa idéia,

tanto a histeria, como a neurose obsessiva e a paranóia – esta última considerada uma

patologia neurótica neste período – compartilham os mesmos elementos em suas formações:

fragmentos de memória, impulsos (oriundos das lembranças) e lembranças defensivas e

protetoras.

(...) e percebo que a irrupção na consciência, a formação de compromissos (isto é,

sintomas), ocorre nessas neuroses em pontos diferente. Na histeria, são as

lembranças, na neurose obsessiva, os impulsos pervertidos, na paranóia, as ficções

protetoras (fantasias) que penetram na vida normal, distorcidos pela formação de

compromissos (Freud, 1897, p.296-297).

A estrutura das fantasias histéricas encontra suas marcas na constituição dos

sintomas neuróticos. As origens dessas fantasias estão nos primórdios dos devaneios e desejos

infantis, sendo estes de duas categorias: desejos ambiciosos e desejos eróticos. Essas fantasias

são realizações de desejo; desejos estes que só puderam ser satisfeitos via fantasia, já que em

realidade, se constituíam como proibidos e insatisfeitos (Freud, 1908[1907]). É possível

perceber que, neste momento, as fantasias se apresentavam como núcleo central da causa dos

sintomas. É importante marcar que ainda não há, aqui, diferenciação entre o que é da ordem

da fantasia e o que é da ordem do devaneio.

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Os devaneios podem ser de duas ordens: inconscientes ou conscientes. Quando estes

se tornam inconscientes, podem se tornar patológicos, ou seja, tomar a forma de um sintoma

ou até mesmo de um ataque histérico. As fantasias inconscientes podem ter sido sempre

inconscientes ou, podem ter sido conscientes, passando para o inconsciente pelo processo do

recalque. Seu conteúdo pode, ou não, ter sofrido modificações significativas. É importante

mencionar que as atuais fantasias inconscientes são frutos de devaneios conscientes. Há uma

ligação relevante entre as fantasias inconscientes e o que se refere às questões sexuais do

sujeito, já que

(...) é idêntica à fantasia que serviu para lhe dar satisfação sexual durante o período

de masturbação. Nesse período, o ato masturbatório (...) compunha-se de duas

partes. Uma era a evocação de uma fantasia e a outra um comportamento ativo

para, no momento culminante da fantasia, obter autogratificação (...)

Originalmente, o ato era um processo puramente auto-erótico que visava obter

prazer de uma determinada parte do corpo, que pode ser denominada de erógena.

Mais tarde, esse ato fundiu-se a uma idéia plena de desejo pertencente à esfera do

amor objetal, e serviu como realização parcial da situação em que culminou a

fantasia. Quando, posteriormente, o sujeito renuncia a esse tipo de satisfação,

composto de masturbação e fantasia, o ato é abandonado, e a fantasia passa de

consciente a inconsciente. Se não obtém outro tipo de satisfação sexual, o sujeito

permanece abstinente; se não consegue sublimar sua libido – isto é, se não consegue

defletir sua excitação sexual para fins mais elevados – estará preenchida a condição

para que sua fantasia inconsciente reviva e se desenvolva, começando a atuar, pelo

menos no que diz respeito a parte de seu conteúdo, com todo o vigor de sua

necessidade de amor, sob a forma de sintoma patológico (Freud, 1908[1907], p.

150-151).

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Neste sentido, devaneios inconscientes estão na fonte da manifestação dos sintomas,

inclusive, os histéricos. Pode-se dizer que esses sintomas histéricos nada mais são que

fantasias inconscientes que vêm à tona. Sendo os sintomas de ordem somática, tem-se que

suas manifestações motoras e sensações sexuais advêm dos devaneios quando estes ainda

eram inconscientes. Ao investigar a histeria, em vez do interesse se focar nos sintomas

referentes, o foco terá de ser nas fantasias que lhes deram origem. Sendo, os sintomas

histéricos são senão substitutos, que aparecem por meio conversivo, do retorno das vivências

traumáticas experenciadas pelo sujeito; estão a serviço da obtenção de prazer e são

compromissos entre dois impulsos afetivos e instintuais divergentes, um dos quais busca

satisfazer uma pulsão sexual inconsciente, enquanto o outro tenta recalcá-lo. A Psicanálise

possibilita intervir nesses sintomas e deles extrair suas fantasias motivadoras e, então,

devolvê-las ao sujeito. A partir da clínica, foi possível inferir que o conteúdo fantasístico dos

histéricos compunha a realização, no real, da satisfação no caso dos pervertidos2.

Esse método de investigação psicanalítica, que dos sintomas visíveis conduz às

fantasias inconscientes ocultas, revela-nos tudo o que é possível conhecer sobre a

sexualidade dos psiconeuróticos (...)Provavelmente devido às dificuldades que as

fantasias inconscientes encontram em seus esforços de expressão, a relação das

fantasias com os sintomas não é simples, mas, ao contrário, bem complexa. Via de

regra, quando a neurose está plenamente desenvolvida e persiste há algum tempo,

um determinado sintoma não corresponde a uma única fantasia inconsciente, mas a

várias fantasias desse gênero, e essa correspondência não é arbitrária, mas obedece

a um padrão regular (Freud, 1908 [1907], p. 151-152).

2 Esse é um ponto importante que será desenvolvido ao longo do trabalho.

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Há que se considerar duas características importantes com relação às fantasias. A

primeira é que são construídas diante de uma insatisfação. São os desejos não-satisfeitos que

possibilitam a formação dos devaneios. Diante disso, é possível pensar que, sendo assim, as

fantasias são, em sua essência, a realização de um desejo, uma espécie de “modificador da

realidade” antes insatisfeita e, posteriormente, adequada à satisfação e à experiência

prazerosa. A outra característica a ser ressaltada é que os desejos que culminaram na

constituição de suas fantasias são de ordem infantil e proibida (Freud, 1908[1907]).

Em “Escritores Criativos e Devaneios” (1907[1906]), Freud vai afirmar que as

causas desejantes podem ser de duas ordens: ambiciosas e eróticas. Apesar de fazer uma

pequena diferenciação de como isso está presente em homens e mulheres, Freud (1907[1906])

acentua a relevância de ter em mente que esses desejos motivadores, freqüentemente,

encontram-se unidos. Outro ponto importante é que o conteúdo do fantasiar é variável e

adaptativo às experiências vividas pelo sujeito. Dessa maneira, é possível marcar a relação

importante entre tempo e fantasia. Esta última articula passado, presente e futuro de forma

bem notória. Neste ponto, é importante refazer duas ressalvas: primeiro, quanto ao

inconsciente como uma estrutura atemporal e, segundo, a imprecisão de Freud com relação

aos termos devaneio e fantasia – comparecem, ainda como equiparados.

O trabalho mental vincula-se a uma impressão atual, a alguma ocasião motivadora

no presente que foi capaz de despertar um dos desejos principais do sujeito. Dali,

retrocede à lembrança de uma experiência anterior (geralmente da infância) na qual

esse desejo foi realizado, criando uma situação referente ao futuro que representa a

realização do desejo. O que se cria então é um devaneio ou fantasia, que encerra

traços de sua origem a partir da ocasião que o provocou e a partir da lembrança.

Dessa forma, o passado, o presente e o futuro são entrelaçados pelo fio do desejo

que os une” (Freud, 1907[1906], p.138).

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É impossível não notar a proximidade que as fantasias têm das construções oníricas,

ou seja, dos sonhos. Assim como as fantasias, os sonhos também se constituem como

realizações de desejo. Quando obscuro, o significado desses últimos, nota-se a proximidade

daquilo que constitui o desejo como proibido e infantil. Neste sentido, tem-se o processo de

recalcamento que, como defesa, envia esses conteúdos traumáticos e desprazerosos para o

inconsciente. Não há como deixar de mencionar o trabalho de distorção onírica que permite

que o conteúdo, ao vencer a barreira da censura – que ignora e não percebe esse disfarce –

possa emergir para o sujeito.

É interessante marcar que o recalque não significa algo que foi dissolvido ou extinto

da memória, mas, ao contrário, algo que está sempre retornando e retomando a história do

sujeito, apesar das inúmeras dificuldades encontradas nesse processo.

Sendo,

É verdade que o reprimido3 (...) conserva uma capacidade de ação efetiva e, sob a

influência de algum evento externo, pode vir a ter conseqüências psíquicas que

podem ser consideradas como produtos da modificação da lembrança esquecida e

como derivados dela, e que, se não forem vistas por esse prisma, permanecerão

incompreensíveis (...)Tal retorno do que foi reprimido deve ser esperado com

particular regularidade quando os sentimentos eróticos de uma pessoa estão ligados

às impressões reprimidas – quando sua vida erótica sofreu as investidas da

repressão (...) quando o que foi reprimido retorna, emerge da própria força

repressora (Freud, 1907[1906],39-40).

3 É importante mencionar que ‘recalque’ seria a tradução mais precisa do termo. Contudo, optou-se por preservar ‘reprimido’, na presente citação literal, assim como nas demais posteriores, a fim de preservar a autoria da tradução na edição consultada para o presente trabalho.

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Outro ponto importante a ser considerado é que o material inconsciente só se faz

presente por meio de uma conciliação com os determinantes conscientes. Freud nomeia como

uma formação de compromisso esse mecanismo de conciliação entre as moções conscientes e

inconscientes – é necessário que cada uma delas renuncie a um quantum de satisfação. São,

assim, sempre satisfações parciais, nunca satisfações totais ou completas.

Pode-se dizer que as fantasias são substitutas e derivações de lembranças recalcadas

que não atingem a consciência, senão de maneira transformada e distorcida. Essa distorção,

também notada nos processos oníricos, se deve ao trabalho do material inconsciente que visa

ultrapassar a barreira da resistência e da própria censura. Por meio desse compromisso,

resíduos inconscientes podem ultrapassar esse limite, sem que sejam impedidos de chegar à

consciência.

1.2 A Grande Virada

Em qualquer momento ou situação em que se fale de fantasias, será quase impossível

não se ouvir alguma citação ou referência com relação ao importante texto freudiano, datado

de 1919, “Bate-se numa Criança”.

Apesar de seu percurso já feito com relação a teoria da fantasia, Freud ainda não

conseguiu precisar a diferença entre devaneio, fantasia e recordação. Será somente com este

texto de 1919 que estas noções ficarão claras.

Optou-se por fazer uma retomada cautelosa das características abordadas nesse

artigo, tendo em vista sua importância na constituição da obra freudiana e no meio

psicanalítico; além do que, a utilização das idéias nele apresentadas que serão tanto quanto

úteis no desenvolvimento, compreensão e discussão do presente trabalho.

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É muito comum que uma dada fantasia esteja presente no tratamento de casos

neuróticos: uma criança é espancada. Esta fantasia traz consigo sensações prazerosas e, por

vezes, satisfações masturbatórias percebidas nos genitais. Neste sentido, a fantasia encontra-

se investida com um alto teor prazeroso e teria sua descarga de cunho satisfatório e auto-

erótico. Inicialmente, isto ocorre com certa aceitação do paciente sendo transformada,

posteriormente, em algo involuntário e com características de ruminação.

A fantasia não é confessada com tranqüilidade e, muito menos, com freqüência. A

primeira vez que comparece, traz consigo a marca da dúvida, da incerteza, da vergonha e da

culpa. De acordo com Freud (1919) esta fantasia tem seu aparecimento datado antes mesmo

que a criança entre na escola.

É interessante ressaltar que, por vezes, a fantasia ‘uma criança é espancada’ surge

com outras atribuições, como: ‘uma criança está sendo espancada e estão lhe batendo no seu

traseiro nu’.

Uma fantasia dessa natureza, nascida, talvez, de causas acidentais na primitiva

infância, e retida com o propósito de satisfação auto-erótica, só pode, à luz do nosso

conhecimento atual, ser considerada como um traço primário de perversão. Um dos

componentes da função sexual desenvolveu-se, ao que parece, à frente do resto,

tornou-se prematuramente independente, sofreu uma fixação, sendo por isso,

afastadas dos processos posteriores de desenvolvimento, e, dessa forma, dá

evidência de uma constituição peculiar e anormal do indivíduo. Sabemos que uma

perversão infantil desse tipo não persiste necessariamente por toda a vida; mais

tarde pode ser submetida à repressão, substituída por uma formação reativa ou

transformada por meio da sublimação (...) Se esses processos, contudo, não

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ocorrem, a perversão persiste até a maturidade; e sempre que encontramos uma

aberração sexual nos adultos (...) temos motivos para esperar que a investigação

anamnésica revele um evento (...) que conduza a uma fixação na infância (Freud,

1919, p. 197-198).

É no período infantil que a libido é despertada perante situações reais e se articulam,

posteriormente, a determinadas questões na vida do sujeito. As fantasias de espancamento que

estão sendo tratadas aqui comparecem mais tarde, mais ao final desse período; estas sofrem

desenvolvimentos e modificações em amplos aspectos, principalmente, no que diz respeito ao

autor da fantasia, ao objeto, conteúdo e sentido.

A primeira etapa da fantasia de espancamento reside de épocas muito anteriores,

localizadas na infância. A criança batida não coincide com a que fantasia. A criança

espancada é uma menina ou um menino – irmãzinha ou irmãozinho. Não há relação direta

entre o sexo da criança que fantasia e daquela que é objeto. Neste sentido, não se trata de

atribuir um caráter masoquista nem sádico a dada fantasia, já que autor e objeto não

coincidem. O autor do espancamento não é revelado neste primeiro momento. O que se tem é

que não se trata de uma criança, mas sim de um adulto. Essa primeira etapa pode ser

representada pela sentença: ‘o meu pai está batendo na criança’.

Algumas mudanças ocorrem até a construção da próxima fase. É certo que o autor da

cena continua sendo um adulto – o pai – mas a vítima sofre uma correção. Não se trata de

uma criança qualquer, mas daquela mesma que cria a fantasia. A representação dessa fase

poderia ser assim representada: ‘Estou sendo espancada pelo meu pai’. Tem-se, aqui, uma

construção de cunho masoquista. Freud (1919) acredita que esta fase é, consideravelmente, a

mais significativa. “Pode-se dizer, porém, que, num certo sentido, jamais teve existência real.

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Nunca é lembrada, jamais conseguiu tornar-se consciente. É uma construção da análise, mas

nem por isso é menos uma necessidade” (Freud, 1919, p. 201).

A terceira etapa é similar à primeira. O autor do espancamento nunca é a figura

paterna, é alguém que não se sabe quem é, ou é algum substituto do pai como, por exemplo,

um professor. Nesta etapa, a criança que cria a fantasia está no lugar de quem observa a cena

– ‘Provavelmente, estou olhando’. Em vez de uma, agora, várias crianças (desconhecidas)

estão sendo espancadas. Além disso, a cena pode sofrer novas configurações, não mais se

tratando apenas de espancamentos, mas, também, de situações de castigos e humilhações. É

importante ressaltar o caráter sádico em questão. Tem-se como característica diferencial dessa

etapa uma considerável excitação sexual, sendo um meio para prazeres masturbatórios. O

questionamento que se levanta é como essas fantasias sádicas de espancamento tornam-se

capazes de movimentar libidinalmente o sujeito.

1.3 Os Acréscimos de Lacan

É interessante notar que se a análise chega às fantasias de espancamento, ela nos

apresenta a dinâmica da criança envolvida com o casal parental.

Os sentimentos de afeição da menina estão relacionados ao pai. Este, provavelmente,

fez de tudo para conquistá-la; ao mesmo tempo em que seus sentimentos de ódio e rancor

estão direcionados à mãe.

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Essa atitude existe lado a lado com uma corrente de dependência afetiva da mãe (...)

ou dar ímpeto a uma reação excessiva de dedicação à mãe. Não é, porém, com a

relação entre a menina e a mãe que a fantasia de espancamento está ligada. Há

outras crianças à volta (...) de quem não gosta por toda espécie de motivos, mas

principalmente porque o amor dos pais tem de ser compartilhado com elas, que,

ademais, por esta razão, são repelidas com toda a energia selvagem característica

da vida emocional nessa idade (Freud, 1919, p. 202).

Quando se trata de um irmão ou uma irmã, são desprezados e odiados pela criança;

enquanto os pais disponibilizam a esse irmão todo um cuidado e afeição – percepção essa

sempre vista pelo infans. Mais que rapidamente desenvolve-se a idéia de que ser espancado é

ser não ser amado, é ser humilhado. A concepção da cena do pai espancando essa criança

odiada é muito agradável, independente disto ter realmente ocorrido, ou não. A idéia

envolvida é ‘o meu pai não ama essa criança, ama apenas a mim’. É este o sentido da

fantasia de espancamento na primeira etapa. Neste momento inicial, ainda não há indícios de

envolvimento sexual genital com saídas masturbatórias.

O pai recusa, nega seu amor à criança espancada, irmãozinho ou irmãzinha. É por

haver uma denúncia da relação de amor e humilhação que esse sujeito é visado em

sua existência de sujeito. Ele é objeto de uma servícia, e essa servícia consiste em

negá-lo como sujeito, em reduzir a nada sua existência de desejante, em reluzi-lo a

um estado que tende a aboli-lo como sujeito. Meu pai não o (a) ama, eis o sentido da

fantasia primitiva, e é isso que dá prazer ao sujeito – o outro não é amado, ou seja,

não é estabelecido na relação propriamente simbólica. É por esse meio que a

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intervenção do pai assume seu valor primordial para o sujeito, aquele do qual

dependerá tudo o que vem depois. Essa fantasia arcaica, portanto, nasce de saída

numa relação triangular, que não se estabelece entre o sujeito, a mãe e o filho, mas

entre o sujeito, o irmãozinho ou irmãzinha e o pai. Estamos antes do Édipo, e mesmo

assim o pai presente (Lacan, 1957-58, p. 246).

É evidente que esses prazeres incestuosos vão cair por terra, ou seja, vão ser

repreendidos e recalcados. Ao serem mandados para o inconsciente, surgirá um sentimento de

culpa que trará modificações significativas na etapa posterior.

Se a fantasia do período incestuoso era marcada pela representação ‘ele ama apenas

a mim, e não a outra criança, por isso bate nela’, o sentimento de culpa vai influenciar na

configuração da segunda etapa, que será ‘não, ele não ama você, pois está batendo em você’ –

transformada, adquire um caráter masoquista. Seguindo, tem-se ‘estou sendo espancada pelo

meu pai’, uma mescla de culpa e amor incestuoso sexual.

Não é apenas o castigo pela relação genital proibida, mas também o substituto

regressivo daquela relação, e dessa última fonte deriva a excitação libidinal que se

liga à fantasia a partir de então, e que encontra escoamento em atos masturbatórios.

Aqui temos, pela primeira vez, a essência do masoquismo (Freud, 1919, p. 205).

Diferentemente do primeiro, o segundo tempo da fantasia não é recordado; será

reconstruído em análise. Nunca, de acordo com Freud, comparece como lembrança. Esse

segundo tempo encontra-se ligado ao Édipo; de uma relação da menina com o seu pai. Nesta

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fase, é ela quem é espancada pelo pai. De certa forma, isso está articulado com o desejo

edipiano da menina – de ser objeto do desejo paterno – e a culpa que isso traz – exigência de

ser espancada por isso.

Num momento posterior, depois da saída edípica, comparece uma outra

transformação. A figura do pai é alterada; transforma-se em um personagem tirano,

onipotente e ativo que exerce a ação de bater, enquanto o sujeito comparece na forma de

inúmeras crianças que são espancadas, onde independem seus sexos, femininos ou

masculinos.

Essa forma derradeira da fantasia, na qual alguma coisa é mantida, fixada,

memorizada, diríamos, permanece, para o sujeito, investida da propriedade de

constituir a imagem privilegiada na qual o que ele puder experimentar de

satisfações genitais irá encontrar seu apoio (Lacan, 1957-58, p. 247).

Na terceira etapa, a criança encontra-se como espectador, com um olhar voltado para

a cena. O pai continua como agente, podendo ser substituído por um professor ou qualquer

figura de autoridade. Outro ponto a ser considerado é que as crianças tidas, nesta fase, nada

mais são do que substitutos do próprio infans.

No primeiro tempo da fantasia, um ato simbólico ocorre. Isso é fundamental. A

relação do sujeito com o irmão ou irmã, ou ainda, com um outro rival qualquer não adquire

seu valor no campo da realidade, mas por se inscrever no registro do simbólico. Uma solução

fantasística é exigida nesse momento. O sujeito sendo abolido do campo simbólico, reduzido

a nada, a um simples objeto, desconsiderado de sua posição de sujeito desejante, recorre à

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fantasia masoquista de fustigação. Antes mesmo de qualquer relação empática do sujeito com

aquele que sofre, o que comparece, antes de mais nada, é algo que risca, barra, encerra o

sujeito, ou seja, algo que vem do próprio significante. “A fustigação não atinge a integridade

real e física do sujeito. É justamente seu caráter simbólico que é erotizado como tal, e o é

desde a origem” (Lacan, 1957-58, p. 250).

Num segundo momento, a fantasia assume outra configuração. Freud vai afirmar

(1919) que aqui se encontra a gênese do masoquismo. Conforme dito anteriormente, ‘meu pai

me bate’ não chega como lembrança. A ideia inicial ‘o rival não existe, não é nada’ é, agora,

transformada em ‘você existe, e é até amado’. E ainda,

(...) a relação que liga o sujeito a qualquer imagem do outro tem um caráter

fundamentalmente ambíguo, e constitui uma apresentação perfeitamente natural do

sujeito à báscula que, na fantasia, leva-o ao lugar que era do rival, onde, por

conseguinte, a mesma mensagem chegará a ele com um sentido totalmente oposto

(Lacan, 1957-58, p. 256).

A última etapa é caracterizada por evidenciar a relação do sujeito com o outros (a);

significando que os indivíduos estão sujeitos, em sua constituição, ao jugo de alguém.

Entrar no mundo do desejo é, para o ser humano, suportar, logo de saída, a lei

imposta por esse algo que existe mais-além (...)É assim que, num determinado

sujeito, que entra na história por vias particulares, define-se uma certa linha de

evolução. A função da fantasia terminal é manifestar uma relação essencial do

sujeito com o significante (Lacan, 1957-58, p. 252).

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É importante trazer a figura materna para este contexto. É interessante notar que a

relação mãe-criança não é formada apenas de satisfações e frustrações, mas, principalmente,

do objeto de desejo da mãe. Para ter acesso ao mundo dos significados, essa criança vai em

busca do que ela significa no desejo da mãe e de que se trata o seu próprio desejo. Neste

momento, entra em cena a função privilegiada do falo. Este é o significante-pivô em torno do

qual a construção da dialética do desejo vai se constituir.

O falo entra desde logo em jogo, a partir do momento em que o sujeito aborda o

desejo da mãe. Esse falo é velado e permanecerá velado até o fim dos séculos, por

uma razão simples: é que ele é um significante último na relação do significante com

o significado. Com efeito, há pouca probabilidade de que venha jamais a se revelar

senão em sua natureza de significante, ou seja, de que venha realmente a revelar, ele

mesmo, aquilo que, como significante, ele significa (...) desejo da mãe não é

simplesmente, nesse momento, o objeto de uma busca enigmática que deva conduzir

o sujeito, no correr de seu desenvolvimento, a rastrear esse sinal, o falo, para que

então este entre na dança do simbólico, seja o objeto preciso da castração e, por

fim, seja entregue a ele sob uma outra forma, para que ele faça e seja o que se trata

de fazer e ser. Ele o é, ele o faz, mas, aqui, estamos absolutamente na origem, no

momento, em que o sujeito se confronta com o lugar imaginário onde se situa o

desejo da mãe, e esse lugar está ocupado (Lacan, 1957-58, p. 249).

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Partindo das idéias apresentadas, Freud (1919) afirma quão importantes são no

entendimento das perversões, acrescentado a noção fundamental de que a perversão não é

algo isolado no desenvolvimento infantil, mas sim constituinte de todo e qualquer processo de

desenvolvimento, inclusive os ditos ‘normais’.

Uma perversão na infância, como é sabido, pode tornar-se a base para a construção

de uma perversão que tenha um sentido similar e que persista por toda a vida, uma

perversão que consuma toda a vida sexual do sujeito. Por outro lado, a perversão

pode ser interrompida e permanecer ao fundo de um desenvolvimento sexual normal,

do qual, no entanto, continua a retirar uma determinada quantidade de energia

(Freud, 1919, p. 207).

É importante marcar as diferenças estruturais dessas fantasias em homens e

mulheres, não sendo possível estabelecer um paralelismo completo. O que há de se ter em

mente é que, em ambos os casos, as fantasias de espancamento tem suas origens na relação

incestuosa com o pai.

1.4 A teoria de sedução e seus desdobramentos

Cabe, neste momento, uma rápida consideração. A teoria de sedução surgiu com o

propósito explicativo da etiologia das neuroses. De acordo com ela, o pai da histérica seria

alguém que a teria introduzido no campo sexual. Freud percebeu, diante alguns fatos a

impossibilidade de manter essa idéia. Em primeiro lugar, a sua auto-análise, já que teria que

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propor o seu pai como um grande perversor; um segundo argumento deu-se na necessidade de

generalizar a perversão paterna para além dos casos de histeria, tendo em vista que a patologia

histérica só se constitui diante de um acúmulo de fatos e cenas traumáticas e um

enfraquecimento da defesa do sujeito. Em 21 de setembro de 1897, Freud escreve à Fliess:

“Confiar-lhe-ei de imediato o grande segredo que lentamente comecei a compreender nos

últimos meses. Não acredito mais em minha neurótica [teoria das neuroses] ...” (Freud, 1897,

p.309). Esse manuscrito – Carta 69 - é de grande importância, tendo em vista que Freud vai

se deparar com um obstáculo relevante e que trará modificações fundamentais na construção

metapsicológica de sua teoria. O autor vai se dar conta da existência de duas realidades

distintas: a realidade objetiva e a realidade psíquica. É bem verdade que no inconsciente não

há como se distinguir realidade de ficção. Isso é um ponto de grande relevância em sua teoria,

já que, a partir desse momento, não importa o que de fato ocorreu, mas o que disso ou dessa

situação ficou marcado pro sujeito. Neste sentido, há que se considerar a existência de uma

realidade outra, de uma realidade que vai além daquela verificada empiricamente, no

cotidiano (realidade material). Propôs-se, dessa forma, uma realidade psíquica, intrínseca ao

sujeito e que poderia ser utilizada para explicar as vivências sexuais e auto-eróticas da

primeira infância. Partindo dessa noção, a fantasia sexual envolvendo os pais seria

perfeitamente possível. Com o abandono da teoria da sedução, Freud reconheceu, em toda sua

amplitude, a sexualidade na infância.

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1.5 Últimas observações

Em seu texto, Miller (2002) propõe uma segmentação clínica entre o sintoma e a

fantasia. Ele inicia afirmando que nem tudo, para Lacan, é significante; seu ponto de partida

se deu com a idéia do inconsciente estruturado como linguagem. Seu grande achado foi o

objeto a. A partir disso, modifica-se a noção do eu (Moi), de interpretação e transferência.

Lacan atrela a travessia da fantasia como término de análise. Segundo o autor (2002),

fantasia e sintoma são distinções entre significante e objeto, na medida em que o sintoma diz

de uma articulação significante, enquanto a fantasia, uma articulação com o objeto.

Entretanto, Miller acredita que há, também, algo de objeto envolvido no sintoma.

Se o paciente lamenta e reclama do seu sintoma, principalmente, quando se inicia um

processo analítico, da fantasia, quase nada se diz; e através dela obtém-se certo prazer. Dir-se-

ia: desprazer no sintoma e prazer na fantasia. Esta diz do íntimo do sujeito; por vezes, ele até

se envergonha delas, pois vai de encontro com seus valores morais. Sintoma e fantasia se

situam em lugares diferenciados.

É que geralmente tira o conteúdo da sua fantasia do discurso da perversão, coisa

que foi dita por Freud, por Lacan, e que também observamos na experiência. O fato

de que o neurótico tenha fantasias perversas não quer dizer que o seja. Um

obsessivo, por exemplo, que obtém sua fantasia do discurso da perversão, a tira do

campo de um gozo que não é o seu próprio gozo. E em geral, se mantém a uma certa

distância e preserva algo assim como ima margem de segurança com relação a suas

fantasias tirados do campo perverso (Miller, 2002, pp. 101-102).

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Freud, em seus escritos iniciais, já pensava a fantasia como recurso contra o sintoma,

sendo a primeira uma produção imaginária que se encontra à disposição do sujeito em dados

momentos.

Ao escrever o “Bate-se numa criança” (1919), Freud relaciona a fantasia com a

vivência da masturbação, sendo essa satisfação, um gozo fálico. É importante observar que

não se trata de um gozo do Outro, mas, justamente, um espaço em que ambos podem se

separar (gozo fálico e gozo do Outro).

A idéia freudiana traz a fantasia como meio de obtenção de prazer, de alcance de

satisfação. A noção lacaniana a apresenta como meio de transformar o gozo em prazer.

Nesse sentido, a fantasia tem uma função semelhante à do brincar, que é – a partir

de uma situação tanto de gozo quanto de angústia – produzir prazer. Não devemos

esquecer que a condição necessária do fort-da é a ausência da mãe. É porque esse

Outro foi embora que a criança fica em situação angustiante, da qual obtém prazer

graças à sua maquinação lúdica. É importante recordar essa ausência porque é a

ausência do Outro que presentifica e põe em evidência seu desejo. A partir disso é

que Lacan constrói sua fórmula da metáfora paterna, pois o que lá aparece como

“desejo da mãe” é algo que vem ocupar o lugar deixado anteriormente pela

ausência da mãe. Quando não está, pode-se perguntar qual é o seu desejo, que é o

que deseja. Por isso, a criança do fort-da produz essa maquinação ao se evidenciar

o desejo do Outro. Mas o que ilustra é generalizável: a fantasia é uma máquina que

se põe em ação quando se manifesta o desejo do Outro (Miller, 2002, p. 103).4

4 Isso será muito importante na distinção dos quadros psicopatológicos: psicose e perversão.

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Outra diferenciação apresentada faz referência à fantasia fundamental incitada no

segundo tempo da análise do “Bate-se numa criança” (1919); nunca comparece como tal,

como vivência; trata-se de uma marca limite do processo de análise, e que nem sempre é

alcançado num trabalho. Miller (2002) pensa a fantasia fundamental como o recalque

originário; algo que não é possível dizer e que não se finda: sempre haverá mais um. Não

cabe interpretação, mas sim, construção. É interessante notar que, ao contrário da

interpretação que é pontual e focal, a construção possibilita aberturas do discurso ao colocar o

sujeito diante de sua história; permite elaborações, ou melhor, perlaborações (Freud, 1937). O

que se espera é que na travessia da fantasia, o sujeito altere sua relação com a mesma,

modifique sua posição diante do fantasma.

Miller (2002) apresenta a fantasia em suas três vertentes: imaginária, simbólica e

real. No primeiro campo, tem-se um sujeito que pode produzir imagens, relacionados a si

mesmo ou às pessoas que estão a sua volta. Trata-se do primeiro campo problematizado por

Lacan, em que se figuram a relação a ← a’. No campo simbólico, tem-se a obediência às leis

da língua, na construção de uma história, de um roteiro. O artigo de Freud “Bate-se numa

criança” (1919) demonstra isso, ao apresentar uma fantasia que extrapola o nível de uma

frase, implicando-a em variações gramaticais, ou seja, numa elaboração gramatical. Outra

vertente é a do campo do real. Trata-se da fantasia dotada de seu quantum imodificável,

inalterável, impossível. “Por essa razão, para Lacan, o fim de análise é a conquista de uma

modificação da relação do sujeito com o real da fantasia” (Miller, 2002, p. 113).

Com relação ao sintoma, Miller propõe que a fantasia não tem a mesma característica

temporal do sintoma, ou seja, aquela se constitui como um momento, um instante, enquanto o

outro, como um tempo que retroage (Miller, 2002). Sendo, na fantasia, trata-se de

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(...) uma formulação completamente separada do resto de seu discurso. Como um

monumento isolado que entretanto é, ao mesmo tempo, matriz do seu

comportamento (...) A fantasia é como um acordeão: pode recobrir toda a vida do

sujeito e ser, ao mesmo tempo, a coisa mais oculta e mais atômica do mundo (Miller,

2002, p. 115).

No artigo freudiano (1919), percebe-se alterações na gramática da fantasia, como a

passagem do passivo para a voz ativa. Com a leitura de Lacan, a ênfase cai não sobre a

gramática, mas sim sobre outra questão simbólica: a lógica da fantasia, ou seja, a fantasia

como axioma; no sentido da articulação significante poder encontrar-se no registro do real. O

axioma é a origem do sistema e, ao mesmo tempo, o que não se altera.

Em 1908, em seu artigo “Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade”,

Freud articula de forma clara a histeria, seus sintomas clássicos com as fantasias. Propõe que

a fantasia inconsciente envolvida é determinante na constituição do sintoma. Neste sentido,

poder-se-ia pensar que o conteúdo das fantasias seria a própria constituição do material

inconsciente. Dessa maneira, esse artigo incita que a prática analítica chegaria, pelos

sintomas, às fantasias que os determinam. Apesar de inovadora, essa concepção não

diferencia o imaginário do simbólico. Lacan vai ter que se a ver, inicialmente, com a mesma

questão.

Em seus primeiros trabalhos, Lacan vai marcar o sintoma como algo do simbólico e

a fantasia como algo do imaginário. Como é sabido, Lacan, no princípio, aposta na

supremacia do simbólico. Como resolver, então, a questão de que uma imagem pode ser

prevalente para o sujeito?

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A primeira fórmula da fantasia (a ← a’) demonstra sua peculiaridade essencialmente

imaginária. Outra consideração importante é que Lacan propõe a prevalência imaginária no

sujeito devido a uma falta no simbólico. Aqui, já se percebe uma noção de uma ausência na

cadeia significante, possível de ser demonstrada em A, podendo ser preenchida com um

elemento imaginário. Uma última consideração importante desse primeiro modo lacaniano de

situar a fantasia é que, também, é a primeira vez que se consegue situar a instância

superegóica; quando ocorre uma falta na cadeia significante, advém do imaginário, a figura

do supereu.

É bem verdade que se trata da primeira forma de marcar a fantasia, embora não seja

o último. Sabe-se que: a ← a’ passa a ser $ ◊ a. Algo comparece de novo nessa outra

formulação. Apesar de já estar presente na primeira, é na segunda configuração que o objeto a

fica mais evidente e, ainda, passa de imaginário para real. Há algo muito interessante que

advém dessa nova construção: o sujeito como sujeito do significante presentificado na

fórmula da fantasia, isto é, sujeito como simbólico.

De acordo com Miller (2002), essa idéia já se encontra, de certa forma, no texto

freudiano de 1919, quando nos aponta dois componentes essenciais na formação da fantasia.

São eles: um gozo, uma satisfação advinda da zona erógena e uma representação de desejo. É

bem verdade que a própria fórmula da fantasia proposta por Lacan mostra que ambos – gozo e

representação de desejo – podem ser vistos: $ ◊ a, tais como em a, o gozo e em $, o sujeito

simbólico, do desejo.

Neste sentido, o que Lacan escreve como $ ◊ a é esse significante, lugar da fantasia

como axioma simbólico. É algo como o valor do que permanece quando a ordem

simbólica se desvanece junto com o que se pode chegar a dizer e a saber. Por isso,

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ao chegarmos ao ponto mesmo da fantasia, não estamos diante de uma mera

reticência do sujeito, e sim diante de uma falta das palavras e do saber. “Batem em

uma criança” é o título do trabalho de Freud, mas quando ele introduz a frase

completa, tal como o paciente a enuncia, vemos que é assim: “Não sei mais, batem

em uma criança”. Esse “Não sei mais” é também muito importante, e corresponde

ao que se escreve como S (A). “Não sei mais”; em uma falta do saber se aloja esse

resto simbólico, totalmente resistente, que é o axioma fantasmático (...)

Fundamentalmente, é algo posto ao princípio (...) A fantasia fundamental, para

Lacan, está ligada a uma significação absoluta. Uma separação descolada,

separada de tudo. A significação de “batem em uma criança” não tem motivação

anterior e é, em si mesma, um começo absoluto (...) (Miller, 2002, p. 135-136).

Essa articulação é paradoxal em Lacan, pois relaciona dois elementos essencialmente

diferentes em suas estruturas.

Para concluir, tem-se que a fantasia é a janela pela qual o sujeito encara a realidade;

aquilo que é tido como real é falseado, pode-se assim dizer, pela fantasia; janela perante o

indizível, ou seja, àquilo que não é representável. Quando essa fantasia não está presente, o

sujeito vai ao encontro de representações devastadoras – esse é o caso das psicoses. Pode-se

afirmar que sua apropriação se dá via enodamento. Trata-se de um sujeito imerso no gozo

mortífero do Outro, nas palavras, nas mensagens vindas desse lugar. É nesse momento que a

criança se faz objeto do desejo do Outro que, na maioria das vezes, é encarnado pelas figuras

parentais.

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(...)Objeto do desejo do Outro, destacando, especificando, um gozo para sempre

indizível, desembocando, Lacan nos diz, em quatro configurações, quatro objetos

topológicos que delimitam um furo, quatro objetos ‘a’ que a clínica revela: o seio, as

fezes, a voz e o olhar, real de um gozo do qual temos apenas o rastro nas diferentes

imaginarizações dos objetos de substituição: objetos dos roteiros dos sonhos e

devaneios, objetos fetichizados da vida erótica (...) (Tyszler, 2007, p. 102).

Diante de sua relação com o desejo, pode-se dizer que a fantasia nos mostra a própria

direção desejante; tendo em sua face defensiva, uma tentativa de mascarar o real do desejo,

em seu aspecto impossível e desprazeroso.

Uma consideração importante feita por Tyszler (2007) revela que a dimensão do

olhar, especular está sempre presente no fantasma.

Tem-se que

Há um ponto do real que escapa ao sentido e à representação, trata-se do dejeto da

operação pela qual o sujeito privilegiou tal gozo do Outro. Ele se fez boca, merda,

olhar ou voz de um gozo que o envolveu como o plano projetivo, de um gozo do qual

ele não se destacou, mas que ele não pode perceber (que ele não pode imaginar, ao

qual ele não pode dar sentido, ao qual ele não pode dar imagem). Esse objeto, esse

resíduo, é a matemática do sujeito; ele faz furo em toda enunciação, toda inclinação,

toda tentativa mesmo intelectualizada; em uma palavra, tudo que numa vida tem

peso de realidade desejante (Tyszler, 2007, p. 107).

Lacan extraiu desse contexto considerações muito relevantes na construção de sua

teoria a respeito das perversões. O artigo freudiano de 1919 será retomado em inúmeros

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momentos ao longo deste trabalho. No próximo capítulo, estarão presentes germes de algumas

questões fundamentais para a discussão do diagnóstico diferencial entre a psicose e a

perversão.

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Gozo: de Freud a Lacan

Freud não estabeleceu o conceito de gozo (Genuss) em sua obra. Utilizou, contudo, a

noção de prazer (Lust). Apesar disso, em seus casos clínicos, é possível apreciar indicações da

operatividade do gozo. É bem verdade que, para ele, o gozo é um vocábulo, mas não um

conceito. Freud não operou com ele em sua teoria.

Considerou-se relevante retomar alguns conceitos antes de prosseguir com a temática

do gozo. Optou-se por fazer uma retomada de alguns termos encontrados em Freud, a fim de

esclarecer algumas terminologias.

2.1 Os termos Wunsch e Lust

De acordo com Hanns (1996), o termo Wunsch pode ser traduzido por ‘desejo’.

Contudo, tem-se que o termo, em alemão, designa algo mais específico. Refere-se ao que é

almejado, idealizado. No que diz respeito ao imediato, ao querer, as palavras Lust (vontade) e

Wille (querer) são mais utilizadas.

Na obra freudiana, Wunsch articula-se muito à ordem representacional,

diferenciando-se de Lust (vontade, desejo, prazer) e de Begierde (desejo intenso), ou seja,

Wunsch circula nas regiões do pensamento, do sonho, da fantasia, do imaginado, do

alucinado, da loucura (Hanns, 1996).

Freud, em seus trabalhos, articula o desejo (Wunsch) à realização e a pulsão (Trieb) à

satisfação. O inverso é muito raro. O primeiro traz a idéia do idealizado, almejado; enquanto o

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segundo, traz uma idéia de satisfação da necessidade para que o sujeito não entre em

sofrimento.

A pulsão (...) é inquietante e aguilhoa o sujeito, necessitando ser apaziguada; sua

meta é obter o prazer (Lust), desconsiderando qualquer mediação. Sua expressão

mais imediata é a Lust (desejo-vontade e sensações de prazer). Sendo uma

manifestação mais direta do Trieb, o qual desconsidera a realidade, a Lust constitui-

se numa “tendência”ou “vontade” e não propriamente num “desejo. Expressa uma

verdade do corpo de forma direta, quase sem mediação do objeto (...) Enquanto Lust

é de cunho mais auto-erótico, o Wunsch se dirige a um objeto investido e imaginado,

o qual faz a triangulação entre o Wunsch e a Lust (Hanns, 1996, pp. 143-144).

O termo Lust (vontade/desejo/prazer) diverge, assim, de Wunsch (desejo), de

Begierde (“fissura”), Genuβ (fruição, prazer) e do termo ‘gozo’ (no sentido do pico de prazer,

orgasmo).

Lust designa a sensação advinda da atividade prazerosa. Está relacionada à ação e

não ao objeto em si. Diz respeito ao que brota no corpo, aquilo de mais imediato na sensação,

antes do prazer intenso do gozo.

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O prazer de Lust é diferente de gozo, no sentido de que gozo pode significar um

ápice, um orgasmo, enquanto Lust enfatiza mais o processo e a sensação de “ser

afetado/estimulado/sensibilizado corporalmente nas suas sensações”. Também é

diverso da palavra “prazer”, a qual pode descrever uma fruição plena e desdobrada

de certas sensações. A Lust permanece ligada à fronteira entre a disposição

(vontade), o “prazer antecipatório” e as sensações que começam a brotar (Hanns,

1996, p. 149).

2.2 O Gozo em Freud

Em sua obra, o termo Genuss comparece no caso clínico do Homem dos Ratos

(1909) em que o relato do suplício dos ratos é marcado por uma expressão de intenso prazer,

no auge do horror. Outro momento, é na experiência do fort-da, ao observar o seu neto; é

como se ele sentisse na dor desse par presença-ausência, uma espécie de prazer. Há outro

episódio importante que se pode notar a expressão desse júbilo na obra freudiana. Trata-se do

caso Schreber (1911) e sua transformação em um corpo feminino – emasculação.

A teoria freudiana apresenta um aparelho psíquico, com princípio regulador que visa

a satisfação e tenta evitar o desprazer, ou melhor, que almeja diminuir a tensão no aparelho,

que é sentida como desprazer. A satisfação estaria, assim, ligada ao rebaixamento da tensão e

a volta ao estado de repouso. Esse princípio regulador pode, também, ser chamado de

princípio da constância e é constituído pelo princípio do prazer/princípio da realidade. Em seu

artigo Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental (1911), Freud afirma

que as pulsões buscam satisfação imediata, contudo, a realidade lhes impõe alguns

adiamentos desse prazer. Cabe ressaltar que o prazer do qual a psicanálise trata está muito

além da necessidade, das pulsões de autoconservação.

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É verdade que a pulsão se constitui a partir da necessidade, antes de destacar-se

dela, de modo que, por exemplo, o prazer de comer pode ter como efeito em retorno

uma erotização da necessidade, que pode ser assim profundamente perturbada

(Valas, 2001, p. 19).

A experiência clínica, como anteriormente citada, demonstra algumas tensões já

vividas com intenso prazer, entrando em choque com a proposta inicial freudiana do

funcionamento do aparelho psíquico. Freud percebe isso e desfaz o paralelismo direto

prazer/rebaixamento de tensão e desprazer/tensão. Isso será retomado em seu artigo Além do

princípio de prazer (1920).

2.2.1 As Contribuições de “Além do Princípio do Prazer” (1920)

“Além do Princípio do Prazer” (1920) é um texto de suma importância na obra

psicanalítica. É um texto que vai, pela primeira vez, apresentar o conceito de pulsão de morte

e natureza pulsional da compulsão à repetição. Refere-se a este último como sendo um

fenômeno que comparece nas experiências infantis e no trabalho de análise; atribuindo à

mesma, conforme mencionado, a qualidade de pulsão. É, também, neste artigo que Freud vai

diferenciar a pulsão de vida (Eros) da pulsão de morte, embora seja somente em 1923, em seu

texto “O Eu e o Isso” que esta distinção fique melhor consolidada e argumentada.

Outros dois pontos importantes deste artigo de 1920 são: a proposta de uma nova

configuração para o aparelho psíquico e a destrutividade como possibilidade e qualidade

inerente a todo sujeito.

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Ao longo do desenvolvimento de sua obra metapsicológica, Freud deixa claro o

princípio do prazer como regulador dos processos psíquicos. Parte-se da idéia que a cada vez

que há acúmulo de energia, a tensão no aparelho aumenta e, como reação, o aparelho busca

diminuir essa retenção, evitando o desprazer e alcançar o prazer. Neste sentido, pode-se

perceber a característica econômica que este sistema engendra.

O prazer e o desprazer estariam associados ao quantum de excitação presente no

psiquismo, sendo o primeiro caracterizado pela diminuição e o segundo, pelo aumento de

tensão no aparelho. Freud coloca que, muito provavelmente, a sensação prazerosa, ou não,

deriva do nível, da magnitude, ou seja, de quanto esse nível aumentou ou diminuiu num dado

período de tempo. O aparelho, dessa forma, se manteria numa tendência de reduzir a tensão

ou deixá-la num nível constante.

(...) se o trabalho do aparelho psíquico visa a manter a quantidade de excitação em

nível baixo, então tudo aquilo que for suscetível de aumentá-la será necessariamente

sentido como adverso ao funcionamento do aparelho, isto é, como desprazeroso. O

princípio de prazer deriva do princípio de constância (...) (Freud, 1920, p. 136).

Contudo, Freud reconhece não há como afirmar a prevalência do princípio do prazer

na vida psíquica, já que, a grande parte dos processos psíquicos não são intensamente

prazerosos e nem mesmo nos conduz a ele. Em contrapartida, o que se percebe são

experiências desprazerosas e com baixos níveis de satisfação. É importante conceber, assim,

que há uma tendência significativa ao princípio do prazer na vida psíquica, mas que, ao

mesmo tempo, há forças outras que fazem o movimento em sentido contrário, nem sempre

sendo possível atingir a satisfação, o prazer.

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É interessante ressaltar que o princípio do prazer segue um modo de funcionamento

primitivo no aparelho psíquico denominado processo primário. Seria muito complicado supor

que esse funcionamento estaria de acordo com as exigências da realidade. O que ocorre é que

(...) ante as dificuldades do mundo exterior, o princípio de prazer desde o início

revela-se ineficiente e um perigo para a necessidade de o organismo impor-se ao

ambiente. Assim, ao longo do desenvolvimento, as pulsões de autoconservação do

Eu acabam por conseguir que o princípio de prazer seja substituído pelo princípio

de realidade. Entretanto, o princípio de realidade não abandona o propósito de

obtenção final de prazer, mas exige e consegue impor ao prazer um longo desvio que

implica a postergação de uma satisfação imediata, bem como a renúncia às diversas

possibilidades de consegui-la, e a tolerância provisória ao desprazer. No entanto, o

princípio de prazer continua sendo ainda por muito tempo o modo de trabalhar

próprio das pulsões sexuais, as quais são mais dificilmente “educáveis”. Assim,

sempre volta a ocorrer que, a partir das pulsões sexuais ou a partir do próprio Eu, o

princípio de prazer consegue sobrepor-se ao princípio de realidade (...) (Freud,

1920, p. 137).

É bem verdade que não se pode atribuir a esta substituição (princípio do prazer pelo

princípio da realidade) todas aquelas vivências desprazerosas e insatisfatórias. De acordo com

Freud (1920), os próprios conflitos do Eu promovem a liberação do desprazer.

Certas pulsões possuem metas intoleráveis e insuportáveis ao Eu, enquanto outras,

possuem alvos possíveis que não trariam dificuldades para o sistema. De acordo com o autor,

a solução encontrada para tal seria isolar essas pulsões que trariam consigo material

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insuportável e que poderia ocasionar danos ao aparelho. Essa separação se daria pelo processo

do recalque, mantendo em níveis inferiores esse material intolerável. A princípio, essas

pulsões ficariam impossibilitadas de alcançar suas metas, ou seja, a satisfação.

Entretanto, caso consigam (...) pelejar até chegarem por desvios diversos a obter

uma satisfação direta ou ao menos uma satisfação substitutiva, esse resultado, que

normalmente teria sido uma possibilidade de sentir prazer, será sentido pelo Eu

como desprazer (...) Em conseqüência de um antigo conflito psíquico que acabou

por resultar em um recalque, o princípio de prazer volta a sofrer uma nova ruptura

quando certas pulsões, justamente na obediência a esse princípio, tentavam obter

novamente prazer (...) Não há dúvida de que todo prazer neurótico é dessa espécie:

um prazer que não pode ser sentido como tal (Freud, 1920, p. 138).

Neste artigo, Freud tenta elucidar como se dariam os fenômenos oníricos daqueles

que sofrem de neurose traumática. Com muita freqüência, esses indivíduos sonham com o

evento traumática, com o acidente para, logo em seguida, despertar assustado e, muitas vezes,

angustiado.

Freud (1920) acrescenta que essa vivencia traumática, devido sua intensidade,

sempre retorna ao sujeito, sendo em sua vida corriqueira ou em suas produções oníricas. Ele,

segundo o autor, estaria fixado no trauma; o que pode, também, ocorrer na histeria. De acordo

com ele, os histéricos sofrem de reminiscências (Freud, 1893).

Apesar desses fatos comparecerem em sua clínica, Freud se questiona como isso

seria possível, tendo em vista sua noção-chave de que os sonhos seriam realizações de desejo

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e que, em estado de vigília, esses indivíduos não despendem de seu tempo para retomar essas

vivências traumáticas. O autor, numa tentativa explicativa, supõe tendências masoquistas

inerentes ao Eu.

Em 1924, em seu texto “O Problema Econômico do Masoquismo”, Freud trará uma

discussão significativa sobre o fenômeno do masoquismo. Em artigos anteriores tais como,

“Os Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” (1905), “Pulsões e suas Vicissitudes”

(1915) e “Bate-se numa Criança” (1919), o masoquismo é tido como uma conseqüência de

um sadismo anterior; não se considera ainda a idéia de um masoquismo primário. Esta noção

vai ser esboçada a partir do conceito de pulsão de morte debatido em seu artigo “Além do

Princípio do Prazer” (1920). É importante afirmar que se nesse momento anterior havia um

esqueleto desse masoquismo primário e, neste artigo de 1924, isso vai ser tomado como certo.

A idéia de um masoquismo inicial é fundamentada na “fusão” e “defusão” das duas

classes de pulsão: pulsão de vida e pulsão de morte. Neste intuito, o autor demonstra que esse

masoquismo erógeno conduz a duas possibilidades: uma delas pode ser chamada de

“feminina” e uma outra que pode ser denominada de “masoquismo moral”.

No início do texto, Freud faz a proposta de que seja possível pensar o princípio do

prazer não apenas como cuidador da vida psíquica, mas como cuidador da vida como um

todo. É importante dizer que o aparelho psíquico guarda a função de reduzir a zero o quantum

de excitação que a ele chega, ou, no mínimo, mantê-la num nível mais baixo possível. Essa

tendência foi chamada de Princípio de Nirvana. Neste sentido, todo desprazer deveria

coincidir com uma elevação da tensão e, por conseguinte, o prazer, como uma redução do

quantum de excitação. Sendo, o Princípio de Nirvana estaria a serviço das pulsões de morte –

seu objetivo seria passar de um estágio de instabilidade, inerente à vida, à estabilidade do

estado anorgânico.

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Nesse contexto, a função do princípio de Nirvana seria a de advertir contra as

reivindicações das pulsões de vida – isto é, da libido – que insistem em interferir no

intencionado curso da vida. No entanto, agora essa afirmação nos parece

necessariamente equivocada. Tudo indica que os aumentos e as diminuições das

magnitudes de estimulação são diretamente percebidos como uma seqüência de

sensações de tensão e obviamente há tensões que são sentidas como prazerosas, bem

como distensões percebidas como desprazerosas (...) Tivemos de nos dar conta de

que, no curso do desenvolvimento dos seres vivos, houve uma modificação que

transformou o princípio de Nirvana, associado à pulsão de morte, no princípio de

prazer. Portanto, a partir de agora não mais consideraremos o princípio de Nirvana

e o princípio de prazer como uma mesma coisa (Freud, 1924, p. 106).

Tem-se, neste sentido, que o princípio de Nirvana revela a tendência da pulsão de

morte; o princípio de prazer representa a sua mudança em reivindicação libidinal e, por fim, o

princípio de realidade, a influência externa. Eles, é bem verdade, não se destituem entre si;

eles, pelo contrário, convivem juntamente, apesar dos conflitos, por vezes, serem inevitáveis,

já que uma parte leva em consideração a redução quantitativa da excitação, outra parte, a

qualidade da diminuição dessa carga e, uma terceira, um adiamento do escoamento das

excitações acumuladas, exigindo uma aceitação temporária da tensão ocasionada pelo

desprazer (Freud, 1924).

É importante afirmar que o masoquismo se apresenta de três maneiras: erógeno,

feminino e moral. O masoquismo erógeno, ou seja, o prazer derivado da dor, embasa os

outros dois tipos. O dito moral se manifesta por uma culpa, normalmente, inconsciente. A

última forma é a mais fácil de ser observada. Trata-se de ser colocado, por exemplo, em uma

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situação tipicamente feminina, isto é, ser castrado, objeto de coito ou dar à luz. E, é

justamente, no momento de culpa no masoquismo feminino que deriva o masoquismo moral.

É importante reafirmar que o masoquismo feminino é fundamentado pelo masoquismo

primário.

A função de exercer a moralidade e a consciência moral está sob os encargos do

supereu, instância herdeira do complexo de Édipo.

Ocorre que, ao longo do tempo, as pessoas que deixaram de ser objeto das moções

libidinosas do Id passaram a atuar no supereu como instância da consciência moral.

Contudo, elas pertencem ao mundo real externo do qual, aliás, foram extraídas.

Portanto, o poder dessas pessoas – atrás do qual se escondem todas as influencias

do passado e da tradição – foi outrora para a criança uma das manifestações da

realidade mais perceptíveis. Assim, é graças a essa coincidência que o supereu,

substituto do complexo de Édipo, pode também se tornar o representante do mundo

real externo e, portanto, um modelo a ser seguido pelos esforços do eu” (Freud,

1924, p. 112-113).

No final do artigo, Freud (1924) vai fazer uma afirmação fundamental que revela que

mesmo no processo destrutivo há um quantum de satisfação pulsional e libidinal.

Depois das considerações sobre o masoquismo, voltemos às questões suscitadas no

texto de 1920 – “Além do Princípio do Prazer”.

Freud, em suas observações acerca do brincar infantil, descreveu o fort-da como um

jogo de desaparecimento e aparecimento.

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A criança estava segurando um carretel de madeira enrolado com um cordão (...)

atirava o carretel amarrado no cordão com grande destreza para o alto, de modo

que caísse por cima da beirada de seu berço cortinado, onde o objeto desaparecia

de sua visão, ao mesmo tempo que pronunciava seu ‘o-o-o-o’ significativo; depois,

puxava o carretel pelo cordão de novo para fora da cama e saudava agora seu

aparecimento com um alegre ‘da’ (Freud, 1920, p. 141).

Freud interpretou esse joguete com a renúncia pulsional que a criança conseguiu

alcançar – renúncia a satisfação pulsional, por permitir que o Outro se retirasse e, em seu

lugar, pudesse brincar de fazer “aparecer e desaparecer”. É importante notar que o fort-da

traz, em si mesmo, uma experiência que fora desprazerosa para criança – desaparecimento do

Outro (‘fort’); apesar do brincar possibilitar o “retorno”, o aparecimento do Outro (‘da’).

Freud nota que apenas um ganho de prazer poderia justificar essa brincadeira. Desta maneira,

ao repetir a vivência desprazerosa no joguete, haveria um ganho prazeroso, uma satisfação

que seria de outra ordem e, ao mesmo tempo, vinculado a esse modelo de repetição.

É relevante afirmar que a repetição, aqui, não está relacionada ao simples movimento

de jogar e recolher o carretel, mas a um movimento que vai muito além disso. Trata-se da

repetição do material recalcado e que o sujeito nem, ao menos, se dá conta. Pensa em algo que

é atual, cotidiano e não como um evento passado e que estaria sendo recordado. Neste

sentido, tem-se que, na clínica, a relação transferencial está permeada de vivências passadas

de cunho sexual infantil, ou seja, na vivência edípica do sujeito, atualizada na relação que se

estabelece com o analista. A compulsão à repetição seria, de acordo com o autor, algo muito

arcaico, elementar, inicial, puro pulsional; estaria suplantando o princípio do prazer, ou seja,

um mais além do princípio do prazer.

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Neste sentido,

(...) surge a questão de como se estabelece a relação do princípio de prazer com a

compulsão à repetição, que é a manifestação da força do recalcado. É claro que

quase tudo que a compulsão à repetição consegue fazer o paciente reviver outra vez

causa muito desprazer ao Eu, pois nesse processo as atividades de moções

pulsionais recalcadas são expostas. Mas (...) trata-se de um desprazer que não

contradiz o princípio de prazer, pois é ao mesmo tempo desprazer para um sistema e

prazer para outro (Freud, 1920, p. 145).

Outro ponto importante é que a qualidade de conservação das pulsões induz a busca

por um estado inorgânico primevo. Ao se pensar que tudo o que está vivo retorna, em algum

momento, ao inorgânico – morte – é possível afirmar que : “o objetivo de toda vida é a morte

(...) O inanimado já existia antes do vivo (...) Essas pulsões que preservam a vida na verdade

foram originalmente serviçais da morte (Freud, 1920, p. 161 - 162).

De acordo com Roza (2004), o termo pulsão poderia ser permeado por dois campos:

o do aparelho psíquico - que compreende o inconsciente, o pré-consciente e o consciente - e o

para além do princípio do prazer - que seria o próprio local das pulsões. O primeiro setor

corresponde ao campo da representação, ou melhor, o representante da representação. Trata-

se do local da ordem e da lei, constituído pela rede significante e regida pelos dois princípios

fundamentais: princípio de prazer e princípio de realidade. A pulsão encontra-se no segundo

setor, acima da ordem e da lei, para-além da linguagem: lugar do acaso, do inesperado.

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A pulsão traz consigo a marca da repetição. Ela é o que se repete. É importante dizer

que não se trata de repetição do mesmo, mas sempre de uma produção, algo do acaso, que traz

o novo, a criação e que implica em incitação de diferença (Roza, 2004). Neste sentido, o autor

recusa a idéia da pulsão de morte como uma tendência à repetição. É possível encará-la como

uma vontade de destruição, não implicando a agressividade – mesmo que esta possa ser um

efeito da primeira. Deve-se entender que isso não implica uma noção de maldade ou

crueldade.

A aceitação de uma destrutividade autônoma, não derivada da sexualidade ou não

ligada a ela, era de difícil aceitação por parte de Freud (...) O verdadeiro além do

princípio do prazer vamos encontrar (...) exposto em O Mal-estar na Cultura, sob a

afirmação da plena autonomia da pulsão de morte entendida como pulsão de

destruição (Roza, 2004, p. 133).

Tinha-se, no início freudiano, uma articulação da pulsão de morte com as pulsões

sexuais. A noção de destrutividade sempre aparecia atrelada à sexualidade e não como

destrutividade autônoma. A pulsão de morte, de acordo com a idéia concebida por Freud, era

silenciosa e invisível. Em seu texto O Mal-estar da Cultura (1930[1929]), ele reconhece a

agressividade e a destruição como fora do erótico, como não-sexual.

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Essa onipresença da destrutividade custava Freud reconhecê-la. Ou melhor, não era

tanto a sua onipresença que provocava a resistência de Freud, mas, acima de tudo,

sua autonomia. Reconhecer uma pulsão destrutiva como algo totalmente

independente da sexualidade, era reconhecer a maldade fundamental e irredutível

do ser humano. Não se trata mais de uma sexualidade que, regida pelo princípio do

prazer, lança mão da agressividade para atingir seu objetivo, mas sim de uma

disposição pulsional autônoma, originária, do ser humano (Roza, 2004, p. 134).

Ainda segundo Roza (2004), a pulsão de morte seria, para Lacan, anti-natural,

enquanto que anti-cultural, de acordo com a concepção freudiana. Isto não significa afirmar

que seu alvo era a destruição da natureza ou da cultura, mas sim no sentido de questionar

ambas, de recusar-se à insistência do mesmo, ou seja, de instigar tanto nas formas naturais

como culturais a emergência de novas produções e criações. De acordo com as noções

trazidas por Lacan, a pulsão deteria uma dimensão histórica. Em si mesma, a pulsão estaria na

posição do a-histórico. Contudo, é fundamental pensar que a pulsão só é considerada como tal

devido ao simbólico. Para que seja apreendida numa dada rememoração fundamental, é

necessária a cadeia significante, na qual esta rememoração é viável. Ao ser capturada pela

cadeia significante, a pulsão alcança sua dimensão histórica. É importante mencionar que

aquilo que não é capturado mantém-se como potência dispersa, indeterminado e não-

memorável.

Retomando a noção de pulsão de morte como vontade de destruição, Roza (2004)

propõe uma nova terminologia: potência de destruição. Essa nova denominação afasta o

equívoco no termo ‘vontade’, como também distancia a noção de ‘vontade’

schopenhaueriana. Pensar a pulsão de morte como potência destrutiva é suscitar a disjunção e

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a não-união, advinda do Eros. Por assim dizer, tem-se que a cultura marca a presença de Eros,

enquanto uma tentativa de reunião de indivíduos, anulando-se as diferenças e constituindo

uma totalidade que é a própria humanidade. A singularidade particular seria “reduzida” à

humanidade totalizante.

Ora, se entendermos o desejo como pura diferença, o projeto de Eros seria o da

eliminação da diferença e, portanto, do desejo, numa indiferenciação final que é a

humanidade. A pulsão de morte, enquanto potência destrutiva (e princípio

disjuntivo) é o que impede a repetição do mesmo, isto é, a permanência de

totalidades, provocando pela disjunção a emergência de novas formas. Ela é,

portanto, criadora e não conservadora, posto que impõe novos começos ao invés de

reproduzir o ‘mesmo’. A verdadeira morte – a morte do desejo, da diferença –

sobrevém por efeito de Eros e não da pulsão de morte (Roza, 2004, p. 136-7).

Por fim, tem-se que não tendo objeto próprio, o objeto será ofertado pela fantasia;

isto implica afirmar que a caracterização do sexual só é possível via articulação significante e

a submissão pulsional. “Anteriormente a essa submissão, o sexual carece de significado. É em

termos de significantes que o sexual vai se constituir como diferença. Não há pulsão sexual. A

sexualidade constitui-se a partir da captura das pulsões pela rede significante” (Roza, 2004, p.

144).

É necessário fazer uma última consideração a respeito deste texto freudiano tão

importante para que, assim, seja possível pensar a noção de gozo postulada por Lacan. A

pulsão, é verdade, é o próprio movimento, ou seja, aquilo que não cessa de não se inscrever; é

eterna tentativa de se satisfazer.

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A pulsão recalcada jamais renuncia à sua completa satisfação, a qual consiste na

repetição de uma experiência primária de satisfação. Todas as formações

substitutivas ou reativas, bem como as sublimações, são insuficientes para remover

sua tensão contínua. É da diferença entre prazer efetivo obtido pela satisfação e o

prazer esperado que surge o fator impelente que não vai permitir ao organismo

estacionar em nenhuma das situações estabelecidas, mas ao contrário, (...)

‘indomado, sempre impele para adiante’ (Freud, 1920, p. 165).

Um aspecto importante a se pensar são as formações do inconsciente e o retorno do

recalcado. Sendo o sintoma um exemplo, tem-se que não se trata apenas de um desejo

inconsciente que fora recalcado, mas, também, de um quantum de satisfação na manutenção

desse sintoma. Este traz em sua essência, tanto o prazer como o desprazer. De fato, na clínica,

o sujeito comparece enredado em seus sintomas, dividido entre a ambição de livra-se e as

dificuldades encontradas para tal. Isso está ligado ao aspecto inconsciente do sintoma e ao

próprio trabalho do recalque que, em linhas gerais, busca afastar o desprazer. É possível

afirmar que o quantum de prazer estaria relacionado, justamente, com a satisfação da pulsão e

a realização parcial do desejo, nesse retorno do recalcado.

Há, na vida psíquica,

(...) uma tendência à repetição, uma tendência cuja pulsação se afirma sem levar

em conta o princípio de prazer, situando-se acima dele, impondo o sujeito a prova

de uma satisfação mórbida (...) Mais-além do princípio do prazer, manifestam-se as

pulsões de morte, forças de desligamento da vida (Tânatos), que não se podem

apreender em estado puro, pois estão ligadas às pulsões de vida (Eros) (...) O fato

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de que os instintos de morte possam ser obstáculo para o princípio de prazer,

manifestando-se por fenômenos repetitivos que geram o prazer na dor, leva Freud a

encara a existência de um masoquismo primário (...) (Valas, 2001, pp. 23 - 24).

2.3 Do indizível ao submetimento à Lei do desejo

Na teoria freudiana, a neurose está marcada na vivência passiva do infans no

encontro com o sexual, com a sedução vinda de um outro5. A criança tem esse registro da

irrupção do real sexual. Essa lembrança provoca uma elevação da tensão que não consegue

ser descarregada. Dessa maneira, essa lembrança não se acopla ao sistema de representações.

Trata-se de uma lembrança traumática que é vivenciada como uma ameaça a integridade do

eu.

“É assim que a lembrança se torna traumatismo, ao mesmo tempo ferida e arma

ferina que não se pode tolerar; dor e tortura de uma memória inconciliáveis com o eu (...) O

sujeito (...) separa-se horrorizado dessa lembrança” (Braunstein, 2007, p. 21). De fato, o

recalque traz consigo um afastamento; o que há de ser lembrado é que esse afastamento é

parcial, já que o trauma não desaparece ou é esquecido, mas, pelo contrário, é eternizado.

O que ocorre é que o eu tem em si mesmo um inimigo; o desencadeante de situações

inesperadas e indesejadas se colocado em liberdade. No entanto, para mantê-lo em cárcere, é

necessário um dispêndio de energia e uma eterna luta contra esse material que insiste em

querer fugir - o que acontece quando as defesas falham. O eu vira escravo de daquele

conteúdo que ele próprio aprisionou. O traumático que antes era a experiência introduzida

pelo Outro, passa a ser a lembrança em si.

5 Optou-se por escrever “outro”, com “o” minúsculo por estar fazendo referência à obra freudiana. Com as contribuições de Lacan, sabe-se que esse “outro” estaria no lugar do “Autre”, ou seja, “Outro”.

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O paradoxo é evidente: o princípio de prazer determinou o ostracismo e a exclusão

da lembrança traumática. Para se proteger do desprazer, o aparelho decretou a

ignorância dessa presença do Outro e de seu desejo que intervém sobre o corpo de

uma criança, objeto indefeso do qual abusa para gozar. Mas, ao cindir-se como

núcleo reprimido de representações inconciliáveis com o eu, este réprobo do

psiquismo, metamorfoseado em memória inconsciente, conserva-se para sempre,

torna-se indestrutível, atrai e liga a ele as experiências posteriores e retorna,

opressivo, às vezes, nas posteriormente chamadas “formações do inconsciente”,

entre as quais o sintoma é a mais sensacional (...) O sujeito, aquele do inconsciente,

experimenta a si mesmo na tortura dessa memória recorrente que o põe em cena

como objeto da lascívia do Outro (Braunstein, 2007, p. 21-22).

Neste sentido, tem-se que na introdução do sexual, o corpo da criança é um pedaço

de carne, ou seja, passivo e indefeso diante do desejo do Outro. É objeto demandado pelo e

para o Outro. A sedução se dá nos primeiros cuidados, na relação da satisfação das

necessidades e com o submetimento do corpo e do sujeito a esse Outro desejante. É

importante observar que o sujeito vai assumir diferentes posições no desejo, assim, como no

fantasma do Outro (Braunstein, 2007). Essas considerações são de suma relevância e farão

mais sentido nos próximos capítulos, em que se apresentarão as diferenças diagnósticas no

campo da psicose e da perversão.

É possível afirmar que a sedução originária e primordial, marca o gozo no corpo do

sujeito e o prepara para o momento que será experenciado posteriormente. O gozo, como o

indizível, o excesso, o impossível será submetido à lei, à linguagem, ou seja, à castração.

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Essas formulações compreendem a primeira teorização da etiologia das neuroses. A

teoria do trauma, desse Freud inicial, apresenta o excesso desse quantum energético, dessa

carga, desse gozo inarticulável e intolerável; esse excedente que ultrapassa as leis da

representação. É a partir desse momento inicial que o conceito de gozo vai se desprender,

conceito esse que acompanhará para sempre a história da psicanálise.

A carne do infans é desde o princípio um objeto para o gozo, para o desejo e para o

fantasma do Outro. Ele deverá conseguir representar para si seu lugar no Outro, ou

seja, deverá constituir-se como sujeito passando, imprescindivelmente, pelos

significantes que procedem desse Outro sedutor e gozante e, ao mesmo tempo, inter-

ditor do gozo. O gozo fica assim confinado por essa invenção da palavra, em um

corpo silenciado, o corpo das pulsões, da busca compulsiva de um reencontro

sempre fracassado com o objeto (...) O sujeito (...) produz-se, então, como função de

articulação, de dobradiça, entre dois Outros, o Outro do sistema significante, da

linguagem e da Lei, por um lado, e o Outro que é o corpo gozante incapaz de

encontrar um lugar nos intercâmbios simbólicos (...) (Braunstein, 2007, p. 23-24).

A lei entra neste lugar de barra, de contenção do gozo. De fato, a lei se estabelece

nesse limite, nessa proibição. Freud, em sua teoria, nomeia essa interdição de complexo de

castração. Trata-se da contenção deste gozo que tem como ícone o falo. É neste sentido que se

pode afirmar que a lei que rege o prazer entra na cadeia simbólica; o caminho de entrada é via

Lei desejante. A partir da marca da falta – inscrita pela entrada no simbólico e na linguagem

via complexo de castração e metáfora paterna – é que o sujeito pode desejar. O sujeito

renuncia a esse gozo primordial em troca de uma promessa de um outro gozo; renúncia essa

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que identifica o sujeito da lei. Deste modo, a lei que viabiliza o desejo, impõe, para tal, uma

renúncia ao gozo. O gozo da Coisa se perde na imersão do sujeito na palavra.

(...) o sujeito vê-se levado, primeiro à localização do gozo em um lugar do corpo e,

segundo, à proibição do acesso a esse gozo localizado se não passar antes pelo

campo da demanda dirigida ao Outro (...) O gozo originário, gozo da Coisa, gozo

anterior à Lei, é um gozo interdito, maldito, que deveria ser inclinado e substituído

por uma promessa de gozo fálico que é consecutiva à aceitação da castração (...) O

gozo fálico é possível a partir da inclusão do sujeito como súdito da Lei no registro

simbólico, como sujeito da palavra que está submetido às leis da linguagem. O gozo

sexual faz-se assim, gozo permitido pelas vias do simbólico (Braunstein, 2007, p.

32).

Dessa maneira, pode-se afirmar que o sujeito se constitui, como tal, por estar fora

desse gozo inicial (Das Ding), não simbolizável. Em seu processo de constituição, o infans irá

se orientar pela primazia fálica, com o falo como significante e “imã” para todo o resto da

cadeia de significação e significante. Neste sentido, diz-se de uma passagem da Coisa ao falo,

ou seja, a inscrição da castração e do Nome-do-Pai. Desse processo fica, ainda, um resto.

Trata-se do resto indizível, não simbolizado; diz-se do real ao qual tenta-se apreender com os

significantes, com a linguagem; contudo, ele sempre escapa “(...) escorre e, além disso, se

produz como efeito de discurso pela própria palavra, o objeto a, o fugidio mais de

gozo”(Idem, p. 42).

Em meio a essa formulação da noção de gozo, é fundamental fazer uma breve

retomada do conceito de supereu, tendo em vista a relação estreita entre ambos. Trata-se de

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uma instância sempre atenta; que vigia e castiga aquilo que está para-além do permitido.

Aqui, as transgressões não são muito bem aceitas. De acordo com a idéia inicial freudiana, o

supereu estaria por trás de conflitos que trazem à tona o que se satisfaz e o que é da ordem do

desejo. Em acréscimo, o supereu se faz imperativo do sacrifício, do suplício para o sujeito;

como se já não bastasse, exclama, a todo momento, o seu mandado categórico: goze!

É pela presença dessa instância que a culpa comparece no campo do sexual e do

erótico. De acordo com Braunstein (2007), o supereu substitui o prazer pelo gozo. Esse

mandado de gozo faz marcas no sujeito.

(...) esse imperativo é também um chamado: você não está a serviço de si mesmo,

mas presta contas a algo que lhe é superior e que é sua causa, sua Causa. A

existência lhe é oferecida e deve prestar contas dela, ainda que não a tenha pedido,

deve oferecer sua libra de carne a um Deus inclemente. (...) E o gozo é

consubstancial ao sacrifício. Em sua oferenda é o sujeito que se oferece, se submete

ao jugo que o instala na comunidade, que o inclui dentro do vínculo social, fazendo

partícipe do clã (p. 46).

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2.4 O gozo fálico e o Outro gozo

Do gozo primeiro nada resta, a não ser sua representação, sua mitificação desde o

momento em que se foi para todo o sempre. Nunca mais será recuperado em sua formatação

original. O corpo, como reservatório inicial do gozo, vai sendo destituído deste lugar; esse

material vai deixando esse corpo e preenchendo narcisicamente o eu, através das imagens e

palavras. Tem-se, neste sentido, um gozo delimitado, submetido à lei e às imposições do ideal

do eu, do supereu, com uma errônea e pretensiosa idéia de que a Coisa possa ser recuperada.

É interessante lembrar que nada se sabe do real, a não ser por intermédio das construções

míticas viabilizadas pela linguagem.

Passa-se, assim, do gozo do ser para o gozo fálico. Deste momento primeiro, restam

apenas os objetos que se substituem na busca do encontro com essa Coisa do princípio, como

objeto absoluto do desejo, ou ainda, com essa vivência sem renúncia do gozo. Ao ser marcado

pela limitação da lei, da linguagem, o gozo passa a ter uma constituição, uma significação

fálica. Neste sentido, tem-se a inscrição significante no gozo corporal. Ao interditar o sujeito

ao gozo do corpo, à Coisa, a Lei oferta a possibilidade do sujeito aceder ao gozo que lhe é

acessível e permitido: o gozo fálico.

A renúncia ao gozo fechado e estranho da Coisa permite ao sujeito que aceita a Lei

de interdição ter acesso à função simbólica da fala no campo da linguagem. Com

isso, o gozo fálico se abre para ele, pelo meio da fala e do discurso (...) O gozo

fálico, sendo ligado à linguagem, se manifesta como uma satisfação verbal. É o gozo

do blábláblá, que se produzirá como tal no nível das formações do inconsciente

(Valas, 2001, p. 63).

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Para além dessas duas categorias em que o gozo se dispõe, há uma outra “mais-

além”, do qual a linguagem e o homem encontram-se excluídos. Trata-se do gozo feminino –

aquele não inscrito na lógica e que se aproxima do amor na ausência de limite, de borda. O

amor, de acordo com Lacan é ofertar aquilo que não se tem. É a partir dessa noção que ele

pode atravessar o emparelhamento ser/ter, numa tentativa de recobrir a falta fálica com o

amor. O gozo feminino não foi perdido pela castração, mas surgiu como um “a mais”, ou seja,

a mulher não se encontra referida, totalmente e por completo, à lógica fálica, mas a uma outra

lógica que vai além do falo e que indica um gozo a mais, excedente, sem limite.

Optou-se por apenas mencionar a categoria de gozo feminino, tendo em vista que o

interesse do presente trabalho se concentra, significativamente, nas duas primeiras categorias

trabalhadas, ou seja, no campo do gozo do ser e do gozo fálico.

Retomar-se-á essas formulações ao final do trabalho, a fim de configurar um viés

possível, juntamente, com a lógica da fantasia na disposição estrutural do sujeito nos quadros

psicóticos e perversos.

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Sobre a Psicose

3.1. Primeiras notas

Freud (1924 [1923]), no artigo Neurose e Psicose, afirma que a neurose é o resultado

de um conflito entre o Eu e o Isso, no qual o eu se coloca a serviço da realidade exterior e do

Supereu; enquanto a psicose seria uma conseqüência análoga de um conflito semelhante nas

relações entre o eu e o mundo externo. Logo depois, no texto A Perda da Realidade na

Neurose e na Psicose, Freud (1924) retoma essa questão, descrevendo tanto a neurose como a

psicose em dois momentos. Na neurose, primeiramente, há um conflito do Eu com o Isso. É

importante ressaltar a diferença que marca a instalação e a própria neurose em si. Esta última

se instaura quando

o pedaço elidido do isso ressurge e vai, por assim dizer, se chapar sobre uma outra

parte da realidade que não aquela que está em conflito com o isso. É o tempo do

fracasso do recalcamento e do retorno do recalcado que define a neurose como tal e

do qual resulta o afrouxamento das relações com a realidade (Safouan., 1991,

p.216-217).

Na psicose, por sua vez, há, inicialmente, um conflito com a realidade e é a partir

disso que surge uma ruptura dos elos com o mundo exterior. O segundo tempo se constituiria

como uma necessidade de compensação dessa perda ou como substituição dessa realidade

perdida.

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A diferenciação entre neurose e psicose comparece quando afirmamos que enquanto

na psicose a perda da realidade ocorre num primeiro momento, num tempo antes da própria

instalação, constituindo um esforço de preenchimento do vazio criado, o afrouxamento com

as relações com o mundo externo é, na neurose, o efeito de um retorno do recalcado para o

real (Safouan, 1991).

No seminário III (1955-56) – As Psicoses – Lacan sugere um retorno a Freud numa

tentativa de compreender como os fenômenos psicóticos poderiam ser compreendidos. A

princípio, toma-se a relação do sujeito com a realidade e as conseqüentes diferenças na

estrutura neurótica e psicótica.

Freud distingue a realidade psíquica e a realidade material, empírica. Ele vai afirmar

que, na neurose, trata-se da supressão de uma parte da realidade psíquica. Apesar de

esquecida, ela continua a se fazer ouvir, se impondo via uma significação própria, ou seja, via

simbólico (Lacan, 1955-56). Em compensação, na psicose, as coisas não funcionam bem

assim.

Na neurose, é no segundo tempo, e na medida em que a realidade não é plenamente

rearticulada de maneira simbólica no mundo exterior, que há no sujeito, fuga

parcial da realidade, incapacidade de enfrentar essa parte da realidade,

secretamente conservada. Na psicose, ao contrário, é realmente a própria realidade

que é em primeiro lugar provida de um buraco, que o mundo fantasístico virá em

seguida cumular (Lacan, 1955-56, pp. 56-57).

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Lacan apresentará o caso de uma paciente a fim de elucidar algumas questões acerca

da psicose.

O caso: uma certa vez, ao sair de sua casa, esta mulher cruzou com um homem no

corredor. Tratava-se de um rapaz casado, muito mal-educado e que mantinha relacionamentos

extra-conjugais com a vizinha desta paciente. Ao se cruzarem, ela diz: Eu venho do

salsicheiro. De acordo com ela, o rapaz lhe ofende, dizendo: Porca.

Lacan se indaga: “Quem será que fala?”. O que se tem é uma palavra ouvida –

porca. O que o autor considera é que ela tenha vindo do real.

(...) para o sujeito, é manifestamente alguma coisa de real que fala. Nossa paciente

não diz que é um outro qualquer atrás dela que fala, ela recebe dele sua própria

fala, mas não invertida, sua própria fala está no outro que é ela mesma, o outro com

minúscula, seu reflexo no espelho, seu semelhante. Porca é replicado toma lá dá cá

(...) Eu venho do salsicheiro. Ora, quem vem do salsicheiro? Um porco cortado. Ela

não sabe que diz isso, mas o diz assim mesmo. Esse outro a quem ela fala, ela lhe diz

de si mesma – Eu, a porca, eu venho do salsicheiro, já sou desconjuntada, corpo

espedaçado, membra disjecta, delirante e meu mundo se vai em pedaços, como eu

mesma (Lacan, 1955-56, pp. 63-64).

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Dessa maneira, é necessário e crucial se considerar a psicose como uma estrutura

clínica bastante diferente da neurose, cada uma com suas peculiaridades e especificidades.

Quinet (2003) afirma que ao falar em psicose, ao invés de psicoses, acentua-se aquela como

uma estrutura clínica que se apresenta no dizer do sujeito e que corresponde a uma forma

particular de articulação dos registros do real, simbólico e imaginário. Trata-se de uma

estrutura da linguagem, ou melhor, da relação do sujeito com o significante.

Em 1911, com a publicação do caso Schreber, Freud irá fazer algumas considerações

a respeito das questões implicadas na psicose. O autor irá descrever a formação delirante

como o retorno do que foi abolido internamente. Lacan irá retomar essa frase de Freud para

afirmar que o que é forcluído no simbólico retorna no real (Lacan, 1955-56). É baseado nisso

que o recalque se difere significativamente da forclusão6. Lacan irá propor a forclusão como o

mecanismo central da psicose.

A proposta conceitual de Lacan é a de considerar a foraclusão do Nome-do-pai como

o mecanismo específico da psicose levando-nos de imediato a duas considerações: a

primeira é que o retorno do foracluído não é a mesma coisa que o retorno do

recalcado (...) Em segundo lugar, recoloca-se no cerne a teoria psicanalítica das

psicoses a referência ao Édipo até então restrita aos mecanismos de defesa do eu (...)

O Édipo é a armadura significante mínima que condiciona a entrada do sujeito no

mundo simbólico. E é a partir da ordem simbólica que se deve pensar a questão da

psicose (Quinet, 2003, p.6-7).

6 Apesar de ambos os termos serem encontrados na bibliografia utilizada – foraclusão e forclusão – priorizou-se a apresentação deste último, neste trabalho. Contudo, respeitar-se-á a escolha dos autores nas citações literais.

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Diante da castração, ou melhor, perante a forma com que cada indivíduo lida com

esta, o sujeito irá dispor de mecanismos de defesas próprios para com este fenômeno lidar.

Com isso, pode-se pensar que a estrutura do sujeito será calcada nesta postura tomada pelo

mesmo diante da castração, juntamente com seus mecanismos utilizados defensivamente

diante o perigo.

Lacan vai postular a Bejahung como a afirmação, a simbolização primordial que

precede toda a dialética neurótica, na qual a neurose é uma palavra articulável em que

recalcado e retorno do recalcado se aproximam, ou seja, são uma só e mesma coisa (Lacan,

1955-56). Contudo, pode ocorrer que essa marca primordial, ao invés de recalcada, seja

rejeitada. Isto é, uma Verwerfung primitiva, que não viabiliza a simbolização, ocasionando

um retorno desse material do campo do real. É isso que a psicose vem mostrar.

(...) o fenômeno psicótico é a emergência na realidade de uma significação enorme

que não se parece com nada – e isso, na medida em que não se pode ligá-la a nada,

já que ela jamais entrou no sistema da simbolização – mas que pode, em certas

condições, ameaçar todo o edifício (Lacan, 1955-56, p. 102).

E ainda,

Quando, em condições especiais (...) alguma coisa aparece no mundo exterior que

não foi primitivamente simbolizada, o sujeito se vê absolutamente desarmado (...)O

que se produz então tem o caráter de ser absolutamente excluído do compromisso

simbolizante da neurose, e se traduz em outro registro, por uma verdadeira reação

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em cadeia ao nível do imaginário (...) Uma exigência da ordem simbólica, por não

poder ser integrada no que já foi posto em jogo no movimento dialético sobre o qual

viveu o sujeito, acarreta uma desagregação em cadeia, uma subtração da trama da

tapeçaria, que se chama delírio (Lacan, 1955-56, pp. 104-105).

3.2 A Forclusão do significante e o fenômeno psicótico

Retomando, o termo forclusão foi a tradução encontrada para a palavra de origem

francesa forclusion. Este termo, proposto por Lacan, foi tomado de empréstimo do

vocabulário jurídico e significa que quando, por exemplo, um processo está forclos, equivale

afirmar que não se pode apelar, por se ter perdido o prazo legal, ou seja, a exclusão de um

direito ou de uma faculdade que não foi utilizada em tempo útil. Sendo assim, a tradução é

um neologismo que se utiliza para apresentar a não inclusão e, ainda, o significante da lei que

está fora do circuito, sem deixar, no entanto, de existir, de estar, de certa forma, presente; já

que o que está forcluído do simbólico retorna no real (Quinet, 2003).

De acordo com a teoria lacaniana, o inconsciente é estruturado como uma linguagem.

Mas, a fim de que o indivíduo possa atribuir significado aos seus significantes e, assim, à sua

existência, é necessário que ele marque a sua entrada no simbólico; entendendo que a função

simbólica constitui um universo no interior do qual tudo que é humano pode ordenar-se. A

entrada do sujeito no campo simbólico se dá por intermédio do Édipo.

Segundo a teoria freudiana, a função imaginária do phallus é a questão central do

processo simbólico, que marca no ser humano a questão própria do sexo: o complexo de

castração. Este ocorre em dois tempos: na possibilidade da perda do pênis nos períodos de

masturbação infantil e, num segundo momento, na descoberta da ausência do pênis na mãe.

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Quando o complexo de castração tem resultado, há um abandono da atitude edipiana, ou seja,

o naufrágio do complexo de Édipo, o qual sucumbe ao recalque (Quinet, 2003).

O Édipo é o preço que se paga para advir como sujeito da linguagem que é, portanto,

condenado a lidar com a falta, com a castração simbólica e com o recalque,

impedindo que a verdade do sujeito jamais possa ser dita por inteiro (Quinet, 2003, p.

15).

Não pagar esse preço do comprometimento simbólico marca a entrada para o campo

das psicoses. É na articulação com o significante que se situa a questão da loucura. Assim

sendo, para Lacan, a condição essencial da psicose constitui a forclusão do Nome-do-pai no

lugar do Outro e o fracasso da metáfora paterna.

Partindo-se da idéia de que a inscrição do Nome-do-pai no Outro marca a entrada no

simbólico, é possível afirmar que a forclusão deste significante na psicose corresponde à

abolição da lei simbólica, colocando em evidência todo o sistema do significante. É a

inscrição do Nome-do Pai que permite com que o sujeito entre na linguagem e articule sua

cadeia de significantes, passando a fazer parte, assim, da cultura.

Perante essa falta de referência simbólica, o psicótico funciona no nível do registro

imaginário, onde o outro caracteriza-se como modelo de identificação imediata. Este outro é

‘incorporado’ apenas pelo registro imaginário, este último marcado pela relação especular .

A fim de que o indivíduo ingresse na ordem simbólica e exerça uma função de

sujeito, é necessário que haja a inscrição da lei no Outro. De acordo com a teoria lacaniana, o

Édipo, dito em poucas palavras, pode ser resumido ao se afirmar que o Nome-do-Pai substitui

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o desejo da mãe com o qual o pequeno sujeito se identifica como sendo seu objeto. A

conseqüência é a inclusão do Nome-do-Pai no Outro e o acesso à significação do phallus, que

possibilita o sujeito a dar significação aos seus significantes e situar-se diante da diferença

entre os sexos. A inscrição do Nome-do-Pai no Outro barra o acesso do sujeito ao gozo e

impede com que este seja objeto de gozo do Outro (Quinet, 2003).

Para aquele sujeito que atravessou as implicações edipianas, ou seja, o neurótico, o

Outro é barrado, cindido, não-absoluto, pelo fato de conter o significante da castração. O

Outro do sujeito neurótico é, assim, inconsistente e se apresenta a partir das formações

arranjadas pelo inconsciente, tais como os lapsos, sonhos, chistes. Esse Outro traz consigo a

marca da inscrição da lei, da norma – o Nome-do-Pai – que barra o gozo da mãe e a

impossibilita de considerar a criança como seu objeto. O Outro do neurótico é, nesse sentido,

esvaziado de gozo, pela intervenção da metáfora do pai. “A conseqüência da castração

simbólica é uma perda de gozo que no neurótico torna-se um gozo localizado correlacionado

a um objeto, objeto a causa do desejo” (Quinet, 2003, p. 30).

A partir da evidência levantada por Lacan da problematização da psicose como

sendo a forclusão do Nome-do-Pai e diante do buraco, deixado por este último, na ordem

simbólica, é possível afirmar que o fenômeno psicótico é o resultado da emergência e

exigência na realidade de um chamado a uma significação à qual o sujeito não pode responder

na medida em que esta jamais fez parte da sua estrutura.

Em seu artigo Neurose e psicose (1924[1923]), Freud afirma que o delírio se

constitui como um remendo no lugar em que originalmente apareceu um vazio, um buraco na

relação do sujeito com o mundo externo. A carência da metáfora paterna no simbólico

corresponde a esta fenda, preenchida via delírio, isto é, via construção de uma nova realidade

na qual o sujeito caiba.

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A forclusão do Nome-do-Pai na psicose põe em causa toda a cadeia de significantes

que assume, então, sua independência e se põe a falar, à revelia do sujeito. A lei do

significante exercerá seus efeitos sobre este e o fará falar numa língua por ele

ignorada. As alucinações objetivam o sujeito numa linguagem sem dialética que se

impõe sem cessar (...) O sujeito é senão testemunho de seu inconsciente. O Outro

como portador da lei está excluído na psicose e o sujeito (...) se encontra assim à

mercê da onipotência deste e de seus imperativos (Quinet, 2003, p. 31).

No processo de simbolização, há uma mediação entre a criança e a mãe que não se

reproduz sozinha, mas a partir da intervenção de um terceiro, que introduza a lei interditora,

proibitiva, como uma negação à reintegração da criança pela mãe e uma negação à criança

como objeto de uso e de gozo da mãe. É, neste momento, que aparece a instância paterna

como a metáfora do Pai, ou seja, aquilo que no discurso da mãe diz do pai: o Nome-do-pai.

Este significa para a criança que o desejo da mãe se encontra em um outro lugar e que ela, por

sua vez, também é subordinada a uma lei (Quinet, 2003). “A experiência do Édipo, de sua

decepção, da lei que é imposta, tudo isso revela ao sujeito que, em vez e no lugar da falta da

mãe, não existe ele próprio, enquanto falo dessa mãe, mas o pai” (Waelhens, 1972, p. 118).

É via discurso materno que o pai comparece exercendo a (dupla) proibição; ao filho:

‘não dormirás com a tua mãe’ e à mãe: ‘não reintegrarás o teu produto’. Ressalta-se que o

discurso materno só se efetiva como porta-voz da Lei, se a mãe aceita esta última. De acordo

com Lacan, esse momento de estabelecimento da Lei constitui-se sob a perspectiva de uma

metáfora, ou seja, um significante que vem ocupar o lugar de um outro significante (Lacan

apud Mucida, 1998). O pai é, dessa forma, um significante que vem substituir o significante

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do desejo da mãe que será recalcado. É importante afirmar que não se trata de um pai real ou

de uma presença efetiva, mas sim de um aspecto simbólico que marque o significante do Pai.

Este comparece como um terceiro que cerceia o elo mãe – filho. Dessa forma, o Nome-do-pai

refere-se ao pai enquanto função simbólica, e não enquanto presença real. A inclusão desse

significante no Outro inscreve no sujeito a possibilidade de sua entrada na ordem simbólica e

permite a inauguração da cadeia de significantes no inconsciente, implicando as questões

relacionadas à sexualidade e a existência desse mesmo sujeito.

Há uma diferença crucial entre um significante recalcado no sujeito e descoberto

mediante as formações de compromisso, ou seja, sob a forma de sintoma, lapso, chiste, etc, e

um significante forcluído, marca que caracteriza a psicose. É somente a submissão à Lei que

permite que o sujeito se torne um ser desejante. É por esta falta primordial que ele tornará

viável o imperativo metafórico de só poder ser, subordinando-se a esse lugar para todo o

sempre inacessível e, ao mesmo tempo, fundador (Mucida, 1998). A carência do significante

impede o psicótico a produção de um discurso. Esse buraco, ou seja, essa falta ao nível do

significante, o psicótico tenta “recuperar” via delírio e alucinação. Assim, os significantes

forcluídos não são integrados no inconsciente do sujeito; eles retornam do real, numa tentativa

de preenchimento dessa falta, desse vazio.

A psicose envolve justamente essa dificuldade relativa à castração; efeito

incontestável do reconhecimento do Nome-do-pai. Na ausência desse significante e, assim,

forcluído desse Nome, o psicótico se apresenta como um sujeito possuído pela linguagem, em

que não se coloca como sujeito de seu discurso. De acordo com Lacan, ele não fala, ele é

falado. “Se é falado, ele não produz, efetivamente, um discurso enquanto um campo no qual o

emissor emite uma mensagem ao receptor, referenciando-se no objeto. O psicótico é a

referência e o objeto de sua fala” (Mucida, 1998, pp. 87-88).

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A base simbólica efetiva, como já anteriormente assinalado, advém do Édipo. Na

questão psicótica observa-se forcluída a castração simbólica e, conseqüentemente, o pai, ou

melhor, o Nome-do-pai. A hiância que comparece no pólo Nome-do-pai tende a ser

preenchida pela metáfora delirante. Dessa maneira, esta comparece no real como forma de

suprir esta hiância advinda da forclusão do Nome-do-pai. É necessário afirmar que a própria

metáfora delirante induz um quantum de estabilização do delírio, permitindo-lhe uma certa

restauração da ordem simbólica (Mucida, 1998).

Freire (2000) afirma que “a psicose é a encarnação do real como impossível” (p. 56).

Este impossível enquanto impossibilidade de circunscrever, de simbolizar a diferença sexual,

na medida em que não há na linguagem, ou no simbólico, um representante que acople e

aborde a diferença sexual ou que demarque o lugar que o sujeito deve ocupar diante da

diferença sexual.

Perante esta não possibilidade, alguns sujeitos reagem a essa não garantia não

aceitando um pai que, visto de uma forma simbólica, seja fiador do valor da diferença entre os

sexos. Assim sendo, eles rejeitam o lugar do pai com fiador, marca simbólica da diferença.

A vivência fenomênica do transbordamento dessa impossibilidade, ocorre, na

realidade, devido à rejeição ou não aceitação da própria perda, da castração, feita

pela linguagem. Essa opção é mais cruel, em um certo sentido, do que aquela de uma

aceitação dessa impossibilidade, pois muitas vezes, essa rejeição da perda, da

castração é vivida como o inconsciente a céu aberto, isto é, uma invasão sem

recalque, sem limites desse ilimitado, desse excesso – do que Freud nomeou excedente

sexual e Lacan de gozo (Freire, 2000, p. 57).

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É importante afirmar que esta impossibilidade é constituinte e imanente à construção

do saber, ou seja, há sempre um não todo, uma impossibilidade, algo real que não é possível

de se representar pela linguagem. Esse não todo pode ser observado nos tipos de falhas na

linguagem do sujeito psicótico; falhas que comparecem no campo da linguagem, seja pelo

negativismo, como afirmaria Freud (1925), seja pelos fenômenos de código e da mensagem,

segundo Lacan (1988). De acordo com os fenômenos de código, três experiências são

possíveis: os neologismos, os fenômenos em que o vazio da significação aparece como falas

sem sentido e, por fim, vivências em que o não todo próprio da linguagem é vivenciado como

certeza. Segundo os fenômenos de mensagem, destacamos os fenômenos das mensagens

interrompidas características dos pacientes psicóticos. Estes são vividos em sua forma radical

e excessiva, expressando uma vivência imaginária daquilo que, na realidade, constitui a

própria estrutura, isto é, o impossível próprio do simbólico. Transbordamentos imaginários

que levam ao impossível imanente à estrutura, já que o simbólico caracteriza-se pelo buraco,

pela incompletude do saber poder significar, representar e simbolizar tudo o que acontece no

real e que afeta o sujeito (Freire, 2000).

3.3. A Psicose e o Objeto a

É interessante apresentar a relação da psicose com o conceito lacaniano objeto a.

Este constitui-se como o real silencioso, como a causa do desejo. É pela retirada desse objeto

pelo fenômeno da castração que é possível condensar o gozo para além do corpo, tornando-o

o gozo fálico, ou seja, um gozo que falta, justamente, por incluir a falta. “Torna-se patente a

relação do psicótico com o objeto a: não havendo a extração desse objeto, o psicótico tem,

como solução, de ser ele o próprio obturador da falta (objeto a)” (Mucida, 1998, p.91). O

objeto a compreende, assim, justamente o não-apreensível, o não–simbolizável dessa falta.

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(...) falta como na primeira experiência de satisfação em Freud, falta porque

nenhuma representação poderia reconstruir essa plenitude, falta que designa, nos

termos de Lacan, o gozo como plenitude impossível. O objeto a designa o não

simbolizável do gozo ou desse resto que se desprende do corpo” (Freire, 2000, p. 61).

Tendo o objeto a como o que compreende o não-representável do gozo impossível, o

psicótico que o leva consigo tem como vivência a invasão desse gozo, no sentido de que ele

não aceita a resposta paterna de circunscrevê-lo como gozo impossível. Na realidade o Nome-

do-Pai é o que introduz o phallus como o que designa a possibilidade de simbolizar esse gozo

impossível. O sujeito psicótico forclui esse significante do Nome-do-Pai (Freire, 2000).

Pinheiro ressalta que na psicose a unidade corporal permanece inacabada. A autora

afirma que a perda do objeto foi forcluída e não o objeto em si mesmo (Pinheiro, 2000 apud

Porto, 2000).

A metáfora do Nome-do-pai constitui um espaço de autenticação do pai simbólico.

Este significante, ao operar na simbolização da Lei, ordena acesso ao Simbólico, que marca

para o sujeito a sua posição desejante, estruturando, dessa forma, o sujeito como barrado.

Assim sendo, é a forclusão do Nome-do-pai que induz a instauração do processo psicótico. “O

furo aberto no significante o Nome-do-pai e a ruptura entre os três registros mostram que não

houve substituição do significante desejo da mãe pelo significante Nome-do-pai. Isto justifica

a conseqüente organização subjetiva psicótica” (Porto, 2000, p.163).

Freud irá pensar a psicose como uma forma de alterar a realidade inadmissível da

castração. Sendo a dimensão da linguagem algo abolido pelo sujeito psicótico, ele, então

literaliza a linguagem, tomando as palavras como coisas e as tornando literais. O delírio se

constitui como o resultado deste trabalho. O retorno do real da castração exige um esforço de

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re-arranjamento da realidade, que é delirante, pretendendo inscrever simbolicamente a

castração, via delírio. Este último equivale a uma metáfora que inscreve a castração, que

promove a recuperação da função paterna de suporte da castração.

Na psicose, o Eu é máquina auto-erótica invadida pelo significante puro. O Eu

submerge ao excesso da proliferação autônoma do significante puro, aproximando-se

do ‘sujeito do inconsciente’(...) Na psicose, a palavra não remete a um significado

inconsciente recalcado, mas é o próprio inconsciente, a coisa que se mostra. Isto nos

permite pensar que a psicose é a manifestação radical do inconsciente, porque se

expõe à castração sem o véu das fantasias paternas. Isto nos permite tomar as

palavras como coisas e as coisas como manifestação mais direta do inconsciente

(Porto, 2000, p. 165).

O que está em jogo na estrutura psicótica, a partir do que foi insistentemente

colocado, é o significante condicionante do recalque originário e do acesso do sujeito do

inconsciente à significação do phallus, ou seja, o Nome-do-Pai. Ou ainda, o acesso a ordem

sexual do inconsciente, pela metáfora paterna. Sendo forcluído do simbólico, o que

comparece é um buraco, uma ausência.

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O psicótico é o sujeito estruturado de tal forma que, para ele ,o inconsciente se

apresenta sob uma forma não interiorizada, não concernente à sua subjetividade

enquanto passível de uma apreensão individualizável; O Outro psicótico é

consistente, absoluto, gozador, não-barrado. O Real não se constitui como impossível,

perfurando a barreira do recalcamento originário e presentificando-se para o sujeito

como (...) alucinação. (...) O psicótico não tem a sua subjetividade sexualizada,

parcializada, mas situa-se fora-do-sexo (horsexe), do que decorre a sua invasão pelo

gozo do Outro (absoluto), e pelo correlato gozo do corpo (real) (Elia, 1991, p.76).

É importante notar que a condição subjetiva da psicose é marcada pela decomposição

de seus elementos estruturais em seu estado fragmentário e elementar.

3.4 Últimas observações

A análise clínica permite a emergência das formações do inconsciente, as incidências

do registro simbólico, por meio de um rearranjo da configuração imaginária e narcísica do

sujeito. Ao tomar o narcisismo e o registro imaginário como as marcas da interiorização na

estrutura neurótica, o processo de análise constitui-se no fazer falar, no fazer com que o

sujeito produza a partir da sua divisão e, por fim, promover o confronto não apenas com

aquilo que a sua estrutura de sujeito fará sempre faltar-lhe, mas principalmente, que ao Outro

também lhe falta, que não é completo e absoluto e, sendo assim, não poderá suprir a falta do

indivíduo por pura impossibilidade estrutural (Elia, 1991).

Com relação às psicoses, levando em consideração, obviamente, todas as suas

implicações, é necessário que o analista possa, de alguma maneira, tornar inconsistente, não-

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absoluto, o Outro do psicótico, ou seja, barrá-lo de sua condição de Outro absoluto e gozador.

Tal exercício só poderá constituir-se na relação transferencial, onde o sujeito psicótico institui

a consistência do Outro – está se falando, inclusive, do próprio analista – e em condições

possíveis de ser suportado o confronto com a ausência e a falta desse Outro (idem).

Não se trata, para o analista de psicóticos, de neurotizá-los, de produzir

recalcamento, de torná-los sujeitos “barrados”. Trata-se, antes, de fazê-los

deslocarem-se de sua posição de objeto do gozo do Outro, a fim de que organizem sua

subjetividade como lhes for possível, no interior de suas formas próprias de

organização subjetiva, que são diferentes das formas neuróticas (Elia, 1991, p. 77).

Obviamente, o elemento que foi forcluído não é detectável na clínica, já que, de certa

forma, o que caracteriza este fenômeno é, realmente, o fato de ser impossível encontrá-lo

integralmente. Diferentemente da psicose, o elemento recalcado na neurose é possível de ser

reconhecido, claramente, nos seus disfarces e substitutos, ou seja, nas suas deformações que

os tornam possível de comparecer. Assim sendo, “o elemento forcluído é, por natureza,

inacessível enquanto tal” (Leclaire, 1991, p.250). Este se apresenta pela própria ausência que

constitui, marcando uma profunda depressão, um enorme buraco.

O sinal que se mostra clinicamente, diante da forclusão, é uma espécie de

convergência desordenada e, ao mesmo tempo irresistível, que aponta para um centro que

aparece como vazio, como uma fenda original.

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Ao contrário do núcleo de uma neurose que ordene uma convergência sintomática

que pode ser decifrada racionalmente depois de um trabalho de restituição contrário

ao da censura, do deslocamento ou da projeção, a convergência sintomática da

forclusão é desordenda total, como um reflexo vazio do símbolo rejeitado, do

significante recusado; ela constitui uma espécie de estrutura própria, original, no

interior da qual organiza-se um novo microcosmo de questões capciosas (...)

(Leclaire, 1991, p.250).

Para finalizar, é interessante observar a afirmação de Freud (1937), em seu texto

Construções em Análise.

Os delírios dos pacientes parecem-me ser os equivalentes das construções que

erguemos no decurso de um tratamento analítico – tentativas de explicação e de cura

embora seja verdade que estas, sob as condições de uma psicose, não podem fazer

mais que substituir o fragmento da realidade que está sendo rejeitado no presente por

outro fragmento que já foi rejeitado no passado remoto. Será tarefa de investigação

individual revelar as conexões íntimas existentes entre o material de rejeição atual e o

da repressão original. Tal como nossa construção só é eficaz porque recupera um

fragmento da experiência perdida, assim também o delírio deve seu poder convincente

ao elemento de verdade histórica que ele insere no lugar da realidade rejeitada (p.

286).

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É necessário que se entenda que não adiantará tentar convencer o sujeito do “erro”

do seu delírio ou da contradição com a realidade (Checchinato, Kossin Sobrinho, Steffen &

Souza Filho, 1985). Não cabe ao analista esta posição, mas sim o reconhecimento, nestas

saídas, por que não dizer de saúde, encontradas pelo sujeito, de seu núcleo de verdade,

significação e sentido.

A clínica psicótica, não há como negar, é intensamente rica. O sujeito psicótico

instiga qualquer certeza vinda do analista, obrigando-o a questionar suas próprias questões. É

possível afirmar que a relação com o outro é o único caminho para encontrar, juntamente com

esse sujeito que, por vezes, se tornou estranho a si mesmo, palavras com as quais este possa se

expressar. Assim, a transferência que se instala diante de pacientes psicóticos deve permitir

que o analista ocupe uma posição em que este possa ser-lhe um espaço onde é possível ser o

que se é, sem que se extraia deste paciente a sua subjetividade e a sua singularidade,

encontrando assim, um terreno para o sujeito ser sujeito de sua própria fala, na busca de um

sentido para estar no mundo.

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Sobre a Perversão

4.1 Primeiras considerações

O termo perversão tem, em uma conotação leiga, o sentido de perversidade, de

maldade, crueldade, uma implicação de cunho moral e religioso. É importante marcar que o

termo é empregado de forma indevida e equivocada. Este trabalho, dentre outros objetivos,

busca uma discussão a respeito da estrutura clínica e suas produções. O próprio Freud (1905)

marca a impropriedade na utilização do termo em seu artigo “Três Ensaios Sobre a Teoria da

Sexualidade”; além disso, aponta para as proximidades dos quadros neuróticos e perversos –

um escândalo na época e, talvez, até hoje, em tempos atuais.

Nesta texto, o autor aponta a criança como perverso-polimorfa, tanto quanto ao

objeto como quanto ao objetivo, já que a sexualidade infantil é mediada por pulsões parciais,

com objetos que se localizam em lugares diferenciados (pulsão oral, anal, escópica e

evocante) e fora do genital. Apesar disso, Freud não se mantém na idéia de definir a perversão

como a não realização do instinto reprodutivo; ele avança à medida que seu trabalho com

relação às teorias sexuais infantis começam a marcar novas configurações, tais como a

constatação de que as crianças atribuem um falo às mulheres; não obstante, Freud (1910) ao

escrever seu texto “Uma Lembrança de Infância de Leonardo da Vinci” produz novas

articulações importantes com relação a esta problemática.

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4.2 As contribuições de “Uma lembrança de infância de Leonardo da

Vinci”(1910)

O trabalho, em italiano no original, não é lido por Freud. Este tem contato com a

obra á traduzida para o alemão. Tal fato terá desdobramentos significativos. No período em

questão, Freud ainda não tem os elementos necessários para se fazer a diferenciação entre

lembrança e fantasia. A confusão dos termos estará presente, também, neste artigo. O autor

trata a lembrança, a recordação de Leonardo como uma fantasia. Em alguns momentos, toma

esses elementos como sinônimos.

No atual momento de sua obra, Freud (1910) acredita que a construção da fantasia

está enraizada em um acontecimento real7 do passado e sua articulação a um evento posterior,

depois do complexo edípico. Neste aspecto, a fantasia estaria ancorada num pequeno detalhe

que foi vivenciado, pelo sujeito, em sua vida empírica. Cabe notar que outros acontecimentos

ulteriores ressignificariam esse detalhe. É importante perceber, aqui, germes do que seria

trabalhado em seu texto “Bate-se numa Criança” (1919).

O que o autor se pergunta, neste trabalho, é se existiria, de fato, uma verdade

histórica por trás desta lembrança ou fantasia8. É importante dizer que ele parte de uma versão

imaginária da fantasia. Contudo e, apesar de todas as dificuldades, Freud vai ler a fantasia a

partir do significante infantil. O que na língua italiana comparece como milhafre, no alemão,

Freud lê abutre. Ele vai articular o abutre a uma figura egípcia que é, ao mesmo tempo,

masculina e feminina. A seqüência se daria da seguinte maneira: abutre ⇒ pássaro ⇒ cauda

⇒ pênis. Neste sentido, a equivalência se daria com o abutre, significando a mãe (egípcia),

dotada de um pênis que entraria em contato com a mucosa da boca de Lenardo, revelando 7 Neste ponto, o que está sendo considerado é o real enquanto realidade, enquanto empírico. 8 Cabe ressaltar que, neste momento, Freud ainda não porta conceitos importantes que o permitam tal distinção. Apesar de aparecerem como sinônimos neste trecho, vale a ressalva de que se trata de termos distintos, colocados em posição sinonímica a fim de demonstrar a confusão freudiana naquele momento de sua obra.

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uma fantasia de felação e fustigação. De acordo com Freud, essa sua lembrança fora retratada

em trabalhos e pinturas importantes de Leonardo. É possível observar que não se trata de uma

leitura imaginária do autor, mas de uma perspicaz leitura significante a partir de alguns

elementos enunciados por Leonardo.

Freud vai se dar conta de que a figura paterna não comparece nas recordações de Da

Vinci. O que se apresenta é uma mãe fálica e que não tem falta. Leonardo, em sua fantasia, foi

beijado na boca pela sua mãe, satisfazendo-a e oferecendo sua boca para ela gozar. O que

salta em suas obras é isso: uma mãe que goza de beijar um filho na boca. O autor, assim, tenta

reconstruir uma fantasia em que a mãe ocupa um papel extremamente importante. Em seus

trabalhos, Leonardo traz alguns elementos que fazem referencia a essa recordação. Não há

como não notar o sorriso da mulher em suas obras. Pode-se pensar em um sorriso que remete

ao gozo desse Outro.

Neste trabalho de 1910, Freud deu pequenos passos como relação à elaboração da

fantasia. É necessário dizer que ele precisará caminhar um pouco mais na teorização do gozo

a fim de que possa marcar uma distinção significativa entre a recordação, a lembrança e a

fantasia. A teoria do desejo que é a ferramenta que ele porta, até então, não dará conta das

questões que envolvem o âmbito da fantasia.

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4.3 A Verleugnung como resposta

Neste sentido, Freud vai caminhando para uma reformulação da perversão. Não se

trata de ser pré-edipiana, mas, ao contrário, da posição do sujeito frente ao complexo de

castração. Nestes casos, a reposta frente à ameaça não seria o recalque – Verdrangung - nem a

rejeição (forclusão) – Verwerfung - , mas a renegação , o desmentido – Verleugnung, ou seja,

um duplo posicionamento frente à castração – há o reconhecimento da falta e, ao mesmo

tempo, uma renegação dessa percepção. É disso que a perversão vem falar: da indiferença

sexual – as mulheres são dotadas do falo. É importante marcar que ‘desmentir’ só é possível

se há, no sujeito, a marca do desejo, isto é, da falta no Outro; não se desmente o que não se

tem. Há que se ter uma inscrição inicial para que, assim, o sujeito possa vir a recusar. Neste

sentido, pode-se pensar nos quadros psicóticos como estruturas em que esse momento

primeiro nem chegou a se realizar. Não há inscrição, não há metáfora; trata-se de algo que

atravessa, que se encontra fora do circuito.

Lacan, a partir de uma re-leitura freudiana, irá dispor as estruturas clínicas a partir do

sistema real, simbólico e imaginário. Se, inicialmente, Freud faz uma leitura partindo da

realidade empírica - ausência do órgão peniano na mulher - Lacan vai traduzir isso e afirmar

que não se trata do real, mas do falo simbólico e imaginário.

Em seu artigo “O Falo e a Mãe Insaciável”, in seminário IV (1956-57) , Lacan

inicia sua fala afirmando aquilo que a frustração não é, ou seja, ela não se constitui como a

recusa de um objeto de satisfação, sendo satisfação algo articulado à noção de necessidade. É

bem verdade que a idéia de necessidade não engendra a manutenção do desejo. Nenhuma

relação pode ser garantida entre frustração e permanência do desejo. É importante afirmar que

Freud nunca mencionou o termo frustração. Ele vai falar de Versagung, podendo ser traduzida

por denúncia.

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Conforme mencionado no início, a frustração não diz respeito à recusa de um objeto

que venha satisfazer a necessidade do sujeito. Pode-se pensar que, inicialmente, a frustração é

articulada a recusa do dom, como sinal de amor. Afirma Lacan,

O dom implica todo o ciclo da troca, onde o sujeito se introduz tão primitivamente

quanto possam supor. Só existe dom porque existe uma imensa circulação de dons

que recobre todo o conjunto intersubjetivo. O dom surge de um mais-além da

relação objetal, já que ele supõe atrás de si toda a ordem da troca em que a criança

ingressou, e só pode surgir deste mais-além com o caráter que o constitui como

propriamente simbólico. Nada é dom se não for constituído pelo ato que,

previamente, o anulou ou revogou. É sobre um fundo de revogação que o dom surge,

é sobre esse fundo, e como signo de amor, inicialmente anulado para ressurgir em

seguida como pura presença, que o dom se dá ou não ao apelo (Lacan, 1956-57, p.

185).

Diz-se de apelo, pois aí está o primeiro momento em que a palavra se dá. É o

instaurador da ordem simbólica. Sendo assim, tem-se que o dom se mostra ao apelo; e o apelo

se faz escutar na ausência do objeto (Idem). Quando o objeto encontra-se presente, ele se

mostra essencialmente como dom, como signo de amor, e não como objeto de satisfação. É

importante mencionar que toda satisfação posta em causa na frustração surge sobre o caráter

de decepção no campo simbólico.

A dialética presença-ausência do objeto constitui uma relação de grande importância

para o sujeito, à medida que aniquila, na satisfação, a insaciedade original que marca essa

relação.

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É preciso pensar, neste momento, o que ocorre no instante em que a satisfação da

necessidade é transformada em satisfação simbólica. Pela substituição, em si, já ocorre uma

transformação. A ênfase e o caráter simbólico são dados à atividade, ou seja, ao modo de

apreensão, que coloca a criança como possuidora desse objeto.

É assim que a oralidade se torna o que é. Sendo um modo instintual da fome, ela é

portadora de uma libido que conserva o próprio corpo, mas não é somente isso.

Freud se interroga quanto à identidade dessa libido: será a libido da conservação

ou a libido sexual? Certamente, ela visa à conservação do indivíduo: ela é de fato o

que implica de amor pela satisfação, ela é uma atividade erotizada. Ela é libido a

destrudo, mas, precisamente, porque entrou na dialética da substituição da

exigência no sentido próprio, e libido sexual (Lacan, 1956-57, p. 187).

Outra questão relevante diz respeito ao ingresso da criança na dialética da frustração.

A partir daí, o objeto real não precisa ser específico, já que não é o objeto que desempenha o

papel fundamental, mas sim o fato de que a atividade assumiu seu papel erógeno no campo

desejante, ordenado no plano simbólico.

É interessante pensar como o falo seria introduzido, assim, na dialética da frustração.

Tem-se que, de acordo com a teoria freudiana, as meninas passam por um processo muito

mais complicado que os meninos, no que tange o complexo de Édipo e a diferenciação sexual.

A menina precisa entrar em contato, justamente, com aquilo que nela não está presente: o

falo. Obviamente, não se trata de questões orgânicas ou disposições anatômicas, mas sim de

uma representação fálica imaginária. É bem verdade que Lacan trocou o termo pênis, muito

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utilizado por Freud, por falo; justamente intencionado a evitar certas confusões – entre aquilo

que se refere ao campo biológico e aquilo que vai muito além das disposições fisiológicas.

O falo imaginário está no cerne de numerosos ocorridos na vida do sujeito. A saída

desse labirinto, desse jogo em que a criança se encontra é dada pela percepção de que a mãe é

castrada e, já que o falo lhe falta, ela, assim, o deseja.

É por razões inscritas na ordem simbólica, transcendendo o desenvolvimento

individual, que o fato de ter ou não o falo imaginário e simbolizado assume a

importância econômica que tem no nível do Édipo. Isso é o que motiva ao mesmo

tempo a importância do complexo de castração e a preeminência das famosas

fantasias da mãe fálica (...) Trata-se do falo, e de saber como a criança realiza mais

ou menos conscientemente que sua mãe onipotente tem falta, fundamentalmente, de

alguma coisa, e é sempre a questão de saber por que via ela vai lhe dar esse objeto

faltoso, e que sempre falta a ela mesma (...) O falo é fundamental como significante,

fundamental neste imaginário da mãe a que se trata de unir, já que o eu da criança

repousa sobre a onipotência da mãe. Trata-se de ver onde ele está e onde não está.

Ele nunca está realmente ali onde está, e nunca está completamente ausente ali onde

não está (Lacan, 1956-57, pp. 195-197).

Neste texto, Lacan (1956-57) coloca que a questão primordial encontra-se antes do

Édipo, ou seja, entre a relação de frustração e o início do complexo edípico. Segundo ele, este

é o momento em que a criança se encontra na dialética intersubjetiva do engodo (Lacan,

1956-57). A fim de satisfazer o desejo materno que, por sinal, é insaciável, a criança percorre

um caminho de fazer-se ela mesma esse objeto enganador e tamponador da falta fundamental

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da mãe. Esse desejo que não pode ser satisfeito, é enganado. “Precisamente na medida em que

mostra à sua mãe aquilo que não é, constrói-se todo o percurso em torno do qual o eu assume

sua estabilidade. As etapas mais características são sempre marcadas (...) pela ambigüidade

fundamental do sujeito e do objeto” (Lacan, 1956-57, p. 198).

Em seu seminário X (1962-63), o artigo intitulado ‘A causa do Desejo’ traz uma

consideração importante em relação à lei e ao desejo; ambos compartilhariam do mesmo

objeto. O mito edípico traz em si essa idéia. Na origem, o desejo, como desejo paterno e a lei

são a mesma coisa. Essa relação é tão próxima que é possível afirmar que a função da lei

marca o caminho desejante. O desejo, como desejo pela figura materna, é como a função da

lei. É no momento em que esse desejo é barrado que a lei impõe desejá-la. Neste sentido, tem-

se que desejamos no próprio mandamento, que o desejo do pai é o criador da lei.

O efeito central dessa identidade que conjuga o desejo do pai com a lei é o complexo

de castração. A lei nasce da transmudação ou mutação misteriosa do desejo do pai

depois de ele ser morto, e a conseqüência disso, tanto na história do pensamento

analítico quanto em tudo que podemos conceber como a ligação mais certeira, é o

complexo de castração (Lacan, 1963 p. 120).

Para uma criança neurótica a significação do desejo da mãe está marcada, não está

forcluída, como na psicose; ela aponta o que lhe falta, ou seja, o falo como significante do seu

desejo. Esse simbólico institui efeitos sobre o imaginário.

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Se a criança recebeu de sua mãe a significação fálica de sua falta, então ela pode

para mãe fazer-se objeto fálico como imagem (Lacan nota-o pequeno φ). O sujeito,

menino ou menina, é, pela imagem de seu eu [moi], o que falta à mãe. É isto que

está em jogo para o não-psicótico. A mãe não tem o falo, logo eu o sou...para ela!

(Julien, 2002, p. 107).

Sendo a criança um objeto ofertado a tamponar o desejo materno, cabe saber como

aquela ofertará à mãe esse objeto que lhe falta e como estar à altura do que a mãe deseja. Do

impossível de responder a essa questão surge a angústia de castração. Ser o objeto fálico para

preencher o desejo materno é a própria angústia de ser devorado e engolido por ela. Diante do

horror da castração na mulher, a perversão se instaura aí, como uma conseqüência dessa

angústia avassaladora.

4.4 Acerca da perversão

A Verleugnung constitui-se na renegação de que a mãe não tem o falo. Ali onde nela

o falo simbólico está ausente, o sujeito coloca no lugar um fetiche como falo imaginário. A

mulher, assim, “tem” o falo sobre um fundo de “ausência”, ou seja, daquilo que ela não tem.

O objeto fetiche, então, é eleito a fim de que essa falta seja encoberta.

É a um só tempo um e outro: há clivagem, divisão, disjunção. E o fetichismo torna-

se o paradigma de toda perversão. O splitting do lado do objeto materno tem efeito

de splitting do lado do sujeito: ele é o falo e não o é, já que a mãe não tem o falo

enquanto desejante, e ela o tem como fetiche enquanto preenchida. Assim, o sujeito

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não escolhe entre to be or not to be o falo. O fetiche é, portanto, uma defesa contra a

angústia do desejo da mãe; é bem por isso que ele tem a mesma função que a fobia:

colocar uma proteção em posto avançado diante do perigo de ser engolido pelo

desejo insaciável do Outro (Julien, 2002, p. 108).

É importante notar que a compreensão da teoria freudiana se esclarece no momento

em que Lacan oferece a noção dos três registros: simbólico, real e imaginário. Sem essa

diferenciação, parece muito complicado entender a razão pela qual ele considera a perversão

sobre o fundo da renegação da diferença sexual.

Se tomarmos o sintoma como o paradigma da neurose, a alucinação como o

paradigma da psicose, teremos, em paralelo, o fetiche para a perversão. Em seu seminário IV

(1956-57) “A Relação de Objeto”, Lacan vai apresentar a estrutura a partir de seu elemento

paradigmático - o fetiche, ao apresentar a função dupla do véu. Este, ao mesmo tempo que

esconde, permite que compareça. No caso da perversão, trata-se de escamotear a falta fálica

na mãe; contudo, por intermédio do véu, essa falta está marcada, apresentada. O fetiche tem

essa peculiaridade de colocar o véu, a cortina, diante do buraco da falta. “O véu esconde o

Nada que está para além do Objeto enquanto desejo do Outro: a mãe não tem o falo. Mas, ao

mesmo tempo e mesmo assim, o véu é o lugar onde se projeta a imagem fixa do falo

simbólico: a mãe tem o falo” (Julien, 2002, p. 112).

Em seu artigo “O Fetichismo”(1927), Freud aponta para uma atitude infantil de

posição dupla frente à castração: o reconhecimento da falta fálica à mulher e a recusa desta

constatação. Diante do horror, ergueu-se um objeto. Este é o signo, em si mesmo, da negação

e, simultaneamente, da afirmação da castração na mulher. Freud vai enunciar que a escolha

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desse elemento substituto se dá no momento pontual e anterior a esta constatação

insuportável.

Neste sentido, a criança se recusou a perceber a falta de um pênis na mulher. Pode-se

pensar que esta recusa adveio com a ameaça da castração de seu próprio membro. No conflito

entre a observação desagradável e a força de seu contra-desejo, ergueu-se um compromisso,

tal como só é possível por intermédio das leis inconscientes. Para esse sujeito, a mulher teve

um pênis e este sofreu uma substituição. No momento da constituição do objeto fetiche ocorre

algo que remete à interrupção da memória na amnésia do trauma. Dessa forma, o interesse do

sujeito é marcado por uma interrupção a meio caminho, ou seja, como se a derradeira

impressão antes daquela dotada de traumática ficasse retida como fetiche (Freud, 1927).

Em “A divisão do Ego no Processo de Defesa”(1940[1938]), Freud apresenta que o

preço pago diante da intolerável falta materna e, conseqüentemente, seu desmentido é uma

cisão no eu da qual o sujeito jamais se vê livre dela. É a inscrição da recusa inscrita na própria

estrutura subjetiva. Sendo assim, ao se deparar com o vazio da castração, o infans, em seu

processo de defesa frente à ameaça, sofre uma divisão no próprio eu. De um lado, rejeita-se a

realidade e recusa-se a qualquer espécie de proibição e, por outro, reconhece a ameaça real e

reage com medo disso que o assusta. É bem verdade que paga-se um preço nessa escolha:

“uma fenda no ego, a qual nunca se cura, mas aumenta à medida que o tempo passa. As duas

reações contrárias ao conflito persistem como ponto central de uma divisão (splitting) do ego”

(Freud, 1940[1938], p. 293).

Esse objeto eleito como substituto – de algo que não existe: o falo na mulher – é um

condensador de gozo, no sentido de que tampona uma falta e possibilita o acesso ‘A’ mulher,

em referência ao Outro gozo, mencionado no capítulo anterior. Trata-se de um objeto que atua

no gozo do sujeito, ao desmentir a castração e anunciar a mulher como toda, a fim de

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desmentir uma constatação no campo do real que é intolerável. O que o perverso almeja é

tamponar a falta fálica, a hiância do Outro com o seu próprio gozo; a referência original é do

gozo do Outro, tomada pelo sujeito como vontade de gozo.

Qualquer objeto que se destaque do corpo e percorra as entranhas do Simbólico pode

se tornar um substituto do falo que falta à mãe, ou seja, qualquer elemento que marque o

desaparecimento do desejo, substituindo-o pela vontade de gozo.

O fetiche se situa num encontro com um significante após os dois tempos do

desmentido: o do reconhecimento da castração do Outro e o da recusa da castração.

Há, portanto, um tempo em que se precipita o fetiche, e essa temporalidade lógica é

a do gozo em sua gozação. Para o perverso, o fetiche se constitui numa estratégia, a

partir do significante, de evitação da angústia de castração, castração do Outro

materno (Dias, 2003, p. 173).

É importante acrescentar que o substituto é um elemento que aponta e sustenta o

desejo na perversão, desejo esse marcado pela vontade de gozo, ou melhor, o fetiche como

objeto a que completa a falta e o gozo do Outro (Dias, 2003). Com isso, o perverso ocuparia

uma posição de causa, como o Outro assustador da cena fantasmática, com um gozo que não

lhe pertence por ser do Outro, mas que é tomado como seu e transformado em vontade de

gozo - injunção categórica prevalente nos quadros perversos.

É a esse lugar do objeto, no exterior, e anterior a qualquer internalização que a idéia

de causa está articulada. Lacan se utiliza do fetiche para desenvolver essa noção, já que no

fetiche se desvela a dimensão do objeto como causa de desejo. Não se trata, por exemplo, do

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sapato, do pedaço de tecido; o fetiche causa o desejo e, este último agarra-se onde puder. “O

fetiche é a condição mediante a qual se sustenta seu desejo” (Lacan, 1963, p. 116).

Na perversão, o sujeito toma o Gozo do Outro como ponto de partida inicial,

assumindo-o como vontade de gozo. É com essa noção que Lacan vai enunciar como o

perverso estaria localizado diante do desejo do Outro. Assumindo a Verleugnung como defesa

diante da castração e sendo eleito um objeto substituto que venha velar e, ao mesmo tempo,

desvelar a falta estrutural materna, o perverso se posiciona como instrumento do gozo do

Outro; não se angustia9, mas goza em provocar a angústia no outro, em dividí-lo no seu limite

mais fundamental; o perverso goza em apontar, desvelar e mostrar onde o outro goza, naquilo

que há de mais íntimo e originário, daquilo que o neurótico não quer saber. O que a neurose

tenta burlar e escamotear, a perversão desnuda.

O perverso só tem acesso ao gozo na medida em que paga o preço de um simulacro

da castração, simulacro repetido e com isso anulado: pouco importa que ofereça seu

corpo em holocausto ou que oficie sobre o corpo do outro. O próprio do fantasma é

manter sempre intacta e total a função primeira de suporte e guardião da

onipotência do pensamento. Ele é mudo, é um ato de pensamento cuja verbalização

frente ao Outro Real tem valor de desmistificação: o que escuta se separa do que

fala, a realidade psíquica se separa da cena do Real. A dor é prazer, o horror é

fascinação e a castração é gozo (Dias, 2003, p. 183).

9 É importante diferenciar que a colocação acima ‘o perverso não se angustia’ não significa dizer que essa estrutura está isenta da angústia – o afeto que não mente. Nada melhor para contextualizar isso que a vivência ameaçadora da castração e a incessante tarefa de preencher a falta do Outro, inclusive, para que este Outro exista.

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Seguindo, Lacan (1963) faz algumas breves considerações a respeito das funções do

sadismo e do masoquismo.

De acordo com as idéias apresentadas, tem-se que, por exemplo, o desejo sádico só

pode ser apreendido a partir da divisão, da dissociação que ele deseja produzir no parceiro,

impondo-lhe o intolerável até o limite em que essa cisão comparece no sujeito, marcando uma

clivagem entre sua existência enquanto sujeito e o que ele sofre ou o que pode sofrer em seu

corpo. Contudo, é importante dizer que não se almeja o sofrimento do parceiro, mas provocar

a divisão e a angústia deste.

A angústia do outro, sua existência essencial como sujeito em relação a essa

angústia, eis o que o desejo sádico tenciona fazer vibrar (...) Na realização do seu

ato, de seu rito (...) o que o agente sádico não sabe é o que procura, e o que ele

procura é fazer-se aparecer, ele mesmo, como puro objeto, fetiche macabro (...) na

medida em que aquele que é seu agente caminha para uma realização (...)

Totalmente diferente é a posição do masoquista, para quem essa encarnação de si

mesmo como objeto é o objetivo declarado (...) Em suma, o que ele busca é sua

identificação com o objeto comum, o objeto de troca. É-lhe impossível apreender-se

pelo que ele é, uma vez que, como todos, ele é um a (Lacan, 1963, p. 117-118).

O perverso busca o outro em sua divisão, em seu limite, em sua angústia. Neste

sentido, o perverso atua procurando as marcas da inscrição que limita e barra o sujeito, de sua

falta colocando-se como aquele que sabe do gozo do outro e, ao mesmo tempo, como

oferenda de preenchimento daquele buraco, daquela fenda. Não se trata, como na neurose, de

um saber a ser atingido, mas de desmentir aquilo que marca o sujeito como dividido – a

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castração. O saber, de fato, encontra-se do lado do perverso. Ele sabe do gozo e seu desejo se

inscreve como vontade de gozo. Ele seduz o neurótico pelo seu “saber gozar”.

A perversão afirma e traz consigo a possibilidade do acesso ao gozo. Ergue-se uma

nova lei, um outro contrato, que diz da desconsideração e do abuso do outro sem que este

precise dar o aval. Trata-se de uma ordenação categórica do gozo que necessita de um outro

para se firmar; diz respeito à violação de um outro para que se aceda ao gozo supremo. Neste

sentido, é um gozo que “conta” com a participação do outro, mas que não “conta” com seu

desejo, pois estar aliado ao desejo e consentimento do outro vai na direção contrária à

satisfação perversa. A coincidência no gozo não produziria a fenda, a divisão no sujeito, ou

seja, o perverso não atingiria seu objetivo. Nestas circunstâncias, tem-se a incongruência no

par perverso-perverso. O que se poderia deduzir que como par, um perverso tem sempre um

neurótico ou um psicótico.

Como já mencionado, na perversão, o desejo foi reduzido a vontade de gozo e a

outra lei, criada nestes casos. O que está em jogo são leis que incitam o gozo e o fundamental

direito a gozar do corpo alheio, sem o seu consentimento ou autorização. O sujeito perverso

aponta onde o outro goza, ou seja, o perverso desmonta aquilo que a tela da fantasia neurótica

tentou desde sempre velar.

(...) perverso além do desejo, destinado ao exercício de uma vontade que atua como

imperativo universal (...) De uma vontade que não é nem o livre arbítrio em o

capricho, mas justamente o contrário da liberdade, a submissão acrítica, enervada e

apática a uma norma absoluta que impede transitar por caminhos alternativos e que

legisla como ferocidade. De uma vontade que faz do gozo o princípio racional e

ineludível da ação, colocado em uma dialética de oposição e de subtração recíproca

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do gozo entre os participantes o ato perverso. De uma vontade que não nasce da

decisão elaborada de um querer, mas de uma coação que exige escapar da lei do

Édipo e da castração (...) De uma vontade que leva o perverso viver para o gozo,

para apoderar-se dele, para organizá-lo, administrá-lo, antecipá-lo e adiá-lo (...)

(Braunstein, 2007, p. 253-254).

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Fantasia e gozo: possibilidades no diagnóstico diferencial

Num tentativa de estabelecer as possibilidades de se fazer um diagnóstico diferencial

pela via da fantasia e do gozo, retomar-se-á algumas considerações importantes anteriormente

já feitas.

5.1 Retorno à Pulsão

Diante do conceito de pulsão como ponto fundamental na constituição psíquica do

sujeito e daquilo que já foi discutido com relação ao gozo, tem-se que ambos estão envolvidos

no acesso do sujeito à linguagem. Sendo a castração como marca da falta que inscreve o

sujeito na cadeia significante - pelo cerceamento do gozo, sendo pelo próprio movimento

característico da pulsão; aquela que circunda o objeto a, causa de desejo. Este objeto é aquilo

que cai, que resta de um saber que vem significar o S1 inaugural da cadeia.

Neste movimento, tem-se algo que se perde. Há, na dimensão pulsional, algo que não

poderá ser capturado nem circunscrito. Este não-apreensível diz do real, do sem sentido, do

não-representável.

Sabe-se que não é possível o acesso direto à pulsão. O que se conhece são os seus

representantes. Apesar da incessante busca pela satisfação, o movimento pulsional consegue

apenas satisfações parciais. O recalque não incide sob a pulsão, mas sob seu representante

ideativo, ou seja, sob a idéia. A pulsão não cessa de insistir. Ela é o movimento em si. O outro

elemento constituinte da pulsão é o afeto, a qualidade da energia pulsional que pode estar, ou

não, ligado à idéia.

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É importante notar que a satisfação pulsional parcial se encontra no próprio

movimento da pulsão, em sua insistência, em sua repetição. No movimento de circunscrição

do objeto a, comparece, como efeito, um quantum de satisfação e prazer. Tem-se a

(...) idéia do objeto a como um envelope, como um emblema, sua relação com o

sujeito é através da fantasia, a fantasia articula desejo e pulsão, sua função é de

articular dois elementos heterogêneos, um da ordem Simbólica, do Outro, do desejo

e da representação do sujeito e o outro elemento, do registro real, da satisfação

pulsional, do gozo (...) (Zelis, s.d, p. 5).

5.2 Real, a fantasia e o objeto a

O que a fantasia vem permitir é um encobrimento, uma tela diante do real

insustentável; marcando o sujeito numa posição perante o desejo do Outro. É, assim, pelo viés

da fantasia que a pulsão insere-se nos trâmites da lei e do interdito; ou seja, nesta

possibilidade de que o gozo pulsional original, do corpo possa ser cerceado e limitado,

abrindo os caminhos para o gozo fálico.

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Neste sentido, tem –se que

A relação do sujeito e do objeto é a relação do inconsciente e da pulsão. Porque o

objeto recobre o vazio, a essência do sujeito, o sujeito desconhece o que causa seu

desejo, e a fantasia vem auxiliar nessa procura (...) A emergência no simbólico do

pulsional, na sua dimensão real seria a angústia, angústia como experiência (...)

sentida no corpo sem nenhum tipo de representação significante onde há – falta da

falta – que faz emergir o vazio que a fantasia sempre tenta velar (Zelis, s.d, p. 5).

Em Freud (1900) encontra-se a noção de que o objeto alvo do desejo, objeto no qual

se teria satisfação plena, encontra-se para sempre perdido. O que resta, são traços deste

objeto. Ele estará para sempre perdido e, assim sendo, fora do espectro representacional. A

pulsão comparece e contorna um dado objeto, que lhe é indiferente, um buraco, um vazio,

delimitando-o (Dias, 1998).

Lacan, ao retomar os textos freudianos, estabeleceu o inconsciente, a repetição, a

transferência e a pulsão como os quatro grandes conceitos fundamentais em psicanálise. Esses

conceitos foram apoiados e amarrados pelo suporte do registro do Real. Neste sentido, o Real,

em psicanálise, trata-se do ser de gozo. Sendo a linguagem, a possibilidade advinda do

cerceamento pulsional, que não cessa de não insistir e se inscrever.

A Lei da interdição cunha um saber que barra ao sujeito ultrapassar um limite do

gozo, e este limite lhe é dado pelo prazer. O circuito do desejo para o prazer é muito

curto e é por isso que o sujeito é empurrado a repetir, na busca do retorno a um

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estado inicial de inércia, o mais além do princípio do prazer. O princípio de

realidade ou de desprazer não sujeita por completo o empuxo ao prazer. Sua

substância se emaranha na incoercível busca para preencher a falha fálica

imaginária, pela suplência do objeto a, para o ressarcimento do gozo perdido ao

entrar no reino da linguagem (Araújo, 2006, p. 2).

No seminário XI – “Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise” (1963-64),

Lacan vai se utilizar dos conceitos da óptica e da geometria para constituir o objeto a como

causa de desejo. É bem verdade que ele abrirá mão disso e se valerá da topologia a fim de

constituí-lo e caracterizá-lo na estrutura.

De acordo com o que já fora discutido, tem-se que o objeto a, inicialmente,

encontra-se referenciado no corpo, melhor dizendo, daquilo que escapa da imagem corporal;

trata-se do que se destaca do corpo e, sendo assim, daquilo que não tem imagem especular.

Como característica própria, é possível destacar a parcialidade. Esse objeto destacado do

corpo, das zonas erógenas compõe uma série: seio, fezes, olhar, voz, placenta e falo.

O desejo visa um objeto perdido e a pulsão se satisfaz ao contornar um vazio. O que

se destaca nos dois campos é o movimento e, se o objeto foi alcançado, o movimento

(pulsional ou desejante) cessa. Por conseguinte, é a estrutura de hiância (abertura)

dos dois campos que causa movimento, isto é, a constituição de um vazio, o nada

que causa a ação pulsional e a ação desejante (...) A pulsão contorna um objeto

indiferente (o que evoca uma carência) enquanto o desejo busca reencontrar o

objeto da satisfação plena, do qual só se tem pistas de sua ausência (...) A presença

e um movimento em torno de um vazio nos campos da pulsão e do desejo revela um

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isoformismo topológico que permite construir o vazio da pulsão, o resto da pulsão (o

seu objeto) como causa do desejo (...) É esse vazio que determina o desejo do

sujeito, o qual Lacan nomeará de objeto (...) (Dias, 1998, p. 52-53).

5.4. Acerca das Psicoses

Em Freud, a pulsão se constitui antes do desejo, já que sua teoria postula o auto-

erotismo precedente ao recalque originário, sendo este o fundante do inconsciente e do

movimento desejante. É claro que para que o desejo se instaure, é preciso que esses objetos

destacados do corpo se constituam como perdidos. Inicialmente, eles se situam no campo do

real, passando, posteriormente, a integrar o registro do simbólico (registro da falta). Sabe-se

que essa inscrição não se faz no campo das psicoses. Nestes casos, tem-se um indivíduo não

marcado pelo desejo, ou seja, puro objeto pulsional oferecido ao gozo do Outro. Não

ocorrendo a substituição do desejo materno pelo significante Nome-do-Pai, a castração

simbólica não se efetua; não há a queda de objeto decorrente da relação que se estabelece

entre o significante primordial da castração e o saber que se constitui disso (S1 – S2).

Retomemos, rapidamente, os primórdios da constituição do sujeito.

A alienação como vivência inicial e fundante de todo sujeito se constitui como um

processo em que o Outro é referência e princípio significante. Neste momento inicial, a

criança, em suas necessidades essenciais, evoca o Outro todo-poderoso para que este

compareça respondendo à altura daquilo que necessita. A princípio, trata-se de uma

necessidade, de fato10. O que acontece, no decorrer desta comunicação, é que ao responder, o

10 É importante notar a dificuldade de segmentar esses processos, tomando um princípio, um ponto de partida e, demarcando cronologicamente os processos subseqüentes. Ressalta-se que se trata de uma marcação didática a

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Outro devolve não somente aquilo que alimenta, mas o devolve com algo a mais; não se trata

apenas de satisfação da fome, por exemplo, mas de uma satisfação que está para-além disso. É

demanda. Não é o alimento que mata a fome, mas esse “algo a mais” naquilo que é ofertado e

que sacia o sujeito de forma parcial. Nesta conjectura, tem-se que esse Outro não responde a

tudo. Ele, é importante lembrar, está marcado pela falta. Fica, assim, um resto, uma hiância

que este Outro não consegue abarcar. É, aqui, que o desejo se impõe; nesta operação de

subtração entre a necessidade e a demanda. É naquilo que o Outro não consegue responder

que o desejo comparece. Não se pode deixar de notar a marca de uma falta presente na própria

constituição desejante.

O sujeito, assim, não pode ser todo. Há sempre uma perda. Dessa maneira, é possível

afirmar que o ser se constitui enquanto sujeito no campo do Outro; assujeitado aos

significantes e desejo desse Outro primordial. O sujeito é, assim, efeito de linguagem.

A falta-a-ser que constitui a alienação instala-se ao reduzi-la ao desejo (...) porque

ele ocupa este lugar através dessa encarnação do sujeito chamada castração, e pelo

órgão da ausência em que ali se transforma o falo. É esse o vazio tão incômodo de

abordar (Lacan, 2003, p. 324).

A castração vem subverter o sujeito ao mundo da linguagem, ou seja, a Lei de

proibição ao incesto, possibilitando abertura para a constituição do ser desejante. A renúncia à

mãe como objeto primeiro de desejo é imprescindível para que a castração se processe. O

desejo enigmático materno é substituído pela inscrição do Nome-do-Pai. Este traz consigo o

anúncio de que não é possível ser o falo. Este último, como significante, é aquilo que circula.

fim de facilitar a compreensão. De fato, o que ocorre, é um processo lógico e, sendo assim, impossível de delimitar cronologicamente.

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Não se trata de ser – ou não ser, mas de uma dinâmica que coloque este significante em

circulação, como matriz de referência para as posteriores perdas que o sujeito virá a enfrentar

ao longo de sua história. O pai castrador doa ao infans o falo simbólico, oferece aquilo que,

por estrutura, a mãe frustra. Cria, assim, uma possibilidade do desejo emergir, indicando que

o falo existe em circulação.

A ascensão ao falo simbólico (Φ) demarca a impossibilidade de acesso ao gozo para

os falantes. A inscrição da castração, em seu registro imaginário, e a marca que dela se

acarreta é revelada ao se introduzir o sinal negativo antes do ϕ (-ϕ). Posteriormente, esse falo

imaginário poderá vir a ser substituído por vários elementos pertencentes à cadeia simbólica –

bebê, dinheiro, etc. - ofertando ao sujeito, uma ilusão da possibilidade de completude

narcísica. Se o sujeito pôde chegar até aqui, pode-se afirmar que houve o cerceamento do

gozo puro, gozo do corpo e o alcance do gozo fálico, mediado pelo significante, marcado fora

do corpo (Machado, Disitzer, Costa & Brandão, 2005).

É importante lembrar do mito trazido por Freud em seu texto “Totem e Tabu” (1913

[1912-13]). Em poucas palavras, este traz em si o assassinato do pai, a fim de se alcançar a

possibilidade de gozar de todas as mulheres. Trata-se de um gozo experimentado pelo pai

mítico, sem bordas e sem limite ao gozo. São os primórdios da organização social, por meio

de uma Lei, de uma interdição e um lugar que, apesar de desejado, ninguém poderia ocupar,

de fato. O que daí se sucede é a instância superegóica que

garante a ameaça de se repetir o ato parricida e prevaricar o incesto (...) O pai real

é ainda quem vigia o ponto desta complexa castração simbólica, como uma dívida

da libra da carne, que não se paga por este gozo e se verificou que o gozo era

furado e o objeto falo a ser alcançado estava perdido. O pai real engendra a marca,

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a castração é a própria interdição e o objeto imaginário é negativo, posto que

ausente. Mais adiante, Lacan pôde estabelecer como uma metáfora, sob a égide do

NP e daí é, que recebe na significação fálica imaginária de um objeto, que falta o

seu valor daquilo que para o Outro é significado como desejo, o falo simbólico

operador da castração. Se a lei do nome do pai, substitui o caprichoso gozo sem lei

do desejo da mãe DM, ordenando-o, teremos o êxito do significante fálico ao extrair

o gozo do sexual do falo à fala” (Araújo, 2006, p. 2).

O que dizer, então, daqueles que, de alguma forma, não atingiram esta marca?

Lacan, em seu seminário V – “As Formações do Inconsciente” (1957-58) postula o

Nome-do-Pai como o significante que marca a Lei, ou seja, a inscrição da falta e a

possibilidade desejante no sujeito.

A afirmação primordial – Bejahung como operação que viabiliza o acesso ao

simbólico não está presente no casos psicóticos, assim como

(...) o acesso ao simbólico, no que ele aponta para as leis de alternância e equívoco

da cadeia significante. O Édipo, enquanto lei de simbolização, também fracassa, o

significante do Nome-do-Pai não se inscreve como falta simbólica no Outro (...) o

psicótico se situa fora da lógica fálica, principal conseqüência da operação da

metáfora paterna, aquela que condena o neurótico a girar em torno de um centro

único, medida de todas as coisas: o falo, que, do ponto de vista simbólico, partilha e

alinha os sexos e que, do ponto de vista imaginário, aponta para o desejo, se

inscreve como objeto de desejo do Outro (...) O sujeito (...) fica sem rumo frente a

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uma enxurrada de significações que não lhe bastam: os significantes correm fora da

cadeia, o sujeito permanece na errância, sem o arrimo do significante (...) não

suporta o não sentido, o fato de o significante não dizer tudo, seu equívoco, seu

princípio de alternância (...) na ha meia verdade, o psicótico coloca uma palavra

como verdade absoluta na boca do Outro (...) (Lacet, 2004, pp. 4-5).

Neste sentido, não há ponto de basta possível, acarretando uma inviabilidade de

articulação da cadeia significante. As redes de sentido estão perdidas por essa não-amarração.

Palavra e coisa se confundem; o atributo simbólico da palavra não se encontra preservado.

É importante notar que é o significante fálico que moldura o simbólico e abre as vias

de acesso ao desejo. Tendo sido forcluído esse significante, o psicótico fica imerso no gozo

puro e ilimitado. O gozo não descola do corpo e o sujeito encontra-se impossibilitado de

ascender ao gozo fálico.

(...) o significante faltou e seu trabalho de separar o gozo do corpo, falhou em sua

função de negativá-lo, esvaziá-lo do corpo para depois recuperá-lo como “mais-de-

gozar”, espécie de mais-valia, um resto de gozo limitado às bordas e orifícios

anatômicos onde a pulsão, contornando o vazio do objeto em objeto perdido,

extraído e separado do corpo, objeto a, encontra aí sua satisfação (Santos in Lacet,

2004, p. 9).

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No fracasso deste recurso, o que advém é um deslizamento metonímico e o retorno

daquilo que não fora simbolizado, como um conteúdo que comparece como vindo de fora, do

real.

Pode-se mencionar a psicose como resposta a essa não demarcação do gozo absoluto,

da Coisa. Trata-se de um gozo não mediado pela intrusão significante, pela castração. Tem-se,

assim, um gozo fora do circuito da linguagem, invasor, fora da renúncia e não inscrito na Lei

do desejo. A psicose está articulada ao registro do falo real. Neste sentido, tem-se que, na

psicose, o que não foi simbolizado retorna do real. Ou seja, trata-se do retorno do forcluído.

Na psicose, o sujeito, ‘livre’ de passar pela castração simbólica, não pode se

manifestar em um discurso no qual o objeto se constitui perdido. Experimenta (...)

um gozo louco, incomunicável, alojado em um corpo que escapa à simbolização e

prescinde do Outro. (...) o fracasso da metáfora paterna impossibilita a extração do

objeto a. O sujeito psicótico não pode inscrever-se na função fálica e isso produz

estragos – não pode simbolizar e nem localizar o gozo mediado pelo significante

fálico e é invadido por esse gozo não simbolizado, não localizado. Assim, na psicose,

o objeto a não inclui o -ϕ da castração imaginária. Ele funciona como puro real,

não pode enganchar-se ao desejo do Outro porque para o Outro ele não foi mais

que objeto de gozo (Machado et al., 2005, p. 59).

O Nome-do-Pai é o significante que vai dar significação ao desejo materno até então

enigmático. A metáfora paterna, ao se inscrever, interdita, cerceia o gozo e instaura a falta-a-

ser no sujeito. Neste sentido, marca-o como desejante ao mesmo tempo que traz consigo a

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proibição do incesto. A castração é a marca da falta com a qual o sujeito precisa lidar para que

se abram as portas do desejo.

Sem esta falta fecunda, sem que se cumpra a função imaginária de -ϕ, nada fica por

buscar no campo do Outro (...) O Falo não cumpre sua função como significante per

se, senão por meio de outro significante, o do nome-do-Pai, que permite a

instauração de um tronco fundamental, significante um (S1), ao qual poderão se

articular os significantes dois (S2) do saber inconsciente. O Falo barra a Coisa e

permite a emergência do sujeito ao se fazer representar pelo significante do nome-

do-Pai que permite a significação fálica. Se este tronco que é o nome-do-Pai falta

(...) não há limite para o gozo. Não há canal para a palavra articulada (Braunstein,

2007, p. 268).

Apesar de não estar fora da linguagem, o psicótico encontra-se fora do discurso. Em

contraposição ao neurótico, que oferece um testemunho permeado pelas suas insígnias e

marcas, o psicótico nos oferta um uma fala direta. Ele é habitado pela linguagem, diz de algo

que lhe falou. A sua relação com a palavra não tem mediação com o outro da imagem (a ∏

a’), mas vem direto do Outro. Na psicose, o sujeito é falado, revelando um código absoluto e

enigmático, muitas vezes, não compartilhado. Não há, nestes casos, um significante de

referência, de enodamento que permitiria a inscrição de uma trilha por onde os subseqüentes

significações passariam.

Nestes casos, há um gozo que insiste, puro momento originário e que se encontra

aquém da palavra. Trata-se de um gozo indizível, que se origina no Outro e que não tem a

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marca do simbólico. A palavra não tem, neste sentido, sua função moduladora. O sujeito

encontra-se inundado e devastado pelo Outro, este Outro que faz dele seu objeto de gozo.

Já que não pode contar com o saber suposto do pai, o psicótico é obrigado a

sustentar, sozinho, uma significação que permite um ordenamento da sua relação

com o mundo externo, os objetos e seu corpo. Na construção delirante de Schreber,

as coisas vão tão longe que o mundo inteiro está tomado neste delírio de

significação, de modo que não ha nada do que o cerca, que, de certo modo, não seja

ele. Em compensação, tudo o que o cerca é, de certa maneira, vazio dele próprio

(Masagão, 2004, p. 6).

O psicótico fica, assim, a deriva diante do desejo do Outro. Ele não porta de

significantes que o permitam significar o desejo materno. É assim que esses sujeito se

posicionam no fantasma: como objeto do gozo do Outro, como dejeto, resto que ocupa o lugar

de preencher o que falta ao Outro, no campo do real. o gozo, desta maneira, encontra-se do

lado do Outro. É o Outro que goza. O psicótico encontra-se apenas como objeto parcial para

este Outro gozar.

A psicose, assim, marca a não inscrição da castração simbólica, não comparecendo o

desgarramento do gozo do corpo e nem mesmo o registro do objeto como para sempre

perdido. O psicótico está em contato direto com esse objeto, não há metáfora ou metonímia

possível para que ele entre na cadeia significante. Aqui, não se abre mão do gozo, não há

perda; não há relação com o objeto perdido, tendo-se em mente que ele não se encontra

perdido. Ele está logo ali.

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Solal rabinovich in Machado et al (2005) diz que ‘nunca perdido, o objeto não é a

ser achado, ele está ali. É no seu corpo que se produzem os efeitos do corte

significante, do qual o sujeito é exilado’. Um ‘além’ do falo que marca a passagem

do sujeito psicótico pela linguagem mas que, entretanto, ex-siste ao discurso. Além

da linguagem e aquém da palavra, pois os psicóticos são sujeitos cujo o corpo é um

cenário onde se derrama sem limites a palavra do Outro. Em que a ‘palavra’ opera

como um real alucinatório e a ‘linguagem’ pode chegar, pela via do delírio, da

suplência, para frear o gozo, mesmo que precariamente. Trata-se, nestes sujeitos,

de uma ‘economia’ em que ‘reina’ o imperativo: goze! (Machado et al, 2005, p. 61).

Ao faltar a inscrição da metáfora paterna, o canal central de todas as outras e

posteriores significações fica bloqueado; os demais elementos vagam desorientados, sem uma

direção a seguir. O sujeito, neste sentido, fica a mercê de um gozo Outro, inefável e indizível,

submetido a um desejo materno que é devastador.

O Pai vem dar fim ao pior. Não resta nenhuma dúvida de que ele é um impostor e

que a conseqüência de sua impostura é a submissão do sujeito às ataduras do

discurso. Pela interferência do Nome-do-Pai o sujeito é desalojado do gozo, da

sarsa ardente da Coisa. Impostura não é em contrapartida, o desejo da Mãe; esse

sim é bem real. Sabe-se de seus efeitos quando a impostura fracassa, quando o

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sujeito não entra nessas formações de discurso e formações do inconsciente que não

são semblante. Sobrevém o pior (...) (Braunstein, 2007, p. 273).

5.5 As Contribuições de “Bate-se numa criança” (1919)

Se os trabalhos iniciais de Freud começam a tratar a perversão como limitada ao

campo do sexual; eles também permitem avançar no sentido de que a trazem para o âmbito da

normalidade. Encontra-se, inclusive, uma certa dificuldade para separar o que é da ordem do

normal e do patológico, principalmente, ao afirmar a presença da sexualidade na infância – a

sexualidade infantil é perverso-polimorfa (Freud, 1905).

A princípio, tinha-se uma paridade entre a pulsão e a perversão. A partir de 1915,

Freud, em seu texto “Pulsão e suas Vicissitudes”, vai iniciar a separação entre a pulsão e a

perversão, marcando suas diferenças e particularidades. Há, neste sentido, uma tentativa de

destacar o que é da ordem pulsional e da perversão. A pulsão constituiria, assim, um

movimento, uma dinâmica.

É bem verdade que no intuito de fazer essa separação, Freud irá precisar dar um

passo a mais e que, só foi possível pelos seus avanços com relação à teorização da fantasia.

Está se falando do célebre texto “Bate-se numa criança”(1919). A partir deste trabalho, a

perversão estará articulada ao complexo edípico do sujeito e a fantasia será teorizada a partir

de alguns elementos importantes, tais como as vivências edípicas do sujeito, os percursos

pulsionais e a constituição do objeto.

Cabe ressaltar que perversão não é pulsão, não é fantasia e, muito menos, se refere a

comportamentos de cunho maldoso ou cruel. O presente trabalho vem mostrar que não é disso

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que se trata. Não se pode, a partir de referências tão simples e, muitas vezes, fenomenológicas

estabelecer um diagnóstico. Para tal, é de suma importância levar em consideração a posição

que o sujeito ocupa no desejo do Outro e sua relação com o fantasma.

No início da construção freudiana a respeito das fantasias, não se tem uma distinção

clara entre os termos fantasia, recordação e devaneio. Há quase que uma equiparação destes

elementos. Freud utiliza um ou outro, sem muito rigor na diferenciação entre eles.

Em “Fantasias Históricas e sua relação com a bissexualidade” (1908), Freud propõe

a fantasia como núcleo central da formação do sintoma. Ou seja, a fantasia como causa da

configuração sintomática do sujeito. Pelo processo de recalque, a fantasia se tornaria

inconsciente e forneceria, assim, todos os elementos para a constituição do sintoma. Neste

sentido, o trabalho do clínico se daria em torná-la consciente, em busca de uma eliminação

dos sintomas. O caminho seria, dessa forma, recuperar o conteúdo fantasmático – já

inconsciente- e dispor esse material ao saber do sujeito. Este seria o intuito da interpretação

(Vidal, 1993).

Grandes e importantes mudanças nas formulações freudianas são alcançadas a partir

de seu texto de 1919: “Bate-se numa criança”. Trata-se de um outro momento de sua clínica;

neste momento, trata-se da construção de um fantasma no processo analítico, ou seja, de uma

construção que permita uma aproximação e um contorno desse indizível, do real. Há muito11,

ele dizia que a fantasia se constitui de restos ouvidos e vistos, não compreendidos pelo

sujeito.

O fantasma seria, então, uma construção a posteriori, em que esses conteúdos vistos

e ouvidos, referentes às cenas primárias, teriam um apoio.

11 Ver em suas cartas a Fliess – carta 61 (1897) e no Manuscrito M (1897).

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Esse real primeiro, excluído do significante, é matéria do fantasma. Produz-se uma

passagem do acontecimento traumático real ao real indizível do trauma. Esse

“encontro” com o fantasma é considerado momento inaugural da psicanálise (...) A

teoria analítica recorre à construção do fantasma para escrever o real impossível,

separando assim, a ficção do ilusório. O estabelecimento do fantasma fundamental é

uma operação de construção da teoria (Vidal, 1993, p. 99).

Em seu texto “Além do Princípio do Prazer”(1920), Freud define três tempos do

trabalho analítico: a interpretação do material inconsciente; vencer as resistências na

devolução da construção ao sujeito e reaver uma lembrança esquecida. A pulsão de morte,

apresentada neste trabalho, se constituiria um marco fundamental na constituição de uma

outra clínica (Vidal, 1993). Haveria algo não representável e que se repete. Aqui, há um

anúncio do momento de virada freudiano, de uma clínica da construção do fantasma, que

marca a repetição, o gozo, o mais-além.

A construção tem a função de estabelecer um texto onde há algo impossível de ser

dito. A construção não pretende dar uma resposta de significação ao desejo.

Constrói-se em torno do faltante; um enigma é relançado (...) A verdade toca o real,

as palavras faltam para dizer a verdade toda (...) A necessidade da construção se

desprende da impossibilidade que o recalque primário instaura: algo que nunca teve

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acesso à consciência, à palavra, isto é, o que se constitui fora do campo da

representação (Vidal, 1993, P. 99).

Lacan entende que o processo analítico envolve a construção de uma frase que

articule o fantasma. No princípio, ele acreditava que a fantasia se revelava a partir de sua

vertente imaginária. De acordo com Vidal (1993), o tripé dessa estrutura se apresenta da

seguinte forma: a cena calcada sobre a imagem do corpo próprio, o objeto e o eu em sua

alienação e rivalidade; a fixidez da captação da imagem. O fantasma está relacionado ao eixo

a ∏ a’ do esquema L, ou seja, na relação imaginária eu ∏ outro; relação esta que perpassa a

direção da mensagem vinda do Outro.

Freud (1919) vai articular fantasia e perversão. O autor admite uma realidade

psíquica, realidade esta que é da ordem da fantasia. Trata-se da forma que o sujeito interpreta

e lê o movimento pulsional, articulado às questões edípicas. Diz respeito a uma espécie de

cena-enredo frente a qual o sujeito se encontra numa posição de apassivamento, revelando o

modo de apropriação libidinal. É um momento de suma importância, pois marca a separação,

a barra ao gozo materno mortífero e a possibilidade fundante do sujeito. Pela incidência do

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Nome-do-Pai, a criança imersa no gozo materno, ascende ao gozo fálico. Não há

possibilidade de ser o falo; a lógica se altera: do ser para o ter.

O primeiro tempo da fantasia, configura-se em um adulto que bate em outra criança.

Isto pode ser lido como : o pai bate em uma criança, no rival, naquele que é odiado. O sujeito

encontra-se numa posição de quem vê, assiste a cena, como um observador detentor de gozo –

olhar de gozo. A idéia é: o pai não ama aquela criança. Só ama a mim.

No segundo tempo da fantasia, o bater transforma-se em ser amado. Ser batido é o

nome do gozo do sujeito; ele goza disso. Na dor, há prazer e no prazer, há dor. Quando, na

passagem gramatical, o ‘bater’ se declina em ‘ser batido’, o sujeito se apresenta em seu gozo

masoquista. Quando esta cena é colocada à luz, adquire uma característica perversa. É

importante mencionar que uma fantasia colocada em ação não diz da perversão como

estrutura, mas sim de um traço perverso. Há que se diferenciar isso, pois este traço pode estar

presente em qualquer das estruturas.

O Nome-do-Pai é o significante que vem nomear o enigma do desejo materno e

amarrar os três registros: real, simbólico e imaginário, instaurando o campo do empírico e da

realidade. O Nome-do-Pai, como metáfora paterna, se inscreve como Lei, interditando o

desejo materno e, instaurando, no campo do imaginário, a significação fálica. Neste sentido, o

Nome-do-Pai produz uma barra, um cerceamento do gozo pela via fálica, da castração. O

supereu e o mandato de gozo comparecem como as decorrências deste processo.

O fantasma, em sua formulação $ ◊ a, marca o sujeito como barrado, inscrito na

linguagem, na articulação significante. Isto ocorre como efeito de uma falta constatada no

Outro.

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É dessa falta que o Outro é suposto desejo. Dele retorna ao sujeito a pergunta sobre

o insondável do desejo: Che Vuoi? Mais além de seu discurso, do que diz, que é o

que o Outro quer? Perguntas que conduzem o sujeito ao enigma do desejo. O

fantasma é uma resposta: “o pai me bate”, que significa, “o pai me ama”. É no

fantasma que o sujeito se faz coisa, joguete de vontade desse Outro déspota e

tirano. Com a abolição de sua autonomia, mostra no fantasma sua verdadeira

condição: ser sujeitado ao desejo do Outro. O ser falante é apenas falta de ser que o

significante instaura. A consistência, esse “pouco de realidade” é trazido pelo outro

elemento do fantasma: a (...) estatuto real de a (...) borda topológica que sustenta o

campo R da realidade (...) borda funcionante entre Sujeito e Outro, articulação que

instaura o fantasma e a realidade. Alienação ∏ separação são operações

ininterruptas do ser falante, que determinam o Sujeito a partir do Outro, e o objeto

na interseção da falta entre Um e Outro (Vidal, 1993, pp. 100-101).

Neste sentido, tem-se que o sujeito se oferece como objeto para o pai para ser amado,

gozado. Isso é de suma relevância, pois vem em substituição à imersão do sujeito no campo

do gozo materno – verdadeiro incesto, sem barra, sem limite ou cerceamento; trazendo

conseqüências graves ao sujeito.

A partir do recalque originário, o representante da pulsão se inscreve no

inconsciente, ao mesmo tempo em que o objeto a se separa, firmando-se como mais-de-gozar,

como satisfação. Conforme já mencionado, a pulsão não se esgota em sua representação, ou

seja, não é totalmente representável. É neste contexto que a pulsão de morte advém, como

sem representante, como além, como um “a mais” impossível de ser dito. O masoquismo

primário é o nome deste gozo real, puro, deste resto da divisão que funda e inscreve o sujeito.

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A frase do fantasma construída analiticamente - “eu sou batido pelo meu pai”- situa o sujeito

na dimensão masoquista do gozo, num momento jamais lembrado, que nunca acedeu à

consciência. “O fantasma conjuga o gozo erógeno da pulsão com o pai obsceno e cruel que

escapa à regulação da lei e da castração” (Vidal, 1993, p. 101).

5.6 Acerca da Perversão

Conforme, anteriormente trabalhado, a sexualidade infantil é regida pela premissa

fálica de que todos têm o falo. A criança, neste momento inicial, recusa a percepção da falta

materna. Neste sentido, o infans percebe a diferença sexual – castrados e não-castrados e, a

partir disso, posiciona-se frente a essa falta.

De acordo com o que já fora trabalhado, tem-se a Verdrängung (recalque), a

Verwerfung (recusa, forclusão) e Verleugnung (desmentido) como posições subjetivas que

derivam de uma defesa frente à irrupção da pulsão no aparelho psíquico. O fracasso, é

importante mencionar, viabiliza três possibilidades de retorno do recalcado: na neurose, o

sintoma; na psicose, a alucinação; na perversão, o fetiche.

O que ocorre na perversão é que a renegação é a defesa primária. O sujeito perverso

recusa essa falta no Outro primordial12. Há quase que uma obstinação da criança em a mãe ser

detentora de um falo. Ele renega a castração materna, renega a percepção que indica a falta do

12 É importante mencionar que isso ocorre em todas as estruturas; a renegação e a recusa estão presentes na base inicial de constituição de todos os sujeitos. O cerne da diferenciação entre as estruturas se dá na posição que o sujeito ocupa diante dessa conjuntura.

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falo13 no Outro. Outra consideração importante é que na perversão, não se trata de

ambivalência, mas de contradição lógica, ou seja, do desmentido.

Nos casos de perversão, além da renegação, o sujeito dá um passo a mais: criação do

fetiche. Este permite situar a presença/ausência do pênis materno; diz respeito à apreensão

subjetiva para o pênis faltante. Não se trata de um substituto para qualquer pênis, mas sim de

um substituto de um pênis da primeira infância, que fora perdido. O fetiche configura-se

como o substituto do pênis materno situado a partir de uma crença imaginária

(crença/percepção – rejeição – fetiche). De acordo com as contribuições trazidas por Lacan, é

possível dizer que o fetiche, assim como o sintoma, é um compromisso criado a partir de um

processo metafórico e metonímico.

A constituição do objeto fetiche se dá na última percepção vista antes da criança

vislumbrar a falta no Outro – é a castração do Outro que vai retroceder como ameaça de

castração sobre o sujeito. Neste momento, há uma fixidez, um congelamento, uma fixação da

pulsão ao seu objeto. O fetiche ergue-se como uma defesa frente ao horror da castração, ao

mesmo tempo, que se constitui como um monumento que indica a falta. Melhor dizendo, o

fetiche indica e esconde a falta, defendendo o sujeito da angústia de castração. É da ordem do

artifício, da invenção, sendo usado para tamponar e elidir o furo, a castração no Outro.

A castração, assim, é vivida de forma terrorífica, a angústia é avassaladora. O fetiche

comparece não como substituto do pênis materno, mas como o substituto da falta fálica;

comparece metonimicamente, enraizado na falta; é o equivalente da castração. Não se trata de

substituto metafórico; pois, assim, seria possível a equivalência na cadeia: bebê, dinheiro...

Mas não se trata disso.

13 Há que se considerar o falo como diferente do órgão pênis. Trata-se de um objeto de desejo; desejo esse assentado na falta e que se dirige a um objeto simbólico.

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(...) o fetiche é estanque. Pode-se dizer que ele é a cristalização do ‘vaivém entre

recusa e reconhecimento’ em uma posição extrema, e neste sentido ele difere

fortemente da solução neurótica. Contudo, esta posição extrema não corresponde a

uma anulação radical do reconhecimento. A recusa fetichista não consegue tornar

efetivamente não-ocorrida a falta. O fetiche só existe porque a mãe não tem o pênis

(...) A Verleugnung nunca é a recusa de uma presença, mas sempre recusa da falta

(...) O dispositivo fetichista e a operação neurótica se situam em um mesmo nível, os

dois sendo decorrentes da possibilidade de desconhecimento (ou mal-conhecimento)

da falta da coisa (Rivera, 1997, p. 3).

Ao considerarmos a célebre colocação freudiana de que a neurose é o negativo da

perversão, tomada em seu artigo “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), é

possível invertê-la, com Lacan, ao pensar a perversão como a positivação da neurose

(Braunstein, 2007). Antes do citado trabalho, não se reconhecia uma aproximação clara entre

essas duas estruturas clínicas. Posteriormente, percebeu-se que mesmo os neuróticos

poderiam ser fisgados pelo fetiche. Além disso, a noção de patologia foi reconsiderada,

alegando que um quantum patológico era perceptível em muitos dos casos de normalidade.

No campo das neuroses, neste momento em que o eu se silencia e o sujeito se mostra

barrado, em sua divisão inaugural o gozo se faz ver de várias maneiras, seja pelo sintoma, seja

pelo sofrimento que o sujeito traz em sua fala. A castração sofrida pelo neurótico o inscreve

na linguagem e na Lei; ela, o sujeito repudia; e o seu sofrimento diz muito do não saber o que

fazer com ela. Neste sentido, esses sujeitos experenciam o gozo sem saber – gozam de não

saber. Aqui, encontra-se a paixão da ignorância neurótica descrita por Lacan. A neurose recria

e disfarça o gozo com a roupagem do sintoma. Nestes casos, o gozo se faz presente nas cenas

fantasmáticas do sujeito. São momentos importantes do processo analítico e ocorrem com

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uma certa dificuldade do analisante em recordar ou confessar essa vivência 14 (Braunstein,

2007).

É sabido que, na neurose, o gozo não é, de fato, realizado. Está condenado a se

manter guardado; por vezes, poderá ser utilizado, colocado em cena; contudo, não sem a

vivência do asco, da culpa, do remorso e da decepção.

Desta maneira, é possível pensar que a diferenciação entre a neurose e a perversão

não está na atuação, mas na posição subjetiva, ou seja, na posição que o sujeito ocupa diante

do Outro, diante da cena.

Com efeito, se o neurótico (...) busca um saber que lhe permita recuperar o gozo

perdido, queixando-se do Outro que goza, imaginando com vergonha que é um

desavergonhado, o perverso toma uma atitude que é o contrário, o positivo dessa

negatividade. Ele vive para o gozo, sabendo quanto é dado saber sobre o próprio

gozo e alheio, pregando seu evangelho, afirmando seus direitos sobre o corpo,

ostentando seu domínio. O que em um é falta e dever, no outro é haver e saber

(Braunstein, 2007, p. 245).

Lacan, em seus trabalhos, vai posicionar a castração e o gozo em oposição, ou seja,

é necessário um corte de gozo, que se recuse a ele para que se alcance a castração. É porque

houve essa renúncia que se pode aceder à Lei do desejo. Apesar disso, não se pode afirmar

que o perverso não tem desejo. O desejo, neste caso, está apenas pervertido. De uma certa

14 O próprio Freud reconhecera essa dificuldade. Em seu texto “Bate-se numa Criança”(1919), mencionará o segundo tempo da fantasia como algo dificilmente relembrado e confessado pelo sujeito. Tratar-se-á de uma temporalidade a ser construída em análise.

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forma, a inscrição da renúncia se fez (“eu sei, mas mesmo assim...”) – por isso perverso e não

psicótico – embora sempre tente alcançar esse gozo. Essa renúncia que se faz desejo e, ao

mesmo tempo, divide o sujeito – sujeito barrado. Isso não impede que esse desejo seja

transformado em vontade de gozo; contudo delimita as bordas até onde a vontade de gozo

pode chegar.

De acordo com Godim (2006), na perversão, não se trata de reconhecer para depois

negar.

É justamente a particularidade de ser a um só golpe – reconhecimento e negação –

o que caracteriza a Verleugnung como mecanismo próprio da perversão. Este é o

imperativo que precisa se manter no cerne da questão perversa quanto à castração e

que se apresenta como vontade de gozo. Manobra que, pode ser situada no matema

do fantasma perverso, entre $ e S ... ao nível da flecha $ → S que põe em jogo ao

mesmo tempo a falta ($) e um prazer referido ao falo enquanto ele não falta (S) (pp.

118-119).

Diante dessa configuração, o sujeito ergue um substituto que, ao mesmo tempo, vela

e revela a falta fálica. Ou seja, o fetiche comparece como substituto do pênis faltoso no Outro

e protege o sujeito da ameaça de castração. De fato, é uma via de mão dupla.

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Além da reposta do sujeito diante da falta, é preciso considerar que o infans assume

uma posição frente ao desejo do Outro. Diante do enigma daquilo que o Outro deseja, o

sujeito responde com a criação da fantasia. Há que se considerar que os sujeitos se

posicionam de forma diferenciada em relação ao desejo do Outro primordial. Este ponto será

utilizado para a constituição do diagnóstico diferencial. No presente trabalho,

especificadamente, a posição do sujeito frente ao desejo do Outro e na fantasia, como base

essencial na diferenciação diagnóstica entre a psicose e a perversão.

Em seu texto Kant com Sade (1998), Lacan traz a fórmula do fantasma perverso,

levando em consideração os trabalhos de Kant e Sade.

5.8 As contribuições de “Kant com Sade” (1998)

Este texto deveria ter sido publicado com prefácio para o livro sadiano A Filosofia na

Alcova. Fora, contudo, publicado na revista Critique – n° 191 de Abril de 1963, como uma

resenha da edição das obras de Sade.

Neste artigo, Lacan fará algo que, minimamente, é inusitado: vai fazer uma

aproximação entre Sade, tido como imoral e subversivo e Kant, tido como alguém que

promove a moral e a ética. De acordo com esse último, nenhum fenômeno pode se fundar ou

prevalecer numa relação constante de prazer. É impossível enunciar uma lei dessa natureza,

isto é, portanto, uma lei que defina como vontade o sujeito que a introduz em seus costumes.

É importante afirmar que, ainda segundo Kant, tem-se que

(...) é no momento em que o sujeito já não tem diante de si objeto algum que ele

encontra uma lei, a qual não tem outro fenômeno senão alguma coisa já significante,

que é obtida de uma voz na consciência e que, ao se articular nela como máxima,

propõe ali a ordem de uma razão puramente prática, ou vontade. Para que essa

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máxima sirva de lei, é necessário e suficiente que, na experiência de tal razão, ela

possa ser aceita como universal por direito de lógica. O que, lembremos sobre esse

direito, não quer dizer que ela se imponha a todos, mas que valha para todos os

casos, ou, melhor dizendo, que não valha em nenhum caso, se não valer em todos

(Lacan, 1998, p. 778).

Kant é um grande filósofo moral que contesta os princípios aristotélicos. De acordo

com ele, a lei moral não pode estar ligada a um objeto material. A lei não depende de um

objeto sensível e empírico; neste sentido, o sujeito só acede à lei quando não mais padecer do

objeto, quando o objeto não mais ditar as regras, ou sejam quando o lugar de objeto for

esvaziado. Sendo, só é possível ser moral, ético, se houver o esvaziamento do objeto.

Em contrapartida, Sade vai discutir a natureza e a verdade do objeto kantiano. Trará

à tona toda a barbárie humana, afirmando que o bem supremo do homem é a sua maldade.

Neste sentido, é possível adiantar que o suporte da lei que Kant sustenta é o próprio objeto de

gozo que ele recalca.

Lacan enxerga o perverso como um grande moralista, por ensinar a verdade sobre a

ética. Diante de um sujeito moral, adaptado em sua vida medíocre e cotidiana, o perverso

comparece para desvelar o gozo do sujeito, para apontar onde ele goza; ponto este,

desconhecido e recalcado pelo sujeito; aquilo que lhe traz horror e ele não quer saber.

O bem supremo diz do gozo, da maldade que é inerente a todo sujeito. Assumir essa

essência abre a possibilidade de uma ética. De acordo com a proposta sadiana, renunciar a

pulsão é negar que o que move o sujeito é o gozo. Sade nomeia aquilo que Kant não

conseguiu definir. A ética, neste sentido, não é fundada no desejo, mas no gozo.

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Eis a máxima sadiana: “Tenho o direito de gozar de teu corpo, pode dizer-me

qualquer um, e exercerei esse direito, sem que nenhum limite me detenha no capricho das

extorsões que me dê gosto de nele saciar”. Esta é pronunciada pela boca do Outro,

desmascarando a fenda, normalmente, escondida do sujeito. É bem verdade que o gozo é

aquilo que pelo qual se transforma o fenômeno sadiano. Gozo esse que se encontra preso no

Outro. A fantasia sadiana possui uma estrutura na qual

(...) o objeto é apenas um dos termos onde pode extinguir-se a busca que ela

representa. Quando o gozo se petrifica aí, ele se torna o fetiche negro em que se

reconhece a forma efetivamente oferecida em um certo tempo e lugar, ainda nos dias

atuais, para que nela se adore seu deus. É isso que advém do executor na

experiência sádica, quando sua presença se resume, em última instância, a não ser

mais do que seu instrumento. Mas o fixar-se seu gozo nela não o livra da humildade

de um ato em que ele não pode entrar senão como ser carnal e, ate a medula, servo

do prazer (...) O desejo, que é o fautor dessa fenda do sujeito, sem dúvida se

conformaria em se dizer vontade de gozo. Mas essa denominação não o tornaria

mais digno da vontade que ele invoca no Outro, provocando-a até o extremo de sua

separação de seu pathos, pois, para fazê-lo, ele já começa derrotado, fadado à

impotência (Lacan, 1998, 784).

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Neste sentido, pode-se mencionar o desejo perverso como vontade de gozo, assim

como afirmou Lacan neste texto de 1998. O autor situa a vontade de gozo como imperativo

categórico kantiano, marcando o desejo como um dever.

A perversão está do lado do saber e vai mostrar ao neurótico ou ao psicótico onde ele

goza. O primeiro deseja estourar, ultrapassar os limites do outro, visa o obsceno. A Lei que

vem do Outro é a lei do gozo, que situa o perverso como seu instrumento. O perverso busca

desvelar a divisão ao sujeito, em seu princípio, ali onde o sujeito começa dividido e alienado

ao Outro; revela a posição do sujeito em relação ao Outro primordial. Não se busca o

sofrimento e a dor, como alguns acreditam. O que se almeja é a divisão e a angústia do

sujeito. É neste ponto que o perverso goza.

De acordo com essa noção, o sádico não almeja provocar o sofrimento de seu

parceiro. O que ele busca

(...) é a sua divisão subjetiva que o sofrimento permite fazer emergir da vítima, isto

é, separar o logos do pathos. Na cena da tortura, o sádico se apodera da totalidade

do logos(...). Ele sacrifica sua subjetividade a um Outro gozador (...) reduz-se a ser

apenas uma voz que enuncia o mandato do gozo, e um instrumento que o executa

como um funcionário zeloso. A vítima, o sujeito a ponto de desaparecer, se divide

entre corpo e fala, sofrendo todo peso da angústia (Dias, 2003, p. 175).

Na cena de tortura, entre o sádico e o masoquista, resta a este último apenas o

grito. Neste apoderamento do logos o que resta é o grito do outro; desvelado em sua divisão.

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A perversão anuncia a Lei simbólica como uma lei do gozo absoluto. É relevante

ressaltar que o perverso não está fora da Lei ou do Outro. Encontra-se articulado ao Édipo e à

sua lei, embora decante o desejo em desejo de gozar. Essa lei é referenciada e se enuncia no

Outro, postulando o desejo como vontade de gozo. Trata-se de uma lei que se impõe por um

“capricho” e que em nada está relacionado a racionalidade ou vontade. Não há força de

discurso, consideração ou motivação. Trata-se de ser porque é; de um caráter absoluto. Quase

um “quero porque quero”, se pudéssemos ser bem sucintos.

Desta maneira, pode-se mencionar a posição que o perverso ocupa: de objeto, dejeto

diante do Outro. Especificando melhor, instrumento do gozo do Outro. Esta é sua posição

fantasmática.

A fórmula da fantasia que para o neurótico se coloca como $ ◊ a, se apresenta na

perversão como a ◊ $. Enquanto a neurose interroga o Outro a respeito do desejo e o demanda

uma posição localizada no próprio desejo do Outro, o perverso se apresenta como a resposta.

Não se trata de uma questão que será colocada, mas de uma imposição, de uma resposta

categórica. É neste sentido que é possível afirmar que o perverso é a causa pela qual o sujeito,

o parceiro se divide. Cabe ressaltar que é aí que ele, o perverso, se torna instrumento do gozo

do Outro; não está subvertido aos enlaces da cadeia significante, pois se identifica com o

resto, com o impossível, com o real que torna possível aceder ao gozo do Outro, com a causa

de desejo do Outro. Vira resto, meio, utensílio, objeto através do qual o Outro alcança o gozo.

É o próprio objeto a.

É do lugar de objeto, e para uma vontade de gozo, (...) que o perverso a fim de

provocar no Outro a emergência de uma divisão do sujeito, faz vibrar a angústia ao

lado de suas vítimas. A posição singular do perverso frente à castração vem colocar

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uma questão quanto à divisão subjetiva. O sinal dessa divisão é a angústia e sua

prova, nesses casos, é buscada no Outro. A manobra perversa vai fazer com que a

angústia sempre apareça do lado de seus parceiros. É imprescindível que ela se

apresente assim. Sua posição de objeto visa essa angústia, mas a angústia de que se

trata aqui, é a angústia do Outro (...) Isso equivale a dizer que, nas cenas (...) o

perverso se coloca no lugar de objeto a – embora de forma denegada – buscando a

angústia do Outro (Gondim, 2006, p. 118).

Essa configuração não se mantém sozinha. O perverso precisa ter um par com quem

possa atuar sua fantasia, provocando a divisão subjetiva e a angústia extrema do sujeito. Seu

desejo metaforseado em vontade de gozo depende de uma não autorização do par em gozar de

seu corpo. O perverso vive o gozo e para o gozo.

Sua aposta consiste em saber, sempre mais, mais ainda, sobre o possível corporal

ante o impossível da relação sexual. Sonha com um trazer de volta no real, por sua

atividade encenadora do fantasma, daquilo que a castração lhe obrigou a entregar.

Desaparece como sujeito para ser, desde o lugar do objeto, o senhor do gozo

invulnerável à divisão, essa divisão que translada sobre o outro. Procura,

incansável, fazer passar o gozo pelos desfiladeiros do discurso e assim controlá-lo

(Braunstein, 2007, p. 259-260).

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O matema invertido na perversão, assim, aponta a posição de objeto ocupado pelo

sádico – e não de sujeito do fantasma – apresentando-se como instrumento da vontade de

gozo absoluto de um Outro gozador.

Daí se dirige à vítima, a quem é deixado todo peso da subjetividade, e a divide de

modo mais profundo entre a submissão à voz imperativa e a revolta contra a dor, até

que ela desmaie. Ele visa produzir um sujeito mítico, nunca atingido, um puro

sujeito do prazer, isto , um sujeito que só experimenta prazer ao gozar (...) As

servícias infligidas visam extrair do gozo sua parcela de dor, isolar aquilo que, no

gozo, é o mal, a fim de revelar um puro prazer, sem mistura (Dias, 2003, p. 176).

A vontade de gozo se impõe e personaliza a estrutura perversa. Trata-se de

ultrapassar o bem estar, a baixa tensão, a diminuição do prazer em busca de um bem supremo:

o gozo! Ele afirma a existência de um prazer pleno e o desnuda. O perverso é o mestre que

instaura o gozo como possível. O desejo, nestes casos, é reduzido à pulsão, ou seja, há uma

indiferenciação quanto ao objeto, numa busca desenfreada pela satisfação. O objeto, neste

sentido, é a própria satisfação. O desejo, assim, se apresenta como vontade de gozo. Ao

enunciar o gozo do sujeito, o perverso desnuda a posição do sujeito enquanto objeto do gozo

do Outro, isto é, o masoquismo original.

É fundamental pensar como essa estrutura se coloca no matema da fantasia. Sendo

esta

(...) uma resposta à pergunta sobre o desejo (...); trata-se da relação do ser ao gozo,

momento de elipse do sujeito e de sua passagem para o objeto. Nesta ligação entre o

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sujeito do inconsciente e o objeto a ($ ◊ a), o sujeito está no traço do corte, constata-

se sua presença no momento de dessubjetivação que se precipita no terceiro tempo

da fantasia, destacando um puro olhar e bater. O objeto na fantasia não se reduz ao

objeto da pulsão parcial (o seio, o excremento, o olhar e a voz), o resto é tomado

como função (o que resta mais-além, inalcançável) (Dias, 2003, p. 174).

Ao considerar a fantasia em sua função de apoiar o desejo na neurose, isso se

diverge nos casos perversos. Nestes, o desejo se faz vontade de gozo; implicando um

desaparecimento do próprio sujeito, já que este se coloca como vontade do gozo do Outro. É

esta sua posição na fantasia. Almeja apreender o objeto a no Outro, ali onde objeto a e gozo

do Outro estão misturados, sem delimitação.

Como tela de anteparo erguida frente ao Real e ao gozo, a fantasia, em seu matema

$ ◊ a, representa a posição do sujeito diante desse Outro. Enquanto o neurótico se afirma em

sustentar o desejo do Outro, o psicótico está posicionado como objeto do gozo do Outro,

enquanto o perverso, como instrumento do gozo - para o Outro gozar. O que o perverso

desconhece é que ao acreditar fazer do outro seu objeto, é ele mesmo que está como objeto do

Outro na lógica da fantasia. “(...) o perverso, confrontado muito mais de perto com o impasse

do ato sexual (...) faz das malhas da fantasia o aparelho condutor pelo qual furta, em curto-

circuito, um gozo do qual nem por isso o lugar do Outro o separa” (Lacan, 2003, p. 327).

Ao se considerar agente da ação, o perverso não é nada mais que objeto, ferramenta

útil ao gozo do Outro. Conforme afirma Lacan (1963): (...) o que ele não sabe é o que ele

procura (...) fazer aparecer a si mesmo como puro objeto (p. 118)

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Ele se torna funcionário do Outro, alienando seu trabalho para que um Outro

continue a gozar. Não é nada mais que um utensílio, um objeto a serviço do gozo do Outro.

Ele é o fetiche que venera, é o chicote com que flagela sua vítima, é o contrato com

escraviza seu flagelador (...) Em suma, ele é a, um a que positiviza o falo, que nega

que o falo falte, que assegura que o gozo se falifica no Outro (...) Pois esse Outro a

que se consagra o perverso não é – se bem ele não queira sabê-lo – um Outro

absoluto que está fora do gozo; o Outro é a sede de um gozo que lhe é próprio e que

o perverso desconhece, um gozo que é possível precisamente pela falta do órgão

que, para ele, imaginariza o falo ( Braunstein, 2007, p. 256).

Sendo assim, pode-se afirmar que, na cena perversa, quem comanda é o ser de gozo.

O que a fórmula da fantasia apresenta, nestes casos, é que o perverso se posiciona como

objeto causa de desejo para causar a divisão do Outro; para levar o Outro àquilo que o causou,

a suas origens, ao seu masoquismo original, como alienado ao Outro, como objeto para o

Outro gozar.

O perverso tenta ocupar o lugar do objeto causa de desejo, do falo que não tem e

não é para consagrar o Outro ao gozo e, gozando, acentuar no Outro sua divisão. O

objeto da fantasia na perversão está fora do Outro significante, por isso, ele não

coloca o analista no lugar de sujeito suposto saber – ele tem certeza de seu gozo,

não espera a resposta de um psicanalista, sua verdade chega sempre na hora certa

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(...) Ali onde o neurótico foge, o perverso se precipita, revelando a defesa e sua

erotização, pois, na renegação da castração da mãe, transforma a castração em

gozo, o horror em fascinação (Dias, 2003, p. 175).

Ao desmentir a castração, o desejo e a pulsão são convertidos em vontade de gozo. O

horror da castração é transformado em gozo. Neste sentido, é possível pensar que o perverso

está muito próximo do desejo do Outro. E, apesar de muitas discussões aprovarem o

contrário, o perverso encontra-se numa angústia dilacerante frente a esse Outro.

Por fim, uma consideração... alheia à psicose.

O sujeito, através das operações de alienação e separação, é lançado na articulação

significante, indicadora da falta no Outro e, ao mesmo tempo, reconhecimento de

sua própria falta. Na escuta do fantasma, uma nova clínica se faz. Algo de fora de

todo o simbólico, excluído do significante, vindo sob a forma de repetição (...) Na

impossibilidade de um DITO, a construção vem se fazer presente, não para dar

significação ou preenchimento do vazio. A “restituição” do fantasma fundamental

que sustenta os símbolos até o acesso à verdade inconsciente vai revelar ao sujeito

– de seu vazio – seus restos como produção a partir de um significante primevo.

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Uma frase, arrastando a gramática, vai implicar que se articule uma lógica, lógica

do NÃO-TODO. A verdade ganha, na impossibilidade de dizê-la toda, seu estatuto

(...) A verdade do desejo funda o estatuto ético do inconsciente, e é como vai operar

a partir desse lugar: colocando em questão seu próprio desejo (...) O Outro não dá

ao sujeito barrado o significado da sua existência, mas o significante de sua falta

(...) ( Mader, 1993, p. 123).

Palavras Finais

“Assim a loucura nos mostra uma imagem da liberdade que é alheia aos normais, os mais ou menos neuróticos ou

perversos, os que nos defendemos do real por meio do simbólico, nos agarramos à nossa imagem narcísica e nos instalamos

em uma suposta “realidade” que está feita de enlaces arbitrários entre significantes e significados. Tal “realidade” não é mais

que uma formação fantasmática compartilhada por muitos bem-pensantes e que nos deixa a ilusão de não estar loucos”

(Braunstein, 2001, p. 270).

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Apesar de exaustivamente discutido a questão fantasmática e do gozo na psicose e na

perversão, optou-se por fazer essas considerações finais a fim de reunir em poucas palavras o

que fora apresentado.

Se por um lado, a psicose é marcada pela forclusão do Nome-do-Pai, a perversão se

escreve pelo desmentido da castração.

Há que se reconhecer que a defesa, nos casos de perversão, é menos radical do que

aquela que a psicose engendra, tendo em vista que há dois movimentos: um que reconhece e

outro que desmente a falta. Diferentemente, na psicose, percebe-se uma alucinação do pênis;

um resto não simbolizado que retorna do real devido a uma não inscrição de sentido do

desejo materno, ou seja, a uma ausência do Nome-do-Pai como metáfora que significa o

desejo da mãe.

A ausência do significante Nome-do-Pai marca o sujeito numa posição peculiar. Não

se trata de liberdade total, mas de um sujeito submetido ao inefável gozo do Outro, ou seja, ao

bem dizer do desejo materno. Na psicose, o sujeito está entregue ao Outro; não responde por

si, não é dono de si mesmo. Nestes casos, o gozo não está limitado, cerceado. O objeto não se

encontra perdido; não há possibilidade de metáfora ou metonímia em sua relação com os

outros significantes da cadeia.

O limite ao gozo possibilita a inserção do sujeito na linguagem; como resto dessa

operação, resta algo inacessível ao sujeito: ‘a’. Este processo falha na psicose; não há limite

para o gozo; a palavra e o discurso ficam comprometidos. Na cadeia, S1 não representa o

sujeito para S2. Isso trará conseqüências na configuração fantasmática no psicótico.

Tomando a fantasia como meio do sujeito se distanciar do objeto causa de desejo (a),

ou seja, do objeto de gozo, tem-se que, na psicose, o sujeito não se encontra protegido desse

gozo inefável. O losango que manteria distância entre o sujeito e o objeto de gozo – proibido -

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é falho. Na psicose, o sujeito fica imerso nesse gozo; é nada mais que o objeto do gozo do

Outro.

O psicótico não se sustenta à distância do gozo, habita nele; está identificado com

seu gozo. Ele é gozo. A alucinação não é uma percepção de alguém (...) Faltando o

losango que afasta o sujeito do gozo do objeto a, a condensação é agora produzida

entre os dois termos do fantasma (...) na alucinação, o sujeito está fundido,

confundido, com seu objeto. Não são dois, mas apenas um, não guardam uma

relação de exterioridade recíproca (Braunstein, 2007, p. 277-278).

Na perversão, o que ocorre é uma transformação do desejo em vontade de gozo. E,

como já fora dito, é o desejo e sua causa que estão a sustentar a fantasia. Nestes casos,

diferentemente da psicose, a renúncia e a limitação do gozo compareceram. Sendo assim, o

Nome-do-Pai não está forcluído. O perverso encontra-se na ordenação edípica e na Lei do

desejo, mesmo que este se converta em vontade de gozo. Neste casos, a configuração

fantasmática se apresenta tal como: a ◊ $.

O que explicaria, então, a tomada da fantasia $ ◊ a para sua inversão em a ◊ $? É

compreensível, ao se tomar a configuração da estrutura perversa.

O perverso que se toma e que pretende ser visto como um sujeito absoluto que porta

e aporta o gozo, um ser sem barra, é levado pela lógica mesma de sua estrutura e

de seu desejo a converter-se em um objeto, em um instrumento, em um complemento

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que está a serviço do Outro (...) ele é o a, um a que positiviza o falo, que nega que o

falo falte, que assegura que o gozo se falifica no Outro (Braunstein, 2007, p. 256).

Em sua posição de a, o que o perverso busca é a divisão do sujeito; almeja remetê-lo

a suas origens, ao seu masoquismo original, alienado no desejo do grande Outro, posicionado

como objeto diante desse Outro primordial.

Diante destas últimas palavras, cabe ressaltar a importância clínica da posição do

sujeito na configuração do seu fantasma e dos seus modos de gozar a fim de que se possa

alcançar uma maior compreensão da dinâmica do sujeito na estrutura.

O presente trabalho buscou elevar as “categorias” do gozo e do fantasma como

ferramentas fundamentais a serem utilizadas no critério diagnóstico. Há que se deixar claro

que não se trata de engessar o sujeito perante suas possibilidades, mas de uma orientação

necessária que viabilize o manejo clínico no atendimento destes casos. Apesar de ser uma

produção eminentemente teórica, acredita-se nos ganhos clínicos que poderão advir como

conseqüência. Inclusive, porque não se constitui uma clínica sem teoria, nem uma teoria sem

respaldo clínico.

Bom, o trabalho apenas começa...

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